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Conrado Netto Martins de Mello

A Psicologia das massas e as manifestações no


Brasil

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“O homem, durante milênios, permaneceu o que
era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso,
capaz de existência política; o homem moderno é um
animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em
questão.” Michel Foucault

"A massa mantém a marca, a marca


mantém a mídia e a mídia controla a massa"
George Orwell

RESUMO

O presente trabalho se apresenta como um breve ensaio teórico que busca analisar as
revoltas/protestos que estouraram no pais, entre os meses de junho e julho do ano de 2013.
Esta introdução se inicia contando um breve histórico sobre a história da teoria das
psicologias das massas, dialogando com outros autores que falaram sobre o assunto até chegar
aos dias de hoje e as revoltas ocorridas no ano passado, protestos estes que começaram com
uma revolta contra o aumento das passagens de ônibus, que acabaram por se multiplicar e
acabaram ficando marcados pela ausência de um alvo específico. Os protestos foram
marcados por serem muito mais de cunho social do que político Este trabalho tem como
referencial teórico a psicanálise em diálogo especialmente com a psicologia social.

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2. SUMÁRIO

Resumo ....................................................................................................................6

Introdução ...............................................................................................................8

Psicologia das Massas: Um breve Histórico............................................................13

O MPL (Movimento Passe Livre)............................................................................23

As Massas no Neoliberalismo..................................................................................25

A Massa e seu líder..................................................................................................31

Os protestos de junho/julho 2013.............................................................................36

Justificativas

Acadêmica...............................................................................................................44

Social .......................................................................................................................44

Pessoal .....................................................................................................................44

Objetivos

Objetivo Geral .........................................................................................................45

Objetivos Específicos ..............................................................................................45

Pressupostos ............................................................................................................45

Métodologia ..........................................................................................................46
Instrumentos\Fontes .....................................................................................45
Coleta de dados ............................................................................................45

Processamento e Análise de Dados ........................................................................46

Considerações finais ...............................................................................................47

Referências .............................................................................................................49

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3. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo, discutir a onda de protestos ocorridos no Brasil
entre os meses de Juno e Julho de 2013. Os protestos massivos duraram cerca de um
mês, e com o passar do tempo foram se tornando mais espaçados. O que chamou a
atenção nestes protestos foi à ausência de um alvo específico, e o que se percebeu é que
foi um protesto muito mais de ordem social do que de ordem política. Este estudo
objetiva elucidar, esta onda de protestos, a partir da teoria da “Psicologia das Massas”
de Freud, além de dialogar com outros autores.

No final do século XIX, a teoria social se voltou para o estudo dos fenômenos coletivos
dando origem a uma nova teoria, a psicologia das massas. Expoentes que estudaram
estes fenômenos foram Gustav Le Bon (1895) e Sigmund Freud (1921).

Para Freud (1921,2013), o outro na vida psíquica do individuo entra em consideração de


maneira bem regular como modelo, objeto, ajudante e adversário, e por isso ao mesmo
tempo a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social nesse sentido
ampliado, porém inteiramente legitimo. As relações pessoais dos indivíduos são
fenômenos sociais, que se opõem a outros processos por nós chamados de Narcísicos,
nos quais a satisfação dos impulsos escapa à influência de outras pessoas ou a elas
renuncia.

Enquanto para Le Bon (1895/1954), apud Freud,(1921/2013):

“O que há de mais singular numa massa psicológica é o seguinte:


quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, por mais semelhantes ou
dessemelhantes que sejam seus modos de vida suas ocupações, seu caráter ou
sua inteligência, a mera circunstância de sua transformação numa massa lhes
confere uma alma coletiva, graças à qual sentem, pensam e agem de modo
inteiramente diferente do que cada um deles sentiria, pensaria e agiria
isoladamente. Há ideias e sentimentos que só surgem ou se transformam em
ações nos indivíduos ligados numa massa. A massa psicológica é um ser
provisório constituído por elementos heterogêneos que por um momento se

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ligaram entre si, exatamente como por meio de sua união as células do
organismo formam um novo ser com qualidades inteiramente diferentes
daquelas das células individuais.” (p.40).

Freud (1895/2013) relata que a psicologia das massas trata o indivíduo como membro
de uma tribo, um povo, uma casta, uma classe, uma instituição ou como elemento de um
grupo de pessoas que, em certo momento e com uma finalidade determinada, se
organiza numa massa.

Para ele, cada indivíduo participa da alma de muitos grupos, daquela de sua raça, classe,
comunidade de fé, nacionalidade etc., podendo também ir, além disso, e até atingir um
pouco de independência e originalidade. Tais grupos com seus efeitos uniformes e
constantes são formações grupais duradouras, e acabam sendo menos observados do que
os grupos rapidamente formados e transitórios, e nesses grupos ruidosos, efêmeros, é
onde Freud percebeu que o desaparecimento das aquisições individuais se dá sem deixar
traços, embora apenas temporariamente. O autor percebeu isso como uma renuncia do
individuo ao seu ideal do Eu, e a troca pelo ideal da massa corporificado no líder. Freud
justifica isso, explicando que em muitos indivíduos a separação entre Eu e ideal do Eu
não progrediu bastante, e assim os dois ainda coincidem facilmente, o Eu conserva a
anterior auto-complacência narcísica. Assim para Freud a escolha do líder é bem
facilitada, e com frequência ele necessita:
“(..) apenas possuir de modo particularmente puro e marcante os
atributos típicos desses indivíduos e dar a impressão de enorme força e
liberdade libidinal; então vai ao seu encontro a necessidade de um forte chefe
supremo, dotando-o de um poder tal que ele normalmente não poderia
reivindicar. Os outros, cujo ideal de Eu, de outro modo, não se teria
corporificado sem correções na sua pessoa, veem-se então arrebatados
“sugestivamente”, isto é, por identificação.” (idem p.43)

Já Reicher (2008 apud Gomes de Jesus 2013), considera que a psicologia aliada aos
estudos sociológicos, políticos ou mesmo históricos, têm muito a contribuir no
entendimento da formação das multidões e sua evolução, considerando-se esse um
complexo fenômeno relacionado à sociabilidade humana, e que explicita "a
inerentemente dialética natureza do relacionamento entre o indivíduo e a sociedade".

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Matamala (1980, apud Rodrigues,N 1939, apud Chaves, S,C 2003) explicita que na
Europa o interesse pelo estudo das massas contextualizava-se nas consequências das
transformações políticas e tecnológicas decorrentes da Revolução Francesa e da
Revolução Industrial. Com os desdobramentos surgiram às aglomerações urbanas, as
fábricas, os movimentos operários e um novo tipo de comportamento: o coletivo.

Enquanto Baudrillard (1985) descreve a massa como, uma característica da nossa


modernidade:

“Na qualidade de fenômeno altamente implosivo, irredutível


a qualquer prática e teoria tradicionais, talvez mesmo irredutível a
qualquer prática e a qualquer teoria simplesmente. Na representação
imaginária, as massas flutuam em algum ponto entre a passividade e a
espontaneidade selvagem, mas sempre como uma energia potencial,
como um estoque de social e de energia social, hoje referente mudo,
amanhã protagonista da história.” (P.5)

Segundo Rodrigues (1939, apud Chaves 2003), existe uma loucura que raciocina, e, na
loucura das multidões, existe um louco que a conduz, cuja lucidez, convicção e
semelhança em seus delírios faz com que as pessoas normais a ele se associem. A
loucura, então, é um estado psicológico característico da multidão e esta, mais que uma
reunião de pessoas, é uma associação psicológica, caracterizada pela impulsividade
primitiva e pela inconstância.

Canetti (1995) considera a massa um fenômeno tão enigmático quanto universal que
repentinamente se forma onde antes, nada havia. Alguns Indivíduos se juntam, nada foi
anunciado e nada é aguardado. As pessoas começam a se juntar vindas de todos os
lados, e é como se as ruas tivessem uma única direção. Mesmo sem saberem o que
acontece e, no entanto têm pressa de estar onde a maioria está. Em seu movimento, há
uma determinação que se diferencia da expressão da curiosidade habitual. O movimento
de uns, comunica-se aos outros; mas não é só isso: as pessoas têm uma meta.

“E ela está lá antes mesmo que se encontrem palavras para


descrevê-la: a meta é o ponto mais negro o local onde a maioria encontra-se reunida” (idem p.15)

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Le Bon (1895/1954, Apud Freud 1921/2013), pensa que os dotes particulares dos
indivíduos se apagam num grupo e que, dessa maneira, as diferenças desaparecem. O
inconsciente racial emerge; o que é heterogêneo submerge no que é homogêneo. Como
diríamos nós, a superestrutura mental, cujo desenvolvimento nos indivíduos apresenta
tais dessemelhanças, é removida, e as funções inconscientes, que são semelhantes em
todos, ficam expostas à vista. Assim, os indivíduos de um grupo viriam a mostrar um
caráter médio.

Rodrigues (1939, apud Chaves 2003), concordou com Le Bon e também delimitou a
individualidade na massa como decorrente da coletividade: esta difere da constituição
mental de cada pessoa em separado, permitindo que, no coletivo, além da dissolução da
pessoalidade, desapareçam também as desigualdades, as diferenças, e assim se forme
uma unidade psicológica, caracterizada pela impulsividade primitiva e pela
inconstância.

Le Bon (1895/1954) também acredita que os indivíduos na massa apresentam novas


características que não possuíam anteriormente, e busca a razão disso em três fatores
diferentes:

“O primeiro é que o indivíduo que faz parte de um grupo adquire, unicamente por considerações
numéricas, um sentimento de poder de invencibilidade que lhe permite render-se a instintos que, estivesse
ele sozinho, teria compulsoriamente mantido os sob repressão. Ficará o individuo ainda menos disposto a
controlar-se pela consideração ao fazer parte de um grupo anônimo e, por consequência, irresponsável, o
sentimento de responsabilidade que sempre controla os indivíduos, desaparece inteiramente.” (P.16)

Na opinião da maioria de especialistas, o fenômeno é mais social do que político e


concentra-se nas regiões metropolitanas, onde as sucessivas políticas públicas
executadas por governantes locais teriam deixado de atender aos principais anseios da
população, sobretudo os mais jovens. (Fonte BBC Brasil).

