Você está na página 1de 392

IBDH

Revista do
Instituto Brasileiro de Direitos Humanos

Ano 16, Vol. 16, Número 16 - 2016


IBDH Revista do
Instituto Brasileiro de Direitos Humanos
Ano 16, Vol. 16, Número 16 - 2016
Organizadores:
Antônio Augusto Cançado Trindade
César Oliveira de Barros Leal

Editor-Adjunto
Valter Moura do Carmo

Conselho Editorial
Antônio Augusto Cançado Trindade
César Oliveira de Barros Leal
Paulo Bonavides
Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati
Antônio Álvares da Silva
Antônio Celso Alves Pereira
Antônio Otávio Sá Ricarte
Homenageada especial Bleine Queiroz Caúla
Carlos Weis
Fides Angélica de Castro Veloso
Catherine Maia
Mendes Ommati Elkin Eduardo Gallego Giraldo
2ª Vice-Presidente do IBDH Elvira Domínguez-Redondo
Emilia Segares
O conteúdo dos artigos Emmanuel Teófilo Furtado
Filomeno Moraes
é de inteira responsabilidade Gonzalo Elizondo Breedy
dos autores. Juan Carlos Murillo
Juana Maria Ibáñez Rivas
Permite-se a reprodução parcial Julieta Morales Sánchez
ou total dos artigos aqui Lília Maria de Moraes Sales
publicados desde que seja Margarida Genevois
Pablo Saavedra Alessandri
mencionada a fonte.
Philippe Couvreur
Renato Zerbini Ribeiro Leão
Distribuição: Ruth Villanueva Castilleja
Instituto Brasileiro de Direitos Sílvia Maria da Silva Loureiro
Humanos Valter Moura do Carmo
Wagner Rocha D’Angelis
Projeto Gráfico/Capa
Rua José Carneiro da Silveira, 15 - Nilo Alves Júnior
ap. 301. Cocó Diagramação
CEP: 60192.030 Franciana Pequeno
Fortaleza - Ceará - Brasil Revisão
César Oliveira de Barros Leal
Telefone: +55 85 3234.32.92
http://www.ibdh.org.br
Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos.
E-mail: cesarbl@matrix.com.br V. 16, N. 16 (2016). Fortaleza, Ceará.
A Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, 2016. Anual.
1. Direitos Humanos - Periódicos. I. Brasil.
Instituto Brasileiro de Direitos Humanos Instituto Brasileiro de Direitos Humanos.
é uma publicação anual do IBDH. CDU
Sumário Ano 16, Vol. 16, Número 16 - 2016
Conselho Consultivo do IBDH................................................................ 05
Ano 16, Vol. 16, Número 16 - 2016
Apresentação............................................................................................09

I- Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina


Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí.........................................................11

II- Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?


Alán Arias Marín......................................................................................29

III- Direito à Afetividade Divergente no Contexto da Pós-Modernidade:


O Relativismo como Estratégia de Atuação Prestacional do Estado
Ana Barros..............................................................................................49

IV- Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre


a Complementaridade da Responsabilidade Internacional do Indivíduo
e do Estado
Antônio Augusto Cançado Trindade......................................................59

V- A Consolidação dos Direitos Humanos: Apontamentos acerca do Processo


Histórico e de Aspectos Teórico-Práticos Atinentes à sua Efetivação
Arnaldo Fernandes Nogueira e Marinina Gruska Benevides................77

VI- Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis...................................................................................91

VII- Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial


Catherine Maia....................................................................................................................................................................117

VIII- El Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y la Audiencia de Custodia


César Oliveira de Barros Leal............................................................................................................................................137

VIX- Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture
Claudio Grossman..............................................................................................................................................................149

X- A Evolução da Definição dos Crimes Internacionais: Uma Comparação entre o Estatuto de Roma, o Direito Francês
e o Direito Brasileiro
Fernanda Figueira Tonetto.................................................................................................................................................171

XI- La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos


(Con Especial Referencia a Centroamérica)
Javier Llobet Rodríguez......................................................................................................................................................181

XII- El Derecho Penal Internacional: Un Derecho Protector de los Derechos Humanos y de las Garantías Individuales
José Luis de la Cuesta.........................................................................................................................................................207

XIII- De la Teoría de los Cristales Rotos a la Ruptura de los Derechos Humanos


Juan Sebastián Verástegui Marchena.................................................................................................................................217

XIV- International Humanitarian Law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights
Juana María Ibáñez Rivas..................................................................................................................................................225

XV- La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional
Manuel E. Ventura Robles..................................................................................................................................................245

XVI- Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
Pedro Calafate.....................................................................................................................................................................263

XVII- Humanismo e os Direitos Humanos de Indígenas e Negros e a Contribuição de Francisco de Vitória desde Salamanca-ES
Racquel Valério Martins.....................................................................................................................................................281
XVIII- El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
Rocío Abellán Bordallo................................................................................................................................................295

XIX- Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada Face
aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar................313

ANEXOS

XX- Discurso - Breves Recordações de Minha Trajetória Internacional


Antônio Augusto Cançado Trindade............................................................................................................................335

XXI- Human Rights in Europe: An Insider's Views


Andrew Drzemczewski................................................................................................................................................343

XXII- Ética Humana y Animales Domésticos no Humanos


Eugenio Raúl Zaffaroni................................................................................................................................................357

XXIII- Diritti Fondamentali e Democrazia Costituzionale


Luigi Ferrajoli...............................................................................................................................................................367

XXIV- Saudação na Abertura Oficial do V Curso Brasileiro Interdisciplinar em Direitos Humanos: O Princípio de Humanidade
e a Salvaguarda da Pessoa Humana (5 a 16 de setembro de 2016, em Fortaleza, Ceará, Brasil)
César Oliveira de Barros Leal......................................................................................................................................381

XXVI- Saudação no Encerramento do V Curso Brasileiro Interdisciplinar em Direitos Humanos: O Princípio de Humanidade
e a Salvaguarda da Pessoa Humana (5 a 16 de setembro de 2016, em Fortaleza, Ceará, Brasil)
César Oliveira de Barros Leal......................................................................................................................................385
CONSELHO CONSULTIVO DO IBDH
• Antônio Augusto Cançado Trindade (Presidente de Honra)
Ph.D. (Cambridge – Prêmio Yorke) em Direito Internacional; Professor Titular
da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco; ex-Juiz e ex-Presidente da
Corte Interamericana de Direitos Humanos; ex-Consultor Jurídico do Ministério
das Relações Exteriores do Brasil; Membro do Conselho Diretor do Instituto
Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo) e da Assembleia Geral do
Instituto Interamericano de Direitos Humanos; Membro Titular do Institut de
Droit International e Juiz da Corte Internacional de Justiça (Haia).

• César Oliveira de Barros Leal (Presidente)


Pós-doutor em Estudos Latino-americanos pela Faculdade de Ciências Políticas e
Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México; Pós-doutor em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina; Doutor em
Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autônoma do México;
Procurador do Estado do Ceará; Professor aposentado da Faculdade de Direito
da Universidade Federal do Ceará; Membro da Assembleia Geral do Instituto
Interamericano de Direitos Humanos, da Academia Brasileira de Direito Criminal
e da Academia Cearense de Letras.

• Paulo Bonavides (1º Vice-Presidente)


Doutor em Direito; Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Ceará; Professor Visitante nas Universidades de Colônia (1982),
Tennessee (1984) e Coimbra (1989); Presidente Emérito do Instituto Brasileiro
de Direito Constitucional; Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa;
Titular das Medalhas “Rui Barbosa”, da Ordem dos Advogados do Brasil (1996) e
“Teixeira de Freitas”, do Instituto dos Advogados Brasileiros (1999).

• Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati (2ª Vice-Presidente)


Coordenadora do Curso de Direito do Instituto Camilo Filho; Presidente da
Academia Piauiense de Letras Jurídicas; Membro da Academia Piauiense de Letras;
Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.

• Andrew Drzemczewski
Ph. D. (Universidade de Londres); ex-Professor Visitante da Universidade de
Londres; Diretor da Unidade de Monitoring do Conselho da Europa; Conferencista
em Universidades de vários países.

• Antonio Sánchez Galindo


Ex-Diretor do Centro Penitenciário do Estado do México; ex-Diretor Geral de
Prevenção e Readaptação Social do Estado do México; ex-Professor de Direito Penal
da Universidade Nacional Autônoma do México; ex-Diretor Técnico do Conselho

5
Conselho Consultivo do IBDH

de Menores da Secretaria de Segurança Pública do México; Membro da Academia


Mexicana de Ciências Penais e da Sociedade Mexicana de Criminologia.

• Bárbara Pincowsca Cardoso Campos


Mestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB); Bacharel em Relações
Internacionais pela UnB; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília
(UniCEUB); Pesquisadora do Grupo “Crítica & Direito Internacional” da UnB;
Professora Titular de Relações Internacionais da Universidad Católica de Pereira,
Colômbia.

• Christophe Swinarski
Ex-Consultor Jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV-Genebra);
Delegado do CICV no Extremo Oriente e ex-Delegado do CICV na América do Sul
(Cone Sul); Conferencista em Universidades de vários países.

• Dean Spielmann
Juiz e Presidente da Corte Europeia de Direitos Humanos; Membro do Conselho
de Administração do Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo).

• Fernando Luiz Ximenes Rocha


Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará; Professor da Faculdade
de Direito da Universidade Federal do Ceará; ex-Diretor Geral da Escola Superior
da Magistratura do Ceará; ex-Procurador Geral do Município de Fortaleza; ex-
Procurador do Estado do Ceará; ex-Procurador Geral do Estado do Ceará; ex-
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

• Héctor Fix-Zamudio
Professor Titular e Investigador Emérito do Instituto de Pesquisas Jurídicas da
Universidade Nacional Autônoma do México; Juiz e ex-Presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos; Membro da Subcomissão de Prevenção de
Discriminação e Proteção de Minorias das Nações Unidas; Membro do Conselho
Diretor do Instituto Interamericano de Direitos Humanos.

• Hélio das Chagas Leitão Neto


Ex-Secretário de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará; ex-Presidente da Seccional
do Ceará da Ordem dos Advogados do Brasil; Pós-graduado em Direito Processual
pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.

• Jaime Ruiz de Santiago


Ex-Professor da Universidade Ibero-americana do México; ex-Encarregado de
Missão do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)
no Brasil; ex-Delegado do ACNUR em San José da Costa Rica; Conferencista em
Universidades de vários países.

6
Conselho Consultivo do IBDH

• Jayme Benvenuto Lima Júnior


Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Consultor Jurídico
do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP).

• Jean François Flauss


Secretário Geral do Instituto Internacional de Estrasburgo; Professor de Direito
Internacional da Universidade de Lausanne (Suíça).

• Jorge Padilla
Graduado em Administração de Negócios Internacionais; Consultor Permanente
do Instituto Interamericano de Direitos Humanos desde 2003; Consultor
Corporativo em Projetos de Responsabilidade Social; Professor Titular da Faculdade
de Ciências Sociais na Universidade Autônoma da América Central, Costa Rica.

• Karel Vasak
Ex-Secretário Geral do Instituto Internacional de Direitos Humanos; ex-Consultor
Jurídico da UNESCO.

• Linos-Alexandre Sicilianos
Juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos; Membro do Conselho de
Administração do Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo).

• Néstor José Méndez González


Advogado; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autônoma
do México; Diretor Geral do Instituto Nacional de Apoio a Vítimas e Estudos em
Criminalidade (México).

• Manuel E. Ventura Robles


Ex-Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Membro Associado do
Instituto Hispano-Luso-Americano de Direito Internacional.

• Pedro R. David
Juiz ad litem do Tribunal Penal Internacional das Nações Unidas para a ex-
Iugoslávia, Haia, Holanda; Juiz da Câmara Federal de Cassação Penal da República
Argentina; Doutor em Ciência Política pela Universidade John F. Kennedy, Buenos
Aires, Argentina; Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Nacional
de Tucumán; Doutor em Sociologia pela Universidade de Indiana, Estados Unidos.

• Sébastien Touzé
Professor da Universidade de Estrasburgo; Secretário-Geral do Instituto Internacional
de Direitos Humanos René Cassin (Estrasburgo); Membro do Conselho da
Sociedade Francesa de Direito Internacional; Professor Associado do Instituto
de Altos Estudos Internacional e do Centro de Pesquisa em Direitos Humanos e
Direito Humanitário da Universidade de Paris II (Panthéon-Assas).

7
Conselho Consultivo do IBDH

• Sérgio Urquhart de Cademartori


Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina; Professor do
Programa de Doutorado da Universidade de Granada Espanha; Professor Associado
da UFSC; Pesquisador Nível 2 do CNPq; Membro do Instituto de Direito
Administrativo de Santa Catarina (IDASC).

• Sheila Lombardi de Kato


Desembargadora do Tribunal de Justiça do estado de Mato Grosso; Coordenadora-
Geral do Programa Nacional de Direitos da Mulher.

• Soledad García Muñoz


Advogada; Diplomada em Direitos Humanos pela Universidade Carlos III de
Madri; Professora da Universidade Nacional de La Plata e da Universidade de
Buenos Aires; Coordenadora do Escritório Regional na América do Sul do Instituto
Interamericano de Direitos Humanos.

8
APRESENTAÇÃO
O Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH) tem a satisfação de dar a público o décimo-
sexto número de sua Revista, instrumento pelo qual contribui com periodicidade anual e distribuição
gratuita (graças ao respaldo do Banco do Nordeste) ao desenvolvimento do ensino e da pesquisa na
área dos direitos humanos, visando a promovê-los, de forma ampla, mas principalmente na realidade
brasileira. No entendimento do IBDH, o ensino e a pesquisa em direitos humanos giram em torno de
alguns conceitos básicos, devendo-se afirmar, de início, a própria universalidade dos direitos humanos,
inerentes que são a todos os seres humanos, e consequentemente superiores e anteriores ao Estado e a
todas as formas de organização política. Por conseguinte, as iniciativas para sua promoção e proteção
não se esgotam – não se podem esgotar – na ação do Estado.
Há que destacar, em primeiro plano, a interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos
(civis, políticos, econômicos, sociais e culturais). Ao propugnar por uma visão necessariamente integral
de todos os direitos humanos, o IBDH adverte para a impossibilidade de buscar a realização de uma
categoria de direitos em detrimento de outras. Quando se vislumbra o caso brasileiro, dita concepção
se impõe com maior vigor, porquanto desde seus primórdios de sociedade predatória até o acentuar
da crise social agravada nos anos mais recentes, nossa história tem sido até a atualidade marcada pela
exclusão, para largas faixas populacionais, seja dos direitos civis e políticos, em distintos movimentos,
seja dos direitos econômicos, sociais e culturais.
A concepção integral de todos os direitos humanos se faz presente também na dimensão temporal,
descartando fantasias indemonstráveis como a das “gerações de direitos”, que têm prestado um
desserviço à evolução da matéria, ao projetar uma visão fragmentada ou atomizada no tempo dos
direitos protegidos. Todos os direitos para todos é o único caminho seguro. Não há como postergar para
um amanhã indefinido a realização de determinados direitos humanos.
Para lograr a eficácia das normas de proteção, cumpre partir da realidade do quotidiano e reconhecer
a necessidade da contextualização dessas normas em cada sociedade humana. Os avanços nesta área
têm-se logrado graças, em grande parte, sobretudo, às pressões da sociedade civil contra todo tipo de
poder arbitrário, somadas ao diálogo com as instituições públicas. A cada meio social está reservada
uma parcela da obra de construção de uma cultura universal de observância dos direitos humanos.
Os textos, em vários idiomas, que compõem este décimo-sexto número da Revista do IBDH,
a exemplo das edições anteriores, enfeixam uma variedade de tópicos de alta relevância atinentes à
temática dos direitos humanos. O presente número antecede a realização em Fortaleza do VI Curso
Brasileiro Interdisciplinar em Direitos Humanos: Direitos Humanos e Meio Ambiente, no período de
28 de agosto a 08 de setembro de 2017, uma iniciativa conjunta do IBDH e do Instituto Interamericano
de Direitos Humanos (IIDH), através de seu Escritório Regional em Montevidéu, contando com a
parceria e o apoio de numerosas instituições locais, nacionais e internacionais, entre elas a Embaixada
da Austrália, a União Europeia e o Parlamento Europeu.
Este Curso anual, que reúne uma centena de participantes nacionais e estrangeiros, representa um
divisor de águas na trajetória do IBDH, abrindo-lhe portas para alianças estratégicas com instituições
públicas e privadas.
No presente domínio de proteção impõem-se maior rigor e precisão conceituais, de modo a
sustentar a vindicação dos direitos humanos em sua totalidade, e a superar o hiato existente entre o
ideário contido na Constituição Federal e nos tratados em que o Brasil é Parte e nossa realidade social.
Essa dicotomia entre “falar e agir” provoca um considerável desgaste e uma descrença generalizada.
Isso é deplorável, na medida em que devemos não apenas conhecer nossos direitos, mas também saber
defendê-los e exigir sua proteção por parte do poder público, reduzindo assim o espaço ocupado pela
injustiça, pela violência e pela arbitrariedade.

9
Apresentação

Proclamações de direitos não são suficientes, como já alertava há décadas o lúcido pensador Jacques
Maritain, para quem não é admissível perverter a função da linguagem, a serviço dos que nos roubam
a fé na efetivação dos direitos humanos, inerentes aos seres humanos e à sua condição de dignidade.
Aos direitos proclamados se acrescem os meios de implementá-los, inclusive diante das arbitrariedades
e mentiras dos detentores do poder. Entende o IBDH que o direito internacional e o direito interno se
encontram em constante interação, em benefício de todos os seres humanos.
Assim sendo, o IBDH persiste em manifestar sua estranheza ante o fato da não aplicação cabal do
art. 5º, § 2º, da Constituição Federal Brasileira vigente, de 1988, o que acarreta responsabilidade por
omissão. A juízo do IBDH, por força do art. 5º, § 2º, da Carta Magna, os direitos consagrados nos tratados
de direitos humanos em que o Brasil é Parte se incorporam ao rol dos direitos constitucionalmente
consagrados. Impõe-se tratá-los dessa forma, como preceitua nossa Constituição, a fim de alcançar uma
vida melhor para todos quantos vivam em nosso país.
Nesse sentido, o IBDH continua repudiando as alterações introduzidas pelo posterior art. 5º, § 3º,
da Emenda Constitucional nº 45 (promulgada em 08.12.2004), o qual revela inteiro desconhecimento
da matéria, na perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos, dando ensejo a todo tipo
de incongruências – inclusive em relação a tratados de direitos humanos anteriores à referida Emenda
– ao sujeitar o status constitucional de novos tratados de direitos humanos à forma de aprovação
parlamentar dos mesmos. Esta bisonha novidade, sem precedentes e sem paralelos, leva o IBDH a
reafirmar, com ainda maior veemência, a autossuficiência e autoaplicabilidade do art. 5º, § 2º, da
Constituição Federal brasileira.
Na mesma linha de pensamento, o IBDH também rechaça as críticas de determinados detentores
do poder a decisões de órgãos internacionais de supervisão dos direitos humanos, pelo simples fato
de serem tais decisões desfavoráveis ao Estado brasileiro. Algumas críticas, reveladoras de ignorância,
chegaram ao extremo de proporem represálias a órgãos internacionais que estão cumprindo o seu
dever, em defesa dos justiciáveis. A esse respeito, nunca é demais recordar que os Estados Partes na
Convenção Americana dos Direitos Humanos, que reconheceram a competência compulsória da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, assumiram o compromisso de dar plena execução às
Sentenças da Corte Interamericana. Isto se impõe bona fides, em razão do princípio geral do direito
pacta sunt servanda. A nenhum Estado Parte é dado evadir-se do fiel cumprimento de suas obrigações
convencionais.
Reiteramos, enfim, que a Revista do IBDH, como repositório de pensamento independente e
de análise e discussão pluralistas sobre os direitos humanos, persegue o desenvolvimento do ensino
e da pesquisa sobre a temática no Brasil. Desse modo, na tarefa de consolidação de um paradigma
de observância dos direitos humanos em nosso meio social, espera o IBDH dar uma permanente
contribuição.

Antônio Augusto Cançado Trindade

César Oliveira de Barros Leal

10
ESTRUCTURA JUDICIAL DE DERECHOS HUMANOS
CONTEXTUALIZADA EN ARGENTINA

Adrián Manzi
Doctor en Psicología; Investigador en Psicología Política; Docente de Psicología Política;
Universidad Nacional de San Luis, Argentina; Becario Posdoctoral.

Elio Rodolfo Parisí


Doctor en Psicología; Director del Proyecto de Investigación Psicología Política;
Docente de Psicología Social y de Psicología Política, Universidad Nacional de San Luis, Argentina.

RESUMEN ejercer derechos en caso de ser violentados o


excluidos. La impunidad es en la justicia, lo que
El comprobado estatuto jurídico de el adormecimiento colectivo y desvalorización
detenidos-desaparecidos de más de 7.000 de lo público es en la identidad, son parientes
personas a fines de los años ´70 y comienzos contemporáneos en nuestros procesos subjetivos.
de los ´80, comportó una problematización
que influyó la subjetividad de millares de Palabras clave
argentinos y tuvo repercusiones a nivel de
jurisdicción internacional. Consideramos que la Derechos humanos; Estatuto jurídico de
construcción de la política de derechos humanos detenidos-desaparecidos; subjetividad de los
no constituye totalmente un intento de argentinos
emancipación económica a través de lo jurídico,
sino que es el resultado de la interacción que se ABSTRACT
ha producido entre un ejercicio argentino del The proved legal status of over 7,000
poder con características represivas y perversas detained and missing people between the late
-que maneja una determinada economía- 70s and early 80s created a problem that affected
política y las formas de relaciones sociales e the subjectivity of thousands of Argentineans
institucionales- y la resistencia de los argentinos and had international jurisdiction-level
frente a los avatares de ese estilo de imposición consequences. We think that the construction of
del mercado. human rights policy is not an attempt of economic
Los derechos humanos abren el ciclo de emancipation through legal mechanisms. We
una nueva regulación del Estado argentino, believe it is the result of an interaction between
cuando éste impulsó medidas que enaltecían the Argentine exercise of power with repressive
a la “libertad” dentro del campo económico y and wicked characteristics – that manages a
cívico. Nuestro análisis considera al sistema particular political and economic model, as
judicial como una táctica de dominación más, well as social and institutional relationships -,
como una de las agencias del poder que tiene and the resistance of Argentineans against the
variadas estrategias y técnicas (de dominación). drawbacks resulting from market conditions.
El tiempo judicial que procesa, prescribe, The issue of human rights set up a new
o pospone la sentencia, es un factor que cycle in the intervention of the Argentine State
subjetiviza, en tanto que demora resarcimientos when actions that preserved civic and economic
y resocialización, frustrando psicológicamente, “freedom” were promoted. Our analysis sees
agotando fuerzas, aglutinando humanos the legal system as another domination device,
como desechos, precarizando la vida cívica, as one of the agents of power that resorts to
adormeciendo el cuerpo colectivo, promoviendo different domination strategies and techniques.
la impotencia colectiva. Dentro de esta dinámica The judicial time involved in prosecuting,
se juega la posibilidad de ser ciudadanos y hacer prescribing or postponing a sentence is a

11
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

subjectivizing factor, in the sense that it intentaron establecerse como factores crónicos
represents a delay in legal redress cases and en la vida política argentina.
resocialization processes. The resulting effects of Para ello nos hemos servido de análisis
this situation involve psychological frustration del estadísticas oficiales y de organismos
and weakening, accumulation of human beings no gubernamentales, conjuntamente con
as if they were piles of waste, eroding civic bibliografía académica pertinente, haciendo
life, numbing the collective body, and building específicas referencias a los hechos que, por
collective impotence. In this context, there is a su trascendencia, han planteado a la política,
chance of claiming for one’s rights when they a la economía, y a la sociedad en general, un
are violated or omitted. Impunity is to justice problema por resolver o, más bien, la demanda
what collective numbness and undervaluation de intervenir en las formas, lógicas y objetivos,
of the public domain is to identity. They are con que funcionan las instituciones sociales y
contemporary relatives, and all of them co-exist los valores que se promueven con éstas. Es por
in our subjective processes. esto que para nosotros, la

Keywords (…) problematización no quiere decir


representación de un objeto preexistente,
Human Rights; Legal Status of detained como así tampoco creación mediante el
and missing people; argentineans´ subjectivity discurso de un objeto que no existe. Es el
conjunto de las prácticas discursivas o no
PROBLEMATIZACIÓN Y CONSTRUCCIÓN discursivas que hace que algo entre en el
DE VERDADES EN CONTEXTO juego de lo verdadero y de los falso y lo
constituye como objeto para el pensamiento
Tomando el análisis foucaultiano, la (Foucault, 1999: 371).
gubernamentalidad implica un conjunto de
instituciones, de procedimientos, de análisis, La violación a los derechos humanos
cálculos y tácticas que tienen como objetivo durante los ´70 y principios de los ´80 constituyó
la población, como forma mayor de saber la una seria problematización para toda la sociedad
economía política y como instrumento técnico argentina. Por lo que entendemos que existe una
los dispositivos de seguridad. Centrada en historia de la verdad en las pasadas y actuales
este principio foucaultiano, la cuestión es violaciones a los derechos humanos de muchos
problematizar sobre la constitución del sujeto argentinos, o que cada verdad de algún grupo
argentino, es decir, la experiencia de sí, en social, tiene su propia historia, sin excluir ni
la Argentina de estos últimos años; la de los anular a otras. Las estrategias de las relaciones
tipos y estilos de gobiernos que establecemos de fuerza entre los distintos sectores sociales; los
los argentinos estando los derechos humanos tipos de saber que se impusieron unos a otros
implicados. y a sí mismos; las técnicas que se desplegaron
Analizar cómo se formó la experiencia de y el dispositivo que se afianzó, establecieron
vida en la que están ligadas las relaciones con una historia de la verdad en la que se analiza
uno mismo y con los demás cuando los crímenes y caracteriza la introducción del mercado
de lesa humanidad, el empleo y el desempleo; financiero, el retroceso del Estado de Bienestar,
la distribución de la pobreza y la concentración la emergencia de las verdades en términos de
de la riqueza; las movilizaciones grupales o construcción de identidades, de recuperación
masivas; la sexualidad reprimida y represora; la de la memoria, la verdad y la justicia, de
precariedad del sistema de salud (entre ellos el de judicialización de los delitos de lesa humanidad,
salud mental) y la emergencia de enfermedades y, en un movimiento político de los últimos ocho
supuestamente superadas; la natalidad y la años, de recuperación del Estado como entidad
mortalidad materna e infantil; el aumento del reguladora y administradora.
delito común y de guante blanco; el aumento A nuestro entender la problematización
de la cantidad de presos y el hacinamiento de comporta la elaboración de dominar ciertos
los mismos en comisarías y penitenciarías; la hechos, ciertas prácticas, ciertos pensamientos;
irresponsabilidad del Estado argentino ante la que constituyen la libertad en relación con lo
comunidad internacional; la suma de todos que se hace. El estado de la situación social en
estos factores hicieron, no tanto su eclosión la Argentina de los últimos 50 años se puede
y apoteosis en la vida pública, sino más bien, adjetivar de convulsivo, donde la demanda

