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Análise Psicológica (2007), 3 (XXV): 343-350

Flutuações e diferenças de género no


desenvolvimento da orientação sexual:
Perspectivas teóricas

JOANA ALMEIDA (*)


ANA ALEXANDRA CARVALHEIRA (**)

Porque é que actualmente na nossa cultura estamos pessoas, com os muitos significados que os dis-
a testemunhar uma proliferação de géneros? Pode- cursos sociais criam sobre tal, têm tido um espaço
remos definir concretamente os termos heteros- de reflexão social e de investigação muito vasto:
sexual, homossexual, masculino, feminino, macho
desde a religião às leis, às ciências sociais e bio-
e fêmea? Se não os podemos definir, porque não?
Serão categorias unitárias? Se não o são, como lógicas, algumas áreas da medicina – endocrino-
podemos discutir a sua natureza peculiar? Encon- logia, neurologia, genética molecular – ou pelos
tramos meios de falar de todos estes elementos lados da sociologia, antropologia, ou história, entre
do corpo, dos genes à anatomia, do cérebro à outros, contribuem para a compreensão do que leva
psique, como inerentemente ou essencialmente as pessoas a escolherem relacionar-se entre si.
maleáveis? Só quando tivermos resposta para No desenvolvimento das identidades individuais
estas perguntas teremos uma teoria do género e
e relacionais, as relações dos sexos e dos géneros
da sexualidade que tem em conta, adequada-
mente, tanto o corpo como a cultura. com a diversidade de comportamentos humanos
– e com a linguagem disponível socialmente –
(A. Fausto-Sterling, in “Is gender essential?”,
1999, p. 57.)
levou a que encontrássemos e nos definíssemos
segundo conceitos e expressões como: mulher/
/homem, feminino/masculino, heterossexuais,
homossexuais ou bissexuais (lésbicas, gays, bisse-
INTRODUÇÃO
xuais – LGB), transexuais, intersexos, transgender;
ou, mais invulgarmente, como queer, dyke, pansexual,
Os mundos relacionais e as relações entre as
pansensual, ambisexual, polisexual, queer-bissexual,
androfílico, ginecofílico e ambifílico – entre um
número crescente de categorias sexuais.
(*) Psicóloga clínica. E-mail: m.joana.almeida@gmail. Milton Diamond (2002) refere como o termo
com
(**) Psicóloga clínica, a relizar pós-doutoramento no
sexo se relaciona com a estrutura anatómica e o
ISPA. Bolsa FCT SFRH/BPD/31215/2006. E-mail: termo género aos aspectos psicosociais do sexo,
ana_carvalheira@ispa.pt impostos ou adoptados socialmente – devendo os

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construtos ser mantidos separados e claramente Fausto-Sterling (1993) considera as categorias
definidos na sua especificidade, para a melhor de masculino e feminino demasiado rígidas em
compreensão psicológica da identidade. relação à realidade humana e às possíveis varia-
O desenvolvimento da identidade sexual pode ções da vida biológica humana, como os exemplos
ser encarado em três dimensões: a identidade de de intersexualidade, que apresentam uma varie-
género, os papéis sexuais e a orientação sexual. dade impressionante de cromossomas, hormonas
A identidade de género – o primeiro compo- e características genitais masculinas e femininas.
nente da identidade sexual – desenvolve-se entre Esta autora, que tem muito apoio e reconhecimento
o nascimento e os três anos de idade, e Green pelos movimentos activistas, gerou alguma contro-
define-a como “a convicção básica do indivíduo vérsia no mundo científico, pois rejeita a própria
acerca do seu sexo biológico” (Green, 1974; cit existência do género.