Para Maricato (2013), é razoável considerar ainda que, as revoltas mobilizaram diversos
segmentos das sociedades civis de várias áreas urbanas do país, inicialmente em torno
de reclamações contra o aumento de tarifas do transporte coletivo, mas cujos discursos
se pluralizaram, questionando as autoridades ao apresentar críticas quanto ao acesso e à

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qualidade dos serviços públicos e ao abordar questões estruturais, como os direitos
sociais, econômicos e de livre expressão.

Em suas interpretações sobre as causas dos protestos, sociólogos e cientistas políticos


destacam a insatisfação dos jovens com a administração pública e com as condições de
vida nas grandes cidades. (fonte, BBC BRASIL).

Para Cooley, (2003, apud Tarde 1976, apud Gomez de Jesus 2013), quanto maior a
densidade populacional, maior a competição pelos recursos que as cidades podem
oferecer. Na conjuntura contemporânea, as ações coletivas se configuraram como
estratégias efetivas de diferentes grupos sociais ou ideológicos na aquisição de recursos
e na ocupação de espaços de poder.

"Existe uma espécie de mal-estar difuso, sem um foco claro. Há uma


espécie de ressentimento e frustração de ordem social, alimentados

por um estilo de gestão que não oferece diálogo à população",

(Fonte, BBC BRASIL).

Outro fator novo nesta onda de protestos foi, à ausência de um líder, e o desencontro de
informações sobre os integrantes, origem do grupo, e as intenções dos protestos em si.
Para Baudrillard (1985), A massa é sem atributo, sem predicado, sem qualidade, sem
referência. Aí está sua definição, ou sua indefinição radical. Ela não tem “realidade”
sociológica. Ela não tem nada a ver com alguma população real, com algum corpo, com
algum agregado social específico.

O mesmo ocorre com a informação. Seja qual for seu conteúdo, político, pedagógico,
cultural, seu propósito sempre é filtrar um sentido, manter as massas sob o sentido.
Imperativo de produção de sentido que se traduz pelo imperativo incessantemente
renovado de moralização da informação: melhor informar, melhor socializar, elevar o
nível cultural das massas, etc. As massas resistem escandalosamente a esse imperativo
da comunicação racional. O que se lhes dá é sentido e elas querem espetáculo. Nenhuma
força pôde convertê-las à seriedade dos conteúdos, nem mesmo à seriedade do código.
O que se lhes dá são mensagens, elas querem apenas signos, elas idolatram o jogo de

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signos e de estereótipos, idolatram todos os conteúdos desde que eles se transformem
numa sequência espetacular. O que elas rejeitam é a “dialética” do sentido (idem p.6).
Negri (2003, p.166), prefere o termo multidão a o termo massa, e cunhou o termo
“Biopotência da Multidão” e define multidão como:
“é uma multiplicidade singular, um universal concreto”.

Contrastando com o conceito de povo, sempre representado como uma unidade, para
ele, a multidão não é uma unidade, mas um conjunto de singularidades.

Ainda segundo o autor, se o povo constitui o corpo social, a multidão não, porque a
multidão é a carne da vida, ou seja, aquela substância viva comum na qual o corpo e o
intelecto coincidem e acabam por ser indiferenciados, para ele a multidão pode ser
definida como:

“(...) é um elemento do Ser. Como a carne, a multidão é, pois, pura potencialidade, a


força não formada pela vida. Como a carne, também a multidão está orientada para a
plenitude da vida. O monstro revolucionário que se chama multidão‟.
(Negri, 2003, p. 167-68).

PSICOLOGIA DAS MASSAS: UM BREVE HISTÓRICO.

Segundo Gomes de Jesús (2013), etimologicamente:

“O conceito de massa de pessoas se refere à totalidade ou grande


maioria, a um número considerável de pessoas que mantêm entre
si certa coesão de caráter social, cultural, econômico, a uma turba,
a uma multidão”.

Le Bon (1895/1954) acreditou que na massa as aquisições próprias dos indivíduos se


desvanecem, e com isso desaparece sua particularidade. O inconsciente ressalta-se, o
heterogêneo submerge no homogêneo.

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Para Freud (1921/2013), na massa a superestrutura psíquica, desenvolvida de modo tão
diverso nos indivíduos, é desmontada, e o fundamento inconsciente comum a todos se
torna operante. Assim acaba por se produzir um caráter mediano dos indivíduos da
massa.

Àlvaro & Garrido (2006, Apud Gomes de Jesus 2013), apontam para a preferência do
meio acadêmico em fazer estudos com pequenos grupos ou organizações, com foco no
mercado de trabalho, em detrimento de massas.

Reicher (2008, Apud Gomes de Jesus 2013), reforça esta teoria e relata a escassez de
pesquisas psicológicas no que se refere a os processos da massa, denominando-a como:

”(...) ignorada, pelos paradigmas dominantes da psicologia social”.

Le Bon (1895) observou que os indivíduos na massa mostram também características


novas, que não possuíam antes, para ele três fatores são marcantes neste processo. (P.
15)

“O primeiro é que o indivíduo na massa adquire, pelo simples fato do


número, um sentimento de poder invencível que lhe permite ceder a instintos,
que, estando só, ele manteria sob controle. E cederá com tanto mais facilidade
a eles, porque, sendo a massa anônima, e, por conseguinte irresponsável,
desaparece por completo o sentimento de responsabilidade que sempre retém
os indivíduos”.

Segundo Rodrigues (1939), a multidão é, sobretudo, uma associação psicológica. Que


ocorre a partir da aquisição de uma individualidade psíquica própria, diferente da
constituição mental dos indivíduos componentes, que reside à característica da
multidão. Nela desaparecem as diferenças, as desigualdades, as individualidades, e se
forma uma unidade psicológica onde domina o caráter inconstante e impulsivo dos
primitivos.

Freud (1921/2013), não atribui muito valor à emergência de novas características. Para
ele basta dizer que na massa o indivíduo está sujeito a condições que lhe permitem se
livrar das repressões dos seus impulsos instintivos inconscientes. As características

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aparentemente novas, que ele então apresenta, são justamente as manifestações desse
inconsciente. Para Freud, não foi difícil compreender o esvaecer da consciência ou do
sentimento de responsabilidade nestas circunstâncias. Pois para o cerne da chamada
consciência moral consiste no “medo social”.

Para Le Bon (1895/1954), a segunda causa seria o contágio mental, que intervém
igualmente para determinar a manifestação de características especiais nas massas e a
sua orientação.

Freud (1921/2013), afirmou que o contágio é um fenômeno fácil de constatar, mas


inexplicável. Ainda para o autor numa massa todo sentimento, todo ato é contagioso, e
isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal em pról do
interesse coletivo. Ainda para o autor, neste momento a personalidade consciente se foi,
além de a vontade própria e o discernimento sumirem.

Le Bon (1895/1954, p.13), explica este momento da seguinte forma: Para o autor, o
estado do indivíduo que participa de uma massa é tal, que este deixa de ser consciente
de seus atos, e certas faculdades mentais desaparecem, sendo que alguns podem ser
levados a um estado de exaltação extrema. Uma simples sugestão pode acender sua
impetuosidade de tal forma, e podem levar o indivíduo a realizar atos que jamais
realizaria sozinho, isso se explica pelo fato de que a mesma sugestão, para indivíduos
numa massa exacerba-se pela reciprocidade.

Uma terceira causa de longe a mais importante, determina nos indivíduos da massa
características especiais, às vezes bastante contrárias às do indivíduo isolado. Citando
Le Bon (1895/1954):

“A peculiaridade mais notável apresentada por um grupo


psicológico é a seguinte: sejam quem forem os indivíduos que o
compõem, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seu modo de
vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de
haverem sido transformados num grupo coloca-os na posse de uma
espécie de mente coletiva que os faz sentir, pensar e agir de maneira
muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado
individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em

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estado de isolamento. Há certas ideias e sentimentos que não surgem
ou que não se transformam em atos, exceto no caso de indivíduos que
formam um grupo. O grupo psicológico é um ser provisório, formado
por elementos heterogêneos que por um momento se combinam,
exatamente como as células que constituem um corpo vivo, formam,
por sua reunião, um novo ser que apresenta características muito
diferentes daquelas possuídas por cada uma das células isoladamente.”
(IDEM, P.14)

“Portanto, esvanecimento da personalidade consciente,


predominância da personalidade inconsciente, orientação por via de
sugestão e de contágio dos sentimentos e das ideias num mesmo
sentido, tendência a transformar imediatamente em atos as ideias
sugeridas, tais são as principais características do indivíduo na massa.
Ele não é mais ele mesmo, mas um autômato cuja vontade se tornou
impotente para guiá-lo.”

Ainda para Le Bon:

“A massa é impulsiva, volúvel e excitável. É guiada quase exclusivamente pelo


inconsciente. Os impulsos a que obedece podem ser, conforme as
circunstâncias, nobres ou cruéis, heroicos ou covardes, mas, de todo modo, são
tão imperiosos que nenhum interesse pessoal, nem mesmo o da
autopreservação, se faz valer” (p. 20).

Freud (1921/2013), ainda completou dizendo que na massa, nada é premeditado e, que
embora deseje as coisas apaixonadamente, nunca o faz por muito tempo, e além disso, a
massa é incapaz de uma vontade persistente. Não tolera qualquer demora entre o seu
desejo e a realização dele. A massa ostenta também o sentimento da onipotência; além
da noção do impossível desaparecer para o indivíduo enquanto na massa.

Freud, afirma que a massa é extraordinariamente influenciável e crédula, além de ser


acrítica, para a massa o improvável não existe. A massa pensa através de uma
associação de imagens que evocam umas às outras associativamente, como no indivíduo
em estado de devaneio, e que não têm sua coincidência com a realidade medida por uma
instância razoável. Freud define os sentimentos da massa sendo sempre muito simples e

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muito exaltados. Além de não conhecer a dúvida ou a incerteza, a massa pode ir
rapidamente a extremos. (Idem, p. 32).

 Para Canetti (1995), a massa destrói preferencialmente edifícios e objetos.