12
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

de libertad no f es sólo patrimonio de quienes CONDICIONES DE SUBJETIVIDAD


son gobernados y oprimidos, sino de quienes
gobiernan y también de aquellos que expresan Para nosotros existe una consolidación
de unas series de mecanismos psicológicos
que la intervención del poder estatal es excesiva,
colectivos y la transformación o extrapolación
corrupta e ineficiente. Es decir, no hay que olvidar
de éstos, en prácticas de la vida política
que siempre hay quienes buscan determinar
institucional.
la libertad de los demás. Para Foucault, “la
libertad es la condición ontológica de la ética. La constante negación y el silenciamiento,
Pero la ética es la forma reflexiva de la libertad” por un lado, por parte de los gobernantes
(Foucault, 1999: 396). Por lo que significamos militares y cómplices civiles, concluyeron en dos
que, de acuerdo con los espacios y tiempos de mecanismos de proceder psíquico (constantes
libertad que nos brindamos entre nosotros entre los sectores que más polarizaron a
la sociedad en esa época): la negación y la
como sociedad organizada y convulsionada,
desmentida. Alrededor de éstos fue que se
construimos nuestra ética, que no es otra cosa
retroalimentaron otros mecanismos, entre ellos
que aquello que somos capaces de hacer y de
la promoción de la culpa que retroalimentaba el
decir con lo que de conciencia tenemos en tanto
silencio; la desvalorización y condena constante
somos seres con condición ontológica.
de los discursos de los opositores que apelaban
El comprobado estatuto jurídico de a la justicia; el afianzamiento del miedo como
detenidos-desaparecidos de más de 7.0001 controlador social; la descalificación de los
personas a fines de los años ´70 y comienzos trabajadores y de las identidades argentinas;
de los ´80, comportó una problematización y el socavamiento de procesos psíquicos
influyó la subjetividad de millares de argentinos fundamentales, como la memoria y la
y tuvo repercusiones a nivel de jurisdicción capacidad de analizar críticamente a la realidad
internacional. debido a la promoción de información falsa y
El fenómeno problemático en la Argentina, desequilibrante.
no sólo fue la detención-detención de personas, Mientras que, por otro lado, en la situación
sino también la problemática de cómo decir otra de interactuar –inevitablemente- con todos
verdad. Cuestión que acentúa la relación que estos mecanismos, se afianzaron mecanismos
existe entre lo que se conoce y la libertad para de: denuncia legal, legítima y pública; excesiva
decirlo y también para creerlo o escucharlo. “Me judicialización de la política; de movilización
parece que hay que distinguir las relaciones de simbólica y solidaria permanente, por los que
poder como juegos estratégicos de libertades se sintieron avasallados en sus derechos; de
y los estados de dominación, que son los que búsqueda de identificación con semejantes bajo
habitualmente se llama el poder. Y entre ambos, la misma situación; de resistencia a conformarse
se encuentran las tecnologías gubernamentales” con la historia oficial creando recursos para
(Foucault, 1999: 413-414). Consideramos a cuestionarla y desenmascararla; de búsqueda
los derechos humanos como un dispositivo de ayuda extranjera y estatal económica y a
caracterizado como de seguridad en términos nivel judicial; y de producción científica de
de economía política y de gubernamentalidad; conocimientos que lleva como estandarte la
concretizándose mediante agencias en términos recuperación de “la memoria, la verdad y la
sociológicos; cronificándose en términos de justicia” (que también implicó la reconstrucción
administración de la vida y de la muerte; y de las mismas).
estabilizándose en términos de subjetividad. Por un lado, el nivel tecnológico de
Sabemos que las instituciones no son industrialización moderna, el avance en la libertad
de mercado, y paralelamente, el establecimiento
entelequias y las consideramos productos de
de un alto nivel de precariedad social en que nos
cristalizaciones de los procesos subjetivos, de
ha tocado vivir a los argentinos, durante los años
posiciones frente al saber y de utilización del
´70 en adelante, fue encarado a través de grupos
mismo, de lógicas de identificación con sentidos
de poder que determinaron que esta unión se
y significados de las conductas, y de estructuras
resolviera con un mecanismo de aberración
económicas-políticas del cuerpo.
jurídica: el plan sistemático de detención-

13
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

desaparición de personas y la expropiación ilegal las formas de racionalidad que el hombre


de recursos humanos y materiales; acompañado construye para dirimir el campo de lo normal
esto de una coherente administración de la con lo anormal, la razón de la locura; nosotros
economía, que era consecuente con la política abordamos el campo de los derechos humanos,
implementada, aunque le restaba soberanía a los no para describir al ser argentino en términos
ciudadanos del país. de qué tanto goza o en cuánta medida son
Y por otro, teniendo en cuenta que el ocupar vulnerados sus derechos fundamentales, sino
lugares estratégicos de poder para establecer para analizar los mecanismos subjetivos que
ciertos contenidos y significados como verdades, aplicamos a nosotros mismos, para gobernarnos.
por parte de la resistencia o del mismo poder, está Es decir, cuáles son las estrategias y técnicas/
determinado por la historia de las condiciones tecnologías dentro de la gubernamentalidad, que
políticas económicas; nos animamos a decir que los ciudadanos argentinos utilizamos y que nos
nació -y se instaló gradualmente, con el modelo permiten distinguir y describir el uso reflexivo
neoliberal- una práctica social con gran tinte que hacemos de nuestra moderna libertad.
simbólico; una táctica de resistencia al poder: con Los derechos humanos cooperan en el
tiempos sintomáticos de ocupación de espacios disciplinamiento y en la regularización en, y
públicos revestidos de sentido económico. Es de, la sexualidad, la delincuencia, la locura, la
decir, se configuraron muchos despliegues pobreza, la identidad, de cada uno y de cada grupo
simbólico-públicos (o colectivos) de cómo que se manifieste. Lo que queremos significar es
enfrentar y establecer la ley, la ley de verdades. que las prácticas de la medicina, la psiquiatría, la
Fue el comienzo de un largo camino en búsqueda psicología, la educación, los aparatos judiciales,
de verdades negadas, en medio del auge del los trabajos sociales, las prisiones, son a las
reinado de una soberanía económica financiera disciplinas y a la regulación, lo que los derechos
y extranjera, y de la lucha jurídica de todos los humanos son a la política y al equilibrio
implicados (víctimas y victimarios) de toda esta (regulación) social, cuando éste manifiesta no
época. Marchas y Movilizaciones permanentes lo alienado, lo enfermo, lo incapaz, lo anormal,
son, en sentido argentino y moderno, un andar lo peligroso, lo carente, sino, cuando expresa
la impotencia psíquica que se sufre en un país lo excluido económicamente, lo innombrable
en Estado de Derecho que tuvo mucho de políticamente, muchas veces lo inclasificable
autoritarismo, de indiferencia, y bastante de jurídicamente y lo expropiado perversamente.
ocultamiento de pruebas, negación de los hechos Consideramos que la construcción de la
y de las respectivas responsabilidades. política de derechos humanos no constituye
A la negación de la situación, al totalmente un intento de emancipación
silenciamiento de las voces; al mecanismo de la económica a través de lo jurídico, es el resultado
proyección de la culpa hacia los ciudadanos; a la de la interacción que se ha producido entre un
complicidad y a la impunidad por parte de los ejercicio argentino del poder con características
burócratas del poder (gobernantes, empresarios represivas y perversas -que maneja una
y figuras del poder), se le asocian las acciones determinada economía-política y las formas
de búsqueda de reciprocidad de sentimientos: de relaciones sociales e institucionales- y la
los de denuncia incansables ante la justicia, resistencia de los argentinos frente a los avatares
la concurrencia a arduas movilizaciones; de ese estilo de imposición del mercado. Esta
la demostración pública del sufrimiento en construcción ha dado lugar a un comportamiento
términos de vida digna y de goce de derechos; característico de la sociedad argentina de
y, a la vez, una proliferación de la actividad enfrentamiento -del goce- de diferentes derechos,
judicial, tanto en sucesos de neto corte social entre diferentes actores.
como de corte político, además del campo Hemos ido analizando cómo el Estado ha
específicamente penal. dejado de participar y de administrar cuestiones
Así como Foucault abordó la sexualidad centrales de la planificación urbana, de la
para analizar las diferentes formas de moral productiva, de la educativa, de la salud y de
(estética y ética en el caso del estudio sobre los justicia, a partir de las décadas del ´70, mediante
griegos) que el hombre se da a sí mismo, cuando metodologías perversas y como consecuencia
la conducta sexual se toma como entidad por de un orden establecido por el establishment
pensar, o cuando abordó la locura para describir internacional, que logró que Argentina perdiera

14
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

su soberanía social y política y quedara, mínima parte de la sociedad argentina para que
funcionalmente en manos del mercado. La participe así, de una moderna libertad elegida.
desinversión en temas centrales como el empleo, Es decir, gran parte de la sociedad que ha sido
salud, educación, vivienda, fue implementada por excluida en el goce de la moderna libertad tiene
los adláteres del F.M.I. Los problemas referidos la posibilidad democrática de amedrentarse,
al resurgimiento de enfermedades que estaban ya más que de ampararse, en el sistema jurídico
superadas, al índice de analfabetismo, a la falta argentino, ahora reasegurado por el sistema
de capacitación profesional o técnica de muchos internacional.
sectores sociales, a la precariedad laboral y Ahora bien, hasta el año 2015 la tasa de
también en términos de ofrecimientos de bienes desocupación ha bajado al 7% según las fuentes
y servicios alrededor del hábitat barrial, urbano oficiales; la pobreza e indigencia han disminuido
o rural y hasta la vivienda misma, el aumento de en algunos sectores; la criminalización de la
la desocupación, emergieron de manera ruidosa protesta social y la represión a las manifestaciones
durante los ´90 y principios de siglo, entre sectoriales también ha mermado considerable
otros factores. Por otra parte, la ausencia de y notoriamente como así también las políticas
instituciones articuladoras que permitieran una represivas de desalojo y el trabajo esclavo,
mejor distribución de información acerca de los entre otros, por un lado. Y por otro lado, la
problemas reales por solucionar de cada región extensa población carcelaria y las muertes de
o barrio, y también de aquellas que puedan los presos está siendo materia de atención para
impulsar políticas de política social, abrieron un las políticas estatales de algunas provincias en
abanico de posibilidades para que el mundo de las unión con los organismos de derechos humanos;
ONG tuviera su auge y su eficaz funcionalidad. los altos índices de prostitución y trata de
ONGs que respondían en muchos casos al mujeres y niños están dándose a conocer y ya
mandato impuesto por el Banco Mundial, para tienen un lugar en la agenda pública gracias a
que confluyeran en el campo social desarticulado la voluntad política del Estado Nacional; la
y desmembrado, como forma emblemática de situación de los psiquiátricos y las condiciones
“contener” aquello a lo que se había visto forzado de los internados y detenidos ha sido debatida
el Estado a desatender. En muchos otros casos, de tal manera que ha sido promulgada la nueva
por ejemplo, hubo organizaciones civiles que se ley de salud mental; la violencia de género ha
formaron para actuar en defensa de los derechos salido a la luz y se están promoviendo campañas
humanos. nacionales educativas para concientizar sobre
este tipo de violencia como así también ya se
EL SISTEMA JUDICIAL COMO TÁCTICA han dado juicios con carátula de “femicidio”; los
Los derechos humanos abren el ciclo de procesos por los crímenes de lesa humanidad y
una nueva regulación del Estado argentino, los enjuiciamientos y sentencias a funcionarios
cuando éste impulsó medidas que enaltecían policiales y civiles se han concretado algunos y
a la “libertad” dentro del campo económico y otros se están llevando a cabo todavía. Todo esto
cívico. A la extremada defensa de la “libertad configura el exigido disciplinamiento argentino
económica” le correspondió su determinado de su Estado y de su sociedad.
saldo social y cultural. Para unos, este saldo se Lo fundamental es que existe un
denomina memoria, verdad y justicia, para otros, conocimiento que circula gracias a la voluntad
es sólo la incansable e inacabable presencia de la de una sociedad civil que agrupa y reconstruye
pobreza y de la vagancia. En tanto que otros lo un tejido social, y a una política de Estado que
consideran como la corrupción constante de los actualmente permite y alienta a que los distintos
funcionarios públicos, sindicalistas y privados, grupos sociales tengan voz e incidencia en la
no pudiendo hacer frente a la discusión real de vida pública y a un Estado que toma decisiones
los derechos humanos en Argentina. políticas donde se está incluyendo en la agenda
Si nos guiamos por las estadísticas sobre política la cuestión social. Esta emergencia y
economía política y los índices de criminalidad, amplia puesta en circulación de conocimientos
este estilo de democracia argentina no tuvo como habla de la puesta en la agenda política y jurídica
objetivo llevar adelante el ejercicio de la libertad por parte del Estado Nacional, y también gracias
como variable que subjetiviza a sus ciudadanos, al esfuerzo de los ciudadanos argentinos que se
sino más bien, a la mercantilización de una organizan civilmente, sobre algunos de estos

15
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

conocimientos que se refieren a la violación de lo público es en la identidad, son parientes


de los derechos de manera sistemática en la contemporáneos en nuestros procesos subjetivos.
Argentina. Por esto mismo es que no hay que La gubernamentalidad en la Argentina,
confundir derechos humanos con acción del si se toma como foco de referencia a los
sistema judicial. derechos humanos, tiene características de
Nuestro análisis considera al sistema judicial expropiación de recursos humanos, materiales
como una táctica de dominación más, como y simbólicos, con cierto marco de legalidad
una de las agencias del poder que tiene variadas -en términos legislativos- y de normalidad -en
estrategias y técnicas (de dominación), entre términos estadísticos-. No sólo apuntamos
las que podemos nombrar: la ejecución de un al estilo de ética de la negación, del silencio o
proceso penal mediante denuncia; la secuencia y de la complicidad que deberíamos erradicar
continuidad de los pasos procesales en su debido en política de derechos humanos, y a lo
tiempo y forma y el acatarse a ellos; la posibilidad o sublime de las conductas de denuncia pública
no de que exista una jurisprudencia sentada sobre y movilización permanente; sino más bien,
el caso requerido o demandado; la negligencia evaluamos a todos estos mecanismos como
en el procesamiento que lleva a que los tiempos productores de comportamientos, hábitos y
legales se venzan en pos de una estrategia política subjetividades eficaces para el funcionamiento
y no de una interpretación de normas jurídicas (lo de la gubernamentalidad argentina.
que conlleva muchas veces a una excarcelación Queremos significar que la negación de los
o extinción de una causa); la probabilidad de hechos y el silenciamiento de los mismos no
falta de recursos técnicos y materiales para llevar es patrimonio del Estado autoritario, aunque
las investigaciones a cabo; la no cooperación existan todavía funcionarios cómplices de
mediante información fehaciente de las fuerzas muchos delitos. Es en la sociedad en general
de seguridad; la impericia de las instituciones donde se han diseminado estos comportamientos
policiales y judiciales en conjunto; la falta de mayoritariamente, y en donde se manifiestan
voluntad política para ejecutar ciertas causas y los fenómenos más lúgubres –tal como hemos
la presencia de miedo por parte de funcionarios evidenciado como con la trata de personas o
judiciales para mantener denuncias y procesos la violencia de género-, no siendo el Estado el
judiciales, las posibilidades de apelación y de promotor de tales características, sino más bien
interposición de amparos. Estas características no individuos o grupos que se conducen de esta
atañen a la totalidad del sistema judicial ni a la manera y que bien pueden pertenecer al Estado
actividad de todos los profesionales a cargo, pero como empleados.
sí se encuentran diseminadas por determinados
tribunales de justicia del país. La importancia EL DISPOSITIVO DE LOS DERECHOS
de esclarecer y caracterizar cuáles tribunales y HUMANOS
quiénes son los funcionarios responsables de Los derechos humanos constituyen un
cada intervención judicial, es responsabilidad mecanismo que es axiológico porque integran
tanto de la ciudadanía como del mismo Estado. los aspectos universalistas de la vida, el trabajo
Es en este sentido que decimos que lo contrario al y el lenguaje, y son mercantilistas, porque
silencio no es la denuncia pública, sino más bien reciben los impactos de una verdad que el
el esclarecimiento de responsabilidades civiles. mercado –que con su lógica de acumulación
El tiempo judicial que procesa, prescribe, y producción- inocula todo lo que toca. Es
o pospone la sentencia, es un factor que también jurídico, porque determina la condición
subjetiviza, en tanto que demora resarcimientos de los seres humanos, en tanto persona,
y resocialización, frustrando psicológicamente, colectividad o minoría, y en la medida de nuevas
agotando fuerzas, aglutinando humanos tipologías y clasificaciones por considerar. Se
como desechos, precarizando la vida cívica, advierte también, una tendencia de los órganos
adormeciendo el cuerpo colectivo, promoviendo jurídicos nacionales por regirse por los tratados
la impotencia colectiva. Dentro de esta dinámica internacionales de derechos humanos, haciendo
se juega la posibilidad de ser ciudadanos y hacer referencia a ellos en sus fallos. Lo que significa
ejercer derechos en caso de ser violentados o que -la internacionalización- da testimonio de
excluidos. La impunidad es en la justicia, lo que que el hombre se convirtió en sujeto de derecho
el adormecimiento colectivo y desvalorización internacional y los Estados en responsables

16
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

internacionales de sus políticas internas. Y que términos de riqueza-pobreza (salud-enfermedad,


esta normatividad no es exclusiva de los Estados, o tasas de natalidad y de mortalidad); y a
sino de los órganos o tribunales que ejercen la la distribución y generación de recursos, a
jurisdicción supraestatal. la información adquirida y manipulada. El
Los derechos humanos constituyen un concepto de Foucault de dispositivo de seguridad,
dispositivo de seguridad dentro del análisis nos permite caracterizar a los derechos humanos
del concepto de gubernamentalidad. También con capacidad de absorber las categorías de regla/
observamos, que la presencia de agencias conflicto, función/norma, sistema/significación;
operativas claves, como la civil y la judicial, pudiendo ellos aportar al conocimiento general de
constituyen a la economía política de la las ciencias humanas sobre el hombre argentino.
población argentina, cuando ésta hace uso Además de saber acerca del argentino en tanto
de la moderna libertad. También afirmamos representación, permite graficar la genealogía del
que la desocupación, la precarización del biopoder argentino en tanto hermenéutica.
trabajo, la criminalización de la pobreza y de El dispositivo de seguridad permite, de
la inmigración, la judicialización de la protesta diferentes maneras, que las cosas sucedan, para
social, el abuso infantil, la violencia de género, poder conocerlas y así actuar sobre ellas. Su
la violencia policial y militar institucional y los objetivo no es prohibir, ni fijar, ni clasificar (como
pactos políticos con sectores financieros, fueron las disciplinas, en tanto son éstas economía
y son la estrategia política de los sectores que anatomo-política del cuerpo). Permiten un cierto
ejercieron el poder, imponiendo la fuerza material “dejar hacer”, ya que los derechos humanos
y simbólica y expropiando recursos humanos y advienen allí donde la biopolítica llama, es decir,
materiales. Las agencias civil y judicial sirven donde la incidencia sobre los movimientos
para sostener, de diferentes maneras, a aquellos poblacionales de gran escala se hace necesaria.
ciudadanos que quedaron y quedan por afuera Es entre una mecánica de la disciplina y un
del Estado de Derecho. derecho de soberanía que se juega el ejercicio de la
Los derechos humanos en tanto Dispositivo, dominación. Es decir, entre saber demandar y el
hacen valer –opcionalmente- un tipo de relación amedrentamiento judicial. Pero estos dos límites
de poder que la ley reconoce y legitima; que son tan heterogéneos que no pueden reducirse
la sociedad utiliza para reclamar; a la que los uno al otro. La producción de conocimiento
individuos se sujetan con fervor; que el Estado de las ciencias humanas en Argentina, y como
también utiliza y reproduce políticamente en otros países, absorbe las características de
generando conductas e incita e induce, a la vez esta yuxtaposición -de estas dos heterogéneas
que registra (y con ellas realiza estadísticas); que dimensiones- por el choque de la mecánica de las
el mercado desecha; y que la justicia ampara. disciplinas económico políticas y la organización
Inversamente, es en el ámbito del mercado de la soberanía del derecho. El saber producido
donde los derechos humanos son tazados y por una sociedad, es decir, el despliegue de las
cotizados, de acuerdo con las legislaciones que tecnologías políticas modernas -que impacta
éste produce en relación con sus expectativas sobre los sistemas jurídicos de la soberanía- es lo
de inversión, de tasas de interés, de costos de que lo llevó a Foucault, a observar este fenómeno
producción y de mano de obra disponible; de de funcionamiento global de la sociedad y
promoción social, de contribución moral, pero llamarla sociedad de normación.
más que nada, de obtención de ganancias. Hemos referido que los tiempos formales
El marco de seguridad en el cual los derechos del sistema de derecho funcionan como
humanos tendrían efectividad táctica, es a partir amedrentamiento social por parte del poder,
del momento en que se racionalizarían las como parte del juego entre la mecánica
políticas de Estado introduciendo la legislación de la disciplina y el saber del derecho. Los
en derechos humanos. Éstas girarían en torno mecanismos de producción de conocimiento,
al poder subjetivante-objetivante que tiene la de “saber hacer” de la sociedad, promueven la
positividad de los derechos humanos sobre los actividad cultural en estos espacios de relaciones
sujetos; a los ultrajes y demandas que existen de de fuerzas. Y por mecanismos entendemos,
los mismos; a los enfrentamientos y consensos no las diversas configuraciones de sentido que
de los distintos sectores de la sociedad; a los pueden establecer los conocimientos de un
equilibrios y desequilibrios poblacionales en grupo social, de un análisis sociológico, de una

17
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

medicina aplicada, o la información de una sensación de impunidad que surge, es la relación


ONG; sino la dinámica social desplegada en con un desmedido esfuerzo entre lo que se sabe
toda esta relación. Muchas veces, la argentina acerca de los crímenes y la corrupción, y los
administra su justicia haciendo uso político de su procesos y los estatutos necesario para que esto
Constitución Nacional y de los códigos y tratados que se conoce funcione como verdadero. Hay un
internacionales, penales y también del tiempo vasto sector social que no le reconoce todavía
procesal. Más que una cuestión de normas y de al gobierno de Néstor Kirchner y de Cristina
interpretación de las mismas, es una cuestión Kirchner su intervención activa frente a sucesos
de tiempos y de formas, de estructuras y de de notable importancia como lo son la anulación
recursos para movilizarla. Es decir, en muchos de las leyes de obediencia debida y punto final;
casos importantes, se deja a que prescriban las la consecución de los delitos de lesa humanidad
causas, y después se toma conciencia si fue contra militares, civiles y eclesiásticos; la
decisión penal, política, o social. reestructuración de las fuerzas de seguridad
El inconveniente es que el Estado y su papel preventivo en las manifestaciones
está obligado a cumplir con los estándares públicas; el enfrentamiento al monopolio de los
internacionales, pero sólo pocos funcionarios medios de comunicación; la renegociación de la
del Estado son penalizados por malversación deuda externa, la re-estatización de la seguridad
de los recursos administrativos, en caso que social, la modificación de la Carta Orgánica del
el detrimento del goce de los derechos sea Banco Central, entre otras acciones de carácter
denunciado, comprobado y sentenciado. fundamentales para la vida cívica.
Pareciera que la judicialización de muchos de Aún se percibe cierta función de
los derechos humanos no permite visualizar complementariedad del sistema judicial a
las causas de la ineficiente administración de las políticas administrativas, promoviendo y
los recursos y definir: si es por faltas cometidas estableciendo obligaciones legales al Estado,
por funcionarios públicos, a los cuales les cabría pero aún no se establecen responsabilidades
responsabilidad; por la escasez de recursos de funcionarios de hacer incurrir al Estado en
y de funcionarios públicos que lleven a cabo irresponsabilidad internacional. A la vez, en la
los medios idóneos y las medidas operativas efectividad y necesidad del control y denuncia
eficaces; o por violaciones cometidas directa, de las violaciones a derechos, se comprueba
indirecta o sistemáticamente desde el poder que es la sociedad civil, reconocida simbólica
estatal o privado. y materialmente, la que porta la legitimidad
La complicidad y los pactos de silencio son y la fuerza de ejercer los medios idóneos para
legitimados a nivel macro político por un lado que funcione el sistema del derecho. Por lo que
y, por supuesto, a nivel micro político, por el también significa que, sin la movilización de este
otro. Es decir, la forma en que fue establecido sector, los crímenes o delitos referidos a derechos
el sistema financiero (en la que la predominó la humanos, tanto los de primera como de segunda,
especulación y no el desarrollo productivo real) tercera y cuarta generación, difícilmente hayan
por un lado; y los altos índices de violencia contra sido denunciados al no tener la ciudadanía
la mujer, los niños y los ancianos, ya sea en la recursos (educativos y materiales) necesarios
familia o en las instituciones, la prostitución y y suficientes para saber y poder actuar. Entre
la trata de personas, el alto índice de menores el disciplinamiento del mercado excluyente y
detenidos y aprehendidos, comprueban la el derecho a demandar los delitos, los sectores
existencia, o la posibilidad del pacto cómplice sociales (no las clases sociales) luchan dentro del
legitimado, por otro. No agrupamos los efectos sistema judicial. Es también, en este sentido, que
micro políticos del lado del poder estatal la lucha de clases habría quedado atrás, es decir,
solamente, sino que en muchos casos se utiliza ya no se trataría de qué clase social detentará el
el poder estatal para fines privados mediante la poder en el ejecutivo y legislativo, sino que sería
legitimidad de estos pactos informales. en la justicia el otro lugar donde se dirimirían los
Y si en la Argentina el proceso de conflictos, si queremos decirlo así, de clase.
finalización de implementación de las medidas Ahora bien, el Estado Nacional, en los
neoliberales estuvo marcado por un alto nivel últimos 8 años ha impulsado también medidas
de represión entre los años 1994 y 2004, en el económicas tales como: salida de default, re
que la complicidad la hizo más profunda aún, la estatización de los fondos de las AFJP, aumento

18
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

del PBI y crecimiento anual casi del 9% multiplicidad de grupos organizados -con
durante 2010 y 2011, aumento de las reservas verdades irrefutables- acerca de la vida cultural
para lograr soberanía política, integración y argentina. Aparecieron otros relatos de la vida
fortalecimiento al MERCOSUR, entre las más sociopolítica con otros objetivos éticos, distintos
llamativas. Y entre las medidas más sociales a los impuestos por el discurso oficial. Grupos
ha conseguido promulgar la ley de matrimonio que subjetivizan, enumeran, regulan, registran,
igualitario, ha implementado el aumento a controlan, asientan, disciplinan a otros grupos, a
los jubilados dos veces por año, ha promovido través de su saber ejercido y de su conocimiento
la asignación universal por hijo (que exige producido. Gubernamentalizan a la población,
libreta escolar y de vacunación de los/las hijos/ porque también subjetivizan ciudadanos a partir
as para recibir el beneficio), ha aumentado la de técnicas sobre los ciudadanos en respuesta
inversión en educación y en Ciencia y Técnica, a la violencia sistemática, por un lado. Y por
y ha implementado el Programa de Mejora en otro, producen un conocimiento con valor de
Equidad Educativa, entre las más contundentes. verdad que tiene efectos políticos sobre lo que
Y a nivel político, la integración a la UNASUR la sociedad conoce. Y como hemos venido
y el interés brindado hacia la misma desde sosteniendo, desde una perspectiva más general,
el Estado Nacional en pos de una unidad son portadoras de un saber-hacer que generan
latinoamericana que reasegure los procesos espacios para que ciertos sectores ejerzan su
democráticos de los países que la integren, es poder de ciudadanos.
otro aspecto de relevancia para nuestro trabajo. Como pensamos nosotros, y como dice
Por lo que la recuperación de la disputa del Foucault, no todo saber es máscara del poder,
goce de los derechos económicos y sociales y no todo poder es el mal. Es decir, no todo
para los ciudadanos se estaría re desplazando, ejercicio del poder viene acompañado de
nuevamente, hacia la esfera política, es decir, la coerción, engaño o artimaña para mantener al
democrática. Pero aún es muy poco el tiempo otro (sujeto a) en una posición de vulnerabilidad,
como para establecer un diagnóstico diferenciado de ignorancia que perjudica su vivir cotidiano o
de estas políticas más sociales que especulativas. que menoscaba su capacidad de decisión. Pero
Con respecto a los delitos de lesa humanidad, también, por su parte, el sector represivo militar
a pesar del aumento de ejecución de causas en y policial que se encargó de auto amnistiarse, no
estos últimos años, el tiempo retardado y la no pudo evitar que se los persiguiera y procesara,
unificación de causas, evidencian una falta de vigilara y castigara por estos grupos organizados
voluntad jurídica en algunos sectores reacios que profesionalizaron su conocimiento, su
a estos procesamientos, más no en todos los investigación de los hechos.
tribunales. Los vínculos de complicidad entre la El conocimiento generado por estos grupos
violencia ejercida por el sistema represor y los (hijos de la represión estatal) de que existió y
funcionarios de la justicia –que fueron puestos existe una complicidad civil y una delincuencia
en el proceso- se comprueban por la falta de empresarial y también sindical, visualiza que
ejecución de las debidas etapas del proceso los delitos de lesa humanidad y las respectivas
judicial y la ausencia de una investigación condenas a los responsables no son el único
comprometida y radical que se necesita para y magnánimo logro. La referencia de estos
avanzar. Lo homogéneo del sistema judicial conocimientos a los sectores más vulnerados y
actualmente, está más referido a una falta de vulnerables no tiene como finalidad victimizarlos
demanda de recursos materiales, logísticos y o manipularlos mediática o políticamente,
de articulación para desplegar sus funciones; sino más bien el de destacar la situación de
mostrando que el Estado de Bienestar también distribución de la pobreza, del delito y la violencia
se habría retirado en la esfera judicial. -sistemáticamente desplegada- por ciertas
instituciones estatales y también privadas.
NUESTRAS LIBERTADES Durante los últimos 30 años, el contenido
Si la dictadura militar y las cúpulas del de la información estadística en materia criminal
poder civil produjeron un fuerte deterioro y de violación de derechos humanos, comprueba
de la dignidad de la vida y de su aspecto la relación directa entre el aumento de los delitos,
material y simbólico, no es menos cierto que la criminalización indiscriminada de la clase
como consecuencia de ello proliferaron una social baja, la mortalidad de los más vulnerables

