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TENDÊNCIAS

A Esfera do Político na Produção


Acadêmica dos Programas
de Pós-Graduação (1985-1994)
Márcia Mansor D'Alessio
Maria de Lourdes Mônaco 'anotti •

Recentes publicações atestam um novo interesse pela esfera do político,


revisitado sob uma ótica diversa daquela há mais de um século adotada pela
historiografia tradicional, que definia a história política apenas por seu conteúdo
político-institucional (Rémond, 1988; Chauveau e Tetart, 1992; Julliard, 1974).
Novos conteúdos, introduzidos pela história das mentalidades, pela antropologia
histórica, pelos estudos de gênero, pelas críticas ao estruturalismo-marxista, pela
introduçào dos excluídos no discurso histórico, pela concepção foucaultiana de
diluição do poder pelo tecido social e pelo conceito de resistência social,
pennitiram visualizar inusitadas dime nsões na esfera do político. Essa renovaçào
tem sido estudada por Maria Helena Capelato e Vavy Pacheco Borges em textos
publicados ou apresentados em seminários do Grupo de Política da ANPUH
l

Os trabalhos de E.P. Thompson, Maurice AguU10n, Jacques Le Goff, Raymond


Williams, François Furet, Marc Ferro, entre outros, apontam para o alargamento •

No/a: F.ste texto foi aprescnwdo na mesa·rcdonda "Pcrspt.<.1ivas metodológicas da produção de pós-gm­
dlll'lçãocm hi!ilória política" do xvrll Si mpósio Nacional da ANPUH, fC'JIi7..ado em julho de 1995 t!11l Recife.
..

Ival tiL' Assis Cripa bolsista do CNPq-USP, colalx>rou na coleI<! de dados.


.

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estudos históricos. 1996 - 17

da compreensão do donúnio do político, definido por Pierre Rosanvallon (986)


como o lugar onde se at1Ículam o social e sua representação, a matriz simbólica
na qual a experiência coletiva se enraíza e ao mesmo tempo se reflete. Essa
conceituação, emergente da prática historiográfica contemporãnea interdiscipli­
narizada, procura compreender em um mesmo ato de conhecimento a longa e
a curta duração, bem como o loeus por excelência onde se realiza o reconhe­
cimento da essência do histórico.
Poder-se-ia dizer ainda que o político é a dimensão da história que
abriga as relações diretas e ideais do viver coletivo; é a instãncia do real onde
se organizam com mais nitidez as experiências coletivas. Os homens vivem há
séculos dentro de um espaço político institucionalmente delimitado - o Estado
- de cujo aparato jurídico, que se desdobra em vários segmentos, depende em
grande parte a vida das sociedades. A questão política se manifesta também
informalmente - como mostrou Foucault - no exercício do poder detectado em
diferentes relações sociais.
A abrangência das ações institucionais torna os fatos políticos referen­
ciais do tempo coletivo; pessoas, grupos, povos organizam-se no tempo
sobretudo' através dos acontecimentos imediatos da política. O político é a

emergência das experiências coletivas, e não a proveniência, no sentido que


Foucault dá a esses tennos. Ou seja, nem intenções ocultas, nem subterrãneos
incrustados nas tradições, mas aquilo que aparece, que se manifesta regulando
as relações humanas. Lugar onde se experimentam vontades e sonhos coletivos,
conscientes ou inconscientes.
Apesar de sua reconhecida importância, o espaço ocupado pela
instãncia do político na historiogl'"dfia, a partir do fun do século XIX, vem
sofrendo consideráveis variações.
A crítica dos Annales aos historiadores da escola metódica, que
trabalhavam no tempo curto, enfatizando o evento político oficial, foi de certa
fonna uma advertência contra a ingenuidade de um olhar voltado apenas parl'
as aparências do imediato político. É também o que sugere a noção marxiana
de ideologia: aquilo que aparece nào é aquilo que é.
. Toda a historiogl'"dfia na primeira metade do século XX trabalhou no
-

sentido de ver além daquilo que se rnanifesta. Tão forte impulso levou à rejeição
dos fatos institucionais, chegando a negar-lhes estatuto heurístico. Nada a
estranhar, considerando que estava sendo construída a idéia de síntese,
concebida como uma unidade orgânica na qual partes autônomas, fragmentos,
acasos, não encontrdvam lugar. Essas idéias alimental'"dm também a reflexão dos
(lnna/e>sobre o tempo, gerando a poderosa noção de estrutura que organizou
boa parte do pensamento no século XX.

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A Esfera do Político /la Produção Acadêmica

Henri Berr (911), historiador e filósofo, já criticava severamente a


abordagem facrual:

Há ( ... ) atualmente uma espécie de crise, onde se traduz


o estado inorgânico dos estudos históricos.

C.) Uma cole�'ào de fatos nào tem mais valor científico


que uma coleção de selos ou de conchas.

C ) ao mesmo tempo que a síntese erudita acumula os


. .

materiais, relme os fatos, a síntese científica deve cuidar de os unificar,


deve conduzi-los a princípios explicativos.

A historiografia estava sendo acusada de restringir-se ao estudo analítico


dos fatos a partir de uma detalhada documentação, sem passar da análise à
síntese, ou seja, sem chegar às generalizações que pennitem a eXplic.1ção e a
compreensão da realidade.
Para a sociologia - campo de conhecimento que estava se formando
na época de Berr -, a noção de grupo é fundante e emergiu no interior do
discurso que criticava a visão de sociedade que os historiadores tinham: uma
justaposição de indivíduos que não compõem um conjunto. A sociedade, dizia
Berr, é uma "realidade coletiva superadicionada à realidade dos elementos que
a compõem". Ainda que a sociedade seja fonnada de indivíduos, a realidade
grupal "se superpàe e se impõe a eles".
Um tal discurso foi colocando a sociologia num lugar de prestígio e
seduzindo historiadores alternativos. A história política factua! estava abalada
nos seus alicerces. Havia um lugar a ser ocupado no conflituoso campo do saber
histórico, O que foi feito pelo grupo dos Annales com sua proposta de história
total, antítese da história entendida apenas como sucessão cronológica de fatos
políticos, militares e diplomáticos, proposta que conquistou hegemonia na
produção historiográfica.
Os anos 1970 recolocam o tempo curto n.a arena do debate temporal.
O artigo de Pierre Nora, "O retorno do fato" ( 1979), revela a necessidade de
transferir para o conhecimento a agilidade contemporânea da história - vivida.
É sintomático que na seqüência das transformações historiográficas apareça a
fóm1Ula do "retorno do político", surgindo este agora imerso nas mais diferentes
situações históricas e nào apenas configurando acontecimentos oficiais. Segun­
do Jean Boutier e Dominique Julia, autores da recente obra Passés .-ecomposés
(995), a história política e a história cultural sào os dois campos de investigação
de "ponta" desde os anos 1980. Os autores vão além ao dizer que essas duas
áreas são depositárias dos novos anseios de totalidade após alguns anos de
fragmentação de objetos e abordagens.

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estudos históricos - 1996 - 17 ,

É relevante destacar que essas novas posturas da história política pouco


impacto vêm causando em nosso meio, talvez pelo fato de a produção
acadêmica, apesar de também dedicar-se a novos objetos e abordagens, te �
mantido O político como principal referência de seu discurso. Essa assertiva e
conf"mada pela leitura dos resumos de dissertações e teses defendidas,
publicados pelo Projeto Pós-Graduação ANPUH: Pesquisa, InfOffi1ação e Inter­
?
câmbio, coordenado por Maria Helena Rolim Capelato que permite obter uma
significativa visào do conjunto dessa produção nos últimos dez anos, como
também pela análise de vá,ios trabalhos integrais selecionados, defendidos em
programas de pós-graduação.
Entre as várias possibilidades de analisar a produção acadêmica,
optamos por Ufl1a perspectiva da análise historiográflca que privilegiasse o
sentido político contido na exposição e na reflexão sobre diferentes temas. Há
uma cultura acadêmica no interior das diferentes mani(estações historiográficas
intrinsecamente solidária aos den1ais elementos constitutivos da totalidade do
pensamento histórico. Assim, a compreensão de seus cônteúdos próprios
explica-se também por aspectos conjunturais e estruturais próprios da forn1ação
histórica no interior da qual esse conhecinlento se realiza. Ao expressar anseios,
críticas e explicações sobre o passado e o presente da sociedade, a historiografia
nào poderia deixar de ser profundamente comprometid1 com os aspectos
políticos que envolvem a produção do saber, em todas as suas fases. Nessa
medida, tratando-se de compreender o conjunto das teses e dissertações
universitárias de 1984 a 1995, impõem-se à consideração momentos políticos
diversos da luta pelo poder no Estado e na sociedade brasileiros, dentro do
confronto mundial entre nações capitalistas e nações até bem pouco tempo
socialistas. A globalidade de tais inlplicações, nem sempre explicitamente
observável, revela-se no rastreamento da. historicidade do mundo acadêmico
brasileiro, pleno de enfrentamentos no interior das instituições universitárias e
.3
de lutas mantidas com outras instâncias de poder público e privado
Constatam-se, portanto, momentos d1 produção que- a datam ê, por
conseguinte, a historicizam. É essa realidade temporal que pellnire algumas
observações sobre o caráter coletivo da produção acadêmica, pois os trabalhos
se refereciam e se apóiam uns nos outros. Criam-se espécies de códigos que
são empregados repetitivamente, expressando-se no vocabulário utilizado e nos
autores referidos. Poder-se-ia chamá-los de formulações discursivas, usadas na
análise de diferentes situações históricas, indiferentes às barreiras temporais e
espaciais. Entretanto, também ten1aS e objetos identificam a direção do interesse
dos historiadores. Esses elementos, acrescidos daqueles próprios da fase cje
investigação - como tipos de fontes selecionadas e bibliografia consultada -,
oferecem visibilidade a lIll1a expressiva cultura histórica acadêmica brasileira.

