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Natalício dos Santos recolheu-se tarde ao seu quarto naquela noite.

Não estava nem frio nem quente – a noite estava numa temperatura
muito agradável para se dormir. Sua esposa Ângela já estava dormindo há
algumas horas e Natalício procurou deitar-se com cuidado para não
acordá-la. Ele tinha ficado até tarde da noite lendo, como era seu
costume, e estivera lendo a respeito dos assuntos de que mais gostava:
filosofia e religião.

Natalício tinha esse nome estranho porque nascera no dia vinte e


cinco de dezembro, e seu pai, pessoa simples e religiosa, tentara
homenagear o dia de Natal ao colocar esse nome nele, que era seu
primeiro filho. O nome correto deveria ser Natalino e não Natalício,
porém o cartorário estava distraído ao fazer o registro do nome do
Natalício, e nem percebeu que natalício é uma palavra que significa dia de
nascimento, aniversário, e não tem nada a ver com Natal. E o nome ficou
Natalício mesmo.

O sono demorou um pouco a chegar e Natalício meditava sobre o


que tinha lido nos últimos dias. Estava particularmente interessado num
tema, a criação de todas as coisas, e pesquisara na Bíblia, no Livro de
Mórmon e em livros de filosofia a respeito do assunto. Pesquisara na
internet também e tinha lido muita coisa sobre cosmologia.

- Como tudo começou? –pensava Natalício- Será que os livros de


religião estão certos ou não?

Ele era católico por tradição, porque seus pais eram católicos, mas
não freqüentava regularmente nenhuma igreja. Ocasionalmente ia numa
ou noutra igreja, de denominações diferentes, mas não tinha se decidido a
seguir nenhuma. Ele pegava sempre as literaturas das diferentes
denominações religiosas para ler. Já lera livros da Seicho-no-iê, dos
Adventistas, dos Espíritas, dos Mórmons, dos Maçons e de tantas filosofias
e religiões, que nem se lembrava mais.

Sorriu ao lembrar que seu pai sempre brincava com ele,


perguntando: -Natalício, quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?
Na primeira vez que seu pai perguntara aquilo, Natalício, com doze anos,
ficara muito confuso com a pergunta. A galinha bota o ovo e é do ovo que
nasce a galinha. Quem veio primeiro? E seu pai rira muito, enquanto
Natalício não conseguira chegar a nenhuma conclusão.

Aquilo sempre o incomodara e algo dentro dele ansiava muito por


entender como tudo veio a existir. Como tudo começou?

Essa pergunta continuava a rodar pela cabeça de Natalício. O sono veio e


Natalício adormeceu profundamente. Depois de algum tempo, começou a
sonhar.

O sonho é uma coisa intrigante. Freud e outros pensadores


achavam que os sonhos tinham significado e podiam responder perguntas
quanto à personalidade de quem sonha. Os cientistas acham que o sonho
é só uma reação química no cérebro, que provoca as imagens ou sons que
vemos ou vimos enquanto sonhamos. Tem filosofias religiosas que
afirmam que nosso espírito sai do corpo quando estamos sonhando e que
os sonhos são verdadeiras viagens espirituais.

Em seu sonho, Natalício viu-se levitando, subindo rumo ao céu


escuro, numa agradável sensação de alegria e paz. Após subir durante
alguns instantes, ele começou a voar, voando cada vez mais rápido. Só
então percebeu que alguém o puxava pela mão direita, suavemente, e o
levava a algum lugar. Aquele ser estava vestido com uma túnica branca.
Natalício não sentiu nenhum medo, só sentia uma maravilhosa sensação,
o vento gostoso roçando suas faces enquanto olhava as luzes da cidade lá
embaixo. Voaram muito até chegarem num lugar esplendoroso– um lugar
que parecia um clube de campo ou uma chácara, com muitas árvores e
muita grama verde.

Alguém se aproximou de Natalício. Não era o mesmo homem com a


túnica branca que o trouxe voando, puxando pela mão. Era um homem
que aparentava ter uns quarenta anos, que sorria para Natalício enquanto
chegava perto dele. Esse homem sorridente estava vestido com uma
roupa brilhante. Natalício não conseguia definir a cor – era algo prateado,
uma cor que nunca vira. Assim como também nunca vira as cores lindas
das flores que estavam perto deles. Que lugar seria esse? E quem era esse
homem?

- Quem veio primeiro, Natalício? – perguntou o homem, assustando


Natalício – o ovo ou a galinha? Como tudo começou? Como era tudo
quando não existia nada? Por que tudo existe? Por que você existe,
Natalício?