in Shively & De Cecco, 1993: 81). Nem sempre O terceiro componente da identidade sexual é
é congruente com o sexo biológico visível, pois a orientação sexual – a preferência por parceiros
ocasionalmente alguns rapazes têm a convicção do sexo oposto, do mesmo sexo ou por ambos os
de serem raparigas e vice-versa. Sabemos que, sexos – que pode ser vista como tendo pelo menos
enquanto na identidade de género há um processo dois aspectos essenciais: a preferência física sexual
de auto-identificação, na identidade biológica há e a preferência afectiva. Há perspectivas bipolares
uma identificação pelos próprios indivíduos e da orientação sexual, de heterossexual a homos-
pelos outros (Shively & De Cecco, 1993). sexual, ou ainda mais idiossincráticas e focadas
Na formação da identidade sexual, o segundo na variabilidade da biologia à cultura, como defende
componente a desenvolver-se são os papéis sociais Fausto-Sterling (1999).
e sexuais, ou seja, as características culturalmente Milton Diamond, um médico que se dedicou a
associadas com ser homem ou mulher – que investigar a identidade de género, afirma que a
através dos estereótipos são percepcionados como orientação sexual engloba várias dimensões da
as características masculinas ou femininas. Os identidade sexual, identidade de género e papéis
papéis sociais estão muito associados à aparência, sociais, sendo as categorias de homossexual, hete-
aos comportamentos, a aspectos de personali- rossexual ou bissexual mais adequadas como adjectivos
dade e ao que é esperado que uma pessoa pareça, que como nomes, pois referem-se apenas ao sexo
aja ou se comporte, segundo determinadas normas do parceiro com que uma pessoa prefere em termos
culturais. Os papéis sexuais associam-se por sua eróticos, amorosos, afectivos e também com quem
vez, ao que se espera de uma “menina-menino”, deseja ter comportamentos sexuais (Diamond, 2002).
evoluindo ao longo da vida, consoante as circuns- Uma outra autora que se tem debruçado sobre
tâncias sociais. a orientação sexual, Lisa Diamond, tem contes-
O desenvolvimento destes aspectos encontra tado o modo de estudar a sexualidade, particu-
as suas bases a partir dos três anos, até cerca dos larmente a feminina, por se encarar a orientação
sete anos de idade, no entanto, não são processos sexual como a predisposição para experienciar
estáveis e definitivos, pois a abertura cultural à atracção sexual por pessoas do mesmo sexo, do
diversidade possibilita hoje muitas mais flutua- sexo oposto ou por ambos; enquanto a identidade
ções no modo como as pessoas se identificam a sexual é encarada como um auto-conceito que o
si mesmas e as categorias que utilizam e que meta- sujeito organiza à volta desta disposição – a
morfizam ao longo do tempo. primeira com um desenvolvimento precoce, e a
Assim, a identidade de género é a vivência segunda a desenvolver-se desde a adolescência
privada do papel social e o papel social é a ex- ou início da idade adulta, variando com o contexto
pressão pública da identidade de género (Money social, histórico e cultural (Diamond, 2000).
& Erhardt, 1972; Gomes & Marques, no prelo). A fluidez na identidade sexual demonstra-se
Podemos encarar a identidade de género como na quantidade de mudanças longitudinais na
um contínuo de masculinidade e feminilidade, identidade sexual, nas atracções e nos compor-
como duas faces da mesma moeda (DeCecco et tamentos, nas categorias de orientação sexual,
al., 1975; cit in Shively & De Cecco, 1993) ou como em diferentes circunstâncias, com as atracções
dois contínuos, um de presença ou ausência de sexuais a demonstrarem mudanças frequentes.
masculinidade e outro paralelo de feminilidade. Ter comportamentos ou atracções homossexuais

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não significará necessariamente ter uma identi- et al., 1994; cit in Diamond, 2000) e, principal-
dade homossexual, pois os comportamentos e mente, por não serem feitas avaliações que per-
atracções são vividos pelo próprio como relativos mitam uma comparação de dados de evolução nas
às relações sexuais com parceiros do mesmo sexo, dimensões da orientação sexual.
