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PETALAS DE ROSA

ou

SANTA TEREZINHA
EM BREVES CONSIDERAÇÕES

POR J. A.

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SAO PAULO
Escolas Profissionaesdo Lycen Cora�'ão rle Jesus
Al. Bnrão rle Piracicaba 36-A.
- lf\30-
NIHIL OBSTAT

S. Pauli, 12 àe Augusti 1929

Mons. DL'. Martins Ladeira


Ceuor

UIPRIMATUR

Mons. Perelra Barros


Vigario Geral

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Santa Terêsa cobrindo de rosas o seu crucifixo.

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meia palavra ao leitor

Não leias, caro leitor, de um !olego, este livrinho.


Cada um dos seus pequeninos capitulas encerra 1111111
grande licção. Para a assimilação delles requer-se algum l•a·

gar. A Mestra é um mixto de ingenuidade e sabedoria, c/<'


delicadeza e energia, de docilidade e força de vontade, de
commedimento e intrepidez, de alegria e sojfrimento, de poc­
,;a e austeridade, de condescendencia e irreductibilidade, de dl'·
votamento ao proximo e absorpção em Deus. Si lêres, leitor
amigo, com calma e de espaço estas licções que Sta. Terezl·
nha te propina em doses homeopathicas, não tardarás a re·
conhecer o que te digo. Anjo de caridade, ella te mostrará
um caminho facil e suave para o céo. 'Deixa-te conduzir co­
mo o jovem cr;"obias. O caminho da confiança infantil tão se·
gundo o coração de 'Deus, é o qu� seguiu t:t:erezinha com
exilo maravilhoso.
�esse caminho todo de humildade e amor, os obstacu­
los são contornados com a maior facilidade, quando não le­
vados de vencida rapidamente. Nem cuides que tão só as al­
mas pequeninas possam trilhar esse caminho da infancia es­
piritual. Pequenina dizia-se Terezinha por humildade; mas,
de facto, era ella uma alma herculea. Vel-a-ás empenhada
em luclas de gigantes, batendo-se como athleta impavido e
conseguindo vicloiias magníficas. Não ha alma tão grande que
se possa julgar diminuída na estrada dos heróes e heroismo .�<'

requér na vida de confiança absoluta em Deus qual foi a tlt


·
CC'erezinha. Si eu, leitor amigo, um dia te soubér iniciado
nessa feliz estrada, elevarei agradecido minhas mãos ao et'o.

O fiUTOR
Albores

Eram 23h.,:m de 2 de janeiro de 1873 quando


Terezinha nasceu.
Quem diria que essa creança iria ser o en­
canto do lar domestico, gloria do Carmelo, pro­
tectora da humanidade, alto valor no céo ?
Seu pae a chamará sua «Pequena Rainha» e
ella se denominará « Florinha Branca».
E' notavel que naquelle dia um pobresinho
foi levar áquelle lar em festa estes singelos ·versos
que parecem propheticos :

Cresce primorosa creança,


Ao aceno da ventura,
Teu porvir é d'esperança ·

Agora és tenro bqtão,


Mas, breve, rosa louçã
Raios de luz beijarão.

E será realmente todo um desabrochar de de­


licadas petalas a vida b reve de Terezinha.
E as rosas serão sempre symbolicas em sua
existencia. As gottas de chuva celeste que ella con-
8 PET."-I.LA8 DE ROSA

seguirá para os seus devotos, serão petalas precio· .


sas dos rosaes do Senhor.
Vel-a-emas crescer nas azas de uma fé pu­
ríssima, sem nada perder do todo infantil do seu
proceder para com Deus. Os problemas difficili­
mos que povôam a mystica ella não os conhecerá,
porque, como as creanças, ella tudo resolverá com
illimitada confiança em Deus.

Colloquios
Terezinha tinha quat ro irm ãosinhos no céo.
Deus os chamára a si, an tes que a maldade do·
mundo lhes roubasse a alvura das almas. Terezi­
nha dedicava-lhes grande amor quando eram ainda
desta terra, porque ella sabia amar fortemente aos
seus caros. Quando se alaram para a gloria, ella
não deixou de amai-os. Na simplicidade da sua fé,
entretinha-se com elles, em doces preces. Como
é consoladora a fé que une o céo á terra, que não
permitte solução de continuidade na amizade santa
que nos ligava áquelles que passaram a melhor
vida !
Entretinha-se a nossa santinha com os seus ma­
ninhos, que tão cedo a morte arrebatára e sen­
tia-se correspondida nos seus santos colloquios.
E elles não podiam, na verdade, desattender,
anjos celestes que j á eram, á irmãsinha, verdadeiro
anjo desta terra ainda.
Ella confessa que suas supplicas aos i rmãosi·
SAJiiTA TEREZI�HA

uho• num de facto despachadas com immensa van-


1 nwrlll pmpria.

( >11 innocentes, os justos, todos os que já pri·


vum t·om Deus, no seio da gloria, gosam do po­
lll·r de intervenção. Deus quer servir-se dos seus
lllllii{UII já gloriosos como de intermediarias da sua
IIIIM't'rlcordia.- E ás creancinhas tão queridas do Se­
nhor, aureoladas pelos resplendores que não se apa­
illlll mais, éom que prazer Elle não lhes attende
ois !Hipplicas em favor dos innocentes da terra!
• Terezinha quiz ser sempre uma creança e sa­
bia falar aos seus maninhos com innocencia e
simplicidade infantis - azas potentes para a oração
subir.
Santa amizade que nem a morte destruiu! Com
que alvoroço os irmãos de Terezinha a não re­
ceberam no céo!

J)esfolhaqáo rosas
Um quadro cheio da poesia mais pura, na vida
de Terezinha, era sua a.ttitude angelica, nas pro­
cissões em que a SS. Eucharistia sabia em triumpho.
Um prazer intimo tomava conta daquélla ai­
minha candida óo enthusiasmo dos set.is sete annos
'
quando se approximava o dia da procissão. Cheio
de petalas de rosa, um açafate pendia do pescoço
da garrida creança, que, toda de branco, se enca·
minhava para a egreja. Radiante de celestial con­
ttntamento, dava tanta importancia n homenna-em
10 PETALAS DE HOSA

que ia prestar ao Deus Eucharistico que cada uma


das s üas petalas de rosa significava um verdadeiro
mimo.
Não se contentava em esparzir as flôres no
chão. Confessa ella mesma que as atirava para
o alto para cahirem como chuva de affectos sobre
o ostenso rio em que ia Jesus Hostia.
E que jubilo em sua alma de candura e fé,
quando as rosas desfolhadas tocavam o ostensorio !
O sacerdote que conduzia a Hostia Santa devia
impressionar-se com aquella creança tão pequena
que a cada instante voltava o rosto angelica para
a cobrir das rosas de sua piedade.
Não podia ser vulgar essa creança em edade
tão tenra e já tão compenetrada de que se achava
à render homenagens ao Deus vivo e invisível.
Esse quadro, porem, da vida de Terezinha é
um espelho em que se reflecte sua vida inteira.
Ella cresceu, mudou-se, trocou de habito, m as foi
sempre aquella creança candida e amorosa a es­
palhar rosas nos caminhos d e Jesus. Sempre alegre
e meiga, sempr,e com as flores, sempre diante do
seu uni co amor - Jesus .

.flnceios
«Eu cá escolho tudo». E' uma phrase da infan­
cia de Terezinha.
Foi um dia em que Leonia, uma de suas innas
mais velhas, apresentou ás pequenas uma cesta cheia
S.\!'õTA TI:REZI!'iiL\ II

dl· fitas, pequenos córtes de vestidos de boneca


cousas taes de que s ão avidas as creanças.
<.'

Ti,·eram licença de escolher o que quizessem.


Cdina, um pouco mais velha do que Terezinha e
sua irmãzinha predilecta, escolheu um novello de
cordão e não pretendeu m ais. Terezinha exclama
sem cerimonias: «Eu ·escolho tudo» e de facto abra­
çou a cesta com tudo o que estava dentro .

•••

Ella mesma commentando esta phase da sua


infancia, a considera quasi como a fórmula das
suas santas aspirações. Não era ella uma alma de
ideaes pela metade. Não lhe bastava uma dose
diminuta dos bens que ambicionava ; queria-os to­
dos, queria o Bem Summo, sem compadecer-se com
restricções.
Vêmol-a, com effeito, atirar-se ao amor divino,
que é o unico bem real, a exclamar eu cá esco­
-

lho tudo. l nsupcravel a generosidade com que amou.


Não consentiu limit2s na sua abnegação, nem se
contentou com offerecer a Deus algumas das suas
potencias, ou parte da sua actividacie - a renuncia
de si mesma foi completa.
Não tinha mãos a medir quando distribuia o
que estivesse ·em seu coração ; não sabia recusar-se
ao trabalho, ao soffrim ento. Seu unico limite e ra
Deus - o Illimitado.
Era sempre a mesma a «escolher tt.;do».
1.' PETAL_-\.S DE ROSA

flllive�
Quando as paixões ,dominam o homem, elle
se avilta ; quando o homem domina suas paixões
elle se ennobrece. Um santo é um homem que go­
verna suas paixões ; um barbaro é um homem que
suas paixões dominam .
Nada tão detestavel como a paixão do orgulho;
entretanto a altivez foi caracteristica nos santos.
Elles sabiam humilhar-se e abater-se, mas sabiam
tambcm e rg u er a fronte quando era mistér.
Diante dos dcspotas romanos muita vez o mar­
tyr respondia com um desassombro que espantava
aos soberbos imperadores - não devia acobardar-se
o soldado de Christo.

"'**

Terezinha era de uma tempera refractaria for­


temente ás humilhações. Era ella muito pequenina
quando se deu o facto seguinte como ella mesmo
narra :
«Mamãe desejava com certeza, saber até onde
chegaria meu orgulho ; disse-me uma vez a sor­
rir : «Olha Terezinha, você ganha um tostão s e
beijar o chão». U m tostão ! ,)>. .

Para mim era um dinheirão e para o conseguir


então, pouco tinha eu que me abaixar pois era[
tão pequena que pouca distancia havia da minha
bocca ao chão. Mas revoltou-se-me o orgulho e,
Santa Teresinha na ed:uiP th� ·l annos e sua mãe.

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SANTA TERF.ZINHA 13

com ares de arrogancia, respondi. «Isso não, que­


rida Mãesinha, prefiro ficar sem o dinheiro».
Quanta altivez !. Não nos admire ver um dia
essa alma de tempera rija vôar pelos caminhos
da perfeição. Ella saberá aproveitar toda a digni­
dade que lhe é propria. Sem freio essa altivez
faria della uma arrogan.te insupportavel. Trabalhou,
porém, a graça com a bôa vontade de Terezinha,
numa harmonia e constancia ta,es, que toda aquella
nascente soberbia se converteu numa independeu­
da admiravel de tudo quanto escravisa a natureza
humana aos bens terr·e nos. !:lla não se curvará
nunca á imposição das conveniencias humanas, ao
domínio das más inclinações - será uma Santa.
O leitor pouco observador, que se deixasse
levar pela naturalidade infantil com que Terezinha
descreve suas virtudes e sacrifícios - faria della
uma idéa muito errada. Julgaria decerto que ella
tinha a fraqueza da alma infantil. Mas de creança
Terezinha possuía a candura, a ingenuidade; debi­
lidade infantil não havia na sua alma. Ha rasgos
de coragem na sua vida que nos persuadem até
de que . e ssa alma 1era varonil, mesmo nos annos
da infancia.

Esfo robusfus

O espectaculo de uma tempestade desencadea­


da, com a convulsão dos elementos e todos os
PETALAS DE RüS.'I.

meteoros terrificos que a acompanham, só a uma


alma invulgar póde trazer encanto.
O terrivel dynamico da natureza nessas phases
de anarchia, abate facilmente qualquer animo. Só
as temperas robustas podem conservar-se calmas
ao contacto do bello horrível de uma borrasca.
Terezinha deliciava-se com o magestoso espe­
ctaculo das tempestades. Era para ella um gosto
ver as numens de negrume a despedirem coriscos. O
céo ameaçador, á luz sinistra dos rclampagos, ao
rumor surdo que então faz vibrar tudo o que nos
cerca - para ella - a delicada creança - tinha
encantos e lhe fazia sorrir. O raio, que a todos
assusta, não a abalava.
Seria talvez a pureza da sua consciencia, se­
ria a absorpção do seu espírito na mag.estade de
Deus que brilha através das tempestades, como
Senhor absoluto de todas as energias. Em qualquer
hypothese, transparece clara a tempera mascula des­
sa menina tenra e delicada e a um tempo forte
e inquebrantavel.
Os heroismos de virtude, que lhe são com­
muns no curso da existencia, comprovam a gran­
deza e superioridade do espírito de Terezinha.

õ primogeqifo
Um celebr·e criminoso - Pranzini tinha sido
agarrado pela justiça humana. Foi condemnado á
pena ultima e não queria arrepender-se dos seus deli­
ctos. Terezinha ouviu falar do triste caso que im-
�A:'\TA 'fEHI·:ZJ:\IIA

prc�sionava a todos, naqueUes dias, e fez o p rop os i t o


de impedir a impenitencia final do infeliz Pranzini.
Orou fervorosa, insistiu com vehemencia junto ú
Bondade Divina, retemperou a sua confiança e at­
treveu-s·e até a pedir a Deus wn «signal» da con­
versão que ella esperava sem falta.

*••

No dia immediato á execução do criminoso, Te­


rezinha abre soffregamente um numero do «La
Croix» e lê a descripção da morte do seu prote­
gido espiritual.
Elle tinha já galgado os degraus do cadafalso
e nenhum signal de conversão.
Alli estava o sacerdote, mas debalde. O car­
rasco toma o impenitente pelo braço para o ap­
proximar da lamina fatal. Pois bem, foi nesse ultimo
momento que a Misericordia venceu. Pra.nzini vol­
ta-se, fulminado por uma i nspiração repentina, to­
ma do Crucifixo que o sacerdote lhe m ostra e tres
vezes beija-lhe as sagradas chagas. Terezinha não
duvidou da salvação desse criminoso.
Ella o chamava seu «primogenitO>). Quanto po­
de a caridade de uma creança ! Estava bem longe
Jc pensar o fa.cinora que a voz de uma creança
o arrancaria das fauces do inferno. Mas essa voz
l'ra da innocencia, do amor infantil para com Deus
na a v o z de Terezinha.
16 PETALAS DE ROSAS

Cardos
Sempre se ouve falar em agruras da vida,
provações, cruzes, e diz-se que feliz é a creança
porque n ão conhece ainda essa face sombria da
existencia.
E' porem um tanto falsa tal affirmação. A
creança tem s uas cruzes e, dadas as proporções
devidas, não se pode affirmar que ella soffra me­
nos do que o homem . Elemento preponderante nas
phases m ais dolorosas da nossa existcncia é a nossa
imaginação. A mesma pena objectiva assume inten­
sidades diversissimas nas victimas. A' exaltação da
phantasia, ,especialmente, é que se deve a exacer­
bação do soffrimento .

.....

Na infancia de Terezinha como na de todos


nós, as provações n ão faltaram. No seu intimo
a dor se aninhou ferindo-lhe impiedosamente a de­
licadissima sensibilidade. Um trecho bem doloroso
de sua existencia foi, por exemplo, o que ella pas­
sou, pela primeira vez, no collegio. Um conjuncto
de circumstancias conjuraram em martyrisar-lhe o
coraçãozinh o .
Uma collega de mais edade, não supportava
os triumphos de Te�ezinha.
A pobre creança curtiu momentos amargos nessa
quadra de sua vida collegial. A collega tinha re·
cursos para desforrar as humilhações que Terezi­
nha, muito nova e intelligente, lhe causava nas áulas.
I';'

Eram reaes os triumphos da Terezinha : suas


notas eram plenas, suas mestras não podiam re­
cusar-lhe carinhos e premios. A intelligencia � a vir­
tude mutuamente se amparavam para as victorias
escolares da jovem estudante.
Ella pinta com sobriedade essa angustia da
sua infancia e assim descreve o conforto que o
lar lhe deparava : <,O que me valia era tornar, de
tarde,. á casa, onde minha alma se expandia ; era
ver-me então saltar para os joelhos do papá, con­
tar-lhe as notas recebidas na classe e receber seu
beijo que me dissipava todos os dissabores». O en­
tranhado affecta. que se nutria em sua alma pelo
venerando pae, abria-lhe uma valvula no coração .
saturado de amarguras mui reaes uaquella edade
e para a delicadeza da sua educação .

.:fls esfrellas
Qual é a alma de fé que não experimenta en­
levos fitando os olhos no céu estrellado ? Parece que
Deus o fez assim tão bello para nos provocar de­
sejos de o ver no seio da gloria. Cá de baixo,
uesta terra sordida, nos parece bello si bem que
lhe vejamos apenas a face inferior, o como avesso
tia grandeza e brilho que o constituem.
As almas grandes, talhadas para as fortes emo­
,·õcs, ao contado do magestoso e solemne que
I >cus emprestou á natureza, essas almas fortes e
(·apazcs de medir grandezas são as que melhor se
:tbysmam na profundeza de um céo estrellado.
r8 Pl•:TALA� l>E HGSA

•••

Creança ainda muito tenra, já Terezinha se


deliciava com as estl'lellas q�e povoam as noites
calmas. P erdia -s e no abysmo azul, vagava seu olhar
de constellação em consiellação e não se fartava
de remirar as cen tel has d'ouro que a m ão de Deus
semeou liberal no campo concavo das alturas.
De modo particular a encantava o Orion com suas
seis estrellas dispostas em forma de T. Ella mes­
ma recordava, mais tarde, essa sympathia que tinha
pela co nstellaçã o que desenhava no firmamento a
inicial do seu nome. Exclamava então cheia de
jubilo : o m eu nome está escripto n o céo.
Por vezes o pae que a conduzia pela mão, devia
guiar-lhe cuidadoso os passos, porque ella, cabe­
cinha erguida, tinha os olhos plantados nas estrel las
e não sabia onde punha os pés .

. . ..

A candida creança era uma brilhante estrella


desta terra e os anjos do céo talvez a contemplassem
com jubilo, admirando-lhe a candura d'alma. Ainda
hoje essa estrclla brilha e com fulguração nova,
na constellação carmelitana - magnífico Orion do
firmamento da Egreja. Venha um raio da estrella
pura de Lisieux com suas rosas de luz illuminar­
nos o caminho para o céo, sem nuvens e sem tem­
pestades, ·que ella habita.
I!)
----- ---

Conquisfanào terreno
As virtudes que, com tanto viço, germinaram
no coração de Terezinha foram, em bôa parte, o
feliz resultado· de uma admiravel educação da sua
segunda mãe - Paulina, sua i rmã. Todo aquelle
lar abençoado e ra uma escola de virtudes. Paulina
aceitára o pedido que lhe havia feito Terezinha
quando se viu orphã - que lhe fizesse de m ãe.
Empenhou-se então em cultivar a alma privilegiada
da irmãzinha. Não consistiu em carinhos e lou­
vaminhas o seu methodo de educação. Com pulso
firme ella quiz dar ao coração de Terezinha a tem­
pera necessaria ás luctas da vida.
Haja vi<>ta este particular - Terezinha como
toda creança tinha medo das trevas. Pois sua jo­
vem educadora mandava-a de proposito buscar al­
gum objecto em aposentos escuros e afastados. Ap­
prendeu então Terezinha, desde cedo, a dominar o
mêdo, de modo que, mais tarde, era difficil intimi­
dai-a. A noite não tinha mais para ella as sombras
sinistras e os monstros imaginarias que apavoram
a tanta gente, mesmo adulta.

Acostumou-se ás resoluções firmes, ás respos­


tas ·francas e disciplinou sua vontade por esse dia­
pasão. O sim para ella era sim e o não - não,
porque sua segunda mãe não voltava atraz, não
condescendia com as i nconstancias infantis. foi as­
sim que a graça divina operou, com o m elhor
exito, naquella alma de energias vivas e aguerridas.
E quem cuidára q ue, a par de tanta delicadeza de
20 PETALAS 1>1•: f:O:O.A

sentimento, qual o q ue caracterizou o espirito de


Terezinha, tanta força e -resistencia houvesse em
sua vontade para fazerem della a he ro i n a que foi?!

])esvelos
O espírito de caridade madrugou em Terezinha
com o outras adm iraveis tendencias á perfeição.
Era um gosto para ella offerecer uma esmola
aos pobres que encontrava pelo caminho.
Um dia jun!amcnte com seu pae ia ella pas­
seando c se encontra com um velho doente que
andava de mulê1as. Compadcocu-sc dellc o co ra ­
ção de Tcrezinha. Chega-se a ellc c l!t� offerece
uma esmola. O pobre olha pa ra ella e n t erne c ido e
recusa a offerta.
Muito do loros a para Tere:únha foi essa recusa,
pois ella em sua extrema delicadeza, receou te -lo
mortificado. Não é provavel que o velho se tenha
commovido diante da generosidade daquella crean­
ça tão tenra e não a quizesse priva r da sua moéda?
Não era mesmo de inspirar piedade esse gesto
de abnegação em uma menina tão pequena e deli­
cada ? Terezinha não se esqueceu mais daquelle po­
bre. Formulou o proposito de orar por elle no dia
da primeira C o mmunhão , · porque ouvira dizer que
a prece daquelle dia tem pa rticular força de im­
petrar. Passaram-se cinco annos e, llQ dia da pri­
meira Communhão, Terezinha orou pelo seu po­
bre .e persuadiu-se de que fôra attendida a sua
oração.
"A:\TA TEREZl:-;HA 21

h>i assim que desde os albôres da vidaj, a


r:1ridauc lançou raizes na alma candida da nossa
Santinha para tornai-a heroina na pratica dessa
virtude.

empolgada pela nafure"a

As grand es almas sentem forte enlevo pelas


scenas magestosas da natureza. E a de Terezinha
que era tão grande, tão superior a tudo quanto é
vil, tão sensível ao bello - como não havia de
empolgar-se diante dos panoramas que se reprodu­
zem sempre aos nossos olhos ! Ella sabia ler o
nome de Deus nos prodígios naturaes, nas estrel­
las do céo, nos borbotões de luz colorida que brota
da aurora. O que para muitos é uma scena vul­
gar, como o perpassar das nuvens ao sopro do
.vento, a queda de uma folha secca - para Terezi­
nha representava um encanto. lntelligente, de gran­
de sensibilidade, animada sempre pelo sobrenatu­
ral, clla não podia deixar de ver com enlevo o
governo de Deus na marcha dos elementos, a or­
dem providencial que preside a tudo. Ella m esma
dá conta dessas impressões grandiosas que seu es­
pirito recolhia a cada passo, quando lhe era dado
contemplar o campo ou o firmamento, os effeitos
de luz ou a successã o entre causas e as consequen­
cias menos notadas por observadores vulgares. Vi­
brando assim de enthusiasmo pelo auctor das ma­
ravilhas que nos cercam, acostumou-se a nossa San·
22

tinha a essa poesia cheia de paz e amor que, dt­


pois, ella soube tão bem passar para o papel.
julgará ella ser muito simples e infantil o canto
da sua pena. Mas é tão elevada e grandiosa sua
linguagem, tão feliz sua inspiração, que a poetiza
se torna sublime.

j)ietlaàe filial

O amor aos paes é característico nas almas de


Deus. junta-se á voz do sangue o preceito do ��­
nhor que faz da obediencia filial, da dedicação aos
paes um rigoroso dev·er de todo homem.
Terezinha que ficou bem cêdo privada de sua
virtuosa Mãe, concentrou toda a sua amizade filial
no santo varão que foi seu pae. Alma grande, de
virtudes pe1�egrinas, o Siu. Martin era digno de
todo o carinho de sua santa filha. Ella o venerava
com extremoso affecto e parecia-lhe que nenhum
homem do mundo se podia comparar ao que lhe
era o autor dos dias. Elle extremecia a piedosa
filhinha que formava o encanto da sua vida; cha­
mava-lhe sua «pequena rainha» e não sabia agra­
de�r a Deus ter lhe dado aquelle anjo de bondade
e candura.
Mais tarde ella contava o seguinte episodio que
bem evidencia sua dedicação filial.
Tinha elle subido a uma escada e Terezinha
que teria então uma meia duzia de annos, appro­
ximou-se da escada.
SA?oi'l'A •n:HEZJI\11.<\. ' '
'

Receou o pae resvalar e fazer da filhinha uma


victima da quéda. Disse-lhe então : (<afasta-te miuhn
pequena rainha, _porque si eu cahir daqui ficarás
esmagada». E Terezinha approximou-se ainda mais,
quasi indignada, pois lhe parecia mil vezes prefe­
rível morrer com o adorado pae a vel-o desaparecer
da vida.
Para ella o pae era tudo; sua palavra era causa
sagrada, seus soffrimentos um martyrio para ella.
Os annos e os revezes da saude e da fortuna fize­
ram soffrer muito ao velho Snr. Martin e a filha
que elle já tinha entregue a Deus orava por elle
com a dedicação que se nutriu sempre, em seu co-
- ra ção, desde os annos mais tenros da vida.

. Sua tempera

A teimosia em uma creança é ás vezes um


bom signal - signal de firmeza de vontade.
Quasi todas as más inclinações accusam a
e:llli stencia de um bom elemento em nosso ser, um
elemento capaz de ser aprqveitado em serviço do
bem.
Por isso costuma dizer-se que as paixões não
se estirpam, mas se educam, se norteiam, se ci­
vilizam, s e disciplinam. O mesmo odio que parece
sempre tão máu, póde ser transplantado para um
terreno em que só produza bons fr1;1ctos. Ha cau­
sas que m erecem a execração dos homens e ca ­
nalisar para ellas o odio é dar á nossa energia um
24 l'l<:TALAS DE ROSA

bello impulso em sentido opposto ao objecto de­


testavel.
"'*"'

Era notavel em Terezinha a irreductibilidade


dos seus caprichos de creança. Pelos tres annos
de edade, quando ella dizia um não e entendia
não condescender, era tempo perdido tentar remo­
vel-a da sua decisão. Que teimosinha não era!
Mas, como se manifesta já a extraordinaria
energia da sua vontade. Toda aquella firmeza bem
orientada far:'l ddla uma potencia. E' uma questão
de tempo. Os anuos a farão r-eflectida e ella sa·
berá, muito em breve, applicar toda a dynamica
da sua alma de maneira adm i ravel.
Continuará a ser teimosa até a irreducti­
bilidade quando a prudencia lhe disser que a con·
descendencia é uma fraqueza ; mas será docil e
meiga até o heroismo quando vir que convém sup­
portar e abnegar-se.
Bella virtude é a renitencia, desde que a sã
razão a guie. As energias masculas, a força d·e
vontade inquebrantavel, a constancia nas m ais cri·
ticas emergencias fazem do justo um invencivel,
um santo - foi o que se deu com Terezinha .

espelho lerso
Nossa conscie ncia é um apparelho de extrema
sensibilidade. Elle registra, com fidelidade, todas as
modificações por que passa nosso �spirito com re-
SANTA TFHLZ I'\11.\ . .,

lação ás acções, que praticamos. Assim s ucccdc 1.."0111


as almas não viciadas ainda. Pois como todos nR
registradores, a consciencia é susceptível de embo·
tamento. Torna-se como as balanças preguiçosas
que difficilmente se movem para accusar differença
de peso a não ser que se trate de differenças con·
sideraveis. O homem que se faz surdo á voz da
propria consciencia, pouco a pouco a embrutece.
Elle não se abala mais tão facilmente e chega �
dormir tranquillo o somno culposo que o remorso
deveria· impossibilitai'.

• ••

Em Terezinha, a pureza de consciencia longe


de se empannar com o crescer dos annos, parece
subtilizar-se e tersificar-se cada vez mais.
Já nos primeiros annos lhe era · insupportavel
qualquer nódoa que pudesse toldar-Ihe a limpidez
da alma. Ella nos diz que todas as noites, ao dei­
tar-se, invariavelmente perguntava á sua irmã: «Ho­
je não fui bôasinha ?» No caso de lhe responder a
irmã negativamente, Terezinha não tinha mais paz.
Não conseguia conciliar o somno e derramava
lagrimas sem fim. Era preciso que nenhuma culpa,
por mais leve que fosse, pairasse sobre a pureza
daquella alma. E quando lhe parecia que tinha ca­
hido em alguma falta, aquillo, como brasa viva,
não a deixava em paz até que lograsse de qualquer
maneira p enitenciar-se.
26

Quanta candura nessa creança! B em se vê que


er a talhada a ascender muito pelos caminhos do
Senhor. O Deus de infinita pureza preparava o
te rreno que m ais tarde havia de flori r e saturar
do m ais inebriante aroma o claustro e até o mundo.