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Á Esfera do Político na Produção Acadêmica
• •

o corpo documental consultado é composto de 1.09 1 dissertações e


242 teses, distribuídas pelas instituições que mantêm prog r.una s de pós-gradu�
ção junto aos quais os trabalhos foram defendidos e aprovados. Desses totaIS
foram selecionados, segundo seu conteúdo político, 743 dissertações (68,lOOIu)
e 143 teses (59,09%).

Teses e Dissertaç ões Defendidas e Selecionadas (1984-1995)

lnstit. Diss/Dep. Diss.lSel. % Teses/Dcr Teses/SeI. %...

UFMG 5 100 o O O

UNlSlNOS 15 8 53,33 O O O

UFRS 17 16 94,12 O O O

UNESP-Franca 20 16 80,00 O O O

UFBA 22 20 90,90 O O O

rUC-RJ 27 15 55,56 O O O

UFPR 39 24 61.53 O O O

UFGO 40 27 67,50 O O O

UFSC 47 28 59,57 O O O
UNESP-Assis 57 45 78.94 2 2 100

UNlCAM P 61 35 57,37 8 7 87,50

UnB 63 56 88,89 O O O
UFPE 92 62 67,39 J 1 JOO
PUC-RS 96 66 68,75 O O O

UFRJ 112 74 66,70 _ O O O


PUC-SP 117 99 84,61 1 1 _ 100
-

UFF 123 76 61,78 17 13 76.47

USP J38 71 51,44 213 119 55,86


TOTAIS 1091 743 68,10 242 143 59,09

A. aparente pouca informação que Ulilll ementa isoladamente pode


oferecer. é compensada pela quantidade de infom1ações obtidas, recurso
metodológico capaz de dar visibilidade à produção. A leitura de ementas e
exemplares pemutiu identificar textos pertencentes ao urtiverso do político, visto
como o lugar onde se expressa o jogo de poder que penneia as relações
humanas. Os 886 trabalhos analisados aglutinam-se a partir de temas afins
compondo conjuntos onde as relações de poder se expressam e se representam,

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estudos históricos • J 996 - J 7

possibilitando a apreensão de regularidades no modo de conceber O político.


Esses conjuntos se expressam em denominações entendidas como instàncias
interrelacionadas de disputas e conflitos: Estado e instituições; Classes e etnias;
Ideologia e artes; Espaço, gênero e cidadania.

Relação de conjuntos, temas e números dos trabalhos selecionados

J. Eslado e institu.ições
• Estado aUlaS políticas, partidos, Poder Legislativo, poder locaI): 94
• Estado (políticas públicas, ações governamentais, União e estados) : 143
• Igreja/pexler: 45
• Relações internacionais: 43
• Movimentos revolucionários (rebeliões contra o Estado): 25
• Messianismo/cangaceiros: 8
Total: 358

/l. Classes e etnias


• Escravidão/resistência: 35
• Trabalhadores rurais/urbanos: 103
• Empresariado ruraVurbano: 14

• Indios/política indigenista: 27
,

.lmigração/emigração/coloniZ3çJo: 19
Total: 198

/lI. Ideologia e m1es


• Cinema , teatro, arquitetura, J11úsica: 39
• Imprensa/rádio: 48
• Ideologia: 24
• Autores: 64
• Ensino (política educacional, literatura-didática): 30
Total: 205
rv. Es paço, gênero e cidadania
• Cidade: 70

• Excluídos (prostitutas; fugitivos; mendigos; presos; doentes; menores;


malandros): 36
• Mulher/famUia: 19
Total: 125

Total de trabalhos produzidos: 1.333


Total de trabalhos selecionados: 886 (66,46%)
Total de trabalhos selecionados sobre o Brasil: 791 (89,27%)
Total de trabalhos selecionados sobre outros países: 95 (J0,72%)

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A Esfera do Político na Produção Acadêmica

Considerações sobre os conjuntos 4

Grupo I - Estado e institu.ições


Nesse conjunto, de modo geral o político foi tratado em interrelação
com o econômico, utilizando ou não categorias· marxianas:

Título: Terra e poder: a questão agrária no Rio Grande do Sul. 1850-1930


(USP/tese 1986)
Resumo: estuda a dominação exercida pelo Estado através da lei para
fazer avançar o capitalismo no campo, yerificando as estratégias de controle e

resistência, resgatando singularidades que peJmitem uma meU10r compreensão


dos projetos agrários implantados no decorrer da história contemporánea
brasileira. Analisa os níveis de descompasso entre a política de terras nacional
e provinciaVestadual gaúcha e suas foml3s de concretização no período
compreendido entre 1850 e1930.
Autor: Luíza KlieJ11an
Orientador: Prol' Dr" Maria l·hereza Schórer Petrone

Ainda nessa perspectiva alguns trabalhos podem ser vistos como


exemplos de realização da "história total" propugnada pelos AnruJles e pelo
mafXlSnlQ:

Título: Ruralismo - agricultura, poder e Estado na Primeira República


(USP/tese 1990)
Resumo: estuda o ruralismo no Brasil no período compreendido entre
1888 e 1931. Entende por ruralismo patte do conjunto geral eletransfonnações
suscitadas peJo processo de industrialização em sociedades de bases agrárias e
o analisa sob tripla perspectiva: 1) enquanto movimento político eJl! prol da
institucionalização, no nível da sociedade civil, de interesses de segmentos
agrários periféricos ao jogo oligárquico; 2) enquanto debate de idéia� integrado
por agentes da nl3is diversa procedência socioprofissional e ftliação política; 3)
enquanto tradução institucional, no nível do aparelho de Estado, de celtas
deJ11andas organizadas a partir da sociedade civil. Na delimitação do período,
O primeiro nl3rco, 1888, remete ao fato jurídiccrpolítico da Abolição, dentro do
dilema sobre a viabilidade de se manter a hegemonia das frações agrárias da
classe dominante, unl3 vez que elas não mais detêm a propriedade sobre a
mão-de-obra; o segundo, 1931, refere-se à alteração sofrida pelo Minístério da
Agricultura, Indústria e Comércio, reduzido em suas atribuições a Ministério da
Agricultura após intensa refonnuJação de suas agências. Estuda um período de

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estudos históricos • 1996 - 17

transformações que espelha resultados conjunturais do jogo entre as distintas


frações da classe dominante.
Autor: Sônia Regina de Mendonça
Orientador: Prof. Dr. jobson de Andrade Arruela

Também as questões do poder sào tratadas com um perftl tópico muito


nítido, embora apoiadas no plano econômico visto em seus aspectos conjuntu-
ralS ou estruturais:
• •

Título: A dominação legitimada (O Legislativo paulista) (USP/diss. 1985)


