Você está na página 1de 3

Augusto de volta ao Eu (e outras poesias)

22 de setembro de 2032. Era uma tarde de domingo ensolarado, um desses dias que por si só
já carregam todo o vazio existencial que alguém pode sentir. Um homem, em seu escritório,
admira através de uma janela lateral, um grandioso pé de tamarindo - talvez a única coisa
verde e viva que seus olhos conseguiam ver nos arredores. Seu nome era Augusto dos Anjos,
tinha 30 anos de pura insatisfação com a vida. Augusto se distraía totalmente e perdia o foco
em planejar suas aulas de Literatura Brasileira. A todo momento, o jovem se questionava se
havia seguido o caminho certo em sua profissão.

Encantado com a imagem à sua frente, abandona os papéis que estava organizando em cima
da mesa e sai em direção ao pé de tamarindo. Ele sorri, observando o seu lugar de paz e deita
debaixo da grandiosa e imponente árvore. O jovem professor encontra perto das tortuosas
raízes, um óculos VR, uma espécie de aparelho de realidade virtual. Augusto coloca o
aparelho sobre sua face e é redimensionado para um espaço paralelo a sua realidade.
Explorando o ambiente, encontra, embaixo do pé de tamarindo,um livro, intitulado “Eu e
Outras Poesias". Ele não conseguia entender o porquê daquela obra ter sua autoria, afinal,
nunca havia escrito nada, apesar de suas intensas reflexões sobre o homem. Porém, o que lhe
fez perder totalmente a compostura foi o que estava abaixo do livro: uma lápide, na qual se
encontrava os seguintes dizeres: Aqui jaz o poeta da morte, Augusto de Carvalho de
Rodrigues dos Anjos.

Augusto, atordoado ao ver que aquilo se tratava da sua sepultura, indagou: o que haverá me
levado a este tão sombrio túmulo? O jovem pega o livro sobreposto à sepultura e o abre em
uma página cujo cabeçalho estava intitulado “O caixão fantástico”. Ele lê atentamente:

“Era tarde! Fazia muito frio.


Na rua, apenas o caixão sombrio
Ia continuando seu passeio!”

Ao ler esses versos, o escritor é redimensionado ao momento do seu sepultamento. Lá,


encontra uma mulher desconsolada que chorava a sua morte. Para sua surpresa,não era Ester,
sua esposa. Tratava-se sim de Amélia, sua primeira paixão juvenil. Ao tentar se aproximar de
Amélia, ele volta para a cena inicial onde está seu túmulo. Augusto percebe que é o livro que
o leva às cenas que remetem a sua vida. Fica curioso e o abre novamente.

“Mas tudo isto é ilusão de minha parte!


Quem sabe se não é porque não saio
Desde que, 6ª feira, 3 de Maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!”

Novamente ele é transportado para mais um episódio de sua vida: o dia de sua formatura. O
seu eu mais jovem, segura com orgulho o diploma de formatura. É amargurado e carrega uma
infinita tristeza em suas feições, pois já havia perdido seu pai para a morte e sua estabilidade
financeira praticamente não existia. Augusto, ao ver sua outra versão, sente toda a dor que só
alguém que já perdeu um ente amado pode sentir. Aquela dor destruiu seu peito, mas antes
que pudesse consolar seu outro eu, ele estava lá novamente, de volta aos pés do tamarineiro.

_ Meu pai! - lembrou-se._ Preciso vê-lo pela última vez e dar um digno adeus. Ele começa a
folhear as páginas do livro em busca de algum poema que relembre seu pai. “Soneto”, este é
o poema escolhido.
“Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral?!

Augusto anseia ver seu pai, mas a cena à sua frente é outra: a sua primeira morte, a morte do
seu amado e esperado filho. Ester gemia de dor. A morte reverberava e sua voz era
ensurdecedora. Augusto não conseguia ver a sua esposa, apenas uma silhueta, ao longe, e
uma grande poça de sangue que escorria pelo chão. Era a vida que se esvaia sob as mãos da
parteira que não conseguiu salvar seu pequeno fruto. Sentindo o gosto amargo da sua perda,
cai de joelhos e clama misericórdia: Oh, morte, por que fazes isto comigo?! A descrença na
existência começa assim a invadir seu ser. Augusto então volta mais uma vez para perto das
raízes do pé de tamarindo.

Era como se tudo se resumisse à morte. Mas ele buscava a vida, a vida com seu pai, seus
momentos mais felizes.Percorrendo as páginas do livro, Augusto encontra o poema “Ao meu
pai morto”. O medo de reviver a morte do pai é imenso, mas o desejo de poder dar adeus ao
seu herói era maior.

“Madrugada de treze de Janeiro.


Rezo, sonhando, o ofício da agonia.
Meu pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!”

Augusto encontra seu pai. Para seu alívio estava vivo! Vivo como a folhagem verde de um pé
de tamarindo. Naquele momento toda a sua angústia se dissipa e em lugar da dor vem o
conforto de ver seu velho pai. Ele sabe que se tentar abraçá-lo será inútil, já que sempre que
tenta participar da cena, volta para o mesmo local: o pé de tamarindo. Augusto, atentamente
ouve a voz do seu pai:

_ Meu filho, por que estás me olhando desse jeito?


_ Pai? Meu pai, está mesmo falando comigo?
_ Com quem mais seria? Me responda uma coisa, filho: por que tentas tanto interferir no seu
passado desse jeito?
_ Eu não entendo o vazio que existe em meu peito, pai. Quero me realizar.
_ O que te faz feliz, meu querido?!
Eu gosto de escrever, eu quero ser poeta e quero sentir o calor do teu abraço, teu aconchego.
O olhar do seu pai transbordava tanta ternura, que Augusto não resistiu em correr para o lugar
mais terno do mundo, os braços do seu pai. Foi o abraço mais aconchegante que já recebeu
em toda sua existência. Durante o abraço, seu pai sussurra em seu ouvido um dos versos do
livro:

“Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem…


E não pôde domá-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!”

E assim se fez. Augusto encontrou naquele metaverso a peça que preenchia seu vazio
existencial: sua caneta tinteiro.

Você também pode gostar