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Ele está em jornais, nos livros, no cinema e agora na TV. Ao traduzir as maiores
questões do cosmo de um modo que todos entendem, o físico Marcelo Gleiser se
transformou em um cientista pop
Foto: Claudia Kamergorosdky
Eliane Brum
Em sua procura, o astrofísico Marcelo Gleiser mergulhou nas grandes questões que
afligem a todos nós. Quem somos? De onde viemos? Como tudo começou? O mundo
pode acabar? Como? Gleiser consegue traduzir essas e outras grandes questões do
Universo de uma forma que todos entendem. Graças a isso, transformou-se no primeiro
cientista pop do Brasil. O que ele conta poderia ser resumido numa frase do poeta
romântico inglês Percy Bysshe Shelley (1792-1822): "Sou o olho com que o universo
contempla a si mesmo e sabe que é divino". Ou, como dizia Carl Sagan, o mais popular
divulgador científico do Ocidente, apresentador de Cosmos, uma série de TV de grande
sucesso nos anos 70: "Poeira de estrelas que somos, ao buscarmos a resposta para as
grandes questões é como se o universo estivesse olhando para dentro e tentando
entender a si mesmo".
A série do Fantástico é apenas uma das novidades de Gleiser. Ele é um cientista capaz
de escrever livros, fazer filmes, apresentar programas de TV e - sim - até de fazer
ciência e desvendar mistérios do universo. Não no mesmo espaço e tempo, mas quase.
Ganhou dois Jabutis, o prêmio mais importante da literatura brasileira, por seus livros
de não-ficção. O primeiro best-seller, A Dança do Universo, já vendeu quase 70 mil
exemplares. Os direitos do segundo, O Fim da Terra e do Céu, foram comprados pelo
diretor global Luiz Fernando Carvalho para virar uma minissérie. Neste domingo, ele
completa 457 colunas de ciência na Folha de S.Paulo. Ganha até US$ 10 mil por
palestra e é pago para falar para uma espécie muito particular de turistas - os caçadores
de eclipses - pelos mares do mundo. Colaborou na concepção de O Maior Amor do
Mundo, o novo filme de Cacá Diegues, e tem um roteiro de ficção científica de US$ 120
milhões circulando por Hollywood. É o professor mais popular do Dartmouth College,
uma das mais importantes universidades americanas, e já publicou 80 artigos em
revistas científicas. Suas descobertas como astrofísico foram tão relevantes que ganhou,
em 1994, um prêmio do governo dos Estados Unidos. O cientista que decifra o cosmos
para brasileiros e americanos lança na próxima semana seu sexto livro. Desta vez, um
romance.
Kepler sofreu - e não foi pouco - ao descobrir que as órbitas dos planetas não eram os
círculos que atestavam a perfeição divina. Mas, fiel ao que acreditava ser a "mente de
Deus", respeitou os resultados de seus cálculos. Com base nas medições do colega
dinamarquês Tycho Brahe, ele apresentou ao mundo as elipses (entenda mais no quadro
da pg 86). E as elipses mudaram o mundo. Apesar de ter sido perseguido, exilado e
excomungado, até a morte Kepler pregou a paz entre as religiões. É, porém, menos
popular que seu contemporâneo Galileo Galilei. Uma injustiça que Gleiser tenta corrigir
com seu romance.
"Uma nova maneira de fazer divulgação científica é usar os recursos da ficção", diz
Gleiser. Para construir o personagem de Kepler, Marcelo Gleiser usa o conhecimento de
suas próprias dores, seu precoce mergulho nas trevas. Como Kepler, ele precisou
indagar o universo para lidar com sua alma em convulsão. Caçula de três filhos, Gleiser
perdeu a mãe, Haluza, aos seis anos, de maneira trágica. Essa morte foi uma espécie de
big-bang pessoal. "Sou resultado dessa perda. Quando você se coloca como ser
cósmico, poeira de estrelas, a perda se transforma em algo mais aceitável porque é a lei
do universo. Quando você destrói alguma coisa, outra é criada", diz. "Existe um
mecanismo de constante compensação. Quando você perde algo muito importante,
passa o resto da sua vida tentando criar para equilibrar a balança. Eu crio para
compensar essa destruição."
