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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

MEMORIAL ACADÊMICO
Memorial apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da
Universidade Estadual de Feira de Santana, a fim de participar da seleção para o
Doutorado Acadêmico

MARA VIANA CARDOSO AMARAL

Feira de Santana
2019
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SUMÁRIO

1. QUEM SOU/ MINHAS ORIGENS...................................................................................3


2. FORMAÇÃO ACADÊMICA............................................................................................5
3. INICIAÇÃO EM PESQUISA............................................................................................5
4. PERCURSO PROFISSIONAL.........................................................................................7
5. CONSIDERAÇÕES E PERSPECTIVAS.......................................................................12

Feira de Santana
2019
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1. QUEM SOU/ MINHAS ORIGENS

Essa que escreve é uma mulher feirense, sonhadora e comprometida; mãe de


uma criança de 3 anos, tagarela, assanhada e carinhosa; esposa de um homem natural de
Santo Amaro, apaixonado por samba/pagode; filha de uma pedagoga extrovertida e de
um comerciante tímido; com duas irmãs muito parceiras em todos os momentos de sua
vida. Sou também uma nutricionista que desde sempre carrega consigo a vontade de
fazer algo mais pelo nosso povo, e que encontrou na Saúde Coletiva uma forma de
realizar esse desejo.
Minha família materna veio para Feira de Santana em um pau-de-arara, na busca
por uma vida melhor, saindo de Itaitê, Chapada Diamantina. Deixaram a Chapada, mas
ela nunca saiu de dentro dos seus corações, e esse afeto por essa terra simples e seu
povo tão rico em cultura foi passado para mim. Este é um dos destinos favoritos para os
momentos de lazer da família. A família paterna, tem suas raízes aqui mesmo, em Feira
de Santana, tendo participado dos momentos históricos da cidade: sempre ouvi histórias
de meu bisavô e avô, que residiam em Nazaré das Farinhas e Magalhães
(respectivamente) e vinham até Feira em um trem, que passava na porta da casa de
minha avó, e cuja estação era no atual Feiraguai. Histórias de avós que sustentaram sua
família com um restaurante no antigo mercado que hoje é o mercado de arte, e
posteriormente vendendo peixe no centro de abastecimento da cidade. Sempre ouvi dos
meus familiares uma história de uma cidade que cresceu muito rapidamente, e que foi
muito generosa com aqueles que a escolheram como residência. Meus pais contam
histórias de uma juventude muito divertida, praticando tênis e volleyball no Feira Tênis
Clube, bem como participando de seus bailes noturnos, além dos Micaretas, ainda na
avenida Senhor dos Passos. Lembro-me de uma mortalha que encontrei na casa de
minha avó. E da minha infância, lembro-me de brincar muito na roça dos meus avós, no
distrito de Maria Quitéria, de comer muitas frutas do pé, de brincar no balanço embaixo
do pé de jaca (que perigo! - risos), e das festas juninas no salão da roça, quando
tocávamos os fogos de artifício, enquanto os adultos dançavam ao som de um trio
sanfoneiro local.
Lembro-me de ir à escola desde as primeiras séries, no colégio Independência,
onde minha mãe também trabalhava. Lembro de brincar de roda, e lembro incrivelmente
dos rostos de alguns colegas, apesar de ter menos de 5 anos. Minha professora querida,
também vizinha de bairro e muito amiga de minha mãe deve ter alguma culpa na
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preservação dessas memórias. A seguir, estudei no colégio Pequeno Príncipe. Lembro-