19
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

como lo son las niñas y niñas y las instituciones nuestra capacidad civil organizativa en la
públicas legislativas, de orden y de seguridad. política, ya que aquello que debió ser materia
Los relatos que cuentan ciertas organizaciones administrativa se dirimió en el campo de la
no gubernamentales se refieren a la economía justicia. Para poder gozar del ejercicio de la
política de la vida y de la muerte argentina, libertad, es fundamental que los demás valores
en cuanto que éstas son las contabilizadas y fundamentales, como la salud, la vivienda y el
analizadas. Es decir, vislumbran lo político y trabajo sean estables y equitativos. Pero sobre
lo económicamente útil desde una ideología todo, es esencial conocer el estado actual de
alienante, pues son capaces de considerar la posibilidad que se tiene de ejercer como
como perspectiva, aquellas vidas sociales que individuos pertenecientes a la sociedad, para
son impedidas de desarrollarse en dignidad y ejercer la libertad.
bienestar y de vociferar sus identidades. La exigencia de control de gestión por
La sociedad civil se resguarda en sus parte de los grupos civiles es proporcional a
conocimientos históricos para protegerse del la complicidad de los funcionarios públicos,
brazo armado, no sólo del Estado, sino también policiales, judiciales o políticos, con los grupos
de los sectores dominantes, de aquellos que sociales que especulan en la legalidad del sistema
imponen la fuerza con violencia material y financiero. La atención que el Estado Nacional
simbólica. Es decir, existen técnicas de gobernarse le está prestando a las demandas exigidas por
a uno mismo y a los demás cuando la violencia muchos de los organismos de derechos humanos,
entra en la lucha en las relaciones sociales: hace enfocar a la corrupción y al delito ya no
negación, silencio, complicidad, solidaridad, como si fuera sólo patrimonio del Estado, sino
denuncia pública, movilización, judicialización. que también se encuentra desplegada en las
El mercado cuenta la demanda y la oferta de demás esferas de la vida social en general. Los
productos (incluyendo al hombre como objeto, mecanismos de negación y silencio, complicidad y
es decir, como mano de obra o como producto denuncia, solidaridad y movilización que venimos
consumible) y el sistema jurídico construye describiendo en estas relaciones de fuerza, hacen
su castillo del derecho. Nuestra sociedad de al equilibrio justo que los argentinos le otorgamos
normación, soberaniza y disciplina, regula las a nuestra libertad. Y por justo no entendemos el
relaciones de fuerza existentes mediante la momento apropiado, sino la propia ética, el propio
agencia civil y judicial, en tanto relatos llamados uso reflexivo de nuestra libertad. Y, en la medida
delitos de lesa humanidad, criminalización de en que significamos lo que actuamos y ponemos
la pobreza, violencia de género, discriminación, en práctica lo que sabemos, construimos nuestra
mortalidad maternal, mortalidad infantil, ética.
violencia institucional. Es decir, se han cosificado Nuestra ética argentina es el resultado de
las técnicas de gobierno de los otros cuando nuestro uso reflexivo que estamos haciendo de
los ápices de la vida y la muerte muestran sus nuestra libertad como cultura occidental. Y si
índices. Régimen argentino de la verdad. nuestras libertades fundamentales se dirimen
Creemos, por nuestra parte, que la en el campo judicial, si nuestra condición
sobrevaloración del sistema de derechos para ontológica la dirigimos al campo de la justicia,
resguardarnos y perseguir los delitos comunes, nuestra ética está impregnada, teñida, influida
hace perder el ímpetu, en el imaginario social, mayormente por la estructura, la forma, la
lo que de convicción ética -de los grupos dinámica y la lógica del sistema judicial, con las
organizados de derechos humanos- tienen de características de ceguera y sordera y no tanto
fuerza para politizar su verdad, y lo de voluntad por la predominancia de la interacción entre las
política el actual Gobierno Nacional impulsa. otras instituciones culturales.
Además, la justicia argentina ha demostrado en Se acepta con ignorancia -y de manera
muchos casos trabajar más con la especulación supina- por una gran parte de la población
temporal de los procesos penales que con la la existencia clara de deshumanización, de
conducta ética e interpretación de normas. crueldad y de matanza de cierto sector social, y
Pero, en muchos otros casos ha demostrado se consolida la renegación de que las políticas,
estar a la altura del contexto internacional al por ejemplo, penales tienen efectos opuestos
condenar a responsables de delitos contra la a la finalidad que proponen. No siendo el
humanidad. Aun así, nos cuesta reconocer Estado el que actualmente esté publicitando y

20
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

promoviendo políticas represivas y regresivas, domésticas, la puesta en agenda pública del debate
y sí, en cambio, ciertos sectores sociales y para la despenalización del aborto, campañas
mediáticos. públicas y programas de concientización de la
La criminalización del sector pobre y violencia familiar de género y maltrato infantil
empobrecido de la sociedad, a través de los provinciales y nacionales, entre otras medidas
mensajes mediáticos de “la inseguridad”, hace de importancia.
eclosión en el uso desmedido de la prisión La violencia se repite, está naturalizada,
preventiva y de la aprehensión por delitos leves. y es mantenida gracias a una falta de posición
Por un lado, la ecuación psíquica es la equivalencia que no acepta estos mecanismos psicosociales
de que, a mayor pobreza, mayores son los de esclarecimiento. Consideramos que las
delitos, y generalmente es por razón de falta de consecuencias de este comportamiento que se
voluntad de trabajo y de inclinación al delito por repite, no sólo de la violencia, sino también
parte de éste sector. Y por otro, el no recordar, de la ignorancia, produce no sólo el efecto de
de manera específica, que la acumulación de imitar esta conducta, sino que su condición
factores del delito de los funcionarios públicos, complementaria es el del silencio y por ende la
que anteriormente promovieron esta situación complicidad, que grafican a gran escala una masa
social, y la no observancia de que esta modalidad poblacional inclinada a la sumisión y tienen
produce más delincuencia y más precariedad mucha influencia sobre las personas que no
en la forma de vida en la sociedad en general, tienen definida su propia historia socio-política.
son efectos coyunturales propios de nuestro Esta ausencia de posición de muchos argentinos
acontecer psíquico. ante la violencia que se ejerció y se ejerce desde
En el campo de violencia familiar no el más fuerte al más débil, establecieron una
existe en la actualidad un registro sistemático masa capaz de cometer delitos por comisión
e información oficial fehaciente sobre este y por omisión, y pertenecen a una mayoría
fenómeno, pero sí está en conocimiento que silenciosa que configuran una gran red reticular
el índice es bastante alto. Es decir, no hay colectiva que reproduce modos de subjetivizarse
estadísticas fiel a la realidad que precise sobre el más proclive a la prepotencia, a la fuerza
número y tipo de violencia, lo que significa, por bruta, al engaño, a la estafa, y al sentimiento
un lado, la prueba fehaciente de la naturalización de dominación sobre el otro, que suscitando
de estas conductas tanto a nivel privado como a conductas de interlocución, de comunicación y
nivel moral, que hace que los índices de estos de reconstrucción social, frente a un problema o
delitos se mantengan estables; y por otro, la situación tensa en la vida social.
dificultad –y en muchos caos la imposibilidad- Otro gran aspecto social, la condena
de llevar a cabo políticas públicas concretas para manicomial, que pasa por el circuito de
disminuir estos tipos de conductas delictuosas en desamparo y maltrato al que están destinados
ciudadanos argentinos. Aunque la información a sufrir, no todos, pero sí una gran mayoría
sobre violencia familiar circula en ámbitos más de aquellos que no pueden subsistir psíquica
que nada aledaños al sistema judicial, mientras y/o físicamente por sus propios medios. Las
tanto, los grupos femeninos y/o feministas, o estadísticas comprueban que la cronicidad de
aquellos ocupados de la problemática de género los índices de internados, el tipo de proceso
en defensa a los derechos humanos, hacen por el cual se detienen y se internalizan, las
hincapié en que, la mejor forma de luchar contra características de los pacientes catalogados como
este tipo de violencia, es la distribución de “pacientes sociales”. Las prácticas naturalizadas
esta información, acompañada de una política de aislamiento, medicación, golpes, torturas,
educativa con una legislación que la ampare para y la constante de muertes de las personas que
poder proponerle a la sociedad cierta voluntad habitan por estos lares, entre otros, determinan
de cambio. Lo que demandan no es sólo la que el sistema de salud, lejos de promover
posición de opresión de las mujeres, sino el resocialización, cronifica estándares psíquicos
deseo de participar del goce de la libertad como funcionales a esta cultura que económicamente
ciudadanas. Pero aun así, el Estado Nacional desecha lo inservible, moralmente deshumaniza
actualmente está dando respuesta a estas a los desamparados y judicialmente expropia
demandas a través de, por ejemplo, el proyecto vidas. Si bien se ha promulgado la nueva ley de
de ley para regular la actividad de las empleadas salud mental en donde hay cambios sustanciales,

21
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

por ejemplo, en la determinación de la autoridad misma de esa identidad o entidad que se le


para internar o dar tratamiento a quien lo necesite llama ideológica, de la práctica de la libertad. Si
y en el tiempo máximo posible de internación, en la Argentina se prometió libertad de mercado
aún no hay resultados significativos como para durante los ´70 y los ´90, fue rebatida por el alto
analizar críticamente esta nueva legislación. y crónico índice al que se llegó de desamparados
Pero sí se reconoce nuevamente la intervención en los hospitales psiquiátricos y por el alto índice
activa de un Estado. de pobreza que demostró la década pasada. Si se
La expropiación de recursos humanos, prometió seguridad jurídica desde los gobiernos
materiales y simbólicos y la práctica sistemática de facto, se desmoronó esta promesa por las
de detención-desaparición de personas tendrían detenciones-desapariciones. Si se quiso establecer
su continuidad, su correlato, en las circunstancias con fuerza el Estado de Derecho, queda objetado
democráticas actuales en la existencia de redes por la violencia sistemática de las fuerzas de
de tratas de mujeres, niñas y niños con fines de seguridad hacia jóvenes estigmatizados y el alto
explotación sexual en donde sectores pudientes y índice de aprehendidos y detenidos mayormente
ciertos funcionarios públicos participan más con de clase baja (llegando al hacinamiento en las
fines privados que con objetivos represivos. La cárceles y penitenciarías) durante la dictadura,
producción de la pobreza en este ámbito cultural durante la década de los ´90 y primeros años
ofrece un valor de cambio bastante redituable del nuevo siglo. Si se gobernó con seriedad
y descartable, en términos de mercado. La administrativa y republicana, quedan refutadas
producción de mecanismos de negación, silencio las recetas económicas aplicadas ya que, entre
y complicidad son efectivos y eficaces en estos otros índices, el nivel de desempleo pasó el 20%
campos socioculturales, en términos morales. en el 2001.
La sospecha, la acusación y la desvalorización
de las personas, son la contrapartida a la culpa Existen zonas culturales esclarecedoras
por pagar por sexo y al castigo por pertenecer al sobre cómo la vida argentina desembocaron en
grupo de consumidores. la muerte en constante escala hasta principios
de siglo. En las movilizaciones y manifestaciones
Ahora bien, desde el Estado se está
públicas, en las prisiones y seccionales de
promoviendo medidas de acción positiva que
policía, en los psiquiátricos, en los lugares de
aseguren el goce de derechos fundamentales
recreación sexual, en los asesinatos de sumario
a estas personas que son las que están más
desprotegidas, mediante la campaña pública de (gatillo fácil), en la desigualdad de género, en los
visualización e información de esta perniciosa hospitales maternos e infantiles. Estas zonas en
actividad. Si bien podrían existir grupos informales estos espacios culturales llamados instituciones
dentro del ámbito estatal que responden al delito actuales, funcionan como la exteriorización de
de trata de personas y prostitución de las mismas, las estructuras psíquicas necesarias, no para
se observa actualmente que desde el Estado se superar el terror, el efecto o las consecuencias de
las está persiguiendo más que ocultando. Más la dominación; sino como eficientes frente a la
que nada, este tipo de delincuencia se encuentra impotencia que genera el sentido socio político
desplegada como ámbito privado. de nuestra administración de la muerte, de la
Un análisis de las formas de dignidad de la vida durante esos nefastos años.
gubernamentalidad y un estudio de la historia Por nuestra parte, consideramos que los
de la subjetividad nos permitió distinguir los procesos de subjetivación de los argentinos que
emplazamientos y las transformaciones en la se han dado en los últimos años, configuran
cultura argentina de los modos de ejercicio de una complejidad que describe un notable
la libertad entre unos y otros, dominados y los desconocimiento acerca de nosotros mismos
dominadores, opresores y oprimidos, resistentes (en tanto somos estadística económico-política
y resistidores. No en términos de verdadero y practicantes de modernas libertades) y acerca
y falso, sino en términos de qué es lo que de lo que podemos hacer con este saber que
podemos hacer con esto que poco que sabemos producimos. Pero también reflexionamos en que
de nosotros, qué es lo que puede hacer un grupo estamos ante un momento en la vida político
de argentinos con aquello que sabe de sí mismo. institucional argentina en que el Estado está
No es sólo una cuestión de identidad tomando más participación con respecto a temas
ideológica, sino es más bien la constitución que sólo el Estado puede asegurar.

22
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

Al haber considerado a los derechos Esta conclusión, hace referencia a la


humanos como dispositivo de seguridad, nos estructura en la que se asienta el cuantioso y
permitió vislumbrar los juegos en las relaciones valiosísimo saber, que organizaciones sociales
de fuerza que se impusieron unos saberes sobre o no gubernamentales, a nivel socio educativo
otros, y cómo las construcciones de verdades (como quieran llamarlas, de todas forman son
han configuraron la gubernamentalidad de la sociedad) han producido y producen; a la
argentina. La libertad argentina no ha sido una determinación a poder manejar este saber y estos
cuestión de oferta y militarización, al mejor conocimientos a nivel político y la importancia
estilo estadounidense, o de modernización con que promete la puesta en la agenda pública de
arte como los franceses; sino una ha sido una muchos de estos conocimientos; y al efecto que
cuestión de miedo, ceguera y sordera. Foucault, está produciendo la voluntad política de que
en cuanto al saber, dice: “Creo que ahora el estos conocimientos se integren.
saber en nuestras sociedades es algo tan amplio Podríamos decir que, en la Argentina, se
y tan complejo que se ha convertido realmente vivió durante años en la época de la Stultífera
en el inconsciente de nuestras sociedades. No Navis2 con una ética de la empresa pirata.
sabemos lo que sabemos, no sabemos cuáles son
los efectos del saber” (Watanabe, 1999: 174).

23
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

REFERENCIAS

Amarante, Paulo. Superar el manicomio. Salud Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS).
Mental y atención psicosocial. Buenos Aires: Derechos humanos en Argentina. Informe
Topia Editorial, 2009. 2001. Buenos Aires: Siglo XXI Editores
Anderson, Perry. Neoliberalismo: un balance Argentina, S. A. 2001.
provisorio. En Emir Sader; Pablo Gentili Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS). El
(comps.): La trama del neoliberalismo. Estado frente a la protesta social. 1996-2002.
Mercado, crisis y exclusión social. Buenos Temas para pensar la crisis. Buenos Aires: Siglo
Aires: CLACSO, 2003. XXI Editores S. A. 2003.
Arfuch, Leonor. Cómo se construye la Identidad. Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS). Plan
En Identidad, Construcción social y subjetiva, Jefes y jefas ¿Derecho social o beneficio sin
1º Coloquio Interdisciplinario de Abuelas de derechos? Buenos Aires: Centro de Estudios
Plaza de Mayo, pp. 65-72. Buenos Aires: Abel Legales y Sociales, 2004.
Madariaga Editor, 2004.
Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS).
Arslanian, Martín Gaspar, Castronuovo, Luciana, Derechos humanos en Argentina. Informe
Panelli, Maria Gabriela, Salas, Marcelo, Leite L. 2005. Buenos Aires: Siglo XXI Editores
& Videla, Marcelo. Bibliografía sobre el Tercer Argentina, S. A. 2005.
Sector en Argentina. Buenos Aires: Área ONGs
Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS).
y Políticas Públicas, Instituto de Investigación
en Ciencias Sociales, Facultad de Ciencias Colapso del Sistema Carcelario. Temas para
Sociales, Universidad de El Salvador, 2003. pensar la crisis. Buenos Aires: Siglo XXI
Editores Argentina. 2005a.
Ayllón, Bruno. Globalización y ONG´S en el final
del Milenio: el siglo XXI comienza en Seattle. Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS).
Sao Pablo: NUPRI, Universidad de São Pablo Derechos humanos en Argentina. Informe
(USP), 2000. 2007. Buenos Aires: Siglo XXI Editores
Argentina, S. A. 2007.
Basaglia, Franco. La condena de ser loco y pobre.
Alternativas al manicomio. Buenos Aires: Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS).
Topia Editorial, 2008. La lucha por el derecho. Litigio estratégico y
derechos humanos. Buenos Aires: Siglo XXI
Belmartino, Susana. Crisis y reformulación de las Editores Argentina, S. A. 2008.
políticas sociales. En J. Suriano: Nueva Historia
Argentina. Dictadura y Democracia (1976- Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS)
2001), pp. 225-280. Buenos Aires: Editorial Derechos humanos en Argentina. Informe
Sudamericana S.A., 2005. 2008. Buenos Aires: Siglo XXI Editores
Argentina, S. A. 2008a.
Bidart Campos, Germán J. Teoría general de los
derechos humanos. Buenos Aires: Editorial Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS). Vidas
Astrea, 1991. arrasadas. La segregación de las personas en los
asilos psiquiátricos argentinos. Buenos Aires:
Birgin, Haydée & Pastorino, Gabriela. Violencia
Siglo XXI Editores Argentina, S. A. 2008b.
contra las mujeres. En (ELA): Informe sobre
Género y Derechos Humanos. Vigencia y Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS).
respeto de los derechos de las mujeres en Derechos humanos en Argentina. Informe
Argentina, pp. 291-336. Buenos Aires: Editorial 2009. Buenos Aires: Siglo XXI Editores
Biblos, 2005. Argentina, S. A. 2009.
Bobbio, Norberto. Liberalismo y democracia. Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS).
México: Fondo de Cultura Económica, 1989. Derechos humanos en Argentina. Informe
2010. Buenos Aires: Siglo XXI Editores
Bustello, Eduardo. El abrazo. Nuevas relaciones
Argentina, S. A. 2010.
entre el Estado y los Organismos No
Gubernamentales en la Argentina. En Comité de Acción Jurídica (CAJ). Situación de los
L´Ordinaire Latino American. Argentina, derechos humanos en Argentina. 2004-2006.
Nº 165-166, Septembre-Decembre, IPEALT, Jurisprudencia – Comentarios – Debates –
Université de Toulouse-Le Mirail, 1996. Acciones del CAJ. Buenos Aires: Autor. 2006.

24
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

Corbalán, María Alejandra. Intervención y Foucault. Estética, ética y hermenéutica, pp.


disciplinamiento. Función política de los 9-35. Barcelona: Paidós Ibérica. 1999.
organismos internacionales de crédito. En Gómez Gil, Carlos. Las ONG en la globalización.
Revista Ciclos, pp. 3-15. Año XIV, Vol. XIV, N° Estrategias, cambios y transformaciones de las
27. Buenos Aires: editor responsable FIHES. ONG en la sociedad global. Barcelona: Icaria
2004. editorial, s.a. 2004.
Damill, Mario. La economía y la política González Bombal, Inés & Campetella, Andrea.
económica: del viejo al nuevo endurecimiento. Teorías sobre la evolución de la sociedad civil:
En J. Suriano: Nueva Historia Argentina. Argentina ¿siempre un caso atípico? En Primer
Dictadura y Democracia (1976-2001), pp. 156- encuentro de la Red de Investigación del tercer
223. Buenos Aires: Editorial Sudamericana sector de América Latina y el Caribe. Río de
S.A. 2005. Janeiro: Estudios CEDES. 1998.
Foucault, Michel. Historia de la locura en la época González Bombal, Inés & Campetella, Andrea. El
clásica. México: Fondo de Cultura Económica. desarrollo histórico del sector sin fines de lucro
1990. en la Argentina: debate con algunos modelos
Foucault, Michel. Curso del 14 de enero de 1976. teóricos. Buenos Aires: Documento CEDES /
En Michel Foucault: Microfísica del Poder, pp. 10. Área de sociedad civil y desarrollo social.
147-162. Madrid: Las Ediciones de la Piqueta. 2000.
1992. González Bombal, Inés & Campetella, Andrea.
Foucault, Michel. Las relaciones de poder penetran Historia del sector sin fines de lucro en
en los cuerpos. En Michel Foucault: Microfísica Argentina. Buenos Aires: Documento CEDES
del Poder, pp. 163-172. Madrid: Las Ediciones / 11. Área de sociedad civil y desarrollo social.
de la Piqueta. 1992a. 2000.
Foucault, Michel. Verdad y poder. En Michel Gonzales Bombal, Inés (Comp.). Nuevos
Foucault: Microfísica del Poder, pp. 185-200. movimientos sociales y ONGs en la Argentina
Madrid: Las Ediciones de la Piqueta. 1992b. de la Crisis. Buenos Aires: Centros de Estudios
de Estado y Sociedad. 2003.
Foucault, Michel. Microfísica del poder. Madrid:
Las Ediciones de la Piqueta. 1992c. Gorini, Ulises. La rebelión de las Madres. Historia
de las Madres de Plaza de Mayo. Tomo I (1976-
Foucault, Michel. Frente a los gobiernos, los 1983). Buenos Aires: Grupo Editorial Norma.
derechos humanos. En Michel Foucault, La 2006.
vida de los hombres infames. Buenos Aires:
Editorial Altamira. 1996. Marsal, Pablo. ¿Cómo se financian las ONGs
argentinas? Buenos Aires: Editorial Biblos.
Foucault, Michel. Polémica, política y 2005.
problematizaciones. En A. Gabilondo (Ed.
Parisí, Elio Rodolfo. Lecturas Psicopolíticas de los
Y Trad.): Michel Foucault. Estética, ética y
Derechos Humanos en Latinoamérica. Buenos
hermenéutica, pp. 353-361. Barcelona: Paidós
Aires: Ediciones e-libro.net. 2003.
Ibérica. 1999.
Pautassi, Laura (2001). Estabilización, ajuste
Foucault, Michel. El cuidado de la verdad. En A.
estructural y derechos sociales. En Courtis,
Gabilondo (Ed. Y Trad.): Michel Foucault.
Christian. (comp.) Desde otra mirada. Textos
Estética, ética y hermenéutica, pp. 369-380.
de Teoría Crítica del Derecho. Buenos Aires:
Barcelona: Paidós Ibérica. 1999.
Eudeba.
Foucault, Michel. La ética del cuidado de sí como
Palacio de Caeiro, Silvia. Comentario La
práctica de libertad. En A. Gabilondo (Ed.
garantía de la doble instancia y el valor
Y Trad.): Michel Foucault. Estética, ética y
de las recomendaciones de los tribunales
hermenéutica, pp. 393-415. Barcelona: Paidós
internacionales en el proceso penal. En
Ibérica. 1999.
Travieso, J. A. (2002). Colección de Análisis
Foucault, Michel. Foucault. En A. Gabilondo (Ed. Jurisprudencial. Derechos Humanos y
Y Trad.): Michel Foucault. Estética, ética y Garantías, pp. 147-167. Buenos Aires: FEDYE,
hermenéutica, pp. 363-368. Barcelona: Paidós Fondo Editorial de derecho y economía. 2002.
Ibérica. 1999. Rapoport, Mario. Historia económica, política y
Gabilondo, Angel. La creación de modos de social de la Argentina (1880-2003). Buenos
vida. En A. Gabilondo (Ed. Y Trad.): Michel Aires: Grupo Editorial Planeta. 2006.

25
Adrián Manzi y Elio Rodolfo Parisí

Rashid, Jorge. El Genocidio Social Neoliberal del Vázquez, Enrique. La última dictadura PRN.
fin de siglo. Buenos Aires: Ediciones Corregidor. Origen, apogeo y caída de la dictadura militar.
2006. Buenos Aires: Eudeba. 1985.
Raulet, G. Estructuralismo y Posestructuralismo. Verbitsky, Horacio. Civiles y militares. Memoria
En A. Gabilondo (Ed. Y Trad.): Michel Foucault. secreta de la transición. Buenos Aires: Editorial
Estética, ética y hermenéutica, pp. 307-334. Sudamericana. 2003.
Barcelona: Paidós Ibérica. 1999. Vezzetti, Hugo. Pasado y presente. Guerra,
Suriano, Juan. Nueva Historia Argentina. Dictadura dictadura y sociedad en la Argentina. Buenos
y Democracia (1976-2001). Buenos Aires: Aires: Siglo Veintiuno Editores S. A. 2009.
Editorial Sudamericana S.A. 2005. Vicario, Tiziana. Argentina y el FMI: una visión
Svampa, Maristella. La sociedad excluyente: la integrada de los factores internos y externos
Argentina bajo el signo del neoliberalismo. de la crisis. En Revista Ciclos en la historia,
Buenos Aires: Edición Aguilar, Altea, Taurus, la economía y la sociedad, pp. 49-80. Año
Alfaguara S.A. 2005. XIV, Vol. XIV, Nº 27. Buenos Aires: editor
Travieso, Juan Antonio. Derechos Humanos y responsable FIHES. 2004.
Jurisprudencia. Doctrina y legislación argentina Watanabe, N. La escena de la filosofía. En A.
e internacional. Buenos Aires: Editorial Gabilondo (Ed. Y Trad.): Michel Foucault.
Universitaria de Buenos Aires. 2005. Estética, ética y hermenéutica, pp. 149-174.
Travieso, Juan Antonio. Los Derechos Humanos Barcelona: Paidós Ibérica. 1999.
en la Constitución de la República Argentina. Zilli de Miranda, Martha. Comentario. La
Tratados, leyes, doctrina, jurisprudencia. responsabilidad del Estado y el derecho humano
Buenos Aires: Eudeba. 2000. a la salud. En Travieso, J. A. (2002). Colección
Travieso, Juan Antonio. Colección de Análisis de Análisis Jurisprudencial. Derechos Humanos
Jurisprudencial. Derechos Humanos y y Garantías, pp. 51-62. Buenos Aires: FEDYE,
Garantías. Buenos Aires: FEDYE, Fondo Fondo Editorial de derecho y economía. 2002.
Editorial de derecho y economía. 2002.

