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AGOSTO 2013 ARTIGOS TEORIA

A TEORIA NEOLIBERAL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:


O TRIPÉ INSTITUCIONAL E O PAPEL DO ESTADO
por Alan Gabriel Camargo* e Cairo Gabriel Borges Junqueira**

A disciplina de Relações Internacionais conformou-se como indicações de um mundo possivelmente interconectado e


palco de debates desde o seu surgimento no início do século favorável à estabilidade associativa, como queriam os liberais.
XX. As diversas formulações intelectuais estiveram presentes no
nascimento da disciplina e acompanharam seu Por tal razão, as antigas premissas acerca da interdependência
desenvolvimento na tentativa de fornecer justificativas ou e da cooperação globais, alocadas em segundo plano nesse
interpretações para o mundo, seus atores e dinâmicas, momento, sofreram releituras com o propósito de adequarem-
contribuindo, assim, para a renovação constante dessa ciência. se às novas tendências da disciplina sem, contudo, perder o
núcleo liberal que as destacavam. Os autores desta iniciativa,
Nesse campo multifacetado, autores como Stephen Walt principalmente Robert Keohane (1984, 1986, 1989) e Joseph
(1998) identificam a presença de três grandes paradigmas ou Nye (1989, 2005), engajaram-se na afirmação do
tradições de pesquisa – Realismo, Liberalismo e Radicalismo – Neoliberalismo, teoria de maior rigor científico em relação à
os quais, de acordo com os momentos da política sua matriz liberal, que se aproximou da observação empírica –
internacional, obtiveram maior ou menor adesão dos em contraposição ao idealismo antecessor – e compartilhou
acadêmicos e tomadores de decisão. Para Jack Snyder (2004), certos pressupostos já enaltecidos por Keneth Waltz (1979). As
muito além de inspirar e informar os estudos acadêmicos e as duas correntes demonstraram que a ordem mundial é
decisões políticas, a grande importância da pluralidade teórica anárquica e postularam o Estado como principal ator, ainda
em Relações Internacionais reside na capacidade das teorias de que tenham chegado a conclusões diferenciadas a respeito dos
contraporem-se umas às outras. Os desgastes temporais ou mesmos temas.
debilidades explicativas inerentes a cada teoria propiciariam
espaços para emersão de debates renovados e Tendo como base a explicação exposta e levando em
contrabalanceados, de modo a impedir a superposição de uma consideração a possibilidade de haver cooperação entre os
teoria às demais. Em suas palavras, “In lieu of a good theory of Estados, o artigo ora apresentado objetiva entender como
change, the most prudent course is to use the insights of each of estes atores são interpretados no universo do Neoliberalismo
the three theoretical traditions as a check on the irrational Institucional das Relações Internacionais . Para tanto, a análise
exuberance of the others.” (SNYDER, 2004, p. 61). será centralizada no que se denomina nessa pesquisa de “Tripé
Institucional”, o qual se baseia nos conceitos de
Não obstante o caráter plural inerente às teorias da disciplina, Interdependência Complexa, Instituições e Regimes
encontra-se ,nos anos 1970 e 1980, o ponto de inflexão Internacionais.
primordial para os novos debates que promoveram o
desenvolvimento do Neoliberalismo. Nesse período único para As três tipologias serão abordadas em momento oportuno.
as análises internacionais, acontecimentos como a instalação Todavia, é importante destacar que a primeira faz jus às
do neoconservadorismo do ex-presidente estadunidense assimetrias e custos advindos da dependência mútua entre os
Ronald Reagan e a renovação das ameaças entre Estados atores (KEOHANE; NYE, 2005); as Instituições conformam
Unidos e União Soviética no contexto da Guerra Fria instigaram arranjos conectados de regras formais ou informais que
o resgate dos pressupostos realistas e abriram caminho para prescrevem os comportamentos e moldam as expectativas dos
uma nova leitura de mundo que ia de encontro ao pensamento Estados (KEOHANE, 1984; 1989); e os Regimes sintetizam o
liberal. conjunto de princípios, regras, normas e procedimentos de
decisão sobre um tema específico da vida internacional
Para autores do chamado Neorrealismo, em especial Keneth (KRASNER, 1982).
Waltz (1979), os novos acontecimentos apontavam para a
reafirmação da lógica de competição pelo poder entre os Em consonância à perspectiva neoliberal, a hipótese deste
Estados dentro da estrutura internacional anárquica. Essa artigo é a de que os Estados, a partir de convicções próprias e
perspectiva buscou desenvolver proposições mais positivistas e perante o cenário supramencionado, perseguem seus
destinadas à comprovação empírica, o que favoreceu sua interesses de modo a assumir papeis mais relativos – e não
apreciação majoritária na época. Destarte, o ambiente de predestinados ao conflito, como querem os realistas – nas
ressurgimento das ameaças nucleares e a maior atenção aos políticas mundiais, que possam indicar posturas cooperativas a
aspectos militares e de poder colocaram em xeque as partir de suas inspirações racionais. Para isso, inicialmente, o