7ere;:i'1ha e o mrrr
Já vi m os o cnthusiasmo de Terezinha pelo es­
pectaculo na verdade arrebatador de um céo reful­
gente de estrellas.
Diante do mar, n ão era menor o encanto que
se a po derava daquella alma já tão gran de , oos
s e u s verdes annos.
Foi grande a impress ão , que a empolgou, quan­
do o viu pela p r ime ira vez. G raciosa com o um
anjo, e lla se deteve, quasi extatica, a contemplar a
m assa liquida, turnultuante, que ia esconder seus li­
mites alem do horizonte curvo que ella divisava.
Sua phantasia já desenvolvida, sentiu-se enteada,
pois não cuidara que fosse tão solemne o mar, do
qual ouvira fallar tantas vezes. A areia da praia,
as ondas espumantes, o marulhar das aguas, tudo
eram encantos pa ra quem sabia tão bem apanhar
os elementos da magnificencia da nature za . ,

Outra vez Terezinha foi ver o mar na hora


do o ccaso. As ag uas tomam, nesse instante, novo
aspecto e a po es ir,, que nunca abandona as pai­
zagens marinhas, assume um caracter mais solem­
ne e grave.
Ao lado de uma de suas irmãs e!la se embe-
:<A?\TA TEHI:ZI:-;IJA

vcscia no grandioso daquella hora. A irmã piedo­


samente lhe chamou a attenção para a esteira de
luz que o sol, por despedida, estende sobre o mar,
comparando o caminho da graça a essa esteira bri­
lhante Terezinha que passava sempre das creaturas
ao creador, dos encantos naturaes ás graças so­
brenaturaes, i maginou ver seu co:-ação á maneira
de um barco a velejar pela trajectoria de luz que
o olhar do seu Jesus lhe traçava na vida. Do seu
passeio á praia, da visão de um sol agonizante
sobre as ondas, tirou ella o proposito de não per­
der jamais a estrada luminosa que a graça lhe
havia aberto.

Os beneficios occulfos
Entre os não muitos que reconhecem os be­
neficios de Deus e erguem as mãos e m acção de
graças, poucos são os que agradecem os favores
desconhecidos. Favores desconhecidos! E quaes são
elles?
Não é tão raro ver-se o enfermo restabelecido
agradecer a Deus. Mas de quantos não afasta Nossc
Senhor crueis .enfermidades sem receber o minimo
agradecimento?
Perde-se um objecto, depois de muito pro�u­
rar, faz-se uma promessa.
O objecto é encontrado e a gratidão se ma­
nifesta. Si porém a Providencia afasta a causa que
nos ia destruir esse objecto, não sabemos agradecer
o favor desconhecido.
Pl�TALA8 DE HOf'.�

Terezinha era uma alma cheia de gratidão.


Exprime-se ella, nest·e assumpto, com a facilidade
que lhe é propria ao es tyl o . Suppõe um me di co
que acode a soccorrer o filho que tro peçára em
uma pedra e na q ued a se ferira. As solicitudes do
pae revelam grande carinho para com o filho. Si,
po ré m , esse pae, com grande amor previdente, sem
o filho saber, o precedess·e no c a m inho e removesse
a pe dra , de quanto amor não daria prova e de
quanta gratidão não seria d igno?
Assim reflectia a uossa Santinha, quando me­
ditava na bondade de Deus para com ella.
Dizia q ue nem Maria Magdal ena devia ser tão
reconhecida quanto ella para com Deus que a pre­
venira com profusão de bens.
Depois de assim concl uir, transbordava sua al­
ma de reconhecimento e amor. Dahi todo a q uel le
empenho em não permittir o desvio de uma só
parcella do seu amor para as c reat ura s ; julgava-o
tão pouco para De us que não conse n tia se rlefrau­
dasse de um só affecto ao Senhor abs ol uto de
seu coração. Os favores desconhecidos, ella os en­
contrava na reflexão e na te rn ura de sua alma sa­
turada de gratidão. Os que vivem longe de si
mesmos não podem entender o coração de Tere­
zinha a quem as dissip�ções do seculo não per­
tu rbavam o recolhimento e vida interior.
Contava a nossa santinha um sonho, que tivera,
nos seus tenros annos. Passeava, a sós, no jardim
quando a vista ao pé de uma barrica dous diabinhos.
Tinham elles os pés chumbados: não obstante, sal­
tavam e davam taes pinotes que era uma maravilha.
Tinham olhos de braza. Terezinha, porém, não se
amedrontou, porque os viu tomados de terror na
presença della. Sentiu-se
· superior a elles pela inno-.
cencia . de sua alma. Os diabrêtes parecem querer
occultar-se na barrica onde se mettem, mas logo
escapam não se sabe por onde, correm e vão met­
ter-se em um quarto que dava uma janella para o
jardim. A menina chega-se á janella e vê os dous
fugitivos ainda apavorados a saltar pelos moveis
em busca de um esconderijo. E voltam sempre a
espreitar, para se certificarem si já estão livres da­
quelles olhos que os atormentavam com a magestade
de sua innocencia.
Terezinha não deu ao sonho mais importancia
do que os sonhos merecem. No entanto tirava para
seu uso, uma consequencia muito verdadeira e pra­
tica: a consciencia que está bem com Deus não
deve ter mêdo dos demonios: elles são uns covardes.
E assim pnocedeu sempre: nunca se aviltou
em face dos poderes infemaes: tinha a certeza de
que Deus é a força dos que estão com elle. Os
que se acham sós, porque se distanciaram de Deus,
para esses o temor dos demonios é justíssimo:
elles são tão forte
· s para com os desamparados
w
. PJ<:TALAS DE IWSA

de Deus, oomo cobardes diante d-os puros de cons­


ciencia.
Como é beUo o espectaculo de uma creança can­
dida a fazer debandar espavorido todo um bando
de espíritos ferozes!

.J'Il"'a piedosa
. Alguntas v ezes as grandes graças de Deus veem
·
como vehiculadas por grandes golpes um forte
-

revez, um de sastre. Dá-se, porém, o caso, não mui­


to raro na vida dos Santos, de uma grande graça
surgir em circumstancias muito communs.
Conta a nossa santinha . que n9 fechar seu livro
de reza, uma estampa de Jesus Crucificado fugiu
um tanto para fóra das paginas, de sorte que f.icou
á vista urna das mãos do Crucificado a derramar
sangue.
Quantas vezes não teria contemplado Terezinha
a sua estampa,· quantos beijos não teria alli depo­
sitado? Mas desta vez aquella mão a sangrar cau­
sou-lhe urna impressão toda nova. Sentiu que uma
ternura insolita lhe havia penetrado- na alma.
Parecia-lhe que todo aquelle sangue a fluir da
m ão divina não. se devia mais perder, que ella devia
tomar a seu cuidado de recolher o sangue redeimptor
para em seguida regar com elle as almas.
I >ois grandes amores cresceram então veloz·
nwute no coração de Terezinha - o amôr a Jesus
ngonlzonte e o amor ás almas peccadoras. Quanto
ck•t!Jnvu ella então consÕlar ao seu Divino Se nhor
31

tão maltratado pelo homem! Quanto ambicionava


remir a humanidade tom o sangue do resgate que
descia da cruz!
Quando uma alma se acha, como a da nossa
santinha, toda voltada para o ideal da perfeição,
tudo é impulso para a santidade. O mais vulgar dos
acontecimentos, despercebido de tantos, pode in­
flammar em grande amor divino essa alma se­
quiosa de crescer sempre diante do Senhor.
Assim é que se avantaja Terezinha, cada dia,
entre as ordinarias circumstancias de sua vida sim­
ples e commum.

J)om inio sobre si


Aps dez annos de edade tinha ella um
grande desejo de apprender a desenhar. Ouvindo
que seu pae ia providenciar para que Celina ti­
vesse licção de pintura, teve grande desejo de re­
cebei-as; tambem ella gostaria de apprender o de­
senho.
Era o momento asado para Terezinha mani­
festar seu grande desejo e talvez sua grande in­
clinação por essa arte. Mas a irmã mais velha
observou que Terezinha não tinha as aptidões de
Celina. E aquella creança de dez annos teve mão
em si de tal maneira que nada disse. Immolou ao
seu Jesus a aspiração que sentiu tão viva dentro
do peito. Dez annos mais tarde Terezinha contava
ingenuamente o epizodio de sua infancia, admiran­
do-se de ter tido tanta força para cohibir seu de-
s ejo . E d evi a ser gra nde a sua inclinação para a
p in tura, pois suas irmãs de habito, sendo ella já
carme l ita , admiraram varios trabalhos do seu pin·
cel. E foi sempre tão fo rte T e re zinh a em se do­
minar, que nunca q ui z pedir a Deus talentos na­
turaes <:orno g ran d es habilidades para as bellas ar­
tes, a pe za r do grande gosto que tinha por ellas.
Estas victorias intimas s;1o verdadeiros h e ro i s ·
mos que por vezes excedem aos maiores feitos dos
grandes conquistadores.

j)revisao ?
Com e n tr a n ha do affecto sentia-se Terezinha pre-
za ao s eu o ptimo pae. Elle pa ra ella e ra tudo. Sua
aleg ria s e es pra i a va em mil carícias quando o ve­
nerando ancião cheg a va de uma vi a gem, mesmo
de brev·e ausencia. Era uma fe� ta para ella o s im­
ples entrete r-se com seu es tremo so pae, quando re­
gressava do . collegio onde passava o d i a . E de
tanta veneração era pe netrad o aquelle amor filial
que T�rezinha considerava seu que rid o pae um ho·
mem sem defeitos. Apezar da convivencia nunca
ella acaba de admirar as vi rtu d es paternas.
Um dia, conta ella, deu-se um caso singular.
Achava-se na janella que se abria para o seu
jardim, em Buissonnets, e seu pae estava em Alcn­
çon. Pois bem, ella viu s·eu amado proge n itor a tra ·

vessa r o jardim, mas muito al qu eb ra do . Assustou·


se, chamou por elle em brados afflictivos: COI'I'l�lll
pr ess u ros as suas innãs que não e ntc u d em a 1 a ''10
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Santa Tcresinlta no dia da sua pl"i meira
Communhão aos - tl annos �

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
SAI\'1:,-1. TEREZINHA 33

do sobresalto de Terezinha. Foram verificar si al­


guma pessôa havia atravessado o jardim, mas cer­
tificaram-se do contrario. Tudo fizeram as boas ir­
mãs de Terezinha por persuadiC-a de que fôra tudo
uma illusão ; ella porém, nunca se pôde convencer
de que tiv. e sse sido victima de qualquer engano.
Convenceu-se pelo contrario, intimamente, de que
o Senhor lhe dava a conhecer as provações a u­
gustiosas por que devia passar o extremecido pae.
Escoaram-se varias annos e as tribulações mais
amargas fizeram do admiravel sr. Martin um homem
victima.
A filha dedicadissima confortou-o com suas pre­
ces ardentes. E o homem acurvado sob o peso
das afflicções que passára diante de seus olhos
infantis, ella o viu mais tarde em toda a realidade
dos seus padecimentos.

eremitas
Maria era o nome de uma prima de Terezi­
nha a quem ella dedicava grande amizade. As idéas
religiosas eram as mesmas nas duas angelicas crean­
ças. Ambas fervorosas, combinaram entre si um
genero de vida austero á imitação dos anacho­
retas. Construiram uma pobr.e cella no quintal da
casa, cultivavam alli uma pequena horta e naquella
solidão, serviapt a Deus pela penitencia e pela con­
templação. A vida dos hero i cos solitarios tinha in­
flammado aquelles dous coraçõesinhos ·no desejo
de servi r a Deus pelo sacrificio e pela oração.
34 PETALAS DE ROSA

Alternavam-se os dous «anacho11etas» no amanho


da terra e na prece. O silencio era observado com
rigor, não só na cella como nas ruas da cidade,
quando tinham de percorrei-as.
Como era, entretanto, natural, cahi.am os «so­
litarios» em extravagancias só explicaveis nos lim ites
dos tenros annos dos «penitentes». Terezinha mes­
ma conta um desses interessantes casos. Diz que
um dia, quando iam pela rua, teve a idéa de fechar
os olhos para imitar a modestia dos solitarios.
Maria se prestava para ser-lhe guia. M as esta quiz
tambem caminhar de olhos fechados e lá se iam
ambas, ás cégas. Não tardou a succeder o que todos
podiam prever : batem contra uns caixotes que se
achavam na porta de uma casa de comm�rcio e
os derrubam. O negociante as repr,ehende zangado,
a creada que as acompanhava tambem se zanga
e as duas -e�touvadinhas apressam-se em desap­
parecer.

. ...

Ha em tudo isto um mixto de piedade e inge­


nuidade ; ha energias p recoces, ha poesia, ha muito
que admirar.
Aquellas duas alminhas deviam ser talhadas
para grandes heroismos. De facto, Maria mais tarde
se consagrou a Deus e deixou bellos exemplos
de santidade e Terezinha veiu a ser. . . Tere:tinha.
::>A::\TA TEHEZI�HA 35
----- ------------------------------- ��--

fi j)ri"7eira Commuqhão
O dia da Primeira Communhão é uma ephe-
1111'1 ide
de ouro na vida de um christão.
Quando houve diligente empenho na p repara­
t,;u' da alma para a solemnidade do seu primeiro
t:unmtro com o seu C reador - aqudle dia assignala
11111 marco brilhante na existencia, que, a partir
d'alli, assume um caracter novo .

.....

A' creança admiravel que era Terezinha, além


<.ia intellig· e ncia aberta para as causas de Deus,
não faltavam os melhores cuidados de suas mestras
e de sua irmã mais velha. Tudo cooperou para
que sua Primeira Communhão fosse um aconteci­
mento solemnissimo em sua vida. Ella mesma dizia
que, a seu ver, não podiam ser melhores as dis­
posições de seu espirito para o grande acto.
Tudo, naquelle dia, tinha um sabôr particular
para ella que era toda desvelos no apparelhar de;�
vidamente seu coração. Os ultimas dias que pre­
cederam a Communhão foram dias de retiro es­
piritual. Nesses dias ·ella se internou no Collegio
que frequentava e foram cheios esses dias. Quan­
to amor não accumulou a admiravel creança para
hospedar seu Deus!
Um encanto novo vestia as causas, e as sce­
nas da grande solemnidade estampavam-se inde­
levelmente em sua tenra e candida alma.
PETALAS DE ROSA

As lagrimas que lhe regaram as faces no mo­


mento em que seu Deus a estreitou de encontro
ao coração Divino - foram a ineffavel linguagem
de sua ternura. «Tereza desappareceu como gotta
d'agua que se perde no Oceano immenso ; só Jesus
restava - seu Senhor e seu Rei !» - escreve ella
mesma. Longo tempo· havia esperado ·esse mo­
mento venturoso que devia ser portador para sua
alma de thesouros incstimaveis. Suas m edidas es­
tavam cheias. Na terra, não esperava maior ven­
tura, porque sua fé illuminada fazia-lhe ver seu
Jesus na Hostia Santa.

Seu unico encanfo


As doçuras celestes enchem, saturam o cora­
ção, mas despertam s empre maior avidez. E' pre­
cisamente o contrario do que se dá com os bens
terrenos.
A Divina Eucharistia produz sempre maior de­
sejo nas almas que a recebem - desejo de novas
communhões.
. ......

Terezinha depois da sua Primeira Communhão


recebeu graciosos m imos dos seus queridos. Guar­
dou-()s com carinho, mas não .satisfaziam mais a
seu coração os bens da terra. Ella tinha saboreado
o Manjar Celeste e n ão podia mais viver sem
essas puríssimas delicias.
t;ANTA TEREZI::\HA 37

Passaram mais alguns dias e lhe foi dado fazer


a segunda Communhão. Renovaram-s� dentro de sua
alma as affeições purissimas e ardentes do dia da
Primeira Communhão. Era-lhe grato repetir : «Eu
vivo mas quem vive n ão sou eu, é Jesus que vive
em mim». Não se extinguiu a s êde de Jesus que
já lhe abrasava toda a alma.
Pelo contrario, crescia sempre o amor que de­
via empolga r completamente a sua vida.
Sem pre que lhe era permittido, ia Terezinha
toda festiva receber a Divina Eucharistia que se tor­
nou a razão de ser da sua vida. Os espaços que,
máu grado seu, se interpunham entre uma e outra
Communhão, ella os enchia de piedosos desejos e
vivos affectos para apressar, si possivel fosse, a
nova Communhão. Os bens terrenos ella os espe­
zinhava repetindo as palavras da Imitação de Chris­
to : «0' meu Jesus, doçura ineffavel, convertei-me
em amargor todas as consolações terrenas». Co­
meço u por desprender-se das causas e das pessoas,
para depois renunciar-se a si mesma. Depois, como
é natural, deu-se ao amor do soffrim ento, aspi­
rando com todas as véras de sua grande alma, á
cruz. Estava já correndo a todo panno para as re­
giões purissimas da perfeição christã.

Viàa eucqarisfico
A alma toda d e candura, gratidão e fé, com
certeza, é profundamente amante da Eucharistia.
Quem con hece a delicadeza dos sentimentos de Te-
PETALAS DE ROSA

rezinha, a alvura de sua alma, a v1sao clara que


ella tinha das cousas de Deus - affirmará sem
receio : era amicíssima de Jesus Eucharistico. De
facto, desde os arroubos da Primeira Communhão
o amor ao Deus do Amor nutriu-se sempre dentro
da alma candida da privilegiada m enina. A vida
eucharistica a encantava. A guiar-se pelos seus de·
5ejos, diariamente lá estaria á Mesa Santa, posto
que então ainda não estiv·e sse, como hoje, resta­
belecido o costume das communhões quotidianas.
Toda a vez que lhe e ra concedida a licença,
ia ella pressurosa acolher em sua alma saudosa
ao seu J esus. Não ousava entretant-o pedir licença
para commungar mais frequentemente. Mais tarde
alludindo a esta maneira de proceder, assim se
expressa ella mesma : «Hoje, porém, já eu não p ro ­
cederia assim ; estou persuadida de que a s almas
devem fazer scientes seus directores de que se sen­
tem irn pellidas a receberem ao seu Deus. Não é
para lá · ficar dentro da ambula de ouro que Jesus
desce do céo diariamente} mas sim para encon­
trar outro céo,� o céo da nossa alma onde tanto
se delícia».
] esus é o grande amigo das almas candidas
como a de Terezinha. Elle se faz o encanto, a preoc­
cupação, a vida dessas almas. E tanto mais se deixa
amar por ellas, quanto mais se esmeram em viver
com Elle e por Elle.
·

Veremos, em breve, Terezinha de todo absorta


nos enlevos da vida eucharistica.
t;A-;TA T I·:Hl'Z ll\ll.\ 39

fi Confir"lação
O Sacramento da Confirmação o u Chrisma por
poucos é apreciado como o deveria ser. Elle mili­
tariza os christãos para a cruzada santa da nossa
fé. O Divino Espirito derrama seus favores sobre
a alma que recebe esse augusto sacramento.
A fé se consolida na alma, a robustece e con­
forta e a arma, de ponto em bran co, para a s pu­
gnas da salvação.
* * *

Com Terezinha n ão se deu o m e s m o q u e s e


tem dado com tantos que desconhecem por Cl l l l l p l eto
o valor da Confirmação. Ella se preparou l'ol l l t• s ­
mero, n o s ilencio e n a oração, para o seu 1 '1· u k ­
costes. Fez ·exercidos espirituaes prolong a d "" e
aguardou a onda da graça que o Divino < :o u s o ­
lador ia fazer passar sobre a sua alma. Procurou
reter a maior porção possível dessa innundaçiio d e
favores, e desse dia po r diante se sentiu mais.
disposta a luctar e soffrer.

•••

Quando virmos, mais tarde, a nossa santinha


enfrentar com denodo as asperezas da vida, quan­
do a encontrarmos tão afoita a galgar o Calvario,
quando contemplarmos seu sorriso entre as tempes­
tades que lhe não faltarão - saibamos que o s•ei·
grcdo <I� tanta resistencia está nessa energia que
PETALAS DE ROSA

profusamente ella recolheu no dia da sua Confir­


mação.
A s êde da perfeição, o zelo ardente pela sal­
vação das almas, a constancia invicta no cumpri­
mento dos dev.eres, a serenidade nos momentos mais
afflictos da existencia - tudo é explicavel numa
alma em que o Espirito Santo habita com a ri queza
dos seus dons. O Deus Santificador vae lapidar com
esme ro a alma forte de Terezinha para que nella
brilhem os mimos da sua munificencia.

é) sorriso ela Virgem


A enfermidade que se apoderou de Terezinha,
pelos nove ou dez annos de sua edade, foi um do­
loroso soffrimento para toda a familia. Seu extre­
moso pae passou longos mezes de amargura, vendo
definhar sua dilectissima filha. Suas i rm ãs amoro­
sas tiveram larga parte nessa provação prolonga­
da. E ella mesma, a mesma creança, soffria como
enferma e como causadora involuntaria das angus­
tias dos seus queridos.
Mas aquella enfermidade, nos designios d e
Deus, n ão era de morte, era apenas para fazer
brilhar mais uma vez a sua bondade.
Certo dia, Terezinha, chegou a desconhecer a
sua i rmã mais velha - Maria. Este symptoma cons­
ternador, parecia denunciar recrudescimento da en­
fermidade.
Esta i rmã a quem Terezinha amava extremeci­
damente e de quem era egualmente querida, soffreu
to:A:\TA TEREZIKHA 41

immcuso com este novo phenomeno da molestia


da irmãzinha.
Ajoelhou-se ao pé do leito da doente, outras
duas irmãs fizeram o mesmo e dirigindo-se á ima­
gem de N. Senhora das Victorias, que alli se achava,
rogaram pela maninha enferma. Então diz Terezi­
nha : «Animou-se de subi to a estatua ! A Virgem Ma­
ria assumiu um aspecto, tão b ello, mas tão bello,
que ainda não achei modos de des erever essa divina!
belleza . . . mas o que se me gravou na alma, pro­
fundamente, foi seu sorriso arrebatador. . . A Vir­
gem Santíssima adeantou-se para mim ; sorriu-me.>>
Foi uma grande graça. Ella a attribuiu á oração
de Maria sua i rmã.
Nunca mais se cancellou da memoria da pri­
vilegiada creança o extraordinario favor.

Um re"lorso
A cura miraculosa de Terezinha não a im­
pressionou tanto como a visão esplendida da SS.
Virgem. Essa apparição innundou de alegria a sua
alma, até então acabrunhada pela enfermidade. Ti­
nha ella o proposito de guardar segredo sobre o
que tinha visto. Mas sua irmã Maria tinha obser­
vado que qualquer cousa se tinha passado de sobre­
natural no momento da cura, aos olhos da irmãsinha.
Seu rosto se tinha transformado, seus olhos
fitos na imagem pareciam ver algo de celestial.
Quando as duas irmãs ficaram a sós, ás perguntas
insistentes de Maria o segredo de Terezinha se
PETALAS DE HOSA

revelou. A irmã commovida pediu-lhe licença para


contar ás Religiosas do Carmello o que se tinha
passado -· Terezinha não poude recusar.
E as Religiosas que admiravam a candura da
alma daquella m en ina, ao ouvirem o que se dizia
da visão e da cura m i raculosa, quizeram conhecer
os porm enores rodos da apparição. Quantas per­
guntas a Terezinha !
E ella satisfez á justa curiosidade das Car­
mellltas.
Mas. . . uma rspcci c de remorso começou a
angustiar a consciencia delicadíssima da creança.
Parecia-lhe que as Religiosas faziam della ou da
graça obtida um conceito muito elevado. Parecia­
lhe que não devia ter revelado o seu segredo.
Parecia-lhe emfim que não tinha feito bem. . . Du­
rou annos o desgosto i ntimo de Terezinha. Mas
julgou e lia mesma providencial essa tristeza ; por­
que, dizia, de outra forma a vaidade se teria insi­
nuado em seu coração.

3elo

Era Terezinha m uito nova quando sentiu o de­


sejo de fazer o bem mas em grande escala. Ella
n ão tinha nascido para m ediocridades. Nem a ge­
nerosidade do seu coração se compadecia com limites
estreitos em se tratando de dar gloria a Deus e
amparo ás almas indigentes.
43

* * "'

T cvc occasião d.e dar seus primeiros passos no


apostolado activo, pouco tempo antes de emprehen­
llcr sua romaria á Cidade Eterna. Travou relações
com duas creanças pelas quaes tomou grande inte­
resse, por vel-as talvez um tanto desamparadas,
pois tinham a mãe enferma. Com que caridosos des­
velos a nossa Santinha se insinuou naquelles dois
coraçõesinhos, afim de encaminhal-os para N. Se­
nhor!
Revelou singular criterio pedagogico e conse­
guiu grande ascendente s obre as pequenas que lhe
criaram grande amizade.
·
Para mostrar a influencia maravilhosa que a
religião exerce mesmo nas creancinhas, ella nos
conta seus expedientes. O m esmo resultado que s e
consegue com presentear a creança com doces. e bo­
necas . afim de lhe corrigir os caprichos, conseguiu--o
Terezinha com lembrar-lhes o céó-recompensa da
·
creança bôasinha. Ella mesma se admirava da do­
cilidade com que as creancinhas s é rendiam ás suas
razões inspiradas na fé. De facto a crença não
sabe offerecer resistencia ao sobrenatural, porque a
.,mtureza humana, posto que desviada pela culpa ori­
ginal, readquire pelo baptismó uma disposição admi­
ravel para as inspirações da fé. Cumpre reconhecer
que a palavra de Terezinha devia ter uma efficada
particular para insinuar, nos corações innocentes
como o della, as luzes que em borbotões lhe bro­
tavam n'alma, ·. de dia para dia.
PETALAS DE ROSA

Vicfi"la esconõiiJa
Pelos 1 2 annos de edade, T'e rezinha era uma
alma sensibilíssima. Ella mesma diz que derramava
lagrimas com extrema facilidade. A's vezes depois
de ter chorado por causa insignificante, chorava no­
vamente lembrando-se de que tinha derramado la­
grimas á tôa. Isto nos revela a delicadeza dessa
alma e sua propensão para soffrer. Um coração
assim impressionavcl padeoe pelas provações pro­
prias e alheias ; padece pelas recordações dolorosas
do passado .e pelas previsões afflictivas do fu­
turo. Ora, as penas do present·e já s ão numerosas ;
por que juntar-lhe tantas outras ? Mas s i o soffri­
mento é precioso, porque •estancar as duas fontes
do passado e do futuro ?
Terezinha estava na via da cruz e sabia tirar
proveito das amarguras para as suas ascenções.
Mais tarde sua natureza adquiriu uma resisten­
cia formidavel e extraordinaria capacidade de soffrer.
As pequenas impressões não terão mais força
de a abalar. Saberá passar por sobre provações
communs sem se abater, e assim se tornará capaz
de fortes afflicções.
Pouco e pouco, Deus vae preparando essa vi­
ctima que na sua simplicidade supportará um gráu
heroico de sacrifício - sacrifício coberto de flores
e sorrisos, mas perfeitamente real.
Grande parte desse holocausto foge totalmente
á observação - é todo intimo e sem manifestação
alguma exterior. Nem ha necessidade de que a dor
S A I" T A TEREZI'S'HA 45

se ma nifeste sangrenta ou soluçante para ser ver­


llallci ra e intensa. Ha victimas interiores, talvez
muito mais heroicas do que outras que visivelmente
se immolam com patente externação do que sof­
frem . Terezinha foi uma grande victima escondida.

fiqceios apostolicos
Como é bello o apostolado !
As almas-apostolos como s ão grandes ! Não
querem o céo para si unicamente : querem-no para
outros tambem, para muitos, para todos. Cultivam
a virtude no proprio coração, e, com egual empenho,
tentam cultivai-a no terreno alheio. Amam a Deus
e querem vel-o amado tambem dos outros. A ca­
ridade faz dcsapparecer o limite individual : o in­
teresse geral, o bem das almas, o amor de Deus
é a preoccupação dessas grandes almas .
• • •

Logo que T erezinha reconheceu, na conversão


do bandido Pranzini, um fructo das suas insistentes
orações, n um a convicção de maternidade espiritual,
rasgou-se-lhe aos olhos um horizonte novo. Sentiu
a vocação do apostolo. Percebeu que o programma
do seu zelo era de uma vastidão incommensuravel
teve sêde insaciavel de almas.
O pedido de Jesus, junto ao po9Q de ] acob
«Dá-me de beber» repetido na cruz : «tenho
sêdeJ> - teve grande significação espiritu;al para ella,
nesse dia que iniciou a phase apostolica de sua vida.
PETALAS DE HOSA
------

Terezinha, no verdor dos seus annos, sente


0.1 ardores dos grandes cruzados espirituaes que
não tinham descanso, não conheciam tregoas, não
comprehendiam um momento de inacção diante do
numero immenso dos que precisam de soccorro ur­
gente, inadiavel para n ão se perderem.
Creança e apostolo ! Tímida menina e çom pla­
nos tão ardimentosos ! Mas é assim : o amor di­
vino a empolgára. Esposou a causa de Deus que
não sabe regatear misericordia.