enquanto a identidade se relaciona com ver-se a A criação dos modelos de desenvolvimento do
si mesmo como homossexual (Davies & Neal, 1996). coming-out (Cass, 1979; Coleman, 1981) levou à
A importância de diferenciar os comportamentos ideia de uma sequência linear de estádios que
da identidade, advém da compreensão geral da presumem que uma vez desenvolvidos e ultra-
população e das vivências pessoais em relação à passadas determinadas tarefas, assumindo-se para
homossexualidade: a maioria das pessoas não si e para os outros como homossexuais, não há
descreve a sua sexualidade de modo congruente mais alterações – o que não está em concordância
com o seu comportamento e fantasias. Albuquerque com alguns estudos do desenvolvimento da orien-
afirma que para se usar o termo homossexual, a tação sexual da mulher, em que a primeira iden-
orientação sexual tem de estar presente de um tidade sexual minoritária não é a última e defini-
modo estável e duradouro (Albuquerque, 2006). tiva.
Assim, Rust (1992; cit in Diamond, 2000)
confrontou-se, numa amostra de 400 mulheres
A FLUIDEZ NO DESENVOLVIMENTO DA adultas, com 75% das participantes que se consi-
ORIENTAÇÃO SEXUAL deravam bissexuais, mas que se tinham considerado
a si mesmas lésbicas; e mais de 40% das que res-
As investigações mais recentes despertam para pondiam como lésbicas tinham-se considerado como
a desvalorização das mudanças no tempo, que se bissexuais (Rust, 1992; cit in Diamond, 2000).
opera nas teorias do desenvolvimento da orien- Também Laumann e colaboradores (1994) já
tação sexual, como se a descoberta realizada de tinham observado que a maioria das mulheres
um self verdadeiro, através da transição de uma pertencentes a uma minoria sexual sentem atracções
identidade heterossexual para uma identidade por ambos os sexos, em diferentes graus e certa-
homossexual ou bissexual, não permitisse mais mente com diferentes significações subjectivas
mudanças na identidade sexual, nas atracções ou (Laumann et al., 1994).
nos comportamentos (Diamond, 2000). No entanto, No que concerne às atracções bissexuais, desde
há bastante evidência nos estudos da orientação o desenvolvimento dos movimentos de defesa
sexual de que as mulheres, por exemplo, contra- dos direitos gay, nos anos 70, que se notou que
dizem as identidades com que se designam e há indivíduos com tendência a assumirem identi-
demonstram bastantes mudanças nas atracções dades lésbicas ou gays, por falta de conhecimento
sexuais ao longo do tempo (Weinberg et al., 1994; da existência da identidade bissexual ou por alguns
cit in Diamond, 2000), dando um papel de relevo preconceitos nas comunidades lésbicas e gays
à escolha, às circunstâncias e às mudanças na em relação a tal identidade – o que se alterou
identidade sexual e nas atracções. Portanto, temos quando as categorias identitárias começaram a
hoje presente e em pesquisa, a ideia de que a possibilitar ambientes mais tolerantes e apoiantes
sexualidade da mulher é relativamente fluida, da bissexualidade (Diamond, 2000).
