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ALZNAUER, Mark. Rival versions of objective spirit. Hegel Bulletin, n. 37, v. 2, 2016, p. 209-231.

A tese de fundo de Hegel sobre o Espírito Objetivo é que algumas capacidades humanas, como
pensar e agir, não são capacidades que temos como indivíduos singulares, mas dependem, de
alguma forma, das normas sociais e instituições. Tradicionalmente, interpretava-se sua
construção como dependente de uma metafisica antiquada, depois entendeu-se que seria
próxima à construção de Wittgenstein acerca do respeito às regras. O artigo busca mostrar
com essa tentativa é falha – 209 – e como a teoria de Hegel é incompatível com a de
Wittgenstein.

A ideia geral da relação entre atividade humana e Espírito Objetivo pode ser dividida em três
momentos: argumento teleológico, tradicionalmente identificado com Hegel, que nos diz que
o homem tem um telos que apenas é realizado plenamente em determinadas condições
políticas; argumento sociológico, de Dilthey, que se limita a mostrar que padrões e instituições
culturais tem um papel crucial na estruturação da vida humana; argumento quasi-
transcendental, de Heidegger e Wittgenstein, que diz que toda ação e pensamento humanos
pressupõe conceitualmente uma comunidade linguística. O último argumento, supostamente,
teria o mérito de não se limitar a generalizações empíricas e evitar problemáticos argumentos
teleológicos. A parte seguinte do artigo mostra como alguns comentadores atuais aproximam
Hegel do terceiro argumento. Ao invés dos humanos necessitarem de certas instituições
políticas para realizar seu fim, teríamos que o pensamento e atividade humanas não seriam
possíveis sem um contexto social. Ao final, o artigo mostra como essa leitura não é compatível
com o texto de Hegel – 210 – e que é necessário aprimorar o argumento teleológico a partir de
Hegel. - 211

I. A Brief History of Objective Spirit


Hegel coloca o Espírito Objetivo como o ponto intermediário de sua Enciclopédia – como o
segundo estágio [Stufen] que o Espírito atravessa no seu caminho rumo ao autoconhecimento
pleno do seu conceito [Begriff] ou essência [Wesen] (PM385). Comentadores concordam que a
forma como Hegel fala do desenvolvimento do Espírito é metafórica, mas que a noção de
desenvolvimento, em si, é literal. O Espírito não apresenta simultaneamente os três estágios,
mas se desenvolve através deles. Nessa leitura, o Espírito Subjetivo depende do Espírito
Objetivo para se atualizar, não para existir.

Além disso, a ideia de Espírito Objetivo não sobre todas as formas de intersubjetividade, mas
apenas um conteúdo específico delas, as leis e costumes de um Estado. O Espírito Objetivo não
trata, por exemplo, da linguagem ou interação social em si. Isso parece derivar diretamente do
texto, já que Hegel afirma que as relações intersubjetivas apenas se tornam objetivas quando
satisfazem as condições de ser direto (PM486) – 211 -, ou seja, na medida em que encarnam as
condições da liberdade humana.

Essa noção de Espírito Objetivo é abandonada depois de Hegel, tendo a reflexão histórica ou
sociológica privilegiado uma construção dita mais científica, e apenas reaparece com Dilthey e
Simmel, mas purgada de seus elementos metafísicos e teleológicos. O Espírito Objetivo aqui
está dentro do marco das ciências sociais empíricas que o haviam abandonado. Ele passa a
servir para designar um campo específico para as ciências históricas e sociais.

Dilthey faz isso no seu livro de 1910, Der Aufbau der geschichlichen Welt in den
Geistewissenschaften. – 212 – Dilthey diferencia sua teoria da de Hegel afirmando que esse
construiu sua ideia de Espírito Objetivo a partir de uma concepção a priori de vontade livre ou
racional, enquanto ele estaria preocupado com uma análise da realidade histórica e social não
limitada por compromissos filosóficos prévios, como as supostas condições necessárias de
realização da liberdade humana. Uma abordagem puramente empírica. Isso permite, segundo
Dilthey, alargar o conceito para abarcar qualquer faceta da vida humana que se desenvolva
publicamente, como a linguagem e aquelas categorias que Hegel trata sob o título de Espírito
Absoluto. Ao invés de se ocupar apenas das leis e costumes necessários para a realização da
liberdade humana, o Espírito Objetivo cobre toda a cultura humana. Esse é o argumento
sociológico. Nele, o espírito subjetivo depende do espírito objetivo, pois as instituições
culturais cumprem um papel essencial em toda ação humana. – 213 – Essa construção vai
desembocar em Heidegger, para quem não é nem mesmo possível separar fatores sociais e
históricos de individuais, logo a ideia de que os primeiros meramente “influenciam” os
segundos é insuficiente.

Na sequência temos Wittgenstein, para quem, nas Investigações, na interpretação de Winch,


todo seguir de regras pressupõe uma comunidade linguística. Expandido isso para toda ação e
pensamento, não faz sentido falar de cognição humana fora de seu contexto social. Ou seja, o
caráter social da ação humana não é mais uma alegação empírica, mas uma verdade filosófica
sobre a natureza da existência humana. Não devemos, porém, confundir isso com o
argumento teleológico. Não se trata de que determina tipo de espaço social é necessário para
que o homem realiza sua essência – 214 -, mas que a interação é inconcebível fora de um
contexto social. Outra consequência é que lei, e até a cultura, perde sua centralidade dando
espaço para a linguagem.

