Você está na página 1de 10

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Mestrado em Bibliotecas Escolares e Literacias do século XXI

TEORIA SOCIAL E EDUCAÇÃO

RECENSÃO CRÍTICA SOBRE A OBRA


ENTRE PAIS E PROFESSORES, UM DIÁLOGO
IMPOSSÍVEL? PARA UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA
DAS INTERACÇÕES ENTRE A FAMÍLIA E A ESCOLA

Professor: Manuel Tavares

Mestranda: Maria Josefa Fortes F. de Carvalho

Lisboa, 12 de Abril de 2010


Cléopâtre Montandon e Philippe Perrenoud (2001).
Entre Pais e Professores, um Diálogo Impossível? Para
uma análise sociológica das interacções entre a família e
a escola.
Oeiras: Celta Editora, 167 páginas

O objectivo da obra Entre pais e professores, um diálogo


impossível? é, segundo os seus autores, descrever e analisar
as relações entre as famílias e a escola, contribuindo para a
compreensão dessa relação, por vezes “frágil ou
conturbada”, entre pais e docentes. Os textos apresentados
assumem, assim, grande pertinência face à valorização
crescente que esse relacionamento tem vindo a assumir na
construção de um clima escolar favorável às aprendizagens e
formação dos jovens.
Ao longo dos últimos anos, as políticas educativas
apontam para o desenvolvimento da cooperação entre a
escola e a família, sobretudo como forma de promover o

sucesso escolar. Sabe-se que o envolvimento dos pais na


escolaridade dos seus educandos é importante – e, por vezes,
determinante – no desempenho académico destes, daí o

Recensão crítica 2
enfoque colocado na necessidade de colaboração e partilha
das tarefas educativas entre pais e professores/escola.
Todavia, esse diálogo nem sempre é fácil. Pelo contrário, é
marcado por tensões, por ambiguidades, por avanços e
recuos. A resposta à pergunta formulada no título da obra,
“Diálogo impossível?” é claramente um não. No entanto, os
autores consideram que há constrangimentos e resistências
de ambos os lados, sobretudo por se tratar de duas

instituições que não têm o mesmo poder.

A obra analisada está organizada em cinco partes: uma


introdução escrita pelos dois autores e cinco capítulos, três
da autoria de Montandon e dois da autoria de Perrenoud.
Na extensa introdução, os autores analisam alguns dos
factores que dificultam o diálogo família/escola.
Consideram que nem todos os pais valorizam de igual modo
a escolaridade dos seus educandos e que essa experiência é
por eles vivida de forma diferente, dependendo,
fundamentalmente, do sucesso ou insucesso académico dos
filhos, bem como do seu grau de satisfação por frequentarem
a escola. Mas seja qual for a sua envolvência, “(...) de uma
maneira ou de outra, omnipresente ou discreta, agradável ou

Recensão crítica 3
ameaçadora, a escola faz parte da vida quotidiana de cada
família” (pág. 1)
A preocupação com a felicidade e o desenvolvimento dos
filhos gera nos pais expectativas em relação à instituição à
qual os vão confiar. Como forma de defenderem os
interesses dos filhos, cada vez mais os pais querem ter uma
palavra a dizer sobre a forma como a escola os trata,
podendo essa participação/intervenção assumir várias

formas – a título particular em reuniões com o(s)


professor(es) para discutir os progressos dos alunos, em
reuniões de pais, em actividades do estabelecimento, através
de associações, ou integrando os vários órgãos de gestão.
Por seu lado, a escola esforça-se por acolher os pais. No
entanto, perante a pressão e as exigências por vezes
excessivas dos mesmos, a escola pode mostrar-se defensiva,
sobretudo quando há ingerência no domínio das práticas
pedagógicas, dos resultados e da disciplina. Os professores
sentem as suas prerrogativas ameaçadas e acham-se no
direito de exercer a sua actividade sem ter que prestar contas
dos seus métodos.
Montandon e Perrenoud consideram que é difícil impor
limites à abertura da escola aos pais. Seria desejável que

Recensão crítica 4
essa participação se concretizasse na partilha de tarefas
educativas e na divisão de responsabilidades, na colaboração
em prol do bem-estar dos jovens. Mas este objectivo de
parceria, perseguido por muitos pais, é desprezado por
outros que questionam, interferem e ameaçam, prejudicando
a causa dos que estão dispostos a participar. Embora
reconheçam que “entre os pais e a escola, não há nenhuma
razão para que as relações estabelecidas sejam serenas”,

defendem que esse relacionamento é possível, se o diálogo


entre ambos for constantemente “alimentado e reconstruído”
(pág.5).
Os autores lamentam a ausência de estudos sociológicos
que abordem esta questão. As tentativas de integração entre
a sociologia da educação e a sociologia da família estão
ainda numa fase embrionária, pelo que a análise das relações
família-escola pertencem, segundo eles, a uma “terra de
ninguém”. Assim, esta obra assume-se como um contributo
para preencher esse vazio teórico, embora sem qualquer
carácter normativo. Sem tomar partido ou propor soluções,
os autores visam fundamentalmente explicar o que está em
jogo entre a família e a escola e explorar diferentes pistas no
âmbito dessa relação.

