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Alinhamento:

Este recital foi desenvolvido seguindo a ideia de materialização progressiva, numa


evolução constante entre cada peça dos elementos externos ao instrumento, processo este
que culmina com a entrada de um segundo percussionista, na última peça (Nagoya).

Por esta lógica, Swerve surge como a primeira peça, devido à simplicidade inerente
às sonoridades que se adicionam à caixa mas também à simplicidade formal que caracteriza
a obra, quase ao estilo de um tema e variações mais clássico, mas com métrica pulsante e
constante. A peça define-se pela baqueta criada para o feito, que resulta na amálgama de
uma baqueta normal de caixa com uma mola usada em portas, além do recurso que faz a
uma agulha metálica de tricô, numa conjunção peculiar original por parte de Koshinski. A
criatividade é, desta forma, um ponto de partida que não cessará durante todo o recital.
Considero também que a relação que estabelece com o objetivo que defini é de vital
importância, expressando logo desde o princípio, através da estrutura que a caracteriza, a
importância do desenvolvimento motívico coerente, partindo de elementos simples.

No encadeamento decidi colocar o quarto andamento de Economy of Means,


"Cross Fit", pela transposição natural da métrica entre as duas peças, relacionada sobretudo
com o semelhante uso de "melodias" síncopadas. O motivo por detrás da troca dos
andamentos surge com a oportunidade apresentada de efetuar uma descida bastante
gradual nesta primeira parte, lentamente desconstruindo todo o groove inicial em
harmonias estáticas que se insinuam sobretudo a partir do terceiro andamento, "Fast Notes,
Long Notes", e afirmam-se principalmente no quinto andamento, "Broken Chords".
Economy of Means, com esta alteração à ordem, é uma ponte para a imersão dos sentidos,
a paulatina perda da força gravitacional que Swerve poderia conferir, além de preparar o
climax atingido na segunda parte. Partindo para uma análise mais particular, estabelecemos
uma relação com a matriz do recital numa primeira vista com os diversos acessórios usados
(folha de alumínio, folha de cartão, multi-rods, baquetas de borracha, arcos). Contudo, a
relação é sobretudo patente na análise do desenvolvimento da obra, e nas diversas técnicas
que Honstein emprega para realizar as viagens a que se propõe sem, contudo se afastar
muito das ideias iniciais.

Após uma curta pausa de cinco minutos, segue-se "Madera, Viento y Metal" de
Alejandro Vinao. Considero esta a obra principal, não só pela dificuldade e o esforço que
requer, mas também pela forma como repentinamente altera o rumo que o recital parece
tomar desde o seu início, contrastando com a imersão que a peça de vibrafone oferece,
ressuscitando um pouco do que caracteriza a peça de caixa. Referencio também todos os
processos de desenvolvimento temático que Vinao usa que, integrados no conceito da
materialização progressiva, espelham bem em conteúdo musical aquela que é a temática
intencionada para este concerto.

"Nagoya Marimbas", de Steve Reich, traduz ambiguamente um epílogo musical,

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numa forma minimal, tanto como serve de ponto de chegada, ao terminar o processo de
materialização no segundo percussionista. Pertence ao reportório central da percussão,
correspondendo a uma das mais icónicas peças de música de câmara disponíveis.

Notas ao Programa:

Swerve, de Gene Konshinski, foi encomendado por Tom Sherwood para o 2017 Modern
Snare Drum Competition. A composição é episódica e o título referencia o rápido
desenvolvimento das ideias e divertimentos sobre o material musical inicial, que é
constantemente repetido. Aliada à criação da obra, Koshinski desenvolveu também uma
baqueta própria, que deriva da baqueta tradicional de caixa e, em conjunto com a agulha de
tricô metálica a que recorre, define bem a estética já demonstrada em outras peças como
"SyNc" ou "Circuit Breaker", presente na forma como implementa novas técnicas e
sonoridades nas peças para instrumentos clássicos percussivos. A obra em questão, afirma-
se graças a estes fatores como um modelo representativo desta crescente corrente no
desenvolvimento do reportório percussivo, que o alia a compositores como Alyssa
Weinberg, Von Hansen ou Steve Snowden.

Percussionista, compositor e professor, Gene Koshinski (nascido em 1980) têm-se


distinguido pelas suas performances creativas. Professor de Percussão na Universidade de
Minnesota Duluh, é conhecido pela sua versatilidade como artista solo, de câmara, sinfónico
e ainda o seu involvimento noutros estilos, como jazz, pop e música do mundo. Atuou desde
a Argentina ao Japão, passando pela Áustria, Bélgica, Brazil, China, França, Alemanha,
Jordânia, Eslovénia, Inglaterra, Canadá, Estados Unidos e, mais recentemente, na Royal
College of Music em Londres e nos Conservatórios de Estrasbourgo e Lyon. Em 2002 ,
ganhou o National MTNA Percussion Competition em Cincinnati, Ohio, acbou em terceiro no
prestigiado Universal Marimba Competition em Sint-Truiden, Bélgica. Como compositor,
recebeu o 2012 ASCAP Foundation Nissim Prize para melhor partitura para ensemble com o
seu Concerto para Marimba e Coro.

An Economy of Means, de Robert Honstein, surge contrastando com o trio do mesmo An


Index of Possibility. Enquanto que a segunda obra usa uma vasta gama de materiais, a
primeira explora o potencial sonoro do vibrafone, variando apenas na escolha de baquetas
e em alguns acessórios colocados por cima das lâminas. A sensação de movimento é uma
constante, alimentando a transfiguração progressiva de um ambiente para o próximo, com

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episódios pontuais a definirem o drama. Os seis andamentos funcionam como peças
individuais, estando o alinhamento dos mesmos encarregue ao intérprete, e orbitam em
torno de uma esfera minimalista, conectando-se através de manchas sonoras ondulantes e
enevoadas. Escapando a esta malha transversal está o quarto andamento, "Cross Fit",
contrastando intensivamente com o resto da obra, fruto das texturas usadas, intencionado
a se escapar da estabilidade solene estabelecida até então. Foi encomendado por Doug
Perkins e o consórcio de alumni do Chosen Vale Summer Percussion Seminar.

Celebrado pelos "inteligentes, apelativos trabalhos" (The New Yorker), Honstein é


compositor de música de câmara, orquestral e vocal. As suas obras foram tocadas por
ensembles de renome como a Orquestra Sinfónica da Albânia, Eighth Blackbird, Third Angle
New Music, Ensemble Dal Niente, o quarteto Mivos, o quarteto Del Sol, Present Music, New
Morse Code e Hub New Music, entre outros. Recebeu o prémio Aaron Copland, vários
prémios da ASCAP e honras da Fundação Barlow, Carnegie Hall e New Music USA. Também
recebeu residência na MacDowell Colony, Copland House, no instituto de verão Bang on a
Can e no Tanglewood Music Center. Robert é fundador do colectivo de composição nova-
iorquino Sleeping Giant.

Madera, Viento y Metal, de Alejandro Vinao, é um trabalho de expansão sonora da


marimba, através do uso da eletrónica. Sentindo as limitações acústicas da marimba, o
compositor desenvolveu uma linguagem própria para acrescentar cores, sugeridas no título,
que complementam e transformam a identidade do instrumento. Desta forma, ao contrário
das suas produções puramente acústicas, Vinao usa a harmonia em função da cor e
ressonância, num diálogo constante com o intérprete. O uso do ressalto é extremamente
importante na compreensão da obra, pois define o carácter de diversos motivos e interage
constantemente com fragmentos marciais e pesados, numa relação intrínseca reforçada
pela eletrónica.

Alejandro Vinao, nascido a 4/9/1951 Buenos Aires, Argentina e posteriormente declarado


cidadão britânico, em 1994, afirmou-se como um dos indiscutíveis grandes nomes da
composição, especialmente para percussão, no virar do milénio. Tendo intensificado a sua
produção para este instrumento sobretudo na última década, já tinha adicionado ao
reportório obras icónicas como "Khan Variations" (2001), o Concerto para Marimba (1993)
ou RIFF (2006). Em Buenos Aires estudou com o compositor russo Jacobo Ficher,
ingressando na Royal College of Music de Londres em 1975. Recebeu vários prémios
internacionais como o "Golden Nica" Prix Ars Eletronica (1992), 1.º Prémio no International
Rostrum no conselho de música da UNESCO (1984) entre muitos outros. A sua música
caracteriza-se pelo uso de estruturas rítmicas complexas na creação de uma forma maior,
acompanhado por um desenvolvimento melódico inspirado em tradições não-europeias. A
sua produção conta com obras para ópera, teatro musical, coro, música instrumental e

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composições eletro-acústicas.

"Nagoya Marimbas", de Steve Reich, é uma peça de carácter minimal encomendada pelo
Conservatório de Nagoya, no Japão, para marcar a abertura no novo Shirakawa Hall, em
1994. Assemelha-se à obra de Reich entre 1960 e 1970, caracterizada pelo desfasamento do
mesmo motivo em um ou dois tempos, criando séries de canons. A habilidade do
compositor em guiar os motivos inicias através de um conjunto de técnicas de dilatação,
expansão, e aumentação rítmica são em certa forma semelhantes a certas técnicas
empregadas por Vinao, sendo este o motivo da sua posição como epílogo do recital.

Steve Reich (Nova Iorque, 3 de outubro de 1936) é considerado um dos mais importantes
compositores da música minimalista e da música modalista. Estudou percussão aos catorze
anos com o timpaneiro da Orquestra Filarmônica de Nova Iorque, tendo-se formado
contudo em Filosofia na Universidade Cornell e posteriormente estudado composição por
dois anos com Hall Overton, de 1958 até 1961 na escola de música Juilliard. Em 1990
ganhou o Grammy de melhor compositor contemporâneo e, em 2009, recebeu o Prémio
Pulitzer de Música por Double Sextet.

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