Frequentemente se trata de coisas quebradiças, como vidraças, espelhos, vasos, quadros,
louças, para o autor é justamente esse caráter quebradiço dos objetos que estimula a
massa à destruição.

Ainda segundo Freud, a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e
tem consciência da sua enorme força, sendo, ao mesmo tempo, intolerante e crente na
autoridade. Ainda segundo o autor a massa respeita a força, e não se deixa ser muito
influenciada pela bondade, que para ela acaba sendo uma espécie de fraqueza. Para o
autor no fundo a massa é inteiramente conservadora, além de ter profunda aversão a
todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição (p. 37).

Freud completa seu raciocínio dizendo que as massas nunca tiveram a sede da verdade e
que necessitam de ilusões, às quais não “podem renunciar”, tendo nelas o irreal
primazia sobre o real, sendo que o que não é verdadeiro muita influencia.
Para ele a massa, tem a visível tendência de não fazer distinção entre o real e o irreal.
(p. 47).

Para Freud, Le Bon (1895/1954), estava disposto em admitir que em algumas


circunstâncias a moralidade da massa, pode ser mais elevada que a dos indivíduos que a
compõem, sendo que somente as coletividades são capazes do mais alto desinteresse e
devoção. “Raramente o interesse pessoal é um móvel poderoso nas massas, enquanto
constitui o móvel quase exclusivo do indivíduo isolado” (Le Bon, 1895/1954, p. 38).

Ainda discutindo Le Bon, Freud (1921/2013), alertou um fato apontado por outros
autores, esse fato seria que a sociedade prescreve para o indivíduo as normas da
moralidade, e que normalmente o indivíduo permanece de algum modo, sempre abaixo
dessas altas exigências; e que, em estados de exceção, produz-se numa comunidade o
fenômeno do entusiasmo, que acaba por tornar possíveis as mais grandiosas realizações
da massa. No que diz respeito à realização intelectual, continua verdadeiro que as
grandes decisões do trabalho do pensamento, as descobertas e soluções de enorme

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consequência, são possíveis apenas para o indivíduo que trabalha na solidão. Apesar
disso, a alma coletiva é capaz de geniais criações do espírito, como a própria língua
demonstra, assim como a música, o folclore etc.

McDougall (1920 apud, Freud1921/2013), em seu livro “A mente grupal” parte da


mesma contradição mencionada, e vê a solução para as massas no fator da organização.
Para o autor a massa não possui organização, passando a nomear as massas com a
alcunha de “multidão”. O mesmo autor concede que uma multidão de pessoas não se
reúne tão facilmente, sendo que na mesma ainda não se forme ao menos um esboço de
organização, e que nas massas simples podem ser vistos, com maior facilidade, fatos
fundamentais da psicologia coletiva (p. 16).

McDougall (apud Freud 1921/2013) define como condição para que se forme uma
massa, a partir dos membros casualmente juntados de uma multidão, o fato de que esses
indivíduos tenham algo em comum, seja um interesse partilhado num objeto, uma
orientação afetiva semelhante em determinada situação, além do fato dos membros
terem um, certo grau de capacidade de influenciar uns aos outros (p. 16). Quanto maior
a homogeneidade da massa, mais facilmente esta se forma, a partir dos indivíduos, se
forma uma massa psicológica, e a partir disso se tornam mais evidentes as
manifestações de uma “alma coletiva”. (idem)

Ainda citando McDougall, Freud relata como o mais notável e também o mais
importante fenômeno da formação da massa o aumento de afetividade provocado no
indivíduo. Pode-se dizer, segundo McDougall, que dificilmente os afetos dos homens se
exaltam em outras condições, à mesma altura que atingem numa massa, sendo uma
sensação prazerosa, para os membros da massa, entregar-se tão abertamente às suas
paixões e fundir-se na imensidão de indivíduos, perdendo inclusive o sentimento da
delimitação individual. Para McDougall, o fato de os indivíduos serem “arrastados”
dessa forma explica-se, a partir do que chama de “princípio de indução direta da
emoção por meio da resposta simpática primitiva”, ou seja, pelo contágio de
sentimentos.

Segundo Freud (1921/2013) a formação das multidões se daria na exaltação da


emotividade dos indivíduos que a integram, sendo assim indispensável que entre eles

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existisse algo em comum, e que em uma determinada situação experimentassem os
mesmos sentimentos. O homem solitário, é capaz de negar a sua individualidade se, ao
integrar a multidão, sentir-se solidário com seus semelhantes, e se compartilhar com
eles dos mesmos laços afetivos.

Para Canetti (1995), existem quatro características presentes na massa: em primeiro


lugar ela quer crescer sempre, em segundo lugar no interior da massa reina a igualdade,
em terceiro lugar a massa ama a densidade, pois ela nunca é densa o bastante, e por
último ela necessita de uma direção.

Retomando Freud, a formação coletiva se baseia na formação de novos laços libidinosos


entre os integrantes da massa, sendo esses laços libidinosos que atribuem a cada
indivíduo na multidão uma impressão que se mistura entre uma sensação de poder
ilimitado e de um perigo invencível. Sendo que a afetividade se dá a partir de um
processo de identificação recíproca entre os membros da multidão, sendo que para ele:
”A identificação constitui a forma mais precoce e primitiva da ligação coletiva .”(Idem,P.55)

Para Freud:
“É fato que os sinais percebidos de um estado afetivo são apropriados para despertar automaticamente o
mesmo afeto naquele que percebe” (p.16).

“Esta coação automática torna-se um tanto mais forte quanto maior for o número de pessoas em
que pode ser notado simultaneamente o mesmo afeto. Então a crítica do indivíduo silencia e ele se deixa
levar por esse afeto. Mas nisso ele aumenta a excitação dos outros que agiram sobre ele, e assim a carga
afetiva dos indivíduos se eleva por indução recíproca. Inconfundivelmente, é algo como uma coerção que
aí atua, obrigando a fazer como os outros, a permanecer de acordo com a maioria. Os impulsos emotivos

mais simples e grosseiros têm maior perspectiva de alastrar-se desse modo numa massa ” McDougall,
(1920 p. 39, apud Freud 1921/2013, p.17).

Para Freud esse mecanismo de exacerbação do afeto é favorecido por algumas outras
influências que se originam da massa. Ela produz no indivíduo uma impressão de poder
ilimitado e perigo indomável. Além de ser claramente perigoso estar em oposição à
massa. Em obediência à nova autoridade a massa, pode-se pôr a “consciência” anterior
fora de ação momentaneamente e render-se à atração do ganho prazeroso que
certamente se obtém ao suprimir as inibições sociais em meio à massa. Ainda para ele,

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não é incomum, ver indivíduos da massa, fazerem ou aprovarem coisas que evitariam
em condições normais.

Outro fator fundamental para Freud sobre o indivíduo no interior de uma massa, é que
este experimenta, por influência dela, uma profunda mudança de sua atividade anímica,
sendo que a afetividade do individuo é bastante intensificada e sua capacidade
intelectual é claramente diminuída, ambos os processos apontam, para um nivelamento
com os outros indivíduos da massa, esse resultado só pode ser atingido pela supressão
das inibições instintivas próprias de cada indivíduo além da renúncia às peculiares
configurações de suas tendências. Assim então as teses fundamentais para o
entendimento do comportamento do individuo na massa são a intensificação do afeto e a
inibição do pensamento.

Horkheimer e Adorno (1985), concordando com Freud, partem da ideia que a massa
representa, em relação ao individuo, a conexão mais imediata e, primária da sociedade,
segundo esses autores, a massa,

“(..). É um fenômeno moderno, relacionado de modo específico com as grandes cidades


e com a atomização”. (P.78)

Ainda para estes autores, a massa é temida por sua força e por sua capacidade de
colocar em xeque a ideia de identidade nacional, assim tornaram-se desde o principio
objeto de temor, rapidamente descrito como tudo aquilo que escapa ao “padrão” social,
como patologia social. (IDEM)

Baudrillard (1985), afirma que a massa é atravessada por correntes e fluxos, sendo que é
magnetizada, pelo social que a rodeia como eletricidade estática, apesar grande parte do
tempo se comporta apenas como “massa”, isso se dá devido à absorção e neutralização
por parte da massa de toda a eletricidade do político e do social sem retorno.

“Tudo as atravessa, tudo as magnetiza, mas nelas se diluí sem


deixar traços, para o autor, a massa sempre se comportou desta forma.
E na realidade o apelo as massas sempre ficou sem resposta. Elas não
irradiam, ao contrário absorvem, toda a irradiação das constelações

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periféricas do Estado, da História, da Cultura, do Sentido. Elas são a

inércia, a força da inércia, a força do neutro”(Idem,p.5).

Arendt (1989) afirma que o que une os indivíduos em uma determinada formação
coletiva não é um ideal ou a consciência por um interesse em comum, mas, sim, a
ausência de uma consciência. No entender da autora, a multidão é neutra, amorfa,
restando a ela concentrar no seu seio o homem isolado, pois:

“A principal característica do homem da massa não é a brutalidade nem é a rudeza, mas


o seu isolamento e a sua falta de relações sociais normais”.

Baudrillard (1985) discordando de Le Bon percebeu na inércia da massa como uma


característica da modernidade, apesar de ser um fenômeno altamente implosivo e
irredutível a qualquer prática e teoria tradicionais, a massa também aparenta também ser
irredutível a qualquer prática e teoria simplesmente.

Então seria insensata qualquer tentativa de especificação do termo massa, seria a busca
por um sentido onde não se tem. Para o autor, os sujeitos sociais, nem os objetos sociais
são capazes de comportarem como massa, e que somente aqueles que estão liberados de
suas obrigações simbólicas tem o poder de formar uma massa, os “anulados” (presos
nas infinitas “redes”) estão destinados a ser apenas o inumerável terminal dos mesmos
modelos.