26
Estructura Judicial de Derechos Humanos Contextualizada en Argentina

NOTAS

1. 6.700 fueron las denuncias recibidas por la más próximas a los ritos, indudablemente.
C.I.D.H. cuando hizo su visita “in locus” a la (…) Así se comprende mejor el curioso sentido
Argentina en 1979. Por su parte, la Comisión que tiene la navegación de los locos y que le
Nacional de Personas Desaparecidas recibió da sin duda su prestigio. Por una parte, posee
9.000 denuncias en 1984. En cambio, los una eficacia indiscutible; confiar el loco a
organismos de DDHH denuncian la detención- los marineros es evitar, seguramente, que el
desaparición de 30.000 personas durante la insensato merodee indefinidamente bajo los
última dictadura. muros de la ciudad, asegurarse de que irá lejos
2. En referencia al primer capítulo de “La Historia y volverlo prisionero de su misma partida. (…)
de la Locura”, de Michel Foucault de 1964: Hacia el otro mundo es adonde parte el loco en
su loca barquilla; es del otro mundo de donde
“Un objeto nuevo acaba de aparecer en el viene cuando desembarca. La navegación del
imaginario del Renacimiento; en breve, loco es, a la vez, distribución rigurosa y tránsito
ocupará un lugar privilegiado: es la Nef des absoluto. En cierto sentido, no hace más que
Fous, la nave de los locos, extraño barco ebrio desplegar, la situación liminar del loco en el
que navega por los ríos tranquilos de Renania horizonte del cuidado del hombre medieval,
y los canales flamencos. (…) De todos los situación simbolizada y también realizada
navíos novelescos o satíricos, el único que por el privilegio que se otorga al loco de estar
ha tenido existencia real, ya que sí existieron encerrado en las puertas de la ciudad; su
estos barcos, que transportaban de una ciudad exclusión debe recluirlo; sino puede debe tener
a otra sus cargamentos insensatos. Los locos de como prisión más que el mismo umbral, se le
entonces vivían ordinariamente una existencia retiene en los lugares de paso. (…) ¿Porqué de
errante. Las ciudades los expulsaban de sus pronto esta silueta de la Nave de los Locos, con
recintos. (…) Se podría pensar que se trata de su tripulación de insensatos, invade a los países
una medida general de expulsión mediante la más conocidos? Es que la locura simboliza
cual los municipios se deshacen de los locos toda inquietud, surgida repentinamente en el
vagabundos, hipótesis que no basta por explicar horizonte de la cultura europea a fines Edad
los hechos, puesto que ciertos locos son curados Media. La locura y el loco llegan a ser personajes
como tales, luego de recibidos en hospitales, ya importantes, en su ambigüedad: amenaza y
antes de que se construyeran para ellos casas cosa ridícula, vertiginosa sinrazón del mundo
especiales. (…) Es que la circulación de los y ridiculez menuda de los hombres” (Foucault,
locos, el ademán que los expulsa, su partida 1990: 20-21, 22, 24, 25, 28).
y embarco, no tienen todo su sentido en el
solo nivel de la utilidad social o de seguridad
de los ciudadanos. Hay otras significaciones

27
DERECHOS HUMANOS: ¿UTOPÍA SIN CONSENSO?1

Alán Arias Marín


Profesor de filosofía política en la UNAM e investigador del CENADEH. México.

RESUMEN Palabras clave


En el texto se realiza una aproximación Derechos humanos; globalización; abordaje
crítica del discurso de los derechos humanos, multidisciplinario; igualdad de género; utopía.
a partir del hecho de que, si bien ha habido
importantes intervenciones críticas en el trayecto ABSTRACT
histórico de los derechos humanos, no se ha
This text constitutes a critical approach of
propuesto una reconsideración de los derechos
the discourse of human rights, from the fact that
humanos bajo explícitas premisas críticas y,
although there have been critical interventions
mucho menos, articulada con los presupuestos
in the historical course of human rights, has not
teóricos de una concepción radicalmente
proposed a review of human rights under explicit
diferente a las tradiciones dominantes cristiano-
critical premises, much less articulated with
liberales de los derechos humanos. El debate
the theoretical premises of a radically different
contemporáneo de los derechos humanos
from Christian-liberal human rights dominant
afirmaría que su carácter emancipatorio
conception. The contemporary debate on human
resulta problematizado, lo que se agudiza,
rights claim that its emancipatory character is
todavía más, toda vez que no hay un consenso
problematized, since there is no consensus about
acerca de lo que los derechos humanos son en
what human rights actually are. In that sense,
realidad. En ese sentido, las consideraciones
the considerations presented in this article are
que se presentan en este artículo se postulan,
postulated, methodological and heuristically
metodológica y heurísticamente, a través de
through thesis; which approach critical issues
tesis; las cuales, en su conjunto, abordan temas
in contemporary discussion of human rights.
cruciales inscritos en el debate contemporáneo
These issues are: critical characterization of
de los derechos humanos. La secuencia de los
the concept of human rights; the process of
temas obedece a una intención argumental.
globalization as a basic theoretical matrix of
Estos temas son: la caracterización crítica del
human rights; the need for a multidisciplinary
concepto de derechos humanos; el proceso de la
approach to human rights; the multicultural
globalización como matriz teórica básica de los
challenge for human rights; the importance of
derechos humanos; la necesidad de un abordaje
a gender equality perspective on human rights;
multidisciplinario de los derechos humanos; el
the centrality of the victim to the discourse
reto multicultural para los derechos humanos;
of human rights; epistemological obstacles
la importancia de una perspectiva de igualdad
to develop a critical notion of victim, and the
género en los derechos humanos; la centralidad
struggle for recognition as a foundation of the
de la víctima para el discurso de los derechos
movement of human rights. Thereby, this text
humanos; los obstáculos epistemológicos para
aims to initiate a review of human rights under
desarrollar una noción crítica de víctima, y la
critical premises.
lucha por el reconocimiento como basamento
del movimiento de los derechos humanos desde
una perspectiva crítica. Con ello, el artículo
Keywords
pretende iniciar una reconsideración de los Human rights; globalization; multi-
derechos humanos bajo premisas críticas. disciplinary approach; gender equality; utopia.

29
Alán Arias Marín

1. INTRODUCCIÓN de resistencia y emancipación frente a las muy


diversas formas de opresión, explotación y
El mejor momento para desmitificar dominación.
cualquier utopía es cuando esta está en crisis.
Por su parte, para Samuel Moyn4,
¿Son los derechos humanos un movimiento
es incuestionable que el discurso de los
utópico? ¿Su discurso se corresponde a esa
derechos humanos se ha vuelto hegemónico
pretensión? ¿Pueden los derechos humanos
en las condiciones del mundo globalizado,
ser un proyecto emancipatorio? Ciertamente,
conformándose como el referente legal y valorativo
la modernidad es una época fértil en utopías,
de la gobernanza global. Sin embargo, una
incluidos los derechos humanos que han sido
posición crítica tendría que proponerse explicar
tardíamente una de ellas y que son, hoy por
cómo es que ha ocurrido esta transformación
hoy, una de sus expresiones paradigmáticas. No
con la extraordinaria preponderancia adquirida
obstante, en esta segunda década del siglo XXI,
en la segunda mitad del siglo XX.
¿siguen siéndolo? En todo caso, si es que lo son,
lo que no hay es un consenso respecto de ello. Es Para Moyn resulta anacrónico, como lo
más, teniendo a la vista el debate contemporáneo hacen las corrientes hegemónicas del discurso
de los derechos humanos, el acuerdo sobre su convencional de los derechos humanos, trasladar
carácter utópico resulta imposible, toda vez que al siglo XVIII las características de su concepto
no hay un consenso acerca de lo que los derechos moderno. Esto es, buscar las raíces y las fuentes
humanos son en realidad. de los derechos humanos en las doctrinas de
la Ilustración o, incluso, en los comienzos del
En todo caso, en un plazo históricamente
mundo de la posguerra, sería -en su opinión-
breve el imaginario simbólico de la (nueva)
simplemente un error metodológico y político y
utopía emancipadora y humanista de los
cultural.
derechos humanos ha vivido su cenit, su
fracaso y –acaso- ¿su crisis? Durante el último En cambio, el auge de los derechos humanos
decenio del siglo XX y lo que va del presente en tanto discurso de validez moral de alcances
siglo, los derechos humanos se han convertido pretendidamente universales, sólo encuentra su
en lenguaje de una política emancipatoria. sentido si abandonamos el intento de justificarlo
Como consecuencia de la crisis de los discursos a partir de un origen mitológico de raíces
emancipatorios, simbolizada por el colapso de ancestrales. Así pues, la legitimidad del discurso
las utopías socialista y comunista, el discurso de de los derechos humanos tendría un muy
los derechos humanos no sólo ha reemplazado el reciente surgimiento, de no hace más de cuarenta
vacío dejado por la ausencia tanto de una política años. La profundidad y potencia de los derechos
revolucionaria como de una reformista, sino humanos radicaría en su novedad. La verdadera
que, desde algunas perspectivas críticas, se ha búsqueda de su significado contemporáneo no
reconstituido como un lenguaje de la resistencia estaría en el pasado, cercano o remoto, si no en
y la emancipación, vinculado a los ensayos por la especificidad contemporánea de su discurso y
desarrollar una política progresista a principios su correspondencia y/o articulación crítica con
del siglo XXI.2 las condiciones del presente globalizado.
De acuerdo con Boaventura de Sousa Moyn arguye que la historia de los derechos
Santos, a partir del periodo de posguerra y, en humanos se ha resistido a reconocer que su
particular, en las últimas tres décadas del siglo discurso es “solamente una atractiva ideología
XX, ha surgido una nueva cultura jurídica entre otras”. Sin embargo, “en su aparición
cosmopolita a partir de un entendimiento como la última utopía, después de que utopías
trasnacional del sufrimiento humano y de la predecesoras y rivales se derrumbaran [...], los
opresión social.3 Dicha cultura ha evolucionado derechos humanos fueron obligados a asumir la
de forma gradual hacia un régimen de derechos gran misión política de proporcionar un marco
humanos, principalmente articulado por la global para la consecución de la libertad, la
coalición de organizaciones no gubernamentales identidad y la prosperidad”.5--
locales, nacionales y transnacionales, mismas Como contrapunto, ha cobrado mayor
que han creado el potencial para la globalización relevancia la imposibildad política de intervenir
de la resistencia. De esta manera, los derechos con un sentido y una legitmidad humanista
humanos se han concebido como parte de una en las diversas situaciones de crisis de los
más amplia constelación de luchas y discursos derechos humanos. Ejemplo de ello, serían los

30
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

innumerables genocidios que históricamente tales derechos pierden su razón de ser cuando se
siguieron a la Segunda Guerra Mundial: convierten en la ideología o idolatría política de
Camboya (1975-79), Rwanda (1994), Bosnia las sociedades capitalistas y cumplen su función
(1995) y Timor Oriental (1999), entre otros, así contemporánea de “misión” civilizadora.
como el pasmo producido por los atentados del En este sentido, de acuerdo con Douzinas,
11 de septiembre y sus secuelas de invasiones y las demandas y luchas de los derechos humanos
de continuidad y potencialización terrorista. son capaces de visibilizar la exclusión, la
Actualmente, los derechos humanos, dominación, la explotación y las pugnas que
mantienen vigentes algunos destellos de su permean la vida social y política pero, al mismo
halo de utopía, aunque, de modo prematuro, tiempo, ocultan y aíslan las raíces profundas de
también cohabita en ellos una especie de la contienda y la dominación, pues reducen la
nostalgia precipitada y vívida respecto de ese lucha y la resistencia a los términos de simples
su reciente y fulgurante momento utópico. Los remedios legales e individuales que, de tener
derechos humanos han mantenido e –incluso- éxito, conducirían solamente a mejoras pequeñas
incrementado su presencia y algunas de sus vías e individuales y a un marginal e insignificante
de intervención, también, de modo intermitente reacomodo del edificio social.
y con modalidades de baja intensidad, palpitan Si bien, en las sociedades capitalistas
en los tópicos de la justicia de transición; no más desarrolladas, los derechos humanos
obstante, también –y agudamente- se perciben despolitizan la política y se transforman en
sus fallos y frustraciones como momentos estrategias publicitarias6; en sociedades con
constitutivos del conjunto mayor de las fragilidad institucional, los derechos humanos
consecuencias indeseadas y/o perversas de la constituyen aún una posbilidad mínima de
globalización. resistencia frente a la opresión de la autoridad.
De nueva cuenta, ¿se encuentran los El discurso contemporáneo de los derechos
derechos humanos en crisis? En todo caso se humanos se erige sobre un espacio de debilidades
trataría de un retorno a un modo suyo de existir, teóricas desde su refundación en 1948. La utilidad
muy propio de los avatares del movimiento y del debate por un empeño de re-pensamiento
que tendría que resultarles muy familiar. No y/o re-legitimación de los derechos humanos
obstante, siguen enhiestos y con valía como requiere de la postulación de imperativos
contrapunto a momentos críticos, represivos críticos, mismos que fungen como una especie
y autoritarios, como potenciales indicaciones de guía mínima para un discurso contemporáneo
de alarma ante las situaciones de excepción y crítico de los derechos humanos. Para ello, se
manifiestas (más débilmente también como propone un orden de articulación de tesis sobre
advertencias ante la mutación de las situaciones la base de aspectos fragmentarios, apuntadas
y estados de excepción en estados excepcionales desde las paradojas, crisis y aporías de ese
extendidos y/o permanentes), normalizados a discurso. Entre los imperativos mínimos aquí
fuer de la velocidad y saturación inclementes propuestos y que serán desarrollados de manera
de acontecimientos, informaciones y datos de esquemática y no exhaustiva, se encuentran el
las convulsas condiciones que privan en las imperativo multidisciplinario, el multicultural,
sociedades globalizadas. Reminiscencias de el relativo a la equidad de géneros y la necesaria
su propio espíritu funerario original y de su reconstrucción crítica de la noción de víctima.
compromiso ético, derivado de su momento
refundacional en 1948, reacción después de 2. ¿QUÉ SON LOS DERECHOS
Auschwitz, Hiroshima-Nagasaki y el Gulag,
aunado a su aspiración de no repetición de lo
HUMANOS? EL DEBATE ENTORNO A
acontecido. SU DEFINICIÓN
Los derechos humanos son quizás –pese a Los derechos humanos son ciertamente
todo- la institución liberal más importante. No derechos. Aunque, en rigor, son más humanos
obstante, cada uno de los principios centrales de que derechos, esto es, son primordialmente
la teoría de los derechos humanos requeriría de humanos. Valga esta perogrullada, casi
una revisión penetrante. Para Costas Douzinas, olvidada y borrada del discurso dominante y
el fin de los derechos humanos es resistir la las modalidades juridicistas de los derechos
opresión y la dominación pública y privada; humanos, al menos, temática poco frecuente

31
Alán Arias Marín

en las reflexiones acerca de ellos. Debido En el camino de llegar a ser derechos


a ello, se pretende una reverberación del positivizados, los derechos humanos contienen
hecho de que, si bien ha habido importantes e implican una multiplicidad de prácticas
intervenciones críticas en el trayecto histórico de humanas, de acciones y también de discurso.
los derechos humanos, no se ha propuesto una En principio y muy probablemente en cada
reconsideración de ese proyecto humanístico comienzo singular de esos procesos (cursos
bajo explícitas premisas críticas y, mucho casuísticos históricamente especificados),
menos, articulada con los presupuestos teóricos tales comportamientos teórico-prácticos, esos
de una concepción radicalmente diferente a las cursos de acción y sus dichos de lenguaje, esos
tradiciones cristiano-liberales de los derechos comportamientos con los discursos que los
humanos (al menos de 1948 a la fecha). acompañan (curso-discurso), han de ser y han
Conviene, en consecuencia, aunque sido acciones de rechazo, de inconformidad
sea someramente, una aproximación e incomodidad, gestos y actos de indignación
fenomenológica a los derechos humanos en frente al abuso de poder; conceptualmente dicho,
tanto que objeto de estudio de las ciencias prácticas de resistencia ante el abuso de poder.
humanas, históricas y/o sociales (y del derecho Pero esas resistencias son, han sido y serán
en tanto que una disciplina más de ese conjunto muy probablemente prácticas emancipatorias. Se
de saberes). Señalar la pertinencia de un análisis trata de instantáneas y sutiles –aunque decisivas-
previo a su conformación como movimiento transiciones de la resistencia a la emancipación.
social, una indagación respecto de sus premisas. Luchas de resistencia al abuso de poder que
¿Qué son? ¿De qué están hechos? ¿Cómo se pueden convertirse, a veces casi de inmediato o
construyen? ¿Cuál es su estructura? ¿Cómo están paciente y acumulativamente, en el horizonte
configurados? Preguntas, todas ellas, propias de de una emancipación. Instauración y/o rescate
una interrogación crítica (Kant) en relación a sus de espacios de libertad, ámbitos emancipados,
condiciones de posibilidad y/o sus existenciarios, liberados, asegurados y consolidados por una
condiciones de su existencia (Heidegger- específica correlación de fuerzas, espacios libres
Sartre); reflexión preliminar, antecedente de de esos abusos de poder que han sido resistidos
su configuración sea como movimiento social y de esas opresiones autoritarias presentes en
o como derechos positivizados en los planos todos los espacios de la vida social y en todas
nacional e internacional. las formas históricas (del padre, del patriarca, del
Antes de ser, de convertirse en derechos jefe, del rey, del Papa, del Estado; aunque también
propiamente dichos, previamente a devenir del capataz, del maestro, el cura, el marido, el
libertades y espacios liberados regulados jefe de oficina, del dueño del negocio…).
positivamente, fueron, han sido, son y habrán Esos espacios ganados de libertad pueden –y
de ser, ante todo, acciones humanas. Prácticas así ha sido a menudo en la historia- procesarse
individuales y/o colectivas, practicidades dotadas todavía con mayor complejidad, sofisticar sus
siempre de intencionalidad, así como prácticas discursos y relatos; apostar a una regulación
con sus propios e inherentes momentos teóricos normativa de esos ámbitos, antes espacios de
(más o menos desarrollados discursivamente, opresión y ahora liberados. Normalización de
más o menos conscientes, a final de cuentas, esos ámbitos ganados por las luchas colectivas
siempre relatos con diversas modalidades). e individuales. Prácticas regulatorias que se
Los derechos humanos como prácticas reelaboran normativamente y cristalizan en
sociales susceptibles de emplazar e instituir derechos de uso y en costumbres, mismas
hechos sociales, acontecimientos en la historia. que, a su vez, han podido derivar en derechos
Acciones humanas con la potencia suficiente positivizados.
para intervenir en las condiciones prevalecientes, Los derechos humanos son derechos,
generar situaciones precipitadas por actos que llegan a ser derechos en virtud de que contienen
modifican la correlación de fuerzas pre-existente; en su formulación jurídica esa sustancia
acciones humanas que alteran, en algún práctica formalizada de luchas de resistencia
sentido, el orden de las cosas prevaleciente, que y emancipación, también de prácticas de
modifican el ámbito dominante de lo político y regulación cristalizadas normativamente. Los
de la política vigentes, que promueven el cambio derechos humanos son derechos, pero lo son
o el statu quo. toda vez su densidad práctica consustancial a las

32
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

acciones humanas constituyentes de los procesos principales.7 Tales “escuelas” serían: naturalista
y los fenómenos sociales. Esa practicidad (ortodoxia tradicional); deliberativa (nueva
multidimensional dotada de intencionalidades ortodoxia); protesta (de resistencia) y discursiva-
resistentes, emancipatorias y regulatorias y contestataria (disidente, nihilista).
de sus consustanciales momentos teóricos De manera sucinta y básica se explica que
y discursivos conforman las condiciones de el modelo y/o tipo ideal de la escuela o tendencia
posibilidad necesarias, su momento preliminar naturalista concibe los derechos humanos
instituyente (los existenciarios de su existencia) como dados o inherentes; la deliberativa como
como movimiento social y como conjunto de acordados o socialmente consensados; la
agregaciones normativas positivizadas, que disidente como resultado de las luchas sociales
conocemos como derechos humanos. y políticas; en tanto, la contestataria como un
Los acontecimientos históricos y sociales hecho de lenguaje, meros discursos referidos a
instituidos por esos procesos de lucha, verdaderos los derechos humanos.
momentos de fusión, exitosos y victoriosos o Conviene, aunque sea indicativamente,
fallidos y derrotados, se realizan a lo largo de la señalar algunos de los autores más
historia. En determinadas condiciones políticas, representativos del mapa de las diferentes
sociales y culturales se instituyen, normalizan tendencias que componen el universo del debate
e institucionalizan, se serializan, bajo una contemporáneo acerca de los derechos humanos.
correlación de fuerzas políticas específicas en
Para la escuela naturalista y su concepción
cada caso.
de que los derechos humanos están basados
Al decir que los derechos humanos son en la naturaleza misma o, eventualmente, en
derechos pero que –en rigor- son más humanos términos de un ser sobrenatural, los derechos
que derechos; se dice que son formalmente humanos son entendidos definitivamente como
jurídicos pero hechos, creados, constituidos e universales en tanto que son parte de la estructura
instituidos de materia práctica. del universo, si bien pueden ser traducidos
prácticamente de diversas formas. Entre los
3. NOTAS SOBRE EL DEBATE autores contemporáneos más representativos de
CONTEMPORÁNEO DE LOS la escuela “naturalista”, estarían Jack Donnelly
DERECHOS HUMANOS (con fuerte acento consensual),8 Alan Gewirth9 y,
en nuestro medio, destacaría la obra de Mauricio
Los derechos humanos son controversiales Beuchot.10
y para nada autoevidentes. Así lo enuncia Por lo que toca a la escuela “deliberativa”,
la teoría crítica en clara contraposción a la el basamento de los derechos humanos consiste
afirmación que el discurso dominante juridicista en la construcción de consensos sobre cómo la
(naturalista y/o liberal) ha planteado, que los política de la sociedad debe de ser orientada;
derechos humanos son universales y obvios, consecuentemente, la universalidad de los
existentes en los individuos por el hecho de derechos humanos es potencial y depende de la
ser personas humanas; derivados de la razón, capacidad que se tenga para ampliar el consenso
racionales en sentido fuerte y, por tanto, que no acerca de los mismos. La figura más destacada
son ambiguos, ni objeto de controversia. Estas de esta corriente deliberativa es, sin duda,
pretensiones universalizantes y la generalidad Jürgen Habermas,11 en la misma línea destaca
relativamente sin límites de sus contenidos como referente John Rawls, así como Michael
posibles, convierte cualquier indagación o Ignattieff,12 Sally Engle Merry,13 y, en el ambiente
conversación acerca de los derechos humanos en doméstico, Fernando Salmerón14 y León Olivé.15
un conjunto práctico y discursivo inabarcable;
lo que origina, tanto en la experiencia práctica La escuela de protesta o de resistencia
como teórica, una ausencia de acuerdo respecto en el debate actual de los derechos humanos
de lo que los derechos humanos son en realidad. encuentra en Ettienne Balibar,16 Costas
Douzinas,17 Upendra Baxi18 y Neil Stammers19
Previa depuración abstracta de la discusión sus mejores representantes; en el medio local
sobre las diversas “escuelas” o corrientes destacan los trabajos de Luis Villoro.20 Para
teóricas de los derechos humanos, ceñida a la la escuela de protesta, los derechos humanos
producción teórica y académica contemporánea, están arraigados a la tradición histórica de las
se distinguen cuatro conceptualizaciones luchas sociales, si bien mantienen un sentido de

33
Alán Arias Marín

apertura hacia valores de carácter trascendental es su negatividad, su renuencia deliberada a toda


(en contraposición al estricto laicismo de la aspiración positivizante.
perspectiva deliberativa liberal). Es por ello que Son discernibles los elementos críticos en
consideran universales a los derechos humanos las diversas perspectivas teóricas (filosóficas,
en cuanto a su fuente, toda vez que la condición políticas y jurídicas) que componen el escenario
de sufrimiento y la potencial victimización de del debate contemporáneo de los derechos
los sujetos tiene carácter universal. humanos. La masa crítica de un discurso de los
Por último, la escuela discursiva o derechos humanos en clave deconstructiva estará
disidente sostiene que el fundamento mismo constituida por la revisión de las tendencias típico
de los derechos humanos no es otro que un ideales en curso (representadas genéricamente
hecho de lenguaje, la cuestión irrebatible de en las “escuelas” referidas) y análisis de las
que en los tiempos contemporáneos se habla interconexiones singularizadas que -de hecho-
constantemente acerca de ellos y que tienen configuran las aportaciones individualizadas
un carácter referencial; por supuesto no le de los diversos autores (señalados en párrafos
atribuyen a los derechos humanos ningún anteriores).
carácter de universalidad, de modo que, son En ese sentido, es pertinente la
un elemento táctico sumamente aprovechable reivindicación de lo que es un postulado
puesto que los contenidos se pueden establecer irrenunciable del discurso crítico: el riguroso
discrecionalmente en ellos. De esa escuela cuestionamiento de las propias posiciones
discursiva destacan Alasdair MacIntyre,21 filosóficas, sociológicas y políticas, así como de
Jacques Derridá,22 Makau Mutua,23 Wendy las relaciones entre ellas; aquí se sostiene que el
Brown,24 y Shannon Speed;25 en el ambiente proyecto y el discurso de los derechos humanos
local ha reflexionado en términos análogos, ha de someterse sistemáticamente a tales
entre otros, Cesáreo Morales.26 prácticas auto-correctivas (autocríticas).
Bajo ese marco esquemático general, las De otra parte, y en consonancia con otro
tesis aquí presentadas buscan inscribirse en el de los principios operativos básicos del discurso
horizonte de una contribución a una teoría crítica crítico, los derechos humanos son entendidos
de los derechos humanos. Que, en las condiciones radicalmente como un fenómeno histórico.
contemporáneas, ha de entenderse como un En tanto que conjunto multidimensional de
proceso en construcción (work in progress), una prácticas humanas y sus correspondientes
pretensión que habría de combinar elementos saberes e ideologías, el movimiento de los
teóricos propiamente críticos y orientaciones derechos humanos se encuentra especificado
políticas de emancipación en correspondencia históricamente; los factores históricos y las
con las condiciones socio-económicas, políticas condiciones sociales, políticas y culturales
y culturales del momento histórico para “ajustar conforman variables indispensables para
cuentas” de modo sistemático con la versión comprender y explicar su desarrollo previo y su
juridicista, de corte naturalista y raigambre caracterización actual.
liberal y cristiana que conforma la perspectiva
La adopción de una perspectiva modulada
dominante del discurso contemporáneo de los
por la tradición de la teoría crítica supone asumir
derechos humanos.
dos premisas metodológicas fundamentales
Se dice que es un work in progress porque un respecto del concepto derechos humanos.
(o el) discurso crítico de los derechos humanos Por un lado, los derechos humanos son
como tal no existe. El objetivo de este proceso considerados como movimiento social, político
no será producir un discurso alternativo respecto e intelectual; así como (su) teoría propiamente
del discurso dominante –y hasta hegemónico- dicha. Su determinación básica, a lo largo de la
en el mundo institucional y extra-institucional historia, consiste en su carácter emancipatorio
del movimiento de los derechos humanos. (resistencia al abuso de poder, reivindicación de
El modo de la teoría crítica no consiste en ser libertades y derechos, regulaciones garantistas
alternativo –opcional- a la teoría dominante. por parte del Estado); atentos a su sustrato
La especificidad del discurso crítico radica en político indeleble y más profundo –condición de
la operación y el trabajo negativos respecto los toda libertad- la exigencia de reconocimiento y,
discursos hegemónicos y/o dominantes.27 La por tanto, la afirmación de la igualdad.
determinación característica del discurso crítico