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Neoliberalismo – entendido enquanto teoria heterogênea – clássico feitas por autores distintos, preocupados em marcar a
será contextualizado no âmbito das Teorias de Relações renovação deste gênero teórico na conjuntura mundial e
Internacionais, observando como o Estado manteve-se na científica do fim do século passado. Originado nas teorias do
categoria de principal sujeito internacional, sem deixar em neofuncionalismo e da Interdependência, o Neoliberalismo nas
segundo plano sua descentralização e a emergência de novos Relações Internacionais manteve, em comum com suas
atores. precursoras, a argumentação de que as Instituições
Internacionais podem ajudar na cooperação entre diferentes
Em seguida, o texto voltar-se-á para a análise teórica do “Tripé Estados.
Institucional” e as considerações acerca do desempenho que os
governos assumem nas condições advindas da Dentro desse universo, uma série de estudos foi apresentada, a
Interdependência Complexa, Instituições e Regimes exemplo do Neofuncionalismo de Ernst Hass (1964), o
Internacionais. Por fim, realizar-se-á, na conclusão, um balanço Intergovernamentalismo neoliberal de Andrew Moravcsik
sintético das discussões desenvolvidas que permitam identificar (1995; 2009) e o Institucionalismo Neoliberal de Robert
o Estado enquanto ator relevante da Teoria Neoliberal que, Keohane (1984; 1986; 1989) e Joseph Nye (1989; 2005), foco do
embora inspirado pelos seus interesses egoístas, lança-se às presente artigo. Todas essas abordagens objetivaram dar uma
esferas internacionais com possibilidade de estabelecer resposta aos modelos realistas de se pensar as Relações
relações cooperativas para lograr interesses comuns. Internacionais e, assim, a fizeram, mantendo o caráter de
proeminência do Estado, mas fomentando novos meios de
Interdependência, Instituições e Regimes Internacionais colaboração e integração.
como heartland do Neoliberalismo: um outro contexto
para a ação estatal E é na própria figura do Estado-nação que reside uma das
principais mudanças de política internacional ocorridas nos
Conforme apresentado anteriormente, o Neoliberalismo possui últimos anos. Em decorrência do avanço na modernização
essa designação porque, além dos conceitos básicos da teoria tecnológica, causadora de uma maior aproximação econômica
liberal, também assimila alguns pressupostos realistas e política, bem como criadora de intensa cooperação funcional
(MARIANO, 1995). Essa constatação vincula-se a um dos fatos entre os Estados, tais expectativas convergentes indicaram uma
que transformou a teoria em um importante meio para explicar relativa interdependência de poder entre os governos centrais
o contexto internacional do último quarto do século XX. Nesse (KEOHANE; NYE, 2005). Com a intensificação da globalização e
período, consolidou-se o que o filósofo húngaro Imre Lakatos o fim da Guerra Fria, o Estado passou a ser considerado não
(1974) denominou de “anomalia” para referir aos processos mais como um ente isolado; e, em outra perspectiva, sofreu
que as pesquisas científicas e acadêmicas não conseguiam influência de redes transnacionais e maximizou suas resoluções
explicar. Por conseguinte, as premissas majoritariamente de conflitos através de cooperações internacionais. Surgiu,
neorrealistas foram vítimas de um ceticismo crescente, que deste modo, a “nova lógica do Estado”, na qual
permitiu às perspectivas neoliberais ganhar novo lugar de
destaque nas Relações Internacionais. O Estado moderno enquanto corpo político isolado, formado por
governantes e governados, tendo uma jurisdição plena sobre um
território demarcado – incluindo nesta jurisdição o direito ao
O QUE VIABILIZA A monopólio da força coercitiva – e com legitimidade baseada no
consentimento de seus cidadãos, estaria dando lugar a uma
COOPERAÇÃO É O nova forma ou lógica de Estado, na qual as decisões políticas
passam a estar permeadas e influenciadas por redes
RECONHECIMENTO DA transnacionais intergovernamentais (MARIANO; MARIANO,
2005, p. 133).
IMPOSSIBILIDADE DE ATINGIR
Como consequência desse processo, Robert Keohane (1986;
AS PREFERÊNCIAS EGOÍSTAS 1989) e outros autores neoliberais defenderam que o Estado