Debaixo da cama, aos 11 anos Gleiser guardava uma mala preta abarrotada de páginas
sobre vampiros garimpadas na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Era um menino
carioca que sonhava em se tornar um discípulo de Drácula para alcançar a imortalidade
onde acreditava encontrar a mãe. De certo modo, ao se tornar adulto, passou da busca
mágica para a científica. Seu novo livro é uma síntese desses dois mundos que o
habitam. "Quem conhece a história da minha vida vai entender porque escrevi esse
livro", diz.
A mãe de Kepler foi julgada por bruxaria e só escapou da fogueira porque foi salva pelo
filho. "Quisera eu ter podido salvar a minha mãe como o Kepler fez", diz Gleiser.
Katharina é descrita em todas as biografias do astrônomo como uma mulher terrível. No
romance de Gleiser, é mostrada com compaixão e ternura. Ao levar Kepler, então um
menino de seis anos, para ver a passagem do "grande cometa", em 1577, a mãe abriu
sua mente para os mistérios do universo. O episódio, real na vida de Kepler, também o
foi na de Gleiser. Ele recorda que, pouco antes de morrer, em 1965, Haluza o levou pela
mão até a calçada em Copacabana para ver um eclipse parcial do sol. "Minha busca pelo
significado oculto das coisas e pela origem da vida é uma forma de me aproximar da
minha mãe", diz. Foi Freeman Dyson que, numa passagem pelo Dartmouth College,
sugeriu a Gleiser que compartilhasse sua busca com o público escrevendo um livro. O
jovem astrofísico brasileiro dava um curso - Física para Poetas - que arrastava multidões
de estudantes das áreas mais diversas. Nele contava a história da Ciência em linguagem
sedutora. Dyson o desafiou a escrever o primeiro capítulo e mandar para ele. Gleiser
não resistiu ao convite. Assim surgiu Dança do Universo, em 1998, escrito primeiro em
inglês, como Gleiser costuma fazer, e depois traduzido para o português
. O senhor do Universo
Eliane Brum
PAPAI GLEISER
Kari, à direita na foto, foi aluna de Gleiser em seu
O sucesso do livro em ambas as línguas mudou para curso mais popular - Física para Poetas. Lucian
Jacob, no colo do pai, nasceu há menos de três
sempre a vida do cientista. O Fim da Terra e do Céu meses. É o quarto filho dele e o primeiro dela
(The Prophet and the Astronomer), quatro anos
depois, recebeu excelentes críticas na imprensa americana. "Além de ampliar a visão
histórica do leitor, Gleiser o estimula a ir além, a continuar descobrindo por conta
própria", disse a Época Lauren Porcaro, editora da conceituada revista The New Yorker.
Física para Poetas não foi apenas o início da mais bem-sucedida carreira de divulgação
científica protagonizada por um brasileiro. Foi o começo de uma história de amor que
dura até hoje. Há 10 anos, uma das estudantes fascinadas pela fluência com que Gleiser
traduzia o universo era uma bela estudante de Literatura chamada Kari. Quando o curso
acabou, ela se ofereceu para opinar sobre o primeiro livro do ex-professor. Acabaram de
ter um bebê, o primeiro de Kari e o quarto filho de Gleiser. Lucian Jacob tem menos de
três meses de vida. Seu nome sintetiza a luz, de Lucian, e uma homenagem aos dois
avôs de Gleiser, ambos chamados Jacob - judeus ucranianos que desembarcaram no
Brasil fugindo da revolução bolchevique, de 1917. Para descrever no romance as feições
suaves de Susanna, a segunda mulher de Kepler, Gleiser se inspirou no rosto real de
Kari. "Foi uma declaração de amor", diz.
É o segundo casamento de Gleiser. O primeiro, com uma agente imobiliária, ele atribui
à solidão de um cientista brasileiro nos Estados Unidos. Os três filhos vivem em ponte-
aérea entre Chicago, onde vive a mãe, e Hanover, no estado de New Hampshire, onde
Gleiser mora. O mais velho, Andrew, de 17 anos, é fascinado pela cultura japonesa, fala
japonês e no momento faz um intercâmbio no Japão. Eric, de 13, mora com o pai e é
considerado por um ele "um geniozinho que inventa seus próprios jogos de videogame".
Tali, de 10, é vegetariana e costuma dizer que quer ser cantora de rock. Punk-rock, mais
especificamente.