34
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

Cabría el entendimiento de los derechos en una herramienta desmovilizadora, incluso,


humanos como movimiento, si bien no como mediante una justificación ideológica de nuevas
un movimiento social clásico y, ni siquiera, un formas y lógicas de intervención, en legitimantes
movimiento social de nuevo tipo. Convendría de la configuración de un nuevo poder político,
pensar el movimiento de los derechos humanos económico y militar en el plano global. La
a la manera metafórica de lo que Maffesoli pregunta decisoria de si los derechos humanos,
reivindica como una comunidad imaginada;28 de ser auspiciadores de inéditos espacios e
en el que cabrían el conjunto de tradiciones, identidades libres no se han convertido en
prácticas, principios, herramientas jurídicas, medios de regulación serializados de los seres
valores y simbología que conforman la tradición humanos.
histórica, filosófica, ética, jurídica y cultural de Crisis, pues, en virtud de una no
los individuos y los colectivos identificados con correspondencia entre el programa humanista y
su reivindicación y defensa. sus concreciones efectivas, dada la percepción y
Los derechos humanos son simultáneamente el diagnóstico respecto a su situación de crisis
proyecto práctico y discurso teórico (lejos de teórica; crisis conceptual y cultural presente en
ser sólo derechos). Su consistencia es la de sus dimensiones tanto externa como interna. En
una multiplicidad de prácticas sociales que lo exterior, expresada en la paradoja de ser –hoy
se despliegan en diversas dimensiones y se por hoy– un discurso referencial dominante, en
configuran en variados repertorios estratégicos términos valorativos y normativos y, al mismo
y tácticos.29 Su intencionaldad o sentido busca tiempo, ser objeto de instrumentalizaciones
teórica y prácticamente la instauración de políticas, manipulaciones legitimatorias,
acontecimientos. Acontecimientos en sentido discursos y prácticas desmovilizadoras,
político fuerte, es decir, irrupción de exigencias predominantemente regulatorias e inhibidoras
de reconocimiento, resistencias o impulsos de pretensiones y de prácticas emancipatorias;
emancipadores que modifican las correlaciones crisis también por, en virtud de su referencialidad
de fuerza y dominio prevalecientes;30 por tanto, valorativa y política dominante, el uso banal y el
acontecimientos instituyentes de nuevas abuso expansivo y vulgarizador del lenguaje de
relaciones o modificadas correlaciones de poder. los derechos humanos.
Esta determinación de su carácter político, en Por otro lado, en lo que se refiere a su
sentido estricto, fundacional (diferenciado de dimensión interna, propiamente discursiva, los
la política instituida), le imprime su sentido derechos humanos viven su crisis en virtud de
instituyente y, en la dimensión propiamente una radical inadecuación de su composición
jurídica, conformados como práctica seminal; conceptual y sus proposiciones teóricas
los derechos humanos como la afirmación del respecto de las efectivas condiciones sociales,
derecho a tener derechos, en la formulación de políticas y culturales del momento histórico
Hannah Arendt.31 contemporáneo. En suma, se puede afirmar
que la consecuencia indeseada y/o perversa
4. DERECHOS HUMANOS: HACIA UNA de la historia reciente del movimiento de los
CARACTERIZACIÓN CRÍTICA derechos humanos es la pérdida, en múltiples
y diferenciados planos, de sus potencialidades
La exigencia contemporánea de una
emancipatorias.
aproximación crítica a los derechos humanos
se justifica, en primera instancia, por la no El discurso actual dominante de los derechos
correspondencia entre el desarrollo discursivo humanos -sus formulaciones juridicistas
y normativo del proyecto de los derechos hegemónicas (naturalista y/o liberales)- no
humanos y su situación práctica de crecientes constituye una expresión teórica suficiente
vulneración, irrespeto y manipulación de los respecto de las necesidades prácticas del
mismos. Más a fondo, la pregunta inquietante proyecto-movimiento de los derechos humanos
acerca de si los derechos humanos -ese en las condiciones actuales, tanto en sus medios
movimiento-comunidad imaginado- son e intrumentos como en sus objetivos. Existe,
efectivamente una barrera contra el abuso de históricamente, ese defecto de construcción, la
poder y la dominación, un aliento a la resistencia imposibilidad –desde hace décadas- de vincular
y la emancipación o, por el contrario, se han directa y adecuadamente la práctica y la teoría
convertido en un instrumento de dominación, de los derechos humanos con su forma original

35
Alán Arias Marín

renovada, la correspondiente a su refundación condiciones particulares de crisis humanitarias


contemporánea en la Declaración Universal de y durante periodos delimitados, en ambientes
los Derechos Humanos de la ONU (1948). represivos nugatorios de los derechos civiles
Se sabe que la figura histórica de los y políticos, propios de dictaduras y/o Estados
derechos humanos, en su fase de reformulación autoritarios; pero que, a contrapelo, resultan
y desarrollo contemporáneos, surgió inaplicables e inviables, en términos generales, en
reactivamente luego del final de la Segunda las condiciones mayoritariamente predominantes
Guerra Mundial. Ese discurso, matriz normativa en Estados con regímenes razonablemente
y teórica de toda la evolución posterior –su democráticos o, al menos, dotados de sistemas
forma “clásica”- no fue expresión adecuada de formalmente legales de democracia.
las nuevas condiciones emergentes del mundo Las potencialidades de un desarrollo
de la posguerra, ni contó con un diagnóstico, vivo, creativo, del proyecto y el discurso de los
acorde a sus propias finalidades, respecto derechos humanos ha resultado obstaculizado
de las tensiones de la llamada Guerra Fría, por las modificadas condiciones históricas de las
mismas que caracterizaron a la segunda mitad sociedades y los Estados a través de la segunda
del siglo XX, prácticamente hasta los años 90. mitad del siglo XX y lo que va del presente. Es por
Posteriormente, la comunidad-movimiento de ello pertinente y adecuado un replanteamiento
los derechos humanos fue mucho menos capaz crítico, que tome en consideración los
de captar y representar, de modo teóricamente factores históricos y asuma con radicalidad
pertinente y prácticamente viable, el desarrollo las condiciones sociales, políticas y culturales
posterior al colapso del socialismo real, así como actuales para ensayar –así- una reformulación
comprender las determinaciones del proceso de (una re-legitimación) contemporánea de los
globalización con una interpretación de la matriz derechos humanos.
teórico-conceptual derivada de ella.
Resultado de esas deficiencias conceptuales 5. LOS DERECHOS HUMANOS EN EL
y culturales, el discurso y el movimiento de MUNDO GLOBAL
los derechos humanos vive una crisis práctica
La complejidad inherente al debate
y teórica que reclama un replanteamiento
contemporáneo de los derechos humanos
crítico y, consecuentemente, la construcción
encuentra ciertas claves de comprensión si se le
de una narrativa dotada de argumentos de re-
relaciona con las condiciones de su especificación
legitimación.
histórica. Los grandes cambios sociales, políticos,
En rigor, los derechos humanos en su económicos y tecnológicos de finales del siglo
formulaciones actuales dominantes, no son sino XX a la fecha están determinados por el proceso
un resultado sintético de la situación dramática de globalización; por eso podemos afirmar que
precedente, caracterizada por la emergencia de la la especificidad contemporánea de los derechos
barbarie absoluta en los campos de exterminio, humanos encuentra su configuración principal en
a la que se alude con el concepto-paradigma de la globalización. No obstante, la conexión entre
Auschwitz. Se trató de una reacción ilustrada el discurso de los derechos humanos y el proceso
y de rescate de valores y principios éticos, globalizador sólo puede aparecer comprensible si
de matriz liberal-cristiana. Sin embargo, el mediado por una matriz teórica básica, dotada de
optimismo respecto de un posible regreso a principios constructivos y operacionales práctico-
valores de convivencia civilizada, normados por materiales y también conceptual-culturales
el derecho, sobre la base de la dignidad humana, generados por las condiciones inherentes de la
no apreciaba en toda su radicalidad el golpe globalización, sus tendencias determinantes y sus
devastador infligido a toda pretensión teórica y tensiones polarizantes.
política del proyecto mismo de la Ilustración del
Las condiciones actuales de la sociedad
que abrevaba.32
globalizada muestran, por un lado, una
Lo anterior ayuda a entender, si bien fuerte tendencia hacia la homogeneización,
parcialmente, por qué es que las propuestas teóricas posibilitada por pautas económicas, culturales y
de los derechos humanos y sus traducciones técnicas –estándares, hábitos y modas a partir
jurídicas positivas, pese a su vulnerabilidad del consumo y la producción– extendidas por
teórica y sus paradojas, resultan asequibles y todo el mundo; y, no obstante, por el otro lado,
útiles (aún si en un plano de mera denuncia) en el reforzamiento de una heterogeneidad cultural

36
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

a partir de la reivindicación de las diferencias mercado local y mundial, ciudad y campo, y entre
inscritas en las identidades étnicas, religiosas, trabajo manual e intelectual (trabajo productivo
culturales y hasta de modos de vida de diverso e improductivo). Esta fase está cargada de
tipo, que determinan que -en dichas condiciones implicaciones sociales y culturales condicionadas
sociales y culturales- unas y otras cohabiten en desde una novedosa y revolucionaria base
el seno de una tensa paradoja bipolar. informática y cibernética, características de
Un discurso renovado de los derechos la época contemporánea, que problematizan
humanos podría afirmarse como un territorio los códigos de la producción de verdades y que
discursivo de mediación –y no solamente realizan rotundamente la tendencia de que las
referencial normativo– entre la afirmación de fuerzas productivas principales, las que más y
los universales, con su cuota correspondiente mejor valorizan valor, sean la ciencia y la técnica.
de violencia, condición de su afirmación y Podemos adelantar que la matriz teórico
realización como tales (universales impuros), de conceptual de la globalización en lo que se
matriz occidental; y el cuestionamiento radical refiere a los derechos humanos, en particular,
ejercido por los relativismos culturales y los y a las ciencias y los movimientos sociales, en
particularismos nacionales, étnicos, religiosos y general, implican la postulación de un conjunto
lingüísticos: el desafío multicultural a Occidente.33 de imperativos articulados en torno a la
Paradoja de bipolaridad persistente, que no corrosión de la idea de los universales, mismos
tiende a resolverse a favor de uno de los polos que serán desarrollados en posteriores capítulos
en tensión –homogeneización o heterogeneidad- del presente texto. Entre los que destacan: uno
sino que, más bien, genera un campo de fuerzas multidisciplinario, de carácter epistemológico,
de complejas tensiones, pues a medida que respecto de la vieja división del trabajo
las relaciones sociales se amplían, se produce intelectual; un imperativo multiculturalista,
también una intensificación de las diferencias, lo de carácter político, ético y cultural frente a
que indica que los procesos globalizadores carecen las formas pretendidamente universales de la
de esa unidad de efectos que generalmente se da cultura occidental, como la democracia y los
por sentada al hablar de globalización. derechos humanos; y la afirmación ineludible
de la perspectiva de género como forma esencial
Así, el término globalización se suele
de reivindicación de la diferencia frente a
relacionar con la aprehensión de su carácter
pretendidos universalismos justificadores, a final
irresuelto, sus tensiones contradictorias y sus
de cuentas, de multiplicidad de desigualdades.
efectos indeseados: de la “sociedad de riesgo”34
o “sociedad líquida”,35 con espacios que fluyen,36
(en) un “mundo turbulento”37 y “desbocado”,38
6. MULTIDISCIPLINARIEDAD Y DERE-
susceptible al “choque de civilizaciones”39 CHOS HUMANOS
fundamentado a partir del surgimiento de un Derivada de la matriz teórica básica
“sistema mundial capitalista”40 y que produce, generada por la globalización, sus consecuencias
como efecto de su carácter paradojal, procesos y determinaciones, en particular una de ellas, la
de “individualización”,41 “retribalización”,42 del debilitamiento crítico del Estado nacional y de
“transculturalización” y “reterritorialización”.43 la noción dura de soberanía, es que las tendencias
Por lo que, de modo escueto, se puede contrapuestas de la globalización condicionan
señalar que la globalización es un fenómeno social al movimiento y a la teoría de los derechos
emergente, un proceso en curso, una dialéctica humanos, es en virtud de ello, que se ha inducido
dotada con sentidos contrapuestos, opciones y desarrollado recientemente una mutación en
de valor ineludibles, con carga ideológico- el discurso juiridicista dominante. Se trata de un
política y de matriz económico-tecnológica. desajuste crítico que tiende a desplazar al derecho
La globalización, bajo la determinación de su del centro hegemónico en el discurso de los
fuerte variable económica, forma parte del viejo derechos humanos y que propicia la irrupción del
proceso –siempre creciente– de mundialización conjunto de las ciencias sociales y la filosofía en
del sistema capitalista (teorizado de modo su conformación y desarrollo internos.
canónico por Karl Marx44). El impacto de este desarrollo crítico de
Se trata de una fase de peculiar intensidad del la teoría de los derechos humanos no ha sido
sentido expansivo de la valorización del capital, referencia exclusiva del ámbito jurídico, sino
desdibujando las distinciones clásicas entre que se ha extendido al de las ciencias sociales

37
Alán Arias Marín

en su conjunto; ha inducido una relativización incorporar –como método de control– diversos


de sus respectivos campos de conocimiento y puntos de vista o dictámenes referenciales
una interrelación más intensa entre las distintas basados en otras disciplinas.
disciplinas.45 Asimismo, en ciertos territorios, Para el estudio crítico de los derechos
como la filosofía del derecho y la filosofía política, humanos, como conocimiento de la conexión
a un radical y complementario intercambio del saber teórico con una práctica vivida, como el
conceptual. De lo indicado aquí es que se estudio de un objeto práctico y su correspondiente
desprende un imperativo multidisciplinario al “dominio objetual”47 tenemos que asumir la
discurso de los derechos humanos; exigencia que crítica de la comunicación hegemonizada por el
interpela toda pretensión crítica y de adecuación a discurso jurídico, que contiene una legitimidad
las circunstancias reales de una teoría actualizada limitada a lo legal,48 una legitimidad incompleta
de los derechos humanos. La complejización, y, por ende, sólo en y de apariencia. Por ello,
extensión y debilitamiento del derecho como hemos de evitar a toda costa arribar a una
la modalidad hegemónica en la descripción, consideración derivada exclusivamente del
constitución y legitimación teorética de los tipo de experiencia y acción determinados con
derechos humanos ha llevado a la necesidad de criterios unilateralmente jurídicos: positividad,
una aproximación multidisciplinaria. legalidad y formalismo.
El movimiento y el discurso de los derechos El trabajo interdisciplinario representa
humanos son tema relevante y esencial, un intento de colaboración entre disciplinas;
referente obligado tanto política como jurídica en ese sentido, el discurso de los derechos
y socialmente, en el debate contemporáneo. La humanos no sólo habla de jurisprudencia, leyes
complejidad y riqueza que engloba el concepto y normas sociales, sino también de economía,
derechos humanos, nos impele a trasladar su psicoanálisis, sociología, religión y antropología.
estudio –una migración cultural– hacia una El trabajo entre disciplinas nos permite analizar
perspectiva más amplia que la generada por (en sentido fuerte), descomponer temas que
la especialización actual de las disciplinas del en apariencia refieren sólo a un área del
conocimiento humano Si bien es cierto que el conocimiento, sino observar el hecho de que
estudio del tema de los derechos humanos nos también interpela a otras ramas separadas del
ha remitido tradicionalmente al terreno jurídico, conocimiento humano y de la naturaleza.
también es cierto que el debate y la investigación
En el plano subsiguiente a la
están (y han estado) lejos de agotarse en ese
interdisciplinariedad, corresponde a la
ámbito. El otrora discurso dominante del Derecho
multidisciplinariedad, es decir, al conjunto de las
se ha visto impelido a un replanteamiento radical
ciencias sociales y a la filosofía (social, política,
respecto de los derechos humanos y a enfrentar
del derecho) lidiar con ese objeto poliédrico,
inéditos problemas conceptuales, así como
complejo y múltiple que es el movimiento-
numerosos desafíos teóricos y metodológicos en
comunidad imaginada de los derechos humanos.
ese ámbito.
Práctica valorativa, de intervenciones múltiples,
En una perspectiva multidisciplinar no generadora de normas e instituciones diseñadas
es plausible un solo enfoque, un solo método, con la finalidad de la protección y el respeto de
una sola perspectiva para entender y hacer la dignidad de las personas.
frente a sistemas complejos determinantes en
Discurso social multidisciplinar que es
la vida social46 como es el caso de los derechos
discurso de los movimientos y las instituciones y
humanos y de otros discursos y conocimientos
de la relación –feliz o infeliz– con las instituciones
ligados a la acción. Es necesario fragmentar
mismas. Asumir la multidisciplinarierad de los
y estudiar analíticamente las piezas de los
derechos humanos presupone y produce una
sistemas complejos para poder entender el
distancia (insuperable y/o insoportable) para
sistema en su conjunto, ya que, de no hacerlo,
con las instituciones que los administran y
sólo conoceremos los elementos por separado y
gestionan y (autocríticamente) para quien piensa
no su estructura y totalidad. La posibilidad de
esa relación. Ya no es posible un pensamiento
un discurso multidisciplinario de los derechos
ingenuo, se quebranta la inocencia respecto de
humanos sólo se podrá construir en ausencia
permitir el cumplimiento feliz de las expectativas
de enfoques universales, mediante la búsqueda
de las instituciones. Esa es una de las paradojas
de sistemas de definición y por la necesidad de
de tensión irresoluble de los derechos humanos.

38
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

La paradoja posee, al menos, la virtud de del principio de autonomía y en el potencial


recordar una de las características fundamentales criterio para el constructo de las identidades
de las ciencias de la sociedad: todas las individuales y colectivas. El poderoso imperativo
aseveraciones que se enuncian pueden y deben multicultural –especie de gran envite teórico y
predicarse del sujeto que realiza la reflexión. Si cultural de las diferencias- se convierte en un
la teoría de los derechos humanos no introduce desafío e impele a un diálogo con las culturas
esa distancia objetivadora (crítica), entonces, periféricas, pero también en el seno mismo de las
el discurso de los derechos humanos sucumbe sociedades democráticas de Occidente, respecto
a la pendiente resbaladiza del maniqueísmo. a las reivindicaciones valorativas de diferencia y
La parábola del inquisidor radical que desde reconocimiento culturales.
las organizaciones de la sociedad civil abdica Esta irrupción del pluralismo y la
a favor de una representación populista del heterogeneidad en disputa con el universalismo
pueblo o el inquisidor institucional que desde y la homogeneidad, todavía dominantes -aunque
el poder de las instituciones públicas de defensa erosionados-, se encuentra indisolublemente
de los derechos humanos abdica a favor de las asociada a la figura del Estado. La tensión
autoridades estatales. entre derechos humanos (cuyo horizonte
El problema no consiste en hacer lo intelectual y derechos positivizados se ubican
interdisciplinario o lo multidisciplinar per se, tradicionalmente en un plano de adscripción
sino qué es lo multidisciplinar que hay hacer. No universal y bajo un principio de igualdad general),
se trata de un imperativo de moda intelectual, y, el multiculturalismo (como reconocimiento a
ni siquiera de la aplicación de un correctivo las diferencias de pertenencia cultural e identidad
teórico que pondere la hegemonía del discurso particulares), surge cuando las demandas de
jurídico dados sus efectos debilitadores de la grupos culturalmente diferenciados, reticentes
teoría y la práctica de los derechos humanos. a la aceptación del significado universalmente
Resulta pertinente asumir el imperativo válido de los valores y las finalidades de la cultura
multidisciplinario, producto obligado de la occidental dominante, paradigmáticamente
complejidad de la globalización, toda vez su expresados en la forma democrática y en los
inherente correspondencia con el sentido derechos humanos, resultan imposibles de
emancipatorio que anima o debiera animar la reivindicar sin desprenderse de su interrelación con
teoría y la práctica de los derechos humanos. el Estado (que las asume como inasimilables), ese
espacio político –de supuesta igualdad universal–
7. EL RETO MULTICULTURAL PARA LOS integrado a partir de conceptos universales y
DERECHOS HUMANOS presuntas condiciones de homogeneidad queda
puesto en cuestión.
La globalización también ha alterado el
No obstante, lo que prevalece es la
significado contemporáneo de la soberanía
confrontación práctica e intelectual, toda
política y jurídica y, con ello, se ha agudizado
vez el carácter inescapable del conflicto de
un debilitamiento de las estructuras estatales
valores implícito en el impulso históricamente
frente a las dinámicas que rigen el escenario
dominante de la perspectiva occidental y sus
global. El desplazamiento de la centralidad
formas político culturales (derechos humanos
del Estado (y su soberanía) se contraponen y
incluidos). Así, las contradicciones se precipitan
colisionan, determinando espacios y tiempos de
al territorio dirimente de la política y la lucha
incertidumbre, agravados por nuevos tipos de
por el reconocimiento como condición básica de
violencia (algunos extremos como la violencia
la construcción y entendimiento de los derechos
del terrorismo y el narcotráfico en algunos
humanos.
países, hasta prácticas de genocidio y limpieza
étnica) donde, con la participación del Estado, En esa discusión –derivada del
los derechos humanos quedan situados en una desafío teórico, político e institucional del
tensa ambigüedad crítica (legal, política y moral). multiculturalismo- la temática de los derechos
humanos ha ocupado un lugar central, tanto
Con el fin del bipolarismo global,
como objeto de crítica valorativa, toda vez que su
un conjunto de fuerzas, reacciones, viejas
construcción y fundamentación se han realizado
reivindicaciones y aspiraciones encontraron en
en clave monocultural (occidental); así como
la afirmación de la heterogeneidad un punto
por el desarrollo de un debate de revaloración,
focal; la diferencia se constituyó, así, en el motor

39
Alán Arias Marín

redefinición y relegitimación del discurso y la humana en sociedades y periodos históricos


teoría de los derechos humanos de cara a las específicos.49 Esta simbolización cultural de la
modificadas condiciones de nuestras sociedades diferencia anatómica sexual toma forma en un
globales. conglomerado de prácticas, ideas, discursos,
símbolos y representaciones sociales que
8. LA PERSPECTIVA DE GÉNERO EN LOS influyen y condicionan la conducta objetiva y
DERECHOS HUMANOS subjetiva de las personas en función de su sexo.
La noción de género ofrece la posibilidad
El feminismo y los estudios de género
de pensar el carácter de constructo cultural que
tuvieron un desenvolvimiento8. intelectual y un
tienen las diferencias sexuales, el género es una
arraigo material inusitado y exitoso a lo largo
producción social y cultural históricamente
del siglo pasado. Si alguna revolución cultural
especificada, más allá de la propia estructuración
contemporánea se mantiene invicta esa es la
biológica de los sexos (incluso, de la orientación
del feminismo contemporáneo (con todo y sus
de las preferencias), de las identidades de género,
contradicciones, divisiones y diásporas). Al
de su función y relevancia en las organizaciones
igual que otros movimientos sociales radicales
sociales. Desde luego, es relevante el papel
que reivindican reconocimiento, el feminismo
innegable y paradigmático que opera en la
inserta la cuestión propia de las diferencias
estructuración de la igualdad y la desigualdad en
dentro del ámbito y el lenguaje de pretensión
las sociedades.
universalista propio de los derechos humanos.
Propiamente, el discurso feminista es uno que Asimismo, detrás de los movimientos
emplaza el debate sobre los derechos humanos reivindicatorios y en particular del movimiento
a partir de la subversión de la distinción entre feminista, existe una “semiotización de lo
universalidad y diferencia. social”;50 esto es, que la fuerza inventiva del
movimiento feminista, sus contribuciones,
La coincidencia epocal en el surgimiento
no sólo pasan por las posibilidades heurísticas
tanto del pensamiento político liberal de la
del concepto y la perspectiva de género sino
Declaración de los Derechos del Hombre y del
también por todo lo que deriva de su potencial
Ciudadano como del pensamiento feminista
crítico y desconstructor de ciertos paradigmas
emergente, ambos a finales del siglo XVIII, ha
teóricos, pero también prácticos.51 Con ello,
producido al menos dos principios definitorios
tal semiotización de lo social debe entenderse
de la disociación entre feminismo y derechos
como el sello del horizonte epistemológico
humanos; por un lado, respecto del universalismo
contemporáneo; resultado de las estrategias
de las Declaraciones canónicas y, por otro lado,
teóricas más diversas, desde la recuperación
la afirmación de presupuestos implícitos en la
de la dimensión del sentido de historicistas
perspectiva del concepto de género, la noción de
y hermeneutas, hasta el giro lingüístico de
diferencia, así como de los recursos conceptuales
estructuralistas, post-estructuralistas y filósofos
y políticos presentes en la tradición del discurso
del lenguaje; y al arribo conclusivo a tesis
y la práctica feministas.
sólidamente establecidas y ya teóricamente
Género es un (relativamente) nuevo referenciales, como la de que “toda relación
concepto, que además de su inherente ánimo social se estructura simbólicamente y todo orden
crítico, contiene pretensiones políticas simbólico se estructura discursivamente”.52
reivindicativas radicales. Con esto, no se trata
Los afanes teóricos del feminismo no son
sólo de situar la noción de género en relación con
fáciles de deslindar de la política feminista. Con
la perspectiva interpretativa que lo tiene como
su práctica política las feministas contribuyeron
matriz, esto es, con los movimientos feministas,
a cimbrar ciertos paradigmas políticos de la
sino la de enfatizar su carácter esencialmente
derecha y de la izquierda acerca de cómo pensar
político.
y hacer política. La posición teórica feminista
El concepto de género es simbolización ha emplazado, a través de la idea de género,
de la diferencia sexual; aquí lo propiamente la desarticulación de ciertos paradigmas de la
simbólico consiste en la institución de códigos modernidad y de la lógica esencialista en que se
culturales que, mediante prescripciones sustentan.
fundamentales –como es el caso de las de
Dos de los principales dispositivos teóricos
género- reglamentan el conjunto de la existencia
criticados, en su momento, por la teoría