Resumo: focaliza os aspectos do comportamento político da oligarquia
agroexportadora paulista que, nas primeiras décadas do regime republicano,
em função de seus próprios interesses e conveniências, manipulou as institui­
ções político-jurídicas para favorecer as transformações infra-estntturais de que
necessitava. Analisa o papel particulam1ente significativo assumido nesse
processo pela Comissão Diretora do Partido Republicano Paulista, responsável
pela imposição de soluções decisivas nos níveis municipal, estadual e fedeJ"dl,
visando a gardntir estabilidade à conjuntura econômica.
Autor: Zita de Paula Rosa
Orientador: Prof' Dr' Maria de Lourdes Mônaco janotti
Título: Livro de Cdpa verde: a vida no Distrito Diamantino no período
da real extração (USP/diss.l991)
Resumo: estuda a vida social no Distrito Diamantino entre 1772 e 1808.
Nesse período, conhecido como o da' real extra ção, a Coroa monopolizou a
produção e a comercialização dos diamantes, para melhor controle da popula­
ção local, e-editou o regimento de 1772, posteriom1ente conhecido como o
livro da Capa Verde, cujos dispositivos discricionários inaugurdram um regime
de exceção, autoritarismo e arbitrariedades. Mostr:a que toda a sociedade do
distrito organizava sua sobrevivência enl torno da real extração, que, ao
multiplicar o número de cargos e funções, criou ao seu redor uma corte de
privilegiados, garantindo o sustento de uma grande parcela da populaç.'io.
Demonstra um enonne descontrole da atuação das autoridades locais, permi­
tindo que as camadas dominantes realizassem uma certa acumulação e que a
sociedade local encontrasse meioS legais ou nào de resistência à espolia�'ào
intentada pela metrópole. Informa que, como em qualquer outra região. da
colônia, privilégios fOJ"dm fartamente distribuídos e disputados pelos grupos que
cercavam os intendentes e os governantes. Reconstrói as relações sociais e de
poder da vida cotidiana no Distrito Diamantino.
Autor: ]unia Ferreira Furtado
Orientador: Prof' Dr' Maria Odila Leite da Silva Dias

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A Esfera do Político na Produção Acadêmica

Os estudos das relações internacionais desenvolvem-se a partir de


tensões e contradições entre os planos políticos interno e externo, como se
observa no seguinte exemplo:

Título: O Brasil e a descolonização da África nos anos Kubitschek


Cl956-1%1): ensaio de mudança. (tJnB/diss.I994)
Resumo: estuda a política externa brasileira relativa à descolonização
africana durante os anos Kubitschek.. Mostra que as ligações econômicas,
políticas e culturais entre o Brasil e a Europa levaram o país a optar pelo
colonialismo, principalmente português e francês, mantendo-se distante da
África durante a descolonização, apesar do crescimento do número de intelec­
nl3is e diplomatas brasileiros favoráveis a uma maior aproxinlllção com as
nações africanas. Mostra as contradições da política externa brasileira em relação
ao colonialismo, ora cedendo a pressões externas e def�ndendo-o, ora cedendo
a pressões internas e atacando-o. Descreve a luta por uma autonomia política
condizente com os anse!9� da nação. Utiliza os arquivos de Osvaldo Aranha e
Negrào de Lin1ll depositados no CPDOC, entrevistas e bibliografia.
Autor: Pio Penna Filho
Orientador: Prof. Dr. José Flávio Sombra Saraiva

Pode-se ainda identificar construções que pemlllnecem na esfera dos


embates e conflitos no interior de partidos:

Título: "c.. ) Aí Nóis Istora Dotô" (Mudança e conservação na atividade


.

do Partido Comunista Brasiléiro em Pernambuco: 1950-1964) (UFPE/diss.1985)


Resumo: realiza uma investigaçào histórica sobre o PCB em Pernambu­
co no período de 1950 a 1964. Coloca em discussão suas idéias sobre o partido
revolucionário de inspiração leninista e a formação política dos seus militantes.
Relaciona as principais resoluções adotadas pelo PCB. Analisa as repercussões
que o XX Congresso do Partido Comunista da Uniào Soviética teve no
movinlento comunista pernambucano; a relação entre as Ligas Camponesas de
Francisco Julião e o PCB. Apresenta uma visão geral sobre o período, desde o
final do governo de Cordeiro de Farias até 1 964.
Autor: Flávio Henrique A1bert Brayner
Orientador: Prof. Dr. Marco Antônio de Oliveira Pais

Título: Contribuiçào à história da esquerda brasileira: o Partido Socialista


Brasileiro 0945-1964) (USP/tese 1989)

Resumo: estuda as análises que o PSB fonnulou a respeito da realidade


brasileira, seus propósitos, seu programa e sua prática no movimento operário

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estudos históricos • 1996 - 17
-

e popular. Analisa o desempenho do PSB no campo eleitoral, suas alianças, sua


política e sua relação com o Estado. Discute a vida interna do pa';id
.
diversidade de posições políticas que abrigou e dentro do contexto político do
Brasil dos anos de 1945 a 1964.
Autor: Sílvio Frank Alem
Orientador: Prof. Dr. Edgar Carone

As instituições religiosas, em especial a Igreja Católica, são consideradas


como órgãos privilegiados do exercício do poder. Ora ligadas ao Estado, ora se
interpondo, são sempre vistas como parceiras no "domínio dos corpos e
mentes". Excetuam-se os casos de estudos sobre a ação da Igreja no Brasil e na
América Latina sob o influxo da "opção pelos pobres" e da "teologia da
libertação". Estes foram classificados no grupo 11 - Classes e etnias, em geral

rurais e urbanos, ou Indios.


alocados nos itens Trabalhadores
Sobre o modelo de análise amplo mencionado, é exemplar uma tese
onde o poder é surpreendido e analisado em suas várias fases: do confessor
em relação ao penitente; da Inquisição em relação ao confessor transgressor;
da teologia moral cristã em relação à sexualidade e ao prazer; da Igreja em
relação à Coroa numa situação histórica específica. Ao desvendar todas essas
formas de exercício da autoridade, a tese em questão o faz de fOllna a salientar
seu conteúdo político.

TItulo: A confissão pelo avesso: o crime de solicitação no Brasil colonial


(USP/tese 1991)
Resumo: estuda o crime de solicitação, ocorrido quando o confessor
fazia propostas amorosas ao confidente na ocasião do Sacramento, delito punido
pela Inquisição ibérica, comentando as origens dos tribunais inquisitoriais
(séculos XII e XIII). Analisa o significado da confIssão durante o período das
Reforma s católica e protestante que acompanham as transforma ções sociais,
'caracterizando a gestação do mundo moderno. Trata a temática da sexualidade
pela ótica da teologia moral cristã que visava a reprimir os prazeres profanos
substituindo-os pela bem- aventurança celeste. Analisa a construção do conceito
de luxúria e examina a casuística concernente ao vício da fornicação. Identifica
a fOfmação do clero moderno e a reforma clerical nos moldes tridentinos
verifIcada no Brasil em meados do século XVIII, comprometida com a submissão
da Igreja à Coroa em virtude do Padroado e das características próprias do
sistema colonial (escravidão/exploração). Examina a casuística da solicitação e
mostra como o clero da colônia estava estreitamente comprometido com
padrões morais que devia combater.
Autor: Lana Lage da Gama Lima
Orientador: Prof. Dr. Fernando Antônio Novais

132

A Esfera do PoUtico na Produção Acadêmica

Persiste também, em volume considerável, a visão explicativa de


eventos muito próxima das categorias usadas pela ciência política, como se
observa nesta dissertação sobre a história antiga:

Título: A escala dos imperadores prescritos: Estado, conflito e usurpação


no N século d.e. (UFRJ/diss.1993)
Resumo: anaIisa'as usurpações produzidas no Império Romano, entre
284 e 395 d.C., a partir de um enfoque estrutural e sistêmico. Estuda as
caracteristicas gerais, o modus operandi, a condição social dos usurpadores, OS
segmentos que os apoiaram, os interesses subjacentes e manifestos e a maneira
como se deu a reação imperial às usurpações. Recorre ao aparato teórico
conceitual elaborado pela ciência política para o estudo dos conflitos sociais,
visto que as usurpações representam manifestações de um tipo específico de
conflito que, integrando o sistema político do Baixo Império, influenciou
diretamente a estruturação do novo Estado criado na passagem do Principado
para o Dominato.
Autor: Gilvan Ventura da Silva
Orientador: Prol' Or" Marilda Correa Ciribelli

Como observação, é interessante notar as transfollnações no interior do


discurso historiográfico: entre 1985 e 1994 vai desaparecendo a utilização do
vocabulárió manda no, tão presente na década anterior.

Grupo Il - Classes e etnias


Como no conjunto anterior, há uma constãncia no tratamento das
temáticas relacionadas a classe e etnias: a análise do econômico-social e a
emergência do político como lugar do conflito. Em outras palavras, uma
determinada situação econômica gera classes que a viabilizam, classes estas que
disputam o poder, dominam quem não o tem, instauram o conflito:

Título: Minas Gerais: a dominação burguesa - conflitos polítiC'os e


fOllnas de dominação'(1927-1940) (USP/tese 1985)
Resumo: estuda a prática da classe dominante de . Minas Gerais dentro
do contexto nacional, suas fo rmas de organização, mobilização e pressão.
Analisa o processo de sua luta política, e em que medida influenciou as
condições de acumulação do capital e de participação política da classe
trabalhadora na dinâmica social. Analisa principalmente a atuação de seus
setores comercial e industrial no processo de reorganização da soCiedade e de
regulamentação do capital e do trabalho, num pelÍado de inviabilidade da

133
estudos históricos. 1 996 - 1 7

pennanência da economia agroexportadora, e suas relações internacionais, com


a crise de 1929.
Autor: Evantina Pereira V ieira
Orientador: Prof. Dr. Ulysses Teles Guariba Neto.

