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All content following this page was uploaded by Ricardo Artur Pereira Carvalho on 15 August 2017.
Um museu de simulacros: a
experiência do espectador
mediado por tecnologias digitais
A simulacra museum: the experience of the viewer
mediated by digital technologies.
LOPES, Renata; CARVALHO, Ricardo Artur
RESUMO: As tecnologias emergentes de produção de imagens oferecem formas
inovadoras de conhecer e ver a arte. Nesse campo, preenchido por diferentes funções
simbólicas das imagens e dos signos, este artigo busca refletir sobre a relação do
espectador com a obra de arte mediada por dispositivos tecnológicos de comunicação. Em
diálogo com o discurso de autores que abordam o tema da cultura visual e seus efeitos na
sociedade, serão analisadas especificamente as reproduções fotográficas dispostas no site
do museu The Metropolitan Museum of Art que fazem parte da websérie 82nd & 5th.
Pretendemos refletir, à luz dos estudos da reprodutibilidade técnica, como algumas
características podem ser obscurecidas ao mesmo tempo em que outras se sobressaem.
Nosso objetivo é analisar como os mecanismos de visualização no site se transformam em
signos que escapam aos seus referentes e instauram novas visualidades e modos de
percepção do espaço expositivo.
Palavras-chave: Arte e visualidade; Cultura e sociedade; Exposição; Museu; Espectador
ABSTRACT: The emerging technologies of the imaging offer innovative ways to meet and see
the art. In this field, filled by different functions of the symbolic images and signs, this paper
aim to think through the relation of the spectator with the work of art mediated by the
technological devices of communication. In dialogue with the speech of authors who address
the topic of visual culture and its effects on society, it will be specific analyzed, photographs
reproductions available in the website of the The Metropolitan Museum of Art, the ones that
composes part of the 82nd & 5th online series. We intend to consider in the light of the
technical reproducibility studies, how some features may be obscured while others stand out.
Our aim is to analyze how the viewing mechanisms on the site are transformed into signs
that escape their referents and establishing new visualities and modes of perception of the
exhibition space.
Keywords: Art and visuality; Culture and society; Exhibition; Museum; Spectator
LOPES; CARVALHO. Um museu de simulacros: a experiência do expectador mediado por tecnologias digitais.
1 — Introdução
Fotografias de obras de arte em alta qualidade se movem a partir de toques em telas
touchscreen. Animações do espaço interno de museus e galerias simulam o ponto de vista
do espectador. Diversos softwares e aplicativos fazem com que trabalhos artísticos sejam
conhecidos em detalhes. As tecnologias emergentes de produção de imagens oferecem
formas inovadoras de conhecer e ver a arte. Nesse campo, preenchido por diferentes
funções simbólicas das imagens e dos signos, este artigo busca refletir sobre a relação do
espectador com a obra de arte mediada por dispositivos móveis de comunicação.
A era da mobilidade, ou a modernidade líquida, da qual fala Bauman (2001), vem
transformando as formas de perceber e estar no mundo. Também denominado pós-
modernidade, com sua tendência a diluir o que antes era sólido – as grandes narrativas, as
verdades absolutas e os modelos clássicos da visão –, esse período vem transformando as
maneiras de agir e de se relacionar em sociedade, modificando as estruturas de trabalho e
de produção de conhecimento. Para Jonathan Crary, as tecnologias de produção de
imagens de que falamos “tornaram-se os modelos dominantes de visualização, de acordo
com os quais funcionam os principais processos sociais e instituições” (CRARY, 2012, p.
11). Crary destaca em seus estudos, referenciando Walter Benjamin, como “a modernidade
subverte até mesmo a possibilidade de uma percepção contemplativa” (Ibid, p. 28). O
autor indica com isso como, no espaço do museu ou da galeria, é difícil transcender um
mundo em que tudo está em circulação.
Em diálogo com o discurso de autores que abordam o tema da cultura visual e seus efeitos
na sociedade, serão analisadas especificamente as reproduções fotográficas dispostas no
site do museu The Metropolitan Museum of Art1 que fazem parte da websérie 82nd & 5th.2
Inicialmente será desenvolvida uma análise sintática dos elementos de comunicação visual
contidos no projeto, tomando como referência os estudos de Lev Manovich (2001) sobre a
linguagem das novas mídias. Posteriormente abordaremos o conceito de simulacro,
entendido por Harvey como um processo de ocultamento de alguns “vestígios de origem”
(HARVEY, 2004) das obras de arte. Pretendemos refletir, à luz dos estudos da
reprodutibilidade técnica, como algumas características podem ser obscurecidas ao
mesmo tempo em que outras se sobressaem, observando então como os novos modos de
ver e conhecer a arte podem instaurar novas visualidades e modos de percepção do
espaço expositivo.