Um passo áijficil
Terezinha de 14 para 15 annos já era uma alma
forte, varonil. Seus desejos de sacrifício, sua abne­
gação occulta e constante deram-lhe uma tempera
-
robusta.
O mundo n ão devia ser para ella. Sua vontade
andava lá pelas alturas em anocios de perfeição.
Esperava apenas o momento em que se abrissem
para ella as portas do claustro. Uma lucta toda in·
tima, mas renhida, dev·eria, porém, preceder o seu
ingresso na vida religiosa. Duas de suas irmãs mais
velhas já se tinham consagrado a Deus ; mas o
pensamento de dever separar-se de Celina, a irmã
que lhe restava e a quem amava ternamente, lhe
era sobremodo doloroso. Como porém esta irmã
de modo algum se oppunha aos s·eus des·ejos, a
barreira se transporia sem maior demora. O que
se afigurava arduo em extremo a T.erezinha era
·
falar ao pae do seu ideal.
-
-1 /
· -- - - ··-

De uma ternura immensa para com o venerau·


do progenitor, amada tambem com entranhado af­
fecto do venerando ancião - Terezinha estremecia
ao pensa r na simples possibilidade de amargurar
aquelle grande coração.
Preparou-se com fervorosa oração para abor·
dar o assumpto j unto ao pae. No dia de Pente­
costes, colhendo o ensejo mais favoravel em que
o pae estava só, no jardim, ella com lagrimas e com
a voz embargada manifesta-lhe o desejo de entrar
logo, naquelle mesnio anno, para o Carmello . . .

Um pae heroico
já conhecemos de que tempera era a aima
christã do Snr. Martin. Sua dilecta filha Terezinha,
muitas vezes a elle se refere com a veneração com
que se falia de um santo. Quando ella o surprehen­
deu com o pedido de entrar no convento em tão
tenra edade, o ancião que a queria tanto, qu(e
a considerava seu lenitivo na 'lida, que a chamava
sua «pequena rainha» - sentiu-se sacudido por uma
commoção profunda. As lagrimas àeslizaram a fio
pela brancura das s uas barbas, e a voz se lhe de:­
teve na garganta.
Depois com a delicadeza de consciencia de quem
teme contrariar os planos de Deus, ob}ectou-lhe
apenas que era m uito creança ; nada porém lhe
disse que pudess,e prejudicar-lhe a vocação. De­
pois que o venerando pae e a fi lha santa paga ram
PETALAS DE ROSA

o tributo de suas l agrimas á commoção, ella se poz


a defender, com a delicadeza da mais meiga das
filhas, a p ropria causa. E o velho que conhecia
o anjo da sua filha, que era testemunha constante
de suas virtudes .excepcionaes, ouvia o que ella lhe
dizia. Parecia inspirada - e não duvidamos que o
fosse - pelo Espírito Santo, quando perorava a
causa da sua alma. O venerando progenitor , admi­
rava-se da convicção com que lhe fallava aquella
creança e dos argumentos que ella sabia encontrar
para o persuadir. E mediu, com o coração já a
sangrar de saudades, toda a cxtcus:io do sacrifício
que a filha idolatrada lhe pedia, mas em soccorro
das razões que dia lhe apresentava voou a fé ro­
busta que o alentava, sempre que a natureza lhe
ameaçava baquear. E concordou com ella.

Sy"lbolis"los

As causas têm sua ling�agem. E cada um de


nós entende as ·expressões do inconsciente que
nos cerca ao sabor dos seus sentimentos, porque
é sempre através do coração que ouvimos a vóz
das causas.
• • •

A nossa santinha sabia ler admiravelmente no


grande livro dos acontecimentos naturaes. Entendia
tão bem o symbolismo das causas que parecia con­
versar com as flores, com a brisa, com as estrei­
tas do céo.
Santa Tcresinha aos 15 annos e seu venerando pae.

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
SAJS"TA TEREZI:\HA 49

U m dia passeava com s eu idolatrado pae pelo


jardim. Estavam ambos profundamente commovi­
dos, pois ella acabára de confiar-lhe seu ardente de­
sej o de se consagrar a Deus. O bom velho chamou
a attenção da sua «pequena rainha» para uma flores
pequeninas e brancas semelhantes aos lirios e re­
flectiu com ella sobre a grandeza e bondade do
Creador daquellas maravilhas vegetaes.
Notára Ter;e zinha que, ao colher as florinhas,
seu pae as arrancára com raiz e tudo, como si se
destinassem á transplantação.
Ella que se comprazia em chamar-se a «flo­
rinha» de N. Senhor, j ulgou ver-se retratada na­
quella pequenina planta. Tambem ella estava vir­
tualmente arrancada com raiz e tudo do jardim do­
mestico para ser transplantada para o monte do
Carmelo.
Terezinha não perdeu mais de vista a candida
florinha. Affixou-a a uma estampa de N. Senhora,
de fórma que o Menino Jesus parecia scgural-a
com sua m ãosinha. Queria talvez que a «florinha»
viva fosse realmente uma propriedade de Jesus Me­
nino como tambem veiu a significar seu nome «Te­
rezinha do M enino Jesus>>.
Annos mais tarde, notou ella que o hastil da
Horinha se partira, j unto á raiz. E presaga do seu
proximo fim, julgou chegado o tempo de sua vida
romper todos os liames terrenos. E assim foi.
Quanta expressão, sentimento e vida para o u -
so PET AI.AS DE ROSA

tros inexistentes, sabia descobrir Terezinha, no mun­


do inconsciente !

fi vo3 àe �eus
A vocação é um chamamento de Deus. Algumas
vezes .esse chamamento urge tão fortemente que
a alma por elle favorecida sente viva dôr no de,­
morar um só momento em attender á voz do Se­
nhor. E essa voz se faz ouvir no intimo da conscien·
cia. faz-se uuvir em altos brados, insistente, ine·
quivoca, a despeito do ruido atordoador que por
vezes se levanta em derredor da alma .
• • •

Tal foi a vocação de Terezinha. E encontraria


elia obstaculo para voar, sem mais ás alturas da
vida religiosa? Seu pae, optimo christão, conhecedor
dos direitos de Deus, não poz embaraços á von­
tade da filha estremecida.
Mas surgiram esses ·embaraços de parte do
tio de Terezinha. Elle protestou que, sem a inter­
venção de um milagr.e, não deixaria de se oppôr
aos proj ectos da sobrinha. Achava-a muito creança
para dar semelhante passo. A dôr que se apoderou
da nossa santinha foi profunda. Soffreu e orou á
espera dos acontecimentos. Poucos dias se passaram
e foi ella visitar o tio. Quem diria? J á elle não era
mais o adversario que tanto fizera gemer afflicta
a querida sobrinha. Uma transforma.ção radical se
tinha operado nas idéas daquelle homem. Com inef-
SANTA TEREZIJiõHA 5'
------- ------- -- - - - - - . .

favel consolação ouviu-lhe Terezinha estas palavras :


:íQuerida filhinha vae .em paz ; Nosso Senhor te
quer, privilegiada florinha ; não porei obstaculos».
Coração reconhecidissimo, Terezinha desferiu
seu cantico de gratidão á Bondade Divina a qual
desobstruira, tão de p ressa, do primeiro obstaculo
o caminho que estava soffrega por trilhar.
Não foi esse o v.nico e ntrave que a jovem aspi­
rante á vida religiosa encontrou no seu caminho.
As grandes vocações, como a della, defrontaram-se
quasi sempre com innumeros estorvos que n ão con­
seguiram embargar-lhes o passo, mas lhes enri­
queceram as almas de esplendidas palmas de victoria,

T(.ejlexos
Muitas vezes o tempo sombrio ou risonho se
reflecte em nosso temperamento. Nem é para ex­
tranhar que a atmosphera e�erça sua influencia phy­
sica em nosso systema nervoso. Tampouco nos admi­
ramos de que varie a nossa phantasia quando o
céo carregado de nuvens densas passa a sorrir-nos
com a limpidez de sua face tão bella.
Que se dê o inverso é que se não concebe.
A tristeza de nossa alma não póde fazer chorar a
natureza ; nem as nossas alegrias intimas podt•m
tornar o céo sereno e azul.
• • •

Com Terezinha dava-se o caso singular t h- " ' ' '11


pre ou quasi sempre coincidir a natureza j r i o. h • n h a
52
________ P_
_____E'_
rA_L_
A_S_I_
JE_
, _
H,o
__�' A
___________

ou festiva com as magoas ou consolações do seu


intimo. E' o que se nota em sua vida ou melhor
é o que ella mesma nota « . em todas as circums­
. .

tancias da minha existencia era a natureza o espelho


da minha alma. Quando eu chora'a tambem o
céo chorava ; quando eu me sentia alegre nem uma
nuvem vinha manchar o azul do céo».
• • •

Radiante de contentamento ella mergulhou no


céo azul e luminoso seu olha r de gratidão, quando
viu desfazer-se o primeiro obstaculo á sua entrada
n o Carmelo. Dahi a pouco seus olhos choveram
grandes lagrimas, emquanto o céo chorava copiosa·
mente, ao surgir o Begundo obstaculo á realização
do seu ideal . O Superior do Carmelo não quiz per·
mittir a acceitação de Terezinha no convento.
Quanto chorar ! Grande montanha parecia ter-s6
deslocado para a estrada que devia levar Terezi·
nha ao suspirado Monte em que ella reconhecia
o seu Thabôr.
E o tempo chorou com ella longamente.

Um raio ele esperaqça


Quando o Superior do Carmello r·ecusou annuir
ao pedido de T,erezinha de entrar no convento,
porque era muito nova, deixou-lhe comtudo uma
possibilidade a tentar. Disse elle : « com tudo sou
• . .

apenas delegado do Sr. Bispo : si elle dér autoriza·


ção, nada tenho que oppôr».
Tcrezinha, debulhada em lagrimas, lobrigou esse
raio de esperança. Seu amorosíssimo pae tudo fez
para consolar a filha e disse-lhe que a acompanharia
ao paiacio do bispo, em Bayeux.

• • •

Mezes depois e ntravam pae e filha no palacio


episcopal. Ella teve que se haver com uma relu­
tancia enorme, po rque, extremamente timida, pa­
recia-lhe difficilimo perorar sua causa j unto ao bis­
po que ia entrevistar, pela p rimeira vez na vida.
Mas para conseguir seu ideal ella teria superado
qualquer difficuldade.
Era entretanto tão forte a commoção da nossa
santinha que lhe saltavam as lagrimas. Pelo que
lhe disse o Vigario Geral com quem se encontrára
ao entrar no palacio : « Que vej o ? diamantes ? . . . Não
vá mostrai-os ao Sr. Bispo !»

€m .!Jageuz
Terezinha foi apresentada ao Diocesano que
fez questão de que ella se sentasse em uma SQ.o
lemne poltrona onde se sentiu muito confusa ; mas
obedeceu.
Seu venerando pae que, suppunha ella, se en­
carregaria de expôr ao Bispo o fim daquella visita,
deu-lhe a palavra a ella que já se sentia tão emba­
raçada. Mas, num ,esforço supremo, se desvinci­
lha do seu constrangimento e expõe quanto de­
sejava, fundamentando suas razões.
.'\4 P ET A LA S ])]<; I:Of'A

Então ha m uito tempo que deseja entrar no


Cannelo ? - pergunta o Prelado.
Muito, muitissimo !
- Mas a quinze annos não chegará - pon­
dera o Vigario Geral.
- Ah ! Isto não ; mas não falta m uito, porqu;e
desde a edade de tres annos que aspiro á ventura
de me consagrar a Deus.

E o dialogo proseguiu.
Emquanto Tcrczinha pugnava pelas suas aspi­
rações de consagrar-se a Deus, diante do Exmo.
Bispo de Bayeux, o sr. Martin a ouvia, commovido
pelo ardor com que a filha falava. Afinal ell e
intervém para advogar o i nteresse da sua filha
contra os proprios interesses.
Elle a amava com extremos e faria o maior
dos sacrificios quando a entregasse a Deus ; mas vi­
sando apenas a felicidade della que sabia não ter
nascido para este mundo sordido - n ão d uvidou
auxiliai-a.
Admirou-se o Bispo de tanta m agnanimidaàe
paterna.
O resultado final foi prometter o Bispo enten­
der-se - com o Superior .do Carmello para chegarem
a uma decisão. Para Terezinha foi cruel esse final,
p9 is ella já sabia que o · superior do Carmello não
lhe tinha sido favoravel. Não se pôde conter. Ape­
zar da recommendação feita pelo Vigario Geral de
55
----

que lltio mostrasse os diamantes ao Sr. Bispo, a�


lagrirnas rolaram-lhe a granel. Tudo fez o bom
Prelado para consolar aquella alma que elle acabava
de alancear sem suppôr talvez que a martyrizava
tanto. foi prodigo em palavras de conforto, con­
vidou o velho pae a acompanhai-o com a filha até
ao jardim, fez votos para que a viagem projectada
a Roma a confirmasse na santa vocação que ella
sentia tão forte dentro de si, prometteu mandar­
lhe urna ultima palavra para a Italia.
Quando ouviu do sr. Martin que a filha tinha,
naquelle dia, penteado os cabellos de maneira a pa­
recer mais velha, achou-lhe immensa graça. E mais
tarde o Prelado lembrava com frequencia o episo­
dio do penteado que o fizera rir tanto. O Vigario
Geral quando acompanhou os visitantes que se
despediam, conf·e ssou que nunca vira um pae tão
generoso em dar a Deus o seu thesouro, nem uma
donzella tão pressurosa para se consagrar a N.
Senhor.

fimou muito
A medida do amor é amar sem medida - foi
escripto.
Pelos quinze annos de edade, já Terezinha não
queria outra medida para seu amor a Deus.
Quanto o amava ! O coração é um recipiente
de amor. Quando os entulhos terrenos, que são
todas as cousas transitarias, o obstruem, é claro,
o amor de Deus não tem alli entrada. felizes os
que s abem alijar toda a carga inutil dos bens ter­
renos ! Felizes os que, como Terezinha, dão largas
ao amor purissimo de Deus ! Sabemos que muitas
vezes ella se sentia enlevada pelo Summo Bem que
se lhe revelava mais e mais. Transportes de amor
indescriptiveis, abriam aos seus olhos um paraiso
encantador entre as provações que se iam m ulti­
plicando em seu caminho.
A que altura já pairava então essa candida
alma póde calcular-se por esta expressão que lhe
cahiu da penna : «. de boa mente eu me deixaria
. .

ficar no mar de tormentos e blasphemias (o in­


ferno) comtanto que Jesus fosse nelle eternamente
amado».
Ella reconhecia que isso não passava de uma
insensatez, porque Deus vinculou á sua glorificação
a nossa felicidade. Si queremos dar-lhe gloria, ha­
vemos de querer salvar-nos. Mas tal expressão si­
gnificava apenas seu grande desejo d e ver Deus
amado. E o pensamento de que no inferno Elle
não é amado, horrorizou-lhe o terno coração.
Ella ardentemente anceiava por possuir seu uni­
co e Summo Bem, mas, esquecida da sua felicidade
pessoal, olhava para a gloria do seu Deus.
N ão era logica a s ua expressão, mas era alta­
mente significativlJ. E o amor é assim : raciona pou­
co, atira-se cégamente.
Neste ponto, já Terezinha apresenta um traço
de profunda semelhança com as almas que mais
alto levantaram seu vôo na esphera da santidade.
57

O Justo de Jfa�arefh
Os grandes devotos da Virgem Santíssima sen­
tem-se bem de pressa toma d os de grande devoção
para com o grande Santo que lhe foi o esposo.
Justifica-se perfeitamente esse facto. Seria até illo­
gico si não se desse. A Providencia uniu admiravel­
mente as duas existencias de Maria e José. As ale­
grias e os sacrifícios do abençoado lar eram divi­
didos entre cllcs. A commu,nhão de interesses, de
ideas e sentimentos fazia com que vivessem ambos
a mesma vida.
, • • •

Santa Terezinha declara : a minha devoção para


com São José confundia-se desde a minha tenra
edade, com o amor que eu votava á Virgem Santa.
Era, na verdade, a nossa Santinha muito extre­
mosa para com o Venerando Patriarcha.
Inspirava-lhe o Esposo da Virgem Incomparavel
a maior confiança. Sentia-se tão bem sob a pro­
tecção d o Defensor de J esus Menino ! Quando ella
previa que convinha rodear-se de protecção e de­
fesa - volvia os olhos para o grande Santo.
Diariamente rezava a oração que começa :
((São José, pae e protecto r das virgens . . . » E a in­
nocencia de sua l>ella alma já não temia manchar­
se, assim tão bem defendida.
O homem extraordinario suscitado por Deus
para velar pelos thezouros mais ricos do céo e da
terra - Jesus e Maria - para desempenho da sua
P ETAL_-\S l > r: HO,;A

augusta missão recebeu poderes e santidade ines­


timaveis.
Comprehendeu-o Terezinha e quiz que o grande
Patriarcha se valesse desses grandes dons em fa­
vor da sua alma. E não ficou illudida como o não fi­
caram jamais os devotos de S. José.

fipôs a Com"luqhão
Para as almas ricas de fé não ha momentos
mais preciosos, na vida, do que os subsequentes á
Communhik'. A presença de J esus Christo na alma
que recebeu a communhão dura po uco tempo, mas
o valor desse tempo n ão pode ser calculado. Todas
as riquezas imaginarias estão ao alcance de uma
pessoa que tem comsigo o Summo Bem. Si n ão
fosse a palavra do proprio Deus i nfallivel a affir­
mar que elle se dá á alma na Communhão, seria
uma temeridade crer em semelhante possibilidade .

.. ... ..

Como seriam as acções de graças de Santa


Terezinha após a Communhão ? Em primeiro lagar
era seu empenho contentar ao seu Deus e não a
si mesma. Depois considerando sua alma terreno
baldio e cheio de entulhos, pedia á Virgem San­
tíssima que removess·e seus defeitos.
E rogava á mesma Virgem que nesse pobre
terreno, levantasse um pavilhão esplendomso para
albergar o Divino Hospede, adornado de quanta
magnificencia fosse possível.
Depois convidava os anjos e bemaventurados
a cantar dentro d� sua alma os louvores do Deus
que a enchia.
E não contente de consagrar á acção de gra­
ças o tempo que se seguia á Communhão, muitas
vezes em pregava o resto do dia em agradecimento,
sem se impedir porém no cumprimento dos seus
deveres. Jesus Sacramentado e ra o eixo ao redor do
qual lhe gyravam as solicitudes do dia.

j)ec/icação filial
E' u m a nota muito sympathica na vida de S.
T erezinha o extremoso carinho que ella consagrava
a seu pae, aliás mui !Derecedor dos affectos de·
sua querida filha. Durante a viagem que fizeram a
Roma, em devota romaria, manifesta-se mais de
uma vez essa dedicação filial. Estando em Paris,
antes de tomar o comboio, o sr. Martin levou as
filhas á basilica do Coração de J esus de Montmartre
e ahi todas se consagraram ao Divino Coração.
O comboio partiu. Tratou-se então de dar o
nome de um santo a cada carro. A's vezes e ra esco­
lhido o do orago da parochia cujo parocho ia no
carro. Para o carro em que ia Terezinha o director
da peregrinação escolheu o nome de São Martinho,
naturalmente para homenagear ao optimo catholico
sr. Martin. Terezinha muito mais tarde recorda­
va-se com gratidão dessa deferencia para com o seu
excellente pae, pois, talvez mais do que elle, elht
propria se sentiu penhorada pela homcnag-t'lll.
Relembrando as particula riuades dl�ssn l l l l' 'l l l l a
6o

viagem, ella relata quanto se sentiu edificada pela


paciencia de seu pae em fazer gentilezas a um com­
panheiro de caracter difficil e incontentavel.
Essa filha i ncomparavel tinha em seu coração
um affecto immenso pelo seu p rogenitor. Admira­
va-se constantemente das suas virtudes, meditava
as suas palavras e desfazia-se em dedicações para
com elle.
Por isso, muitos annos mais tarde, ainda ella
se referia aos actos virtuosos de que ella mesma
fôra testemunha durante a vida do sr. Martin.
Era o reconhecimento filial que lhe pedia essas
manifestações tão bellas do seu carinho de filha
extremosa e delicadíssima.

ê171 peregrinação
Em companhia de uma i rm ã e do pae, partiu
Terezinha para Roma. Ao chegar em Pariz, quiz
o sr. Martin mostrar ás filhas a grande capital ; quiz
que ellas conheoess·em as obras maravHhosas da
arte e da s ciencia de que a cidade Luz possue gra nde
variedade. Aos quinze annos a phantasia é . forte
e as suggestões do bello são profundamente vivas.
Mas a nossa santinha já exercia grande domínio
sobre si e não pe rdia de vista o ideal da sua vida.
De tudo quanto viu uma unica impressão lhe ficou
a da visita que fc1. a N. Senhora das Victorias.
Cumpre recordar que a imagem de N. Senhora das
Victorias tinha encantos especiaes para Terezinha.
Era a imagem do seu qua rto, a imagem que ella
viu sorrir quando lhe restituiu a saude perdida. Vêl-a
61

agora, e m Pariz, e renovar aquella historia encan­


tadora do sorriso de Maria foi uma e mesma cousa.
A gratidão transbordou do coração de Terezinha.
Passou alli momentos d e vida celeste, fruindo no
seu intimo, consolações indescriptiveis. Ella mesma
confessa : a Virgem Maria, minha Mãe, me disse
claramente que tinha sido ella mesma quem me
curou e sorriu.
Pariz se offu:>cou por completo aos olhos da
nossa santinha. Pa ra que ver mais? Para que bus­
car mais encantos quando já ella tinha delles o co­
ração repleto ? Recebera, alli, graças indizíveis. Não
podia appetecer consolações terrenas.
Uma cousa porém não deixou de pedir insis­
tentemente á sua Mãe Celeste - a ventura de se
poder acolher bem cedo á sombra do seu manto
materno na montanha do Carmello. Era o seu ideal
- não podia esquecei-o nem mesmo entre as ale·
grias daquelles momentos de ventura ultraterrena
ao pé da Virgem Santíssima.

Terezinha foi sempre enthusiasta pelas scenas


poeticas da natureza. Sua alma se inflamma diante
dos grandes quadros que se reproduzem diante de
todos, m as por poucos devidamente apreciados. Al­
ma de escol, sempre prompta a vibrar ao contacto
do bello, povoada de grandes emoções - ella era
uma poetiza nata. Teve a felicidade d e não se d e­
ter na contemplação do bello ephemero que nos
PETALAS DE HOSA

cerca ; quiz chegar á fonte desses encantos - onde


a poesia é eterna e viva .

.. .. ..

Em viagem atravéz da Suissa ella se inebriou


da grandiosidade que de continuo, surprehende a
quem vae contemplando a natureza. Quando ella
toca de leve nessas impressões que colhera ao pas­
sar por essas <;montanhas elevadas de cimos neva­
dos a mcttcr,cm-se pelas nuvens» é visível o es­
forço que faz para deter a penna. Nota-se que de
bom grado ella deixaria sua ardente phantasia re­
produzir os encantos que a tinham extasiado. Mas
refrea-se ; contenta-se com rapidas pinceladas como
esta «mais além um lago immenso de ondas mansas
e puras harmonizando magnificamente suas tintas
azuladas com o ouro do sol que descambava» .

.. .. .

As almas de fé viva são as que melhor sen­


tem a poesia da natureza, porque _a poesia do céo
empresta uns tons ineffavcis ao encanto das causas
terrenas. Ha um reflexo celeste neste mundo cujo
autor é o mesmo autor das maravilhas eternas ;
mas somente ao homem a quem a fé illumina, é/
perceptível esse reflexo ultraterreno.
Assim é que podemos calcular a intensidade de
commoção que possuía a grande alma de Terezinha,
quando o esplendido de uma paisagem a fazia vibrar.
�.1 :\ T ,\ TEHE7.I:\ I J A
-----

�o ma
Roma é um nome magico para os filhos da
Egreja. Residencia do Representante de Jesus Chris­
to, capital do mundo christão - Roma é uma sug­
gestão poderosa ! A Historia Ecclesiastica deve-lhe
os capitulas mais interessantes c, em particular, o
Martyrologio christão, recordando as dez tremen­
das perseguições, vinculou os fastos mais gloriosos
da Egreja á cidade dos Cesares .
• • •

Diz Terezinha que ao chegar seu comboio á


estação romana, ella tinha adormecido, de sorte
que despertou ao grito de «Roma» ! «Roma» !
Podia ella suppôr que fosse um sonho, pois
esse nome tinha para ella a magia empolgante
das grandes evocações. Mas não ; dissipou-se aquella
perplexidade de quem accorda repentinamente, em
sobresalto. Toda calma e na posse de todas as
suas faculdades ella continuou a ouvir : «Roma !»
:�orna !» Sim estava Terezinha na Cidade Eterna,
n 1. capital dos christãos, na Roma de Pedro e de
Leão X I I I, seu successor gloriosamente reinante.
Roma com seus monumentos, com suas ruínas, com
seu Vaticano - essa Roma cheia de lendas, d e
tradicções, cheia d o passado remoto concretizado
em numerosas reliquias, escombros e obras de arte,
era precisamente a que Terezinha penetrava com­
movida. Ella estava apparelhada para sentir o gran­
dioso daquelles primores de artistas e para viver
PETALAS DE HOSA

os dias remotíssimos que as ruínas ciosamente guar­


dam para os que lhes conhecem a origem e a
historia. Sabia que estava pisando um solo calcado
por seculos de civilisação. A mesma poeira que
vinha pousar sobre seus vestidos, merecia-lhe ve­
neração porque sua fé vivíssima recordava-lhe que
o sangue de milhões de martyres se tinha embe­
bido naquelle chão - arena gloriosa dos primeiros
seguidores de Jesus ! A com moção mais salutar em­
balsamou a alma de nos:a Santinha nos dias de
sua permanencia em Roma.