Neste instante Baudrillard demonstra concordar com Le Bon (1895/1954), que definiu
as massas como uma onda selvagem, este nunca considerou a massa preparada para
admitir algo que pudesse ficar entre seu desejo e a realização deste. Para o autor os
integrantes da massa formam um único ser, e por isso ficam sujeitos à lei de unidade
mental das massas. Le Bon, também considerou o fato de a massa dar cabo ao campo
dos sentimentos, nesse estado, nem o mais elevado dos homens supera o padrão dos
indivíduos mais ordinários, sendo que a massa não pode nunca realizar atos que exijam
elevado grau de inteligência.

“Em massas, é a estupidez, não a inteligência, que é


acumulada. O sentimento de responsabilidade que sempre controla os

17
indivíduos desaparece. Todo sentimento e ato são contagiosos. O
homem desce diversos degraus na escada da civilização.
Isoladamente, ele pode ser um indivíduo; na massa, ele é um bárbaro,

isto é, uma criatura agindo por instinto”. (Le


Bon,1895/1954,p.29)

Le Bon também alertou para o fato de que os grandes impérios foram derrubados por
invasões populares:

(...) o advento das classes populares na vida política, quer


dizer, sua transformação progressiva em classes diretoras, é
uma das características mais salientes de nossa época em
transição. (...) Hoje as reivindicações das multidões se
apresentam cada vez com maior força, pretendendo destruir
por completo a sociedade atual para levá-la ao comunismo
primitivo, que foi o estado normal de todos os grupos
humanos de outrora na civilização. (...) Pouco aptas para a
reflexão, às multidões são, pelo contrário, muito aptas para a

ação. (idem,p.35)

De acordo com (Canetti 95, apud Tomain 2005), no cerne das multidões, encontramos o
indivíduo que não pertence a nada, incluindo à própria multidão, pois, nela, este apenas
encontra o seu igual, o conforto de seu temor do contato com o outro; na massa todas as
diversidades são anuladas, inclusive a dos sexos, o homem isolado não se importa em
ser comprimido, pois o contato não provém do outro, mas do seu igual. Senti-lo é como
sentir a si mesmo.

Baudrillard (1985, p.6) refere-se à massa da seguinte forma:


”A massa é sem atributo, sem predicado, sem qualidade, sem
referência. Aí está sua definição, ou sua indefinição radical. Ela não
tem “realidade” sociológica. Ela não tem nada a ver com alguma
população real, com algum corpo, com algum agregado social
específico” (idem, P.6).

No início do capítulo intitulado “O abismo do sentido” Baudrillard (1985), fala que a


informação independentemente de seu conteúdo, político, pedagógico, cultural, tem por

18
propósito sempre filtrar um sentido, mantendo assim a massa sob o sentido. Ainda para
o autor, as massas resistem a qualquer imperativo de comunicação racional, e que
buscam sempre o espetáculo. Para ele as massas querem apenas signos, e idolatram o
jogo de signos e de estereótipos, idolatram todos os conteúdos desde que estes se
transformem numa sequência espetacular, elas rejeitam a “dialética” do sentido.

“Temem essa transparência e essa


vontade política como temem a morte. Elas “farejam” o terror
simplificador que está atrás da hegemonia ideal do sentido e
reagem à sua maneira, reduzindo todos os discursos
articulados a uma única dimensão irracional e sem
fundamento, onde os signos perdem seu sentido e se
consomem na fascinação: o espetacular”. (idem, p.9)

Entretanto, como constata o psicólogo Stephen Reicher (apud Gomes de Jesus 2011), há
uma dificuldade em entender os fenômenos de massa que transcendem movimentos
organizados, devido a um foco inadequado, que busca nas cognições e comportamentos
individuais a explicação para ações de âmbito coletivo, envolvendo desde centenas a
milhões de indivíduos, para ele no campo das massas, o nível de análise precisa ser
outro.

O MPL (Movimento Passe-Livre)

Como todos sabem foi à luta do Movimento Passe Livre (MPL), movimento a favor dos
transportes públicos gratuitos, e a mobilização contra o aumento da passagem do
ônibus, que desencadeou a ampla e impressionante mobilização popular no Brasil em
junho passado, colocando centenas de milhares de pessoas, se não milhões, nas ruas das
principais cidades do país. (Rolnik, 2013)

O MPL foi criado em janeiro de 2005, por ocasião do Fórum Social Mundial em Porto
Alegre, como uma rede federativa de coletivos locais. A carta de princípios do
MPL (revista e completada em 2007 e 2013) define o movimento como “um movimento
horizontal, autônomo, independente, não partidário, mas não antipartidos”. Este modo
de procedimento libertário, que desconfia das estruturas e das instituições “verticais” e

19
“centralizadas”. A autonomia em relação aos partidos significa a recusa de ser
instrumentalizado por estes últimos, mas o movimento não rejeita a colaboração e a
ação comum com organizações políticas, em especial da esquerda radical. Assim,
coopera com associações de bairros populares, movimentos pelo direito à moradia,
redes de luta pela saúde e certos sindicatos (metroviários, professores). Vê no transporte
gratuito não um fim em si, mas “um meio para a construção de uma sociedade
diferente”. Pequena, a rede nunca passou de algumas centenas de militantes, enraizados
primeiro nas escolas de ensino médio e mais tarde em certos bairros populares. (Idem)

O método da luta do MPL também tem inspiração libertária: a ação direta na rua,
frequentemente lúdica e “isolante”, ao invés da “negociação” ou do “diálogo” com as
autoridades. Deve-se lembrar que o transporte comum, foi privatizado em todas as
cidades do país, e é de responsabilidade de empresas capitalistas de hábitos mafiosos.
No entanto, os prefeitos das cidades têm o controle dos preços das passagens.

Para Rolnik, a inteligência tática do MPL foi ter estabelecido, em primeiro lugar, um
objetivo concreto e imediato: contra o aumento das passagens decidido pelas
autoridades locais nas principais cidades do país, tanto as administradas pela centro-
direita quanto pela centro-esquerda. Rejeitando os argumentos pretensamente “técnicos”
e “racionais” das autoridades, o MPL mobilizou milhares de manifestantes, que foram
duramente reprimidos pela polícia. Esses manifestantes se transformaram em dezenas
de milhares e, depois, em milhões e os poderes locais foram obrigados a,
precipitadamente, revogar os aumentos.

Ao mesmo tempo, em que travava esse combate prático e urgente, o MPL não deixou
um só instante de agitar seu objetivo estratégico: tarifa zero, transporte público gratuito.
Para isso, observa a Carte de Princípios, é necessário,

“retirar o transporte comum do setor privado, pondo-o sob o controle dos trabalhadores
e da população”. (Rolnik 2013)

Essa é uma reivindicação que interessa diretamente aos jovens, aos trabalhadores, às
mulheres, aos moradores das favelas, isto é, à grande maioria da população urbana.

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Rolnik observa a Carta de Princípios do MPL, “nossas demandas ultrapassam os limites
do capitalismo e põem em questão a ordem existente”. Para a autora aí está um belo
exemplo do que o filósofo marxista Ernst Bloch chamava de uma utopia concreta.

Ainda para Rolnik a verdade, no entanto, é que a gratuidade é um princípio


revolucionário, que vai ao arrepio da lógica capitalista, pela qual tudo deve ser
mercadoria; portanto, é um conceito intolerável, inaceitável e absurdo para a
racionalidade mercantil do sistema. Ainda mais que, como propõe o MPL, a gratuidade
dos transportes é um precedente que pode abrir o caminho para a gratuidade de outros
serviços públicos, como educação, saúde etc. De fato, a gratuidade é a prefiguração de
uma sociedade diferente, baseada em valores e regras diferentes daquelas do mercado e
do lucro capitalistas.

Em resumo, a luta pelo transporte público gratuito é ao mesmo tempo uma luta pela
justiça social, pelo interesse material dos jovens e dos trabalhadores, pelo princípio da
gratuidade, pela saúde pública, pela defesa dos equilíbrios ecológicos. Ela permite
formar amplas coalizões e abrir brechas na irracionalidade do sistema mercantil. (Idem)

AS MASSAS NO NEOLIBERALISMO

Para Gomes de Jesus (2013), o paradigma contemporâneo de massa, refere-se a ela


como um sistema social auto-organizado e estruturador de comportamento coletivo,
mesmo a partir da mais simples observação do cotidiano, desde que prevenida ante os
estereótipos, este paradigma atesta também que decisões tomadas em grupo são
melhores que as tomadas de forma individual, devido ao fato de a massa tomar decisões
de forma mais rápida, e ser menos sujeita à influência de agentes externos.

Para a autora ainda podem ser relacionadas outras modalidades de mobilização, como as
ocupações em massa de prédios, por movimentos pela moradia, e de órgãos públicos,
por grupos de interesses variados, as ocupações de reitorias por universitários que
inclusive tem recebido o apoio do resto da comunidade universitária, assim como os de
grevistas e de trabalhadores rurais, ou ainda, os distúrbios envolvendo camelôs na
cidade de São Paulo, que chegaram ao enfrentamento com policiais.

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Maricato (2013) cita ainda algumas ocupações, como as ocorridas em 2007, contra a
adesão da Universidade Federal do Rio de Janeiro ao programa de reestruturação das
universidades e a da USP no fim de 2011, decorrente da detenção de alunos, a qual foi
reiterada em 2013, desta vez com base na demanda por mudanças no modelo de escolha
da reitoria. A autora considera, ainda, as revoltas de junho de 2013, de cunho popular,
que mobilizaram diversos segmentos das sociedades civis de várias áreas urbanas do
país, inicialmente em torno de reclamações contra o aumento de tarifas do transporte
coletivo, mas cujos discursos se pluralizaram, questionando as autoridades ao apresentar
críticas quanto ao acesso e à qualidade dos serviços públicos e ao abordar questões
estruturantes, como os direitos sociais, econômicos e de livre expressão (Maricato,
2013).

Para Castells (2008), a globalização da sociedade utiliza, de forma intensa, as


tecnologias da informação e a comunicação em rede, o que tem subsidiado a adaptação
de antigas moralidades a discursos e práticas sociais que vem sendo cada vez mais
compartilhadas e integradas, devido à reavaliação da importância dada a novos valores.

Segundo Gomes de Jesus, (2011), As ações de movimentos sociais, principalmente os


de multidões sem uma liderança determinada, têm chamado cada vez mais a atenção dos
meios de comunicação, que buscam, junto a especialistas, explicações para a sua
ocorrência.