No sonho, Natalício não percebeu que estava sonhando. Tudo


aquilo era tão real, apesar de ser tudo tão inusitado, que ele deu um
passo para trás., num reflexo instintivo, e arregalou os olhos.

- Não tenha medo, Natalício! Eu sou um amigo, não vou machucar


você. Eu sou alguém que pode responder muitas das suas perguntas! O
que você quer saber, Natalício?

Num milésimo de segundo, já não estavam mais no mesmo lugar.


Agora os dois estavam num lugar muito escuro e frio e bem ao longe,
Natalício viu um pequeno ponto brilhante. Aquele ponto brilhante era
muito estranho e seu brilho muito intenso. Que cor era aquela? Azul
avermelhado? Não conseguia definir aquela cor brilhante. De repente,
aquele ponto explodiu, como se fosse milhões de fogos de artifício, de
todas as cores conhecidas e inimagináveis. Só que Natalício não ouviu
nenhum som. Estranho, muito estranho.

- O Big-Bang- exclamou Natalício, olhando para o homem ao seu


lado. Isso que nós vimos explodir sem fazer barulho foi o Big Bang, não
foi? E isso aconteceu há bilhões de anos atrás!

- Vamos dizer que seja isso, pois isso é o que você pode
compreender por enquanto - disse o homem, em resposta- Mas tem
muita coisa que você precisa entender primeiro. Vamos usar esse termo,
Big-Bang, e vamos imaginar que isso aconteceu mesmo há bilhões de
anos, embora, na verdade, o tempo não exista.

Natalício franziu a testa, intrigado: O Tempo não existe? -pensou


ele, enquanto continuava olhando as galáxias se formando, numa
vertiginosa velocidade.
Adivinhando seus pensamentos, o homem tentou fazer Natalício
compreender o mistério do Tempo. O homem explicou para Natalício que
“tudo é sem começo e sem fim, que todas as coisas sempre existiram,
existem e sempre continuarão a existir. Elas apenas mudam de condição,
de forma, de nível e de utilidade”. E que o que chamamos de “tempo” - ou
passado, presente e futuro - na verdade é uma convenção que é válida
apenas para certos domínios e lugares. Nos domínios eternos o tempo
não existe.

Natalício continuava sem entender direito essa questão de tempo.


Toda essa coisa estava deixando ele confuso.

Só agora Natalício se deu conta que não sabia o nome do homem


que estava a seu lado – Como você se chama? Se é que você existe
mesmo e tem um nome...

-Pode me chamar de Eliel, Natalício. E agora eu vou explicar melhor


essa questão de passado, presente e futuro para você. Para isso, pense
num criador e numa criatura. O criador construiu uma estrada muito
extensa, cheia de curvas, cheia de subidas e descidas, que começava numa
cidade e terminava em outra. Uma cidade ficava a dezenas de quilômetros
uma da outra. Imagine a criatura, que não conhece a estrada e nem a
outra cidade. Só conhece a cidade em que nasceu e viveu. Certo dia, a
criatura encontra a estrada e vai caminhando por ela, rumo à outra
cidade. Conforme a criatura vai andando, ela vai vendo as árvores,
sentindo o aroma das flores, ouvindo o canto dos pássaros ao seu redor. A
criatura não sabe o que vem depois, não sabe o que tem além da próxima
curva da estrada e nem depois da próxima subida. Ela também não está
mais vendo o trecho da estrada por onde passou. Ela se lembra do que já
viu, mas não sabe se vem mais alguém pela estrada, lá atrás.

- A criatura só consegue ver o ponto onde está. Ela só vê a estrada


até onde sua vista alcança. Ela só percebe o tempo presente, o agora. É
tudo o que ela sabe. Ela pode tentar prever o que vem depois, mas
certeza, ela não tem. O criador da estrada, porém, conhece cada palmo da
estrada, sabe o começo, o meio e o fim. Sabe quem está andando na
estrada, se está andando devagar ou se está correndo, o criador sabe
tudo. Ele tem uma visão do começo, do meio e do fim da estrada,
enquanto a criatura só consegue ver o ponto onde está em sua
caminhada. Entendeu agora?

-Acho que sim, Eliel. O tempo só vale para as criaturas, pois o


Criador de tudo sabe tudo o que já aconteceu, o que está acontecendo e o
que vai acontecer. O Criador sabe o passado, o presente e o futuro. Para
Ele, não existe o tempo, existe a eternidade. Ele vê as coisas diferente de
como as criatura vêem, pois Ele vê tudo, e sabe tudo.

-Mais ou menos isso, Natalício. E se a criatura tiver vontade própria,


e puder tomar decisões, for livre para ir ou vir pela estrada?

O Criador pode saber tudo o que vai acontecer mesmo, sem forçar as suas
criaturas a fazer o que ele deseja? – Eliel ficou olhando Natalício, que
colocou a mão direita no queixo e virou a cabeça para cima, enquanto
pensava no assunto. “Pergunta difícil, essa!...” pensou Natalício.

- Esqueça esse dilema por enquanto, Natalício, porque tenho outras


coisas para lhe explicar. Você ainda tem muitas outras perguntas. Aliás, as
principais você ainda não fez, não é?

- Posso perguntar qualquer coisa? – Eliel fez que sim com a cabeça,
e Natalício sorriu, radiante, porque finalmente alguém ia lhe responder
aquelas perguntas que carregara durante toda a sua vida.

- Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Meu pai me


perguntou isso quando eu tinha doze anos e eu sempre tive essa dúvida

-A galinha veio primeiro. A próxima pergunta? – Eliel levantou as


sombrancelhas, enquanto olhava para Natalício.

- O que houve antes do Big Bang?

- O que você chama de “Big Bang” é só mais uma das incontáveis


etapas da criação. Já houveram inúmeros “Big Bangs” e vão haver
inúmeros “Big Bangs” ainda. O que houve antes de todos os “Big Bangs” é
o que você quer saber de verdade, não é?
- O Big Bang não deu origem ao Universo? Eu sempre pensei que
o Big bang era o começo do Universo, pelo menos em relação ao Universo
conforme o conhecemos... Você está dizendo que existem inúmeros Big
Bangs, ou algo parecido, que dão origem a um número infinito de
Universos?– Natalício agora estava ficando meio zonzo.

- Respire fundo, Natalício, pois você entenderá melhor quando


eu terminar a explicação. O que você chama de Universo é só uma
pequenina parte de tudo o que existe, porque a criação não pára, a
criação continua sempre, a cada momento mais uma estrela começa a
nascer, mais uma galáxia começa a ser formada. Mas voltemos ao que
você perguntou, ou seja, o que aconteceu no princípio de tudo, antes do
que você chama de “Big Bang”. Olhe para a sua direita, caro Natalício.

- O que você vê, meu amigo? –perguntou Eliel.

- Eu vejo um monte de coisas confusas, desorganizadas, não sei


explicar. Tem muitas coisas, não consigo ver o fim delas, tem coisas claras
e coisas escuras. É tudo tão caótico nessa massa de coisas sem fim!-
exclamou Natalício.

- Caótico! Você acertou em cheio! Aquilo que você vê, é matéria


desorganizada. Podemos chamar de cáos. Existe matéria desorganizada
que não acaba mais. E “criação” é a organização dessa matéria
desorganizada. Consegue entender isso?

-Acho que sim. Explicado dessa maneira, parece tudo fácil


demais...Existe matéria que não está organizada, e alguém, um criador,
digamos assim, organiza a matéria, dá forma à matéria inorganizada.
Assim, podemos dizer que um criador é um organizador de matéria
inorganizada?

-Exatamente. E existem muitos criadores. Cada um, responsável


por uma parcela dos “Universos” que ele criou, a partir da matéria
desorganizada, ou melhor explicado, matéria que ainda não foi
organizada. Chamamos mesmo de matéria inorganizada.
-Eu pensava que só existisse um Criador, se é que o que eu
aprendi em algumas igrejas for verdade mesmo. Existem muitos
criadores?

-Sim, existem muitos criadores “menores”, todos subordinados a


um Criador maior, o Primeiro Criador. O primeiro de todos os outros
criadores não é egoísta e ele quer que todos tenham a alegria e realização
que ele tem de criar, ou organizar, porisso ele permite que muitos se
tornem iguais a ele. Ou quase iguais a ele. Ele tem algumas prerrogativas
que só pertencem a ele. Não que ele não confie nos seus filhos, que já
chegaram a ser criadores e conhecem todas as coisas que o primeiro
criador conhece. Ele, o primeiro Criador, apenas mantém alguns segredos
conhecidos só por ele mesmo. Só por segurança, digamos assim.

- Mas ainda existe um grande mistério: e o primeiro criador,


como ele surgiu ou começou a criar ou organizar as coisas?

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