40
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

feminista, el cuestionamiento del paradigma des-construcción de los relatos socio-estatales


liberal y sus ejes fundamentales, el racionalismo de integración y consuelo del sufrimiento. La
y el humanismo, han incidido directamente militancia de los derechos humanos al lado de
en el corpus conceptual de las configuraciones las víctimas y el compromiso de su teoría con
clásicas dominantes del discurso de los derechos el desentrañamiento crítico de lo que provoca el
humanos. La hostilidad histórico-emblemática sufrimiento, la violencia y la vulneración de la
del feminismo respecto de las teorías embrionarias dignidad de las personas, impone nuevas tareas
de derechos humanos (plasmada en la condena a la agenda teórica y práctica del movimiento de
a la guillotina de la “girondina” Olympe de los derechos humanos.
Gougés, opuesta a la ejecución del rey y autora La meditación acerca del sufrimiento
de la malhadada Declaración de los derechos de resulta inexcusable en la actualidad, en tanto
la mujer y de la ciudadana…), encontró respaldo que aparece como la vía material que comunica
teórico y conceptual fuerte (aunque tardío), tanto con la noción de víctima así como
mediante la problematización con perspectiva de con el concepto de dignidad. Para la teoría
género de la desigualdad y la discriminación de contemporánea de los derechos humanos, la
las mujeres en las concepciones, textos y prácticas relación entre violencia y dignidad vulnerada
originarios del movimiento y el discurso de los no es directa. Está mediada por la (noción de)
derechos humanos. víctima. Tanto la violencia como la dignidad
El arraigo de las teorías feministas humana (vulnerada) son perceptibles a partir
en los modos culturales y de pensamiento de la vida dañada en las víctimas, cuyo registro
contemporáneos, su distancia crítica respecto radica en las narrativas del sufrimiento.
al proyecto y discurso de los derechos Una perspectiva crítica de la idea de víctima
humanos, ha mostrado desconstructivamente propicia la apertura a una doble dimensión
las inconsistencias de su matriz universalista; epistemológica, tanto propiamente cognoscitiva
asimismo, ha cuestionado el prejuicio radical de como en su función heurística: (a) la víctima es
la izquierda, especialmente la de corte marxista, punto de partida metodológico, plausible para
que no permitía incorporar y reconocer en sus una investigación crítica del núcleo básico ético
organizaciones y en su discurso la especificidad de una teoría de los derechos humanos, a partir
de la problemática de género, el carácter del estudio de la violencia; (b) la víctima es la
propiamente cultural de su origen y que –con mediación necesaria con la dignidad dañada o
ello- negaba e invisibilizaba la marginación, el vulnerada que se implica en ella, toda vez que la
menosprecio y la subordinación de las mujeres aproximación o el asedio conceptual a la idea de
en el universo político cultural de las izquierdas. dignidad humana sólo ocurre idóneamente por
vía negativa, esto es, a través de las múltiples
9. VÍCTIMAS Y DERECHOS HUMANOS formas de daño y de vulneración de la dignidad
DESDE UNA PERSPECTIVA CRÍTICA de las personas.
Una de las cuestiones trascendentes que La revisión crítica de la noción de víctima, de
el discurso crítico de los derechos humanos no alta complejidad y riqueza de determinaciones,
puede soslayar, es la pregunta acerca si la teoría supone asumirla como la mediación plausible
social y filosófica del siglo XXI será capaz de entre las nuevas determinaciones y modalidades
encontrar significado al sufrimiento humano de la violencia estatal y societal contemporánea
socialmente generado. La validez y autenticidad respecto de la dimensión de la dignidad humana.
del empeño crítico del discurso de los derechos El apelar a las violaciones de la dignidad humana
humanos ante el sufrimiento de las víctimas, en el siglo XX, con el involucramiento del discurso
sólo podrá ser reivindicado y sustentado si de los derechos humanos en ello, posibilitó el
mantiene la consciencia alertada respecto descubrimiento de la función heurística de la
del reconocimiento de la fragilidad de las noción de víctima y, con ello, el concepto de
pretensiones de la teoría crítica, así como de la dignidad humana pudo cumplimentar con su
condición malamente existente de los derechos tarea como fuente de ampliación de nuevos
humanos en la actualidad. derechos.
El discurso crítico de los derechos humanos, No obstante, resulta pertinente desconstruir
en tanto que saber alimentado de prácticas de críticamente la noción de la dignidad humana,
resistencia, tiene que ser parte activa en esta asumirlo como una noción vacía de contenidos

41
Alán Arias Marín

conceptuales y no como derivada de alguna derecho internacional de los derechos humanos


fundamentación axiomática particular (de la Resolución 60/147 (Asamblea ONU, 16
imposibles consensos); recurrir –en cambio- a un diciembre, 2005) es el instrumento legal
uso del concepto de dignidad como postulado de más avanzado respecto de las víctimas y sus
la razón práctica contemporánea, como referente correspondientes derechos.57 No obstante que
de potencialidad normativa para la convivencia esta definición contiene elementos novedosos,
social.53 La dignidad humana vulnerada por la no deja de ser insuficiente para una construcción
violencia tiende a convertirse, entonces, en la vía crítica de la noción de víctima. La definición
que constata y confirma, en clave de derechos (amén del proverbial auto-referencialismo
humanos, la condición de víctimas, en el criterio del derecho internacional) resulta limitada,
que pondera y reconoce su sufrimiento y el simplificadora y restrictiva.
horizonte proyectivo de su emancipación. Lo anterior refuerza la pertinencia de
La revisión crítica de la noción de víctima, un trabajo teórico-político-jurídico para la
con la mira en la pretensión de contribuir a construcción de un concepto –complejo, suficiente
una fundamentación ética de los derechos y funcional– de víctima. Teóricamente se hace
humanos, supone asumirla como la mediación evidente la necesidad de construir una noción
plausible entre las nuevas determinaciones y metodológicamente comprensiva y explicativa
modalidades de la violencia estatal y societal a la vez. Comprensivo, en el sentido de ser
contemporánea con la dimensión de la dignidad construido de acuerdo a sus finalidades prácticas
humana.54 Su estudio, resulta un asunto crucial (lógica medios-fines), y, explicativo, en tanto que
para el discurso social, filosófico y jurídico de los dotado de elementos aptos para la producción
derechos humanos. Análisis y reinterpretación de conocimiento de base empírica: observación,
de la ecuación discursiva señera de los derechos descripción, ordenamiento, clasificación,
humanos, el clásico nudo fundamental cuantificación, proyección de modo que sirva
–históricamente siempre repensado– de la relación para el establecimiento de relaciones causa-efecto
violencia-víctima-dignidad. Como se sabe, la (lógica de antecedentes y consecuentes).
relación entre violencia y dignidad vulnerada no La parafernalia técnico-administrativa
es directa, se encuentra mediada por la noción relativa al interés pragmático, propio del saber
de víctima, de ahí su importancia teórica y jurídico, ha resultado ser velo y complemento
metodológica. Así, la problemática generada por de los significados de sacrificio y resignación
el tratamiento crítico55 de esos temas constituye inherentes a la idea de víctima, contenidos
actualmente –como desde su origen– la columna arcaizantes y con resonancias teológicas,
vertebral de los derechos humanos. tales traslapes y reverberaciones son parte
La noción de víctima, en la evolución y en de un proceso de re-victimización o de una
las cristalizaciones diversas de sus significados, sistematización formalista y formalizadora de la
es una noción vaga, cargada de polivalencia victimización.
semántica y de polisemia cultural, donde, sin La crítica reflexiva y la práctica respecto del
embargo, los significados sacrificiales persisten concepto de víctima lleva a un replanteamiento
a lo largo del tiempo y las diferencias culturales, respecto de ideas y prácticas asociadas con ella,
prevalecen y siguen siendo dominantes. Esta tal sería el caso de la crítica hacia el uso de la
noción, de entrada, estimula aproximaciones vulnerabilidad ligada a sus connotaciones como
intuitivas y favorece una batería de prejuicios, debilidad; la noción convencional de víctima
fundamento de muchos de los obstáculos se limita al umbral de la queja victimante,
epistemológicos56 para la producción de un dificultando todavía más la proclama de la
concepto crítico de víctima. protesta, como consecuencia no logra acceder a
El modo de trabajo o procesamiento la conformación de un discurso teórico y práctico
racional sobre el concepto de víctima ha tenido crítico y transformador de la víctima en su
tradicionalmente la deriva dominante del condición yaciente, adolorida y subordinada.58
derecho, de manera que la noción de víctima Amén de todos esos elementos, que
con mayor y mejor carga intelectual resulta ser son intrínsecos, inmanentes, al concepto
predominante y unidimensionalmente juridicial convencional de víctima, hay que considerar
(en la perspectiva legal, ser víctima se reduce los factores extrínsecos, trascendentes, entre los
a ser víctima de un delito). En el plano del que se destacan las referencias a la etnicidad,

42
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

las circunstancias socioeconómicas, la edad y el índole sacrificial y juridicista. No obstante, las


tipo de áreas donde se desenvuelven las víctimas. dificultades epistemológicas no se agotan en ello.
En términos genéricos todos estos elementos ¿Quién define a la víctima? La necesidad de
exógenos remiten al exceso de violencia y su designar a la víctima, de ser mostrada, verificada,
correlativo plus de sufrimiento socialmente creída, en tanto que tal, resulta inherente y
producido e indican una multiplicación de consustancial al carácter de la noción de víctima,
potenciales víctimas en las actuales circunstancias resultado de una interacción de poder (mando-
de las sociedades de riesgo contemporáneas. obediencia o dominante-dominado o victimante-
Estos factores extrínsecos, que configuran victimado); la noción de víctima es relacional.
el entorno o contexto que induce (potencia El primer criterio definitorio de la víctima –y un
o estimula) un exceso de sufrimiento social primer obstáculo a su conocimiento crítico- es el
inasimilable, inducen perentoriamente la de la discriminación política. La calificación de
necesidad de procurar un concepto de víctima quién es víctima se realiza desde el interior de una
complejo amplio, dinámico y funcional para política. Las víctimas de los actos de terrorismo
lidiar mejor (procesar adecuadamente) esa del 11 de septiembre son calificadas, sin asomo
sobrecarga de violencia sobre la sociedad. de duda, como víctimas; en tanto que civiles
Es más fácil hablar de la injusticia que de muertos por la acción de un avión no tripulado
la justicia. La justicia es oscura; la injusticia en Afganistán, resultan ser daños colaterales.
clara. Sabemos mejor qué es la injusticia, pero es Un segundo obstáculo epistemológico,
mucho más difícil hablar de lo que es la justicia. matriz de sucesivos problemas es el hecho de
¿Por qué? Porque hay un testigo de la injusticia la auto-designación de la víctima. La víctima
que es la víctima. La víctima puede decir: aquí se presenta como tal; si la aceptamos en tal
hay una injusticia…Pero no hay testimonio condición, entonces, la noción de víctima deja de
posible de la justicia, nadie puede decir: yo soy el ser una cuestión de conocimiento y se convierte en
justo… Así establece Alain Badiou59 las premisas una cuestión de creencias. Para ganar legitimidad
para ensayar una fundamentación de la ética en (recordar que sólo es legítimo lo que se cree
clave victimal. legítimo –vieja enseñanza del viejo Weber-) la
Estar del lado de las víctimas (Foucault) víctima tiene que probar que es víctima.
es el compromiso moral por excelencia La consecuencia genera una nueva
del movimiento de los derechos humanos dificultad. La víctima que se nos revela lo
(defensores, estudiosos, activistas, agentes hace por vía de mostrar (ofrecer-se) como el
jurídicos, políticos…). Esa toma de postura espectáculo del sufrimiento. Aquí la injusticia
no supera, pero sí resalta, la asimetría entre es un cuerpo sufriente visible; la injusticia
la víctima de la injusticia y la idea de justicia. es el espectáculo de las personas sometidas a
Disonancia entre derecho (procedimental) y suplicios, hambrientas, heridas, torturadas (en la
justicia (valorativo). Derridá sentencia que el gran fuerza del espectáculo hay un sentimiento
derecho por el hecho mismo de ser deconstruible de piedad, que genera un impulso a la acción, a la
posibilita la desconstrucción; en tanto que la solidadridad… aunque –como advertía Adorno-
justicia al no ser de suyo deconstruible resulta ser hay que tener mucho cuidado con la piedad o
–per se- la deconstrucción misma. El revulsivo con la compasión.
crítico (teórico y práctico) permanente. Pero si la víctima es el espectáculo del
sufrimiento, se puede equívocamente concluir
10. OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS que la justicia atañe solamente a la cuestión
PARA UNA NOCIÓN CRÍTICA DE del cuerpo, el cuerpo sufriente, las heridas de la
VÍCTIMA vida que parecen dejar sin aliento a la idea, a lo
enhiesto más allá de la víctima que yace sufriente.
Los problemas para la producción de una La injusticia se revela a partir de una queja. La
definición crítica de víctima, que atienda con injusticia está ligada a la protesta de la víctima.
rigor las exigencias teóricas y prácticas que el Uno de los caminos a explorar para
tiempo presente reclama, requiere, en primera la conformación de un concepto crítico de
instancia, de una deconstrucción de la noción víctima, consiste en la reconfiguración de la
dominante de víctima, caracterizada como de tensión fundamental inherente a las relaciones

43
Alán Arias Marín

de poder, cuyo resultado es una interacción negado la idea de que las víctimas sean también
intersubjetiva en la que uno o unos mandan sujetos de derecho.
y dominan y otro u otros obedecen y son Por último, la tercera forma esfera o forma
dominados. Honneth reconstruye una tipología de menosprecio, es la deshonra o desvalorización
(a partir de la tradición crítica, dialéctica: social. Aquí se menosprecia el modo de vida
Hegel-Marx-Adorno-Habermas-Honneth) de de un individuo singular o de un grupo, esto
tres modalidades de menosprecio, condición es, la degradación del valor social de formas
básica de la victimización de los sujetos. El de autorrealización.62 Los individuos sufren la
menosprecio (su contraposición dialéctica será consecuencia de que no pueden recurrir, a través
la exigencia de reconocimiento) se propone como del fenómeno positivo de la apreciación social, a
un “comportamiento que no sólo representa una su propia autovaloración y, en el mismo sentido,
injusticia porque perjudica a los sujetos en su el individuo se ve inducido y presionado a devaluar
libertad de acción o les causa daño, sino también su forma de vida propia y a sufrir una pérdida de
en la designación de los aspectos constitutivos autoestima. La imagen de víctima resulta aquí
de un comportamiento por el que las personas sintomática, toda vez que esa condición es una
son lesionadas en el entendimiento positivo de sí figura inferiorizada y fuertemente cargada de un
mismas y que deben ganar intersubjetivamente”. sentido propicio a la compasión.
Las formas o figuras del menosprecio son, Cada una de estas formas de menosprecio,
principal y paradigmáticamente: la humillación circunstancias que son vividas como injustas
física; la privación de derechos; y, la desvalorización y/o que provocan sensaciones de desprecio,
social. La primera esfera o forma de menosprecio son las que configuran también exigencias de
lo constituye la humillación física, misma que reconocimiento. La clave de la conexión entre
comprende: el maltrato, la tortura y la violación, daño moral y negación de reconocimiento es la
que pueden considerarse, amén de violaciones a experiencia concreta de la víctima, violaciones
los derechos humanos o delitos, como las formas a la dignidad y ausencia de respeto hacia los
más básicas de victimización del ser humano60. individuos: la humillación y maltrato físico, la
Asimismo, la constituyen formas de ataque a la privación de derechos o la desvalorización social.
integridad física y psíquica. Se trata del intento Del lado de la víctima, lo que la define es que no
de apoderarse del cuerpo de otro individuo contra puede ver garantizada su dignidad o su integridad,
su voluntad, como en la tortura o en la violación. en términos de Honneth, “sin la suposición de
En esta forma de menosprecio, se identifica un cierto grado de autoconfianza, de autonomía
estrechamente su relación con la de víctima. Sin garantizada por la ley y de seguridad sobre el
embargo, se puede ser víctima también a partir de valor de las propias capacidades, de modo que
la privación de derechos y de la explotación social. no le resulta imaginable el alcance de su auto-
La segunda esfera o forma de menosprecio realización”.63
la constituye la desposesión, la privación de
derechos y la exclusión social. Esa forma de 11. LA LUCHA POR EL RECONOCIMIEN-
menosprecio se da cuando el hombre es humillado TO Y EL MOVIMIENTO DE LOS DE-
al no concederle la imputabilidad moral de una
persona jurídica de pleno valor, en la privación RECHOS HUMANOS
de determinadas prerrogativas y libertades Es cierto que se hace y se puede hacer
legítimas.61 Se considera que el individuo no tiene política con los derechos humanos, se les puede
el estatus de un sujeto de interacción moralmente instrumentalizar y utilizar para objetivos ajenos,
igual y plenamente valioso. políticamente correctos o impresentables, al
En la historia del derecho, particularmente, servicio de los de arriba o los de abajo, por el
en el desarrollo del derecho penal, la figura de mantenimiento del statu quo o su modificación,
víctima y su apartamiento del proceso judicial fue igualitarios o para agudizar las desigualdades. No
premisa indispensable para la realización de un obstante, esas instrumentalizaciones políticas,
proceso objetivo, significativo paso civilizatorio no eliminan el sentido político inmanente
que contribuyó a la superación del ojo por ojo; propio de los derechos humanos.
empero, históricamente se ha producido un Ese sustrato, lo intrísecamente político del
efecto indeseado, no sólo se ha distanciado a la proyecto y el discurso de los derechos humanos,
víctima sino que se la ha excluido y con ello ha radica en que lo específico y común de esas

44
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

múltiples prácticas de resistencia, reclamo, de su identidad –por la vía de la conciencia


imposición y emplazamiento de actos, hechos de haber sufrido una injusticia. Es a partir de
o acontecimientos de tensión de la correlación este momento que la víctima, al igual que los
de fuerzas conlleva e implica exigencias de maltratados, excluidos o despreciados, diversos
reconocimiento. Ese carácter consiste en grupos victimizados que han experimentado
emplazar relaciones de poder en términos de formas de negación del reconocimiento, no sólo
reconocimiento, de lucha por el reconocimiento, sufren a partir del menosprecio de su condición,
en otras palabras, instaurar acontecimientos sino que pueden descubrir que el menosprecio
políticos, tal es lo que define lo esencialmente en sí mismo puede generar sentimientos,
político de los derechos humanos.64 emociones y el impulso moral que motivan e
Al resistir (decir: “¡no!, ¡basta!, ¡así no!, ¡no impelen comportamientos y acciones (prácticas)
más!), los individuos y grupos se oponen al abuso para devenir en sujetos activos de luchas por
de poder, pero también reivindican, emplazan, reconocimiento.
estatuyen una exigencia de reconocimiento Situar el concepto de reconocimiento, con
respecto del otro, del que violenta, abusa, explota… su potencial carácter crítico, des-constructivo,
¿Reconocimiento de qué? De la dignidad…, en la construcción de un concepto crítico
responde el discurso de los derechos humanos; de víctima (complejo, abierto, dinámico,
de la alteridad -en pie de igualdad- en virtud de funcional), significa asumir la centralidad del
ser sujetos libres. Los sujetos enhiestos (víctimas conflicto bajo un entendimiento de su función
puestas de pie) reivindican emancipación, positiva (creativa) de integración social, a
libertades -derechos-, regulaciones, garantías (de condición de que se le deje de ver de un modo
cara al Estado); se plantan libremente, con valor, limitado y negativo, como ha sido el caso desde
desafiantes… con dignidad, se dice. la perspectiva teórica dominante. Las luchas de
Dignidad que es discernible, constatable reconocimiento, históricamente, han generado
y afirmable sólo por vía negativa. Ante su la institucionalización de ciertas prácticas
denegación, el abuso y las violencias que la sociales que evidencian el pasaje de un estadio
vulneran; ante la negación de libertades y la moral a otro más avanzado –un aumento de la
desigualación de los iguales, esas promesas sensibilidad moral, señala Honneth.66
incumplidas de la Ilustración moderna65, de las La lucha de los grupos sociales por alcanzar
que se nutre el imaginario conceptual y político formas cada vez más amplias de reconocimiento
del movimiento (comunidad imaginada) de los social se convierte, muta, en una fuerza
derechos humanos. estructurante del desarrollo moral de la sociedad.
Desde esa radicalidad, relativa al carácter Ese ha sido el sentido humanista del movimiento
político intrínseco de los derechos humanos, y la teoría de los derechos humanos; toca a su
es que resulta adecuado suponer que estarían reformulación crítica, insistir en la articulación de
en condiciones de posibilidad de sobreponerse la noción –yaciente- de víctima con un proyecto
al politicismo inherente en la calificación –enhiesto- de resistencia y emancipación.
de las víctimas y la autodesignación de las Así, en dicha perspectiva, la lucha social
mismas y –asimismo- coadyuvar al diseño e no puede explicarse sólo como resultado de una
instrumentación de una política, entendida lucha entre intereses materiales en oposición sino
como disciplina ante las consecuencias del también como consecuencia de los sentimientos
acontecimiento, una política victimológica en morales de injusticia; una gramática moral de los
clave de derechos humanos. conflictos sociales67. La víctima, cuya visibilidad
La noción crítica de víctima, en tanto es posible a través del sufrimiento, se constituye
que elemento apto para coadyuvar a una primordialmente en esa imagen inicial de
fundamentación ética de los derechos humanos, injusticia; no debiera permanecer en la queja sino
asume un papel trascendente en la lucha de levantarse para la proclama (¿son los derechos
sujetos que reivindican aspectos no reconocidos humanos el revulsivo de esa metamorfosis?).

45
Alán Arias Marín

NOTAS

1. Este artículo fue publicado originalmente en la 15. León Olivé, Ética y diversidad cultural, UNAM,
Revista Derechos Humanos México, CNDH, Instituto de Investigaciones Filosóficas, FCE,
Núm. 24, México, 2015, págs. 15-34. 1993.
2. Ver Michael Hardt y Toni Negri, Imperio, 16. Étienne Balibar, Race, Nation, Class: ambiguous
Buenos Aires, Paidós, 2002 y Michael Hardt y identities, Verso, 1991.
Toni Negri Multitud, Guerra y democracia en 17. Costas Douzinas, The End of Human Rights:
la era del Imperio, Barcelona, Debate, 2004. Critical Legal Thought at the Turn of the
3. Boaventura de Sousa Santos, Sociología jurídica Century, Hart Publishing, 2000.
crítica. Para un nuevo sentido común en el 18. Upendra Baxi, The Future of Human Rights,
derecho, Madrid, Trotta, p. 410. Oxford University Press, 2008.
4. Ver Samuel Moyn, The last utopia, Human 19. Neil Stammers, Human Rights and Social
Rights in History, Cambridge, Belknap Press, Movements, Pluto Press, 2009.
2012.
20. Luis Villoro, Los retos de la sociedad por
5. Samuel Moyn, op. cit. p. 120. venir. Ensayos sobre justicia, democracia y
6. Ver las obras de Costas Douzinas, The End of multiculturalismo, FCE, 2007.
Human Rights: Critical Legal Thought at the 21. Alasdair MacIntyrer, Tras la virtud, Crítica,
Turn of the Century, Hart Publishing, 2000; y 2001.
Costas Douzinas, Human Rights and Empire,
the political philosophy of cosmopolitism, 22. Jacques Derrida, On Cosmopolitanism and
Routledge-Cavendish, 2007. Forgiveness, Routledge, 2001.
7. Ver Marie-Benedicte Dembour, Who believes 23. Mutua Makau, Human Rights: A Political and
in Human Rights? Reflections on the European Cultural Critique, University of Pennsylvania
Convention, Cambridge University Press, Press, 2002.
London, 2006; y Marie-Benedicte Dembour, 24. Wendy Brown, “The Most We can Hope For…”:
Jane Cowan, Richard Wilson (eds.), Culture and Human Rights and the Politics of Fatalism,
Rights: Antropological Perspectives, Cambridge The South Atlantic Quarterly 103:2/3, Spring/
University Press, London, 2001. Summer, Duke University Press, 2004.
8. Jack Donnelly, Derechos humanos universales: 25. Shannon Speed, Rights in Rebellion: Indigenous
teoría y práctica, Gernika, 1994. Struggle and Human Rights in Chiapas,
9. Alan Gewirth, The Community of Rights, Stanford University Press, 2008.
University of Chicago Press, 1996. 26. Cesáreo Morales, “¿Qué es el hombre como
10. Mauricio Beuchot, Derechos Humanos. Historia tal?”, Revista Derechos Humanos México,
y filosofía. Biblioteca de Ética, Filosofía del Número 7, CNDH, México, 2008.
Derecho y Política, Distribuciones Fontamara, 27. A la manera clásica de la crítica en el discurso
México, 2008. marxiano. Crítica de la economía política
11. Jürgen Habermas, Facticidad y Validez: sobre el (en tanto que teoría de vanguardia, expresión
derecho y el estado democrático de derecho en de “la clase ascendente”, la burguesía), así
términos de teoría del discurso, Trotta, 1998. como de las aportaciones socio-históricas de
avanzada en la cultura teórica de su tiempo, el
12. Michael Ignatieff, Human Rights as Politics and “socialismo utópico” y la filosofía alemana (sus
Idolatry, Princeton University Press, 2001. versiones “dialécticas”). Ver Karl Korsch, Karl
13. Sally Engle Merry, Human Rights and Gender Marx, Ariel, Madrid, 1981 y Jürgen Habermas,
Violence: Translating International Law into La reconstrucción del materialismo histórico,
Local Justice, University of Chicago Press, Taurus, Madrid, 1976.
2009. 28. Benedict Anderson, Comunidades imaginadas,
14. Fernando Salmerón, Derechos de las minorías y FCE, Buenos Aires, 1993.
tolerancia, UNAM, 1996.

46
Derechos Humanos: ¿Utopía sin Consenso?

29. Esos serían hipotéticamente los contenidos California, Stanford University Press, 1995,
o notas de los derechos humanos entendidos p.10.
experimentalmente en tanto que concepto. 47. Jürgen Habermas, Teoría de la acción
30. Alain Badiou, El ser y el acontecimiento, comunicativa, vol. 1, Taurus, 1987, pp. 76 y
Ediciones Manantial, Buenos Aires, 1999. sigs.
31. Hannah Arendt, Sobre los orígenes del 48. Aquí se asume la lectura de que la noción
totalitarismo, Alianza Editorial, Madrid, 1982. –weberiana– de la legitimidad reducida a
32. Theodor W. Adorno y Max Horkheimer, la legalidad es insuficiente y requiere de
Dialéctica de la Ilustración, Ediciones AKAL, complementación; legitimaciones referidas
2007. a la eficacia de las acciones y a temáticas de
legitimidad sustancial como los conceptos
33. Giacomo Marramao, Pasaje a Occidente, Ed. de justicia, bien común, desarrollo humano,
Katz, Buenos Aires, 2006. etcétera.
34. Ülrich Beck, La sociedad del riesgo mundial: 49. Martha Lamas (comp.), El género. La
en busca de la seguridad perdida, Barcelona, construcción cultural de la diferencia sexual,
Paidós, 2008. México, Programa Universitario de Estudios de
35. Zygmunt Bauman, Tiempos líquidos, Género-UNAM/Miguel Ángel Porrúa, 1996.
Barcelona, Tusquets Editores, 2007. 50. Griselda Gutiérrez, “El concepto de género:
36. Manuel Castells, La era de la información, una perspectiva para pensar la política”, en La
tomo I, México, Siglo XXI Editores, 2002. ventana, núm.5, Universidad de Guadalajara,
México, 1997, p. 59.
37. James Rousenau, Distant Proximities:
Dynamics Beyond Globalization, Princenton, 51. Ibídem, pp. 60 y sigs.
Princenton University Press, 2002. 52. Ibídem, p. 59.
38. Anthony Giddens, Un mundo desbocado, 53. Para un desarrollo más extenso de esta idea ver
México, Taurus, 1999. Alán Arias Marín, “Derechos humanos: entre
39. Samuel Huntington, El Choque de civilizaciones la violencia y la dignidad”, Revista Derechos
y la reconfiguración del orden mundial, España, Humanos-México, CNDH, Núm. 19, México,
Ediciones Paidós, 2005. 2012, pp. 33-34.
40. Immanuel Wallerstein, El moderno sistema 54. Alán Arias Marín, “Derechos humanos: entre
mundial II. El mercantilismo y la consolidación la violencia y la dignidad”, Revista Derechos
de la economía-mundo europea, 1600-1750, Humanos-México, CNDH, Núm. 19, México,
México, Siglo XXI Editores, 1998. 2012.
41. Ülrich Beck y Elisabeth Gernsheim, 55. Ibídem, pp. 16 y sigs.
La individualización: el individualismo 56. Gastón Bachelard, La formación del espíritu
institucionalizado y sus consecuencias sociales científico, Siglo XXI, México, 2000.
y políticas, Barcelona, Paidós, 2003.
57. “…se entenderá por víctima a toda persona que
42. Michel Maffesoli, El tiempo de las tribus, haya sufrido daños individual y colectivamente,
México, Siglo XXI Editores, 2004. incluidas lesiones físicas o mentales, sufrimiento
43. Néstor García Canclini, La globalización emocional, pérdidas económicas o menoscabo
imaginada, Barcelona, Paidós, 1999. sustancial de sus derechos fundamentales,
como consecuencia de acciones u omisiones
44. Karl Marx, Elementos fundamentales para
que constituyan una violación manifiesta de las
la crítica de la economía política, Volumen 1
normas internacionales de derechos humanos
Gründisse, México: Siglo XXI, 20, 1977, pp.
o una violación grave del derecho internacional
179-214.
humanitario”. (Resolución 60/147, ONU, 16
45. Ariadna Estévez y Daniel Vázquez (coords.), de diciembre, 2005).
Los derechos humanos en las ciencias sociales:
58. Algunas de las premisas para la construcción de
una perspectiva multidisciplinaria, FLACSO-
un concepto crítico de víctima son revisadas en
CISAN-UNAM, México, 2010.
Alán Arias Marín, “Aproximación a un concepto
46. Stephen Kline, Conceptual Foundations crítico de víctima en derechos humanos”,
of Multidisciplinary Thinking, Stanford, Revista Derechos Humanos México, Núm.