Segundo Foucault (1975), O principal objetivo do poder disciplinar era produzir


Indivíduos que pudessem ser tratados como corpos dóceis, sendo que estes corpos,
também deveriam ser produtivos. Assim, o controle disciplinar e a criação de corpos
dóceis estão incontestavelmente ligados ao surgimento do capitalismo. Sem a inserção
dos indivíduos disciplinados no aparelho de produção, as novas demandas do
capitalismo não teriam sido possíveis. Paralelamente, o capitalismo teria sido
impossível sem a fixação, o controle e a distribuição racional da população em larga
escala.

Ainda para Foucault, pela primeira vez na história, categorias científicas, tais como
espécie e população, tornaram-se o principal foco de atenção política sob uma forma
mais científica e precisa. Desta forma o poder, tende a governar os indivíduos na base

22
da incitação, do controle, da vigilância, visando uma otimização das forças que ele
submete. Gerir a vida, mais do que decretar a morte, e quando exige a morte, é em nome
da defesa da vida a qual ele se encarregou de administrar.

Em entrevista concedida ao jornal “O Globo” no ano de 2013 o sociólogo espanhol


Manuel Castells relatou que tem observado o fato de que os cidadãos estão começando a
se organizar espontaneamente para fazer um debate público na rede e na rua, sobre
todos os problemas da sociedade em que vivem. E a partir desse debate formulam
propostas para que as instituições os representem.

Sobre os protestos, classificados como um tipo de movimento sem líderes definidos,


com pauta difusa de reivindicações, Castells, relata esse ser um modelo de protesto
comum que tem aparecido em sociedades muito distintas, e citou exemplos como os da
Islândia, a Tunísia, do Brasil à Turquia, dos Estados Unidos à Espanha, sendo que os
movimentos se conectam em redes globais, sendo esta a nova forma de mudança social
na sociedade em rede. O que para o sociólogo é lógico, porque se a sociedade em rede
se caracteriza por funcionar em redes informáticas telecomunicadas em todos os
âmbitos sociais (das empresas às amizades, ou ao ensino), é normal que os movimentos
sociais também se expressem na rede, por estarem na rede, são muito mais autônomos e
difíceis de reprimir, para Castells, as redes sociais são eco-sistemas naturais de vida do
jovem. Para o autor estes protestos tem a “a cara da internet”, pois a internet é uma rede
local-global, plenamente interativa e difícil de controlar, ainda que seja vigiada, a
Internet é uma tecnologia de liberdade, construída a partir de uma cultura da autonomia,
que é também a cultura predominante da nova sociedade em rede. (IDEM)

Gomes de Jesus (2013) ressalta Magnoli (2003), segundo ele:

“A interpenetração de discursos e práticas sociais entre culturas,


constatadas na globalização, está relacionada não apenas aos fatores comunicacionais
mais abertos, mas também à interdependência das economias ao redor do globo e na
possibilidade de deslocamentos rápidos entre diferentes pontos do planeta”.

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Soares (2012) analisa o mercado e o consumismo como reguladores e controladores das
massas, controle esse exercido sem fascismos, sem exércitos sanguinários. Na
contemporaneidade vivemos uma complexa cadeia de poderes interligados, que muito
se aproxima do panoptismo problematizado por Michel Foucault, vivemos um sistema
que vigia e controla sem ser visto ou percebido pelos vigiados, que internalizam os
hábitos neuróticos que reproduzem o poder, sem a presença efetiva de algum carrasco.
Esse tipo de controle é efetivado e introjetado em forma de saberes e hábitos, em
regimes liberais, “democráticos” onde a “liberdade” pode ser exercida. Outra forma de
controle se dá através da fetichização de estéticas-padrão que imperam e acabam por
gerar estereótipos doentios, assimilados pelas massas teleguiadas, que se sacrificam em
pról de aceitação, e uma suposta valorização o individuo que está nos padrões de beleza,
e age dentro dos padrões de comportamento exigido pela sociedade.

Zizek (2011), fala que no estágio atual do capitalismo, no qual não pertencemos mais a
classes ou grupos sociais pertencemos ao mundo do consumo que se sustenta sobre uma
ideologia que convida todos a escolher e a consumir. Para ele é neste mundo do
consumo que vivemos a plenitude da alienação

Este é o "sucesso" da ideologia consumista. Ela acomodou os indivíduos, tirou a


vontade de sonhar, e ainda roubou a utopia pela mudança, tudo que a ideologia faz é
atiçar os desejos por aquilo que é novo, desde que oferecido pelo mercado.

Adorno (1996), fala em alienados, fabricados à partir da presença onipresente da


pseudoformação, que acaba sendo utilizada com a intenção de dominação ideológica
dos indivíduos com base no desejo de posse constantemente renovado pelo progresso
técnico e científico e, consequentemente, controlado pela indústria cultural ao impor
necessidades para serem consumidas sob o poder do capital, promovendo a adaptação
dos indivíduos e inviabilizando a formação de indivíduos que não estejam amparados
pelo capital.

Neil Postman (1994) explora esta questão dizendo que novas tecnologias alteram aquilo
que entendemos como “conhecimento” e “verdade”. Além disso, mudam também
muitos dos hábitos de pensamento mais enraizados, que por vezes dão manutenção ao

24
senso de entendimento de toda uma cultura, sobre o que é mundo, o que é necessário, o
que é sensato, possível, evitável ou inevitável. Segundo esse mesmo autor, a cada vez as
tecnologias:

“Redefinem ‘liberdade’, ‘verdade’, ‘inteligência’, ‘fato’, ‘sabedoria’, ‘memória’,


‘história’, todas as palavras com que vivemos. E não paramos para nos perguntar”
(p.18)

Soares (2012), afirma que a geração e reprodução de seres massificados com


individualidades suprimidas, se faz essencial para este controle a distância, sendo que
aquele que ousa preservar sua singularidade nos dias atuais, logo é posto na
marginalidade interpessoal.

Para Ungier (2009), o consumo, fruto da segunda modernidade se desenvolveu a partir


das novas orientações do capitalismo que se baseiam da estimulação perpétua da
demanda e da multiplicação indefinida das necessidades.

Para Adorno (1995), relata que à sociedade contemporânea busca a formação e inserção
do individuo tanto pelo trabalho, quanto pela educação e visa, predominantemente, à
adaptação e não à emancipação do indivíduo. É inquestionável que a adaptação é
fundamental e aparece na tendência de os indivíduos serem aceitos.

Reich (2001), alerta que na contemporaneidade. A couraça muscular cronificada, está


em pauta, está couraça acaba por impedir a auto- regulação e o livre fluxo energético, e
impossibilita uma vida psíquica sadia. Segundo ele o hábito, cultura e massificação
cristalizam as experiências emocionais negativas, que são vivenciadas no cotidiano
como naturais.

Já Adorno, (1995, p.77) completa:

“Sob as condições vigentes, seria inoportuno e insensato esperar ou exigir das


pessoas que realizem algo produtivo em seu tempo livre, uma vez que se destruiu nelas
justamente a produtividade, a capacidade criativa.”

25
Contradizendo o ocorrido no ano seguinte, Soares (2012), vê que as pessoas comuns
continuam insatisfeitas com a vida medíocre e esvaziada (repleta de camuflagens e
condutas artificiais) que levam, mas não possuem a capacidade emocional de reagir na
defesa de suas singularidades, fomentada pela justificativa da própria infelicidade
cotidiana, e assim alguns ainda defendem de forma ferrenha o mesmo sistema que os
adoece e escraviza.

Segundo Gilles Lipovetsky (Lipovetsky, 2008, apud Ungier 2009), o consumo tomou o
lugar da economia de produção, e com isso acabou por promover uma reviravolta na
relação do individuo com as coisas, com o tempo e com o outro, os indivíduos foram
acometidos pela febre de conforto que acabou por ultrapassar as paixões nacionais, bem
como o tempo livre, no hiperconsumo das últimas duas décadas, os indivíduos vivem
um imperativo de mercantilizar todas as experiências, todos os lugares, a toda hora e em
qualquer idade.

Para Rolnik (2013), as atuais crises do capitalismo não têm sido enfrentadas a partir de
suas causas, mas apenas por meio de mudanças superficiais ou cosméticas, no mesmo
balaio situa-se a contestação à crise. Um exemplo disso se dá na luta contra o
desemprego, pois nunca a reivindicação pede o fim da exploração capitalista, mas sim a
geração de novos empregos.

Adorno (1995) explica essa situação da seguinte maneira, para ele o desemprego
estrutural é algo necessário na sociedade tecnológica contemporânea, o que
consequentemente atinge a maioria dos indivíduos, que por sua vez faz com que o
tempo livre seja atrelado ao trabalho, ou seja:

“Em um sistema, no qual o pleno emprego tornou-se um ideal em si mesmo, o


tempo livre segue diretamente o trabalho como sua sombra” (P.79).

O mesmo Adorno (1995), ao refletir a realidade social burguesa percebeu, que este
modo de vida, não proporciona muito tempo livre a seus trabalhadores, e que estes
também não dispõem de liberdade para escolher e organizar seu trabalho. Então o tempo
livre que, deveria ser considerado como uma reserva da vida imediata em um sistema

26
global absolutamente mediatizado, acaba se codificando e transformado em mercadoria,
mesmo que forma distinta assim como a própria força de trabalho também o é. Assim
para Adorno o tempo livre é utilizado pela indústria cultural com a intenção de
mecanizar o trabalhador de tal forma que o tempo livre se torne um prolongamento do
trabalho.

AS MASSAS E SEU LÍDER

Segundo Freud (1921/2013), o principal fenômeno da psicologia das massas, é a


ausência de liberdade do indivíduo na massa, que se dá á partir do momento em que
ocorre, entre os indivíduos, uma ligação instantânea em que ocorre troca afeto em duas
direções, assim diante dessa situação o indivíduo muda e limita sua personalidade.
Outro indício de que a essência da massa reside nas ligações libidinais nela existentes
nos é proporcionado pelo fenômeno do pânico, que pode ser mais bem estudado nas
massas militares. O pânico surge quando este tipo de massa se desintegra, sendo
caracterizado pelo fato de as ordens do superior não serem mais ouvidas e cada um
cuidar apenas de si, sem consideração pelos demais.