me do rigor das exigências quanto ao fardamento, e lembro-me muito de cantar todos os
Hinos possíveis, desde o Hino a Feira de Santana, até o hino à bandeira. Nesta escola,
também estudamos a história dessa cidade, e a minha identidade e afeto por essa terra só
cresceram. Não só a identidade local, mas também o amor ao país também foi muito
cultivado. Decorei uma poesia para cantar em uma apresentação, e nunca mais esqueci:
“minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam/ não gorjeiam
como lá/ nosso céu tem mais estrelas/ nossas várzeas têm mais flores/ nossos bosques
têm mais vida/ nossa vida mais amores.”
Minha mãe sempre exigiu boas notas. Tirar nota 8 era motivo de bronca. Mas
eram raros esses momentos. E também não me lembro de nenhum sofrimento por conta
dessa exigência, porque eu gostava mesmo de estudar. Minha casa sempre foi repleta de
livros, minha mãe sempre estava em meio a eles e comprava e também ganhava, dos
representantes, coleções de histórias infantis. A leitura destas era uma das brincadeiras
favoritas das suas três meninas. Nós sorteávamos quem leria cada página, e lembro-me
da felicidade quando saia uma página com o texto enorme para ler.
O tempo foi passando, e no início do ginásio, eu mudei de escola, para a nova
escola onde minha mãe estava trabalhando. O colégio Visão foi um lugar onde fiz meus
primeiros e maiores amigos, que conservo até hoje. Lá também experimentei os
primeiros namoricos, saídas sem os pais, e cultivei os meus sonhos de ir longe nos
estudos. Continuei sendo muito boa aluna, concluindo o segundo grau sem fazer
nenhuma recuperação (em geral, na terceira unidade, já havia alcançado os 24 pontos
necessários para passar de ano). Costumava ir no turno oposto para as casas dos colegas
ou para a escola para fazer uma monitoria informal, ensinava principalmente as exatas.
Recordo-me da decepção do querido professor de física quando eu disse que não havia
me inscrito no vestibular para nenhuma área das ciências exatas. Por influência das
pessoas a minha volta, optei por cursos da área de Saúde, prestando vestibular para
Fisioterapia, Biologia, Nutrição e Enfermagem, só não fui aprovada neste último.
Recordo-me também da decepção dos meus pais e familiares, que sonhavam que eu
fizesse Medicina. Mas não o fiz, pois este curso trazia para mim a ideia de soberba e
ganância com os quais eu não me identificava. Queria mostrar que haviam outros
caminhos, e que eu poderia ser feliz do meu jeito. Eu gosto da vida simples, do povo
pobre, da nossa natureza, da nossa raiz cultural. Forró tradicional, samba de roda,
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literatura de cordel, artesanato de couro cru ou barro, roupas artesanais, seriguela, licuri,
cajá-umbu, maniçoba, canjica, pirão, amor!