Jfo Vaticano
Governava gloriosamente a Egreja de Jesus
Christo o Santo Padre Leão X I I I quando nossa
Santinha visitou o Vaticano. A espectativa da vi­
sita ao Summo Pontífice fazia Terezinha estreme­
cer. Ella não desejava apenas ver o Papà : queria
falar-lhe, pedir-lhe uma grande graça. Ora, ella
bem sabia que, falar ao Summo Pontífice, em au­
diencia publica, diante da corte pontifícia, óos visi­
tantes todos, era para intimidar a qualquer alma
mesmo pouco ou quasi nada tímida .
• • •

No dia marcado, os peregrinos francezes, entre


os quaes a nossa santinha, foram assistir á missa
que S. Santidade ia celebrar em sua capella. Gra­
varam-se na memoria de Terezi n-tr:( estas palavras
do Evangelho daquella missa : « N ão temais, ó pe-
SANTA TEREZINHA

queno rebanho, pois aprouve ao vos;o Pae dar-vos


o seu Reino». E ella tomou como si lhe fossem
dirigidas á alma essas palavras de conforto, para
o caso particular em que versava. Entendeu que
aquelle «Reino» era o seu Carmelo e então se sen­
tiu tomada de grande confiança.
Ficou Terezinha edificada com a piedade de
Leão XI I I, durante a missa. E convenceu-se ainda
melhor de que elle era mesmo o Santo Padre. Es·
tava elle todo de branco - sotaina e murça e ro­
deavam-no os prelados e dignatarios de accordo
com o ceremonial das grandes audiencias.
Terezinha, com seus olhos cheios de fé, con­
templava toda a solemnidade daquelle recinto que
parecia repleto do sobrenatural.
Quantas vezes sua imaginação havia archite­
ctado o Vaticano, o Papa ! Agora a realidade surgia
diante della ratificando algum<4s das suas imagi­
nações, alterando outras e embebendo-lhe a alma
de uma indefinível impressão de mysticismo. Já
muito havia vibrado essa grande alma, nos dias
anteriores á audiencia, e parecia ter-se tornado ain­
da mais suggestionavel alargando sua capacidade
de sentir e commover-se. Sua entrevista com o
Santo Padre foi realmente um acontecimento de
repercussão sensacional para todo o restante de
sua existencia.
66 PETALAS 11E ROSA

firrôjo
Achavam-se os peregrinos francezes em vasta
sala do Vaticano, na presença do Summo Ponti­
fice Leão XI I I. Passavam todos pelo throno de
sua santidade. Depois do beija-pé, cada qual se
erguia, beijava a mão do Papa, recebia-lhe a ben­
ção e cedia o Jogar a outro. Si algum se detinha
por um instante, um dos guardas pontifícios fa­
zia-lhe signal para sahir.
Ninguem podia dirigir palavra alguma a S.
Santidade. Esta prohibição foi renovada, no mo­
mento, em voz alta.
• • •

Terezinha que fazia parte da peregrinação e


desejava ardentemente chegasse a sua vez de beijar
a mão do Papa para pedir-lhe a graça -- principal
objectivo da sua viagem a Roma - ouviu a pw­
hibição e ficou perplexa. Dirigiu a sua irmã Ce­
lina um olhar de interrogação e a irmã respon­
deu-lhe que falasse.
Tinha a jovem peregrina a alma sacudida por
uma commoção violenta. M arejaram-se..lhe de la­
grimas os · olhos, mas sua coragem não havia suc­
cumbido.
Quando ella at'abou de beijar a mão pontifícia
aventurou :
«Santíssimo Padre, desejo pedir a V. s_ uma
graça importante». Leão X I I I inclinou-3e como para
SANTA TEREZINHA

ver de perto que creança era aquella que se atrevia


a falar-lhe. E Terezinha continuou.
«Em commemoração do Jubileu de V. S. ó
Santíssimo Padre, peço a autorização para entrar
no Carrnelo aos 15 annos !»
Grande impressão reinava entre os romeir->s.
O vigario de Baycux ficou descontente com o atre­
vimento de Terezinha c explicou ao Papa que se
tratava de uma creança a qual desejava entrar no
Carrnelo e que os superiores estavam estudando
o caso. Mas Terezinha insistiu com o Papa para
arrancar-lhe um «Sim». E eUe respondeu : «Pois
não . . . vamos . . . , entrará si fôr da vontade de Deus».
Os guardas nobres já tinham acenado a Tere­
zinha, ella porém não queria levantar-se. Deixava­
se ficar de m2os juntas, apoiadas nos joelhos de
S. Santidade. Afinal foi erguida pelos guardas. O
Papa deu-lhe a mão a beijar, depois a abençoou e
com o olhar a seguiu algum tempo. Teria o Summo
Pontífice divisado no futuro a gloria daquella me­
nina?

fi immolaç6o

Terezinha era de rara penetração. Ainda mui­


to nova, já descortinava largos horizontes e con­
cebia noções profundas das cousas. Parecia que
á luz da sua intelligencia juntava-se uma claridade
superior para a comprehensão de que ella dava
mostras.
68 PETALAS D E HOSA

f.'! * •

Não s e cuide que ella tenha entrado na vida


religiosa de olhos vendados. Sabia muito bem o
o que fazia ; tinha medido :a extensão do sacrifício
que N. Senhor lhe pedia. O sacrifício dos carinhos
domesticas para quem delles sempre fôra o alvo,
ella o sopesou muitas vezes antes de deixar o
mundo.
A liberdade de que todos temos sêde e que se
sacrifica na vida religiosa, foi-lhe motivo de ras­
gos generosos de abnegação.
Os prazeres mais innocentes da vida que en­
tretanto se r.enunciam virtualmente quando se abraça
a vida de clausura, tudo isso foi conscientemente
sacrificado, por Terezinha, antes de sua entrada de­
finitiva no Carmello. Porque ella previu tudo e, não
obstante, marchou resoluta para o monte da sua
immolação.
Eis· como se exprime : «Mais tarde, nas horas
de provação, quando, prisioneira no Carmello, eu
já não puder contemplar mais que uma pequena
nesga do céo. . . a lembrança deste panorama me
dará coragem». Referia-se ao desenrolar dos qua­
dros esplcndidos que a natureza lhe · apresentava
no percurso da sua viagem a Roma. Eram · real­
mente grandiosas as paisagens !
Mais tarde - dizia ella - Elle m e recompen­
sará profusamente estas ,pequena's renuncias.
!;; A NTA TEREZINIIA 6g

j)e(/uenas virfuões
De gottas d'agua se constitue o oceano, de
granulas microscopicos se forma a mole colossal
das montanhas. Ha tambem virtudes que nos assom­
bram pela sua magnitude e se constituíram pela
multiplicação de pequeninos actos virtuosos á ma­
neira de cellulas diminutas ou fibras subtilissimas
na contextura dos gigantes vegetaes.
A montagem desse apparelho de peças deli­
cadissimas, algumas quasi imperceptíveis, foi ad­
miravelmente comprehendida por Terezinha. P·ersua­
dida de que •era uma alma pequenina, incapaz de
grandes causas, deu-se á pratica dos pequenos actos
de virtude. E como nossa vida é uma serie de acções
pequenas e simples, no exercido das pequenas vir­
tudes, praticamente, é que se prova a verdadeira
santidade.
Falando da vida mortificada, que levava, em
preparação á sua consagração a Deus, Terezinha
m anifesta essa admiravel intuição da perfeição chris­
tã, tão mal comprehendida pelos admiradores das
virtudes de apparencia, da santidade chimerica, dos
projectos heroicos, mas que não passam disso.
Eil-a como se exprime : «vida mortificada, mas
não entendo fallar com isso em penitencias de san­
tos ; pois longe de me parecer com as almas de escol,
que desde a infancia praticaram toda sorte de ma­
cerações ; toda me empenhava em governar e que­
brantar a minha vontade, em reprimir uma palavra
de replica, ·em prestar servicinhos aos que con-
PETALAS DE ROSA

viviam commigo, sem lhes dar valor, e em mil


outras coisinhas que taes. Pela pratica desses no­
nadas eu me ia preparando . . . » Quanta sabedoria
e quanta simplicidade !

fiiqcla o amor filial


A proposito da audiencia pontifícia que Tere­
zinha, seu Pae e outros membros da romaria ti­
veram, ella - a piedosa filha do Sr. Martin -
eJ.<pande assim seu amor filial, alguns a nnos mais
tarde.
«0 Revmo. Vigario Geral usoú para com elle
(o s r. Martin) extrema gentileza, apr·esentando-o
a Leão XIII como pae de duas carmellitas. Ejm
signal de particular benevolencia, o Santo Padre
collocou a mão em sua veneranda cabeça, como
para marcai-o com um s ignal mysterioso, em no·
me do mesmo Jesus Christo. Agora que repousa
no céo esse pae, de quatro carmelitas, não é mais
a mão do representante de Jesus que lhe pousa
na fronte a prophetizar-lh e o martyrio ; é a m ão
,
do Esposo das virgens, do Rei do · céo, e nunca
mais a mão divina abandorlará aquella fronte que
ella aureolou de gloria».
Terezinha é sempre a filha amorosa, cheia de
veneração pelo seu virtuoso pae.
•••

Apezar desta consolação e de muitas outras


que lhe deixou a visita ao Vaticano, ao sahir da
71

audiencia, ella chorava copiosas lagrimas. Parecia­


lhe insipido tudo quanto via depois, porque seu
ideal continuava ainda numa nebulosa. Sentia-se sa­
turada de amargura, pois a melhor das suas es ·

peranças que e ra uma resposta decisiva do Papa


-- acabava de falhar.
Comtudo, ella confiava no céo e, no meio de
sua dor, sentia muito calma a consciencia porque
parecia-lhe ter feito o que poude para realisar o
que ella suppunha ser a vontade de Deus. Sua
grande fé lhe inspirava a um tempo, a resig:nal­
ção e a confiança. E assim a preparou Deus para
a grande santidade que no Carmello devia ella con­
quistar gloriosamente.

€/la e Sla. Cecilia


Entre outros fructos que Terezinha conseguiu
em sua peregrinação a Roma - deve contar-se uma
devoção profunda á Santa Cecilia.
Havia pontos de contacto bem accentuados en­
tre essas duas grandes almas e, nessa base, a de­
voção sempre apparece, quando a occasião é favo­
ravel. Com effeito a affinidade, a semelhança, é
uma das fontes do amor.
Santa Cecilia e a nossa Santinha primaram
ambas pelo amor á candura que lhes caracterizam
as almas. O amor virginal, que ambas consagra­
ram ao Esposo Celeste, foi-lhes intenso e incondi­
cional. A m elodia deu azas á Virgem romana para
se manter sempre longe do lôdo deste mundo�
I' ETc\ L A S DE HOSA

a poesia, que é i rmã da arte dos sons, fez a nossa


Santinha pairar muito acima das causas terrenas.
Cantaram ambas a seu modo os mesmos louvo­
res ao Deus do amor.

"' * *

E a amizade espiritual d e T·e rezinha a S . Ce­


cilia teve inicio nas catacumbas de Roma.
Alli a nossa Santinha viveu de algum modo a
vida de Cecili a . Vis itou-lhe a casa, o local de seu
martyrio c o S l'll s e pulcro . Quiz até de certa ma­
neira imita r-l he a s attitudes materiaes quando foi
deitar-se no fu ndo ua sepultura em que jasêra a
Virgem c Martyr. - O amor de Deus em S. Ce­
cilia tinha algo de ml'lodioso, a rrebata dor, ·era como
o enlevo de musica ce le s t e a a rrc b a l a r a candida
donzella. Essa forma de p ie d a de e ra muito sympa­
'
thica a Terezinha. «S. Cecilia é t erezinha quem
-

fala - assemelha-se á Esposa dos cantares, pois


nella se percebe um côro musical no qrraial dos
exercitas (Cant. VII, 1 ) . Ainda mesmo entre as
mais angustiosas provações, sua vida foi sempre
urna melodia, o que não é para extranhar porque
«O sagrado Evangelho lhe repousava sobre o co­
ração» (Officio de S. Cecilia) e ahi descançava
o Esposo das almas virgens». Como S. Cecilia a
nossa Terezinha atravessou a existencia entre as
harmonias que lhe brotavam do coração - orgão
de musica sublime quando dedilhado pela fé.
SAI':TA TEREZ IN I IA . 73

O Coliseu
Entre as ruínas de Roma, o Coliseu desperta
interesse particular aos que vão estudar o passado
mais com olhos de fé do que de sciencia. Desperta
o famoso amphitheatro a recordação dos combates
que a Egreja travou corpo a corpo - si é licitio
expressar-me assim - com o paganismo. E cada
martyr que tombava naquclla a rena, era um trium­
pho mais para a Egreja nascente. Do sangue des­
ses bravos, como sementeira espiritual, surgiam le­
giões de neophytos que, por sua vez, cobriam de
gloria a novel instituição de Jesus Christo .

• • •

Nossa Terezinha, gosou intensamente, em seu


espírito, quando viu, com seus olhos, o theatro
dos heroismos christãos dos primeiros seculos. Sou­
be que uma espessa camada de terra a separava
da verdadeira superfície em que foram immolados
os martyres e dia quiz beijar a mesma terra que
bebêra o sangue dos heróes da fé. Mas Terezinha
quando inflammada pelos des·ejos santos que lhe
inspirava a fé, n ão conhecia obstaculos e chegava
quasi 3 temeridade. Chamou para acompanhai-a a
irmã e metteu-se pelas ruinas, por entre as quaes
encontrou uma descida. Sem o cicerone, sem nada
conhecer daquelles labyrinthos de escombros - não
era pequeno o risco a que se abalançava a corJ­
josa romeira.
74

Afinal, depois de terem descido cerca de oito me­


tros, encontraram as duas irmãs a lapide que mar­
cava a verd�deira superfície da antiga a rena que
tantas vezes foi regada do sangue christão. ((O
coração, escreveu Terezinha, batia-me em sobresalto
quando collei meus labias ao solo que os primeiros
christãos empaparam de sangue ; pedi, nesse mo­
mento, a graça de ser tambem eu martyr de Jesus
Christo e tive um presentirnento intimo de que
m inha oração ia ser attendida». Recolheu umas pe­
drinhas daquelle chão sagrado e poz-se a subir a d if­
ficil rampa, que venceu jubilosa, não porém sem
perigo.

Oufra seme/ha'lça
Santa lgncz era, em muih>s pontos, semelhante
a nossa Santinha, quando esta a visitou em sua
Egreja, em Roma. A suavidade das suas virtudes,
na flor dos annos, a pureza virginal da sua alma­
- lembram o perfil doce e candido da alma de
Terezinha. E a nossa Santinha professa-va devoção
mui sincera á illustre martyr dos primeiros se­
cuias do Christianismo.
Calculemos quão· grande foi o jubilo de Tere­
zinha quando lhe foi dado visitar a Egreja de Sta.
Ignez ! Dessa visita ella desejava levar uma recor­
dação para doce renovação dos grandes sentimentos
que lhe innundaram a alma, quando lhe pareceu
estar o mais perto possível da sua santa amiga.
Tentou então conseguir uma reliquia, para of-
---·--------------
S A J'iTA
-----
TE!U�Z l :\ H A 75
------'-
-"

ferecer depois á sua irm ã carmelita, a qual tinha


recebido ·em Relig-ião precisamente o nome de lgnez.
Mas suas tentativas foram baldadas. Deu-se então
o que Terezinha sempre julgou uma fineza de Deus
para com ella. Um pequeno fragmento de mar­
more vermelho desprendeu-se de um precioso mo­
saico dos tempos de Santa lgnez e foi collocar-se
ao alcance da m ão de T·erezinha. Nem foi esta a
w1ica vez que ella viu satisfeitos seus desejos de
'
modo todo providencial. Ella propria julgava que
N. Senhor lhe attendia as vontades, mesmo em
causas que pareciam infantis, por nímia gentileza
e requinte de bondade. Deixou Terezinha a casa
da virgept martyr, levando comsigo a preciosa lem­
brança e conservou carinhosa impressão da visita
a essa Egreja de Roma dedicada á jovem e can­
dida donzella.
Os pontos de semelhança entre as almas de
Terezinha e lgnez consolidavam a devoção que
aquella lhe dedicava.
E tal semelhança se foi a éentuando sempre
mais, com o aperfeiçoamento rapido que Terezi­
nha conseguia no exercício das virtudes, que cara­
cterizaram a bella alma de S. lgnez. A amizade
sincera, intensa, approxima os corações que se amam
e tende a tornai-os sempre mais semelhantes. fe­
lizes portanto as almas, como a de Santa Terezi­
nha, que se vinculam pela mais solida amizade
aos typos mais authenticos da virtude !
PETALAS llE ROSA

Em .Coreto
Pessôas ha que VIaJam sem perceber grandes
impressões, porque se deixam transportar machi­
nalmente, sem noções dos lagares por onde pas­
sam. Faltam-lhe, ás vezes, conhecimentos histori­
cos, outras vezes fallece-lhes a fé que faz vibrar
a alma ao contacto de um estimulo que não attinge
as faculdades naturaes .
.. . .

A nossa santinha com sua intelligencia bem


culta, com os enthusiasmos da sua fé, vibrou a
cada instante, no decurso de sua viagem para Roma.
Quando, por exemplo, visitou Loreto, que trans­
portes os de Terezinha ! Deixemol-a faliar: «Foi
profunda a minha commoção quando m e vi de­
baixo do tecto que cobriu a sagrada Familia, ao
contemplar as paredes em que o olhar divino de
Jesus pousara tantas vezes . . . » Referindo-se á Com­
munhão que desejava r·e ceber no altar . do SS. Sa­
cramento, o qual se acha na casa da Sagrada Fa­
milia, casa que se encerra na Basilica de mannore
como diamante em marmoreo estojo, assim ella
escreve : «Queríamos receber o Pão dos Anjos no
diamante e não no simples estojo . . . lá estava um
sacerdote paramentando-se para celebrar. Fomos
pressurosas (ella e sua irm ã Celina ) manifestar­
lhe nosso desejo e elle promptam ente pediu duas
particulas para collocar na patena».
SAl\TA TEREZINHA 77

E assim conseguiu . Terezinha receber a SS.


Eucharistia na mesma casa em que Jesus viveu
longos annos nesta terra. Cumpria conhecer toda
a capacidade de amar daquelle coração fartamente
illuminado pela fé, para se ter uma idéa da conso­
lação de nossa Santinha nesse dia. Ella a chamou
«consolação ineffavel».
Como lembrança daquclla gratissima visita,
quiz levar alguns granulos das paredes da sagrada
Casa. E logrou, ás escondidas, raspar um pouco
daquelle material tão precioso aos seus olhos.
Dessa humilde casa remontou Terezinnha aos
Pavilhões da Glória, residencia do seu Divino Rei,
com suspiros inflammados de incontida saudade.

-Em )VIilão

E' certamente uma das grandes maravilhas da


arte christã a cathedral de Milão - chamada pelo
povo - il Duo mo.
O marmore nas mãos · do artista assumiu alli
uma variedade de fórmas quasi infinita, com ex­
pressões de sentimento e vida que parecem irrea­
lisaveis em fria pedra. As centenas de estatuas que
adornam o sumptuoso templo transformando-o em
uma cidade de habitantes immobilisados pelo arre­
batamento, ao que parece, pelas cousas do céo
- merecem um estudo particular e detido.
... . .
PETALAS D i<: IWSA

Te�ezinha se deliciou na contemplação daquelle


primor de architectura e recebeu, em cheio, na
sua grande alma, aquella onda do bello que brota
alli, nel Duomo, de cada capitel, de cada agulha,
de cada imagem.
·
Nem se contentou com um exame perfundorio
daquelle monumento da arte e da fé : deteve-se lon­
gamente em examinar com interesse toda aquella
esthetica concretizada em cada minudencia, no tem­
po de que dispoz.
Subiu aos pontos mais altos, ao que não se
atre veram as muitas senhoras que a acompanha­
vam, para tambem descortinar mais vasto pano­
rama da cidade.
Foi Terezinha sempre amante do bello, alma
sequiosa de magnificencias. Em tempo, porém, ella
soube encaminhar seus anhelos para a belleza do
céo. Sua s êde de inebriar-se nos encantos que sua
intelligencia divisava, na natureza ou na arte, só
se poude saciar nas maravilhas da graça que lhe
deparou uma fonte immensa e inexgotavel de goso.
Os encantos espirihtaes, em particular as doçuras
do amor de Deus, empolgaram por completo essa
alma candida e ardente. E, nessa região sublime do
espiritual, ella encontrou tudó quanto a arte e a
natureza avaramente lhe offereciam.

€m Jfapoles
O bello horrivel dos vulcões sacode fortemente
a alma dos qut nunca contemplaram a natureza
SA::-.ITA TEREZINHA 79

em convulsões tão violentas. Quasi sempre a im­


pressão é de abatimento. O animo se quebranta
em face de tanta violencia. O homem reconhece
a sua pequenez ante a magestade do monte que
brame como féra baleada atirando aos ares espuma
e sangue.
E' o bello dynamico apreciado apenas pelos
animas fortes que conseg-ucri1 dominar a impressão
de pavor para d a r lagar ú admiração pela gran­
deza do espectaculo. E� uma exhibição de força
da natureza que, pelos musculos dos seus montes
escancarados como fauces, cospe ás nuvens os re­
síduos de uma combustão interna muitas vezes mil­
lenaria.
• • •

Terezinha passando por Napoles e Pompéia


teve diante de si esses quadros pavorosos. E sua
alma tão delicada não se terá deixado resvalar
no desmaio dos tímidos e pequeninos ?
Nã o ; era varonil a alma dessa creança - que
.

a delicadeza nada tem d e iri c ompativel com a ener­


gia e a coragem .
Ella gosou fortemente desse espectaculo su­
blime, vendo espelhar-se nesse ponto da terra algo
da potencia infinita de Deus. «0 Vesuvio - diz
- com uma s alva de numerosos tiros de ca­
nhão - saudou a nossa passagem, vomitando de
s ua cratéra espessa nuvem de fumo».
E commentando as ruínas por elle causadas em
Pompéia, assim se exprime : «Elias são tes-
So PETALAS flE ROSA
�----- ----- ------- ------

temunhas eloquentes da potencia de Deus que olha


para a terra e a faz tremer; que toca os montes:
e os infla mma (Ps. C . 1 1 1 32) .
Quem me déra vagar sósinha entre essas rui­
nas e meditar na fragilidade das causas humanas».
As si m são as almas que privam com Deus. Parece
que se lhes communica alguma causa daquella so­
berania que paira acima de tudo quanto parece
temível não só aos pusillanimes mas tambem aos
homens que se julgam corajosos.

Em Jissis
Nossa santinha esteve tambem na cidade de
Assis, onde São Francisco e Santa Clara deixaram
exemplos tão bellos de virtudes heroicas. Deu-se
ahi um episodio sem grande irnportancia na vida
de Terezinha, mas que nos deixa ver, mais uma
vez, o caracter infantil dessa alma de tempera aliás
forte e decidida. Visitando o celebre convento dos
filhos do glorioso patriarcha, ella deixou cahir a
fivela do cinto, sem saber onde.
Depois de a procurar debalde� teve de agei­
tar, da melhor maneira que pôde, seu cint<> des­
provido de fivela. Nisto empregou algum tempo
e quando foi procurar, á porta do convento, o
carro que a devia l,evar em compa nhia de seu
pae el sua irmã, com surpreza verificou não es­
tarem mais alli os carros dos romeiros, a não
ser um só. E este unico e ra o do Vigario Geral
de Bayeux.
� .\ :\ T A TEP.EZINIJA Sr

Ora, este distincto sacerdote foi justamente o


que, n o Vaticano, quando Terezinha quiz insistir
com o Summo Pontifice que lhe permittisse a en·
trada no Carmelo, em certa maneira lhe cortou
a palavra. Com eff.eito surprehendida pelo santo
atrevimento de Terezinha elle interveiu explicando
ao Papa que se tratava de uma creança que queria
entrar na vida religiosa e que os superiores já
estavam tratando daquelle caso.
O plano de Terezinha ficou assim transtornado
e ella começou a chamar o Vigario Geral, por
gracejo, o mais temivel dos seus inimigos.
Como entretanto e ra o unico carro que restava,
ella fez um esforço grande e foi pedir um Jogar
ao Sr. Vigario Geral. Sentiu-se muito contrafeita
alli dentro, mas soube haver-se, como sempre, com
garbo e desembaraço, para dissimular o p roprio
constrangimento. E o distincto sacerdote procurou
usar de toda a gentileza para com ella, promettendo
trabalhar para que ella conseguisse o seu grande
desideratum. E ella confessa que essa palestra foi
«Um balsamo para a sua alma ferida».

Sanficlaae . ameqa
Deus é o autor do cardo e do li rio ; foi elle.
quem creou o fructo aspero e cheio de travo como
os mais delicados e sabo rosos ; é delle a tempes­
tade e a calma das bonanças. Em tudo isso, brilha
egualmente sua pote1ncia. Nas austeridades de Maria
Egypciaca a macerar-se na pfj11itencia de um pa-
82 I'J.:TAI.A:,; l iE l H.• t' .-1.

voroso deserto, e na ingenuidade infantil de Tere­


linha do Menino Jesus é admiravel egualmente
Deus - autor de toda a santidade.
A santidade de Terezinha foi vasada em mol­
des taes que não ha espírito algum que não lhe
queira bem. Ella arrebatou os homens com a do·
çura das suas virtudes que não cedem em auste­
ridade ás dos mais rígidos anachoretas. E parece
incrível que se possa tão oem assim conciliar a
rigidez das virtudes evangelicas com a naturalidade,
l alegria e amenidade que respira toda a vida
dessa admi ravcl santinha !
A santidade amavcl c poetica que lhe ca ra­
cterizou a v i d a foi sem p rej uízo algum p::ua os
lll t' ritos de suas rnassiç:as v i rtudes. Ella voltou para
dentro t o d as as aspcrida des das mortificações, dei­
x a n d o rcssumbrar no exterior, apenas, a suavidade
que lhe admiramos em todas as manifestações da
vida.
rascinações ao alto
Ha pessoas que passam por entre os encantos
que a terra apresenta, sem dar por elles ou, pelo
menos, sem sentir o influxo do bello que os reveste.
Tal não se dava com Terezinha. De fina percepção
esthetica, alma sensível e facil em entrar logo em
vibração, ao primeiro contado do belio, ella sentia
intensamente todo o ascendente que os encantos
naturaes exercem sobre as almas cheias de vida .

• • •
SA'."TA TEREZINHA 83
-- - -- - - � - - - - � - ----- ___:_
_____ :__

Da mesma sorte, porém, que a luz viva deixa


na pallidez imperceptivel as chammas frouxas, as·
sim os encantos do céo brilhavam aos olhos de
Terezinha causando desmaio a todas as seducções
terrenas.
Olhos plantados no monte santo do Carmello,
para onde sentia attração poderosa, ella desdenhava
as vozes feiticeiras que lhe cantavam as venturas
do scculo.
Sobranceira ás lisonjas que a cada passo ouvia,
seu 1 perder de vista seu ideal, eil-a que avança
com galhardia, por entre os escolhos em que tantos
naufragaram. Depois de contemplar as magicas sce­
nas que a natureza e a a rte alternadamente semea­
ram ao longo do seu itinerario, ella assim allude
ás mesmas : «Deslumbramentos que se desvaneciam
, se m me deixar saudades, porque a outros encan­
tos aspirava meu coração».
Quiz seu pae levai-a a visitar os Lagares San­
tos em Jerusalem, que sabia terem para ella um
enlevo particular, pela fé esclarecida que a animava.
Ella porém se sentia «farta de peregrinações
pela terra» por mais bellas que podessem ser, por­
que «aspirava tão só aos encantos do céo».
Não queria passeios, mas ficar prisioneira e
por isso suspirava pelo m omento em que lhe «fran­
queassem as portas da abençoada prisão».
Confiança infantil
Quando Terezinha esteve em Florença, foi, em
companhia de outros pe regrinos, visitar o convento
das Carme lli tas. Alli se acha o corpo da g rand e
santa que foi Maria Magdalena de Pazzi. . Nossa
futura carmellita folgou muito com essa visita .
Os visitantes quizeram tocar o tumulo da Santa
com seus rosarios. Mas o tumulo era defendido por
uma gr ade que impedia aos peregri nos satisfazer
seus piedosos desejos. Entretanto Terezinha con­
seguiu com sua mão pequenina levar o seu rosario
atravez da gra d e até o tu mulo .
Todos os peregrinos valeram-se então do pri­
vilegio da mão delicada da nossa santinha . Ella
sempre gentil se prestou a repetir innumeras ve­
zes a operação, julgando-se · "teliz pela missão que
desempenhava. Tambem em Roma na Egreja de
Santa Cruz de J erusalem onde se conservam fra­
gm entos da verdadeira Cruz, bem como dois espi­
nhos e um cravo- objectos sagrados pelo Sangue
Redemptor - valeu-lhe a Terezinha a sua m ão
de creança.
Essas preciosas reliquias foram expostas, den­
tro do seu relicario, á veneração dos rom eiros .
A nossa santinha deixou que todos passassem e
ficou por ultimo afim de pode r observar sem pressa
os instru m entos da Paixão.
Quando o religioso incumbido de gua rdar as
r eliquias ia já collocal-as no altar, Terezinha pedi u
licença para tocai-as.
8 A :\ T A TElU<:Z l :\ H A

Elle suppondo provavelmente que aquella me­


nina seria incapaz de attingir os objectos sagrados
que estavam dentro do relicario, respondeu-lhe af­
firmativamente. E ella conseguiu introduzir o dêdo,
por um estreito vão do relicario, e tocar o cravo
que pregara na Cruz o Redemptor. Quanta con­
solação para s ua alma cheia de fé ! Referindo-se
a esses seus atrevimentos, ella sublinha a infanti­
lidade do seu espírito - caracter realmente en­
cantador da s ua santidade : «Vê-se que eu proce­
dia para com elle (Jesus) como creança que julga
ser-lhe tudo permittido e tem como seus os The­
souros do seu pae».

j(aluraliáade
A naturali dade é um dos encantos da virtude
legitima.
Essa naturalidade emana primeiramente da con­
vicção.
Quero dizer : a alma plenamente persuadida
de que serve a Deus, de que Deus a vê - n ão
pode ser artificial no seu procedimento. Não se
embaraça com o reparo dos homens, porque Deus,
no seu espírito, supplanta qualquer consideração
humana.
Outra cousa muito importante desse cunho na­
tural nas pessoas virtuosas é o desejo de fazer
passar despercebidas as grandes acções.
Tudo que é natural passa sem chamar a at·
tenção dos homens. Quem deseja attrahir sobre si
86 PETALAI' liE ROSA

as attenções e os applausos, procura ser singular


para dar na vista ; procura sahir do commum com
receio de ficar confundido entre os vulgares. A
naturalidade é pois excellente capa com que a hu­
mildade envolve os meritos reaes .

• • •

T erezinha conhecia esses segredos todos dos


humildes.
Quanto esforço não lhe custa v a a naturalidac!e
das maneiras ! Nada tinha de natural a sua natura­
lidade - era toda sobrenatural. Continua vigilan­
cia lhe era necessario para isso; com effeito : eram
c ontinu a s seus gestos magnanimos, suas acções ge­
nerosas, seus sacrifícios e abnegaçõ�s Ora vasar
.

tudo isso em moldes vulgares, de manei ra a escapar


á observação dos admirad,ores, exigia um trabalho
intenso da sua vontade.
Nosso Senhor aco nselhou que se disfarçasse
o j ejum com o s emblante alegre e festivo o que
-

significa encobrir a penitencia com as apparencias


de quejltl' natu ralmente se trata.
Terezinha entendeu que o Mestre d esej ava en­
sinar o mei:o mais s impl es de en cob ri r os mere­
cimentos para não os deixar sem o premio do céo .

Sua sim plicidade era o consel h o d e Jesus ,que


qu eria recompensar a virtude com premios incom­
paravelmente · superiores aos vãos elogios dos ho­
mens.
I:;A;\;TA TEREZl;I; II A R7

fi' fé superficial e a fé profuqda


Algumas vezes Deus attende com presteza e
ainda de modo miraculoso a oração dos seus Íilhos.
Por vezes isto é signal de que a oração foi
feita com fé diminuta. E' paradoxal ou melhor é
difficil de se entender tal doutrina .
. ... .

Terezinha que, nos seus cscriptos, revela co·


nhecimentos theologicos bem profundos, nos dá so·
bre este ponto bastante luz.
Ella pedia insistentemente a graça de ser a c·
ceita na vida religiosa, e seu pedido era sempre
indeferido. Esperava que a"final, no dia de Natal,
( 1 887) Jesus Menino lhe fosse favoravel ; «mas o
Menino Deus adormeceu e deixou sua bolinha es­
quecida no chão» (allusão ao offerecimento que de
si havia feito como simples b rinquedo de Jesus
Menino) .
Ora, ella sentia que orava com grande fé e
não era attendida. Então explica assim o proceder
de Deus para com ella « (Jesus) ensinou-me que
realiza prodígios em favor de uma alma cuja fé
é pequenina como um grão de mostarda, afim de
lh'a robustecer ; mas tratando-se de seus amigos
íntimos, tratando-se de sua Mãe, antes Elle quiz
experimentar-lhes a fé para depois favorecei-as oom
milagres».
E cita o caso da grande fé de Maria e Martha
que houveram de esperar que Lazaro morresse,
88

para depois serem attendidas, embora tivessem par­


ticipado a Jesus a enfermidade do i rmão.
Cita o exemplo da fé excepcional da Virgem
Maria que tendo recorrido a Jesus nas bôdas de
Caná teve como resposta «não ter chegado ainda
a sua hora». Eram muito maiores que sementes
de mostarda essas fés e por isso foram provadas
para receberem tambem premias extraordinarios.
Assim, na sua confiança filial, esperava ella
ser um dia attendida em suas preces ardentes e
vibrantes de fé. E não se enganou.

Çe "l idos de pomba


Ha um genero de supplicio todo espiritual de
poucas almas conhecido - é a espectativa sequiosa
do momento em que lhes seja dado entregar-se to­
talmente a Deus. Soffreguidão santa lhes impelle,
em anceios irresistíveis, o coração para o Senhor.
E esses anem�ssos para o alto, arrancadas de uma
ave detida por um fio, ferem e dilaceram .

. .. ...

Nossa Santinha só tivéra um pensamento, um


só desejo, um sonho unico : - dar-se toda a Deus,
longe do mundo. Esse desejo era tão vivo, tão
insoffrido que um minuto de delonga lhe parecia
um seculo. Oemia a candida creança como rôla en­
carcerada longe do ninho. O mundo lhe era do­
loroso exilio.
f' A :\ T .\ TEIU'Z I \ l i .\ 89

Em Janeiro de 1 888, foi-lhe communicado que


o bispo diocesano autorisara á superiora do Car­
melo a recebei-a, mas a superiora deliberou mar­
car-lhe a entrada para depois da Quaresma. Ora
esses poucos mezes de espera pa receram seculos
a Terezinha. Foram dias dolorosos os dessa espe­
ctativa. Era a arca santa yuc recusava abrir-se á
desditosa pombinha - - dizia �lla. Notou Terezinha
que a autorização para ser admittida no convento
era datada de 28 de Dezembro - Festa dos San­
tos lnnocentes. Para seu espírito santamente infan­
til, tal coincidencia não era indifferente.
Como era bella essa alma quasi a agonisar de
saudades do céo antecipado que já se entreabria
para a acolher ! O amor para com Deus a attrahia
quasi irresistivelmente, entretanto o m esmo Deus
a detinha no seculo - ,era a preparação da victi­
ma para o mais sublimado holocausto.

Ventura sobreqafural

A alegria não está nos objectos que nos ro­


deiam, mas sim no intimo da alma e podemos go­
zai-a no fundo de uma tenebrosa masmorra tão
bem como em palacio real.

• • •

Estas palavras são de nossa santinha. Dictou­


as seu coração impressionado pelo ambiente luxuoso
em que se encontrou muitas vezes ern suas viagens.
J>ETAL A :S DE HOSA

Ella tinha um ideal sublime no qual se cingia


a sua felicidade. De fôrma alguma lh'a poderiam
proporcionar todo o conforto e brilho com que a
envolvia o mundo. Um angulo obscuro do claustro
era tudo quanto ella ambicionava.
Com isso ella se reputava feliz ; sem isso todos
os prazeres do mu.ndo só lhe mereciam o des­
prezo.
No m undo nada lhe faltava, porque s ua fa­
milia dispunha de recursos e ella e ra objecto de
carinhos particulares em sua casa. Entretanto o
chamamento divino urgia com ella para que tudo
abandonasse. E essa premencia da graça que tinha
pressa em aperfeiçoai-a, despertando-lhe desejos de
uma consagração total da sua vida ao Senhor,
fazia-lhe parecer cada vez mais despres!vel o que
o mundo tem de melhor.
Mais tarde quando a vida religiosa deixa de
ser para ella simples aspiração para se tornar rea­
lidade, com todos os espinhos, que as concretisa­
ções dos sonhos desta vida trazem comsigo, não
soffreu decepção alguma. Ella sabia que a ventura
da vida religiosa importava immolações constan­
tes. Sem as extranhar portanto, e llli continuou a
se julgar venturosa entre as provações que a vi­
sitaram «Assim é - confirma ella -- que me julgo
mais feliz no Carmello, com todas as m inhas pro­
vações internas e externas, do que lá no mundo
onde nada me faltava, muito. menos as alegrias do
lar domestico».
SA�TA TEHEZli'õliA 91

yae e filha
Raiou o dia ardentemente 'desejado por Tere­
zinha, o dia 9 de Abril de 1 888 dia da sua en­
-

trada para o Carmello . . .


Antes de deixar a casa, quiz, ainda uma vez,
espraiar um carinhoso olhar pelos sitias em que
passára a infancia.
Em seguida, dirigiu-se com os seus á egreja
das carmelitas, onde todos receberam a SS. Com­
munhão. Toda a família chorava, menos Terezi­
nha que entretanto estava com a alma dilacerada.
Ella assim se exprime :
«
. .emquanto, á frente de todos, eu me dirigia
.

para a porta da clausura, o coração me batia com


tanta violencia que me perguntava a mim mesma
si não cahiria fulminada alli mesmo. Ah ! que mo­
mentos, que t01iura !
Só quem já esteve em semelhantes conjunctu­
ras pode ter uma ideia d o que se passa . ». .

Eil-a - Terezinha, diante daquella porta que


se vae abrir para ella e depois fechar-se para
sempre. E' o momento da despedida. . . abraça a
todos os seus queridos e ajoelha-se diante de seu
pae, pedindo-lhe a benção.
O venerando velho que a amava tanto e della
era tanto amado, dobra tambem os j oelhos e em
pranto abençôa a santa filha. «Sorriram de certo
os anjos - accrescenta ella - ao contemplarem
esse ancião a apresenta r ao Senhor a sua filhi­
nha, ainda na quadra primaveril da vida . » . .
92
---

Fecl7a-se a poria
Atraz de Terezinha fechou-se a porta do se­
culo ou a porta do santuario. Do seculo - porque
lhe fechou para sempre o caminho das glorias
ephemeras, dos prazeres fugazes, das vaidades que
não lograram empolgar-lhe a alma ; do santuario
- porque lhe abriu os thesouros só conhecidos
das almas acolhidas nos penetraes da solidão reli­
giosa. Muralha bemdicta - essa porta collocada
para ella entre o céo e a terra, marcou, ao fe­
char-se, o inicio de uma phase de progressos admi­
raveis na via espiritual da nossa santinha .

.. . .

As Religiosas receberam Terezinha com o . maior


jubilo, pois sabiam que Deus lhes enviava um anjo.
E na verdade foi um anjo que penetrou no
Carrnelo para· mais se santificar e saturar de vir­
tudes o ambiente do claustro. Aqui estou para
sempre - era a expressão que reboava nalma
de Terezinha, naquelles dias jubilosos. E quanta
cousa n ão traduziam essas palavras ! A realização
de um des·ejo intenso e anciosamente esperado atra­
vés de mil anciedades, a posse de um bem com
a .certeza de não mais perdel-o. . .
Nesse mesmo dia começou o hymno de acção
de graças que, pelo resto da vida, T·e rezinha con­
tinuara a cantar, transbordante de gaudio, pdas
grandes mercês que recebeu do Senhor.
SANTA TEHEZJ:'\HA 93

Jfo clausfro
Era então postulante a nossa Santinha, no car­
melo de Lisieux. - O que quer dizer : prepara­
va-se para fazer o seu noviciado.
Nessa epoca, suas superioras puzeram-lhe á pro­
va o espírito de humildade, com amiudadas humi­
lhações - provas que Tcrezinha superou admira­
velmente. Para exemplo, ella mesma nos narra com
encantadora simplicidade algumas dessas pequenas
censuras e reprehensões.
Certa vez, encontra-se com uma das madres
que lhe reprova o trabalho por mal feito ; outra
lhe lança em rosto que nada faz o dia inteiro.
Nada tecm de extraordinario essas pequenas
provas, mas era extraordinario o modo simples,
natural e alegre, com que aquelle coração sensível
e delicadíssimo tudo acceitava, tudo soffria no maior
silencio. Mais tarde ella escreveu que dava mil
graças a Deus por ter sido tratada com energia
e severidade. Ella apreciava a educação forte e
comprehendia os perigos de uma educação de ca­
rinhos e doçuras, mui particularmente para as al­
mas que querem canalizar para Deus todas as suas
affeições. Assim, Terezinha nós offerece um es­
pecimen admiravel desses typos fortes e suaves
- allianças apparentemente contradictorias da man­
sidão mais doce com a severidade inflexível. Gra­
ças a essa união admiravcl, logrou nossa Santi­
nha encobrir seus merecimentos e revestir sua he­
roica santidade com as apparencias mais naturaes ...
94 PET A L A S llE l : OSA

Quem a visse affav.el e sorridente como era, não


podia suspeitar que no seu intimo fosse ella tão
mortificada e austera comsigo. . .

Virtuae real
E' interessante ouvir Terezinha a contar seus
actos de virtude quando a obrigavam a isso. Com
infantil simplicidade ella descreve a cções que ap­
parentemente não passam de sacrHicios i nsignifi­
cantes. Ha nisto uma santa industria da nossa san­
tinha. Quem a ouve fallar assim tem, a principio,
a impressão de que realmente eram pequeninas
as suas virtudes. Mas um olhar observador, atra­
yez dessas pequenas amostras, pôde claramente di­
visar nella um completo domínio sobre si m esma,
uma total lndependencia daquella alma que já se
havia libertado de· todas as cadeias terrenas .

• • •

Um dia, conta ella, uma das i rmãs deixou


um pequeno vaso de flôres fóra do logar e não
se soube como o vaso appareceu quebrado. Tere­
zinha foi reprehendida pela superiora que a sup­
punha culpada. Ella não se desculpou e recebeu
innocente a accusação e a reprchensão. Beijou o
chão e prometteu ser m ais cuidadosa para o futuro.
julgando insignificante esse acto de humildade, a
elle se referiu deste modo : «Estes pequenos a dos
de virtude me custavam immensamente e para me
SANTA TERF.ZINHA 95
------ -- ---- - -- ---- ---- ---�

animar a fazel-os era necessario que m e lembrasse


do dia do juizo, dia em que tudo se ha de revelar».

roriYJaÇão eqergica
Terezinha, com seus quinze annos, e ra a mais
nova do convento -- a caçula. Mas não se cuide
lá por isso que sua formação religiosa no Carmello
fosse toda a poder de caridas. A superiora que
a queria muito e desejava vel-a aproveitada na
vi1iude, não se deixou levar pelo falso amor com
que muitas vezes as mães, á força de mimos, criam
filhos voluntariosos e immortificados.
Cuidadosamente procurava a superiora todo o
ensejo para chamar a attenção da jovem religiosa
para a mais leve omissão ou falta nos serviços
domesticas a seu cargo. E ella docil e humilde re­
rec�bia gostosamente esses espinhos que pungiam
fundo, porque em casa tratavam-na como rainha.
E quando se considera que a alma de nossa san­
tinha e ra de extrema sensibilidade e se empenha­
Ya com todo o esmero para ser exactissima no cum­
primento dos seus deveres, bem se pode avaliar
quanto não soffresse a pobre menina com taes re­
pri!hensões.
Uma das primeiras cruzes desse geneiO ficou­
lhe bem impressa na memoria e muitos al!nos mais
tarde ella a refere ingenuamente :
«. . . uma vez em que eu havia deixado no
claustro uma teia de aranha, disse-me (a superiora)
diante de toda a communidade : «]á se vê que
P ET A LA l< U E ROSA

vossos claustros são varridos por uma creança de


1 5 annos ! Que lastima ! Trate de tirar já essa teia
de aranha e de s·er mais cuidadosa d'oravantel> .

Jfão arrefece

Não se creia que o enthusiasmo de Terezinha


lá dentro do claustro, tenha durado apenas alguns
dias, emquanto era tudo novidades. Não ; passaram­
se os primeiros dias, passaram-se os mezes e os
annos e o contentamento da jovem religiosa não
soffrcu declínio, antes cresc·eu de intensidade á me­
dida que a figura do mundo se distanciava e o
céo se lhe approximava. Nem o u t ra po dia ser a
marcha de um coração o qual encontrava delicias
nas privações que outros tanto temem. Sua cella,
por exemplo, que tinha por cortinado e tapeçaria
a mais rigorosa austeridade, parecia-lhe simples­
m ente encantadora. A mesa frugalissima para quem
o melhor prato e ra a temperança, não lhe podia
ser de espantalho á natureza, posto que, em casa,
nossa santinha vivesse no conforto da sua familia.
Nove annos mais tarde - tantos foram os da
sua vida religiosa - o mesmo enthusiasmo e até
mais intenso ainda arranca-lhe da alma expressões
do m ais vivo reconhecimento pela ventura de ser
car111e llita. Não lhe faltaram provações, mas, com
tanto amor as recebia, que poude escrever : <(
• •não•

surgia a mais leve brisa a agitar siquer branda­


mente o remanso que minha barquinha sulcava e
o azul do meu céo nenhuma nuvem o empanava. . . >>
SANTA TEl{EZIC'õHA 97

<<Ü soffrimento m e abriu o s braços e e u me


abracei com elle».
Estas palavras são de Tcrczinha e são mais
profundas do que parecem á primeira vista. O
s offrimento tem a fórma Je cruz, isto é, tem sempre
os braços abertos. Está sem pre em attitude de quem
espera alguem ; mas essa attitude é diversamente
interpretada. Para alguns essa attitude é a de uma
féra que espera a victima para se engalfinhar com
ella. Para outros é o convite para um abraço amigo.
Dessa diversa interpretação nasce naturalmente a
repulsa ou o accolhimento da cruz .

• • •

Terezinha longe de ser das almas espavoridas


que se horrorizam com a simples sombra que a
cruz lhes projecta n'alma, atirava-se · aos braços
do soffrimento. Era tão firme seu pulso em ter as
rédeas da sua sensibilidade, que lhe era possível
mesmo prevenir os primeiros ímpetos de fuga que
podem assaltar a qualquer alma quando surpre­
hendida pela provação.
Não foi uma attitude passiva a de Terczinha
ou de méra conformidade com o soffrimento. Isto
já seria alguma cousa ; m as muito pouco para a
generosidade della. «E eu me abracei com elle»
isto significa a marcha decidida de sua alma ao
l'ncontro da cruz. Ella queria, positivamente, pôr-se
qK PETALAS v �; JWSA.
- - - - - - -- - - - - · - - ----

:�o mntado dos espinhos que outros tanto temem.


Vi rou, por assim dizer, pelo av.esso a sua natureza,
de modo que buscava o que instinctivamente nos
repugna e assim realizou o lemma paradoxal -
gozar na dôr.

fi dor silenciosa
Faze r sacrifício e bôas obras é, sem duvida,
cousa m uito bôa, e não se pôde dizer que seja ra;ro
encontrar pessoas dedicadas a essas santas praticas.
O que realmente é raro e bem raro é encontrar
quem faça tudo isso em silencio - quero dizer :
sem deixar apparecer o bem que faz ou a dor que
soffr.e. Ha, com effeito, em nós, uma tendencia in­
nata para. tornar conhecido de outros tu ctp quanto
nos possa grangear louvores. Quem dormiu mal a
noite, na manhã seguinte quer que se saiba disso ;
quem soffreu uma injuria com superioridade de ani­
mo, não sabe silenciar sobre seu acto de nobreza. As­
sim é que um gesto de grandeza d'alma, muitas v·e­
zes, se desdoura, pela fraqueza do autor que não é
capaz de esconder seus meritos. Ha, sem duvida, ca­
sos, em que se impõe a necessidade de tornar co­
nhecidas as boas obras ; mas mui ias vezes trata-se
de uma vaidade secreta .

• • •

N ossa Santinha oomprehendia q u e , diante de


Deus, podia ser mais meritorio um pequeno sacrifício
------
l:iANTA TEl{EZINHA
------------ ��-
--
99

so dclle conhecidô, despercebido totalmente dos ho­


mens, do que os rasgos heroicos que despertam\
rumor e applausos.
Desde os primeiros dias de sua vida claustral,
a jovem postulante deu-se á cata desse thesouro,
o que consiste ,em revestir a vida de apparencias
naturaes, vulgaríssimas e, sob essa capa, multipli­
car as boas obras. Assim tendo ella augmentado
suas horas de trabalho, soube fazel-o de tal ma­
neira que ninguem deu por isso. Só muito mai�
tarde ella o revelou, quando foi obrigada por sua
superiora.

fi 111 esa do lar


H a sempre, na casa paterna, no mais intimo
do nosso lar, uma m esa, ao redor da qual a fa­
milia habitualmente se !"eune. Em torno dessa mesa,
teem seus lugares fixos essas figuras que mais
tarde as saudades ,evocam e fazem surgir illumi­
nadas por aquella lampada que presidia sempre aos
serões domesticas. E, quando a ausencia nos priva
dessas scenas do lar, aquella mesa que congregava
seres tão queridos, que fôra testemunha de nossas
alegrias e tristezas mais intimas, aquella mesa se
nos torna um symbolo e temos saudades desse mo­
vei, que, em nossa imaginação, encarna o proprio
lar.
• ••

Terezinha estando já n o claustro, refere-se


á sua familiia reunida «em torno daquella mesa,
I eo PETALAS llE R O R -\ -

j unto a qual ia sentar-se pela ultima vez. . . >1


Ella desejou ardentemente retirar-se' do mundo, mas
o sacrificio de deixar os seus queridos, que amava
com extremos, fez-lhe sangrar a alma. . . A essa .
mesa domestica, que congr,egou corações tão ama­
dos, na vespera de sua partida para o Carmello, a1
essa mesa, repositorio de tantas recordações - ia
ter seu coração saudoso e ella renovava a Deus
o sacrifício da separação .

.Ceis opposfas
As leis do espírito são, por vezes, diametral­
mente oppos tas :'1 s da materia. Por ahi, o homem
percl'hc m u i claramente que é elle um mixto de
substancia espi ritual e m aterial. Como explicar que
a repugnancia innata ao soffrimento se coaduna com
o desejo de padecer em uma mesma pessoa ? Di r­
se-á que é a graça. Corrijamos então assim o
nosso acerto : as leis do espírito illuminado pela
g·raça são, por vezes, diametralmente oppostas ás
da materia.

.. .. ..

Nossa Santinha que falava tanto em rosas,


amava extraordinariamente os espinhos. Ella mes­
ma declara á sua superiora : «Quanto mais as cru­
zes cresciam, mais crescia em mim a ambição de
soffrer». Notavel era, porém, a habilidade· com que
ella voltava para si as pontas dos espinhos fazendo
SANTA TERFZIN IL\ ror

aos outros ver só petalas. Por u m lustro inteiro


logrou a santa carmellita passar de todo desperce­
bida uma grande dor : ninguem suspeitava que ex­
terior tão sorridente, meigo e jovial cobrisse aus­
teridades e cruzes. Mas Deus - Elle tão só -
era conhecedor das maguas intimas daquelle co­
ração capaz de todos os sacrifícios. Mais tarde a
obediencia exhumou do silencio os thesouros de
lições .edificantes que hoje conhecemos. Não fôra
isso, e levaria para a sepultura o seu segredo o
segredo das suas penas intimas que desabrocha­
vam em flôres e poesia.

"R,apida escalada

Almas ha que avançam pelo caminho da per­


feição como o «gigante que corre pela estrada>},
A phrase é da Escriptura e, realmente, expressiva.
Desde que nossa Santinha transpôz o limiar do
claustro, iniciou uma phase de progressos taes que
parecia realmente escalar a escarpada montanha
da perfeição, com passos de gigante.
Um venerando s acerdote, de longa experien­
cia, dirigia o espírito privilegiado de Terezinha pelo
caminho da perfeição christã. Mas que surpreza
para elle encontrar, em uma simples postulante,
progressos tão rapidos, rumo ás culminancias da
perfeição ! Era um espírito avido de se approximar
de Deus e nenhum tropeço o detinha, antes, des­
pertava-lhe novas energias para novas ascensões.
E só assim se explica como, em tão breve tempo,
1 02 l ' ETALAS OJ•: ROSA

nossa Religiosa conseguiu enthezourar tantas vir­


tudes, cada qual dellas mais preciosa.
Seu sabia e virtuoso director de espirito foi
transferido para muito longe. Desde essa epoca
T erezinha considerou como seu mestre o propr�o
Divino Mestre. E foi tão docil á voz que a guiava,
tão attenta em ouvir-lhe as inspirações, que pa­
recia brincar com as difficuldades que a todos se
deparam na estrada dps santos. Aliás, essa é a
vantagem das almas que muito amam - todas
as barreiras lhes parec-em superaveis. O muito amar
é o grande meio de resolver os problemas que
nossa natureza remissa. a cada passo julga insolu­
veis quando se trata de domai-a.

j)ous heróes

O Snr. Martin que havia offerecido a Deus


com a m aior generosidade sua extremecida filha
«sua pequena rainha» fez grande gosto em con­
summar seu sacrifício no dia em que Ter·ezinha
tomou o habito de Carmellita. Elle mesmo quiz
que ella fosse trajada de velludo b r<!-nco e ornada
de lirios.
Com os olhos rasos ele lagrimas foi elle re­
cebei-a para a conduzir ao pé do altar. Eil-o que
entra na capella do Carmello, com toda a solehnni­
dade, de braço com sua dilecta filha. Caminham
para o holocnusto. Elle a velhice veneranda ; ella
a juventude generosa. Ambos admiraveis pela vir­
tude, ambos heroicos no sacrifício, ambos inflam-
!' A NTA TJ.: I ! I<:/. I :\ 1 1 \ 1 03

u • ; · d t l"i u u m só desejo - o U l! p restar a Deus Omni­


pot t'uk u preito da maior ueuiração. Em Terezinha
adm i ramos o enthusiasmo com que rompe de uma
vc1. com o mundo, fechando os olhos a tudo que
Hus dotes lhe promettem, si ella continuasse no
scculo. Em seu pae, admiramos a fé esclarecida
e profunda como a de Abraham que o leva a con­
dut.ir sua propria filha ao altar do sacrifício. Mais
tarde esse varão admiravel exclamará : «Possuísse
cu causa m elhor, .que de bôa vontade eu a offere­
ceria a Deus». Suas filhas eram um thezouro ; cou­
sa mais preciosa n ão tinha ; por isso da m elhor
vontade, não obstante a dôr profunda que lhe atas­
salhava a alma, elle as offertava a Jesus.

ficaso ?
N a vida de Terezinha encontramos factos que
diríamos fortuitos, e ella os considerou disposições
divinas em seu favor.
Uma dessas coincidencias puramente naturaes,
na apparencia, deu-se no dia em que ella recebeu
o habito sagrado de Carmellita. A ceremonia es­
tava concluída. Terezinha radiante de j ubilo, reves­
tida exteriormente de aspero burel e interiormente
de ineffavel consolação, retirava-se da capella para
o interior do convento.
O prelado que h a via presidido á cerimonia
<·ntila o Te Deu m. Ad ve rti u-l he um sacerdote que
se· havia equivocado, pois esse hymno se entoava
a pt'n-. a ccremonia da profissão e não da tomada
1 04 PETALAS DE HOI>.\

de habito. Terezinha, porém , j ulgo u felicissimo o


engano. Ella tinha a alma a nadar no mais puro
goso . Queria mesmo expandir sua gratidão em
hymnos vibrantes.
Para elia foi seu J esus que assim dispoz dos
acontecimentos para lhe dar ensejo e ás demais·
religiosas de externa rem seu reconhecimento pela
graça im mensa que Elle concedêra a Terezinha.

fi neve

Apreciemos uma bella manifestação do espirito


infantil de Terezinha - nota encantadora de sua
santidade.
Ella gostava immenso de neve. Ella mesma
perguntava a si a razão desse gosto pela neve
que cobria a terra - haverá disso alg uma expli­
cação ? Seria talv·ez pela candura da neve que tão
bem se casava com a pureza da sua alma ?

• • •

N o dia marcado para a profissão rel igiosa de


nossa Santinha - 1 O de Janeiro de 1 8 88 - não
havia esperan ça que nevass·e . A temperatura não
era para. neve ; na atmosphera n enhum prenuncio ;
entretanto nossa Santinha d esejava que não fal­
tasse nev,e naquelle grande dia. Era a sua festa,
por ella tão suspirada, o dia de seus desposorios
com Jesus !
TOS
------ --- ----

A cerim onia da profi11Ru rr.ll�loan correu so­


lemne, vibrante, cheia de conunot;c)c•. Ao sahir da
egreja Terezinha, radia nte
de j uhlln po r se ter
consagrado a Deus, dá com os ulh oli nn l e n çol de
neve que, contra toda a es pectati vo , ae havia es­
tendido sobre a terra.
Terezinha já tão abalada de fortes emoçc)es,
ao , contemplar mais essa gentileza de seu Espo s o
não soube como expressar seu reconhecimento.
Assim �creveu ella : «Que fineza da parte de
Jesus ! Para fazer o gosto de sua pequena esp osa
concedeu-lhe a neve t ão suspirada ! Qual dentre os
mo rtaes, por pode ro s o que seja, póde fazer ca hir
do céu um s ó froco de neve para dar prazer á sua
amada ?»
Esse facto ficou conhecido com a designação de
(<o pequeno milagre».

Seu programma
Quem lê a vida d e Terezinha, difficilmente per­
cebe o perfil rigoroso da heroína christã, sob aquella
simplicidade i nfantil, com que ella se apresenta.
Mas a grandeza dessa alnia se patenteia aos olhos
de um observador o qual estude as aspirações que
ella deixa transparecer aqui e acolá. lndice seguro,
esses anceios bem mostram que não era uma crean·
ça a dona do cora-ção donde elles brotavam ; era
wn coração de tempera robusta, se m temo res i n ·
fàntis , de ambições diffioeis de contentar, ao (.'O D ·
trario do q ue succede com os anoeios pue ri a . Dea·
1 06 PETALAS ij('; HOSA

marcadamente vasto era o programma do seu apos­


tolado - delineado nesta simples phrase :
Vim para salvar almas e especialmente para
orar pelos sacerdotes foi o que ella respondeu,
-

quando lhe · perguntaram para que tinha ido para


o Carmello, no exame solemne que precedeu sua
profissão religiosa.
Ora, quem conhecia o gráu de comprehensão
que ella tinha do apostolado, bem como a energia
de vontade com que se batia pelos seus propositos
- bem percebia que aquella creança apparente era
já um gigante pelo espirito. Mais tarde, sem nada
perder da sua simplicidade infantil, deixa escapar
os anhelos com que fremia pela conquista do mun­
do para o seu ] esus. E então mais forte ainda, mais
athletico se patenteia seu perfil moral.

fi cantora ao Senqor
Conta a ·meiga Terezinha que, em creança, pos­
·
suíra alguns passarinhos, entre os quaes, um ca­
nario e um pinta-roxo.
O pinta-roxo fôra objecto dos seus desvelos
desde que sahiu do ninho. Creado assim longe dos
paes, não teve opportunidade de apprender com
elles os seus trinados. Mas o canario fazia sempre
ouvir as suas melodias ao pequeno pinta-roxo. Este
se poz a arremedar o eximia càntor, mas . não era
. .

c a n a r i o. Errava sempre a musica e Terezinha ria-se


m u ito dos erros do aprendiz. Mas, continua ella,
;� fi nal o pinta-roxo, a custo de reiteradas tentativas,
I' � 'I T -1 T e r- EZ T � H A

apprendeu a licção - cantava como si tivesse nas­


cido canario.
• • •

Deste facto singelo contado com infantil e en­


cantadora simplicidade, remonta Terezinha as sum­
midades da mystica. Ref.ere-se ás Iicções que re­
cebera de uma de suas irmans mais velhas, a qual
lhe ensinára a ella, ainda em tenra edade, as mo­
dulações do divino amor. Por humildade, se com­
para a o pinta-roxo com o qual entretanto . apenas
se assemelhava quanto á edade. Apprendeu sua
alma os gorgeios mais suaves do amor divino.
Nem foram necessarias reiteradas licções, pois nessa
alma madrugára o amor de Deus para inspirar-lhe
os mais bellos canticos, jamais talvez por ella ou­
vidos.
Só Deus ouvia o melhor desses canticos que
reboavam de continuo dentro daquelle coração in­
nocente e inflammado. Das notas, porém, que se
fizeram ouvir cá fóra, é-nos licito concluir que pou­
cas almas souberam vibrar com tanto enthusiasmo
como a d e Terezinha. Ur.ta flôr, uma nesga de
mar, um raio de sol e ra quanto bastava para pôr
em vibração a harpa daquella grande alma sempre
postada ao pé de Deus.

Fi!Jta a171orosa
O Sr. Martin, pae de nossa santinha teve im­
mensa consolação quando offereceu a N. Senhor
I OR PFTA L A S DV lWS A
------ - - · - - - -- - - - - - - -- - - -

sua estremecida filha. Foi um dia de jubilo para


eUe o dia em que a viu revestida das insígnias reL
ligiosas. Pouco tempo depois deveu o venerando
ancião passar por duras provações. Já havia elle
soffrido �lgum ameaço de paralysia cerebral. A
enfennidade voltou mais intensa e foi necessario
que se recolhesse a uma casa de saúde ; ahi passou
tres annos. Depois voltou para a casa do seu cu­
nhado onde viveu mais tres annos. Elle tinha ainda
duas filhas que lhe faziam companhia nos annos
dos seus soffrimentos. Mas o que difficilmente se
poderá explicar é o ma rtyrio que amargurou pro­
fundamente a alma da Terezinha durante a en­
fermidade paterna. Seria necessario conhecer a de­
licadeza e ternura do coração daquella filha admi­
ravel para se chegar a conhecer o gráu do padeci­
m ento que o cruciou. Ella assim se expl1essa com
relação a essa phase de sua vida : «Não h a palavras
que possam exprimir nossas angustias, nem eu as
tentarei descrever. . . Mais tarde, lá no céu, folga­
remos com a recordação destes dias sombrios do
exílio».

Ser pobre

A pobreza é das virtudes menos comprehen­


didas pelo seculo. Com o rumor dos que buscam
enriquecer-se, na soffreguidão com que se procura
o conforto, entre a asafama das ambições - não
é possível entender a pobreza como virtude,
S.-l.i'>TA TEHFZic;H -\. 1 09

São Francisco de Assis é um louco aos olhos


do mundo quando se declara apaixonado pela po­
breza.
• • •

Santa Terezinha comprehendeu até m uito lon­


ge o valor da pobreza. N ão foi de uma vez qute
ella se apoderou dos segredos dessa sciencia extra­
nha, que se oppõe a todos os principias do mundo.
Pouco a pouco foi ella penetrando as trévas que
sempre envolvem essas verdades profundas. «Sen­
do eu postulante - dizia ella - queria ter minhas
cousinhas bem arranjadas, escolhidas e que nada
me faltasse». Nesta declaração ha exaggero, pois
já nesse tempo e ra notavel seu desprendimento. Mas
continua ella : «Jesus supportava isso com pacien­
cia . . . » Depois foi ella crescendo no seu espírito
de renuncia a tudo quanto fosse conforto ou pa:­
recesse tal. Veremos como soube valer-se de cir­
cumstancias molestas para gosar da pobresa que
se lhe tornava cada vez mais preciosa.

j)obre�a pralica
Com a maior ingenuidade, Terezinha illustra
em um singelo facto o que ella dizia de si - isto
é que depois de ter recebido o habito religioso, foi
sempre m ais se despojando de tudo o que é con�
forto e affeição ás commodidades.
Estava ella em sua cella, á noite, e dispunha­
s e a trabalhar bastante. Procura o lampeão para
illuminar sua pobre cella e não o encontra.
I IO PETALAt:' DE HO:-iA

Por distracção alguma das suas irmãs o havia


retirado. Não podia reclamal-o, pois eBa de fórma
alguma queria quebrar o silencio - era tempo
de silencio rigoroso. Parece que Terezinha tinha
grande motivo para se molestar. Devia ficar uma
hora inteira sem poder dar andamento ao traba­
lho que contava fazer aquella noite. Outra alma
menos virtuosa facilmente se teria deixado trans­
portar pela impaciencia e as lamentações talvez
nâJoi 'tardassem. Tal não se deu com Terezinha.
Ella tinha abraçado voluntariamente a pobreza e
ao pobre as privações não podem ser extranhas
- privações do util e tambem do necessario. Por
isso ella, na escuridão exterior sentiu-se interior­
mente em grande claridade e gosou da condição
de pobreza a que se viu .11eduzida por aquella hora.
Ser pobne é viver nas privações da pobreza. As­
sim o comprehendia a nossa Santinha - pelo que
a falta de qualquer causa lhe m erecia o apre.ço
de quem conhece, a fundo, a sciencia de despojar-se
da terra para se enriquecer de bens celestes.

})olorosa provação
Nota-se com frequencia na vida dos que se
consagraram a Deus um phenomeno extranho.
O chamamento divino ou vocação religiosa para
muitas dessas pessoas inspirava-lhes um gosto ac­
centuado pela vida a que aspiravam ; o enthusiasmo
lhes communicava energias novas. Mas é o que
-

causa extranheza - nas vesperas da consagração


SA!I:TA TEHEZI:\ I I A III

dessas almas ao Senhor, na imminencia, portanto,


de se realizar o sonhio afagado por longos annos�.
cessa o attractivo para a vida religiósa. Surgem
no espírito perplexidades e receios e por vezes
o coração refoge sentindo quasi aversão pelo que
tão ardentemente anhelára .
• • •

Terezinha na vespera do grande dia por que


aspirava com tanto ardor, sentiu a m ente invadida
pela duvida atroz. la consagrar-se a Deus no dia
seguinte, mas foi tal a perplexidade que della se
apoderou que pensou em voltar para o seculo,
pois pareceu-lhe não ter vocação. Terezinha hu­
milhou-se expondo logo á sua Superiora o estado
do seu espírito. Foi quanto bastou. Dissipou-se a
a nuvem. A pa� voltou ao seu coração e ella poude
prelibar as delicias da hora abençoada de sua con­
sagração a Deus. T erezinha dá uma explicação cabal
desse phenomeno por que ella, como muitas ou­
tras almas, passou - o demonio. E' o espírito das
trevas que procura impedir a entrega total das
grandes almas ao Esposo Divino que as escolheu.
Satan, o eterno inimigo do homem, não perde en­
sej o para impedir tão nobre acção e para isso,
semeia trevas e duvidas nas almas eleitas.

fi profissão
Terezinha fez então seus votos religiosos com
immenso gaudio. O que se passou em sua grande
II2 PETAL.-\S DE ROSA.

alma nesse dia, só Deus soube. Mas, por um es­


cripto que ella de proprio punho escreveu, e trazia
sobre o coração, pode-se calcular o que era a sua
alma naquelle dia.
Vejamos só as primeiras linhas desse escripto :
((0' Jesus, meu divino Esposo, conservae sem­
pre sem mancha m inha veste baptismal.
E antes que a manche a mais leve culpa volun­
taria, Senhor, levae-me deste mundo».
Naturalmente queria dizer a nossa santinha que,
após a profissão, sentia-se revestida da innocencia
que lhe obtiveram as aguas do baptismo ; que ti­
nha em tal apreço esse dom de Deus, esse estado
feliz que preferia morr·e r a manchar mesmo de
leve sua bella alma. Mas essa prece foi tambem
um programma. Daquella hora em diante a preoc­
cupação de Terezinha por manter illibada a sua
alma, não cessou mais. O dia feliz dos seus des­
posorios com Jesus não teve occaso.

As pessôas que cultivam a piedade muitas ve­


zes se sentem abaladas quando lhes cessa a con­
solação que ordinariamente acompanha a vida es­
piritual ; ahi se patenteia então que muita part:e
tinha o sensível, nessas consolações. E casos ha
em que o abalo é tão forte que o desanimo se
apodera da alma privada de consolações. E' o nau­
fragio da piedade porque lhe fatava o cunho do
sobrenatural.
SANTA TEREZIJiõHA 1 13

. . ..

A T�e rezinha não faltou essa provação. Foi


muito prolongada a aridez com que Deus quiz pu­
rificar a fé dessa alma grande. Ella dizia, com
referenda a esse estado de sua alma, que era o
somno de Jesus na barquinhà de sua alma. E s e
conformava plenamente, deixando seu Deus repou­
sar por completo emquanto ella penava sem sentir
a consolação da sua presença. Mas era tão varonil
essa alma, tão retemperada e rica de energias que
o abandono divino não lhe tirava a boa vontade
de sempre. E na alta comprehensão que ella tinha
da verdadeira piedade r;ejubilava-se com ser tra­
tada assim fortemente pelo Pae Celestial. Chegava
a sentir «immenso praz:er», confessava ella, no meio
da desolação em que se ·e ncontrava. Mesmo sem
ter esperança de lograr, nesta vida, dias mais cheios
de consolação, clla se· contentava com a esperança
de as gosa rno céo : «Pelo que vejo, elle (Jesus))
não acordará antes d o meu grande retiro da eter­
nidade ; mas isto não me afflije, pelo contrario
- me dá o maior prazer».

:J"Iperfurbavel
Já nos referimos á conformidade e calma com
que Terezinha soffria as desolaçõ,es do seu espí­
rito pela falta de consolação nos exercidos de pie­
dade. Essa conformidade era virtude muito alta
e propria dos santos. Terezinha porém não attri­
buia tão bellas disposições do seu espírito á vir-
1 14 PETALAS DE RCSA

tude, mas á falta que dizia commetter com relação


á correspondencia á graça. Nisto sua humildade
brilhava com m uita luz. Mas apezar do conceito
desfavoravel que ella formava d e si, nem por isso
cahia em desanimo, porque nella a confiança tinha
assumido proporções admiraveis - confiança in­
fantil e absoluta que lhe e ra á santidade a nota
encantadora, nunca assaz louvada. Para explicar essa
disposição do seu espírito ella compara a aridez
que a provava ao som no e assim se expressa :
«Penso que as c�eancinhas sempre agradam a
seus paes, quer estejam ellas dormindo, quer acor­
dadas . . . » e cita as palavras do psalmo 1 02 : <(O
Senhor conhece nossa fraqueza e bem sabe que
somos um punhado de pÓ».
E' assim que nossa santinha conquistou uma
quasi imperturbabilidade na flor dos annos, qua­
lidade essa que suppõe um gráu já muito elevado
de perfeição - o que quer dizer que ella já tinha
percorrido largo trecho do escabroso caminho pal­
milhado pelos santos, apezar de. se encontrar ainda
nos alvores da sua existencia.

fibaqdono
Ha pessoas que se affligem inutilmente em
estudar o futuro, procurando os meios de perfei­
ção que julgam indispensaveis para a quella e aquel'­
outra phase de vida. Quebram a cabeça em pre­
visões de difficuldades e pesquizas de soluções para
as mesmas. Esse porvir architectado pela phan-
SANTA TEUEZINHA 1 15

tasia tortura-lhes a alma e m uitas vezes sacrifica


inteiramente o pres·ente. Assim é que o dia de
hoje e o d'amanhan veem a soffrer muito pelas
preoccupações descabidas do futuro : soffre o pre"
sente porque a alma perturbada não pode apro­
veitai-o, sobre o futuro porque geralmente as pre­
visões falham.
• • •

Com a sabedoria que Deus lhe déra em alto


gráu, Terezinha s e libertou dessas preoccupações
inuteis. Ella entendia que <(a cada dia bastam as
suas difficuldades».
Confiava _plenamente na Providencia e esperava
que, no futuro, com as provações que surgissf!m,
chegariam tambem as luzes e energias do céo.
Assim, escreveu ella estas palavras de pro­
fw1da philosophia ascetica : «Mas de uma vez pude
notar que não quer Jesus fazer provisões dentro
de minha alma ; a cada instante elle me fornece
o alimento. . . creio simplesmente que J esus m'o
subministrou. . . inspirando-me tudo o que desejava
que eu fi7jesse no momento».

jYas mãos ele :i>eus


Com a facilidade que lhe e ra peculiar de ex­
pressar seus sentimentos - Terezinha dizia-se o
brinquedo do Menino Jesus.
Com esta expressão, conseguia significar uma
disposição admiravel de sua alma - disposição
que nascia daquella infancia espiritual que ella tão
II6 PETALAS DE ROSA

bem soube cultivar. Offerecera-se ao Menino Deus


para cumprir a vontade delle, sem fazer restric­
ção alguma. A creança quando se diverte não tem
consideração alguma (digamos assim) para com seus
brinquedos.
Si é um instrumento de musica, ás vezes o
trata como carrinho, como bola . . . ; ás vezes seu
prazer é despedaçar o brinquedo. Numa palavra
dispõe delle ao sabor de seu capricho.
Terezinha se entrega assim á Vontade Divina
e para significar que acatará qualquer disposição,
imagina essa vontade com caprichos infantis, sem
·

attenção alguma para com o objecto que manuseia,


si é licito dizer assim. Ora tal cousa só se póde
suppôr no caso daquella Vontade pertencer a uma
creança ; por isso, ella se põe nas m ãos da Divina
Creança.

De accordp com essa ordem de idéas, nossa


Santinha assim falia do que soffreu em Roma por
ver frustrada a sua esperança de consagrar-se logo
a Deus. «Em Roma Jesus transpassou a sua bola,
para ver, com certeza, como era ella por dentro ;
depois, satisfeito com a descoberta, deixou-a cahií
no chão e adormeceu. Que fazia elle enquanto dor­
mia docemente ? E sua bola que fim levou? Jesus
sonhou que continuava a brincar pegando na bo­
linha, abandonando-a em seguida, atirando-a para
longe, acabando por apertai-a contra o Coração,
para que não mais delle se apartasse».
f; A !"T A TEREZINIIA I I7

Quanta sublimidade de doutrina ! quanto mys­


ticismo em linguagem pueril ! Que alma grande em
attitude de creança ! Como brinca com suas cruzes,
conciliando a simplicidade com as virtudes heroicas
da conformidade e correspondencia á Vontade de
Deus !

j)elos sacerdotes
Que alta comprehensão tinha a nossa santinha
do caracter sacerdotal ! Os escolhidos de Deus para
continuadores da obra divina, os sacerdotes, tinham
para os olhos de T,e rezinha cheios de fé, uma au­
reola que os tornava inconfundíveis com os outros
homens.
Aliás, os espíritos illuminados pela fé, não po­
dem deixar de reconhecer a magestade que Deus
empresta ao homem tão mesquinho para tornai-o
seu representante na terra e dispensador dos seus
thczouros.
. .. ..

A ordem do Carml'ilu da qual fez parte Terer


zinha, tem a missão de o ra r pelos sacerdotes. Por
isso ella escrevia mais t c rd c {, sua Superiora : «Que
bel1:1 vocação a nossa ! A nôs, ao Carmello, cum­
pre conservar o sal da terra ! Orações e sacrifícios
--:- tudo offerecemos pelos apostolos do Senhor :
nós mesmas devemos ser os seus apostolos ao mes­
mo tempo que lhes cumpre evangelisar as almas
dos nossos irmãos pela palavra e pelo exemplo.
I I 8 PETALAS DE ROSA

Nobre missão é s em duvida a que nos cabe !»


Esta grande idéa dos ministros de Deus ella
a concebeu nos seus primeiros annos e quando
por dever de carmellita se sentiu obrigada a orar
pela santificação delles, foi-lhe apenas mistér con­
tinuar com a caridade que já exercitava.
Intelligencia lucida e esclarecida tambem da
luz do céo, facil lhe foi, desde cedo, entender o
alcance da santidade necessaria a um homem cha­
mado ao apostolado. Quiz então á medida das suas
forças cooperar para a santificação do clero.
Só Deus conhece o resultado desse trabalho
espiritual d e Terezinha em favor dos seus minis­
tros. Só Elle póde medir as consequencias que d'ahi
resultaram em favor das almas que do ministerio
sacerdotal devem receber os meios de salvação.

}fas a/furas
Muitas vezes, onde a alma debil encontra a
desedificação e se escandalisa, a alma forte se re­
tempera e purifica.
A vaidade terrena, o fausto inspirava a Tere­
zinha um nobilíssimo sentimento de d esdem pelo
mundo. Não a enfeitiçavam as galas mentirosas,
mas consolidavam sua firmeza no s ummo e unico
Bem.
* * *

Mettida, ás vezes, na alta sociedade, onde se


dava todo o apreço aos títulos nobiliarchicos, no-
SANTA TEREZI:-oHA I I9

tava Terezinha a grande vaidade do nome que


tanto se preza. E com a facilidade espantosa com
que jogava com os textos dos livros asceticos e sa­
grados, interpretando-os e applicando-os, quasi a
brincar, assim ella escreve :
«Compenetrei-me do conselho da lmitàção : Não
r:orraes atraz dessa sombra que se chama grande
nome (1, 1 1 1 XXIV. 2) . Comprehendi que na alma
e não no nome está a verdadeira grandeza. O Pro­
pheta nos diz : O Senhor dará outro nome aos
eleitos (Is LXV, 1 5) e em S. João lê-se que o
.

vencedor receberá u ma pedrinha branca na qual


está escripto UM NOME NOVO conhecido ape­
nas de quem o recebe. (Apoc. 1 1, 1 7) . No céo é
que havemos de conhecer nossos títulos de nobreza.
Lá cada qual receberá de Deus o louvor que me­
rece ( 1 . Cor. I V, 5) . E assim, com tão alta com­
. .

prehensão das causas de Deus, tão elevada ácima


das leviandades terr,e nas · não parecia uma crean­
-

ça, mas pessôa largamente experimentada e ama­


durecida em edade.
E o m undo iniquo, como tomado de reverencia
por virtude tão solida em uma alma de creança,
prestou-lhe homenagem de respeito, quando por im­
periosa necessidade ella se encontrava nas reuniões
da alta sociedade.

Esposa cleáicaáissima
Um dia Terezinha foi chamada ao locutorio
do convento. Era uma sua prima, casada havia pou­
co, que lhe foi fazer uma visita.
1 20 PETALAS DE ROSA

Notou a nossa santinha que a sua prima era


toda attenções para com o esposo. Isto bastou
para que Terezinha se sentisse fortemente estimu­
lada a cobrir de gentilezas o Esposo de sua alma,
seu adorado Jesus. «Não - protestou ella dentro
de si - não permittirei que se diga que uma se­
nhora do mundo faz mais pelo seu esposo, que
é apenas um mortal, do que eu pelo meu Jesus
Amado». Desse momento em diante o fervor de
Terezinha cresceu de ponto.
Lendo ella, ·então, o convite de casamento de
sua prima, redigiu tambem o convite dos seus des­
ponsorios mysticos. E' o interessante bilhete que
aqui reproduzimos : «0 !Jeus Omllipotente, crea­
dor do céo e da terra, soberano Dominador do
mundo e a 0/oriosissima Virgem Maria, Rainha
da corte celes tial, tcem o prazer de vos participar
o desposorio espiritual do seu augusto filho Jesus,
Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, com Terezinha
Martin, d'ora avante dona e princeza dos reinos
que lhe foram doados pelo seu divino Esposo.
Da infancia de Jesus e de sua s1l.grada Paixão lbe
derivam os titulas de nobreza ; do Meflino Jesus
e da Sagrada Face. Tendo sido impossível convi­
dar-vos para as festas das Bôdas celebradas, :na
Montanha do Carmello a 8 de setembro de 1 890,
nas quaes só foi admittida a côrte celeste - pela
·
presente vos convidamos para o ban quete da festa
que será Amanhã, dia da Eternidade, no qual Je­
sus, filho de Deus, ha de appar.e cer entre as nu­
vens do céo, em todo o esplendor de sua mages-
SAI'TA TEREZINHA J2I

tade, para j ulgar os vivos e os mortos. Como,


porém, a hora é incerta, sois convidados a estar
preparados para qualquer momento».

O dia em que nossa santinha se consagrou


a Jesus com os votos religiosos foi um dia de
ventura ineffavel para ella. A' tarde daquelle dia,
contemplando uma nesga de céo estrellado que
de sua cella se podia descortinar, sentiu todo o
peso da felicidade que N. Senhor lhe concedia. As
scintillações das estrellinhas lhe pareciam acenos
que a convidassem para a ventura infinita. Ella
esperava «breve levantar o vôo para o céo» onde
havia concentrado seus thesouros e suas affeições
todas. O pensamento da morte lhe era então so­
bremodo doce - tão viva era a esperança de en­
trar logo na posse do eterno bem. foi assim qu·e
N. Senhor, mesmo nesta pobre terra, quiz ir re­
numerando a generosidade com que nossa santinha
se entregára a Elle numa total abnegação de si
mesma.
Não creiamos, porém, que a cruz tenha desap­
parecido dos caminhos floridos dessa alma privi­
legiada. Mas as provações nunca lograram extin­
guir-lhe a felicidade essencial que reside especial­
mente na paz e «no fundo do calix (das amarguras)
encontrava a paz, sempr·e a paz» declara ella pro­
pria. E' um mysterio de Deus - mas é um facto :
os santos sentem a felicidade dentro da dôr.
1 22 PETALA S DE fWS A

l/117a hei/a 117orfe


Não sei si o leitor já assistiu a alguma morte.
Ha pessôas que chegam a uma edade bem adean­
tada sem terem presenciado esse espectaculo da
morte de um seu semelhante.

* * *

Terezinha até os desoito annos de edade não


tinha visto pessôa alguma expirar. A primeira mor­
te a que ·esteve presente foi a de uma santa.
.
Santa, podemos, na verdade, chamar á Madre
Genoveva de Santa Tereza, religiosa de virtudes
eximias, fundadora do Carmello de Lisieux. Feliz
Terezinha que logo, á primeira morte a que as­
sistiu, poude admirar a victoria da graça de Deus
que consumava, de modo magnífico, o sacrifício de
uma vida toda votada á gloria d'Elle.
O -. fructo espiritual colhido por Terezinha ao
tombar dessa arvore que, plantada no Carmello,
cmbalsamára a Ordem toda com o perfume de
suas hcroicas virtudes - foi um fervor todo novo
para as ascençõcs de sua a lma, rumo ao céo.
Notára nossa sa ntinha que a ultima lagrima
da veneranda Madre não c h egou a lhe rolar pela
face. Tomando então de um lenço ou causa se­
melhante nelle embebeu aquella ultima lagrima.
Como reliquia preciosa da veneranda Religiosa o
lenço foi cuidadosamente conservado por Santa Te­
rezinha.
SA � TA TEREZINHA 1 23

Seu }liesfre
No inicio da vida religiosa, tão nova ainda,
era entretanto já provecta nossa Santinha. Tinha
corrido tanto pela estrada da santidade que já to.
cava o extremo final quando se poderia suppôr que
estivesse ainda no inicio da caminhada que sóe ser
tão longa e penosa. Peroebe-se o estado de grande
adiantamento do seu espirito pelo facto de . já dis­
pensar livros e mestres, bastando-lhe seu Jesus
tão só.
Ouçamol-a : «Entendo e por experiencia o s ei :
o reino de Deus está dentro em nós (Lucas 1 7-2 1 ) .
Jesus não tem necessidade de livros nem d e dou­
tores para instruir as almas ; elle é o Doutor dos
doutores e ·ensina sem o ruido das palavras. Nun­
ca lhe ouvi a voz, e ntretanto tenho a certeza de
que elle está ·em mim . . » Ahi está o segredo do
.

seu viver todo sobrenatural. Encontrava-se bem cêdo


com o Divino Mestre que lhe saciava a sêde ar­
dente de justiça. Ditosa discipula de tão grande
Mestre. Elle a guiava pela mão para os pincaros
da perfeição e tão docil o seguia, que não a mar
goavam as arestas das escarpas por onde subia.

Os sonhos s ão como um echo do ruido que,


no correr do dia, ouvimos. As imaginações po­
voadas de impressões sinistras teem o somno per­
turbado pelos phantasmas negros do pavôr.
124 PETALAS D E ROSA

A alma de Terezinha era tão elevada que a


poesia mais pura a enchia de encantos e harmonias.
Seus sonhos, portanto, haviam de ser tambem
tecidos de luz e suavidades. Ella mesma dizia que
habitualmente sonhava com flor·es e ondas, com
creancinhas a correm ao encalço de borboletas e
passarinhos.
Certa vez teve ella um s onho que muito a
consolou. foi pouco depois do fallecimento da Ma­
dre Oenoveva, a santa carme1lita a quem vene­
rava. Pareceu-lh e ver a saudosa Madre a distri­
buir lembranças pelas outras religiosas ; já nada
mais havia para dar, tinha as mãos vazias e Te­
rezinha causa alguma recebera. Nossa Santinha fi­
cára esquecida ? Não. Por tres vezes lhe disse a
su'periora : «A' minha filhinha deixo o meu coração».
Verdade é que Terezinha n ão dava aos sonhos
mais valor do que elles teem . Mas era um facto
a estima que a veneranda Superiora dedicava á
jovem carmellita, já tão prov·ecta em virtudes.

Creaqça espiritual

Disse uma vez o Divino Mestre : s i vos não


tornardes como as crcanças, não entrareis no reino
dos céos.
T erezinha não deixou que taes palavras o vento
as levasse. Guardou-as com carinho dentro d'alma,
fez dellas norma de sua vida, traduziu-as em seus
actos.
S A !'i T A TEREZl;'-;llA 125

Ella foi uma treança em toda a sua existenc:ia.


A ingenuidade, a innocencia, a confiança illimitada,
a docilidade - esse conjuncto encantador que fórma
o ooração infantil - isso era T,e rezinha. E toda
essa simplicidade em perfeita harmonia com a pru­
·
dencia, a firmeza e a visão clara das co usas, deu­
nos esse ptimor de virtude - a santinha de Lisieux .

• • •

E a fragrancia dessa violeta foi tão intensa


que o claustro n ão a poude conter. T�escalou pelo
mundo inteiro como o nda avassaladora, irresistivel.
Ha homens que viv,em num esforço perenne de
conqui�ar celebridade. Applaudem-se a si mesmos,
compram homenagens a qualquer preço, sobem os
degráus de maior evidencia para chamar a attenção
do mundo. Conseguem {ts v ezes um rumor ephemero
que nem sempre lhes espera a morte para desap­
parecer no silencio absoluto.
Terezinha ,escondeu-se quanto poude. Envolveu
em uma estamenha suas prendas phisicas, escon­
deu-se no retiro do Carmello, renunciou a todas as
aspirações da terra. Mas quanto mais tentou occul­
tar-se e anniquillar-se, mais a gloria jurou cele­
brizai-a.
As graças da infantilidade sublimadas pela san­
tidade de Terezinha podem explicar, até certo pon­
to, a sympathia mundial que vem intensamente au­
reolando a sua fronte.
126 PETALAS DE ROSA

E' possível que, para essa sympathia, haja um


factor mais influente ainda : o querer Deus confun­
dir o orgulho do seculo com toda a sua petulancia,
mediante a ingenuidade infantil da angelica Car­
melita.

fi escripfora
-

Ficou celebre a phrase �<o estylo é o homem».


Hade-se concluir então que si o homem tiver es­
tylo, neste se hão de reflectir as vibrações de sua
alma.
• • •

Que dizer então do estylo da santinha de Li­


sieux ?
Sua alma era tão rica de vida, tão vibratil,
sentia tão fortemente o bello, era tão pura e recta,
tão firme e tão meiga !
Pois quem n ão percebe tudo isso nos escriptos
de Terezinha ? Sua prosa é uma continua poesia.
Em suas cartas, encontra-se a cada passo uma
surpreza, uma idéa nova ou ao menos vestida com
graça invulgar.
Si uma creança de poucos annos, sem nada
perder da sua naturalidade, da sua ingenua vivaci­
dade, adquirisse cultura e penetração - poderia
escrever como Terezinha.
O nenhum esforço com que ella expressa seus
pensamentos, a onda de poesia que a arrebata, a
propriedade das imagens, a despreoccupação de
SANTA TEREZINHA I 27

agradar, o conjuncto indefinível das louçanias que


lhe formam o estylo unico - faz de seus escriptos
uma leitura gratissima .
• • •

Reconhece a mesma santa poetisa carmelita que


Deus lhe déra grande facilidade para transferir seus
pensamentos para o papel. Vêde quanta graça neste
simples pensamento de uma das suas encantadoras
cartas, em que se patenteia a grandeza de sua aí­
feição á Santíssima Virgem.
«Sabeis, ó minha Mãe querida, que eu m e
sinto mais feliz d o que vós ! E u vos tenho por
Mãe e vós não tendes como eu uma Virgem Santa
para amar».

fimor e temor
Sempre se ensina que o amor de Deus é mais
effi caz do que o temor, no aperfeiçoamento das
almas. Mas a doutrina é pouco comprehendida. Tal­
vez porqtlle as almas vulgares sentem mais o te­
mor de Deus do que o amor para com elle. Deus
- punidor dos crimes - faz-se talvez mais sensivei,
ao homem terreno e, por isso muitas vezes os
peccadores s e penitenciam movidos pelo temor. Mas
as almas que sabem amar a Deus e ncontram estí­
mulos immensamente mais influentes para se emen­
darem no amor a Nosso Senhor.
I 28 PETALAS DE fiOSA

Santa Terezinha poderia ser apresentada como


exemplo typico nessa questão. Sua bella alma tinha
penetrado já bem dentro no amor a Deus ; estava
pois em condições de esperimentar a força sug­
gestiva dessa dynamica celeste. O amor communica­
va-lhe energias taes que o «impossível» recuava
suas barreiras para as regiões em que as collo­
cava o omnia possam do apostolo. Assim deixou
ella escripto : «é de tal natureza a minha indole
que o temor me faz recuar e, com o amor, não
só avanço e corro, mas chego até a voar». E
voava, de facto, nas azas da confiança que o amor
lhe inspirava. E foi-lhe o s·egrêdo da vida - amar
muito e nessa onda deixar-se transportar para as
plagas inacccssivcis ás paixões terrenas.

Soli J)eo

Ha pessoas que desejam com avidez alguns


dotes naturaes, como intelligencia, bôa memoria,
habilidade para esta ou aquella arte etc. Chegam
mesmo a pedir a Deus com insistencia esses dons.
mas não são attendidas - porque ? Para muitos,
esses dons que fazem sobresahir, que arrancam ap­
plausos ,e lisonjeiam - s·eriam presentes fataes.
As almas que se envaidecem com facilidade, que se
tornam orgulhosas, quando se reconhecem prenda­
das, n ão sabem quanto mal desejam a si m esmas,
quando ambicionam qualidades que brilham .
• • •
�A!\TA TEHEZl:'\IIA 1 29

Nossa Santinha - coração de admiravel con­


textura - quanto mais era enriquecida dos dons
do céo, mais reconhecia que só Deus é perfeito
e digno de louvores. Nem os elogios dos homens
a inebriavam, nem o reconhecimento que tinha, por
consciencia propria, das prerogativas que Deus lhe
concedêra, na ordem natural como na sobrenatural,
nada a inorgulhava.
Ella mesma rcconllecia essa felicidade do seu
espirito que tão bem encaminhava para o Autor de
todo o bem, os meritos que outros ou ella mesma
reconhecia em suas faculdades.
Como os espelhos, que, quanto mais tersos
mais reflectem a luz recebida, sua alma, á m edida
que mais pura se tornava, melhor canalisava para
Deus os louvores que, á primeira vista, a ella
eram devidos.

Só quer o sobrenafural
Manifestou Terezinha que sentia tres grandes
desejos : 1 .0 - o de poder repmduzir n a tela os
traços e cores, como sua irmã Celina, com arte
singular, sabia fazel-o ; 2.0 _o de fazer versos ;
-

3.0 - o de fazer o bem ás almas. Apezar de tão


innocentes e honestos esses desejos, como lhe pa.
receram naturaes - não os quiz pedir a Deus. Ella
queria que seu coração só cultivasse o sobrenatural.
Mas Deus quiz conceder-lhe tudo isso. Ella
fez bellos trabalhos de pintura, poesias de grande
inspiração e 'derramou o bem, em grande escala,
P I· TALAS li E 1-\0�A

em redor dê si. Ella mesma reconheceu que Nosso


Senhor lhe satisfez os íntimos desejos e por isso
recordava o caso de Salomão e como elle - dizia
- reconheceu a futilidade dos bens terrenos,
pois apezar de sentir suas aspirações satisfeitas,
só achou a felicidade no viver escondida em Deus.
E como sabia nossa Santinha passar do que
é terreno ao sobrenatural ! Vencendo-se constante­
mente, adquiriu tal superioridade sobre os bens
caducos da terra, que não parecia já viver na es­
phera das cousas ephemeras. As aspirações mais
innocentes eram recalcadas em sua alma desde que
lhes faltasse o cunho do sobrenatural. Não lhe bas·
tava o bom, queria o optimo.

fi'"liga das flôres

]á conhecemos o temperamento de Terezinha


no que elle tinha de vibrante pelas bellezas da
·

obra de Deus - a natureza. As flôres, por exem­


plo, eram um encanto para ella. Quando vinha che­
gando a primavera com a profus ão das suas côres
e perfumes, ella sentia a necessidade de viver para
contemplar as maravilhas de Deus. Para urna alma
de creança assim a paixonada pelas flôres, foi sa­
crifício bem grande a renuncia que ella fez do
innocente praz·er, ao fechar-se no Ca rmello.
Mas - faz notar ,ella mesma - quando N.
Senhor lhe pe�ia um sacrifício bem cedo lh'o re­
munerava. Quantas vezes seu Divino Espos-o re-
8A1'TA TEHEZl :';JIA I3I

cebia os prazeres a que ella renunciava para logo


centuplicai-os em seu favor ! _

«Nunca tive tantas flores como depois da mi­


nha entrada no Carmello» dizia. E as flores d e
sua predilecção, como a s boninas por exemplo, não
lhe faltavam para o adorno do altar de Deus. Ha­
via, porém, uma florzinha mimosa - a nigella dos
trigaes - da qual muito gostava Terezinha, que
não havia ainda apparecido no Convento para re­
crear a piedosa Carmellita. Um dia appareoeram-lhe
as queridas nigellas com seus tons azulados, com
suas petalas a imitarem taças. Que alegria infantil
e pura pa ra o coração de Terezinha ! Ella se sen­
tiu transportada de gratidão para com Deus que
- exclamava ella - pas cousas pequeninas como
nas grandes, mesmo neste m\Jil)do, dá ás almas
que tudo deixaram por seu amor, o cento por um.

· Saqfo varão

Na vida d o claustro, o amor dos filhos para


com s eus paes não arrefece : purifica-se, sobrena­
turaliza-se e cresce. Isto se observa muito clara­
mente na vida de nossa Santinha. Lá no Cannello,
era ella s empre a mesma filha amorosa, em cujo
coração s eu venerando pae tinha sempre viva a
chamma d e uma affeição muito sincera. Nem sa­
bemos si houve ainda coração de filha tão dedicado
e extremoso. Já ,era um culto de veneração, o
que lhe tributava Terezinha, semelhante sinão iden­
tico ao que se tributa aos Santos. Realmente era
PET.-\LAS llE l{OSA

excepcional a virtude do Sr. Martin ; offerecia, d e


facto, margtm aos conceitos mais elevados. Mesmo
sem os enthusiasmos do amor filial, justificavam­
se muito bem taes conceitos.
A m esma amorosa filha nos refere as seguintes
palavras do Snr. Martin :
<(Minhas filhas, cheguei de Alençon onde re­
cebi grandes graças e consolações na egreja de
N. Senhora. Foram taes e tantas, que orei assim :
J á é de mais, meu Deus ! Sim, sou feliz em1 elX­
cesso e não se póde, assin;, entrar no céo. Quero
soffrer alguma cousa por vosso amor. E me offe­
reci. » E ella commenta assim essas reticencias :
. .

Morreu-lhe, nos labias, a palavra victinza que


ellc não teve coragem de pronunciar, em nossa
·

presença. Mas nós a tínhamos advinhado.

Um encaqfo !

O Menino Jesus é todo ternura e affabilidade.


Ninguem póde quedar-se indifferente á vista dessa
creança tão linda e meiga.
E quando pensamos que nessa m eiguice se
esconde o eterno Amor ! E quando nos parece ver
naquelles olhinhos de candura um reflexo da Bel­
leza increada ! E quando no balbucio encantador
daquella vói suave ouvimos um echo do Verbo
creador ! E quando aos primeiros passos do Me­
nino que cambaleia, mal se sustendo de pé, pen­
samos em Jehovah no meio dos relampagos ! ou
:-: .\ N T .\ TEH EZ I J\ I I A

no Espírito que pairava sobre as aguas do prin­


cipio do mundo !
.. . .

Para T erezinha o Menino Deus era um céo


n a terra. Com que ternura o amava ! Quiz ser toda
delle e chamou-se «do Menino Jesus». Seu cora­
ção infantil sabia facilmente e ncontrar o coração
do Deus Menino, como sabia bem e ntender os mo­
nosyllabos mal articulados da Creança Divina. Nem
todos sabem fallar ás creancinhas, nem todos sa­
bem captivar-lhes o coraçãosinho e inspirar-lhes con­
fiança. O Menino Deus tambem é assim e nem to­
dos logram privar com elle ; nem elle p rodigaliza
a todos seus affagos e carinhos. Terezinha conhe­
cia o segredo de captar as carícias do seu Jesus. E
o segredo estava na simplicidade infantil com que
se approximava d'Elle. lnnocente e meiga, pura
e humilde ella não podia amedrontar a Creança de
Belém.
.. ... .

Quereis conhecer a affeição que ella Therezi­


n h a dedicava ao Divino Infante ? Lêde-lhe estes ver­
sos :

«Ao ver-vos, meu Jesus, deixar da mãe os braços


E com seu terno auxilio
Tentear vacillando uns mal seguros passos
Em nosso pob re exílio :
Quizera desfolhar, Amor, pelo caminho,
A mais purpurea rosa,
I J4

De s orte que esse pé genti l poisasse de m an si nlh üj


Sobre uma flor mimosa.»

E ella sempr·e a des fo l har r os as . . .

.;Yada recusou a :õeus


Feliz a pessôa que a o termina r o dia, antes
de recolher-se para d orm i r, pód·e dizer comsigo mes­
ma : hoje nada recusei a Deus. fel iz sim, porque
não se póde imaginar cousa mais agra dav el ao
Senhor do que o cu m primento da Divina Vontade,
nem tamp o uco m aior prov e ito para a nossa alma
do que esse cum p rimen to dos d esejos de Deus.
Si porém alguem pudér dizer no fim da sua car­
reira mortal, antes de dormi r o ete rno somno -
na minha vida eu nada recusei a Deus - então não
sei que ventura será a dessa pessôa.
P oi s , com assombro, ouvimos essa declaração
dos labias de Terezinha. Ella confessa que, desde
a edade de tr.es annos, nunca 11ecusou a Deus cousa
alguma. N ote -s e que essa candida alma tinha os
ouv i do s sempre attentos ás vozes intimas da ins­
piração. Delicadissima de consciencia, lhe era facil
discernir entre o que de preferencia Deus exigia
della. P autam -s e muitas con s ci e n cias p e l as p roh i­

bições, no seu p ro ce di m e nto -- o que quer dizer : em­


quanto lhes não prohibe Deus este ou aquelle acto
julgam-se em perfeita liberdade de acç ã o . Não as­
sim as almas sedentas de perfe i ção : deixando mui­
to longe as m uralha s da prohibição, cingem-se ao
mais pe rfeito . As pre fe rencia s de Deus são para
S A l'i TA TrCHEZl:\liA. I JS

estas objecto de constante estudo afim de que a


Vontade Divina não soffra recusa alguma.
Tal era a candida creança a qual procurava
advinhar o que mais contentaria ao seu Pae Ce­
leste. Cresceu em edade e em delicadeza. Conhe­
ceu gradações subtis ,entre o bom e o melhor, e
mesmo assim poude dizer que nada recusava a
Deus. Não deixou i rrealizado, pela parte que lhe
tocava, um só desejo de Deus.

.Ciqhas recfas

Virtude rara é, sem duvida, a simplicidade.


Deus, o Summo Bem, é totalmente simples. O per­
feito é sempre simples. Como qualidade moral no
homem, a simplicidade é um reflexo dessa per­
feição divina.
Na creança, a simplicidade é natural. Dimana
da innocencia que não sabe fingir. Por isso que
não tem culpa a creança, não sente a necessidade
de simular. Suas intenções são rectas, desconhecem
a dobrez. Sua palavra traduz sempre o pensamento,
não sabe empregar o subterfugio. Não teme com­
prometter-se e por isso confia muito. Reconhece a
propria fraqueza, razão porque nãó desdenha a
pessoa alguma. Tudo espera de seus paes, pelo
que o futuro não a preoccupa. Não sabe enganar
a ningu.em e assim não suspeita dos outros. Seu
riso é sempre sincero porque lhe traduz fielmente
a expansão da alma. Não ha fraude no seu olhar,
l'ET A L A S l l )•; R U;.:A

:-�em traição em seus acenos, nem attitudes dubias


no seu porte. Tudo alli é lisura e lealdade.
"' "' *

Em Terezinha que sempre foi sobrenaturalmente


infantil, a innocencia pela graça a revestiu desses
encantos, mas particularmente nobilitados.
Creança até aos 24 annos, tão candidamente
se havia neste mundo de fallacias que mais pa­
recia um anjo. Angelicas, de facto, eram suas ma­
neiras, angelica sua conversação, angelica sua m es­
ma pessoa. O anjo e a creança se parecem. Sim­
ples como a luz, recta como os raios luminosos,
bella como a claridade, sua alma parecia irradiar
graça e innocencia.
Como é torpe a mentira e a dobrez ! Como
s ão formosos os espíritos rectilineos que sempre
conservam o frescor da infancia e o encanto <.ia
innocencia !

fi enfermeira
Não se cuide que a vida de nossa santinha
fosse um constante mar de rosas.
Pelo fim do anno de 1 891 uma provaçã,o do­
lorosa visitou o Carmello de Lisieux. A grippe, e in
fórma epidemica e ·em caracter violento atacou as
CarmeJlitas. Terezinha foi tambem a ccommettida do
mal, mas não muito gravemente, de modo que
ficou como enfermeira e prestou abnegados ser­
viços. Ella assim descreve aquella quadra dolorosa :
:-; A fliT A T EREZl.KHA

'<Em toda a parte reinava a morte e apenas uma


irmã acabava de expirar era forçoso abandonai-a
immediatamente». Assim passou de um leito de dôr
a outro fazendo prodígios de caridade. Entretanto
ella confessou que se sentia consolada vendo a
placidez com que suas i rmãs de habito terminavam
seus dias.
Para se sustentar no meio dessas amargura s
por que passou, ella conhecia um segredo - a
Communhão quotidiana. Assim explicou ella o con­
forto que sentia no meio daquella provação. E
julgava-se immensamente feliz em poder commun­
gar frequentemente, quando suas irm ãs quasi to­
das, detidas pela ,eníermidade, ficaram muito tem­
po privadas do dom ineffavcl da Santa Communhão.

ClarivideTJCia
Tcrl'zinha commentou, com habilidade rara, va­
rias textos sagrados. Assim, com uma naturalidade
espantosa, sem ella mesma talvez perceber que es­
tava discorrendo magistralmente sobre assumpto .bem
profundo, a nalysava com extrema facilidade. Ella
senti a em si mesma, muitas vezes, a verdade que
seus olhos liam nos livros. Por isso lhe era pa­
tente o sentido intimo, para outros muito recon­
dito, de certos passos do Evan_gelho, do Cantico
dos Canticos, do Apocalypse, dos salmos, das cartas
de São Paulo, de varias livros do Antigo Testa­
mento. Ella cita com grande facilidade todos esses
livros como conhecedora do terreno que era. A
P E T .\ L ... S llfo: B o:-;.\

lucidez da intelligencia, o habito da reflexão, as


luzes que obtinha de Deus - tudo concorria para
a formação do seu bello espírito.

• • •

Com referenda á phase de progressos mais


rapidos e decisivos de sua vida espiritual a nossa
Santinha cita estas palavras de J esus referidas por
São Lucas : «A todo o que tiver se lhe dará e terá
mais».
Ella encontrou em si a applicação viva desse
texto. Pois, dizia, por uma graça á q ual eu cor­
respondia com fidelidade, Deus m e concedia nu­
merosas outras.
Comprehendia perfeitamente que a correspon­
dencia aos favores do céo é a chave dos grandes
thezouros. E á medida que a g-enerosidade da cor­
respondencia cresce, multiplica-se a liberalidade di­
vina. Nada lhe custava . entender essa doutrina por­
que dentro de si executava-se essa lei ; e lia percebia
claro que a miserico rdia divina crescia em pro­
porção ultrageometrica, na razão directa da s ua
correspondencia.

filma eucharisfica
E' tão sublime o m ysterio da Eucharistia que
tudo quanto se relaciona com elle, s·e reveste de
grandeza e santidade. Os vasos sagrados, as al­
faias, e quanto proximamente se destina ao culto
eucharistico merece-nos veneração e carinho. O pro·
8 A :\ 'I'A TFH E Z ! N J L \ 1 39

prio Deus determinando na Antiga Lei, com tan­


tos pormenores, tudo quanto se devia preparar para
o culto religioso, claramente significou a grande
importancia em que EUc tem os utensilios sagra­
dos. Entretanto esse culto antigo se limitava, em
grande parte, á pr·efiguração da Eucharistia .
. .. .

Si é a fé que inspira reverencia pelo culto


sagrado, Terezinha devia ser uma alma toda pe·
netrada de veneração pelos actos religiosos e por
tudo quanto se emprega nesses actos. De modo
particular a vemos cheia de solicitudes quando lhe
competiam os preparativos para os actos eu­
charisticos. Com que respeito tocava as ambulas,
o calice para o sacrifício, os linhos que se empre­
gam na celebração da m issa ! Ella mesma si esti­
mulava ao fervor para se tornar digna de servir
assim de perto aos Mysterios Eucharisticos e, com
frequencia, repetia as palavras de David : «Puri­
ficae-Yos, vós que levaes os vasos do Senhor».
Tudo isso era uma simples manifestação da
vida de intimidade que ella mantinha com o seu
Deus, n o interior de sua alma.

fi Sagrada Face
A n ossa Santinha era não só do «Menino Je­
sus», mas tambem da «Sagrada Face». Parece ex­
tranha a principio a escolha desses dous sobreno mes.
Uma devoção especial pela Sagrada Face de Jesus,
J40 PETA I . A t:' l l E l:OSA .

não é cousa tão commum. Para Terezinha, o Rosto


adoravel de Jesus tinha os encantos que se desco­
brem á fé. Era .o semblante do mais bello dos filhos
dos homens, que ora se illuminava aos fulgores
do Thabor, o ra se obumbrava com as trevas do
Calvario. Ora, ella se sentia inundada pelo <<Sol
Radioso de sua Face adoraveb ora se sentia en­
volta na dôr «a exemplo de J esus queria seu rosto,
ficasse velado a todos os olhos» .

.. . ...

Uma pedra amorpha e sem brilho, uma folha


secca - são causas desprezíveis aos olhos vul­
gares ; mas o naturalista póde descobrir ahi muitos
encantos. A face de Jesus, lívida, macerada, cheia
de contusões e de sangue, era para a santa Reli­
giosa um abysmo de amor, onde ella sabia ler os
poemas mais commoventes da Bondade infinita. Allí,
como num espelho ella via reflectir-se toda inteira
a dor imm ensa que redemiu a humanidade.
E no olhar profundo, divinamente expressivo
que illuminava a Sagrada Face ella decifrava ra­
zões que os homens buscam, em vão, com os o ra­
cuJos da sciencia.

O amor, sob o aspecto de caridade fraterna,


toma formas variadíssimas ,e desce a finezas que
não poderiam ser inspiradas por nenhum s entimento
SA:STA TEREZI/';IIA 141
______ ___:_

humano. Ha pequenos obsequios altamente uteis


ao proximo que entretanto ella gosará, sem dar
por isso.
Parecer-lhe-á natural ou fortuito o beneficio que
encontra preparado por mão ignota. Si meu i rmão
se esquece de cumprir um seu dever e a omissão
lhe vae ser grandemente nociva, eu lhe prestarei
_ optimo serviço supprindo-o, fazendo por elle aquelle
dever.
E si eu o fizer de tal maneira, que elle ne;m
mesmo venha a perceber que havia omittido o tal
trabalho, não poderei · contar com agradecimento
algum, mas minha caridade assume então delica­
deza extrema.
T erezinha explorou, digamos assim, esse ge­
nero de caridade delicadíssima. Suas i rmãs de ha­
bito não podiam adivinhar que fosse ella auto ra
de innumeras finezas de que fruiam sem p e rce be r,
muitas vezes.
Ella se contentava com que Deus conhecesse
as dedicações occultas que lhe custavam sacrifícios
nem sempre leves, mas muitas vezes despercebidos.
E ha serviços que, p restados ostensiYamente, hu­
milham ; é então finíssima caridade fazel-os sem
ferir, s iquer de leve, o amor proprio de quem delle::1
precisa. Para Santa Terezinha que tanto amava ao
s eu J esus, era muito grato esse genero de aposto­
l ado humilde que olhos humanos não podiam pre•
j udicar.
142 l'ETA LAS J ) �; HOSA
--�--------------

.:11 viela ela graça


Segundo a doutrina da Egreja a vida da alma
é a graça santificante.
Quem possue a graça vive espiritualmente, go­
sa da amizade de Deus; tem direito ao céo. E
só póde ter a certeza d e se salvar quem estivér
certo de estar em graça. Ensina tambem a Egreja
que essa graça se extingue na alma pelo peccado
mortal. Assim é que se ,explica por que razão é
considerada a culpa mortal a maior de todas as
calamidades, pois attenta d irectamente contra a nossa
vida eterna.
• • •

Que grande não foi o contentamento da nossa


Santinha ao ouvir do seu confessor - venerando
sacerdote, prudente e sabio - que o peccado mortal
ella nunca o havia commettido !
Poucas almas como a de Terezinha podiam
aquilatar a felicidade de guardar illibada a innocen­
cia baptismal.
E só o pensamento de que jamais havia amar­
gurado gravemente o coração de Deus - era para
cJla uma fonte de_ ineffaveis prazeres.

.f/mar â paz.
Porque razão se tornou tão popular, em tão
breve tempo, nossa santinha ? Pensamos que pa ra
isso concorreram varias factores preordenados pela
Providencia. Muito ha de ter concorrido o caracter
� A :\ T A TEI: EZ l :\ 1 1 !1. 1 43

digamos pacifico da sua santidade. Desprende-se


de toda sua vida uma fragancia de paz tão suave e
doce, que nos enleva.
Nós amamos a paz ; sentimos necessidade d esse
repouso intimo, dessa segurança que nossa alma
busca no m eio intranquillo em que vivemos .
• • •

Veneranda Carmellita do Convento de Lisieux,


após uma existencia rica de meritos, vivida na pra­
tica Q;! s mais austeras vi rtudes, ao findar seus dias,
quiz deixar a Terezinha - a qual começava a
vida religiosa - um mote que a guiasse no cami­
:.\
nho espiritual. Disse-lhe então : «Serve a Deus em
paz e alegria ; lembra-te filha minha, que Nosso
Deus é o Deus da paz». Nenhum pensamento po­
dia traduzir melhor o conceito que nossa santinha
formava da vida religiosa e do Deus a quem se
consagrára.
Era isso mesmo que ella sentia dentro de si.
Sentia que o Senhor lhe pedia uma confiança illi­
mitada, dentro da qual sua alma havia de viver
como em seu elemento. Ella, como a pomba do
diluvio, devia ser portadora de um ramo verde
de oliveira. Esperança e paz ! Em sua vida breve
ella se enriqueceu desses dons ineffaveis e hoje
os derrama pelo mundo .

.CagriiTJaS que sorriem


Quem visse sempre a sorrir a santinha de Li­
sieux, quem lhe ouvisse a palavra calma e doce,
PETALA8 DE HO�A

de certo a tomaria por uma alma immune de qual­


quer soffrimento. Entretanto si ella devia ganhar
o céo, não lhe podiam faltar cruzes. Ha m uito
mysterio naquelle sorriso que perennemente espa­
lha\·a a doçura e a paz no sem blante dessa crea­
tura. Sorriso que esconde lagrimas, sorriso que se­
pulta um mar de angustias.
Como é bella a cruz assim toda revestida de
flores ! Si a tempestade ruge dentro d'alma, o sor­
riso, como aurora amena, dissimula a inquietação
e transpira bonança. Mas quanta virtude é neces­
s a ri a para converter uma só lagrima em um sor­
riso ? !
.. .. .

Na vida de Terezinha que deslisou como cal­


mo arroio por entre flores, não escapam ao obser­
vador as asperezas do leito escondidas pela man­
sidão das a·guas. Aguas boas e silenciosas - as
pedras que vos rasgam o seio não se veem á
tona, nem o borborinho queixoso se faz o uvir. A
missão d a meiga corrente é alegrar, fazer o bem ;
s uas dores ficam lá para ella sosinha .

• • •

Assim foi a existencia da santinha de Lisieux.


Só Jesus pode saber quantos espinhos se escon­
diam entre as rosas que pareciam alcatifar"lhe os
caminhos.
I' A !'."TA TEkEZI:\!lA I 45

Mas com que graça ella os sabia o ccultar !


Folgava com a cruz que lhe pisava os hombros,
para que só J esus fosse testemunha do seu penar.
Dessa fórma se exprim e : ((Minha Madre, estou pro­
fundamente commovida com as delicadezas de Nosso
Senhor . . » Era uma phase de grande soffrimento
.

dos seus ultimas dias.

Vicli"'a origi'lal
Parece que nada se aprecia tanto em Iittera­
tura como a originalidade.
Todos têm pavor (os de bom gosto - enten­
de-se) da rotina ; acha-se insupportavel tudo quanto
é figura s ediça. E quando falta a originalidade, dis­
farça-se quanto possivel a expressão batida ou a
idéa repisada.

A vida de Santa Terezinha lê-se tambem pelo


merito litterario. Ha profunda poesia naquellas pa­
ginas. Mas sobretudo ha muita originalidade em
todas ellas. Foram escriptas s·em a mínima pre­
occupação litteraria e talvez por isso mesmo agra­
dam immenso. Na vida dos santos ha muitos ca­
sos de victimas que se offerecem á J ustiça Divina.
Na vida de Terezinha quando se vê o zelo que
a i nflamma pela gloria de Deus, quando se emita
já com uma victima a pedir á justiça Divina que
descarregue sobre ella os golpes merecidos pelos
peccadores para desagravar a Deus infi nitamente
PETALAS DE ROSA

justo - Terezinha se offercce como victima . . . não


á justiça, mas ao Amor. E para isso argumenta
admiravelmente : «Si a vossa j ustiça, cuja acção se
limita á terra, quer ser desarmada, quanto maior
razão tem para inflammar as almas vosso amor
;á que vossa misericordia se desdobra até no céo
(Salmo 35-6) !

JYliiT/OS ?
A superiora de Terezinha no Convento de Li­
sit!ux e ra conhecedora dos caminhos de Deus e
sabia guiar por elles as almas. Convencida estava
portanto, de que na humildade devia ella culti\'ar
a alma de escol que Deus lhe confiára, entregan­
do-lhe Terezinha. Apezar de lhe querer muito bem,
humilhava-a constantemente, digo mal : por isso mes­
mo que muito bem lhe queria, constantemente a
humilhava.
M as nossa Santinha recebia toda essa provação
dolorosa com tanta submissão, tanta naturalidade
e bom animo que suas irmãs do habito não cui­
davam que ella soffresse. Pelo contrario : chegaram
a suppôr que a Superlora a tratava com nímia be­
nevolencia ; era ao menos tida em conta de muito
mimada.
Nisto, Terezinha foi sempre habilíssima : em
esconder seus sacrifícios, suas austeras virtucles sob
apparencias enganadoras. Mais tarde, ella agrade­
cia, de toda a alma, á Superiora ter sido s evéra
para com ella, não a poupando ás humilhações;.
SA:'\iTA TEREZI:-IHA 1 47

Nesse tempo a Superiora, naturalmente Ja conhe­


cendo a humildade profunda da jovem freira, iai·
ciou um regimen diverso, tratando-a com demons·
trações de particular bondade.

{) jtlesfre iqvisivel

No Evangelho de São Lucas (capitulo 1 7, vers.


2 1 ) ha esta express ão : «regnum Dei intra vos est».
Sua traducção mais n a tural, levando-se em con­
sideração o contexto, parece ser : o reino de Deus
está ,entre v6s.
Mas Santa Terezinha assim o entendeu : «o
reino de Deus está dentro de vós». Si ella tomou
ou não a expressão do Evangelho no seu verda­
deiro sentido não monta ; o que agora nos importa
é apreciar o commentario que ella faz sobre o
texto consoante o sentido que lhe deu. «Jesus -
diz - não tem necessidade de livros nem de
doutores para instruir as almas ; com effeito elle
é o Doutor dos doutores e como tal ensina sem o
ruido das palavras. Nunca lhe ouvi a voz : e ntre­
tanto estou certa de que elle está dentro de mim.
Sei que a cada instante elle m e guia e inspira e
consigo luzes desconhecidas por mim, precisamente
nos mo:nentos em que me s ão necessarias».
Supponhamos que ella tenha interpretado mal
a expressão do Evangelho ; mas que feliz engano !
Sem e Ue não teriamos tão bella revelação do es­
tado interior dessa alma que sentia a Deus d entro
1 48 PF.TALAS DE ROSA
------- ------

de si e caminhava na luz da Eterna Verdade que


se lhe projectava abundante na estrada da vida.

O Evangelho

Para a alma superior de Terezinha não era


qualquer livro, m esmo dos melhores, que servia.
Lá andava ella por culminancias tão elevadas,
posto que se referiss·e sempre á sua alma com
linguagem infantil, que as leituras communs não
logravam entreter-lhe o espírito. Eram leituras de
bons autores mas escriptos para almas vulgares
ou menos invulgares do que a d'ella.
Um livro que conseguia absorver o espírito
de nossa santinha - era o Evangelho. Era o livro
da sua predilecção. Oh ! o Evangelho ! Quanta luz
naquellas paginas. ! E' a verdade qu(e se bébe na
leitura do Evangelho como em sua fonte.
As narrativas cheias de poesia e ensinamento.
E as palavras de J esus? Quanta efficacia nessas pa­
lavras vivas que os evangelistas lograram vincular
a essas paginas imm ortaes !
E nossa santinha tão arguta ! Sua intelligen­
cia já naturalmente penetrante, havia adquirido par­
ticular perspicacia na meditação. O mysterio re­
trahia-se diante della e é bem possível que as
luzes do céo lhe destruíssem, por completo, não
poucos mysterios inaccessiveis á simples intelligen­
cia humana.
SANTA TEREZlN I I A

õs louvores a J)eus
A gloria exterior de Deus resulta de um con­
juncto harmonioso de vozes que se desprendem d e
suas cr.eaturas. Algumas dessas vozes exaltam a
justiça divina, outras a misericordia, outras a sa­
bectoria, outras a omnipotencia, etc. Desse côro a
hosannar os attributos de Deus devem fazer parte
todos os seres creados. Felizes aq!J.elles que esco­
lhem, para exalta r, a bondade divina ! E' a me­
lhor parte. Cantar-lhe a justiça é doloroso ; mas
passar a vida a desferir hymnos á misericordia, é
fazer côro com os anjos da Gloria .
• • •

foi a patie que coube a Terezinha em sua


carreira terrena : sua vida foi uma s ó, magnífica
lôa á Bondade I nfinita. Comprehendo perfeitamente
- diz ella - que n ão podem as almas parecer-se
entre si todas em tudo ; é mister que sejam distri­
buídas em diversos grupos, para cada qual delles
glorificar uma perfeição de Deus. A m i m coube-me
a misericordia infinita c é ncs1c espelho ineffavel
que vou contemplando ou outros predicados divinos.
Todos elles parecem-m e i rr a d i a r amôr ; a mesma
justiça, mais talvez que os outros, se me depara
envolta em amor.

j)eraoar por jusfiça


De uma mesma flôr póde-se extrahir o ve­
neno que mata e o mel que nutre.
r so PETALAS DE ROSA

• • •

A' nossa Santinha a justiça Divina, que, em


geral, aterra e ás vezes revolta corações mal for­
mados - inspirava-lhe immensa confiança. Admi­
raveis disposições as dessa alma que sabia o se­
grêdo de beber coragem onde as outras só encon­
tram pavô r !
Terezinha amava muito ao s e u Deus. Escon­
de-se nisto o segredo da sua confiança singular.
Para ella, Deus, por ser justo, tomaria em conta
as fraquezas della para depois julgai-a. Entendia
portanto que o Senhor n ão seria justo si deixasse
de tomar em consideração a fragilidade humana.
Assim dia julgava que Deus perdoára ao filho�
prodigo por ser infinitamente justo. - Não é uma
face nova da Justiça?

..f/fê a loucura
A amizade que Terezinha dedicava a seus paes
e irmans, desde que entrou na vida religiosa, tor­
nou-se sobremodo elevada. Amava-os sobrenatural­
mente, desejando-lhes, de toda a alma, a maior
fellcidade, em Deus. Subia ella, a nossa Santinha,
ás alturas da perfeição e a amizade aos seus ca­
ros parecia crescer tambem, espiritualisando-se, mais
e mais.
Depois que seu estremecido pae passou a me­
lhor vida e a sua irman Celina deixou o m undo
para viver com ella á sombra do Carmello - na­
da mais desta terra desejava a nossa Santinha.
�:ANT.� TEREZI!I:HA

Um só dese�o e n�hia seu coração - o de amar


a Jesus. E este desejo e ra de tal vehemencia que,
para qualifical-o, Terezinha usava urna expressão
- hyperbolica diriarnos si não fosse usada por
ella mesma - exaggerada apparenternente : quizéra
amar a Jesus até a loucura . Veremos, porém, que
mui verdadeira era a expr·essão. Quão poucas almas
souberam amar a Deus com os transportes e de­
dicação de Terezinha !

reli� coqvicção
O Sr. Martin, o venerando pae de Terezinha,
teve seus ultimas annos amargurados por cruel en­
fermidade que lhe paralysou alguns m embros e
fez soffrer muito a elle e ás filhas. Raramente
podia visitar as que se achavam no convento
de Lisieux. A ultima dessas visitas ficou impressa
dolorosamente no coração de Terezinha, a «peque­
na rainha» do incomparavel pae. Quando o santo
velho se despediu de suas filhas n o locutorio do
·

convento, ellas lhe disseram : «Até outra vista» e


elle presago talvez do s eu fim proximo, apontou­
lhes o céo e com voz suffocada pelo p ranto, lhes
respondeu : «No céo !» . . .
De facto fôra aquella a ultima visita. O vene·
rando chefe da privilegiada farnilia morreu pouco
depois.
Terezinha teve a convicção de que seu pae
voou directamente para o céo. Ella havia pedido
a Deus que acceitasse os padecimentos do Sr. Martin
PF.TALAS DE ROS.\

como purgatorio antecipado afim de que, após a


morte, elle pudesse passar logo ao céo. E na sua
confiança ingenuamente filial, ella pedira a solução
de varias difficuldades, que desejava conseguir, como
signal de que realmente seu extremoso pae hou­
vesse entrado na Gloria sem passar pelas chammas
purificadoras.
Como a solução não se fez esperar, confir­
mou-se no espírito da filha a convicção feiiz, com
immenso gaudio para ella.

O purgaforio pelo amor


Foi no dia 9 de Junho de 1 8 95 que Terezinha
se offereceu como Victima n ão á Justiça mas ao
Amor. E foi acceita a o fferta . Ao menos tudo
leva a crer que o Divino Amor emprehendeu, des­
de esse instante, sua obra de immola ção. Ella sen­
tiu que as chammas da Eterna Caridade <;onsumiam,
no altar do Carmello, a vida que já n ão tinha. mais
razão de ser fóra do amor. E dentro dessa noção
de victima, nossa santinha interpretava tudo m ais,
de uma maneira toda transcendental. Por exemplo :
com ser tão humilde dizia não ter receio de . cahir
no Purgatorio ; mas eis como se concilia sua hu­
mildade com tap.ta confiança - «Não posso ter
medo do Purgatorio � - diz ella - S·ei que lá
n em mereço estar na companhia das almas santas.
m as tambem sei que o fogo do amor é mais san­
tificante do que o do Purgatorio » . . .

Que alta comprehensão das causas de Deus !


SANTA TEREZlNIIA ! 53

Que luz intensa a illuminar-lhe a alma privi­


legiada !

fi111 or maferqo de irmã


Foi sempre muito amorosa Terezinha para com
suas innans. Depois de sua entrada no Convento,
ficou ainda em casa, com a família, Celina swai
irman. O amor de Terezinha para com esta i nnan,
exposta ainda ás vaidades do seculo, tomou pro­
porções de amor materno, com ser ella mais nova
do que Celina. Soube, certa vez, que esta devêra
acompanhar s uas primas a uma festa profana. Quan­
tas lagrimas derramou nossa Santinha, temendo-se,
aliás com fortes razões, lhe viesse a innan que­
rida a ser victima das illusões do seculo !
E quem nos diz que Celina, mais tarde, con­
sagrada tambem a Deus no Carmello, não deveu
sua fel icidade religiosa á -sua angelica irman que
por ella ve la va com solicitude de mã·e? Que a:mi­
zade fra te rn a s e u u t ri a no grande coração de Te­
rezinha ! E como ·era sobrenaturalmente esclarecido
esse affecto profundo com que continuava, na vida
religiosa, a m a n t e r o vinculo de familia, o amor
fraterno !

Caminhos de J)eus
Diz o propheta Isaías (3, 1 0) : «Ao justo, fa­
zei-lhe saber que será bem succedido». Santa Te­
rezinha que commentava com m uita luz as palavras
da Sagrada Escriptura, a1 ravrs desse texto con-
1 54 PETALAS DE ROI"A

templa a grande va riedade de santos que brilham


no firmamento da egrej a. Alguns passaram pela
vida suscitando grande ruído ao redor ç:le si e
deixaram largo rasgo d e luz por onde transitaram ;
outros, grandes tambem aos olhos de Deus, não
foram conhecidos pelos seus contemporaneos e aos
posteros quasi nada deixaram que lhes evocasse
a lembrança. E perguntando a si mesma, qual dos
dous caminhos agradava mais ao Senhor, concluía
que ambos egualmente eram do agrado de Deus.
E a razão é que - dizia ella - uns e outros:
santos seguiram as inspirações divinas e por isso
todos foram bem succedidos . D'ahi tirava a con­
clusão pratica do valor da obcdiencia - meio pelo
qual s eguimos com segurança as divinas inspirações.

o caminho crue e/la descobriu


A alma cheia de confiança em Deus é intei­
ramente invencível. Si lhe crescem as difficuldades
em derredor, a confiança tambem se eleva e paira
sobre todos os embaraços .

•••

Terezinha reconhecia-se pequenina para percor­


rer os caminhos da perfeição Mas, no mesmo con­
ceito de sua pequenez, encontrou ella seu caminho d e
confiança para continuar aspirando á santidade. Al­
ludindo aos inventos da epoca, falia no ekvador
que dispensa o caminho penoso das escadarias.
Dessa idéa passa á do elevador ou as censor divino
S A ]I; T A TEREZlNHA I SS

dó� braços d o seu Deus que se havia d e com­


padecer da sua pequenez. O convite de J esus aos
«pequeninos» a encantava. A humildade a fazia sup­
pôr-se pequenina e a confiança lhe tornava a pe­
quenez digna de amparo do seu Deus. Foi o ca­
minho admiravel que ella descobriu e por onde
avançou, com passo firme, directamente, rumo ao
céo.
Saqfa iqàiffereqça
As almas cheias de vaidade são avidas de elo­
gios. Sempre que podem l ançam a rêde para co­
lher applausos e encomios. As almas profundamente
humildes sentem aversão pelas palavras elogiosas
e padecem quando lhes chegam aos ouvidos os
louvores dos homens .
• • •

S endo assim ninguem duvidará em· affirmar


que Terezinha se doía profundamente quando feita
alvo de elogios. Pois é um engano.
As vi rtudes de Terezinha têm surprezas, a ca­
da passo, para quem as estuda.
Seu abandono nas m ãos de Deus era tão
completo que em nada queria ella alterar os pla­
nos divinos. E desse mesmo abandono lhe nascia
uma perfeita indiffcrença pelas influencias terrenas.
Isto se comprehcnde com toda a facilidade, pela
analys·e deste pensamento da mesma santinha : «Si
Deus quizer que os outros me julguem melhor do
que sou n a realidade, nada tenho eu com isso ;
Elle é livre e procede como lhe aprouvér».
1 :')6 PETALAS DI� ROSA

Sempre nas mãos de J)eus


Terezinha não considerava «maior graça mor�
rer antes da aurora do que no o ccaso». Com �ssa
expressão ella manifesta seu perfeito a bandono á
Providencia. Vivia tão saudosa do céo que receiou
a suppuzessem anciosa por morrer. E' a razão pela
qual declarou sua total indifferença pela vida bre�
ve ou dilatada. O querer divino era tudo para
nossa heroína. Conhecia que o Senhor Absoluto
das nossas vidas, tinha o direito de cortar-lhe a
existencia no verdor dos annos, bem como de pro�
longar-Ihe a prova do desterro, para lhe purificar
m ais e mais a alma. Parece que estava sempre a
dizer a N. Senhor : Não vos preocupeis commigo :
a vossa gloria, os vossos interesses, eis o que
deveis ter diante dos olhos no dispordes da mi­
nha vida.
Mas bem sabia ella que. a Sabedoria infinita
conciliava seus interesses eternos com o m aior pro�
veito da sua alma, da mesma sorte que compí·e�
hendia nada haver melhor para uma cr:eatura do
que entregar-se sem condições ao seu C reador.
Por isso era ella uma perfeita abandonada aos
cuidados da Providencia.

fliqaa o abandono
A natureza humana tem horror ao soffrimento
e á m o rte. O instincto de conservação que Deus
plantou no intimo do nosso ser inspira -nos natu-
SANTA 1'EREZINHA I 57

ralmente aversão á dor e á destruição da nossa


vida. N ão é raro entretanto ver os santos á pro­
cura da dôr e a suspirar pela morte. Como expli­
car essa vira-volta do homem ? As leis do espírito
illuminado pela fé o rientaram assim a vontade hu­
mana. Como é admiravel o poder da graça no
converter a av·e rsão em desejo !

• • •

T erezinha chegou bem depressa a esse estado


de adiantamento espiritual ; ella buscava com sof­
freguidão a dor e anceiava pela morte. Mas não
parou ahi, foi além. E pode ir-se além, nesse ter­
reno? Sim ha alguma cousa mais perfeita do que
desejar soffr·er e morrer - é abandonnar-se to­
talmente á vontade divina. Querer só o que Deus
quer, com o s acrifício de qualquer outro desejo
m esmo o mais santo - é perfeição altissimi:t. E'
o que chamam os mestres - abandono. - Felizes
as almas que se sabem abandonar inteiramente. E
quem não vê que nesse abraço á vontade divina
abraçam-se os espinhos e todos os outros bens
como, por e�emplo, a renuncia aos proprios gos­
tos mesmo espirituaes ?

Gs fenzperanzeqfos diversos
Por mais santa que s eja uma communidade re­
ligiosa, nada extranhavel que a . diversidade dos
caracteres constitua forte soffrimento para alguns
membros. Ha indviiduos até que quanto mais fazem
PETALAS DE ROSA

por agradar mais molestam aos outros. E Deus


permitte que as pessôas a elle consagradas encon­
trem �embaraços sérios á pratica da caridade fraterna,
porque grandes premios elle reserva a esta virtude .
• • •

Não terá havido para Santa Terezinha momen­


tos dolorosos na convivencia com suas irmãs de ha­
bito ? E' possível que todos os temperamentos s e
tenham harmonizado com o seu e que suas idéas
teli.ham sido as mesmas das demais religiosas ?
Não ; tambem para ella a caridade fraterna nu­
triu-se de amarguras. Era ella, porém, tão soffre­
dora que não se podia suspeitar lhe custassem
luctas as bellas maneiras que lhe eram habituaes.
Ella tinha ido para o convento com o propo­
sito inquebrantavel de dominar as repugnancias n�.­
turaes que viesse a sentir. Venceu-as sempre e tor­
nou-se um modelo de affabilidade mesmo para com
os caractéres m enos sympathicos .

.7unel pavoroso

A esperança sobrenatural, esperança do céo,


é uma fonte riquíssima de alegria e energias para
o crente. Esmagados pela mão de ferro das maio­
res provações, os filhos da �esperança ainda sa­
bem sorrir e não mentem quando affirmam na­
dar-lhes a alma, em goso, nesses transes afflictivos .
• • •
SANTA TEREZINHA 1 59

Terezinha que, s e m o parecer, devia ser mar­


tyr dos soffrimento íntimos, passou pelo tonnento
de sentir m orrer-lhe dentro d'alma a esperança. A
luz suavíssima que, nas maiores torturas, lhe illu­
minava o céo donde lhe acenavam as grandes re­
compensas, converteu-se-lhe em trévas. Nem ella
mesma sabia explicar á sua Superiora em que con­
sistisse a dor que lhe apunhalava a alma. Eralffi
trévas tão espêssas que ella perdia de vista seu
unico conforto e ficava só, abandonada ao seu
supplicio. «Só quem atravessou este tunel tenebroso
- exclama ella - póde fazer idéa da sua escuri­
dão !» E os dias se succederam e tambem os me­
zes, mas aquella noite n ão terminava.
Fructo bellissimo de caridade nasceu dessa forte
provação : Terezinha compadeceu-se em extremo dos
i nfelizes que não teem fé. Pediu muito perdão por
elles e insistente supplicou ao Pae das luzes que
illuminasse, com os clarões da fé, as almas que
não conhecem a esperança porque não creem.

Sempre Jru171ilde

Não é cousa facil a uma pessôa reconhecer


bellas qualidades em si e conservar de si humilde
conceito. (Juasi sempre o brilho dos proprios dotes
fascina e a vaidade embriaga suas pobres victimas
tirando-lhes o conceito do que na verdade são.

"' "' *
1 6o PETALAS DE ROSA

Tal difficuldade porém, não a encontrou Tere­


zinha. Ella reconhecia os dons de Deus em s ua
alma mas conservava seu espírito profundamente
humilde. J ulgava até que sua pequenez a impedia
tornar-se vaidosa. Assim é que multiplicavam-se as
prendas do céo em sua alma, pois nunca se apro­
priava nossa Santinha desses dons de Deus n em
permittia que a gloria do Senhor soffresse o menor
offuscamento pela liberalidade com que era favo­
recida.
Poude ella, �econhecendo sempre os dons rece­
bidos escrever estas linhas admiraveis : «Prefiro de­
clarar candidamente que o Todo Poderoso operou
em mim grandes causas e dellas a maior é mos­
trar-me quanto sou mesquinha e incapaz de pra­
ticar o bem».

O prirrr eiro rebale


Somos tão agarrados á vida que estremecemos
á simples idéa de já termos contrahido qualquer
enfermidade mortal. O instincto de conservação nos
leva logo ao sobresalto e a custo nos resignamos
a acceitar o primeiro convite a desarmarmos a
tenda de peregrinos para entrarmos na ultima e
definitiva morada.
. ... .

Com Terezinha deu-se o inverso : ella que se


sentia bastante forte, foi surpre hendida, um dia,
por um symptoma de . fatal enfermidade. Tinha-se
retirado para sua cella (era uma Quinta feira santa)
SANTA TEREZI1\HA

á meia noite. Apenas apagára a luz, uma hemo­


ptyse a assalta. Sentiu o mais vivo contentamento,
porque percebeu ·que era o primeiro rebate da mor­
te. Teve desejo vivo de accender a luz para certi.
ficar-se de que não se havia enganado ; mas era
tão grande sua alegria que julgou melhor morti­
ficar-se deixando para a manhã seguinte o doce
prazer de confirmar com os olhos que a golfada
era de sangue.
Quando despertou no dia seguinte e viu o
lenço todo rubro sentiu-se invadida da mais suave
esperança de voar breve para junto de Deus. Sem­
pre considerou grande privilegio ter sido lembrada
por Deus, com g raça tão singular, no grande dia da
Paixão de Jesus.

€spiqhos sob pefa/as


Talvez bem poucos se persuadam de que a
vida de Terezinha tivesse o sello da cruz tão for­
temente gravado como a vida dos grandes pade­
centes. Era tão habil em esconder os espinhos sob
petalas de rosa que seus oontemporaneos e hoje
os leitores de sua vida custam a crer no seu mar­
tyrio intimo. E si não fôra a obediencia a arrancar­
lhe da penna as penas da sua alma, ninguem acre­
ditaria nos seus grandes merecimentos de soffre­
dora. Somente sua superiora, pelas confidencias que
filialmente lhe fazia a joven Religiosa, podia ava­
liar o peso c;la cruz que ella sorridente sopesava.
As provações não a abatiam. Ella tinha o segredo
IÓ2 PETALAS llE ROSA
------ ---- · - ------ - -

para soffrer sem gemidos, sem vestigio algum no


semblante. Era o amor com que acceitava as agru­
ras as quaes lhe chegavam á alma por caminhos
invisíveis e lhe torturavam o espírito sem alte­
rar-lh e a physionOmia. Depois vieram tambem os
soffrimentos physicos, a enfermidade cruel. Mas a
paz intei"na, o prazer sobrenatural de s e ver asso-­
ciada á dôr do Divino Padecente, derramavam-lhe
pelo semblante uns tons de doçura tal que era
difficil crer no que ella soffria. Apezar da reserva
que se impunha, declarou á sua superiora : «Oh !
si conhecessem os homens que martyrio venho sof­
frendo, ficariam estupefactos». Nos labios de quem
desconhecia ·exaggeros esta expressão é altamente
elo quente.

j(o iqfimo
Quem visse as disposições felizes com que a
boa Religiosa cumpria seus deveres n o convento,
a maneira affavel de tratar a todos, a paz, a ale..
gria santa que transpirava em todos os seus mo­
vimentos, havia de crer que ella desconhecesse as
provações interiores. Escreveu então bellas poesias
em que a fé mais viva a derramar celestial doçura�
revelava uma autora sobrenaturalmente illuminada.
Ora precisament·e nessa ·epoca passava nossa
santinha pela mais rude provação - sua fé, por
um phenomeno não raro na vida dos santos, eclip­
sou-se. Ella entretanto continuama a agir como
si farta luz sobrenatural illuminasse ainda seu cami-
163
----- - ---- ---------'

nho. Ninguem percebia o esfo rço sobrehumano que


lhe era mistér eémpregar para se m anter no plano
sobrenatural em que sempre havia vivido. Dizia
ella á sua confidente que o veo da fé longe de se
romper para lhe deixar ver tudo sem sombra, como
pensavam, havia-se tornado espêsso como uma mu­
ralha para lhe roubar as estrellas do céo.
Mas Deus conhecia a tempera da alma a quem
mandava provações de tal ordem. Ella mesma
agradecia á Bondade Divina tel-a preparado antes
de submettel-a ás tentações contra a fé, pois em.
outra epoca - julgava elia - não ter�a resistido
e capitularia desanimada.

FiiJra aa obeáiencia
Terezinha v i via no mesmo Carmelo com ou­
tras irmãs, filhas tambem do abençoado casal Mar­
tin. j ulgava-se feliz em poder servir- a Deus ao lado
desses seres que tanto estremecia. Tinham-se ama­
do com extremos no lar paterno e os vínculos des­
sa affeição fraterna longe de se affrouxarem no
Carmelo tornaram-se mais estreitos. Pois a ternura
natural entre as pessoas que se consagram a Deus,
dizia ella, torna-se «mais pura e mais divina». jul­
gava-se feliz co m o o s ol d a d o que tendo outros ir­
mãos no mesmo campo de batalha vôa com elles
- i1 conquista da vi ctoria. Comtudo, affirmava, si o
General a mandasse combater longe, não hesitaria
em obedecer, deixando a doce companhia de suas
irmãs de habi to e de sangue. E tão be llas e ra m
PETALA!' DE HOSA

suas disposições para a obediencia que, para tal


sacrificio, não havia necessidade de ordem expres­
sa, mas um olhar, um aceno bastaria. Assim de­
cl a ra va a sa nta Carm ellita que tinha feito seu sa­
crificio não parcialmente apenas, mas sem resal­
v a r cousa alguma .

éJ céo
Logo a pô s o appa recimento dos primeiros sym­
ptomas da enfermidade que devia ceifar tão mimo­
sa flôr do Carmello - era n aturalissimo que o
abatimento se apoderasse da heroica Carmellita.
Nem mesmo physicamentc, porém, se mostrou me­
nos animada, logo a pó s a noite do seu p ri meiro
vomito de sangue. Um fervor novo se lhe d es pe r ­

tou na alma e bem cedo foi ella tomar parte na


recitação do Officio Di,·ino com o si nada houvéra
succedido. E alcançou a l ice n ça de continuar com
as penitencias quaresmaes até o fim, sem se per­
mittir excepção al gu m a nas austeridades a que na­
quelles dias se entregavam as outras Religiosas.
Naquelle tem po, sua vida e ra a esperança. Pen ­
sava sempre no céo que parecia baixar-se para a
colher. Confessa ella que teve realmente de Jesus
o signal de que breve entraria na vida e te rna.
Que sig n al terá sido esse ? Não o sabemos.
Mas a alegria que a dominava justamente quan­
do sua saúde soffria tão rude� : lOlpes, só podetia,
explicar-se com algum grand�aÂf}C\l.f celeste.

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