Quando Gleiser fala em "qualidade de vida", não se refere apenas a sair de casa sem
medo de levar um tiro num sinal. Ele praticamente mora dentro de uma paisagem
turística. Sua casa é emoldurada por um bosque, e o rio passa no quintal, a menos de 20
metros de sua porta. Quando quer relaxar, pesca trutas no jardim - e as joga de novo na
água. "Pescar é uma terapia maravilhosa. Tem uma coisa meio misteriosa nessa linha
que conecta o seu mundo a um mundo submerso, completamente invisível para você.
Acho meio metafórico", diz. "Mas não quero matar os peixes, embora saiba que o anzol
sempre machuca. Tenho pensado em pincelá-lo com iodo, mas nunca coloco essa idéia
em prática."
Gleiser costuma começar a manhã com um capuccino bem forte antes das 7h. Passa a
maior parte do dia sozinho. Divide o tempo em vários blocos para dar conta de todas as
atividades. Às quartas-feiras à noite, escreve a coluna de Ciência que mantém há nove
anos na Folha de S.Paulo. Quando deu a entrevista para essa reportagem, fazia mais de
30°C no verão de New Hampshire. Gleiser foi trabalhar na universidade de short
branco, camiseta cinza e sandálias. É comum ele tentar escapar de uma secretária do
departamento que usa um perfume que o cientista-escritor descreve como "uma
desgraça". Considera qualquer perfume uma "invasão do espaço". Usa desodorante e
loção pós-barba sem cheiro e compra suas roupas - básicas e "não caretas" - por
catálogo. Jura que não se importa de estar ficando careca, mas afirma ter saudades "do
tempo em que tinha um cabelo lindo".
O roteirista David Glass, um ex-aluno de Darmouth que virou amigo, conta que ele "é
provavelmente o mais respeitado e popular professor da universidade". "Gleiser pilotava
uma moto muito bacana", diz Glass. "Os alunos o amam." Deverá se tornar ainda mais
popular quando iniciar seu novo curso, em março do próximo ano, sobre alienígenas na
literatura e no cinema. "Os alienígenas são retratos do que somos, os bons e os ruins, os
sábios e os destruidores. Como nós, os sábios são as projeções dos santos e dos anjos,
que sabem mais do que sabemos. E os outros são os demônios, os colonizadores que
querem destruir tudo, como fizeram os europeus ao invadir as Américas e a África", diz
Gleiser. "O curso tem essa reflexão de como o retrato do alienígena através dos tempos
representava um retrato da sociedade na época em que as obras foram criadas."
Na virada do terceiro milênio, Gleiser se diverte muito mais. Ele e Glass escreveram um
roteiro de US$ 120 milhões que tentam emplacar em Hollywood. Em Trindade de Fogo,
o sol ameaça a Terra. "Gleiser define o filme como um Armageddon com Ph.D", diz
Glass. Recentemente, a dupla conseguiu um admirador influente para ajudar a penetrar
no mundo fechado do cinema americano. "Malcolm Mc Dowell leu o roteiro e adorou",
afirma Gleiser. McDowell ficou conhecido como o protagonista de Laranja Mecânica,
de Stanley Kubrick
A relação de Gleiser com o cinema não pára aí. Em
setembro, o cineasta Cacá Diegues lança O Maior
Amor do Mundo, filme sobre um astrofísico que volta
ao Brasil depois de uma carreira de sucesso no
Exterior. Gleiser colaborou no roteiro e deu dicas
sobre a vida de cientista para José Wilker, que vive o
protagonista, Antonio Santalli. "O Marcelo nos ajudou
a compor sua biografia, seus costumes, seus hábitos e Gleiser compara o anzol lançado POBRES TRUTAS
ao desconhecido
seu conhecimento, mas a história de um não tem nada à investigação científica. Mas os peixes -
a ver com a do outro", diz Diegues. "Quando eu estava diferentemente dos resultados de seus cálculos -
ele devolve ao rio de onde vieram. Na foto, ele
escrevendo o roteiro de Deus é Brasileiro, ele já havia pesca do jardim
Não parece haver muito risco de que Gleiser compartilhe algum dia o sentimento desse
Maestlin literário. Mas o professor é o personagem mais denso do romance - e não
Kepler, o gênio. "Acho que sou mais Maestlin do que Kepler. Não consegui inventar as
leis de Gleiser. Sou um cientista com uma boa reputação, mas não posso dizer que vou
ganhar o prêmio Nobel ou que serei um imortal da Ciência", diz. "Se for lembrado
daqui a cem anos por alguma coisa, acredito que será mais pelos livros, pelo trabalho de
divulgação científica, do que pela minha ciência."