O vocabulário, como já foi sugerido, data a produção na década


estudada; a palavra resistência imprime uma opção metodológica aos textos.
Nos estudos de escravidão, os termos escravo, escravidão e escravismo são
usados com o significado de do minação. Esse conceito que aquelas palavras
encerram aparece, em alguns trabalhos, quase que acoplado ao mencionado
conceito de resistência. A idéia parece ser a de que a dominação traz consigo
a reslStenCla.
• • •

Título: Escravos e libertos em Minas Gerais do século XVIII: estratégias


de resistência através dos testamentos CUFMG/diss. 1993)
Resumo: empreende um estudo sobre o universo mineiro colonial e
sobre o cotidiano das relações escravistas na região, tomando como base uma
série de 357 testamentos de homens e mulheres, livres e libertos, moradores da
Comarca do Rio das Velhas, Capitania de Minas Gerais, registrados entre 1720
e 1785. Analisa O contexto histórico, privilegiando três temas fundamentais: as
estratégias de resistência empregadas pela população negra contra o sistema
escravista, o significativo número de alforrias e, evidentemente, a grande
população forra existente nas minas e a atuação das mulheres negras (cativas
e libertas) na construção daquela sociedade setecentista. Mostra uma realidade
ainda pouco conhecida, onde escravos libertos e seus descendentes assumiram,
efetiva e seguidamente, o papel de agentes históricos e, portanto, de transfor­
madores de seu tempo.
Autor: Eduardo França Paiva
·Orientador: Prof. Dr. Douglas Cole Libby

Na produção dos anos 1980 e início dos 90, há uma continuidade de


interesse em relação a classes.e grupos de trabalhadores, já manifesta nas duas
décadas anteriores, fortemente marcadas por lutas contra a ditadura militar no
Brasil. O movimento dos trabalhadores cresceu nas cidades e no campo,
recriando sua própria condição e sua auto-imagem, colocando a palavra trabalho
no centro do vocabulário político nacional. Aprofunda-se, a partir daí, um
,

importante campo de reflexão sobre movimentos sociais. Os estudos anteriores,


que davam aos operários apenas a função de força produtiva ou confinavam a
classe trabalhadora nos quadros das organizações fOlluais, tiveram continuidade

134 •
A Esfera do Político na Produção Acadêm ica

ou foram questionados, surgindo a proposta de um novo olhar, suficientemente


amplo, capaz de captar o viver pleno desses setores da população.
Poder-se-ia dizer que, no inicio da década de 1980, a crítica ao leninismo
, elemento constitutivo da nova força de esquerda que se constrói no país. Do
ponto de vista do conhecimento, um dos aspectos mais fortes dessa postura
crítica foi o questionamento da concepção de vanguarda, que teve como efeito
analítico o desl ocamento das lideranças (pessoas ou partidos) do lugar privile­
giado que ocupavam na feitura da história. O sujeito histórico passou a ser o
homem anônimo, o lutador até então ignorado:

Título: Os confil tos


de 1980 CUFGO/cliss.I991)
Resumo: estuda os conflitos de terra na região do Bico do Papagaio,
Tocantins, na década de 1980. Mostra as lutas travadas pela posse da terra na
região, bem como a atuação da Igreja, através da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), na organização dos posseiros para a resistência. Situa o Bico do Papagaio
no contexto do Brasil e de Goiás, desde o início da colonização até a década
de 1980. Descreve as peculiaridades da grande região norte, chamando a
atençào para as suas diferenças em relação às outras regiôes de Goiás. Mostra
a trajetória das lutas camponesas no Brasil desde Canudos até Trombas do
Fom1OSo, passando pelo Contestado e pelas Ligas Camponesas. Analisa as
relaçôes dos camponeses com as classes dominantes e o processo de politização
das lutas, destacando o papel da Igreja, sobretudo depois da criação da CPT
(1978), que se distingue como aglutinadora da parcela mais combativa do
movimento camponês. Relata a resistência espontânea dos posseiros à grilagem.
Registra o papel da CPT e o aparecimento da UDR e o papel dos agentes
pastorais. Conclui que a luta no Bico do Papagaio gerou e está gerando um
setor médio rural, formado por pequenos proprietários que conquistaram sua
terra através da auto-organização no sindicato e no partido político com o apoio
da Igreja progressista.
Autor: Liliana Patrícia Lemus Sepúlveda Pereira
Orientador: Prof'! Dr' Gilka V. Ferreira de SaUes

Título: Trabalho e resistência: os trabalhadores rurais na região de


Ribeirão Preto 0890-1920) (UNESP-Franca/diss.1994)
Resumo: registra o trabaU13dor rural como sujeito, ou seja, como
participante do processo de expansão do capitaliBmo em função da agricultura
cafeeira, principal atividade econômica da região. Evidencia a importância que
a imigração teve nU(l1a sociedade até então escravista e focaliza aspectos ligados
à organização do trabalho nas fazendas de café de Ribeirão Preto, o modo de

135

estudQs históricos • 1996 - 17

vida de seus trabalhadores (representados na maioria por imigrantes) e suas


formas de luta e resistência cotidiana, entre os anos de 1890 e 1920.
Autor: Maria Angélica Momenso Garcia
Orientador: Prol' Dr" Tereza Maria Malatian

TItulo: Sindicalismo e Estado corporativista: o caso do Sindicato dos


Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Blumenau de 1941-
1950(UFSCldiss.1985)
Resumo: discute e analisa a organização e a burocratização sindical,
tomando como referência o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação
e Tecelagem de Blumenau (SC) entre os anos de 1941 e 1950. Destaca o
desenvolvimento da indústria têxtil nessa cidade e a importància dos que nela
trabalham no contexto sócio-econômico da região. Estuda a f011Ilação do
sistema corporativis(,� brasileiro e suas características, apontando a influência do
Decreto 1.402, de 1939, na fOJlllação e evolução da Associação Profissional dos
Trabalhadores Têxteis de Blumenau. Verifica a dependência definitiva do
sindicato em relação ao Ministério do Trabalho e os reflexos da nova conjuntura
estabelecida no Brasil de i945 sobre o movimento sindical na região. Estabelece
a relação entre a estnttura corporativista, imposta ao sindicato, e o movimento
operário, representado pela greve de 1950. Condui que a organização do
sindicato têxtil em Blumenau caracterizou-se por urna intensa atividade admi­
nistrativa e burocrática, pela exigência por pane dos trabalhadores de serviços
assistenciais e pela atuação de lideranças submissas a detel1l1inaçôes legais.
Autor: Maria de Fátima Sabino Dias
Orientador: Prof. Dr. Ernesto Aníbal Ruiz

A política indigenista durante a Colônia, Império e República vem sendo


explorada pelos investigadores. Nesse . campo, a história imediata começa a
aparecer imbricada com a luta pela terra e a violência. Entretanto, a maioria dos
.trabalhos, mesmo recorrendo a métodos da etno-história, prende-se ao período
colonial:

Título: A resistência do índio ao extelmínio. O caso dos Akwê Xavante


d%7-1980) (UNESP-Assis/diss.1989)
Resumo: estuda o caso dos Akwê Xavante e sua resistência ao extermí­
nio, entre ,1.967 e 1980. Analisa os primeiros contatos, as migraçôes xavantes, as
missôes salesianas, a política de terras dos governos de Mato Grosso e do Serviço
de Proteção ao Índio. Discute as diretrizes do governo brasileiro pó5-1%4,
enfocando a demarcação de terras e o conflito de interesses . Aborda a política

136
A Esfera do Político na Produção Acadêmica

indigenista para os Akwê Xavante, o plano de desenvolvimento para a nação


xavante e seus resultados.
Autor: Marta Maria Lopes
Orientador: Prof. Or. Oiores Santos Abreu

Título: Jesuítas x índios: a conquista de corpos e mentes (UNESP-Fran­


ca/diss.1992)
Resumo: estuda o universo das relações estabelecidas entre autoridades
civis e religiosas, entre colonos, índios e jesuítas, durante o século XVI. Aborda
o processo conjuntural em que se deu a chegada dos jesuítas ao Brasil e sua
atuação no processo colonizador. Discute a desestruturação da cultura índígena
a partir da intervenção dos jesuítas, sem negar seu objetivo principal: a salvação
das a1mas para Cristo e dos corpos para o Rei.
Autor: lsanilde Lopes
Orientador: Prol' orO Alzira Lobo de Anuda Campos