O fundamental a ser estudado sobre uma massa segundo Freud (1921/2013) é a


diferença entre massas que têm um líder e massas sem líder. Em alguns momentos, o
líder ou a ideia condutora poderia tornar-se negativo, o ódio a uma pessoa ou instituição
determinada poderia ter efeito unificador e provocar ligações afetivas semelhantes à
dependência positiva. O mesmo ocorre quando as pessoas se juntam em unidades
maiores.

Le Bon (1895/1954), da relativa importância a os líderes da massa, e afirma que,


quando seres vivos se reúnem em determinado número, seja um rebanho de animais ou
um grupamento de homens, instintivamente se colocam sob a autoridade de um chefe.

Voltando a Freud a hostilidade quando dirigida para pessoas normalmente amadas, é um


sentimento denominado ambivalência afetiva, e explicou o fato, dizendo que conflitos
de interesses que surgem precisamente nas relações íntimas, para ele as antipatias e
aversões não disfarçadas em relação a estranhos que se acham próximos, podem ser
reconhecidos como a expressão de um amor a si próprio, um narcisismo que se

27
empenha na afirmação de si, e se comporta como se a ocorrência de um desvio em
relação a seus desenvolvimentos individuais acarretasse uma crítica destes.

Segundo o autor essa intolerância desaparece, temporariamente ou de forma duradoura,


por meio da formação da massa e dentro da massa e enquanto perdura a formação de
massa, ou até onde ela se estende, os indivíduos se conduzem como se fossem
homogêneos, suportam a especificidade do outro, igualam-se e não sentem repulsa pelo
semelhante. Sendo tal a limitação do narcisismo que essa só pode ser produzida apenas
por um fator, através da ligação libidinal a outras pessoas. Sendo assim para Freud o
amor a si, encontra limite apenas no amor ao outro, amor aos objetos.

“A libido se apoia na satisfação das grandes


necessidades vitais e escolhe como seus primeiros objetos as
pessoas que nela participam. Tal como no indivíduo, também
no desenvolvimento da humanidade inteira é o amor que atua
como fator cultural, no sentido de uma mudança do egoísmo

em altruísmo”. (P.27)

Portanto, se na massa aparecem restrições ao amor-próprio narcisista, isso indica que a


essência da formação de massa consiste novos tipos de ligações libidinais entre os
membros da massa.

Freud então resume os motivos da composição da massa da seguinte forma: primeiro, a


identificação é a primeira e mais importante forma de ligação afetiva a um objeto;
segundo, através de regressão ela se torna o substituto para uma ligação objetal
libidinosa, através da introjeção do objeto no Eu e em terceiro, ela pode surgir a
qualquer nova percepção de algo em comum com uma pessoa que não é objeto dos
instintos sexuais.

“Quanto mais significativo esse algo em comum, mais bem-sucedida deverá ser essa
identificação parcial, correspondendo assim ao início de uma nova ligação.” (P.30)

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Para Freud a ligação recíproca dos indivíduos da massa é uma identificação através de
algo afetivo importante para todos, e pode-se supor que esse algo em comum esteja no
tipo de ligação estabelecida com o líder.

Ainda para Freud a empatia é fundamental na compreensão daquilo que em outras


pessoas é alheio ao nosso Eu, a diferença entre a identificação e o enamoramento em
suas mais desenvolvidas formas, chamadas de “fascínio” e “servidão enamorada” o
enamoramento extremo como se o Eu introjetasse o objeto. No caso da identificação o
objeto foi perdido ou renunciou-se a ele; então é novamente instaurado no Eu, e este se
altera parcialmente conforme o modelo do objeto perdido.

“As concordâncias entre os dois são óbvias. A mesma humilde sujeição, mesma
docilidade e ausência de crítica ante o hipnotizador, como diante do objeto amado. o
hipnotizador assumiu o lugar do ideal do Eu.” (P.34)

Para Freud, não é de se admirar que o Eu tome por real uma percepção, quando essa
realidade tem o aval da instância psíquica normalmente encarregada do teste da
realidade. A total ausência de impulsos com metas sexuais não inibidas contribui, para a
extrema pureza dos fenômenos. A relação hipnótica é uma irrestrita entrega enamorada
em que se acha excluída a satisfação sexual, enquanto no enamoramento esta é
empurrada temporariamente para trás e fica em segundo plano, como possível meta
futura.

Assim, o impulso afetivo e o ato intelectual pessoal do indivíduo são muito fracos para
impor-se por si, tendo que esperar fortalecimento através da repetição uniforme por
parte dos outros, esses fenômenos de dependência fazem parte da constituição normal
da sociedade humana, de quão pouca originalidade e coragem pessoal nela se
encontram, do quanto cada indivíduo é governado pelas atitudes de uma alma da massa,
que se manifestam como particularidades raciais, preconceitos de classe, opinião
pública etc. (idem, p.36)

A influência da sugestão torna-se um enigma ainda maior quando percebe se que esta
não é somente exercida pelo líder, mas também por cada indivíduo, um sobre o outro, e

29
nos recriminamos por haver destacado de maneira unilateral a relação com o líder,
menosprezando indevidamente o fator da sugestão mútua. (idem, p.36)

Segundo Freud, biologicamente o gregarismo citado por Trotter é uma analogia e como
que um prosseguimento da multicelularidade, em termos da teoria da libido, mais uma
expressão da tendência de todos os seres vivos, procedente da libido, a juntar-se em
unidades cada vez mais abrangentes. Devido ao fato do indivíduo sentir-se incompleto
quando está só. Contradizer o rebanho equivale a separar-se dele, e por isso é evitado
como a morte. O rebanho rejeita tudo o que é novo, inusitado. O instinto de rebanho
seria algo primário, que não pode ser decomposto.

Segundo Freud Trotter, ofereceu a lista dos instintos por ele aceitos como primários: o
de auto-conservação, o de alimentação, o sexual e o gregário. Este último fica
frequentemente em oposição aos outros. Consciência de culpa e sentimento do dever
seriam as características de um animal gregário. (idem, p.36)

Ainda segundo o autor, o sentimento social se pauta na inversão de um sentimento


hostil em um laço de tom positivo, da natureza de uma identificação, tal inversão parece
ocorrer influenciado por um laço afetuoso comum a uma pessoa que está fora da massa.

Assim, todos os indivíduos devem ser iguais entre si, mas todos tem o anseio de serem
dominados por um só estes iguais podem identificar-se uns com os outros, e um único,
superior a todos eles, esta é a situação que se acha realizada numa massa capaz de
subsistir, se apoderando de Trotter, Freud então disse que o homem é um animal de
rebanho, então um animal de horda, membro individual de uma horda conduzida por um
chefe. (idem, p.38)

Le Bon (1895/1954) considera a massa um rebanho dócil, que não pode jamais viver
sem um senhor, para ele a massa tem tamanha sede de obediência, que instintivamente
se submete a qualquer um que se apresente como seu senhor. Assim as carências da
massa a tornam receptiva ao líder, sendo que este precisa corresponder a ela com suas
características pessoais. O líder deve estar fascinado por uma ideia, para despertar a
crença da massa.

30
Continuando Freud relatou que por todo o sempre a sociedade humana foi a de uma
horda governada irrestritamente por um macho forte, ainda para Freud como resultado
dessa horda deixaram traços indeléveis na história da linhagem humana, em especial,
que o desenvolvimento do totemismo, o qual traz em si os começos da religião, da
moralidade e da organização social, está ligado ao violento assassínio do chefe e à
transformação da horda paterna em uma comunidade de irmãos.

As massas humanas exibem novamente a familiar imagem do indivíduo superforte em


meio a um bando de companheiros iguais, assim como na horda primeva. A massa então
é marcada, pela atrofia da personalidade individual consciente, a orientação de
pensamentos e sentimentos nas mesmas direções, o predomínio da afetividade e da
psique inconsciente, a tendência à imediata execução dos propósitos que surgem, tudo
isso corresponde a um estado de regressão a uma atividade anímica primitiva, como a
que nos inclinamos a atribuir à horda primeva. (Freud, 1921/2013, p.39)

Assim o indivíduo renuncia ao seu ideal do Eu e o troca pelo ideal da massa


corporificado no líder, esse fenômeno não tem a mesma grandeza em todos os casos.
Em muitos indivíduos a separação entre Eu e ideal do Eu não progrediu bastante, os
dois ainda coincidem facilmente, o Eu conserva a auto-complacência narcísica. A
escolha do líder é bem facilitada por esta circunstância. Com frequência ele necessita
apenas possuir de modo particularmente puro e marcante os atributos típicos desses
indivíduos e dar a impressão de enorme força e liberdade libidinal; então vai ao seu
encontro á necessidade de um forte chefe supremo, dotando-o de um poder tal que ele
normalmente não poderia reivindicar. Os outros, cujo ideal de Eu, de outro modo, não
se teria corporificado sem correções na sua pessoa, veem-se então arrebatados
“sugestivamente”, isto é, por identificação. (idem, p.43).

Assim para Freud o hipnotizador aparentemente portando um poder misterioso, que


rouba ao sujeito a vontade própria, poder este ainda popularmente chamado de
magnetismo animal, se manifesta advertindo a pessoa a olhar para ele nos olhos, ele
hipnotiza pelo olhar.

O caráter inquietante e compulsivo da formação da massa, evidenciado em seus


fenômenos de sugestão, pode então ser remontado, com justiça, à sua origem a partir da

31
horda primeva. O líder da massa continua a ser o temido pai primordial, a massa quer
ainda ser dominada com força irrestrita, tem ânsia extrema de autoridade, ou, nas
palavras de Le Bon, sede de submissão. O pai primevo é o ideal da massa, que domina o
Eu no lugar do ideal do Eu. (p.51)

OS PROTESTOS DE JUNHO/JULHO 2013

Segundo Gomes de Jesus (2013), de tempos em tempos, as marchas pela reforma


agrária, “Marcha das Vadias”, das trabalhadoras do campo, (Marcha Zumbi), Paradas
do Orgulho LGBT, de diversos grupos religiosos, pela liberalização do uso da Maconha,
entre  outras, que acontecem e são visíveis em todo o país, com suas dezenas ou milhões
de participantes, e compõem um quadro vivo da movimentação massiva pela defesa de
ideias, crenças e direitos.