Como saber o que vai acontecer daqui a cem anos? Em 1994, as descobertas de Gleiser
sobre o Cosmo foram reconhecidas pelo governo americano. Gleiser, democrata que
contribuiu com a campanha de John Kerry na disputa com George Bush, recebeu o
prêmio Presidential Faculty Fellows Award na Casa Branca chefiada por Bill Clinton.
Como cientista, Gleiser se recusa a receber qualquer tipo de financiamento de órgãos
militares dos Estados Unidos, como Marinha ou Pentágono. "É uma questão de
princípios bastante difícil", diz. "Em 2005, fui bolsista da Nasa. Neste ano, tenho
financiamento parcial da National Science Fundation."
Gleiser conhece esse sentimento. Sozinho em sua sala, em Dartmouth, ele foi o primeiro
a descobrir certas manifestações de energia muito importantes na infância do universo.
Ele as batizou de "oscillons". "Eu disse 'uau!'. E dei um pulo", conta ele. "Descobrir
algo pela primeira vez é como uma explosão de endorfinas. Durou 10 segundos, mas
foram os 10 segundos mais eternos da minha vida."
Depois deles, ligou para compartilhar a descoberta com Rocky Kolb, chefe da
Astrofísica do conceituado Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), nos
Estados Unidos. Kolb, um cientista que adora Groucho Marx e tem um bigode muito
parecido com o do antológico comediante, foi orientador de Gleiser no pós-doutorado.
Hoje, não perde nenhum de seus livros. "Ele diz que eu o ensinei a pesquisar, mas não é
verdade. É impossível ensinar alguém a pesquisar", diz. "Você pode ensinar as técnicas,
mas jamais a criatividade e a imaginação necessárias para fazer pesquisa de alto nível. É
como ensinar alguém a jogar futebol. Você até ensina a driblar, chutar e dar cabeçadas,
mas você não ensina a mágica do esporte. Ela é inata. Marcelo aprendeu técnicas
comigo, mas a mágica veio de dentro dele."
Desde o ano passado, Gleiser está migrando de área na Ciência. Já publicou seus
primeiros artigos sobre Astrobiologia - o estudo da vida fora da Terra. "Há 20 anos falar
de vida extraterrestre na Ciência era uma coisa meio proibida. Não havia dados. Com o
desenvolvimento das metodologias de observação e com o avanço da Genética, da
Bioquímica e da Astrofísica, cada vez mais é possível falar sobre vida extraterrestre de
maneira científica", diz. "Acho muito provável que exista vida fora do nosso planeta. Já
vida inteligente, se existir, será muito rara. Como é rara na própria Terra."
Aluno apenas regular de Matemática na escola, Gleiser queria ser músico. Só tornou-se
cientista porque o pai, Isaac, garantiu que, dedilhando o violão para viver, ele morreria
de fome. Dentista de profissão, mas pianista e jardineiro sempre que sobrava tempo,
Isaac deu ao filho duas lições que Gleiser considera decisivas. "Meu pai me ensinou a
amar a beleza e me ensinou que na vida era preciso ralar muito para conseguir as
coisas", diz.
O primeiro vestibular prestou para Engenharia. Quando se encantou com Física, Gleiser
procurou o irmão mais velho, Luiz, que se recuperava de uma hepatite no hospital. Luiz,
hoje diretor de núcleo da TV Globo, tem nove anos a mais que o caçula. "Sempre
idolatrei meu irmão mais velho porque era ele o rebelde da família, o desbravador.
Perguntei se deveria passar da Engenharia para a Física. O Luiz me perguntou se eu
achava que era bom o suficiente. Eu disse que achava que sim", diz Gleiser. "Ele disse
então que eu fosse fazer o que gostava, porque, se não fizesse, jamais seria o que
poderia ser."
Marcelo toca violão até hoje. "Quando ele apareceu na minha porta interessado em
cosmologia, tinha um estojo de violão numa mão e uma pilha de livros de Física na
outra", diz Rocky Kolb. De certo modo, Gleiser, um amante de jazz e música erudita,
encontrou um caminho para unir Ciência e Música. "A idéia de que existe ritmo em
tudo sempre ressoou na minha cabeça de uma forma até inconsciente", diz. "Acho linda
essa idéia de que o universo canta, tem ritmos. Isso também me aproximou de Kepler. A
harmonia do mundo é uma metáfora belíssima."
