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10b BRANDÃO, Luis Alberto. Espaços Literários. PDF
10b BRANDÃO, Luis Alberto. Espaços Literários. PDF
AA
ESPAÇOS LITERÁRIOS E SUAS EXPANSÕES
RESUMO
Este trabalho define os principais modos segundo os quais a
categoria espaço tem sido utilizada em análises literárias. Estes
modos são: representação do espaço; espaço como estruturação
textual; espaço como focalização; espaço da linguagem. Também
aborda algumas tentativas de expandir o conceito de espaço e
discute possíveis conseqüências para os Estudos Literários.
PALAVRAS-CHAVE
Espaço. Espaço literário. Literatura. Teoria da Literatura.
O
termo espaço possui relevância teórica em várias áreas de conhecimento.
Constata-se a vocação transdisciplinar da categoria tanto em estudos que articulam
distintas áreas – como Geografia, Teoria da Arte, Física, Filosofia, Teoria da Literatura,
Urbanismo, Semiótica – quanto naqueles que necessitam delimitar o grau de adequação,
para determinada área de conhecimento, de sentidos pressupostos em outras áreas. Deve-
se enfatizar que a feição transdisciplinar do conceito de espaço é fonte não somente de
uma abertura crítica estimulante, já que articulatória, agregadora, mas também de
uma série de dificuldades devidas à inexistência de um significado unívoco, e ao fato
de que o conceito assume funções bastante diversas em cada contexto teórico específico.
Tal multifuncionalidade também se demonstra na posição variável ocupada pela
categoria espaço no âmbito da Teoria da Literatura. Segundo um prisma abrangente,
observa-se que as oscilações dos significados vinculados ao termo são tributárias das
distintas orientações epistemológicas que conformam as tendências críticas voltadas
para a análise do objeto literário, orientações que se traduzem na definição dos objetos
de estudo, nas metodologias de abordagem e nos objetivos das investigações. Assim, as
correntes formalistas e estruturalistas tendem a não considerar relevante a atribuição
de um valor “empírico”, “mimético”, à noção de espaço como categoria literária; e a
defender a existência de uma “espacialidade” da própria linguagem. Na direção oposta,
as correntes sociológicas ou culturalistas interessam-se justamente por adotar o espaço
como categoria de representação, como conteúdo social – portanto reconhecível
extratextualmente – que se projeta no texto.1 Cabe ressaltar, pois, que há, no escopo da
Teoria da Literatura, diferentes concepções de espaço, as quais nem sempre revelam,
1
Para o panorama, por nós proposto, da relação entre espaço e algumas correntes da Teoria da Literatura,
ver BRANDÃO. Breve história do espaço na Teoria da Literatura.
1. E SPAÇOS
SPAÇOS LITERÁRIOS
2
Este trabalho vincula-se ao projeto de pesquisa “Conceitos de espaço literário”, desenvolvido com o
apoio de bolsa de produtividade do CNPq.
3
No Dicionário de termos da narrativa, lê-se que a representação do espaço é “questão dominante numa
reflexão de índole narratológica”. Em: REIS; LOPES. Dicionário de termos da narrativa, p. 206.
4
Cf. PECHMAN. Cidades estreitamente vigiadas; GOMES. Todas as cidades, a cidade; LOBO; FARIA
(Org.). A poética das cidades; PESAVENTO. O imaginário da cidade; LIMA; FERNANDES (Org.). O
imaginário da cidade. Em geral, tais abordagens têm como base teórica privilegiada a obra de Walter
Benjamin (ver, sobretudo, BENJAMIN. The arcades project; BENJAMIN. Charles Baudelaire; BOLLE.
Fisiognomia da metrópole moderna; SARLO. Paisagens imaginárias; ROUANET. A razão nômade) e, em
escala mais reduzida, a de Angel Rama (RAMA. La ciudad letrada).
A forma estética na poesia moderna baseia-se, pois, numa lógica espacial que requer a
completa reorientação na atitude do leitor com relação à linguagem. Já que a referência
primeira de qualquer grupo de palavras é a algo interno ao próprio poema, a linguagem na
poesia moderna é realmente reflexiva. A relação do sentido é completada somente pela
percepção simultânea, no espaço, de grupos de palavras que não possuem nenhuma
relação compreensível entre si quando lidos consecutivamente no tempo.10
5
Cf. JOHNSON et al. O que é, afinal, Estudos Culturais?; BHABHA. The location of culture; HALL. A
identidade cultural na pós-modernidade; SAID. Cultura e imperialismo; PEREIRA; REIS (Org.). Literatura
e Estudos Culturais; ABDALA Jr. Fronteiras múltiplas, identidades plurais; HALL. Da diáspora; SAID.
Orientalismo; BITTENCOURT et al. (Org.). Geografias literárias e culturais; MATTELART; NEVEU.
Introdução aos Estudos Culturais.
6
Importante obra para o debate sobre a relação entre narração e descrição no texto literário é a de
LUKÁCS. Narrar ou descrever?
7
Levantamento bibliográfico sobre o uso, no âmbito dos Estudos Literários, de tais noções espaciais
encontra-se em ZUBIAURRE. Hacia una metodología del espacio narrativo.
8
A obra capital, aqui, é indubitavelmente a de BACHELARD. A poética do espaço.
9
Cf. LESSING. Laocoonte.
10
FRANK. The idea of spatial form, p. 15. “Aesthetic form in modern poetry, then, is based on a space-
logic that demands a complete reorientation in the reader’s attitude towards language. Since the
primary reference of any word-group is to something inside the poem itself, language in modern poetry
is really reflexive. The meaning-relashionship is completed only by the simultaneous perception in space
of word-groups that have no comprehensible relation to each other when read consecutively in time.”
Tal como os quadros de um mesmo pintor exibidos nas paredes de diferentes museus da
Europa, há toda uma série de locais proustianos que parece proclamar o seu pertencimento
a um mesmo universo. Mas esses locais ou quadros estão separados por grandes distâncias
neutras, de modo que o primeiro aspecto sugerido pela obra de Proust é o de um conjunto
bastante incompleto, onde o número de vestígios que subsistem é amplamente ultrapassado
pelo número de lacunas.12
11
FRANK. The idea of spatial form, p. 10. “ideally intend the reader to apprehend their work spatially,
in a moment of time, rather than as a sequence”.
12
POULET. O espaço proustiano, p. 39-40.
13
POULET. O espaço proustiano, p. 42.
14
POULET. O espaço proustiano, p. 58.
15
POULET. O espaço proustiano, p. 17.
16
FRANK. The idea of spatial form, p. 26-27. “To experience the passage of time, Proust had learned it
was necessary do rise above it and to grasp both past and present simultaneously in a moment of what he
called ‘pure time’. But ‘pure time’, obviously, is not time at all – it is perception in a moment of time, that
is to say, space”.
1.3 E SP AÇO
SPAÇO COMO FOCALIZAÇÃO
1.4 E SP
SPAACIALIDADE D A LINGU
LINGUAAGEM
17
POULET. O espaço proustiano, p. 86.
18
Cf. TODOROV. Estruturalismo e poética; GENETTE. Discurso da narrativa; BARTHES et al. Análise
estrutural da narrativa. Para um levantamento de teóricos que se dedicam a explorar o espaço como
categoria de uma “sintaxe narrativa”, ver ZUBIAURRE. Aspectos semiológicos y narratológicos: sintaxis
narrativa y funciones del espacio.
19
GENETTE. La littérature et l’espace, p. 44. “le langage semblait comme naturellement plus apte à
‘exprimer’ les relations spatiales que toute autre espèce de relation (et donc de realité)”.
20
LOTMAN. A estrutura do texto artístico, p. 360.
21
GENETTE. La littérature et l’espace, p. 45. “en distinguant rigoureusement la parole de la langue et
en donnant à celle-ci le premier role dans le jeu du langage, défini comme un système de relations
purement différentielles où chaque élément se qualifie par la place qu’il occupe dans un tableau
d’ensemble et par rapports verticaux et horizontaux qu’il entretient avec les éléments parents et voisins,
il est indéniable que Saussure et sés continuateurs ont mis en relief un mode d’être du langage qu’il
fault bien dire spatial, encore qu’il s’agisse là, comme l’écrit Blanchot, d’une spatialité ‘dont ni l’espace
géométrique ordinaire ni l’espace de la vie pratique ne nous permettent de ressaissir l’originalité’”.
22
Cf. JAKOBSON. Lingüística e comunicação; JAKOBSON. Arte verbal, signo verbal, tiempo verbal;
JAKOBSON. Lingüística. Poética. Cinema.
23
PAZ. A dupla chama, p. 12.
24
BARTHES. Le plaisir du texte, p. 257. “Qu’est-ce que la signifiance? C’est le sens en ce qu’il est produit
sensuellement.” Ver, também, KRISTEVA. Introdução à semanálise.
os significados são como seres míticos, de uma extrema imprecisão, e a um certo momento
tornam-se sempre os significantes de outra coisa: os significados passam, os significantes
ficam. A procura pelo significado não pode ser senão um procedimento provisório. O
papel do significado, quando se consegue delimitá-lo, é somente de nos dar uma espécie
de testemunho sobre um estado determinado da distribuição significante. Além disso,
deve-se notar que se atribui uma importância sempre crucial ao significado vazio, ao
lugar vazio do significado. Em outros termos, os elementos são compreendidos como
significantes mais por sua própria posição correlativa do que por seu conteúdo.25
Assim, considera-se que o texto literário é tão mais espacial quanto mais a dimensão
formal, ou do significante, é capaz de se destacar da dimensão conteudística, ou do significado.
2. E XPANSÕES
XPANSÕES DO ESPAÇO LITERÁRIO
ESPAÇO
O quadro exposto acima não tem a intenção de ser exaustivo, o que significa que
os quatro modos delineados não esgotam as possibilidades de abordagem do espaço no
texto literário, no âmbito da produção teórica e crítica desenvolvida ao longo do século
XX e princípio do XXI. Contudo, em função de levantamentos realizados, pode-se afirmar
que tais modos representam as tendências genéricas mais importantes (pelo menos quanto
ao fator recorrência), e em relação às quais é plausível situar outras possibilidades.
Estas podem, assim, ser tomadas como expansões daquelas, como derivações, em geral
problematizadoras, do núcleo central constituído pelas quatro vertentes primárias.
No presente item, são descritas, sucintamente, algumas dessas expansões. Deve-
se ter em mente que estas não chegam a constituir modos plenamente elaborados – e,
muito menos, consolidados –, seja como sistemas teóricos voltados especificamente para
o texto literário, seja como conjuntos de procedimentos metodológicos que garantiriam
uma aplicação imediata, capaz de gerar resultados avaliáveis com nitidez. A meta é,
pois, demonstrar a viabilidade de uma investigação prospectiva, muitas vezes tomando-
se, como base, sugestões – relacionadas em particular à categoria espaço, e conversíveis
ao campo literário – contidas em obras de autores diversos, obras não necessariamente
enquadráveis como Estudos Literários. A feição primordialmente especulativa tem como
25
BARTHES. Sémiologie et urbanisme, p. 443. “les signifiés sont comme des êtres mythiques, d’une
extrême imprécision, et qu’à un certain moment ils deviennent toujours les signifiants d’autre chose: les
signifiés passent, les signifiants demeurent. La chasse au signifié ne peut donc constituer qu’une démarche
provisoire. Le role du signifié, lorsqu’on arrive à le cerner, est seulement de nous apporter une sorte de
témoignage sur un état défini de la distribuition signifiante. En autre, il faut noter qu’on attribue une
importance toujours croissante au signifié vide, à la place vide du signifié. En d’autres termes, les éléments
sont compris comme signifiants davantage par leur prope position corrélative que par leur contenu”.
2.1 R E P R E S E N T A Ç Õ E S HETEROTÓPICAS
26
Segundo Foucault, as heterotopias impossibilitam o “lugar-comum”, “dessecam o propósito, estancam
as palavras nelas próprias, contestam, desde a raiz, toda possibilidade de gramática; desfazem os mitos e
imprimem esterilidade ao lirismo das frases” (FOUCAULT. As palavras e as coisas, p. 7-8). O
desenvolvimento da noção de heterotopia se encontra em FOUCAULT. Des espaces autres.
27
Passagem reveladora, em A poética do espaço, ocorre quando Bachelard, ao mencionar os arranha-
céus, recusa-lhes o estatuto de imagem por considerá-los sem “cosmicidade”. (BACHELARD. A poética
do espaço, p. 44-45)
28
Blanchot, lendo Mallarmé, destaca: “O espaço poético, fonte e ‘resultado’ da linguagem, nunca
existe como uma coisa, mas sempre ‘se espaça e se dissemina’.” (BLANCHOT. O livro por vir, p. 346).
29
Segundo Derrida, o movimento da significação pressupõe um intervalo no qual o presente se relaciona
com algo diferente de si, no qual o presente não é presente. “Esse intervalo constituindo-se, dividindo-
se dinamicamente, é aquilo a que podemos chamar espaçamento, devir-espaço do tempo ou devir-
tempo do espaço (temporização). (DERRIDA. Margens da filosofia, p. 45).
30
Bakhtin apresenta o conceito de cronotopo no texto “Forms of time and chronotope in the novel”. O
debate que propomos sobre a relação entre o conceito einsteiniano de tempo-espaço e o bakhtiniano de
cronotopo encontra-se em BRANDÃO. Chronotope.
31
Cf. DELEUZE; GUATTARI. O liso e o estriado.
2.4 E SP AÇOS
SPAÇOS D E INDETERMINAÇÃO
32
O que se vislumbra, aqui, talvez seja uma espécie de radicalização – sem qualquer feição
gramaticalizante ou funcionalista – do “modelo actancial” proposto por Greimas, modelo inspirado no
sistema de funções narrativas de Vladimir Propp. Ver GREIMAS. Ensaios de semiótica poética; GREIMAS.
Semântica estrutural; PROPP. Morfologia do conto.
33
Cf. LYOTARD. Scapeland. Texto também seminal para esse debate é o de BAKHTIN. O problema
do conteúdo, do material e da forma na criação literária.
ABSTRACT
This paper defines the main ways according to which the
category space is used in literary analysis. They are:
representation of space; space as textual structuration; space
as focalization; space of language. Also investigates some
attempts to expand the concept of space and discusses possible
consequences to Literary Studies.
KEYWORDS
Space. Literary space. Literature. Literary Theory.
REFERÊNCIAS
ABDALA JÚNIOR, Benjamin. Fronteiras múltiplas, identidades plurais. São Paulo: Senac,
2002.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BAKHTIN, Mikhail. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária.
In: ______. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Unesp, Hucitec, 1988. p. 13-70.
BAKHTIN, Mikhail. Forms of time and chronotope in the novel. In: ______. The dialogic
imagination. Austin: University of Texas Press, 1981. p.84-258.
BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1972.
BARTHES, Roland. Sémiologie et urbanisme. In: ______. Oeuvres complètes. Paris: Seuil,
1994. v. 2. p. 439-446.
34
Cf. ISER. O fictício e o imaginário; ROCHA (Org.). Teoria da ficção.