AGINDO DE FORMA não mais atuaria de maneira unívoca no cenário mundial,


justamente porque a criação e a influência de políticas
INDIVIDUAL E SEM O RECURSO transnacionais e de novos atores – organizações internacionais,
empresas multinacionais, grandes corporações, sindicatos,
COOPERATIVO. organizações não-governamentais – gerariam novas redes de
interdependência entre os mesmos. Com uma multiplicidade
de temas, agendas e atores, articulados de modo assimétrico
O que mais chamou a atenção por parte dos acadêmicos e dos segundo os issues da política internacional, surgiu o conceito
próprios policy-makers foi a pluralidade teórica na qual esta de Interdependência Complexa (IC), a qual “[...] refere-se a
teoria se hospedou. Muito além de Teoria Neoliberal, pode-se situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou
defini-la como Teoria Neoliberal propriamente dita, pois entre atores em diferentes países” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005,
nasceu e tomou forma com base nas releituras do Liberalismo p. 82).

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vulnerabilidade conferem uma nova lógica às relações de
Sumariamente, a IC detém três principais características poder e passam a considerar como mais fortes os atores
(KEOHANE; NYE, 1989): capazes de controlar os custos da interdependência mútua.
Assim, a interação entre as diversas partes, com capacidades
1) Existência de múltiplos canais de comunicação e negociação distintas de mitigar os resultados nocivos, gera assimetrias na
que conectam as sociedades; forma como se relacionam, tornando cada vez mais “complexa”
2) Ausência de hierarquia entre diferentes issues ou temas e a interdependência entre si. Uma dessas considerações é que
surgimento de uma agenda múltipla entre os Estados; e grande parte dos neoliberais – e, em especial, os autores da IC
3) Perda da relevância do uso da força em determinadas – enfatizam as Instituições Internacionais ao reconhecer nelas a
circunstâncias, principalmente no que tange às questões possibilidade de reduzir as incertezas e conduzir à cooperação.
econômicas entre governos de uma mesma região.
Em sua obra prima After Hegemony: cooperation and discord in
O primeiro atributo citado atém-se ao estabelecimento de the world political economy, Robert Keohane (1984) propõe-se
contatos informais entre diferentes agências, órgãos a desenvolver uma teoria racionalista, denominada de “Teoria
governamentais e entidades particulares. Nesse caso, diversos Funcional”, por meio da qual entende as Instituições “[...] not
atores podem participar da política dos Estados, simply as formal organizations with head-quarter buildings and
desmistificando a velha máxima realista de que há uma specialized staffs, but more broadly as „recognized patterns of
separação nítida entre os ambientes externo e doméstico. practice around which expectations converge” (p. 8), que se
Ainda que mantenha a implementação da política externa sob tornam significantes por afetar o comportamento dos Estados.
sua jurisdição, o Estado passa pelo crivo de uma série de
relações locais, regionais, transnacionais e internacionais que Ao se valer de certos pressupostos neorrealistas, especialmente
resulta em inúmeros canais de contato entre diversas no que tange à natureza dos atores e do ambiente
sociedades. internacional, o autor aborda os Estados como atores egoístas
e considera que a anarquia desempenha repercussões
Com essas ligações, tomou forma uma nova agenda nas importantes nas interações entre os governos. Contudo,
políticas mundiais, na qual as high politics – defesa, segurança e diferentemente de Waltz (1979), Keohane (1984) entende que a
diplomacia central – compartilharam espaço com as low condução das relações de interesses entre os Estados no meio
politics, marcadas por questões de economia, direitos anárquico pode ser alterada mediante a existência das
humanos, desenvolvimento, tecnologia e meio-ambiente. Instituições que, de modo genérico, desempenhariam três
Diversas instâncias, como a Organização Mundial do Comércio funções básicas.
(OMC), o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e, até mesmo, a União Europeia (UE) Em primeiro lugar, tais instâncias seriam responsáveis por
ou o Greenpeace, passaram a dividir espaço com os Estados e a diminuir as incertezas quanto aos movimentos e preferências
representar uma realidade na qual nem todas as questões alheias. No ambiente institucionalizado, o aumento dos fluxos
estão subordinadas à segurança militar. Em outros termos, de informação entre os participantes conduziria a maiores
passa a haver certa horizontalização nos temas aludidos. transparências na identificação das intenções dos outros
Estados. Seria possível, desse modo, coordenar as estratégias
Por fim, fazendo referência ao terceiro aspecto da IC, individuais para que, ao reconhecerem os ganhos comuns, a
mormente a aproximação econômica entre governos, os cooperação pudesse ser lograda (Keohane, 1984).
efeitos do uso da força passaram a ser mais custosos e incertos
em comparação com a própria relação interdependente. Na Em segundo lugar, as Instituições permitiriam maior controle
medida em que o uso da força decresce, a distribuição de dos compromissos compartilhados. Por meio dos mecanismos
poder entre os atores é elevada em uma razão inversamente de monitoramento e fiscalização desenvolvidos pelas partes,
proporcional e gera regras formais e informais entre eles, as cada um dos Estados teria capacidade de reconhecer o
quais possuem análise central para os autores institucionalistas. cumprimento dos acordos firmados, de maneira a reduzir os
Nos dizeres desta corrente, a “[…] key characteristic of complex casos de trapaça e elevar as expectativas de reciprocidade
interdependence is the well-founded expectation of the inefficacy entre si. Posturas dissidentes ou contrárias aos princípios
of the use or threat of force among states – an expectation that contratados seriam penalizadas por certos instrumentos
helps create support for conventions or regimes delegitimating próprios a fim de tornar custosa qualquer iniciativa individual
threats of force” (KEOHANE, 1989, p. 09). adversa às posturas legitimadas (Keohane, 1984).

Um dos sensos vinculados de forma errônea à IC consiste na Por fim, representando o elemento mais emblemático da sua
consideração estrita dos benefícios às partes envolvidas. Ao teoria, Keohane (1984) assevera sobre a capacidade das
contrário dessa noção, Keohane e Nye (1989) destacam o Instituições em moldar as expectativas dos Estados. Ao
reconhecimento obrigatório dos custos – de modo especial as pressupor que os governos engajam-se nas Instituições
sensibilidades e vulnerabilidades –, uma vez que tais efeitos Internacionais para atingir os objetivos comuns entre si, o autor
deletérios teriam a capacidade de incidir diretamente na entende ser possível no ambiente institucional a existência de
manifestação da interdependência; ou seja, a sensibilidade e incentivos à revisão das estratégias. Em outras palavras, os

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Estados seriam instigados a repensar de maneira racional, antes Rejeitando a ideia de Regimes implícitos ou não coordenados
da ação política, quais as vias mais eficazes para lograr os por regras oficiais, a Teoria Funcional aponta os instrumentos
ganhos comuns. É assim que sua teoria aloca as Instituições reconhecidos formalmente pelos governos como forma de
como variáveis intervenientes na adoção dos acordos que buscar os interesses comuns dos países. Dessa forma, parte-se
facilitem a cooperação. do pressuposto de que a criação dessas entidades é uma
atitude claramente estatal e que o seu objetivo é perseguir os
Em seu trabalho conjunto com Lisa Martin (1995), Keohane interesses coletivos por meio da cooperação. Contudo, é
demonstra a incoerência de assumir as Instituições como importante destacar que, neste ponto, Keohane (1982) explicita
pressuposto obrigatório à cooperação. Ao contrário, haveria que a existência de objetivos comuns não deve ser entendida
casos em que o ambiente institucional poderia evidenciar os como uma harmonização das preferências ou uma associação
conflitos de interesses entre os participantes. Contudo, dada as de interesses idênticos; ao contrário, estes podem ser
características mencionadas anteriormente intrínsecas a essas conflituosos ou complementares entre si.
entidades, os autores reafirmam a facilidade de ocorrer
cooperação dentro desses contextos. Para analisar a viabilidade O que viabiliza a cooperação é o reconhecimento da
desta realidade, decorreriam duas questões: identificar as impossibilidade de atingir as preferências egoístas agindo de
condições em que os ganhos seriam importantes – ou melhor, forma individual e sem o recurso cooperativo. Em outros
incentivadores à cooperação – e o papel desempenhado pela termos, o sucesso de uma iniciativa estatal está diretamente
Instituição para perseguir tais resultados. ligada à forma como ela se combina com as estratégias dos
demais governos. Desta noção, nota-se que certos pensadores
Nesse sentido, no trabalho aludido, os autores entendem que neoliberais – e, em especial, Keohane – em vez de descartar as
no contexto institucional, as partes identificam com maior relações de interesses entre os Estados, entendem ser
facilidade os interesses alheios que, ao serem combinados justamente este contexto a possibilidade que as Instituições e
entre si, permitiriam a interação estratégica na direção de uma os Regimes Internacionais têm para controlar os efeitos das
possível cooperação. Ao demonstrarem a capacidade de relações assimétricas e intervir nos interesses em jogo para
coordenar as relações para o logro de resultados satisfatórios e possibilitar a cooperação.
amplamente distribuídos a todos os envolvidos, as Instituições
ganhariam credibilidade e fortalecimento na tendência Conclusão
cooperativa.
É indiscutível a grande apreciação destinada ao Neoliberalismo,
Todas as considerações do Institucionalismo Neoliberal de contemporaneamente, nas Relações Internacionais. Nos
Keohane apresentadas são fundamentais também ao estudo parágrafos anteriores, destacou-se a diversidade de
dos Regimes Internacionais. Como argumentam Hasenclever, perspectivas que congregam a identidade neoliberal, da
Mayer e Rittberger (2002), a agenda de pesquisa voltada à mesma forma que se evidenciou a incorporação de
compreensão dos Regimes ganhou corpo no fim do século pressupostos neorrealistas, responsáveis por distanciar o
passado em concomitância aos trabalhos institucionalistas. Os Neoliberalismo das concepções utópicas do Liberalismo
autores dessa teoria, guardadas as divergências entre si, tradicional e aproximá-lo da observação empírica. Além de
consensualmente identificam os Regimes como modalidades apresentar as gerações de pesquisa que transpassam diversas
específicas de Instituições e que, por isso, devem ser estudados teorias, focou-sena perspectiva Institucionalista neoliberal.
com essa identidade.
Com as discussões lançadas, procurou-se observar alguns dos
Segundo Stephen Krasner (1982), considerado como referência principais comportamentos assumidos pelos Estados enquanto
primordial dessa literatura, os Regimes Internacionais definem- sujeitos primordiais no universo de pesquisa neoliberal.
se pelo arranjo de princípios, regras, normas e procedimentos Mantendo o pensamento de que o Neoliberalismo é uma
de tomada de decisão sobre o qual as expectativas dos atores teoria heterogênea ou, até mesmo, uma grande teoria nas
convergem em uma determinada área das relações Relações Internacionais, observamos que esses atores podem
internacionais. Embora coesa e respeitada, a definição de assumir papeis mais relativos no cenário mundial. Em outros
Krasner (1982) abriu um leque de debates posteriores entre termos, resgatou-se certos pressupostos do gênero teórico
estudiosos que se preocuparam em refinar o conceito, de que, opondo-se às ideias realistas e neorrealistas, percebem as
modo a torná-lo mais específico e condizente com as suas relações interestatais não delineadas necessariamente em
tradições de pesquisa. torno dos conflitos, mas abertas às possibilidades de
cooperação institucionalizada.
Robert Keohane (1989), entre estes, apresenta uma abordagem
singular nesse sentido ao reconhecer os Regimes nos termos Para considerar a probabilidade cooperativa, identificou-se
das regras explícitas. Sua perspectiva deposita claramente a como ponto de partida dos autores neoliberais a objetividade
importância sobre os acordos ou regras formais, os quais, analítica;ou seja, por meio da ótica evidentemente positivista, a
segundo Hasenclever, Mayer e Rittberger (2002), promovem teoria não problematiza as percepções interestatais e pouco se
certa hierarquia quanto à compreensão dos componentes de atém aos processos de definição dos interesses. Todos os
um dado Regime Internacional. esforços convergem para a concepção objetiva da realidade e,

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mesmo nas situações de incertezas – como no ambiente
Held, David; McGrew, Anthony. Prós e contras da globalização. Ribeiro, Vera (Trad).
anárquico, por exemplo – a perspectiva é permeada pela
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
racionalidade, que justifica a inserção internacional do Estado
como forma de maximizar suas preferências. Keohane, Robert. After Hegemony: cooperation and discord in the world political
economy. Princeton: Princeton University Press, 1984.

Nesse sentido, mediante o chamado “tripé institucional” – Keohane, Robert. International institutions and state power: essays in international
caracterizado pelas conjunturas advindas da Interdependência relations theory. United States: Westview Press, 1989.
Complexa, das Instituições e dos Regimes Internacionais ,
Keohane, Robert. Neorealism and its critics: new directions in world politics. New
assimilamos os possíveis contextos nos quais, mesmo a partir
York: Columbia University Press, 1986.
de convicções racionais e egoístas, os Estados são instigados à
cooperação. Keohane, Robert; Nye, Joseph. La interdependencia en la politica mundial. In:
Tamayo, Arturo Borja (Comp.). Interdependencia, cooperación y globalismo:
ensayos escogidos de Robert Keohane. México, DF: CIDE, 2005.
O aumento quantitativo e qualitativo das interconexões globais
confere custos como sensibilidades, vulnerabilidades, riscos e Keohane, Robert; Nye, Joseph. Power and Interdependence. 2 Ed. United States:
incertezas que tornam a interdependência mais complexa. Harvard University Press, 1989.

Porém, quando leva-se em consideração as Instituições e os Keohane, Robert; Martin, Lisa. The Promise of Institutionalist Theory. International
Regimes Internacionais enquanto variáveis intervenientes, é Security, Issue 1, p. 39-51, Summer 1995.
possível identificar tendências que minimizam os custos
Krasner, Stephen. Structural causes and regime consequences: regimes as
mencionados. Por meio da Teoria Funcional do
intervening variables. International Organization, n. 2, v. 36, p. 185-205, 1982.
Institucionalismo Neoliberal, compreendemos que, devido à
redução das incertezas, controle dos compromissos Lakatos, Imre. The role of crucial experiments in science. Studies in History and
compartilhados e capacidade de moldar as expectativas em Philosophy of Science, v. 4, n. 4, 1974. Disponível em:
<http://www.andrew.cmu.edu/user/kk3n/philsciclass/lakatos.pdf> Acesso em: 29
jogo, as Instituições proporcionam caminhos importantes para mai. 2013.
o recálculo das ações estatais a fim de que a cooperação seja
obtida a partir da combinação dos interesses individuais. Malamud, Andrés. Conceptos, teorías y debates sobre la integración regional.
Brazilian Journal of International Relations, v. 2, n. 3, p. 9-38, 2013.
Reconhecendo o aumento dos ganhos ao agir nas direções
apontadas, os Estados evidenciariam a hipótese que buscamos Mariano, Karina Lilia Pasquariello. O neoliberal institucionalismo: um modelo
demonstrar ao longo deste artigo: a possibilidade de teórico para a integração regional. Cadernos CEDEC, n. 50, 1995.
cooperação interestatal mediante o tripé-institucional.
Mariano, Karina Lilia Pasquariello; Mariano, Marcelo Passini. Governos subnacionais
e integração regional: considerações teóricas. In: Wanderley, Luiz Eduardo;
*Alan Gabriel Camargo é mestrando em Política Internacional Vigevani, Tullo. (Org.). Governos subnacionais e sociedade civil: integração regional
e Comparada pelo Instituto de Relações Internacionais da e Mercosul. São Paulo: EDUC : Ed. UNESP : Ed. FAPESP, 2005.
Universidade de Brasília e bacharel em Relações Internacionais
Moravcsik, Andrew. Liberal intergovernamentalism and integration: a rejoinder.
pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Journal of Common Market Studies, Oxford, v. l33, n. 4, Dec, 1995. Disponível em:
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Dedica-se à área de <http://www.princeton.edu/~amoravcs/library/jcms1995.pdf> Acesso em: 10 mai.
Política Internacional, com ênfase aos processos de 2012.

democratização na América Latina, promoção externa de Moravcsik, Andrew; Schimmelfennig, Frank. Liberal intergovernmentalism. In: Diez,
democracia pela OEA, bem como regimes e organizações Thomas; Wiener, Antje, (Eds.) European integration theory. Oxford: Oxford
internacionais. É bolsista da CAPES. University Press, 2009.

Nogueira, João Pontes; Messari, Nizar. Teoria das relações internacionais: correntes
**Cairo Gabriel Borges Junqueira é mestrando em Relações e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
Internacionais, com ênfase em Política Internacional e
Comparada, pela Universidade de Brasília - Instituto de Snyder, Jack. One World, Rival Theories. Foreign Policy, n. 145 (Nov. - Dec., 2004), p.
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Relações Internacionais (IREL) e bacharel em Relações 2012.
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de Ciências Humanas e Sociais de Franca. Realiza pesquisas e Walt, Stephen. International Relations: One World, Many Theories. Foreign Policy,
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estudos sobre Atores Subnacionais, Integração Regional (União
Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1149275>. Acesso em: 19 de julho de
Europeia e Mercosul) e Cooperação Descentralizada. 2012.
Colaborador do blog Página Internacional e bolsista da CAPES.
Waltz, Keneth. Theory of International Politics. New York, McGraw-Hill, 1979.

Referências Bibliográficas

Hasenclever, Andreas; Mayer, Peter; Rittberger, Volker. Theories of International


Regimes. 5 Ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

Hass, Ernst. Beyond the Nation State: functionalism in international organization.


Stanford: Stanford University Press, 1964.

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