termo ainda não consensual, mas que se utiliza É curioso notar que tanto no estudo de Rust
para referir mudanças longitudinais na identidade como no de Diamond (anterior a este artigo mas
sexual, nas atracções e nos comportamentos (Dia- já com a mesma amostra) há uma fronteira implí-
mond, 2000). cita nas identidades lésbicas e bissexuais: a maioria
Lisa Diamond explora este conceito da fluidez das lésbicas responde que mais de 75% das suas
na identidade sexual citando quatro estudos lon- atracções sexuais se dirigem a mulheres, enquanto
gitudinais sobre a orientação sexual, enquanto a maioria das mulheres bissexuais responde que
enfatiza a necessidade paralela de estudos pros- menos de 75% das suas atracções é para com mulheres
pectivos. Os que estão disponíveis têm pouca (1992, 1998; cit in Diamond, 2000). Lisa Diamond
evidência empírica, pois apenas metade engloba releva ainda o interessante facto – e inesperado –
mulheres na sua amostra (Pattatucci & Hammer, de que um quarto das lésbicas, na sua primeira mostra
1995; Stokes et al., 1997; Stokes et al., 1993; Weinberg de 98, reporta um homem (com frequência o melhor

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amigo da escola secundária) entre as suas atracções teve contactos sexuais com homens entre os dois
anteriores mais fortes, apesar de não demonstrarem momentos de entrevista. As inconsistências igual-
atracções actuais por homens (Diamond, 1998). mente detectadas noutras amostras não podem ser
Os resultados de Diamond, numa amostra de interpretadas apenas como resultantes da pressão
63 mulheres no primeiro período (1998) e de 56 social para ter relações heterossexuais e maior
no segundo (2000), mostram estabilidade em 70% estigmatização das relações com o mesmo sexo,
dos casos, embora haja alterações de mulheres que pois surgem atracções esporádicas em mulheres
não se consideravam de nenhuma categoria para que reportam atracções quotidianas por mulheres
lésbicas ou bissexuais (11%), o inverso em 6% dos – os contactos com o sexo oposto sugerem efecti-
casos, movimentos de lésbicas para bissexuais e vamente um interesse autêntico e verdadeiro, em
vice-versa em 4%, apenas 3 casos do total da amostra, vez da referida pressão social. Tal acontece mesmo
enquanto das categorias de lésbicas, bissexuais em mulheres que mantêm a sua identificação como
ou inclassificável para heterossexual aconteceu lésbicas, o que sugere que a sua capacidade para
em 5% da amostra (Diamond, 2000). Deste modo, sentir atracção e ter comportamentos sexuais pelo
a autora conclui que as mulheres contemporâneas e com o sexo oposto não justifica nem é sufici-
pertencentes a minorias sexuais mostram uma ente para uma identificação como bissexuais.
estabilidade geral nas atracções sexuais e consis- Embora a amostra seja grande, não podemos
tência entre estas atracções e os seus comporta- deixar de notar a limitação decorrente do recru-
mentos; embora metade delas demonstre igualmente tamento ter sido realizado em actividades e orga-
várias mudanças na identidade sexual e quase um nizações da comunidade LGBT americana, ou
quarto delas tenha tido contactos sexuais com homens. entre alunos de disciplinas universitárias sobre o
Tal leva a autora a afirmar que embora as atracções género ou sexualidade, por conveniência, sem haver
sexuais pareçam bastante estáveis, as identidades representação de sujeitos de meios rurais, de etnias
e os comportamentos são bem mais fluidos e diver- minoritárias ou com estatuto socio-económico mais
sificados (Diamond, 2000). baixo (Diamond, 2000).
Em termos de identidade sexual, esta autora No que concerne às atracções sexuais, as mu-
americana nota que metade dos sujeitos entrevis- danças que surgem têm uma magnitude pequena,
tados alterou a sua primeira identidade adoptada, significativamente maior no caso da bissexuali-
pelo que os modelos tradicionais de desenvolvi- dade e das inclassificáveis, do que propriamente
mento do coming-out que encaram a adopção de nas lésbicas – o que leva Weinberg e os seus
uma identidade gay, lésbica ou bissexual como o colaboradores (1994, cit in Diamond, 2000: 247)
ponto de chegada final da identidade sexual, estão a interpretarem estes movimentos da sexualidade
a ter pouco em conta a duração e a variabilidade feminina como um potencial para experiências
deste processo (Diamond, 2000). íntimas com ambos os sexos, mesmo se predo-
Sendo assim, dada a maior visibilidade e aceitação minantemente mais interessadas num só sexo.