O primeiro mentor de Gleiser, Jorge André Swieca, um dos maiores físicos teóricos do
Brasil, morreu de forma trágica quando ele se preparava para iniciar o mestrado. Três
meses depois, Gleiser e sua namorada encontrariam o pai dela morto também em
circunstâncias terríveis. Gleiser prefere não mencionar o que viu, mas a cena é usada no
final do romance sobre Kepler. O físico Francisco Antonio Doria, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, acolheu Gleiser. Foi seu primeiro Maestlin, mas sem as
dores. "O grande matemático Leopoldo Nachbin dizia que o professor só é bom quando
aceita ter alunos que o ultrapassem", diz Doria. "O Marcelo é a prova de que sou um
bom professor." Em agosto, Doria receberá Gleiser como membro da Academia
Brasileira de Filosofia. Ultimamente, Gleiser anda sonhando também com a Academia
Brasileira de Letras, onde, segundo ele, "falta um cientista".
"Ele faz um trabalho magnífico, porque, além de tornar a Ciência mais acessível,
interpreta, vai além", diz o escritor e médico Moacyr Scliar, fã assumido de Gleiser.
"Durante muito tempo houve uma barreira na sociedade, a Ciência parecia ser feita por
pessoas que viviam em outra dimensão. Depois da bomba-atômica, percebeu-se a
necessidade de um controle social. Como a população vai exercer esse controle se não
entende o que está em discussão? Gente como o Marcelo Gleiser dá subsídios para que
as pessoas possam decidir o que querem."
Como cientista pop, Marcelo se tornou exemplo. Acompanhe essa história. Em 1998,
um garoto de 14 anos chamado Leonardo Motta leu um livro emprestado de um amigo.
Era A Dança do Universo. "Depois que eu li, o mundo ficou diferente. Fiquei fascinado.
Descobri que eu queria fazer Ciência", diz. Leonardo vivia em Belém do Pará, filho de
um bancário e de uma funcionária pública. Não sabia bem por onde começar a virar
cientista. Pesquisou na internet e descobriu o e-mail de seu ídolo. "Eu não tinha
ninguém para me orientar", diz. Escreveu, todo cheio de dedos, tremendo. "Se ele não
respondesse, eu não tinha nada a perder, ficava na mesma. Tentando, eu tinha uma
chance", afirma. Perguntava sobre como "seria possível criar matéria no modelo do Big-
Bang, a partir do vácuo". Marcelo respondeu, aberto e simpático como ele costuma ser.
Em setembro, Leonardo embarca para os Estados Unidos. O menino de Belém vai para
Yale, fazer doutorado em física de partículas e cosmologia. Yale é uma das melhores
universidades americanas - só aceita estudantes de carreira impecável e notas no topo.
Leonardo tem 22 anos. Depois de Yale, Leonardo já sabe o que quer: "Quero voltar ao
Brasil para retribuir o que eu recebi, ao estudar em universidade pública. Quero ajudar a
formar as novas gerações".
TOCANDO EM KEPLER
Em Praga, Gleiser visitou a biblioteca do
monastério de Strahov. Pôde então examinar um
original do astrônomo Johannes Kepler, gênio da
Ciência, sobre o qual escreveu seu primeiro
romance
É difícil acreditar, mas Gleiser se divertiu ainda mais nos seis últimos capítulos. Neles,
discorre sobre a origem da vida e até sobre alienígenas. Ao final da série, Gleiser
publicará o livro Poeira das Estrelas, pela Editora Globo. "Voamos de balão sobre uma
cratera enorme no Arizona e fomos ao Grand Canyon onde falamos da evolução
geológica da Terra. Depois vimos os vulcões do Havaí. Sobrevoamos de helicóptero um
vulcão em erupção. Estávamos a um metro da lava em uma casquinha de noz. O
helicóptero não tinha porta e eu sentia aquele calorão subindo. Tinha de gritar para falar
por causa do barulho", diz. "Chegamos a subir uma montanha de 4 mil metros onde
estão os maiores telescópios do mundo, chamada Mauna Kea."