47
Alán Arias Marín

20, CNDH, México, 2012. Más adelante; ver 2004 y Chantal Mouffe, El retorno de lo político,
Capítulo X, pp. 123-178…p.ej. OJO TODAS las Barcelona, Paidós, 1999.
autocitas… eliminar algunas… 65. Resulta indispensable el estudio del modo de
59. Alain Badiou, op.cit., p. 49. materialización de los procesos de exclusión,
60. Axel Honneth, Reconocimiento y menosprecio. investigados ejemplarmente por Foucault y del
Sobre la fundamentación normativa de una proceso de la desigualación, modélicamente
teoría social, Katz editores, Buenos Aires, 2010, analizado por Marx. Para una presentación
p. 37. sintética de esos procesos en contexto de derechos
humanos, ver Alán Arias, “Globalización y
61. Axel Honneth, Reconocimiento, op. cit., p. 97. debate multicultural. Un nuevo imperativo
62. Ídem. contemporáneo”, Revista Derechos Humanos
México, CNDH, México, núm. 12, México,
63. Axel Honneth, Reconocimiento, op. cit., p. 31
2008.
64. Se haría necesario para el argumento la
66. Axel Honneth, Reconocimiento, op. cit., p. 37.
pertinencia de la distinción entre lo político y
la política; no es aquí el momento (ni hay el 67. Ver Axel Honneth, The Struggle for Recognition.
espacio) para tal desarrollo. En ese sentido ver The Moral Grammar of Social Conflicts,
Claude Lefort, La incertidumbre democrática. Cambridge, The MIT Press, 1995.
Ensayos sobre lo político, Anthropos, España,

48
DIREITO À AFETIVIDADE DIVERGENTE NO CONTEXTO
DA PÓS-MODERNIDADE: O RELATIVISMO COMO
ESTRATÉGIA DE ATUAÇÃO PRESTACIONAL DO ESTADO

Ana Barros
Bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e Comunicação Social – Jornalismo
pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Especialista em direito processual civil e direito
e processo tributário (Universidade Cândido Mendes – Rio de Janeiro).

RESUMO líquida de Bauman (2004), mas toma emprestado


lições de Bobbio (2004), Rosa e Csucsuly
Este artigo busca identificar uma estratégia (2013), Piovesan (2014), Finnis (2012), Farias e
de ação que permita ao Estado atuar afinado com Rosenvald (2010), Pinto (2000), Soares (2000),
seu papel de promotor dos direitos humanos no Santos (1997), Dias (2007), dentre outros.
contexto das demandas por legitimidade social Na empreitada, não se acanha em recorrer
para novas possibilidades afetivas. O método de a estudiosos de outras vertentes da ciência,
abordagem utilizado foi o dedutivo, com pesquisa como Capra (1982), Becker (2008) e Zohar
a textos de lei e doutrina. Conclui-se que, diante (1990), no entendimento de que a complexidade
das exigências que marcam a pós-modernidade, contemporânea não admite, a qualquer ramo das
é imprescindível que o Direito encontre na ciências humanas, a proposta de compreensão
flexibilidade e no respeito à autodeterminação da realidade sem interação com as demais áreas
um caminho para se manter relevante. do conhecimento.
Ainda, na certeza de que toda delimitação
Palavras chave
pressupõe uma exclusão e seguindo a lógica de
Direitos humanos; afetividade divergente; Lôbo (2002), o presente escrito faz referência
atuação estatal. a modelos afetivos diferenciados, mas não os
lista: cabe à vida real, não ao papel, apontar
ABSTRACT os fenômenos sociais que, apresentando-se
This paper seeks to identify a strategy of espontaneamente, exigirão a atenção protetiva
action that allows the State to perform its role do Direito.
the promoter of Human Rights in the context of
demands for social legitimacy to new affective 2. AUSÊNCIA DE PARADIGMAS EM
possibilities. The method of approach was TEMPOS DE ILIQUIDEZ, QUANDO
deductive, used to research texts of law and NEM O CORRER DO TEMPO É UMA
doctrine. The paper concludes that, towards
the requirements that mark postmodernity, CERTEZA.
it’s imperative that Law finds in flexibility and Se há uma característica marcante
respect for self-determination a way to stay na Modernidade, tomada como momento
relevant. socioideológico, foi o destaque dado à
racionalidade e ao cientificismo. A confiança
Keywords iluminista no progresso ofereceu à Modernidade
Human rights; divergent affectivity; state base simbólica para um ideário de conquista
performance. e colonização fortemente impregnado pela
antropologia setecentista, rejeitando qualquer
1. INTRODUÇÃO divergência ao modelo eurocêntrico, cujo projeto
civilizador, na visão de Bauman:
A presente pesquisa baseou-se
principalmente no conceito de modernidade

49
Ana Barros

Era, na sua essência mais íntima, um esforço fronteiras, através das globalizações, ditas assim
para suprimir toda relatividade, portanto toda porque a globalização não foi um evento único,
pluralidade de modos de vida. O que emergiu foi mas diversos “conjuntos de relações sociais que,
uma noção absoluta de “civilização humana”, por óbvio, dão origem a diferentes fenômenos de
uma noção coerente e unitária que não tolerava globalização” (SANTOS, 1997, p. 14).
oposição e não comportava concessão alguma Quase ao mesmo tempo, o progresso
nem qualquer limitação (BAUMAN, 2010, científico alcançava novos paradigmas, diante dos
p. 132). quais não eram admissíveis certezas absolutas.
Argumenta Bauman que o conceito de A física clássica se viu incapaz de explicar a
civilização da Modernidade era “uma gerência realidade subatômica. A visão newtoniana de um
dirigida pelo conhecimento, acima de tudo tempo contínuo e imutável cedeu às conclusões
voltada para a administração de corpos e mentes da Teoria da Relatividade: mesmo ele, o tempo,
individuais” (BAUMAN, 2010, p. 133). De não é único – existe em multiplicidade, fluindo
Bacon (saber é poder) a Descartes (cogito, ergo de maneira diferente para cada pessoa, a partir de
sum), passando pela mecânica newtoniana e pelo uma relação inquebrantável com o deslocamento
contratualismo de Locke, Hobbes e Rousseau, no espaço (REEN, 2004). O paradigma cartesiano,
vigoravam afirmações incontestáveis, apenas intrinsecamente fragmentário e separatista,
não identificáveis como dogma porque esse perdeu destaque diante da constatação de que os
termo tem sentido intrinsecamente incompatível sistemas físicos existem como padrões de energia
com o conhecimento científico – já que ligado à dinâmica. Nasceu a física quântica, afirmando
crença e à desnecessidade de comprovação, por não existir diferença substancial entre onda e
óbvio excluídas do rol de ideias predominantes partícula, matéria e energia.
na época. Nesse projeto ideológico, alcançar a O paradigma ora em transformação
certeza sobre qualquer assunto era o objetivo dominou nossa cultura durante muitas centenas
primal da ciência, e a validade da premissa era de anos, ao longo dos quais modelou nossa
medida por sua “capacidade de sobrepujar e moderna sociedade ocidental e influenciou
reduzir à insignificância todas as reivindicações significativamente o resto do mundo [...]. Valores
alternativas de verdade” (BAUMAN, 2010, que estiveram associados a várias correntes
p. 136). da cultura ocidental, entre elas a revolução
Talvez seja discutível se os filósofos da científica, o Iluminismo e a Revolução Industrial
Era Moderna alguma vez enunciaram, para [...]. Incluem a crença de que o método científico
a satisfação de todos, os fundamentos da é a única abordagem válida do conhecimento;
superioridade objetiva da racionalidade, da a concepção do universo como um sistema
lógica, da moralidade, da estética, dos preceitos mecânico composto de unidades materiais
culturais, das regras de vida civilizada etc. elementares; a concepção da vida em sociedade
ocidentais. Contudo, o fato é que eles nunca como uma luta competitiva pela existência; e
deixaram de procurar esse enunciado, e quase a crença do progresso material ilimitado, a ser
nunca pararam de acreditar que a busca teria - alcançado através do crescimento econômico
devia ter - sucesso (BAUMAN, 2010, p. 167). e tecnológico. Nas décadas mais recentes,
Apesar da convicção modernista na lógica concluiu-se que todas essas ideias e esses valores
do desenvolvimento lógico e contínuo, este estão seriamente limitados e necessitam de uma
encontrou limite: consolidados os Estados revisão radical (CAPRA, 1982, p.20).
nacionais, não havia mais espaços geográficos Conceitos como holismo, indeterminismo,
a conquistar. Talvez a falta desse elemento auto-organização, incerteza e potencialidades
básico – o horizonte incivilizado – fez com que (ZOHAR, 1990) se tornaram frequentes
a lógica fagocitária do Capitalismo se voltasse na análise de um cotidiano permeado por
contra ela mesma: os processos e estruturas de insegurança econômica, política, social,
dominação, conflito e integração pelo consumo, ambiental e psicológica. Enfraquecimento da
dos quais nasceu a geopolítica estabelecida até proteção estatal, competição intrínseca, fim
o final do Século XX, passaram a exigir mais das perspectivas de longo prazo, catástrofes
espaço de ação. O resultado dessa dinâmica foi naturais, epidemias, desemprego, violência
a expansão do molde produtivo. Este passou urbana e terrorismo, insatisfação administrada
a transitar mundialmente, desconsiderando e canalizada para o consumo – com exclusão

50
Direito à Afetividade Divergente no Contexto da Pós-Modernidade: O Relativismo como Estratégia de Atuação Prestacional do Estado

sistemática dos inaptos para o ritual da para adotar novos costumes afetivos ou inovar,
compra –, ineficácia dos antigos modelos de criando os seus próprios.
autoidentificação nos loci sociais, além da
ascensão do Mercado como poder motor das 3. AMORES LÍQUIDOS E NOVAS
sociedades globais, fazem parte de um cenário CONFIGURAÇÕES AFETIVAS
no qual as forças se sobrepõem e catalisam
mutuamente, sem tempo/espaço para análises Bauman (2004) é profundamente crítico
mais detalhadas e reflexões profundas. a esse comportamento, denominado por ele
como liberdade hedonista da pós-modernidade:
Esses elementos, interconectados e
a busca do prazer autorizando adesão a qualquer
implacáveis, abalaram de morte as certezas
formato afetivo que confira satisfação pessoal e
que sustentavam os ideais da Modernidade,
felicidade a seus componentes. O autor discorda
acelerando a tendência à entropia no sistema
fortemente quanto a este novo comportamento
global. A desorganização atingiu todas as esferas
representar uma conquista de liberdade no
da vida social e afetou a percepção do indivíduo
tocante às relações interpessoais e à manifestação
sobre si mesmo e seu lugar na comunidade:
sexual. Em sua visão, a aparente permissividade
A transformação que estamos vivenciando e fugacidade das relações seriam novas formas
agora poderá muito bem ser mais dramática do de aprisionamento, nos quais a afetividade não
que qualquer das precedentes, porque o ritmo de é marcada pela constância dos laços, mas pela
mudança em nosso tempo é mais célere do que no fragilidade, pela facilidade de desconexão e ênfase
passado, porque as mudanças são mais amplas, na quantidade – diante da inaptidão social para
envolvendo o globo inteiro, e porque várias o cultivo da qualidade nos vínculos emocionais.
transições importantes estão coincidindo [...]. Essa efemeridade não é uma escolha individual,
A crise atual, portanto, não é apenas uma crise na análise de Bauman: apenas uma consequência
de indivíduos, governos ou instituições sociais; é da Contemporaneidade a sujeitar os indivíduos.
uma transição de dimensões planetárias. Como
Bauman (1998) afirma não ser essa
indivíduos, como sociedade, como civilização e
mudança nos padrões de comportamento um
como ecossistema planetário, estamos chegando
fato inédito e enfatiza o caráter utilitarista das
a um momento decisivo (CAPRA, 1982, p.22).
atuais alterações, inserindo-as numa progressão
Antítese da ultrapassada era das verdades sócio-histórica da afetividade: no que ele
absolutas, a Contemporaneidade dá, como única denominou a primeira revolução sexual, o sexo
certeza possível: aceitável foi restrito ao âmbito das famílias, no
Abandonar a própria busca, tendo se objetivo de promover a integração e o controle
convencido de sua futilidade. Em vez disso, [...] social, uma vez que estas eram “as únicas
tenta se conciliar com uma vida sob condições de instituições que conduziam a pressão combinada
incerteza permanente e incurável; uma existência do sistema panóptico até cada simples membro
em presença de uma quantidade ilimitada de da sociedade” (BAUMAN, 1998, p.183). A
formas competidoras de vida, incapaz de provar intenção deliberada de controlar cada aspecto da
que seus termos se baseiam em algo mais sólido vida humana usou “o direito e os meios legais
e vinculante que as suas próprias convenções para interferir em áreas das quais os antigos
historicamente conformadas. (BAUMAN, 2010, poderes, embora opressivos e exploradores,
p. 167) mantinham distância” (BAUMAN, 2004, p. 43).
A partir desse cenário, Bauman denomina Na segunda revolução sexual,
modernidade líquida o estágio atual de correspondente à ascensão do modelo
sociabilidade, que pode ser resumida, grosso contemporâneo de socialização, o sexo tem como
modo, nas palavras-chave individualidade, função ser elemento de “desregulamentação
insegurança, imediatismo e consumo. Essa e privatização do controle, da organização
conjuntura alterou a dinâmica de todas as do espaço e dos problemas de identidade”
interações humanas, inclusive as relações (BAUMAN, 1998, p.183). Assegura o autor que:
afetivas, que, albergadas na transitabilidade Se no curso da primeira revolução sexual,
imbutida no conceito eudemonista de família, o sexo converteu-se num maior material de
não mais se veem obrigadas a encaixar nos construção das estruturas sociais duráveis e
modelos preexistentes e pré-aprovados: cada das extensões capilares do sistema global de
vez mais indivíduos se sentem desimpedidos

51
Ana Barros

construção da ordem, hoje o sexo serve, antes um movimento oposto, mais tradicionalista, já
e acima de tudo, ao processo de atomização em que nenhum reajuste nas interações humanas
andamento. Se a primeira revolução dispunha a acontece sem negociações e sem conflitos. Como
atividade sexual como a medida de conformidade reação ao movimento, dir-se-ia libertário, que
com as normas socialmente promovidas, defende os direitos de autodeterminação afetiva,
a segunda a redispunha como o critério de forças contrárias pugnam por manter a relevância
adequação individual e aptidão corporal – os das instituições consideradas tradicionais e
dois maiores mecanismos de autocontrole na rejeitar o espectro ampliado de modelos possíveis
vida do acumulador e colecionador de sensações de afetividade. Defendendo bandeiras similares,
(BAUMAN, 1998, p.183). iniciativas parlamentares como o PL n. 6.583/13
Bauman denuncia o “desemaranhamento (Estatuto da Família), o PL n. 1.672/11 (criação
do sexo do denso tecido de direitos adquiridos do Dia do Orgulho Heterossexual) e o PL n.
e deveres assumidos” (BAUMAN, 1998, p.184), 7.382/10 (penaliza discriminações contra
ao sentenciar que nada, além do próprio ato heterossexuais) mostram que essa insatisfação
sexual, surge proveitoso de tão fugazes conexões, tem notabilidade suficiente para reverberar junto
estabelecidas unicamente pelas sensações e ao poder instituído.
emoções. Apesar dessa visão inicialmente Um olhar isento de qualquer filtro político,
negativa, Bauman (2004) faz um contraponto, analisando apenas o discurso emitido por tais
o de que a ameaça às redes tradicionais de manifestações de vontade, conclui que subgrupos
parentesco tem um lado positivo: retiradas do da sociedade brasileira estão exercendo a
pedestal, alijadas do status quo, deixando de prerrogativa de pressionar contra mudanças que
ser prioritariamente uma instituição e voltando consideram nefastas. O esforço é por neutralizar
a (ou finalmente alcançando) uma natureza de a representatividade buscada por correntes
laço afetivo interpessoal, as relações familiares que buscam espaço social, político e legislativo
se veem em uma condição de delicadeza que para, dentre outras agendas, o livre exercício da
exige zelo por parte de seus integrantes. afetividade. No centro da polêmica, a indisposição
Na percepção de Bauman, ciosos por para conviver com quem é diferente, o inegável
segurança e afetividade real num mundo em incômodo e a necessidade narcísica de reprimir o
conturbação permanente, as pessoas se voltam que não é espelho apenas por não sê-lo.
para a preciosidade das emoções, buscando o Acerca disso, vale o entendimento de
diálogo e os sentimentos. Assim, “antolhos e Bauman (2010) sobre o fato de que os espaços
protetores de ouvidos caíram em desuso: – as sociais contemporâneos – dantes formatados
famílias olham e ouvem atentamente, cheias para a conexão entre as pessoas –, agora se
de disposição para corrigir suas rotas e prontas projetam como campo de diversidade, no qual
a pagar na mesma moeda o carinho e o amor” as tensões da pós-modernidade impulsionam
(BAUMAN, 2004, p. 23). ferramentas de exclusão que guetizam subgrupos
A perceptível alteração nas estruturas diferenciados, reforçando padrões de domínio
afetivas poderia ser identificada como anomia já existentes. Na mesma linha de raciocínio,
(DURKHEIM, 2000), fruto de uma crise moral Becker denominou outsiders “aqueles que se
causada pelo enfraquecimento da coesão social, desviam das regras do grupo” (2008, p. 17),
e que fortalece nos indivíduos a noção da divisa indivíduos estigmatizados por apresentarem
entre os limites pessoais e os objetivos grupais – comportamentos divergentes das regras sociais
caso não fosse analisada como fenômeno social estabelecidas, formuladas como lei formal ou
que é, profundamente integrado ao momento acordos tácitos de tradição.
sócio-histórico. É possível compreender o desejo As sociedades modernas não constituem
por liberdade afetiva – real ou aparente – como organizações simples em que todos concordam
legítimo, inerente ao contexto no qual está quanto ao que são as regras e como elas devem ser
inserido, e deve ser reconhecido com tal. As novas aplicadas em situações específicas [...]. À medida
necessidades exigem alteração de instituições que as regras de vários grupos se entrechocam
tradicionais e um obrigatório reacomodamento e contradizem, haverá desacordo quanto ao tipo
do tecido social. de comportamento apropriado em qualquer
No entanto, assim como natural é essa busca situação dada (BECKER, 2008, p.25).
por inovação, natural também é a existência de

52
Direito à Afetividade Divergente no Contexto da Pós-Modernidade: O Relativismo como Estratégia de Atuação Prestacional do Estado

Para Becker, as concepções de desvio proposta factível de tratamento, por parte do


comportamental podem ser identificadas a partir Estado, para os conflitos sociais e jurídicos que
do viés estatístico, patológico ou a sociológico. envolvem novas configurações de afetividade?
Mais simples delas é a estatística, definindo
como desviante “tudo que varia excessivamente 4. DIREITOS HUMANOS À AFETIVIDADE
com relação à média” (BECKER, 2008, p.21). E O RELATIVISMO COMO ESTRATÉGIA
Acerca do desvio comportamental, Becker
aponta sua artificialidade como ponto crítico: NORMATIVA EM TEMPOS FLUIDOS
Ele é criado pela sociedade. Não digo isso São considerados como direitos humanos,
no sentido em que é comumente compreendido, segundo o artigo 2º da Declaração Universal dos
de que as causas do desvio estão localizadas na Direitos Humanos (DUDH), aqueles comuns a
situação social do desviante ou em “fatores todos os seres humanos, sem distinção de etnia,
sociais” que incitam sua ação. Quero dizer, isto nacionalidade, orientação sexual, raça, religião,
sim, que grupos sociais criam desvio ao fazer as nível econômico, instrução ou julgamento
regras cuja infração constitui desvio, e ao aplicar moral. Seguindo a mesma linha de raciocínio,
essas regras a pessoas particulares e rotulá-las a Declaração dos Direitos Sexuais (aprovada
como outsiders. Desse ponto de vista, o desvio no XIII Congresso Mundial de Sexologia, Hong
não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, Kong, em 1997) destaca, dentre outros, os
mas uma consequência da aplicação por outros, direitos à expressão e à livre associação sexual.
de regras e sanções a um infrator. O desviante Acerca da evolução dos direitos humanos,
é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com Bobbio (2004) alega que, a partir da superposição
sucesso; o comportamento desviante é aquele de suas dimensões, o cenário para a efetivação
que a pessoas rotulam como tal. (BECKER, dessas primazias sofreu radical inversão de
2008, p.21) perspectiva, exigindo agora do Estado uma
Segundo Becker, como é do convívio social prestação positiva em favor do cidadão,
que emergem as regras de comportamento, há inafastável da dinâmica de nações nas quais
enorme dificuldade para definir, na prática, o vige o estado democrático de direito. Isso
que é ou não disfuncional para uma sociedade acontece porque a concretização dos direitos
– bem mais do que parece ser na teoria. A humanos não é automática, senão construída
natureza outsider de um comportamento não a partir da interação entre todos os atores
depende dele, o comportamento, mas do juízo sociais – incluso o Estado. No tocante aos
de valor emitido por terceiros. Ademais, mesmo direitos afetivos, especificamente, é preciso criar
para atitudes claramente reprováveis (na ótica condições normativas para que a diversidade
de quem retém a legitimidade para assim julgá- seja exercitada, uma vez que a ideia de igualdade
las), o comportamento despadronizado receberá e dignidade humana, como hoje entendida,
tratamento mais ou menos sancionador de acordo pressupõe a promoção, por parte do Estado, do
com muitas variáveis: quem se sente prejudicado, respeito às diferenças.
a intensidade da percepção desse prejuízo, e até Bobbio (2004) é firme na convicção de que
o capital social do próprio outsider, dado que essa efetivação deve ser garantida através de
“regras tendem a ser aplicadas mais a algumas políticas públicas: validar na lei e nos programas
pessoas que a outras” (BECKER, 2008, p.25). estatais de ação põe os direitos humanos mais a
Diante dessa conjuntura repleta de salvo de violações do que estariam se mantidos
dubiedade, a normatização do comportamento em solenes e bem-intencionadas declarações.
– que se considera hoje função do Estado –, é Piovesan (2014) lhe faz eco ao exigir um papel
tarefa extremamente delicada, e acaba por ativo do Estado, não apenas defensor dos já
se concretizar às forças brutas, pela pressão concretizados, mas propulsor de novos direitos:
social, e não por critérios de equanimidade Não tem apenas por vocação proteger
ou justiça. Nesse contexto, merece estudo o direitos, mas também expandi-los e ampliá-los,
papel do Judiciário diante das alterações de vivificando os direitos fundamentais consagrados
comportamento social, especificamente em na Constituição Federal e não fossilizando-
referência à popularização de novos arranjos os. Para tanto, ressalta-se a relevância da
afetivos, e no contexto da efetividade dos direitos interpretação evolutiva e dinâmica, que leve em
à livre determinação. É possível apontar uma

53
Ana Barros

consideração as transformações sociais, os novos essenciais à pessoa humana, como a dignidade,


fatos e os novos valores (PIOVESAN, 2014, p.9). a solidariedade social, a igualdade substancial e
Apesar de impresso em propostas como as a liberdade” (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p.
supracitadas, o direito à afetividade diferenciada 108).
parece ainda ser uma realidade distante, ao Diante da chancela constitucional, cabe ao
menos no âmbito brasileiro, no qual ainda não legislador lançar-se à faina de trazer as novas
é corriqueira a aceitação de arranjos afetivos que relações sociais para o campo da normatividade.
escapam do modelo tradicional e “muitas vezes Para isso, é necessário compreender a sociedade
práticas (anti) democráticas fazem com que os como ela é, e essa compreensão passa por
direitos sexuais esperem na fila de distribuição abandonar a concepção orgânica tradicional,
de liberdades” (ROSA; CSUCSULY, p. 24). que prioriza a sociedade em detrimentos dos
A omissão do Estado sobre a temática indivíduos. A postura ideal seria compreender
dos direitos humanos – seja pela ausência da a sociedade a partir de sua base, ou seja,
elaboração de políticas públicas ou regulação aproximando-se dos indivíduos que a compõem.
para matérias de conteúdo potencialmente (BOBBIO, 2004).
polêmico, seja pela emissão de decisões judiciais Se o ideário modernista dava azo a
cegas às diferenças individuais –, reforça o admitir que “a cultura e a ética refletiriam
desrespeito aos valores propostos pela DUDH padrões universalmente racionais e, portanto,
e pela própria Constituição Federal de 1988. universalmente humanos” (SOARES, 2000, p.
A falta de posicionamento nas questões sobre 264), na Contemporaneidade, em que as certezas
a autodeterminação afetiva abre espaço para a absolutas foram liquefeitas (e liquidadas), tentar
perpetuação do conflito social e perverte a função compreender a sociedade a partir de padrões
estatal de garantir a dignidade das pessoas. imutáveis é postura absolutamente anacrônica
Restam lesados os indivíduos diferentes, – já não é admissível a existência de uma
que deveriam ter a primazia do tratamento moral universal a embasar valores universais
diferenciado quando a igualdade os inferioriza ou (PIOVESAN, 2006). Em pensamento análogo:
descaracteriza (SANTOS, 1997, p. 19). Acerca Somos efeitos de histórias incorporadas,
dessa omissão estatal, Dias: de discursos múltiplos que se completam,
A tendência do legislador é de arvorar-se no se contradizem e que nos formam enquanto
papel de guardião dos bons costumes, buscando identidades, ao mesmo tempo fragmentadas e
a preservação de uma moral conservadora. É o complexas. É neste cenário que se constituíram
grande ditador que prescreve como as pessoas as posições éticas, os sentimentos religiosos de
devem proceder, impondo condutas afinadas com respeito ao próximo, as solidariedades advindas
o moralismo vigente. Limita-se a regulamentar da proteção mútua e as necessidades impostas
os institutos socialmente aceitáveis e, com isso, pelos diferentes momentos das relações de
acaba refugiando-se em preconceitos. Qualquer poder nas comunidades humanas. (PINTO,
agir que se diferencie do parâmetro estabelecido é 2000, p. 33).
tido como inexistente por ausência de referendo Acerca da multiplicidade de discursos e
legal (DIAS, 2007, p.2). interesses, propõe Capra (1982) ser necessário
Diante da fragmentação crescente, não é reexaminar as premissas e principais valores
mais legitimamente possível ao Estado eximir- culturais: rejeitar os que são obsoletos e mantidos
se da obrigação de reconhecer as múltiplas apenas pela tradição; abrir espaço pra novos
possibilidades afetivas praticadas na sociedade, modelos conceituais. Acredita ele que, nessa
quanto mais seus direitos. A problemática que se fase de transição, em que a pós-modernidade
faz presente é entender como o Estado pode agir ainda se estabelece, deve-se reduzir ao máximo a
para suprir “a necessidade de construir cenários discórdia e rupturas desnecessárias, compreender
capazes de conjugar diferenças e propostas a ânsia por mudança e a ânsia por manutenção,
democráticas que garantam os mesmos meios apesar de opostas, como imanentes à condição
a todos de gozarem os direitos” (PINTO, 2000, humana, elementos válidos que contribuem, a
p.13). Segundo Farias e Rosenvald (2010), partir de sua amálgama, para a formação de um
o primeiro passo já foi dado, na medida em novo cenário societal.
que “o constituinte assegurou a todos uma Portanto, é essencial que se vá além
nova tábua axiomática, privilegiando valores dos meros ataques a determinados grupos ou