A onda de protestos no Brasil na visão de Nishihata (2013) começou questionando o


aumento nas tarifas de transporte público, e que em seguida se tornou multi-pautada,
esses protestos tem duas grandes diferenças em relação há todos os movimentos de
revolta ocorridos anteriormente no país, sendo a primeira delas: à forma descentralizada
como os manifestantes se organizaram. A outra foi à maneira como se deu a cobertura
dos eventos foi feita e difundida, ambos foram relacionadas à tecnologia móvel
funcionando integrada às redes sociais.

Segundo Sakamoto (2013), Os Protestos ocorridos não foram somente contra o aumento
de passagens do transporte público, ou sobre estações de metrô que têm sua localização
alterada em benefícios de uma classe social mais privilegiada, nestes protestos, também
foram vistas ocupações de reitorias por estudantes, de prédios abandonados por sem-
teto, manifestações pelo direito ao aborto, e favoráveis ao uso de substâncias
consideradas como ilícitas e outras liberdades. Essas manifestações têm um objetivo
muito maior do que obter concessões de curto prazo, pois os problemas enfrentados
pelos movimentos urbanos envolvidos nesses atos políticos não são pontuais, mas sim
produto de um modelo de desenvolvimento que enquanto explora o trabalho, acaba por
concentrar a renda e favorecer as classes de abastados.

32
Para Zizek (2011), o fato é que no mercado e no paraíso do consumo, não há espaço
para todos, pois a base do sistema é competitiva, e destrói sempre algo para que outra
coisa sobreviva, e ainda por cima desta ideologia do consumo, existe outra, a "ideologia
da liberdade", apoiada, evidentemente, na tese da oportunidade de consumo, ou seja,
liberdade para escolher e consumir. Ainda para Zizek, os tumultos vêm daí, sem um
sentido lógico, verdadeiro caos, sem uma direção certa, sem uma comunicação clara.
Este é o "fracasso" da ideologia consumista. Assim, a ideologia consumista tem o
sucesso quando nos aliena e domestica, mas fracassa quando não permite que todos
possam consumir.

O sociólogo espanhol Manuel Castells (2013), fala na conjunção entre espaço público
que no caso seriam as ruas, o espaço físico e urbano onde o público se encontra e que
em conjunção com a internet ou ciberespaço que se tornou outro ponto de encontro,
sendo que essa união concebe o espaço autônomo.

Diante da forma descentralizada que ocorreram os protestos, volto a Freud (1921/2013),


que discorda de Le Bon (1895/1954), já para este a o que une a todos na massa é o
inconsciente racial, Freud considera que a formação consciente das massas se dá a partir
de uma figura central, o líder, que atrela a massa a suas peculiaridades, para ele, a mente
grupal que para ele na verdade é a representação nos anseios de um, no caso o líder que
sugestiona toda a massa a seguir os seus próprios anseios.

Diante da falta de um líder, que consequentemente dificultou a criação de uma pauta


mais organizada por parte da massa, podemos citar novamente Horkheimer & Adorno
(1985, p.48), definem o indivíduo moderno da seguinte forma:

(...) no âmbito das condições sociais em que vive e antes de ter consciência de si, o homem deve
sempre representar determinados papéis como semelhante de outros. Em consequência desses papéis e em
relação com os seus semelhantes, ele é o que é: filho de uma mãe, aluno de um professor, membro de uma
tribo, praticante de uma profissão. Assim, essas relações acabam não sendo para ele, algo extrínseco, mas
relações em que se determina a seu próprio respeito. Quem quisesse prescindir desse caráter funcional da
pessoa, para procurar em cada um o seu significado único e absoluto, não conseguiria chegar ao indivíduo
puro, em sua singularidade indefinível, mas apenas a um ponto de referência sumamente abstrato que, por
seu turno, adquiriria significado em relação ao contexto social entendido como princípio abstrato da
unidade da sociedade.

33
O sociólogo espanhol Manuel Castells, (1999), em sua obra chamada: “A Sociedade em
Rede”, constata, a descrença no sistema políticos e nas instituições referindo-se a os
sistemas políticos como mergulhados em uma crise estrutural de legitimidade, sendo
que são periodicamente arrasados por escândalos, assim os movimentos sociais tendem
a ser fragmentados, locais, e com objetivos específicos e efêmeros, com isso o
fundamentalismo religioso provavelmente é a maior força de segurança pessoal e
mobilização coletiva nestes tempos conturbados.

Castells (2013) ainda afirma que os movimentos sociais em rede, rejeitam fórmulas
políticas porque, de acordo com eles, estes modelos reproduzem o mesmo modelo
antidemocrático de representação, seja de esquerda ou de direita. Para ele, não são
movimentos para defender um programa, e sim para mudar a sociedade e a política. Seu
projeto está sempre em desenvolvimento sendo que os movimentos existem no espaço
cibernético e no espaço público urbano. Quando a repressão se faz forte, os protestantes
buscam refúgio na rede e depois reaparecem sob novas formas. O autor chama esse
movimento de rizomático. Sendo pouco compreendido pelos intelectuais de esquerda,
que sempre sonharam em produzir o programa para massas sem consciência, para o
autor esse tempo já passou, porque:

“A consciência é coletiva e co-evolui na rede.” (Idem)

Fornazieri (2013), afirma que os protestos das passagens, ao menos, representem um


distúrbio perturbador da ordem dos negócios partidários.
Para ele nas sociedades complexas de nosso tempo, milhões de pessoas não se sentem
representadas nos parlamentos, nos governos, nos sindicatos e em outras instituições
assim as representações tradicionais se insularam nas suas conquistas e nos seus
privilégios, enquanto as novas lutas urbanas multiplicam-se em movimentos mais
espontâneos, na internet, nas religiões e em agregações em torno de necessidades
básicas e de momento.

Para Sakamoto (2013), os representantes políticos não conseguiram entender como


essas manifestações não foram conduzidas por partidos, sindicatos e associações, mas
sim em um processo descentralizado. Para o autor mesmo assim existiram lideranças no

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movimento, mas que estas estão lá para organizar, não necessariamente controlar o que
brotou da insatisfação popular.

De acordo com Nishihata (2014), a internet mudou bruscamente a forma de manifestar


opiniões, e propiciou a oportunidade das pessoas expressarem suas opiniões a todo o
tempo e no conforto de suas casas. Basta conferir o ocorrido no Facebook durante os
protestos, ou os comentários de leitores em notícias vinculadas a os protestos em
grandes portais, para notar a facilidade que as pessoas têm em expor seu ponto de vista
sobre todo e qualquer assunto.

Sakamoto (2013) avalia as redes sociais não só como ferramentas de descrição da


realidade, mas sim de construção e reconstrução desta. O autor ressalta o fato de quando
a pessoa está atuando através de uma dessas redes, não reporta simplesmente. Inventa,
articula, muda e vive. Este fator está aos poucos mudando a forma de se fazer política e
as formas de participação social. Segundo o autor, o poder concedido a representantes,
de partidos, sindicados, associações, entre outros espaços, tende a diminuir e a atuação
direta dos cidadãos comuns consequentemente, aumentar.

Ao ser perguntado sobre o conceito mais marcante descrito em sua obra que foi refletido
durante os protestos, o sociólogo espanhol Manuel Castells considerou o conceito de
movimentos sociais em rede. O modelo é comum a todos os movimentos em todos os
países. Começa na web (internet e redes móveis), mas se articulam no espaço público
urbano e interagem constantemente pelas redes sociais digitais, redes de proximidade
física e no uso do espaço público em manifestações e ocupações. Por isso falo de um
novo espaço, o espaço da autonomia.

 O pensamento de Castells se coaduna com o pensamento do já, falecido geógrafo


tupiniquim Milton Santos (2000), para ele no mundo globalizado, a localização das
ações está diretamente relacionada com a sua eficácia, e a rua é o espaço público por
excelência As ações coletivas, ocorridas nos espaços públicos, demarcam essas
orientações ideológicas e/ou políticas.

Os protestos ocorridos demonstraram uma evolução nesse ciclo de interações, algo que
já ocorreu recentemente no Egito e na Turquia. Tanto nestes países quanto no Brasil, a

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internet foi fundamental não só na mobilização das passeatas, mas também na forma
como os acontecimentos foram relatados. A onda de protestos foi relatada de forma
como jamais fora vista antes, a cobertura foi muito além de órgãos oficiais e da grande
imprensa, os relatos de texto, foto e vídeo feito por pessoas comuns ajudaram a contar
uma história de maneira muito mais completa e multifacetada, fornecendo um
contraponto valioso às análises feitas por jornalistas e porta-vozes. (Nishihata, 2013).

Concordando Pierre Levy (2014), concedeu entrevista ao canal Curta! Relatou que no
mundo todo há uma “juventude urbana” de classe média, que muitas vezes mesmo não
sendo dotada de orientação política, acabou se apropriando de novos meios de
comunicação para poder se engajar no debate público. Então, para o filósofo
naturalmente, esses jovens manifestam seu ponto de vista no plano político por meios
que não são habituais sem vinculação com partidos, sindicatos e estruturas assim, o que
acaba sendo muito mais espontâneo, aberto, e deve ser compreendido como um
fenômeno mundial. Muitos dizem que é o fim do monopólio das grandes empresas de
comunicação, mas por outro lado, também temos as grandes empresas da internet, não
podemos ter essa ilusão, temos: Facebook, Google, Twitter. Assim a internet também é
o lugar de combate entre as grandes empresas capitalistas para a dominação do mundo.
Mas do ponto de vista do desenvolvimento humano não é tão grave porque não
controlam o conteúdo. Os meios tradicionais, tem o controle não somente dos canais,
mas também o conteúdo, fabricam o conteúdo. Já as empresas capitalistas da Web,
controlam os canais, mas o conteúdo é controlado pelos usuários. Por isso, há uma
grande diferença entre os dois tipos de empresas de comunicação.