Título: Guayrá no antigo Paraguay. Uma rustória de índios, colonos e


missionários (UNISINOS/diss. 1 992)
Resumo: estuda o processo de colonização do Rio de la Plata no século
XVI e começo do XVII. Analisa as expedições de reconhecimento do território,
os mandatos dos diferentes adelantados, as instituições coloniais ligadas aos
índígenas e o empenho em criar para eles uma legislação conciliatória dos
interesses dos vários segmentos sociais. Verifica que, sendo uma área econômi­
ca, social e politicamente isolada, por sua posição geográfica e falta de minérios
preciosos, os colonizadores tiveram de voltar-se para o cultivo da terra para sua
própria subsistência e para a exploração de recursos florestais, como a
erva-mate, para exportação, usando como mào-de-obra o braço índígena.
Mostra que a superexploração do nativo alaml0u as autoridades, que se
empenharam no desenvolvimento de urna legislação, e que OS jesuítas influen­
ciaram no estabelecimento dessas nom13S protegendo OS índios das reduções.
A disputa pelo índio e O estabelecínlento das condições de íncorporação na
sociedade colonial tiveram participantes com formação e ínteresses bastante
diferentes: os governadores, que mediavam entre a Coroa e OS povoadores; os
colonos pobres, que lutavam pela sua sobrevivência, e religiosos de diversas
ordens e estatutos, que deveriam cuidar do bem-estar espiritual de conquista­
dores e conquistados. O Guayrá, onde se instalou o maior número de reduções .
iniciais, foi urna batalha perdida para os jesuítas, porque os colonos paulistas
acabaram com as 1 3 reduções aí fundadas, mas não telluinaram com a coragem
dos religiosos: novas reduçõçs. surgiram no ltaim, no Uruguay e no Tape,

13 7
estudos históricos • 1996 - 1 7

também sujeitas aos ataques paulistas, mas que conseguiram sobreviver salvan­
do da servidão um grdnde número de índios provenientes de todas essas regiões.
Autor: Jandir Damo
Orientador: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz

Enquanto s.ubsistem ainda pesquisas sobre a imigração preocupadas


com seus motivos iniciais e com primitivos núcleos coloniais há, recentemente,
maior interesse pelo destino das gerações sucessivas de imigrantes e pelas
trans formações de sua cultura no Brasil:

Título: Imigração polonesa: raízes de um preconceito (UFPRldiss.I990)


Resumo: estuda as desapropriações, por ocasião da construção da
barragem do rio Passaúna, em 1985, e seu efeito sobre a cultura e a economia
da comunidade polonesa de Thomás Coelho. Parte de wn problema concreto:
o governo do Estado, objetivando o melhor aproveitamento de rios e mananciais
da região metropolitana de Curitiba (PR), deu início, em 1977, a um programa
visando à utilização da bacia do rio Passaúna como manancial de abastecimento,
e estabeleceu uma área de cerca de 10 kn,z a ser desapropriada, atingindo a
comunidade de descendentes de poloneses que aí vivia havia um século. Mostra
a revolta e o descontentamento por parte dos desapropriados, o que leva o
governo a 3JJtorizar a prática de atos judiciais e extra judiciais para efetivar as
desapropriações. Analisa o perfil da colônia Thomás Coelho, resgatando seu
aspecto étnico-cultural e revelando os aspectos econômicos· ligados à sobrevi­
vência da produção mercantil. Conclui que, ao desprezar a quest.'lo econômica
(não indenizando satisfatoriamente os colonos desapropriados), o Estado
acabou por acelerar o processo de desagregação daquele grupo social, o que
já vinha gradativamente acontecendo havia algum tempo.
Autor: Neda Mohtadi Doustdar
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Odilon Nadalin

Título: A implantação do luterdnismo confessional entre os irrllgrantes


alemães no Rio Grande do Sul, Brasil , 1900-1904 (UNISlNOS/diss. 1 993)
Resumo: destaca toda li problemática que envolveu li efetiva implanta­
ção do luteranismo confessional em solo sul-riograndense, e ressalta a relevância
da extensa rede escolar organizada pelo distrito brasileiro do sínodo de Missouri,

numa época

de quase total ausência de escolas públicas, possibilitando assim
aos filh06 dos irrllgrantes alemães uma sólida base escolar e cultural. Entre as
sucessivas levas de irrllgrantes alemães que a partir de 1821 se fixaram no Rio
Grande do Sul, além de católicos e evangélicos havia farru1ias luteranas. O sínodo
riograndense na época nào se identiflcaY3 como luterano. Isso deu ensejo a que

138
A Esfera do Político na Produção Acadêmica

Igreja Luterana - sínodo de Missouri, EUA -, a partir de 1900, enviasse pastores


e professores ao RS. O objetivo era agrupar em comunidades as famílias
luteranas dispersas pelas colônias. A rápida expansão de comunidades e escolas
levou à fundação em 1903 do primeiro seminário teológico-pedagógico luterano
na América Latina e, em 1904, à fundação do então distrito brasileiro do sínodo
de Missouri, hoje Igreja Evangélica Luterana do Brasil. O trabalho paralelo dos
dois sínodos, entre o mesmo elemento étnico, levou a conflitos e tensôes,
explorados também politicamente por setores da mídia teuta no estado.
Autor: Otmar Walter Steyer
Orientador: Prof. Dr. Arthur Blásio Rambo

Grupo /li Ideologia e artes


-

Nota-se neste grupo que a maior ênfase das dissertaçôes e teses reside
na análise do plano ideológico. A dominação é o grande tema que é reproduzido
ou contestado pelas expressôes artístico-literárias. Esses trabalhos, em sua
maioria, pouco se preocupam com a a nálise estética, defmindo-se por fazer uma
leitura politico-social. A imprensa e o ensino são fontes privilegiadas pelos
pesquisadores na exposição do confronto de idéias.
A ditadura militar instaurada em 1964, a resistência dos partidos de
esquerda e a denominada "abertura democrática" aguçaram o interesse pelo
estudo do autoritarismo, buscando compreender as origens do fracasso demo­
crático brasileiro. Essa arqueologia do pesadelo que atormentava o país levou
à concentração de estudos em torno. da década de 1930, momento detectado
como gerador das contrddiçôes contemporáneas. Proliferam estudos sobre o
pensamento conservador, a repressão, o Estado Novo e memórias.

Teatro
Título: Teatro de reticências: os primórdios do teatro moderno no Rio
de Janeiro 0927-1943) (UFF/diss. 1993)
Resumo: estuda o teatro moderno brasileiro, iniciado com o dramaturgo
Alvaro Moreyra, que introduziu humor e reflexão em sua peça Adão, Eva e
-

outros membros da farm7ia. Mostra que o Teatro de Brinquedo foi por ele
fundado em 1927. No fInal da década de 1930, o Estado Novo instituiu um órgão
de censura, o DIP (Depa rtamento de Imprensa e Propaganda), verdadeiro
veículo da ideologia do governo Getúlio Vargas. Influenciados pelas idéias
divulgadas por esse Departamento, os dramaturgos começaram a escrever peças
sobre temas históricos, reafinnando os mitos oficiais. Foi o fim temporário do
teatro reflexivo, iniciado no fmal dos anos 1920 . 'Condui que, em 1943, com o
processo de democratização do Estado, a censura foi enfraquecida, tornando-se

139
estudos históricos • 1 996 - 17

possível o aparecimento da dramaturgia de Nelson Rodrigues. O teatro brasileiro


voltou a ser, então, um espaço de reflexão.
Autor: Vânia Soares de Magalhães
Orientador: Prof. Dr. Leandro Augusto Marques Coelho Konder

Imprensa
Título: Os subterrâneos de Porto Alegre. Imprensa, ideologia autoritária
e refollna social, 1900- 1919 (UFRS/diss.1992)
Resumo: analisa a ideologia de intelectuais gaúchos expressa nas
páginas d' O Independente, jornal que circulou em Porto Alegre nas duas
primeiras décadas do século XX. A partir das matérias sobre os que eram
classificados como "inferiores", demonstra o caráter autoritário de tal ideologia.
Praticantes de pequenos delitos, furtos, desordem e embriaguez, esses "inferio­
res" eram apresentados como vagabundos, prostitutas, turbulentos, que deve­
riam ser regenerados pela educação ou expulsos para unidades distantes da
federação. Como em todo pensamento político orgânico, a noção de sociedade
enferma, as metáforas orgânicas, tornaram virtual em todo período analisado o
recurso à violência para a resolução do problema social.
Autor: Anderson Zalewski Vargas
Orientador: Pro!' D� Loiva Otero Felix

Ideologia
Título: O povo capturado na apreensão do Brasil (urna releitura dos
estudos brasileiros de folclore: 1945-1964) (UFF/diss.1986)
Resumo; recupera as construções da noção de povo, veiculadas por
segmentos da intelectualidade brasileira entre o final do Estado Novo e o golpe
militar de 1964. Tem como objetivo central a releitura do conceito de folclore
enquanto linguagem autorizada de traduçãO da cultura popular. A leitura
folclórica é examinada em contraponto com outras linguagens, como a do
nacional-desenvolvimentismo. Trata-se 'de. um momento de transição de wna

ordem fundamentalmente agrária para outra, de caráter urbano-industrial.