2. FORMAÇÃO ACADÊMICA
Diante da aprovação na Universidade Federal (UFBA), e nas estaduais (de Feira
de Santana, UNEB e UESB), para cursos diferentes, apesar de todos na área de saúde,
não sabia que caminho seguir. Foi a minha mãe que recomendou que eu escolhesse a
UFBA, por ser uma universidade de maior destaque, em sua opinião, acabei escolhendo
a Nutrição, iniciado no ano de 2005. Tínhamos muito receio por conta das limitações
financeiras, e as maiores despesas de morar em Salvador, comparadas ao custo de vida
em Feira. Mas encaramos. Dividindo uma quitinete de dois vãos, com 4 pessoas
(‘maridas’ – como nos chamávamos, risos). Dividíamos a cama, a comida, as despesas
em geral, as resenhas, as atividades domésticas e compartilhávamos o estudo. Todas da
área da saúde, porém de cursos diferentes, uma tirava a dúvida da outra, e o ambiente
era bem estimulante para o estudo. Fomos muito felizes!
Na universidade, passei os primeiros semestres estudando as disciplinas mais
gerais da saúde, no Instituto de Ciências da Saúde e no Pavilhão de aulas de Ondina,
principalmente. Frequentava muito a biblioteca central, onde saía com os clássicos
livros gigantes (Guyton, Tortora, Lehninger... que saudade!) e subia a ladeira a pé, em
direção à Federação, onde eu residia. Frequentávamos também a Universidade Católica,
pertinho da nossa casa, e onde uma das ‘maridas’ estudava, e nos dava a senha para
acessar o computador – era nossa salvação para fazer as atividades da universidade, pois
não tivemos um computador, muito menos internet, por muitos semestres. Neste
período, me apaixonei pela Bioquímica, e me inscrevi para monitoria, porém, um
acidente vascular cerebral que aconteceu com o professor responsável, interrompeu a
atividade antes de seu início.
Quando enfim inicie as disciplinas específicas, já na Escola de Nutrição,
recordo-me da imagem do Diretório Acadêmico, com um desenho enorme do sociólogo
Betinho estampada na parede. Eu ainda não o conhecia, mas foi o momento do curso
onde comecei a ver o outro lado da Nutrição, para além do corpo físico. Foi também
quando iniciei as disciplinas específicas dos alimentos, e também me apaixonei pelas
propriedades, e pelas técnicas para produzir os alimentos tão saborosos. Eu gostava de
verdade do meu Curso.
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3. INICIAÇÃO EM PESQUISA
Escolhi o termo acima em lugar do “Iniciação Científica” para não dar a ideia de
que fui bolsista de um dos programas oficiais da FAPESP, CNPq ou CAPES. Não fui.
Tentei muito, mas não consegui. Naquele período, a maior parte dos professores
utilizava critério socioeconômico (e eu não era pobre o suficiente) ou score (meu score,
que ficava em torno do 10° da minha turma, também não era alto o suficiente). Então eu
me envolvia como voluntária.
A primeira experiência foi em um laboratório de tecnologia dos alimentos, onde
trabalhava fazendo composição centesimal (percentuais de água, lipídeos, proteínas e
carboidratos) de uma alga para o projeto de iniciação científica de uma colega da
graduação. Tinha a expectativa de desenvolver algum projeto meu, mas, talvez por
inexperiência em pesquisa e imaturidade minha, não propus nada, e o professor também
não. Desta experiência, ficou apenas o aprendizado das técnicas do laboratório. Saí
deste e iniciei trabalho voluntário no Biotério da escola de Nutrição. Apesar de passar
longas horas, que incluíam finais de semana e feriados, cuidando dos ratinhos, medindo,
avaliando parâmetros e preenchendo as planilhas, pude participar da concepção de
estudos e da elaboração de resumos para publicação em congressos. Foi um avanço,
mas ainda não me satisfazia, pois desejava avançar mais nos conhecimentos teóricos
sobre pesquisa, que as demandas práticas desta pesquisa dificultavam. Além disso, foi
impactante para mim o dia em que tive que matar ratos utilizando estufa com éter, pois
haviam nascido com sexo que não permitia sua inclusão na pesquisa.
Paralelamente à participação nos projetos do Biotério, iniciei projeto de
extensão, realizando atendimento clínico nutricional no Ambulatório de
Gastroenterologia e posteriormente no de Nefrologia do ambulatório Magalhães Neto.
Foi um período de muito aprendizado, e também onde surgiu mais uma oportunidade de
novo envolvimento com pesquisa. Uma mestranda me convidou para participar de sua
pesquisa, principalmente da coleta de dados; seria um ensaio clínico que avaliaria o
efeito de simbióticos em pacientes com Pancreatite Crônica. Deste projeto, participei
mais intensamente da elaboração teórica, escrevemos resumos para congressos
nacionais e apresentamos trabalhos em congressos locais, com os resultados
secundários. Crescia em mim a vontade de seguir carreira acadêmica, mas ao mesmo
tempo, tinha em mente a necessidade de ir para o mercado de trabalho como
nutricionista antes de tudo, pois isso me traria um know how que me tornaria um melhor
professor-pesquisador.
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4. PERCURSO PROFISSIONAL
Graduada em 2010, a primeira providência foi voltar para minha cidade natal.
Adorava Salvador, por sua beleza, cultura pulsante e maior facilidade de acesso a
eventos culturais, especialmente dentro da Universidade. Mas foi financeiramente muito
difícil chegar até o fim da graduação, e não tínhamos como continuar mantendo as
despesas lá, sem que eu tivesse um trabalho.
Voltei para Feira de Santana, e logo fui convidada pela mãe de minha melhor
amiga, que também dividiu quitinete comigo em Salvador, para realizar atendimento
clínico nutricional no seu consultório, atendendo principalmente diabéticos. A demanda
era muito baixa, considerando que eram pacientes de plano de saúde, que não queriam
pagar a consulta particular, como era a minha. Tentei inscrição em planos de saúde, mas
todos exigiam experiência e especialização. Então eu entendi que precisava fazer uma
especialização.
Resolvi trabalhar em qualquer outra atividade que me desse a renda suficiente
para eu pagar minha especialização. Foi aí que comecei o trabalho como secretária, em
uma produtora, elaborando contratos com bandas e realizando contato com empresas de
iluminação e sons para realização das festas. Dessa maneira, pagava a especialização.
Escolhi a única que tinha na cidade, voltada especificamente para nutricionistas, que era
a pós em Nutrição Funcional, na Faculdade de Tecnologias e Ciência. Porém, quando
estava quase no final, refleti que aquela especialização não era bem o que eu
queria/esperava. Foi uma decepção. Abandonei.
Ainda trabalhava na produtora quando recebi uma ligação de uma deputada, me
convidando a trabalhar na merenda escolar de Feira de Santana. Topei na hora. Só
depois fiquei sabendo que foi aquela mãe da minha melhor amiga que havia solicitado
uma vaga para mim ao prefeito da cidade. Foi uma experiência muito difícil a trilha por
esses caminhos da politicagem. Quando da assinatura do contrato, me fizeram uma
proposta salarial baixíssima, que consegui negociar e aumentar um pouco, e fui
encaminhada para uma cooperativa. No meu primeiro dia na Secretaria de Educação, fui
apresentada como a “menina da deputada”, e como aquilo me incomodava! Para piorar,
descobri que a nutricionista que antes ocupava a vaga que eu preencheria, havia sido
deslocada para outra sala, na mesma secretaria, por motivos da politicagem. E então
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trabalhei nesse ambiente de disputa, em pleno ano eleitoral, de quem era do então
prefeito versus quem era do antigo prefeito e forte candidato a reassumir.
Apesar disso, me sentia muito feliz por conseguir realizar muitas contribuições
para aquele serviço. A minha insegurança inicial foi substituída por uma enorme
confiança, ao constatar que aqueles que realizavam a atividade há muito tempo, na
verdade não possuíam o conhecimento necessário, e me pediam esclarecimento. E eu,
esperta que sou, havia me debruçado sobre o estudo da política nacional de alimentação
escolar, e também sobre materiais técnicos que me ensinaram claramente o que fazer.
Fiquei muito feliz também podendo ensinar 10 estagiários de nutrição, que contribuíam
com nossa atividade, e o feedback positivo desses, me motivava ainda mais a sonhar
com a carreira acadêmica, vontade que seguia guardada em mim. Nesse período
também desenvolvi um projeto muito bacana, intitulado “Educando com a horta escolar
e a gastronomia”, resultado da inscrição realizada pela prefeitura a um programa
lançado pela Universidade de Brasília. Fui nomeada como uma das coordenadoras para
execução do projeto no município. Fizemos reunião com professores, integrantes da
agricultura familiar, e merendeiras, além de receber os coordenadores dos municípios
vizinhos também inscritos, para os encontros periódicos com os profissionais da UnB.
O projeto objetivava incentivar a alimentação saudável nas escolas, utilizando a criação
de hortas e a formação de oficinas de gastronomia, nas quais as diversas disciplinas da
educação básica poderiam ser trabalhadas de forma transversal.
Ainda trabalhava com a alimentação escolar, quando abriu seleção para o
concurso do Conjunto Penal de Feira de Santana, pelo Regime Especial de Direito
Administrativo, para o Programa Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP),
que contratou diversos profissionais da saúde. Aprovada em segundo lugar, encarei o
desafio, apesar dos conselhos em contrário dos familiares, receosos da minha segurança.
Era a minha despedida da alimentação escolar, considerando a incompatibilidade da
carga-horária e ainda o salário quase 3 vezes maior. Foi um momento de muito
aprendizado, pois eu era a primeira nutricionista daquela instituição, e por isso, construí
eu mesma a minha rotina e a minha forma de trabalho. Eles demandavam
principalmente a fiscalização do contrato da empresa terceirizada que produzia as
refeições, mas eu me envolvia também nas atividades da unidade de saúde, realizando
intervenções educativas e atendimento clínico para grandes obesos, desnutridos e díades
mãe-bebê, além de me envolver com o Programa Saúde na escola, também dentro desta
unidade, realizando rodas de conversa de acordo aos temas solicitados pela enfermeira
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responsável. Neste trabalho, também fui nomeada como responsável por outro projeto,
que foi demandado pelo governo estadual, o Projeto de Gerenciamento dos Resíduos
Sólidos da unidade, pois era o serviço de alimentação o principal responsável pela
produção de lixo da instituição. Contei com o apoio de outros profissionais e também de
agentes penitenciários, desde o levantamento diagnóstico, que envolveu entrevistas
estruturadas, fotografias do ambiente e pesagem do lixo, até a execução de ações como
a coleta seletiva e a limpeza do local. Os apenados também foram envolvidos,
principalmente para reduzir o desperdício dos alimentos, mas também como
trabalhadores na criação das hortas e na separação do lixo reciclável. Nesse meio tempo,
ainda ministrei aula em um curso técnico para formação de técnicos em Nutrição e
Dietética, e levava a minha experiência na cozinha do presídio para a sala de aula, o que
tornava a aula muito mais interessante.
Ainda trabalhava no Conjunto Penal, quando abriu a seleção para profissionais
que iriam atuar no Hospital Estadual da Criança, para o qual me inscrevi e fui
selecionada em segundo lugar, mais uma vez. Aqui se iniciava minha paixão pela
pediatria. Nesta instituição, eu executei função clínica, prestando assistência direta aos
pacientes, desde a semi-UTI, até as enfermarias, e também fui nutricionista de
produção, cuidando diretamente da elaboração das refeições. Sentia-me muito útil, ao
cuidar com carinho das pessoas e realizar as intervenções nutricionais que tinham
impacto muito claro em muitos casos. Era requisitada por outros profissionais com
frequência, e tinha a oportunidade de discutir as ações. Estando na cozinha, tive também
a chance de utilizar os depoimentos que colhi dos pacientes para melhorar a alimentação
servida, apesar das limitações de recursos. Também por essa época, iniciei o trabalho
como nutricionista em um restaurante a la carte, onde eu trabalhava a noite, me
responsabilizando principalmente pelo controle higiênico-sanitário. Então eu estava
com 3 empregos, e nenhum tempo. Mas foi um período que eu planejei para guardar
dinheiro para executar os planos: casa e casamento. E deu tudo certo!
Casei-me em setembro de 2015. Maridão queria muito um filho, e foi agraciado
ainda na lua de mel (risos). Então, tivemos uma conversa, onde relatei que gostaria de
me afastar das atividades profissionais para cuidar de minha filha, pois com a rotina que
eu tinha, seria impossível manter a amamentação por um período maior, como eu
gostaria, além de querer acompanhar de perto o desenvolvimento naqueles famosos
primeiros mil dias de vida. Atrelado a isso, utilizaria o tempo que me restasse para,
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enfim, fazer o que eu sempre quis: me preparar para iniciar a carreira acadêmica. E vivi
intensamente esse período.
Quando decidi concorrer ao mestrado, minha filhota havia completado 1 ano. E
eu então me inscrevi no edital para o mestrado em saúde coletiva 2018, com o qual eu já
vinha namorando há algum tempo. Lembro-me de relatar para meu esposo o quanto eu
ficava feliz em estudar aqueles conteúdos para a seleção. Eu estava de fato encontrando
o meu lugar. A satisfação que eu tinha era a melhor pista do caminho certo. Colegas
nutricionistas estavam também se inscrevendo, e foi de “comboio” que fomos fazer a
prova de proficiência na UFBA. Nos motivávamos e torcíamos uma pela outra. Quando
saiu o resultado, 3 passaram, e 2 não. Mas todas foram comemorar juntas!
E a felicidade foi completa quando conheci a minha turma do mestrado. Nunca
poderia imaginar que conheceria pessoas tão incríveis, solidárias, comprometidas com
as causas sociais, acolhedoras. Além disso, a variedade dos cursos de formação dos
colegas que essa pós proporciona, tornava cada discussão muito enriquecedora. Os
longos dias de aulas passaram suaves, porque estávamos felizes por conviver naquele
espaço. Os professores traziam muito conhecimento e também construíam um
relacionamento saudável com a turma. Mas vivemos muitos dias tristes também. Se por
um lado, o estudo da saúde coletiva nos deixava orgulhosos das conquistas sociais do
nosso povo, a realidade a nossa volta nos mostrava um cenário político de
desconstrução dos direitos, que só piorou após a tão temida eleição do atual presidente.
Lembro-me das nossas participações em eventos de manifestações na rua, lembro-me de
acreditar que ELE NÂO iria ganhar as eleições, e lembro-me de não querer levantar da
cama no dia seguinte ao resultado. Lembro-me do semblante abatido dos colegas que
também acreditavam.
Voltando à parte boa: eu fui muito bem acolhida no meu Núcleo de Pesquisa
(NUPES), por colegas e orientadores que me ensinaram muito. Desenvolvemos nos
anos de 2018 e 2019, o projeto de extensão Encontrinho de Aleitamento Materno, que
vem sendo realizado há muitos anos pelo NUPES, tratando de amamentação com
crianças, seus pais e professores. Essa é uma experiência incrível, pois a resposta deles
deixa sempre em mim uma enorme esperança de que esses pequenos construirão um
futuro melhor.
Tivemos ainda o enorme desafio de executar um ensaio clínico, com
financiamento FAPESB, que incluiu dificuldade para executar a licitação e compra de
materiais específicos para o Banco de Leite Humano, proposição da implementação de
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um protocolo assistencial em um hospital e a seguir a preparação dos profissionais para


execução do protocolo, desde os do banco de leite até os médicos que prescreveriam e
as enfermeiras/técnicas de enfermagem que administrariam, e ainda a estimulação da
lactogênese precoce das puérperas, que apresentavam dificuldades decorrentes do parto
prematuro e de sua condição emocional, além de uma enorme coleta de dados clínicos
diários, de antes e depois da intervenção, de pacientes que chegavam a 100 dias de
hospitalização, que foi iniciada em outubro de 2018, e perdura até hoje. Tanto trabalho
vem trazendo alguns frutos: 7resumos publicados em eventos científicos, e mais 12
aprovados para outros dois congressos que ocorrerão até o final do ano, com os
resultados parciais. Um deles, inclusive foi premiado como melhor trabalho científico
do Congresso Brasileiro Mame Bem, o relato de experiência sobre a elaboração de uma
cartilha educativa para favorecer colostroterapia entre mães de prematuros. Esta
premiação foi extensivamente divulgada na cidade, sendo relatada desde a página da
UEFS, até jornal impresso de circulação local e telejornal regional.
Mas a dificuldade em alcançar o número de sujeitos necessários para inferência
estatística, não permitiu que tivéssemos artigos já publicados. Mas desenvolvemos
outros Projetos, como o que realizará análise metagenômica das fezes dos recém-
nascidos que recebem a colostroterapia, com financiamento CNPQ; outro utilizando o
banco da coorte que pertence ao núcleo, buscamos a associação entre trabalho materno e
amamentação exclusiva; e o projeto de elaboração e validação de tecnologia educativa,
que se tornou minha dissertação de mestrado, dentro do qual também nasceu o projeto
da tese do doutorado.
A proposta de elaborar uma cartilha para as mães de prematuros surgiu das
colegas de núcleo, preocupadas com as questões que dificultavam a lactogênese precoce
nessas mulheres, que eram alvo também do projeto da colostroterapia, já citado. A
cartilha foi elaborada pelas mestrandas e doutorandas, em forma de poesia, e foi
ilustrada por design profissional, ficando muito interessante. E desta experiência nasceu
o prêmio acima citado. Porém, ao me debruçar sobre o estudo da elaboração de material
educativo, constatei que precisaria ir mais longe: era preciso incluir as puérperas na
construção da tecnologia educativa, não reduzindo as mesmas a alvo do resultado final.
Sendo assim, foi definido após a qualificação do meu projeto do mestrado, que o projeto
não cabia no curto tempo que eu tinha para o mestrado, ele então seria continuado no
doutorado, e que o produto educativo final não deveria ser pré-determinado, mas
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definido pelos sujeitos envolvidos no problema, no decorrer da pesquisa, e assim nascia


a pesquisa-ação que propus.

5. CONSIDERAÇÕES E PERSPECTIVAS

Sou movida a paixão. Paixão por essa terra, por esse povo. Ao longo de minha
carreira profissional, não escolhi trabalhos, mas abracei as oportunidades que surgiram e
fiz as coisas do meu modo: fazendo mais do que executar uma função técnica em uma
área específica; desenvolvendo o que fosse preciso para melhorar algum aspecto da vida
das pessoas no ambiente no qual estive inserida: fosse integrando educação com horta e
gastronomia na alimentação escolar, fosse promovendo discussão em torno do manejo
do lixo no conjunto penal, fosse promovendo escuta qualificada, carinho e respeito aos
gostos pessoais no hospital pediátrico, fosse integrando todos os sujeitos envolvidos no
problema da amamentação entre puérperas após parto prematuro para desenvolver uma
intervenção educativa no mestrado. Fui fazendo instintivamente, pelo amor ao povo,
que aprendi com a minha família, o que viria a descobrir que se chama
transdisciplinaridade e integralidade do cuidado.
Meus sonhos e o prazer de ser quem eu sou e estar onde estou me trouxeram até
aqui. E seguirei nessa trilha. Continuarei o desenvolvimento dos projetos de pesquisa
iniciados, com o objetivo de formação acadêmica que me propicie oportunidade para
trabalhar com ensino e pesquisa em uma Universidade Pública. A inclusão neste
Doutorado Acadêmico é parte deste caminho sonhado, ao me permitir não só o título
para pontuar em um concurso, mas a ampliação dos conhecimentos e aproveitamento de
todos as oportunidades que essa Pós é capaz de me dar neste país e fora dele. Venho me
preparando, especificamente com os cursos do programa de Idioma Sem Fronteiras, na
UEFS (atualmente estou fazendo o preparatório para o TOEFL), para realizar o sonho
de um doutorado sanduíche. E assim, seguir fazendo o melhor que posso. A saúde
coletiva é o meu lugar.

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