2 — Seguindo a série
O Metropolitan Museum de NY lançou, em 2013, uma websérie chamada 82th & 5th,3 na
qual 100 curadores tratam de 100 obras de arte que mudaram sua percepção de mundo. A
cada episódio, uma locução em off do curador – e em alguns casos, uma trilha sonora –
acompanha as fusões das imagens que mostram a obra em vários ângulos e detalhes. A
sala na qual a obra está em exibição também é apresentada, geralmente com alguns
visitantes percorrendo o espaço, o que nos permite ter a ideia do tamanho real da obra. Os
episódios duram cerca de dois minutos e estão dispostos lado a lado na página principal
1 http://www.metmuseum.org/
2 http://82nd-and-fifth.metmuseum.org/
3 O título que faz referência à localização do museu na cidade de Nova Iorque e tem como subtítulo: “um
lugar de interseção entre arte e ideias” (disponível em: http://www.metmuseum.org/. Acesso em: 8 jul.
2016).
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ISSN 2447-3499
LOPES; CARVALHO. Um museu de simulacros: a experiência do expectador mediado por tecnologias digitais.
do projeto. A interface apresenta uma grid modular onde os episódios são representados
por meio de um detalhe da imagem da obra (thumbnail), que muda de acordo com o
posicionamento do cursor para a exibição de informações da ficha técnica: título, nome do
curador, nome e ano da obra (Figura 1). A grid apresenta os episódios de forma não linear,
com movimento randômico, mas o usuário pode optar por visualizá-los em lista, dispostos
em número crescente, na ordem em que foram sendo produzidos (Figura 2).
Figura 1 – Tela inicial da websérie e visualização das imagens. Fonte: 82nd-and-fifth.metmuseum.org
Figura 2 – Tela inicial da websérie no site do museu (em lista). Fonte: 82nd-and-fifth.metmuseum.org
Para tratar de alguns elementos visuais da websérie 82nd & 5th, recorremos a Manovich,
que aponta o modo como os modelos de interfaces podem ser organizados a partir de
outras formas culturais, como a palavra impressa e o cinema, para análise da narrativa
criada pela mídia digital. A partir de elementos da “percepção cinemática” como técnicas
de edição, representação do espaço e atividade do espectador (MANOVICH, 2001), foram
selecionados três vídeos que indicam algumas especificidades desse meio de
representação que aludem à linguagem técnica cinematográfica – a perspectiva e a
profundidade de campo.
A visualização e a análise dos vídeos da série com a possibilidade de controle de ângulos,
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Figura 3 – Tela do episódio nº 51 – detalhe de obra O rapto de Rebecca. Fonte: 82nd-and-fifth.metmuseum.org
4 “Planaridade” é um conceito desenvolvido por Clement Greenberg (1960) para falar das
especificidade da arte pictórica no modernismo. Achamos adequado seu uso aqui por caracterizar,
de maneira explicita, o plano bidimensional da obra de arte.
5 Tradução nossa: The Abduction of Rebeccca (1846) de Eugène Delacroix. Disponível em:
Figura 4 – Detalhe do episódio nº 32 - Imagem Le Trait d’Union. Fonte: 82nd-and-fifth.metmuseum.org
Figura 5 – Telas do episódio nº 32 - Imagem da escultura Le Trait d’Union (vários ângulos). Fonte: 82nd-and-
fifth.metmuseum.org
#3. Sala de Estar da casa dos Little7 de Frank Lloyd Wright. As artes decorativas
norte-americanas também estão em exposição no Metropolitan Museum. O espaço do
arquiteto Frank Lloyd Wright representa aspectos do modernismo norte-americano, como
a composição geométrica e a unidade entre interior e exterior composta por diferentes
níveis horizontais. A entrada da luz natural nesse ambiente faz com que o tom terracota
sobressaia, dando ao ambiente a noção de conforto. O espaço pode ser visualizado do
ponto de vista do espectador. Por meio da fusão das imagens é possível ter a noção de todo
o ambiente projetado para ser uma casa de verão da família Little. Outras visualizações
extras são a planta e o rascunho do projeto original e fotografias da casa e de seus
moradores na década de 1910 (Figura 6).
Figura 6 – Tela do episódio nº 3 – Sala de estar da casa dos Little. Fonte: 82nd-and-fifth.metmuseum.org
4 — Extras
A partir dessas possibilidades de visualização do trabalho de arte – o zoom de alta
definição, a visão a partir de vários ângulos, a noção de profundidade – entendemos que o
usuário dessa interface de computador se beneficia de uma invenção introduzida pelo
cinema, a “mobilidade de enquadramento” (MANOVICH, 2001, p. 89). A websérie
produzida pelo museu oferece a possibilidades de controlar esse enquadramento, fazendo
com que todo o processo de visualização seja caracterizado pela visão de quem a vê. Essa
análise envolve questões de interatividade e narrativa que fazem parte de um estudo mais
abrangente. Neste artigo, pretendemos apontar características que destacam esse meio de
representação e suas implicações na sociedade contemporânea.