Distinguem-se dois tipos de fontes: a) a obra de Renato de Almeida e Edison
Carneir\" ao lado de fOllnulações especificas de Manuel Die2Ues Júnior; b)
alguns textos de Nelson-Werneck Soçlré, além de aspectos parciais dos modelos
de pensamento do lseb. Analisada a compreensão do país e de povo dos dois
folcloristas, base da instrumentalização do conceito de folclore, COnsideram-se
a perspectiva protecionista e a construção da identidade cultural. São analisadas
as formas como as noções de povo, de cultura, de nação e de região se
organizam no pensamento dos autores selecionados, expressando visões do
Brasil.

140

A Esfera do Político na Produção Acadêmica

Autor: A1cione Fernandes Baptista


Orientador: Prof. Dr. Afonso Carlos Marques dos Santos

Autores
Título: Alceu Amoroso Lima: idéia, vontade, ação da intelectualidade
católica no Brasil (PUC-R]/diss.1992)
Resumo: analisa a gênese e a constituição da tradição intelectual católica
brasileira, sustentando que ela se completa em Alceu Amoroso Lima no início
do seu apostolado leigo ( 1928-1935). Mostra que, no Brasil, a história da
formação da intelligentsia católica - fenômeno relativo ao processo de laicização
de nossa sociedade - encontra em Alceu Amoroso Lima seu mais expressivo
intelectual leigo. Amoroso Lima obteve respostas positivas que pennitiram ao
catolicismo, nos anos 1930, reafirmar o domínio religioso como eixo nonllativo
e organizado da sociedade brasileira.
Autor: Norma Gouveia de Melo do Rego Monteiro
Orientador: Profi Df' Maria Alice Rezende de Carvalho

Título: Memória e poder: as criações memorialísticas e o regime de 64


(PUC/diss. 1 993)
Resumo: aborda um aspecto particular da história recente do país,
configurado nas múltiplas representações do regime de 64, a partir de 1 1 livros
de memórias acerca do período. Os acontecimentos passados sào geradores de
diferentes construções da memória, na qual se insere a experiência política do
memorialista, que não é só sua, mas também do outro. Demonstra a maneira
pela qual os memorialistas constroem a versão dos acontecimentos, de acordo
com a posição assumida frente ao poder. Investiga como a memória histórica
do poder é elaborada. Mostra que os memorialistas atribuem significados
diversos aos desdobramentos da revolução de 64 e tecem distintas leituras de
seu envolvimento com a prática da tortura. O trabalho apresenta as diferentes
visões dos memorialistas que aspiravam ao poder e que acreditavam na luta de
guerrilhas como estratégia para derrubar a ditadura. Apreende nos escritos OS
elementos comuns e divergentes, situando os autores, associados às suas obras,
com o caráter dos projetos políticos da época .
Autor: Lucineide Costa Cardoso
Orientador: Prof. Dr. Holien Gonçalves Bezerra

Ensino
Título: A alfabetização no Brasil após 1964: uma análise das implicações
ideológicas presentes na educação brasileira a partir da caracterização do
contexto autoritário-burguês (PUC-R]/diss.1986)

. 141
estudos hist6ricos • 1 996 - 1 7

Resumo: analisa as relações entre a alfabetização no Brasil pós-64 e a


ideologia de ummodelo autoritário de governo, apoiado numa classe dominante
do tipo burguês-associado. Os tipos de relações que existem dentro dessa
problemática, suas raízes históricas e as repercussões desses fenômenos na
fOllIlação das crianças sào o objeto da investigação. Analisa o processo histórico
que vai de 1930 a 1945, objetivando entender o contexto no qual se gestou o
golpe militar de 64. Realiza a análise da evolução neSse mesmo período, com
ênfase na história da alfabetização. Mostra a instalação de um modelo autoritário
de governo comprometido com o capital internacional, que exigiu da classe no
poder um aparato ideológico muito complexo para manter e justificar o novo
projeto. Analisa o impacto da nova ideologia na educação, investigado através
de observações em classes de alfabetização e entrevistas com pais, professores
e alunos. Os dados coletados foram trabalhad06 à luz do marco teórico
construído a partir de várias abordagens do fenômeno ideologia, tendo como
espinha dorsal o materialismo histórico. Conclui apontando as fortes evidências
da relação entre as ·práticas de alfabetização e a ideologia do Estado autoritário,
na medida em que estas práticas estão inlbuídas de violência simbólica para
inculcação de conteúdos e práticas altamente alienantes e contrárias à fonnação
do pensamento crítico.
Autor: Nize Maria Campos Pellanda
Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz

Apesar das vinculações com a análise ideológica , esse conjunto de temas


revela em seu interior novas construções discursivas. Esse mergulho e penna­
nência na instância do político pode apresentar uma variação: é quando esse
político é o discurso e esse discurso é "produtor e produto", n
i stituído e
instituinte, se quisennos usar Castoriadis. Assim, os discursos que antigamente
eram as "idéias" não são mais só palavras que expressam interesses, mas práticas
faladas, fatos concretos, real e representações sin1Ultaneamente.
Nesse conjunto aparece claramente a problemática da modernização,
da modernidade e suas decorrências, como a perda de identidade. O ideário
forjado pelas elites não corresponde à realidade dos embates sociais e nem os
contempla. Assim, a intelectualidade de direita, ao tentar racionalizar e unifor­
miza r a pluralidade social, constrói modelos de "caráter nacional", reforçando
a dominação.
O ensino é apontado como área estratégica para o exercício da
dominação e de práticas de resistência. Evidentemente, as lutas políticas dos
professores na atualidade marcam profundamente a ótica das investigações, não
sendo raro um certo tom anacrônico nas interpretações.

142
A Esfera do Político na Produção Acadêmica


Conteúdos memorialísticos surgem como novas versões da história de


sentido altamente politizado, desvendando o ocultamento do protesto e da
divergência. São constantes nesses trabalhos o tratamento do conteúdo "história
e memória" como aspectos complementares. São atribuídos à história oral e à
biografia - em sua versão "história de vida" - atributos ou virtualidades de
denúncia e resistência expressas na vontade política de mudanças.

G17./jXJ IV - Espaço, gênero e cidadania


A atenção do olhar historiográfico em direção ao "discurso pol?ular
discordante" abriu um leque de novos objetos de pesquisa, como por exemplo
habitação, saúde, lazer, alimentação, costwnes, emoções, religiosidade, o saber
e o pensamento enquanto prática etc. É sintomática a emergência da palavra
cotidiano, quase sempre representando a luta pela sobrevivência dos mais
pobres, vista como ato político e estratégia de resistência à dominação que .
pellueia o tecido social. A luta política que se trava é interpretada como
construções e desconstruções da correlação de forças sociais em confronto no
espaço urbano. Os trabalhos voltam-se para o universo da cidade intelmediado
pela análise dos discursos sobre a modernidade. Essas pesquisas vinculam-se,
em sua maioria, à história das representações.
Além da sociologia e da ciência política, a antropologia e a semiótica
consorciam-se com a história: o inusitado e o diferente constituem-se em objeto
de conhecimento. Porém, nào se trata mais da concepção de culturas exóticas,
objetos da antropologia no passado, mas do diferente dentro do conhecido, do
"outro" dentro do "nós". A palavra cultura é a melhor solução semântica para
cobrir um universo t.'io amplo, tão anticonvencional, porém tão histórico:
Esfacela-se a univocidade que, por vezes, a montagem do discurso demonstra­
tivo exigiu. Emergem nesse conjunto da produção arual, e com fone presença,
temáticas relacionadas à sinlação feminina, à siruação do menor e à situação
dos excluídos.

Cidade
'l1tulo: A construção de um sonho: "habitação econômica" projetos e
discussões. (São Paulo, 1917-40) CUNlCAMP/diss.l990)
Resumo: analisa uma série de artigos, decretos, teses, relatórios, fotos,
mapas e plantas, elaborada por políticos e intelectuais, com o intuito de
solucionar o problema da habitação para a populaçào de baixa renda. Trabalha
a complexidade das questões que envolviam o problema habitaCional no Brasil,
que extrdpolavam a auséncia de construções baratas para a população carente,
e estavam diretamente relacionadas com as condições de vida do trabalhador
urbano. Verifica a preocupação com o problema da moradia popular por parte

143
estudos históricos • 1 996 - 1 7

de outros setores da sociedade, entre eles médicos, higienistas, assistentes


sociais, empresários, engenheiros e arquitetos. A partir da análise dos diferentes
discursos desses profissionais, percebe que, ao lado do caráter moralizador, o
problema da moradia popular estava inteiramente vinculado ao desenvolvin1en­
to das cidades industriais.
Autor: Marisa Teixeira Carpinteiro
Orientador: Prol' DI" Maria Stella Martins Bresciani

Excluídos
Título: Mendigos e vadios na Bahia do século XIX (UFBAldiss.1994)
Resumo: trata do perfil étnico e etário dos mendigos, como sobreviviam
e como orgartizavam uma territorialidade própria, a qualidade das relações
mantidas com os bem-nascidos. A pesquisa buscou alargar ao máximo o
repertório de fontes consultadas, incluindo documentação policial, docwnenta­
ção eclesiástica (Cúria Metropolitana, Mosteiro de São Bento, Convento de Sào
Francisco) e principalmente a documentação da Santa Casa de Misericórdia da
Bahia. Tratou também da documentação impressa e bibliográfica. Oferece um
panorama geral das hierarquias sociais, da exclusão de setores livres e pobres
da população urbana de Salvador, bem como da conjuntura econômica do
século XIX. Discute as relações tensas e ambíguas entre os bem-nascidos e os
mendigos da cidade. Apresenta dados quantitativos sobre as características da
população mendiga de Sa.1vador, discute as várias formas de percepção da
vadiagem e, ao mesmo tempo, busca conhecer as estratégias de sobrevivência
dos considerados vadios. Resgata as vivências de menores "peraltas", órfãos e
abandonados que viviam nas ruas de Salvador daquele penodo. Finalmente,
discute a emergência de uma política comprometida com o enquadramento dos
pobres e dos mendigos da cidade.
Autor: Walter Fraga Filho
Orientador: Prof. Dr. joão josé Reis

Título: Capoeiras e malandros: pedaços de uma sonora tradiçào popular


(1 890- 1950) (UNl CAMP/diss. l 990)
Resumo: recupera as experiências urbanas de capoeiras e malandros,
que mantiveram uma tradição de luta pela liberdade aprendida desde os tempos
da escravidão, procurando preservar uma margem de autonomia e delíber-dção
sobre suas próprias vidas na cidade do Rio de janeiro entre 1890 e1950.
Envolvidos por um contexto de valorização moral do trabalho e de exaltação
da figura do trabalhador, capoeiras e malandros foram rotulados como marginais
representantes da violência urbana. O trabalho mostra que aquilo que diferentes
falas disciplinares tratam como desordem e ameaça popular, quando analisado

144
A Esfera do Político na Produção Acadêmica

internamente, transparece como prática de vida onde a liberdade preten.de ser


preservada, Salienta ainda que entre capoeiras e malandros é possível alinhar
uma tradição, sem por isso colocá-los como iguais, Trata das visões de liberdade
alicerçadas pelos negros, de projetos disciplinares de controle da população
pobre da cidade e da resistência oferecida pelos grupos populares a esses
mecanismos. Utiliza como fonte a música popular brasileira e fontes literárias,
jornalísticas, policiais, biográficas e de memória,

Autor: Maria Arrgela Borges Salvadori


Orientador: Prol' Dl' Maria Clementina Pereira Cunha

Titulo: As relações de poder em uma instituição psiquiátrica (PUC­


SP/diss, 1989)
Resumo: descreve uma instituição estadual para pessoas portadoras de
problemas mentais. A partir dos arquivos de um sanatório de Campii1a-SP,
discute o sanatório em sua perspectiva histórica, Analisa o sistema de internação
e a participação de pacientes e familiares nos planos de saúde. Mostra como
essas instituições reproduzem o poder da classe dominante e a passividade ou
admissibilidade da psiquiatria nesse processo de dominação,
Autor: Glícia de Carvalho Aragão
Orientador: Prol' DI" Márcia B. Mansor D'Alessio

Mulher
Titulo: As idéias feministas no Brasil, 1918-1932 (UFPRldiss,1986)
Resumo: estuda as idéias dominantes na sociedade brasileira dos anos
1920, tendo como base as idéias feministas e destacando a ação da Fundação
Brasileira para o Progresso Feminino, criada em 1922. Recupera o papel da
atuação feminina no período de modernização das relações capitalistas na
sociedade brasileira, e trabalha com interpretações teóricas advindas da história
social, da história das mentalidades e da história do cotidiano. Adota como baliza
os anos de 1918 a 1932, por se inserir nos anos imediatamente pós-guerra a
primeira proposta pública de associação feminista no Brasil (baseada sobretudo
nos moldes das organizações norte-ameriC:-dnas), com a Federação Brasileira de
Proteção Feminina, e por ser 1932 o ano da concessão do direito de voto às
mulheres de origem social abastada, que reivindicavam a extensão dos direitos
políticos e civis ao mesmo tempo em que reclamavam o reconhecimento e a
legalização de papéis tradicionalmente femininos (esposa e progenitora) dentro
da nova ordem política e econômica,
O estudo divide-se em três momentos: as origens das primeiras
organizações feministas vinculadas à expansão do capitalismo (especialmente
nos Estaqos Unidos); a história do movimento feminino organizado brasileiro

1 45
estudos históricos • 1996 - 17

(do século XIX até a obtenção do voto em 1932); e, fmalmente, os vários aspectos

do movimento feminista brasileiro, as correntes teóricas que o embasaram, a


relação com outros movimentos sociais e as práticas sociopolíticas das líderes
femininas.
Autor: Sônia Cristina da Fonseca M. Lino
Orientador: Prol" De" Altiva Pilatti Balhana

TItulo: Mulher e família na trajetória dos metalúrgicos de São Bernardo


do Campo, 1970-1980 (PUC-SP/diss. 1992)
Resumo: esn,da uma fração dos trabalhadores do muniópio de São
Bernardo do Campo - os metalúrgicos -, o cotidiano desses operários e de suas
famílias. A opção pelo estudo da família apresentou um personagem que foi
encontrado nos documentos e nas falas: as mulheres, centro da família ope.rária.
Resgata a trajetória da mulher e da família, reconstituindo o cotidiano, recupe­
rando as estratégias de sobrevivência, a criação do Fundo de Greve e o
surgimento (nos anos 1970) de um novo sujeito na construção da cidadania.
Autor: Oolores P. Ribeiro Campos
Orientador: Prol" De" Estefânia Knotz Canguçu Fraga

Farm1ia
TItulo: Sexualidade e poder na Bel/e Époque de Porto A1egre(pUC­
RS/diss.1993)
Resumo: trata da relação entre sexualidade e poder durante a Bel/e
Époque de Porto Alegre. A partir de uma visào política da sexualidade, analisa
a política de nOIl11atização dos corpos, de cerco ao onanista, de estigmatização
da prostituta e de deserotização feminina à época . Considerando a nova ordem
urbano-industrial no fmal do século XIX em Porto Alegre, faz uma cartografia
da sexualidade para melhor visualizar os lugares públicos e privados permjtidos
e interditados.
Estuda a sexualidade huis-clos, cujo dominio era a embrionária família
nuclear burguesa, e as práticas sexuais ilicitas, especialmente o onanismo e a
prostituição. Na tentativa de disciplinar a sociedade segundo as exigências do
mercado industrial, produziram-se novos saberes que serviram para justificar o
projeto de desenvolvimento. Construindo u'm mosaico da sexualidade em Porto
Alegre durante sua Bel/e Époque, aponta para um política do corpo cujos efeitos
avançam para o mundo contemporàneo. Mostra que essa política deve ser
entendida num processo de consolidação da hegemonia burguesa e trata de
desmascarar certas tecnologia do poder.
Autor: Silvio Marcus de Souza Correa
Orientador: Prof.·Or. Astor Antônio Oiehl

146
A Esfera do Político na Produção Acadêmica

Esboço de uma interpretação

Sob as diferentes posturas metodológicas empregadas na ordenação


das pesquisas em história do Brasil, há uma matriz interpretativa abrangente
que direciona o discurso histórico em sua ordenação e constituição. A concepção
da história nacional subjacente a antigos e novos temas tem um substrato
persistente identificado mesmo em momentos de adoção de posturas teóricas
consideradas por seus produtores como renovadoras do conhecimento .

Intriga-nos consta.tar que tanto trabalhos de orientação assumidamente


marxista ou gramsciana como aqueles que lhes atribuem uma visão mecanicista
e totalizante, inspirados em Foucault, na nova história francesa, em E. P.
Thompson ou Hobsbawn, cheguem a análises muito semelhantes do empírico
e de suas representações. O mesmo é possível dizer dos estudos sobre a mulher,
a cultura popular, a cidade e a introdução de "novos personagens" na história,
que abriram temáticas e abordagens surpreendentes em nossa historiografia.
Em suas versões menos elaboradas, essas posturas são contestadoras
de uma "historiografia oficial", figura ainda pouco definida e estudada, que se
constituiu na maior interlocu tora do discurso universitário, onde aparece sempre
de manem. implícita ou explícita. Com quem discutem os acadêmicos? Com
manuais, livros didáticos e pensador� da chamada direita conservadora, cujo
ponto em comum presumível seria a construção de uma narrativa linear,
homogeneizadora e ocultora dos conflitos sociais. No entanto, esses interlocu­
tores pertencem a tempos e lugares diferentes da produção intelectual nem
sempre relacionados entre si e, por essa razão, com pouca probabilidade de
construírem conjuntamente um único "discurso oficial".
O diálogo com a própria historiografia parece ser bem menos cultivado.
Filósofos, antropólogos, lingüistas, sociólogos e cientistas políticos são os inter­
locutores preferenciais do discurso " acadêmico. Sob a impressão de que toda a
produção anterior é fruto de uma atitude tradicional - positiva e, necessariamente,
de conotação autoritário-reacionária -, descarta-se o exercício da compreensão
da historicidade que lhe é própria. No entanto, há na historiografia brasileira
contemporaneidade de estilos interpretativos e maneiras diferentes de captar o
objeto de reflexão, como ademais em todas as áreas do conhecimento, que
dificilmente se acomodariam dentro de um mesmo modelo de retórica perversa.
Historiadores do século XIX, como João Francisco Lisboa e Felício dos
Santos, denunciaram OS abusos do sistema colonial, a corrupção dos funcioná­
rios reais, a espoliação dos colonos pelas companhias de comércio, a imorali­
dade da escravidão de índios e negros. Não deixaram também de apontar as
formas de revólta dos cativos a tal monstruosidade. João Lisboa, participante da
Balaiada como jornalista e político, apontou entre as razões da luta as injustiças

147
estudos hist6ricos • 1 996 - 1 7

sociais, o recrutamento como anlla política, as "derrubadas" promovidas pelos


dois partidos do Império, o liberalismo enquanto prática, falido e contraditório.
Outros nomes também poderiam ser incluídos entre eles.
Se nos reportarmos ao início do século XX, também nijo nos faltariam
exemplos desse tipo de análise: Alberto Torres, Vicente Ucínio Cardoso e
Euclides da Cunha. Mais recentemente, entre outros, Vitor Nunes Leal, Nelson
Werneck Sodré, João Camilo de Oliveira Torres e Raimundo Faoro. Esses
historiadores estudaram os fundamentos da dominação de classe, dos estamen­
tos burocráticos, da ditadura política, da segregação do negro, da inacessibili­
dade da terra aos despossuídos de bens e de influência. Logicamente, explicam
de maneiras diversas esses conteúdos, segundo as perspectivas ideológicas
adotadas. Nesse universo, destacam-se com maior presença no discurso acadê­
mico Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Emília Viotti da Costa .
À primeira vista, a leitura do conjunto de teses e dissertações induz a
pensar na fragmentação do discurso histórico e na recusa da idéia de totalidade.
Contudo, a maioria delas refere-se, em todos os momentos da história do Brasil,
a projetos ferozes visando à dominação que, partindo do Estado, das classes ou
das elites, têm como objetivo perseguir, excluir, enganar. Entretanto, esse
enunciado merguU1a toda essa produção na instância do político, solidari7..an­
do-a com a matriz principal do nosso pensamento historiográfico, reconcilian­
do-se com a tradição dos nossos bons historiadores.
A esfera do político, além de ser a referência datável mais concreta,
organiza e situa o discurso no tempo e no espaço. As situações políticas são
mais captáveis como eventos, e é no evento que cotidianamente as pessoas
vivem. Convém salientar que os memorialistas letrados têm no político seus
pontos referenciais, enquanto que os demais elegem em suas narrativas
momentos cruciais de sua ltita pela sobrevivência, apontados por muitos como
atitudes de resistência.

Como a insl<;ncia do político, pensado abra ngentemente como Rosan­


vaUon, organiza a história e o pensamento, nossa historiogr'àfia tem um caminho
próprio, onde as idéias não são modismos nem estão fora do lugar. O Brasil nào
é ainda concebido como uma nação e sim como um tenitório em fOlmação, com
espaços de exclusào, onde se exerce a mais feroz dominação econômica e social.
Dominação esta iniciada pelo colonialismo, estendida aos proprietários e trafi­
cantes durante o Império, compartilhada entre as burguesias agrá ria, industrial e
comercial, e agora também detectada de forma penneada pelo tecido social, mas
nunca anônima . Os atuais historiadores a descobrem nas represenl<�ções discur­
sivas ou em outras linguagens. Não pode ser diferente: a consciência da exclusào
que brota da realidade brasileira é por demais poderosa e imperativa, e é por
isso que nossa historiografia tem nela sua maior referência.

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A Esfera do Político na Produção Acadêmica

Notas

4. Os resumos de teses e dissertações a


J. Ver Vavy Pacheco Borges, "Hisl6ria e
seguir mencionados foram retirados do
política: Jaços pennanentes", Revista
Catálogo dos progrcunas e cursas de
Brasileira de Histón'a, vol. 1 1 , nOs 23-24
pós-graduaçâo em bistória, op. dL
( PolítiCl e CUIUII-a), set.9 1/ago.92, p.
7-18; A história da Repliblica: wn objeto,
algun..ç lemas, algulls conceitos.
campinas, UNlCAMP, IFCH, 1991
(Primeira Versão, 3 1 ); ;'Balanço
R eferências b i b liográficas
indicativo da produção da
pós-graduação, política e ideologia", mo
de Janeiro, XVI Simpósio Nacional da
BERR, Henri. 1911. La synlbese erl
ANPUH, jul. 1 99 1 . Coube também a Histoire, essa; critique et tbéorique.
Vavy Pacheco Borges a coordenação do Paris, Albin Michel.
Seminário de Pesquisa "História BOUnER, Jean & JUUA, Dominique.
Política", do Núcleo de São Paulo da 1995. Passés recomposés. Champs e/
ANPUH-USP, em maio de 1991. Ver cba1ltiers de l 'bistoire. Paris, Éditions
aind-:t Maria Helena Rolim Capelmo, Autrement
R.1chel Glezer e Vem Lúcia Amaral
CHAUVEAU, Agnes et '1EIART, Philippe
Ferlini, "A escola uspiana de história",
(org.). 1992. QuesliollS à fhisloire des
Campinas, Encontro Regional da
ANPUH, 1994, e Maria Helena Rolim
tempspresents. Editions Complexe.

Capelato, "Indagações a propósito de JULlIARD, Jacques. 1974. "La politique",


uma história política renovada", em LE GOFF, Jacques, et NORA,
Seminárto de Pesquisa "História Pierre. Faire de I'bistoire, vol.2. Paris,
Política", Núcleo de São Paulo da Gallimard.

NORA, Pierre. 1979. "O retomo do fato",


ANPUH-USP, s/do

2. Ver Produção hisloriográfica 110 em LE GOFF, Jacques, e NORA,


Brasi/ 1985-J994. Calá/ogo de Pierre. História: novos prob/ernas. Rio
programas e cursas de pós-graduação de Janeiro, Livraria Francisco Alves
em história. Projeto Pós-Graduação Editora.
ANPUH, Pesquisa, Informação e
RÉMOND, René. 1988. POlir une his/oire
Intercâmbio. Coord. Maria Helena
politqlle.
i Paris, Éditions du Seuil.
capelato. São Paulo, USP, FFLCH,
Depto. de História, 1995. ROSANVALLON, Pierre. 1986. "Pour une
histoire conceptuelle du pol�ique
3. Ver Maria de Lourdes Mônaco Janoni (note de trnvail)", Revlle de Synthese,
e Márcia Mansor D'Alessio, "Produção
IV, nOs 1-2, jan-juin.
acadêmica da pós-graduação em
histÓria da PUC-SP", Projeto-Histón'a,
São Paulo, PUC, nQ 10 (História e (Recebido para publicação em
cultura), 1993, p. 59-72. maio de 1996)

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