Castells (2013), contou que propôs, em 1996, o conceito de sociedade em rede para
caracterizar a estrutura social emergente na era da informação, para ele essa estrutura
substituiria gradualmente a sociedade da era industrial. Ainda segundo o autor, a
sociedade em rede é global, e dotada de características específicas para cada país, de
acordo com sua história, sua cultura e instituições, essa sociedade trata-se de uma
estrutura em rede como principal forma de organização de qualquer atividade, sendo
que ela não surge por causa da tecnologia, e sim devido a imperativos de flexibilidade
de negócios e de práticas sociais. Baseando–se na Internet e suas plataformas móveis
este conceito passou a caracterizar quase todas as práticas sociais, incluindo a
sociabilidade, a mobilização sócio-política, e inclusive o consumo.

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Nishihata (2013) alertou para o efeito prático dos relatos e compartilhamentos, que foi
visível dado o número de participantes nas manifestações. Além do fato de o poder
público parecer ter ficado mais sensível às reclamações de violência que se tornaram
virais na internet.

 A imprensa tradicional percebeu isso, tanto que baseou boa parte de sua cobertura em
relatos in loco de pessoas que estavam nas manifestações. Não por acaso, uma das
recomendações dos organizadores dos protestos na rede social é para que os
participantes não se esqueçam de carregar a bateria do celular antes de ir para as ruas.
Outra sugestão é para que as pessoas que vivem próximas aos locais de concentração
liberem os sinais de Wi-Fi para que todos possam utilizá-los. (Idem)
Castells (2013), afirma:

“A rede não garante a liberdade, mas torna mais difícil a opressão. A censura permite
identificar e punir o mensageiro, mas não pode deter a mensagem.”

Outro fator ressaltado Pelo sociólogo Manuel Castells em relação a os protestos


ocorridos no Brasil é que a insatisfação se produziu em um momento de crescimento
econômico, políticas redistributivas, estabilidade institucional e formas de eleições
democráticas, objetivos obtidos a muito custo na luta contra a ditadura. Para ele isso é a
prova da maturidade da sociedade brasileira que aspira a outro modelo de vida, não
medido em mais automóveis, mas em mais qualidade de vida pessoal, ambiental e de
Direitos Humanos. (2013)

O fim repentino e precoce dos protestos, e a dispersão da massa pode ser explicado por
Wilhelm Reich (2001), que alertou:

“O medo da liberdade das massas humanas manifesta-se na rigidez biofísica do


organismo e na inflexibilidade do caráter”.

Já Le Bon(1895/1954), pensa a massa da seguinte forma:

“No fundo inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os

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progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição “(p. 37).

Para (Freud 1908 apud Unger 2009) O mal-estar civilizatório surge a partir da
interdição ao gozo em favor do progresso tecnológico, assim o homem se tornou refém
da tecnologia, pois esta cria a ilusão de onipotência e onisciência, qualidade atribuída a
os Deuses. Entretanto a sempre o risco da tecnologia falhar, e frente à ameaça o sujeito
retorna a si mesmo, ou desenvolve compulsões. Consequentemente isto dificulta as
soluções sublimatórias e promove dificuldades nas relações sociais. Ainda para a autora
após o conceito de pulsão de morte essa crítica tornou-se ainda mais radical, sendo
teorizada a partir da compulsão a repetição, além de apontar um imperativo que
impunha ao psiquismo uma ação, sobre a qual, o sujeito não poderia deliberar, assim, o
aporte pulsional não sendo simbolizado transformava o pensar em agir.

A reflexão freudiana sobre a raiz da destrutividade destacou o conceito de masoquismo,


antecipando em algumas décadas, o fenômeno social hoje reconhecido como a
“liquefação dos ideais” (Bauman, 1998, apud Unger 2009).

Para Castells (1999), em um mundo de fluxos globais de riqueza, a busca da identidade


torna-se a fonte básica de significado social. A identidade está se tornando a principal e,
às vezes, única fonte de significado em um período histórico caracterizado pela ampla
desestruturação das organizações, e perda de legitimidade das instituições, além do
enfraquecimento de importantes movimentos sociais e expressões culturais passageiras,
desta forma, as pessoas estão organizando seu significado não em torno do que fazem,
mas com base no que elas são ou acreditam que são, o que nos trouxe a uma condição
de esquizofrenia estrutural, entre a função e o significado, os padrões de comunicação
social ficam sob tensão crescente, a partir do momento em que a comunicação se rompe,
e passa a não existir nem mesmo de forma conflituosa surge uma alienação entre os
grupos sociais e indivíduos que passam a considerar o outro um estranho, finalmente
uma ameaça.”

“O masoquismo seria uma modalidade de subjetivação


através da qual o sujeito evita o horror do desamparo submetendo-se ao outro. A dor é
apenas conseqüência e não causa da servidão.“ (Unger 2009)

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Este fenômeno, surgido na modernidade tardia obrigou o sujeito a se estruturar não mais
amparado pela tradição, mas vive diante de um complexo processo de escolhas e
adesões que se apresentam durante a vida, e consigo trouxe o desamparo conseqüente à
ausência da segurança oferecida pela tradição, como Freud já denunciara em 1937.
Para (Freud 1908, apud Unger 2009), no lugar dos sintomas centrados no conflito
psíquico, que guardam uma ligação direta com o simbólico, o mal-estar atual evidencia
um excesso pulsional que o aparelho psíquico não dá conta de simbolizar, da mesma
forma que ocorre na situação traumática, sendo que essas compulsões poderiam ser
compreendidas como uma tentativa de descarga, assim o sujeito oculta o vazio interior
transformando o sofrimento psíquico em dor pela falta de um objeto qualquer, gerando
uma busca incessante e descontrolada, e ai está há benção perversa da cultura pós-
moderna, que permite, ao sujeito, evitar o sofrimento que por desconhecer não elabora.
A perda de interesse repentino nos protestos pode ser explicado por Bauman, Segundo o
autor (Bauman 2007 apud Unger 2009), as mídias anunciam o que deveremos ser na
próxima estação, além de apontarem uma identidade líquida, dependente da preferência
por um ou outro estilo, cuja tendência pode sempre ser antecipada, assim então, para
pertencermos a um determinado grupo de referência, deve-se seguir uma tendência, e
além disso, somos advertidos de que aquilo que somos é fluido, serve apenas “para os
próximos meses”.

Nesta oferta de liberdade ilusória de “meia dúzia de visuais”, construiu a falsa ideia de
que somos livres para escolher, porém, não controlamos aquilo que está disponível para
escolher. Ainda segundo Bauman, a síndrome cultural consumista consiste na negação
enfática da virtude da procrastinação e da ilusão na vantagem de se retardar a satisfação.
O consumismo degradou a duração e enalteceu o efêmero, reduzindo a duração do
surgimento do desejo e sua realização, além de colocar o ato da apropriação seguido
imediatamente pela remoção do lixo, a “tendência de estilo” ultrapassada, tornou inútil a
aquisição de posses destinadas a durarem ou a terem um aproveitamento duradouro.
“Ela envolve velocidade, excesso e desperdício”. (Bauman, 2007, p. 111, apud Unger,
2009).

Completando Bauman, Rolnik (2013), afirma que o imaginário político dos explorados
está enredado nos limites do capitalismo, sem forças para superá-lo. Por isso as
manifestações são cada vez mais explosivas, massivas, contundentes, mas sem

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horizontes profundos, sem aglutinação teórica e prática que leve à superação do
capitalismo. As manifestações tem começado à partir de exigências políticas imediatas,
como foi demonstrado no último ano, os protestos começaram contra o aumento dos
preços das passagens do transporte público, outros protestos começam a partir de
insatisfações das condições urbanas, em geral é por onde também acabam.

8. Considerações finais

Este trabalho visou pesquisar os protestos ocorridos por todo o país entre os meses de
junho e julho do ano de 2013. O método de pesquisa foi bibliográfico, e o pesquisador
procurou fazer em primeiro lugar um apanhado histórico das massas, além de procurar
esclarecer o principio dos protestos, os impactos do regime neoliberal na sociedade, e
entender o fim dos protestos.

Como todo protesto é político, os ocorridos no último ano não fugiram a regra, todavia,
estes protestos demonstraram algo a mais que pode ser descrito como um sentimento
difuso que tomou conta da população, aparentemente a massa em si não conseguiu
perceber a origem, nem o conteúdo deste, mas há certamente um desgaste com o
sistema

No atual sistema vigente, no qual o emprego tornou-se um ideal em si mesmo, o tempo


livre tornou-se uma extensão do trabalho, e é utilizado pela indústria cultural com a
intenção de mecanizar o trabalhador, assim o imaginário político e social dos
explorados não consegue mais além do capitalismo. Por isso as manifestações são cada
vez mais explosivas, massivas, contundentes, o mesmo pode ser dito sobre as
manifestações ocorridas no resto do mundo que demonstram que este sentimento se
tornou universal,

Desta forma o indivíduo se vê iludido por uma falsa liberdade baseada em escolhas
propostas pelo próprio sistema, que transforma o indivíduo em um mero consumidor,
controlado cada vez mais de perto e refém do sistema de consumo,

Os cidadãos internalizam os hábitos neuróticos que reproduzem os interesses do poder,


sendo que este se faz presente de forma invisível e constante, vigia e controla, anestesia

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e amedronta, isso sem a imposição da força, esse tipo de controle é efetivado e
introjetado em forma de saberes e hábitos.

Assim com medo pessoas não conseguem abrir mão do que lhes é vendido como uma
vida estável confortável e de sucesso e assim não conseguem se rebelar com medo de
perder o que já tem. Então as pessoas se condenam a compulsões, que ao serem
realizadas evitam com que as pessoas e pensem e avaliem sua situação, e o jogo de
forças imposto. Outra forma de controle se dá através da fetichização de estéticas-
padrão que imperam e acabam por gerar estereótipos doentios, assimilados pelas massas
teleguiadas, que se sacrificam em pról de aceitação, e uma suposta valorização o
individuo que está nos padrões de beleza, e age dentro dos padrões de comportamento
exigido pela sociedade.

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