A websérie produzida pelo Metropolitan é mais uma forma de representação de algumas
obras de arte que nos permite atualizar alguns conceitos de Walter Benjamin sobre a
reprodutibilidade técnica a partir dos apontamentos de Manovich sobre as novas formas
de representação e recepção nos dias atuais. O autor aponta:
a revolução causada pelos meios computacionais afeta todas as fases da comunicação,
incluindo a aquisição, manipulação, armazenamento e distribuição; ela também afeta
todos os tipos de media – texto, imagens estáticas e imagens em movimento, som e
construções espaciais (MANOVICH, 2001, p. 43) .
Dessa maneira, o espectador, também usuário e participante, conectado às redes, pode
utilizar essas ferramentas como nova forma de conhecimento e, por consequência, nova
forma de ver a arte. Talvez agora pudéssemos sugerir que tais ferramentas, também
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Talvez não seja tão relevante refletir se o espectador sequer se lembra da obra original e
do local onde esta teria o seu valor de “culto”, preferindo-se dirigir o foco para a tentativa
de compreender como o momento aurático pode se manifestar nessa nova forma de
conhecer obras de arte mediada por tecnologias de produção de imagens. Podemos
pensar, por exemplo, na escultura de Jean-Baptiste Carpeaux, cuja visualização a partir de
alguns ângulos não seria possível no espaço expositivo porque derivada unicamente do
dispositivo que a reproduziu – nessa mesma ordem, podemos ressaltar o zoom de alta
resolução ou o controle na rotação em 360 graus. Nesses casos, é possível indagar que o
espectador esteja com a atenção voltada à sua interação com a máquina.
Podemos relacionar, no jogo da representação, a websérie aqui apresentada, com suas
fotografias em alta resolução e seus efeitos, à maneira como Baudrillard fala das fases da
simulação da imagem, que “não tem relação com qualquer realidade: ela é o seu próprio
simulacro puro” (BAUDRILLARD, 1991, p. 13). A esse respeito, é importante considerar
para o presente estudo como é possível aproximar o mundo de simulacros ou o museu de
simulacros de algum tipo de identidade, coletiva ou individual. E quais seriam os efeitos
dessa aproximação sobre o espectador atual.
De acordo com Baudrillard em Para uma crítica da economia política do signo8, a produção
desenfreada do real transforma valores e impõe uma cultura de simulacros. A troca de
mensagens e a incessante produção de imagens do nosso contexto sociocultural –
podemos citar também as novas estratégias do Metropolitan Museum – apresentam
práticas de simulações da obra de arte que capturam a atenção do espectador e, muitas
vezes, fazem com que sejam mais lembradas que a própria arte. Nesse sentido, parece
interessante destacar a participação do designer nos meios de produção desses
simulacros. Seguindo com Baudrillard, o conceito geral de design – analisado em última
instância como a produção de comunicação entre homem e signo, signos entre si e sujeitos
entre si – corresponde a um conceito de ambiente no qual tudo seria projetado: “corpo,
sexualidade, relações sociais, políticas e também, necessidades e aspirações”9
(BAUDRILLARD, 1981, p. 201). Para o autor, o design está inserido em todos os níveis de
valores de trocas entre os signos.
Analisamos aqui alguns mecanismos do site que dialogam com esses valores. Em outras
palavras, buscamos destacar novas formas de ver um objeto artístico por meio de
mecanismos que, muitas vezes, nos levam a produção de novos signos – rotacionar uma
escultura, o zoom numa pintura ou se posicionar dentro de um ambiente virtual. Novas
práticas e experiências que vem moldando o espectador-usuário-partícipe e também o
espaço expositivo.
6 — Finale
Se considerarmos a reflexão de Bruno Latour (2008) sobre a expansão da palavra design e
sua mudança na forma como lidamos com objetos e ações, poderemos compreender como
o modo processual do design – que inclui, entre outras coisas, a atenção aos detalhes, à
moral e à política – se aplica aos vários artefatos tecnológicos hoje disponíveis no
mercado. Não é necessário enumerar aqui as especialidades e disciplinas do design que
8 Tradução nossa: For a critique of the political economy of the sign.
9 Tradução nossa: (...) whether it says so or not: the body is designed, sexuality is designed, political,
social, human relations are designed, just as are needs and aspirations, etc.
Anais do 2º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI | SPGD 2016
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LOPES; CARVALHO. Um museu de simulacros: a experiência do expectador mediado por tecnologias digitais.
. . . . . . . . . . . . . . . . .
Notas sobre os autores:
LOPES, Renata Perim; Mestre; Título provisório da Tese: Modos de ver em
exposições interativas; Orientador: Marcos Martins; Ano previsto para defesa:
2019; Link para Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5767718973920005
reperim10@gmail.com
CARVALHO, Ricardo Artur; Doutor; Link para Currículo Lattes
http://lattes.cnpq.br/1009961010621143
rickartur@gmail.com
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