Recensão crítica 5
Também os professores se dividem em relação à
“parceria” com os pais. Há os que a aceitam e encorajam
incondicionalmente, há os que evitam a todo o custo,
finalmente os que funcionam de modo burocrático,
limitando-se a cumprir o estipulado nos regulamentos e
realizando um número mínimo de contactos.
Por fim, os pais apresentam, em relação à escola, atitudes
e comportamentos diferentes, determinados, sobretudo, pela

forma como vivenciam a escolaridade dos filhos. Alguns


envolvem-se activamente, outros evitam qualquer contacto
com a escola e os professores ou aceitam participar,
contrariados, em reuniões e actividades.
Apesar destes constrangimentos, as tentativas de
aproximação que têm sido feitas de ambas as partes, têm
contribuído para potenciar um diálogo efectivo entre a
família e a escola. Esta está mais aberta aos pais e, como
sublinha Cléopâtre Montandon, “é por a escola estar menos
fechada hoje do que no passado, por se ter entreaberto
ligeiramente que os pais a procuram cada vez mais” (pág.
26).
Relacionando o conteúdo deste capítulo com a realidade
das escolas portuguesas, constata-se que a necessidade de

Recensão crítica 9
“abrir” a escola às famílias é reconhecida pelos docentes e
legitimada politicamente por normativos legais que definem
o alargamento das competências e domínios de actuação dos
pais na escola. Porém, é frequente essa “abertura” ser
utilizada com características e finalidades que se afastam do
desejável. É legítimo que os pais estejam conscientes das
suas responsabilidades enquanto educadores, manifestando
interesse pelo percurso escolar dos filhos e dando-lhes o

apoio necessário, mas não é tolerável que esse interesse se


manifeste como ingerência na acção profissional dos
docentes. As “exigências” de alguns pais constituem um
factor desestabilizador do trabalho dos professores e do
ambiente nas escolas, podendo comprometer a evolução
entretanto verificada na relação entre as duas instituições.

No segundo capítulo, Entre a família e a escola, a


criança mensageiro e mensagem , Perrenoud retoma o tema
da complexidade das relações Escola–Família, introduzindo
um “actor social” um pouco esquecido e/ou desvalorizado,
mas que assume especial importância enquanto mediador da
comunicação entre ambas: a criança.

Recensão crítica 10
Os contactos directos constituem apenas a parte visível da
relação, sendo a “face oculta” assegurada pela criança
através dos recados que transporta entre pais e professores.
Ela funciona como mensageiro entre ambos. É um “go
between” que, como o jovem do filme de Joseph Losey, “vai
e vem entre dois mundos” (pág. 52). E, tal como no filme, a
criança não é um agente passivo e neutro. Nas palavras do
autor “(…) o go-between é o árbitro das relações entre os

seus pais e os seus professores. Ele pode tornar possíveis ou,


pelo contrário, destituir de sentido as comunicações
directas” (pág. 30). Se houver cooperação entre pais e
professores, ele torna-se um agente de ligação, favorecendo
a sua aproximação. Se, pelo contrário, houver conflito,
torna-se suspeito de ser um “agente duplo” e “será instado a
tomar partido, a dar garantias de lealdade às duas partes”
(pág. 31).
No seu papel de “correio”, o aluno sente que tem um certo
controlo da comunicação, podendo “jogar” na relação
pais/professores de acordo com os seus interesses. Neste
“jogo” recorre a várias estratégias: deturpar o sentido da
mensagem, não a transmitir, influenciar a sua interpretação
ao usar determinado tom de voz ou fazer determinado

Recensão crítica 11
sujeitas a um estudo mais aprofundado: o papel dos pais na
educação dos filhos que, segundo a autora tem que ser
complementado “(…) pelos contributos de outros adultos
exteriores à família como são os professores” (pág. 161); as
vantagens e desvantagens da participação dos pais nos
projectos educativos e na gestão das escolas; os contextos
em que é possível a parceria professores-pais; o lugar da
criança nas relações entre a família e a escola.

Em relação a este último aspecto, a autora sublinha a


necessidade de se olhar para a criança não como um ser
passivo, mas sim como um “actor” que exerce uma
influência activa no desenvolvimento da relação pais-
professores, papel que é ainda bastante negligenciado pela
pesquisa educacional.

O relacionamento escola-família que, num passado não


muito distante, era inexistente ou muito esporádico, tem
despertado, nos últimos anos, grande atenção e interesse.
Sabemos que nem todos os pais têm a mesma relação com
a escola e os professores, e que cada docente, no seu
trabalho diário, enfrenta atitudes parentais diferentes e
exigências difíceis de conciliar se não houver comunicação,

Recensão crítica 23
partilha de responsabilidades e respeito pelas funções
inerentes a cada uma das partes.
Num contexto escolar caracterizado pela complexidade
das relações, a obra recenseada é, pois, um contributo
valioso para docentes e pais percepcionarem “o outro lado”
e tentarem encontrar estratégias comuns em torno do mesmo
objectivo – o desenvolvimento harmonioso da criança.

Recensão crítica 24

Você também pode gostar