das sexualidades minoritárias, especialmente ao Tal pode ser sinal de falta de estabilidade e fina-
nível da bissexualidade, a investigadora esperava lização, no que toca à identidade sexual, manifesto
uma maior estabilidade nos padrões de identifi- através de várias transições na identidade e nos
cação – o que realmente foi confirmado nos resul- comportamentos ao longo da vida, que podem
tados da sua pesquisa longitudinal. Enquanto na significar movimentos de aproximação e de afas-
amostra de Rust (1993), as respostas de identifi- tamento em relação à identificação minoritária.
cação bissexual que se identificavam posteriormente Esta equipa de investigadores coloca a hipótese
como lésbicas constituíam três quartos da amostra, de que talvez os bissexuais, quer homens quer
na amostra de Diamond (2000) apenas um quarto mulheres, tenham uma maior capacidade de experi-
das mulheres bissexuais o fizeram, o que mostra mentar atracções por ambos os sexos o que dará
uma capacidade maior das cohortes posteriores aos seus sentimentos subjectivos uma maior suscepti-
para associar as atracções duais ao conceito de bilidade de serem influenciados pelo ambiente
bissexualidade mais cedo no processo de coming- (Weinberg et al., 1994; Pattatucci & Hammer, 1995;
out. cit in Diamond, 2000).
Em termos de comportamentos sexuais, um quarto A equipa de Margaret Rosario (2006), em Nova
das mulheres jovens da amostra de Diamond (2000) Iorque, realizou um estudo longitudinal com 156

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jovens lésbicas, gays e bissexuais para analisar a mente, 60 a 70% continuou como tal, com 30 a
consistência e as transições da orientação sexual. A 40% a assumir uma identidade gay/lésbica com
autora parte da assumpção de que os indivíduos o tempo (Rosario et al., 2006: 51). Os investigadores
procuram a congruência, dentro das estimulações concluem, deste modo, que há evidência de bastante
caóticas do meio, entre os afectos, as cognições e consistência por um lado e, por outro, de mudanças
os comportamentos, tentando procurar o equilí- na orientação sexual ao longo do tempo. A identidade
brio a partir da tensão psicológica das incongruên- bissexual é assim utilizada como transição para
cias. Assim, os afectos e os comportamentos orien- uma consequente homossexualidade, embora reste
tados para o mesmo sexo, podem levar o indivíduo ainda um grupo que se mantém com uma identidade
a adoptar uma identidade homossexual congruente bissexual consistente. Contrariamente às conclusões
ou vice-versa. As incongruências entre a identi- de Diamond, as jovens lésbicas que participaram
dade homossexual e os comportamentos heteros- neste estudo não demonstraram maior fluidez que
sexuais têm sido encaradas como transições entre os jovens homossexuais e identificaram-se consis-
as identidades homossexual e heterossexual, para tentemente mais como homossexuais, enquanto a
eliminar a dissonância entre o comportamento e bissexualidade não demonstrou diferenças de género
a identidade (Higgins, 2002, cit in Rosario et al., na identidade sexual (Rosario, 2006).
2006).
Rosario e a sua equipa notam a necessidade de
estudar o desenvolvimento da identidade sexual DIFERENÇAS DE GÉNERO NO
e as suas transições de modo longitudinal e pros- DESENVOLVIMENTO DA
pectivo, e apontam os estudos de Diamond como ORIENTAÇÃO SEXUAL
pioneiros na análise dos percursos e da variabi-
lidade sexual femininas (Rosario, 2006: 47). O Num processo de desenvolvimento multidimen-
trabalho de Diamond, juntamente com alguns estudos sional como é a orientação sexual, temos evidências
na população masculina homossexual (Dickson de existirem diferenças de género, em algumas
et al., 2003; Stokes et al., 1993-1997; cit in Rosario, dimensões, embora haja igualmente estudos que
2006), revelou uma consistência considerável na não encontram diferenças significativas.
auto-identificação sexual e nas atracções, tal como Herdt e Boxer (1993, cit in Savin-Williams &
algumas mudanças ao longo do tempo. Nos casos Diamond, 2000), com uma amostra de 202 jovens
masculinos, numa amostra de 216 homens bisse- (27% do sexo feminino) encontraram a idade mais
xuais ao nível comportamental, com idades entre tardia da primeira categorização sexual aos 16
os 18 e os 30 anos, a equipa de Stokes (1997; cit anos, a mais alta entre os estudos. Os sujeitos do
in Rosario, 2006) descobriu que, ao longo de um sexo masculino demonstraram um início mais precoce
ano, 49% deles não apresentava mudanças na orien- dos comportamentos sexuais com o mesmo sexo,
tação sexual, enquanto 39% se orientou mais em cerca de dois anos mais cedo que as raparigas,
direcção à homossexualidade e 17% em direcção sendo os números médios, respectivamente de
à heterossexualidade. Na investigação destes autores, 13,1 anos e de 15,2 anos – apresentando portanto
publicada em 2006, as conclusões foram de que diferenças estatisticamente significativas. Os
os jovens ou mantinham a sua identidade sexual sujeitos do sexo feminino têm uma maior proba-
como gays ou lésbicas, ou assumiam uma identi- bilidade de ter experiências sexuais heterossexuais
dade homossexual, com o passar do tempo. No antes de ter experiências com o mesmo sexo, havendo
período anual em que decorreu esta pesquisa, os ainda uma proporção maior de rapazes a ter expe-
sujeitos que se auto-identificavam como homos- riências exclusivas com o mesmo sexo. Estes autores
sexuais na avaliação de base, continuaram a fazê-lo concluíram sobre a existência de diferenças de
nas avaliações seguintes (aos 6 e 12 meses); mas género na sequência desenvolvimental, mas limi-
entre aqueles que se auto-identificavam como taram tal afirmação aos comportamentos sexuais
gays, lésbicas e bissexuais havia três vezes mais heterossexual ou homossexual a ocorrer em primeiro
probabilidades de se identificarem (nas avaliações lugar.
posteriores) como gays e lésbicas apenas, em detri- Ainda no mesmo ano, D’Augelli e Hershberger
mento da bissexualidade. Assim, no caso dos indi- (1993; cit in Savin-Williams & Diamond, 2000)
víduos que se identificaram como bissexuais inicial- conseguem uma amostra de 194 jovens de ambos

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os sexos e relatam que as raparigas têm consciência gitudinal de 5 anos, não encontrou diferenças de
das atracções por pessoas do mesmo sexo numa género nos intervalos entre a primeira consciência
idade mais tardia que os rapazes – o único estudo e os primeiros comportamentos sexuais; com os
que mostra tal dado – respectivamente aos 11,1 e rapazes a mostrar igualmente um número maior
9,8 anos de idade, uma diferença, neste caso, signi- de parceiros do mesmo sexo que as raparigas. Os
ficativa. Esta pesquisa explora a duração de tempo resultados mostraram significativamente mais rapa-
entre os marcos desenvolvimentais: os jovens do rigas que rapazes a identificarem-se como bisse-
sexo masculino apresentaram uma maior distância xuais na auto-categorização inicial e na avaliação
temporal entre as idades da primeira consciência actual. Os sexos divergiram na idade das primeiras
e da auto-categorização, consistindo em 5 anos, auto-categorizações e na idade dos primeiros en-
enquanto nas raparigas foi de 4; e entre as idades contros com o mesmo sexo, tal como entre a duração
da primeira consciência e da primeira revelação, de tempo a auto-categorização e a primeira reve-
de 7 anos para os rapazes e de 5 para as raparigas. lação. Não houve, no entanto, diferenças de sexo
Nesta amostra, 90% dos jovens já tinham expe- no intervalo de tempo entre a primeira consciência
rimentado actividades sexuais com o mesmo sexo, e a auto-categorização e entre a primeira cons-
embora os rapazes tenham tido bastantes mais ciência e a primeira revelação. Para ambos os sexos,
encontros. Não foram detectadas diferenças de quanto mais precoce era a idade com que tomaram
género entre a auto-categorização e a revelação, consciência, mais associada estava com uma auto-
para ambos de 2 anos, nem entre a primeira cons- -categorização e, nos rapazes, com um início de
ciência e os primeiros contactos sexuais com o comportamentos sexuais com o mesmo sexo. Mais
mesmo sexo (entre 4 e 5 anos). de 80% dos sujeitos relataram que as atracções
De forma semelhante, a equipa de Bailey (1994; sexuais precederam os comportamentos sexuais
cit in Savin-Williams & Diamond, 2000) examinou homossexuais (D’Augelli, 1998; cit in Savin-
as diferenças de género na orientação sexual em Williams & Diamond, 2000).
relação a: (1) preferências por relações sexuais Na interpretação dos resultados do estudo conjunto
descomprometidas, bem como no interesse em de Savin-Williams e Diamond (2000), as jovens
estímulos visuais; (2) importância subjectiva da mulheres afirmavam significativamente mais
fidelidade emocional e sexual; e (3) no valor per- identidades bissexuais que os jovens masculinos.
cepcionado de características do parceiro (como Em termos de contexto das atracções sexuais, os
a idade, a atracção física e o estatuto social). Em sujeitos foram divididos em dois grupos: (1) emo-
todos estes domínios as diferenças de género preva- cional (atracções pelo mesmo sexo envolvendo
leceram e, independentemente da orientação sexual, apenas sentimentos emocionais) e (2) sexual (expe-
as mulheres demonstraram menos interesse que riência com o mesmo sexo a envolver pensamentos
os homens em sexo descomprometido e estímulos explícitos com o mesmo sexo ou mesmo activi-
visuais, atribuindo menor importância à idade e à dades sexuais). Os resultados revelam que os sujeitos
atractividade do parceiro, e maior importância à masculinos apresentam mais significativamente
fidelidade emocional. um contexto sexual, enquanto as mulheres um
Margaret Rosário (1996; cit in Savin-Williams contexto emocional.
& Diamond, 2000), na investigação já referida, Os resultados parecem oferecer maior relevân-
os sujeitos do sexo feminino mostraram diferenças cia ao género do que à orientação sexual, e Peplau
significativas nas idades em que primeiro consi- e colaboradores (2000) afirmam que a investigação
deraram e em que tiveram certezas da sua identidade deverá analisar causas separadas para a orientação
sexual: 13,9 nos casos femininos, para 12,5 nos sexual dos homens e das mulheres a partir das
casos masculinos. Ao contrário do estudo de D’Augelli descrições fenomenológicas associadas à orien-
(1993; cit in Savin-Williams & Diamond, 2000), tação sexual de cada género. Por conseguinte, Savin-
mas em consonância com o de Bailey (1994; cit Williams e Diamond (2000) recomendam a análise
in Savin-Williams & Diamond, 2000), não foram pormenorizada das experiências subjectivas e relativa
encontradas diferenças de género nas idades dos importância percepcionada do desejo e das activi-
primeiros comportamentos sexuais. dades sexuais explícitas, ou seja, do papel que os
Posteriormente, D’Augelli (1998; cit in Savin- sentimentos e os comportamentos sexuais desem-
Williams & Diamond, 2000) numa pesquisa lon- penham.

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Um estudo mais recente foi realizado por Kinnish, lizações, actividades homossexuais e auto-cate-
Strassberg e Turner (2005) sobre a flexibilidade gorização e, ainda mais relevante, foi a conclusão
da orientação sexual comparando-a em homens e de que a sequência dos eventos tida em conta nos
mulheres homossexuais, heterossexuais e bisse- modelos de desenvolvimento da orientação sexual
xuais, numa amostra representativa da população não era uniforme de estudo para estudo e se adequava
geral, composta por 420 homens e 342 mulheres.
ligeiramente melhor aos casos masculinos que
Os autores avaliaram a orientação sexual relatada
femininos.
pelos sujeitos, na sua categorização da orientação
sexual (gay, heterossexual ou bissexual) e nas Savin-Williams e Diamond (2000) recomendam
dimensões da fantasia sexual, atracção romântica assim que se coordene e promova nas investiga-
e comportamento sexual. Foram encontradas dife- ções sobre o desenvolvimento da orientação sexual,
renças significativas nas mudanças das dimensões a avaliação dos tempos, contexto, espaçamento e
da orientação sexual dos homens e mulheres homos- sequência dos marcos desenvolvimentais, sem
sexuais e heterossexuais, mas curiosamente não esquecer as diferenças de género nos comporta-
entre homens e mulheres bissexuais. As mulheres mentos sociais e sexuais para que se possam inter-
lésbicas demonstraram maior flexibilidade que pretar e comparar dados a longo-prazo (Savin-Williams
os homens gay nas três dimensões avaliadas, enquanto & Diamond, 2000). As diferenças de género, têm
que as mulheres heterossexuais mostraram uma
vindo a comprovar-se muito importantes em questões
maior flexibilidade que a dos homens heterosse-
xuais, mas apenas nas dimensões das fantasias de comportamentos sexuais, do número de parcei-
sexuais e das atracções românticas. No grupo dos ros sexuais e da idade de iniciação – efectivamente
heterossexuais, não se encontravam diferenças mais relevantes como factores de diferenciação
em relação ao sexo, a nível dos comportamentos. que a orientação sexual.
Na avaliação das categorizações de identidade as
diferenças entre os sexos eram significativas apenas
entre homossexuais: as lésbicas tinham mais pro- CONCLUSÕES
babilidades de se terem previamente identificado
como outra categoria (qualquer das disponíveis), Estamos a viver uma época nova, com a visi-
mas não homossexual, sendo esta percentagem de bilidade da diversidade social a conquistar os seus
65%, e de 39% nos casos masculinos. Ainda se direitos de forma inigualável, pelo menos na história
acrescenta que as mulheres que se identificavam dos países ocidentais. A flexibilidade nas atracções,
como outra categoria de orientação sexual, na sua nas experimentações sexuais e nas identidades –
maioria, eram previamente heterossexuais, enquanto
a fluidez que revimos, que ganha muito apoio
que os homens se moviam da bissexualidade. Note-se
que os autores esperavam encontrar diferenças nas descrições subjectivas da sexualidade sobre
significativas nos homens e mulheres bissexuais, orientação sexual de homens e mulheres – permite
o que não aconteceu, confirmando portanto, em uma maior liberdade de escolha para as mulheres
certa medida, as afirmações de que a bissexua- e de mudança no ciclo de vida. Nos casos mascu-
lidade como fenómeno biológico e social é diferente linos, a maior exclusividade da orientação sexual
quer da heterossexualidade quer da homossexua- pode reflectir uma maior rigidez social, em receber
lidade (Blumstein & Schwartz, 1976; Klein, 1978; a diversidade das próprias escolhas individuais e
Rust, 2001; cit in Kinnish et al., 2005). Em con- subjectivas, mais humanas e diferentes entre si,
clusão, houve concordância nos resultados das que masculinas-femininas ou pré-definidas de algum
proporções de sujeitos com comportamentos homos-
modo.
sexuais, na idade média de primeira consciência
As relações das pessoas consigo e os seus amores
e da primeira revelação; mas houve menos con-
cordância nos resultados, nas idades médias das são certamente determinadas por muitas dimen-
primeiras actividades sexuais com o mesmo sexo sões, influenciadas pelo meio, mas predispostas
e na auto-categorização. biologicamente, assim, na sua subjectividade indi-
No entanto, surgiram resultados contraditórios vidual, não serão separadas de um contexto social
no que toca às idades das primeiras consciencia- de inserção.

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