54
Direito à Afetividade Divergente no Contexto da Pós-Modernidade: O Relativismo como Estratégia de Atuação Prestacional do Estado

instituições sociais, mostrando que suas atitudes procura preservar, na maior intenidade possível,
e comportamento refletem um sistema de valores os valores contrapostos (SILVA, 2005, p. 314).
que sustenta toda a nossa cultura, mas está No entanto, conforme expresso na
ficando agora obsoleto. Será necessário reconhecer Declaração de Princípios Sobre a Tolerância
e comunicar amplamente o fato de que as nossas (aprovada na 28ª. Conferência Geral da Unesco,
mudanças sociais correntes são manifestações de em novembro de 1995), essa transigência não é
uma transformação cultural muito mais ampla e uma benesse do Estado, por ser “antes de tudo,
inevitável (CAPRA, 1982, p.23). uma atitude ativa fundada no reconhecimento
A consciência da existência do dos direitos universais da pessoa humana e das
multiculturalismo é, no dizer de Santos liberdades fundamentais do outro” (UNESCO,
(1997), uma condição prévia à existência 1995). Nesse contexto, o próprio termo tolerância,
de equilíbrio na consecução de uma política segundo Pinto, tem conteúdo demeritório e
estatal contemporânea em direitos humanos. perigoso, porque “a tolerância pensada em
Consequentemente, exige do Estado uma atitude termos políticos pode levar à perigosa ideia do
proativa, inabitual aos meandros do poder mal menor, da abertura limitada à presença do
porque, “numa palavra atenta, o legislador, outro, deixando intacta a fronteira entre quem
fora de períodos sempre breves de crise política tolera e quem é tolerado, onde o segundo não
e social, é naturalmente conservador como modifica o primeiro”. (PINTO, 2000, p. 34).
é naturalmente dogmático” (CRUET, 1956, Manter a mera tolerância, na visão
p.189). A alteração dos hábitos sociais acontece de Pinto, é uma postura condescendente
em complexidade e rapidez muito superior à e contraprodutiva, porque contém ilhadas
capacidade legislativa de acompanhá-las. Por as diferenças, ao invés de impulsioná-las à
isso, tratamento mais versátil e ferramentas interação e ao verdadeiro convívio igualitário e
menos restritoras poderiam ser usadas, de forma solidário. “Pedir aos poderosos do mundo que
que o direito se adeque à sociedade, e não o sejam tolerantes é pedir muito pouco neste fim
contrário. de século. É reconhecer como justas as relações
Um exemplo dessa estratégia, já perceptível de poder que constituem os tolerantes e os
no contexto brasileiro, é a proliferação de tolerados” (PINTO, 2000, p. 37). A receptividade
princípios: menor ênfase na objetividade estrita a novas identidades e a legitimação para suas
das regras (aptas apenas a disciplinar situações práticas sociais e afetivas apontam, no dizer
concretas e preestabelecidas) e valorização das da autora, para um desmonte do status quo e
diretrizes gerais do ordenamento jurídico (com desvalorização de premissas dantes consideradas
aptidão de encontrar soluções para demandas não dominantes. O novo cenário obriga a tratar
previstas através do sopesamento de valores). Se, quem apresenta comportamento diferenciado
por um lado, o destaque dados aos princípios na não como desviante, outsider, anomia a ser
legislação e judicialização das questões afetivas reprimida ou tolerada – e sim como componente
pode oferecer sensação de insegurança jurídica – do totus social, elemento diferenciado em um ou
devido à sua pluralidade semântica–, por outro outro aspecto, mas cidadão merecedor da plena
amplia o espectro protetivo do Direito a maior tutela estatal.
campo de fenômenos humanos. Abandonando de vez a visão antropológica
A ponderação de valores, interesses, setecentista – e desde que não se ingresse no
bens ou normas consiste em uma técnica de terreno da patologia ou da tipificação criminosa,
decisão judicial utilizável nos casos difíceis, análise não afeta ao escopo desse artigo –,
que envolvem a aplicação de princípios (ou, deve o intelectual contemporâneo do Direito
excepcionalmente, de regras) que se encontram levar em conta que, assim como não há níveis
em linha de colisão, apontando soluções diversas progressivos de civilização, não devem existir
e contraditórias para a questão. O raciocínio comportamentos afetivos mais ou menos
ponderativo, que ainda busca parâmetros de aceitáveis, morais superiores ou inferiores,
maior objetividade, inclui a seleção das normas padrões de comportamento execráveis ou
e dos fatos relevantes, com a atribuição de imponíveis. “Essa é uma ruptura profunda,
pesos ao diversos elementos em disuputa, em que atinge a todos e que modifica a cada um,
um mecanismo de concessões recíprocas que não somente aqueles que se constituem como
novos”. (PINTO, 2000, p. 38).

55
Ana Barros

A nova tarefa da ciência jurídica, dado O desafio da pós-modernidade se apresenta


esse contexto, seria “lutar contra absolutismos enorme para o Direito, assim também para
parciais locais com a mesma energia com a qual todos os ramos do conhecimento humanos.
seus predecessores lutaram por um absolutismo Acerca dessa dificuldade, fica o conselho de
“imparcial” universal” (BAUMAN, 2010, p. 179). Santos (1997, p. 30) em prol do enfrentamento
Uma estratégia viável para a atuação do Estado, da delicada questão dos direitos humanos na
no sentido de abraçar as pluralidades e enfatizar pós-modernidade: “Seja como for, o importante
sua função de protetora e impulsionadora da é não reduzir o realismo ao que existe, pois, de
efetividade dos direitos humanos – mormente os outro modo, podemos ficar obrigados a justificar
direitos afetivos, seria a proposta elaborada por o que existe, por mais injusto ou opressivo
Bauman (2010). Ao discorrer sobre a produção que seja”. Cabe aos estudiosos da ciência
intelectual durante e após a Modernidade, o autor jurídica despir-se dos preconceitos, reconhecer
assevera que é momento de fazer decair o modelo a mudança de paradigma e abrir mentes e
do intelectual Legislador, que encerra em tábula corações para a nova realidade social, que se
rasa o que é certo e errado, não levando em conta metamorfoseia continuamente mesmo diante
as diferenças inerentes. Entende Bauman que de olhos indispostos a enxergar.
deve entrar em ação um intelectual Intérprete,
que não mais arroga para si o privilégio de 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
sentenciar a verdade - na consciência de que ela
Percebe-se que a Contemporaneidade
não é única, de que a pluralidade de sentidos da
oferece desafios para todas as áreas da ciência,
Contemporaneidade exige renúncia à elitização
obrigada à velocidade, à interconexão e ao
de padrões.
pluralismo. Para o Direito, essa tarefa é ainda
Ainda no que se concerne à tarefa do Direito mais espinhosa: como sua função é normatizar
como instituição mediadora entre os atores a atuação humana em sociedade, obedecer
sociais, prevê Bauman que a melhor postura a critérios friamente lógicos, contendo em
seria tentar antecipar “um inventário de cenários padrões estanques as subjetividades, juízos de
possíveis e de suas probabilidades” (2010, p. valor, necessidades e desejos humanos, sempre
175). Essa inexatidão, ao invés de problema, seria deu margem a imprecisões e injustiças, pela
a solução para tempos de pluralismo, e até um impossibilidade de abarcar completamente as
dever moral dos intelectuais. Em sua opinião, pulsões individuais no contexto da pacificação
abandonar as certezas não tornaria o Estado social.
mais fraco, apenas mais adaptado e eficiente na
Como todas as instituições humanas, deve
tarefa de reproduzir e impor seu poder (2010).
o Direito evoluir, adaptar-se à sociedade – porque
A ideia de Bauman está afinizada com exigir o contrário é engodo autorreferencial.
o que Finnis (2012) nomeou “Novo Direito Para se manter-se relevante no contexto atual,
Natural”. Nele, a busca mais ética seria buscar especificamente no que se refere a efetivar os
um vocabulário em comum para as diferentes direitos humanos à livre manifestação do afeto,
vivências, de modo a determinar a intersecção uma proposta de atuação seria abdicar à postura
entre os valores morais e os bens jurídicos impositora de verdades absolutas em prol de
opostos: embora existam problemas para os um tratamento mais receptivo às diferenças,
quais não se pode alcançar uma única solução, sensível à constatação de que encaixotar as
há sempre a possibilidade do diálogo entre as idiossincrasias humanas em regras excludentes
posições conflitantes na busca por um repertório e inexpugnáveis é empreitada tendente ao óbvio
em comum. fracasso.

56
Direito à Afetividade Divergente no Contexto da Pós-Modernidade: O Relativismo como Estratégia de Atuação Prestacional do Estado

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. A liberdade. Tradução de FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD.


M. F. Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Editorial Nelson. Direito das Famílias. 2ª ed. Rio de
Estampa, 1989. Janeiro: Lumen Juris, 2010.
______. O mal-estar na pós-modernidade. Tradução FINNIS, John. Fundamentos de Ética. Rio de
de Mauro Gama e Claudia Martinelli Gama. Janeiro: Elsevier, 2012.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares
______. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços Constitucionalizadas: para além do numerus
humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de
2004. Direito de Família. Família e cidadania – O
______. Legisladores e intérpretes: sobre novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del
modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rey, 2002.
Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: PINTO, Celi R. J.. Para além da tolerância.
Jorge Zahar, 2010. Caderno CRH, Salvador, n. 32, p. 31-54. Jan./
BECKER, Howard. Outsiders: estudos da sociologia jun. 2000. Disponível em <file:///C:/Users/
do desvio. Tradução de Maria Luisa X. de A. Usuario/Downloads/RCRH-2006-81%20(1).
Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. pdf>. Acesso em 03 maio 2017.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de PIOVESAN, Flávia. Poder judiciário e os direitos
Janeiro: Elsevier, 2004. humanos. Revista USP. N 101 p. 99 -112.
Mar./ abr./ mai. 2014. Disponível em
CAPRA, Fritjjof. O ponto de mutação. São Paulo: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/
Ed. Círculo do Livro, 1982. viewFile/87817/90739>. Acesso em 02 maio
CRUET, Jean. A Vida do Direito e A Inutilidade das 2017.
Leis. Salvador: Livraria Progresso, 1956. REEN, Jurgen. A física clássica de cabeça para
UNESCO. Declaração de princípios sobre a baixo: como Einstein descobriu a teoria da
tolerância. In Conferência Geral da Unesco, relatividade. Revista Brasileira de Ensino da
28, 1995, Paris. 28ª Reunião. Paris. UNESCO, Física. São Paulo, V. 27, n 1, pp. 27-36, mar.
16 nov. 1995. Disponível em: <http://www. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/
dhnet.org.br/direitos/sip/onu/paz/dec95.htm>. pdf/rbef/v27n1/a04v27n1.pdf>. Acesso em 02
Acesso em 03 maio 2017. maio 2017.
WAS. Declaração dos direitos sexuais. In XV ROSA, Crishna M. de A. C; CSUCSULY, Maria, J.
Congresso Mundial de Sexologia, 23-27, 1997, B.. Sexualidade e normatização: apontamentos
Hong Kong. Disponível em: <http://www. sobre o discurso normativo e judiciário sobre
dhnet.org.br/direitos/sos/gays/direitossexuais. o sexo e o gênero. In XXII Encontro Nacional
html>. Acesso em 03 maio 2017. Conpedi, 2013, Curitiba. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/publicacao/
ONU. Declaração universal dos direitos humanos,
unicuritiba/livro.php?gt=119>. Acesso em 04
ONU, 1948. Disponível em: http://www.dudh.
maio 2017.
org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf.
Acesso em 04 maio 2017. SANTOS, Boaventura S. Por uma concepção
multicultural de direitos humanos. Revista
DIAS, Maria Berenice. A Ética na Jurisdição
Crítica de Ciências Sociais. Nº. 48, jun..
de Família. Revista Brasileira de Direito
1997 11-32. Disponível em: http://www.
Constitucional. RBDC n. 9, p. 107-117, jan./
boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/
jun. 2007. Disponível em <http://www.esdc.
Concepcao_multicultural_direitos_humanos_
com.br/RBDC/RBDC -09/RBDC -09-107-
RCCS48.PDF>. Acesso em 03 maio 2017.
Maria_Berenice_Dias.pdf>. Acesso em 30 abr.
2017. SILVA, Virgílio A. da (Org.). Interpretação
Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.
DURKHEIM, Emile. O suicídio: estudo de
sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. SOARES, Ricardo M. F. O projeto da modernidade
e o direito. Revista de Informação Legislativa.
Brasília. a. 37, n. 147, jul./set., 2000, pp. 263-

57
Ana Barros

274. Disponível em: <http://www2.senado. consciência, baseada na nova física. Tradução


leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/623/r147-21. de Maria Antônia van Acker. Rio de Janeiro:
pdf?sequence=10>. Acesso em 02 maio 2017. Best Seller, 1990.
ZOHAR, Danah. O ser quântico: uma visão
revolucionária da natureza humana e da

58
ATOS DE GENOCÍDIO E CRIMES CONTRA
A HUMANIDADE: REFLEXÕES SOBRE A
COMPLEMENTARIDADE DA RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DO INDIVÍDUO E DO ESTADO(*)

Antônio Augusto Cançado Trindade


Juiz da Corte Internacional de Justiça (Haia); ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos;
Professor Emérito de Direito Internacional da Universidade de Brasília; Doutor Honoris Causa de diversas
Universidades na América Latina e na Europa; Membro Titular do Curatorium da Academia
de Direito Internacional da Haia, e do Institut de Droit International.

RESUMO personality and capacity, as well as international


responsibility. This latter, expanded in a
A atual era dos tribunais internacionais consolidated way, covers the responsibility
dá testemunho da expansão da personalidade of States, international organizations and
e capacidade jurídicas internacionais, assim individuals, as subjects of international law. The
como da responsabilidade internacional. Esta international adjudication of cases concerning
última, expandida de forma consolidada, cobre a genocide and crimes against humanity has
responsabilidade dos Estados, das organizações shown that the responsibilities of individuals
internacionais e dos indivíduos, como sujeitos and of the State are complementary to each
do direito internacional. A adjudicação other, one cannot be dissociated from the other,
internacional de casos atinentes ao genocídio e they are interrelated. The approximations and
crimes contra a humanidade tem demonstrado convergences between the International Law
que as responsabilidades dos indivíduos e do of Human Rights, International Humanitarian
Estado são complementares uma à outra, uma Law, International Refugee Law, also encompass
não pode ser dissociada da outra, encontram- today International Criminal Law.
se inter-relacionadas. As aproximações e
convergências entre o Direito Internacional Keywords
dos Direitos Humanos, o Direito Internacional
Humanitário, o Direito Internacional dos International tribunals; international
Refugiados, também abarcam hoje o Direito personality, capacity and responsibility; subjects
Penal Internacional. of international law; genocide; crimes against
humanity; International Law of Human Rights;
Palavras chave International Humanitarian Law; International
Refugee Law; International Criminal Law.
Tribunais internacionais; personalidade,
capacidade e responsabilidade internacionais; I. EXPANSÃO DA RESPONSABILIDADE
sujeitos do direito internacional; genocídio;
crimes contra a humanidade; Direito INTERNACIONAL
Internacional dos Direitos Humanos; A evolução do direito internacional
Direito Internacional Humanitário; Direito contemporâneo nas últimas décadas vem dando
Internacional dos Refugiados; Direito Penal mostras da expansão da personalidade jurídica
Internacional. internacional (abarcando os Estados, povos,
indivíduos e a humanidade como um todo), - à
ABSTRACT qual se junta a capacidade jurídica internacional,
The current era of international tribunals - assim como da responsabilidade internacional.
bears witness of the expansion of international No entanto, esta evolução histórica continua
em curso, buscando superar obstáculos ou

59
Antônio Augusto Cançado Trindade

vazios dogmáticos do passado. Com a expansão Convenção de 1948 está em conformidade com
já consolidada da responsabilidade jurídica os travaux préparatoires daquela Convenção,
internacional, nos últimos anos tem se advertido com o seu rationale, e com seu objeto e fim,
para dificuldades encontradas particularmente recaindo a proibição do genocídio no domínio
na expansão da responsabilidade internacional. do jus cogens (pars. 85-92). Os estudos sobre
A adjudicação das violações dos direitos o genocídio e o conhecimento acumulado nas
inerentes à pessoa humana tem consolidado as últimas décadas sobre a matéria têm revelado
obrigações dos Estados (no Direito Internacional que “o genocídio tem sido cometido na história
dos Direitos Humanos) de respeitar e fazer moderna na execução de políticas estatais” (pas.
respeitar tais direitos, com suas consequências 93). E acrescentei:
jurídicas (dever de prover reparações, em todas
Tentar tornar a aplicação da Convenção
suas formas, às vítimas)1.
contra o Genocídio aos Estados uma
As obrigações dos indivíduos passam tarefa impossível, deixaria a Convenção
a ser reconhecidas (e.g., no Direito Penal sem sentido, uma quase letra morta;
Internacional), mas as consequências do criaria ademais uma situação em que
descumprimento das obrigações internacionais determinados atos criminais odiosos
por parte dos distintos sujeitos do direito estatais, equivalendo a genocídio,
internacional vêm sendo tratados na doutrina ficariam impunes, – sobretudo por não
haver atualmente nenhuma Convenção
jurídica de modo insuficiente, e as respostas
internacional sobre Crimes contra a
judiciais têm sido insatisfatórias, e nem sempre Humanidade. O genocídio é efetivamente
adequadas2. Efetivamente, a determinação da um crime hediondo cometido sob a direção,
responsabilidade penal internacional do indivíduo ou cumplicidade complacente, do Estado e
e da responsabilidade internacional do Estado seu aparato4. A contrário do que presumiu
não se autoexcluem, mas se complementam, e de o Tribunal de Nuremberg em seu célebre
modo ainda mais cogente quando os indivíduos Julgamento (parte 22, p. 447), os Estados
perpetradores das atrocidades (atos de genocídio, não são “entidades abstratas”; tem estado
crimes contra a humanidade, violações graves concretamente engajados, juntamente com
perpetradores individuais (seus assim-
dos direitos humanos e do Direito Internacional
chamados “recursos humanos”, agindo
Humanitário) atuam como agentes do Estado
em seu nome), em atos de genocídio, em
ou executam políticas estatais criminais. Nestas momentos históricos e lugares distintos.
circunstancias, os Estados em questão são tão
responsáveis como os indivíduos perpetradores. Tanto os indivíduos como os Estados
têm, conjuntamente, sido responsáveis
Com esta ótica e neste propósito, pode-
por tais atos hediondos. Neste contexto,
se proceder a uma releitura da jurisprudência a responsabilidade do indivíduo e do
dos tribunais penais internacionais (ad hoc e Estado são complementares. Em suma, a
“mistos” ou “híbridos”3) contemporâneos. Há determinação da responsabilidade do Estado
nela elementos que nos permitem buscar e não pode de modo algum ser descartada na
identificar aproximações e convergências entre interpretação e aplicação da Convenção
o Direito Internacional dos Direitos Humanos contra o Genocídio. Ao adjudicar um caso
e o Direito Penal Internacional, levando à como o presente, relativo à Aplicação da
constatação da coexistência e complementaridade Convenção contra o Genocídio (Croácia
versus Sérvia), a CIJ deveria ter em mente
das mencionadas responsabilidades do Estado
a importância da Convenção como um
e do indivíduo, reveladoras da expansão da
relevante tratado de direitos humanos, com
responsabilidade internacional em nossos todas as suas implicações e consequências
tempos. Tais elementos se encontram, e.g., nas jurídicas. Deveria ter em mente a
relações entre os indivíduos integrantes da linha significação histórica da Convenção para a
de comando e a execução de políticas criminais humanidade (pars. 94-95).
do(s) Estado(s).
É altamente preocupante constatar que
Com efeito, em meu Voto Dissidente na
genocídios têm sido cometidos em todas as
recente Sentença da CIJ (de 03.02.2015) no caso
eras da história da humanidade. Como poderei
da Aplicação da Convenção contra o Genocídio,
em meu referido Voto Dissidente, dos tempos
ponderei que a determinação da responsabilidade
da Ilíada de Homero, das tragédias de Ésquilo
do Estado (a par da do indivíduo) sob a
e Sófocles e Eurípides, até os nossos dias, é

60
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado
impressionante constatar a extrema crueldade aos associados nas hostilidades militares - e nos
com que os seres humanos têm tratado seus crimes cometidos - no Kossovo em 1998-19999.
semelhantes, inflingindo-lhes o mal (pars. Até o presente (abril de 2015), o TPII
14-18, 265 e 487-489). Genocídios têm sido já condenou cinco indivíduos pelo crime de
cometidos em distintos continentes, desde a genocídio: R. Krstic, V. Popovic, L. Beara, D.
antiguidade até o presente. Nikolic e Z. Tolimir. Suas condenações10 se
Alguns exemplos da constatação e referem às execuções em massa de homens
reconhecimento judicial de sua ocorrência na e jovens bósnios muçulmanos (em idade de
atualidade podem aqui ser evocados, sem o combate), em Srebrenika, em julho de 1995.
propósito de ser exaustivo, mas tão só ilustrativo. Na condenação de R. Krstic, o TPII entendeu
A existência dos tribunais internacionais que sua atuação, como vice-comandante do
contemporâneos, torna mais factível esta Drina Corps do exército bósnio-sérvio (VRS), era
constatação, em distintos continentes, com imputável à Sérvia, por ser o VRS um órgão de
atenção voltada às já mencionadas coexistência facto da Sérvia (República Federal da Iugoslávia).
e complementaridade da responsabilidade Sua condenação (de 19.04.2004, Sala de
internacional do indivíduo e do Estado. Recursos) teve, assim, incidência na própria
responsabilidade do Estado. O TPII também
II. RESPONSABILIDADES DO INDIVÍDUO deu por estabelecida a existência de um plano,
E DO ESTADO: CONSTRUÇÃO da “liderança política e/ou militar do VRS”,
para “remover permanentemente a população
JURISPRUDENCIAL bósnia muçulmana de Srebrenika, uma vez
tomado o enclave”11. A execução em massa dos
1. Ocorrências no Continente Europeu bósnios muçulmanos em Srebrenika também foi
Assim, no tocante à devastação das guerras perpetrada consoante um “plano”12.
nos Bálcãs durante a década de noventa, já no Do mesmo modo, no caso V. Popovic, o
caso D. Tadic (Sentença de 15.07.1999, Sala TPII deu por estabelecido (1ª Sala, Sentença de
de Recursos), o Tribunal Penal Internacional 10.06.2010) que havia um plano “da liderança
ad hoc para a Ex-Iugoslávia (TPII) houve por política e militar bósnia-sérvia” de eliminar
bem estender seu exame do caso também à os homens e jovens (em idade de combate)
estrutura de poder e comando do exército sérvio de Srebrenika e Zepa, e de remover pela força
e das forças armadas da República Srpska (VJ/ a população muçulmana13, o TPII também
JNA e VRS), sob as ordens de Belgrado5. No determinou que os ataques subsequentes contra
caso M. Milutinovic, N. Sainovic, D. Ojdanic, a população civil em Srebrenika e Zepa foram
N. Pavkovic, V. Lazarevic e S. Lukic6 (Sentença perpetrados consoante a diretiva 7 (de março de
de 26.02.2009, 1ª. Sala), o TPII cotejou as 1995) do “Comando Supremo” (de R. Karadzic)14.
responsabilidades dos indivíduos na linha de Tais decisões vêm de ser mantidas pela Sala de
comando com as do Presidente S. Milosevic Recursos do TPII (Sentença de 30.01.2015), que
como “Comandante Supremo” do exército sérvio vem de condenar V. Popovic por genocídio.
(consoante as decisões do Conselho Supremo de Também no caso Z. Tolimir, o TPII (1ª.
Defesa – SDC), e com o papel e os poderes do Sala, Sentença de 12.12.2012) estatuiu que
SDC propriamente dito7. o massacre genocida de Srebrenika de 1995
No caso M. Martic (Sentença de seguiu um plano, que também previa a remoção
12.06.2007, 1ª. Sala), o TPII examinou, inter forçada da população por “órgãos militares e do
alia, a cooperação da liderança (incluindo M. Estado” da passagem de veículos de assistência
Martic) da República Srpska com a Sérvia, e humanitária15. Outros elementos se encontram
o apoio financeiro e logístico e militar desta na jurisprudência do TPII, em minha percepção
recebido8, e o “objetivo político” da liderança também vinculando a responsabilidade
sérvia sob a Presidência de R. Milosevic (pars. individual à do Estado, em condenações outras
329-338). E, no recente caso N. Sainovic, N. que por genocídio.
Pavkovic, V. Lazarevic e S. Lukic (Sentença de Assim, por exemplo, no caso M. Martic,
23.01.2014, Sala de Recursos) o TPII tomou - que organizava a “cooperação” (que existia
em conta as ordens do Presidente S. Milosevic desde o início de 1991) entre os bósnios-sérvios
e a Sérvia, - o TPII (1ª. Sala, Sentença de

61
Antônio Augusto Cançado Trindade

12.06.2007) determinou a estreita cooperação e a assistência militar prestada pelo exército


existente entre as lideranças da República Srpska sérvio (JNA) aos bósnios-sérvios, e os vínculos
na Bósnia-Herzegóvina e da Sérvia, com vistas estreitos entre eles (pars. 258-274 e 276, e cf.
a unir as áreas sérvias na Croácia e na Bósnia par. 282). Entendeu que os sucessivos crimes por
à Sérvia; determinou, ademais, o propósito eles cometidos os levariam a cometer também
criminal comum de S. Milosevic, R. Karadzic e genocídio de parte dos bósnios muçulmanos
R. Mladic de unificar tais territórios por meios como um grupo (par. 292). S. Milosevic tinha
criminosos16. Tais decisões foram mantidas conhecimento de tudo, e nada fez para impedir
pela Sala de Recursos do TPII (Sentença de ou evitar a ocorrência de genocídio em distintas
08.10.2008). localidades18, e punir seus perpetradores (par.
Pode-se ainda recordar, no tocante ao caso 309). Tais ocorrências demonstram, em minha
M. Mrksic, M. Radic e V. Sljivancanin (2007), percepção, de que não há aqui como dissociar a
- também conhecido como caso do Hospital responsabilidade individual da responsabilidade
de Vukovar, – que tanto M. Mrksic como V. do Estado.
Sljivancanin eram oficiais (responsáveis por Quase uma década antes, já em sua Decisão
crimes de guerra) do exército JNA, órgão de jure de 11.07.1996, o TPII (1ª Sala) determinou,
da República Socialista Federal da Iugoslávia, no caso R. Karadzic e R. Mladic, que os crimes
predecessora da República Federal da Iugoslávia contra membros de determinados segmentos da
e da Sérvia. A JNA engajou-se no ataque feroz população civil seguiam o mesmo padrão, eram
a Vukovar, e permitiu que paramilitares “planificados e organizados a nível estatal”,
(associados) torturassem e assassinassem tendo como “objetivo comum”, pela “limpeza
prisioneiros croatas detidos em Ovcara, em étnica”, de um novo Estado “etnicamente puro”
situação de extrema vulnerabilidade. Enfim, (par. 90). Tais atos constituíam crimes contra
os casos M. Milutinovic et allii (Sentença de a humanidade, cometido em escala ampla e de
26.02.2009) e N. Sainovic et alii (Sentença de modo sistemático (par. 91). Posteriormente as
23.01.2014) se referiam a um padrão vasto e acusações contra R. Karadzic e R. Mladic foram
sistemático de crimes cometidos em Kossovo (em ampliadas, de modo a abarcar atos de genocídio
1998-1999) contra civis kosovares-albaneses, (cf. supra). As responsabilidades dos indivíduos
sob instruções do Presidente S. Milosevic em e do Estado afiguram-se aqui inter-relacionadas.
Belgrado. Aqui, uma vez mais, seria inviável
tentar dissociar a responsabilidade penal 2. Ocorrências no Continente Africa-
individual da correspondente responsabilidade no
do Estado. