Você está na página 1de 4

Aspectos éticos das decisões no início da vida

Nessa aula foi discutido sobre a questão do início da vida, abortamento,


medicina reprodutiva. Alguns alunos deram sua opinião, todas sem muito
fundamento argumentativo, factual ou científico. Alguns casos e situações
foram citadas e houve uma discussão superficial sobre esses temas.
No que tange essa questão, como diria Ayn Rand, “Não tenho fé em nada, eu
apenas tenho convicções”. Ora, tal afirmação pode parecer arrogante à
primeira vista, mas aqueles que defendem de forma intransigente uma posição
sobre um tema tão importante sem estarem convictos ou com uma conclusão
bem fundamentada não seriam os verdadeiros arrogantes?
Primeiramente, quando falamos sobre essas questões é necessário ter em
mente que o ponto principal é a Ética, que se manifesta na discussão sobre o
início da vida humana. Haverá pessoas que dirão que existem outras questões
mais importantes a serem consideradas e defenderão deixar a Ética como uma
questão secundária. Porém essa ação deve ser prontamente ostracizada no
debate, uma vez que o primeiro passo para justificar ações injustas é ignorar a
ética e discussão sobre a vida. Por exemplo, os membros do partido nacional-
socialista alemão (nazista) não tinham interesse em discutir sobre a Ética de
assassinar judeus em massa, pois para eles isso era uma questão econômica
e política, que se justificava por estarem “cumprindo os interesses da nação”.
As pessoas que defendiam a escravidão também desviavam a discussão sobre
o direito natural do escravo e se focavam em questões utilitárias e
consequencialistas como “Como a economia funcionará se ela é baseada no
trabalho escravo?”, “Como as fazendas se manterão sem mão-de-obra
escrava?”, etc. Ou seja, aqueles que querem justificar ações injustas sempre
ignoram a Ética e tentam desviar a discussão sobre a vida e direito natural para
questões secundárias, utilitaristas e consequencialistas, como a “saúde
pública”.
Dito isso, podemos concluir que é absolutamente necessário que a ética deve
ser a questão fundamental na discussão em voga. Onde começa a vida
humana? – Aristóteles definiu os conceitos de “essência” e “acidente”. A
essência é aquilo que a coisa é, a sua identidade. O acidente é tudo aquilo que
faz parte do ser, mas não o descaracteriza caso esteja ausente. Por exemplo,
uma cadeira tem uma identidade de cadeira, uma essência, que é um objeto
feito pelo ser humano com determinada forma que serve para se sentar. O fato
de a cadeira ser de madeira ou de alumínio é um acidente, pois não é
necessário para que ela seja considerada cadeira. Ora, esse conceito pode ser
aplicado para seres vivos, afinal existe algo no ser humano que o torna
humano, isto é, sua essência. Cientificamente, poderíamos dizer que aquilo
que está presente nos seres vivos que determina suas características são seus
genes. Um embrião de cachorro por exemplo, já possui a essência de
cachorro, e não deixará de ser um cachorro ao longo do seu desenvolvimento.
Existem vários conceitos de “vida” na ciência/biologia (Fisiológico, metabólico,
bioquímico, termodinâmico, etc), porém todos eles concordam que uma célula
que possui homeostase e um genoma está viva. Existem muitos conceitos pois
sempre há algum organismo que acaba ficando de fora da definição, como
vírus, esporos de fungos, bactérias em forma esporulada, etc. Ou seja, partindo
dos conceitos citados até aqui, baseados na sólida ciência biológica e na
filosofia, podemos concluir que a vida humana começa no momento da
concepção, isto é, quando o espermatozoide encontra o óvulo e se forma o
zigoto/embrião. A primeira célula de uma pessoa já possui a essência humana
e está viva.
Qualquer conclusão diferente dessa sobre o início da vida não é científica e se
baseia na metafísica. Pois se alguém diz que “a vida começa no ponto X do
desenvolvimento embrionário”, esta pessoa está partindo da ideia de que existe
algo que é criado/recebido/desenvolvido no ponto X que torna um ser humano
vivo. Há diferentes conceitos para esse “algo”, como alma, espírito, sopro de
vida, etc. Ou seja, é uma argumentação fundamentada em uma afirmação que
não pode ser provada, uma vez que é impossível provar que exista um
elemento metafísico (uma alma) que torna as pessoas vivas. Ademais, se fosse
provado que uma alma existe, ainda seria necessário provar que ela é entregue
no ponto X, e não no ponto Y, Z ou K. Argumentos do tipo “a vida começa
quando se forma o sistema nervoso” possuem essa falha elementar, pois
partem de premissas que não são verdadeiras, pois é impossível provar a
relação entre a vida (metafísica, alma) e o elemento citado (sistema nervoso).
O aborto é a morte espontânea de um bebê dentro do útero ou sua expulsão
prematura pelo organismo materno. O ato da gestante que deliberadamente
expulsa ou envenena seu filho em desenvolvimento no útero voluntariamente é
um infanticídio intrauterino e deve ser considerado como o que realmente é, um
assassinato. Ainda que alguém alegue que não sabe quando a vida se inicia,
isso é apenas um argumento a favor dessa conclusão, pois se existe a
possibilidade ou a dúvida se alguém está vivo, o correto é não praticar uma
ação que possa resultar na morte dessa pessoa. Não é possível implodir um
edifício sem se certificar que não há ninguém em seu interior, e caso haja,
aquele que executou a ação que resultou na morte de terceiros dentro do
edifício é um assassino.
Há quem argumente que o corpo pertence à gestante e ela tem o direito de
decidir sobre o que faz com seu próprio corpo. Ora, é verdade que a grávida é
proprietária do próprio corpo, todavia o bebê não é uma extensão do seu corpo,
mas um organismo independente que possui um genoma diferente e inclusive
precisa lançar mão de uma série de mecanismos hormonais para que o corpo
da mãe não o rejeite. A única relação que existe entre o corpo da mãe e seu
filho em desenvolvimento é de nutrição. A mãe também não pode decidir deixar
de nutrir seu filho e expulsá-lo do útero, pois isso implicaria em sua morte. É
como se uma pessoa expulsasse alguém do seu carro correndo à 300 km/h,
resultando em uma morte certa. Ora, assim como o dono do carro tem o dever
de desacelerar e esperar uma oportunidade segura para que o passageiro
desembarque, a mãe tem o dever de esperar 9 meses até que seu bebê possa
sobreviver fora do útero. O exemplo em questão é até desleal, pois o
passageiro do carro optou por entrar no veículo, enquanto o bebê está no útero
independentemente da sua vontade (e se fosse possível escolher, o bebê
nunca estaria no útero de uma aborteira).
Inevitavelmente, haverá pessoas que ignorarão a discussão ética e usarão
argumento utilitaristas, consequencialistas e emocionais. Vamos a eles: “Se a
mãe não tem condições de criar o filho em boas condições, é melhor que ela o
mate dentro do útero”, “Você não se importa com as condições de vida dos
bebês de mães pobres”. Bem, surpreendentemente, existem pessoas que
preferem defender o infanticídio quando esse problema já é resolvido de
inúmeras formas, como adoção, suporte de igrejas, suporte de instituições
privadas especializadas, etc. Além disso, o fato de o bebê nascer ou viver em
condições ruins não o torna menos humano ou menos sujeito de direitos
naturais. As pessoas que defendem esses “argumentos” estão afirmando que o
direito à vida das pessoas tem relação com seu poder aquisitivo, o que é
absurdo, afinal todos os indivíduos são iguais perante a Lei natural e todos tem
os mesmos direitos naturais (vida, propriedade e liberdade),
independentemente da sua idade, cor, religião, etc. Basta que pertença à
espécie humana.
“As mulheres abortam, ainda que seja proibido”. De fato, assim como as
pessoas assassinam, estupram, roubam, fraudam, agridem, ainda que seja
proibido. Não existe um mundo ideal aonde crimes não sejam cometidos. “Se
as mulheres tivessem melhores condições de fazer aborto, morreriam menos”.
Sim, se ladrões, estupradores, assassinos tivessem melhores condições de
cometer crimes eles também morreriam menos. Se uma ação é criminosa, é
um dever dos indivíduos trabalharem que ela seja coibida, não o contrário.
“O aborto é uma questão de saúde pública”. De fato, a liberação do aborto
induzido cria um incentivo psicossocial e econômico forte na sociedade. Afinal,
se a responsabilidade de cuidar dos filhos não existe mais, já que basta que a
gestante mate seu filho dentro do ventre, a pessoas passam a ter
comportamentos sexuais mais desregrados e promíscuos, inclusive deixando
de usar métodos anticoncepcionais, o que tem por consequência o aumento da
prevalência de DSTs na população. Dessa forma, quando o aborto é liberado,
até mesmo pessoas que não defendem o aborto estão sujeitas a um risco
aumentado de contrair uma patologia, o que configura um problema de saúde
coletiva.
“Muitas mulheres morrem porque o aborto não é legal”. De acordo com o
DATASUS, cerca de 8 mulheres morrem por ano devido a abortos induzidos.
Ainda que fosse algo subnotificado em 10 ou 100 vezes, seria um número
inexpressivo frente à população brasileira. Ademais, o risco de morrer após um
aborto é maior em comparação a dar à luz. Mulheres que abortam tem 6 vezes
mais chance de cometer suicídio, 30% de aumento de risco de desenvolver
depressão e 25% de desenvolver ansiedade. Além disso, O aborto está
associado a taxas significativamente maiores de morte para as mulheres até
dez anos após um aborto, em comparação a mulheres que dão à luz. Em
adição, existe um fenômeno chamado “aborto seletivo”, muito explícito em
países asiáticos que liberaram o aborto, aonde os pais decidem matar os
bebês do sexo feminino, pois aparentemente o sexo masculino é mais preferido
em relação ao feminino. Em outras palavras, com a liberação do aborto, as
mulheres são aquelas que mais morrem e mais sofrem com problemas de
saúde decorrentes de aborto.
Decorre ainda, dos argumentos aqui apresentados, que a fertilização in vitro e
pesquisas com células tronco que utilizam embriões humanos também são
crimes contra a vida, uma vez que ao realizar essas práticas muitos embriões
estão sendo deliberadamente criados para posteriormente serem descartados
ou mortos no processo. Tal conduta é inadmissível.
Estupro e anencefalia: Se partirmos do pressuposto que a vida humana se
inicia no momento da concepção, a partir do exposto, o aborto induzido em
casos de anencefalia e estupro também são crimes contra a vida. O bebê fruto
de um ato de estupro é inocente e não há sentido em sentenciá-lo à morte, ao
contrário do estuprador, que foi o real responsável pelo crime e idealmente
deve ser punido da forma mais severa possível e obrigado por meio da força a
restituir o dano à vítima. A formação do sistema nervoso é apenas um acidente,
não se configura como essência, portanto o bebê anencefálico está vivo, até o
momento em que ele morre. Assim como uma pessoa com uma doença
incurável e terminal tem direito à vida, até o momento da sua morte.
Finalmente, eu não tenho objeções ao uso de contracepção, com exceção dos
casos aonde o método utilizado é abortivo, prejudicando o embrião no seu
desenvolvimento ou implantação.

Você também pode gostar