Com isso, defesas atuais do Espírito Objetivo ficam dentro deste marco estabelecido por
Heidegger e Wittgenstein, como podemos ver em Taylor, para quem o foco está, também, na
linguagem. [nota 9: uma exceção é Honneth – p. 227] Adotando a nomenclatura de Gillian
Rose, esse é o argumento quasi-transcendental. - 215

II. The Wittgensteinian Interpretation of Hegel


“First, if Hegel’s argument is rightly characterized as having a developmental structure, then a
quasi-transcendental defence of objective spirit would appear to offer it the wrong kind of
support. The problem is that you cannot justify a claim that subjective spirit must develop into
objective spirit by denying that subjective spirit is even conceivable apart from objective spirit.
In fact, if the quasi-transcendental argument is correct, and sociality is a condition of
mindedness, then the self-actualization argument is unintelligible, for it posits a transition
from an impossible condition to a necessary one.” – 216
(…)

“Of those who take this approach, Robert Brandom is perhaps the most explicit about treating
the apparently political aspects of the Phenomenology as allegorical. For Brandom, the Spirit
chapter is not the genealogy of law in Western history that it appears to be, it is actually an
account of the concept-use in general which uses law as a convenient way to make the
problem of the authority of concepts salient to the reader. But McDowell makes essentially the
same claim, contending that the ‘content’ discussed in the Spirit chapter—that is, the
particular political conceptions of what it is to have a reason which had their home in the
Greek polis, Roman empire, etc.—is incidental to Hegel’s true philosophical aim, which is just
to equip us with the right understanding of what it is to be an autonomous member of the
space of reasons at all (McDowell 2009: 181–82). For both Brandom and McDowell, what
appears to be a discussion of a succession of a specific form of normative authority—that
involved in the relation between the citizen and the state—is actually a metaphorical
treatment of the social dimensions of all concept-use or responsiveness to reasons.” - 218

III. Against the Wittgensteinian Interpretation of Hegel


Hegel é expresso em afirmar que o Espírito Objetivo diz respeito a pessoa enquanto sujeitos de
direito e proprietárias. É ontologicamente dependente de haver indivíduos com direitos de
propriedade. Neste sentido, já não podemos vê-lo como uma entidade transcendente que
intervém de fora nos assuntos humanos. Mas isso ainda não responde à principal discordância
entre o argumento quase-transcendental e o de autoatualização quanto ao que significa esse
alcançar o “ser-para-si”. Esse segundo afirma que há uma transformação na própria existência
humana, uma mudança de condição ontológica, enquanto no argumento quase-
transcendental apenas temos a percepção de algo que já era verdade. Ao invés de se tornar
um sujeito de direto, o indivíduo passaria a saber que é um sujeito de direto.

Uma diferença dessas visões se dá na visão sobre o escravo. Hegel define a escravidão como a
condição de ser apenas implicitamente livre, mas não ainda explicitamente ou
conscientemente (PR21A, 26, R). – 219 – Com isso, é própria falha do escravo que o impede de
tornar-se uma pessoa e em períodos históricos nos quais não há consciência da liberdade, não
se pode dizer que a escravidão viola os diretos de alguém. Já no argumento quase-
transcendental, não ver-se como uma pessoa é apenas um erro, pois já se é um sujeito de
direto, logo os diretos daquele indivíduo estão sim sendo violados. Hegel expressamente não
adota essa posição. Até mesmo povos inteiros podem não ter personalidade (PR35).

Além disso, o argumento quase-transcendental é afirma que um X seria impossível sem um Y,


mas se o primeiro é o Espírito Subjetivo e o segundo o Espírito Objetivo, Hegel não faz essa
afirmativa. Pelo contrário, o escravo é sim capaz de ação e pensamento, apenas não é uma
pessoa, não alcançou a personalidade. – 220

Além disso, entre os dois argumentos temos duas afirmativas distintas que, em tese, poderiam
ser combinadas: “mindedness” seria impossível sem a existência de uma comunidade
linguística; o espírito humana apenas se realiza plenamente através de uma comunidade
particular representada pelo Rechsstaat. O problema com essa compatibilização é o lugar da
autonomia moral, se é algo que surge na comunidade linguística ou com a cidadania. – 221

(...)

Para Brandom e McDowell, lendo Rousseau, a partir do momento que temos a autonomia
racional (capacidade de agir a partir de razões que se reconhece como próprias), já temos o
que precisamos para a autonomia moral (capacidade de agir a partir de razões que se
consideram obrigatórias). Hegel, em suas Lições sobre a História da Filosofia, entende que
Rousseau afirma não ser possível se pensar em uma autonomia moral genuína fora de um
estado racional. – 223 – Para Hegel, porém, a autonomia moral é distinta da autonomia
racional, mas não exige um estado ideal, mas apenas uma estrutura racional mínima. A
passagem do Espírito Subjetivo para o Espírito Objetivo é precisamente, em Hegel, a passagem
que explica como passamos de razões racionais para razões morais. “Genuine moral
autonomy, on Hegel’s view, is not coeval with the capacity to act on reasons, but requires a
further step: it requires the establishment of rational political and social institutions.” - 224
IV. Conclusion
“From this point of view, Wittgensteinian accounts of objective spirit mark a clear regression to
the normative standpoint of the social contract tradition. On such accounts, moral obligations
are either fully present in the state of nature (as McDowell contends) or they can be viewed as
rooted in acts that take place between individuals considered apart from any political
institutions (as Brandom argues). But to concede either of these points requires reverting to
exactly those Lockean or Hobbesian commitments that Hegel has taken such pains to
overcome in the Philosophy of Right. Although the Wittgensteinian interpretation appears to
radicalize Hegel’s commitment to sociality by making it a transcendental condition of all
thought and action, it has the actual effect of returning us to the pre-Hegelian idea that the
normative standards by which the state is to be evaluated are already in place prior to the
establishment of any political institutions.” - 225

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