Sofrer, só com o frio. A 2°C negativos, em Praga, seu maxilar congelou. "Ficava dando
tapas na minha cara para destravar e conseguir falar. Estava contando sobre a relação
entre Kepler e Tycho Brahe", diz. "Vou aparecer de nariz vermelho." O nome da série,
Poeira das Estrelas, resume nossa relação paradoxal com o universo. "Você é pequeno
porque o universo é tão grande e é grande porque faz parte dele", diz. "Eu acho muito
linda essa visão de que a matéria da qual somos feitos veio de estrelas quando estavam
morrendo. E que um dia nossa matéria vai fazer parte de outras estrelas que vão estar
nascendo. Não sei se serve de consolo para a realidade da morte, mas um dia o Sol vai
morrer, e nossa matéria vai se espalhar pelo universo e, quem sabe, voltar a gerar outros
planetas e até outras formas de vida."
Pela primeira vez, Gleiser vai mesclar - deliberadamente - a Ciência com a própria
biografia. Ele quer mostrar qual foi o papel da imperfeição, do desequilíbrio e da morte
na criação da sua vida. Como ele acançou à sua pró-cura. E por que, para sorte nossa,
ele segue procurando.
Foto: Claudia Kamergorodski
Aos 19 anos, Marcelo Gleiser desejou deitar
no divã do psicanalista Hélio Pellegrino. Ele
tinha sofrido muitas perdas, todas em
circunstâncias trágicas. Achava que era hora
de olhar para dentro. Hélio não foi um dos
intelectuais mais brilhantes de sua geração
por acaso. Ele ouviu os dramas do estudante
de Física e disse: "Você não precisa de
psicanálise. O mais importante na vida é a
pró-cura. Você já encontrou seu caminho,
você procura por meio da Ciência". Foi
assim que Gleiser teve alta do divã de Hélio
Pellegrino antes mesmo de experimentá-lo. O FENÔMENO GLEISER
E seguiu procurando, como procura até hoje. Como cientista, ele ganhou prêmio na Casa Branca.
Como escritor, recebeu dois Jabutis. Um roteiro de
Usou o medo da morte para construir uma cinema dele circula por Hollywood. Ele ainda faz
vida extraordinária. palestras em cruzeiros pelo mundo e inspira a nova
geração de brasileiros
Em sua procura, o astrofísico Marcelo Gleiser mergulhou nas grandes questões que
afligem a todos nós. Quem somos? De onde viemos? Como tudo começou? O mundo
pode acabar? Como? Gleiser consegue traduzir essas e outras grandes questões do
Universo de uma forma que todos entendem. Graças a isso, transformou-se no primeiro
cientista pop do Brasil. ä O que ele conta poderia ser resumido numa frase do poeta
romântico inglês Percy Bysshe Shelley (1792-1822): "Sou o olho com que o universo
contempla a si mesmo e sabe que é divino". Ou, como dizia Carl Sagan, o mais popular
divulgador científico do Ocidente, apresentador de Cosmos, uma série de TV de grande
sucesso nos anos 70: "Poeira de estrelas que somos, ao buscarmos a resposta para as
grandes questões é como se o universo estivesse olhando para dentro e tentando
entender a si mesmo".
A série do Fantástico é apenas uma das novidades de Gleiser. Ele é um cientista capaz
de escrever livros, fazer filmes, apresentar programas de TV e - sim -- até de fazer
ciência e desvendar mistérios do universo. Não no mesmo espaço e tempo, mas quase.
Ganhou dois Jabutis, o prêmio mais importante da literatura brasileira, por seus livros
de não-ficção. O primeiro best-seller, A Dança do Universo, já vendeu quase 70 mil
exemplares. Os direitos do segundo, O Fim da Terra e do Céu, foram comprados pelo
diretor global Luiz Fernando Carvalho para virar uma minissérie. Neste domingo, ele
completa 457 colunas de ciência na Folha de S.Paulo. Ganha até US$ 10 mil por
palestra e é pago para falar para uma espécie muito particular de turistas - os caçadores
de eclipses - pelos mares do mundo. Colaborou na concepção de O Maior Amor do
Mundo, o novo filme de Cacá Diegues, e tem um roteiro de ficção científica de US$
120 milhões circulando por Hollywood. É o professor mais popular do Dartmouth
College, uma das mais importantes universidades americanas, e já publicou 80 artigos
em revistas científicas. Suas descobertas como astrofísico foram tão relevantes que
ganhou, em 1994, um prêmio do governo dos Estados Unidos. O cientista que decifra o
cosmos para brasileiros e americanos lança na próxima semana seu sexto livro. Desta
vez, um romance.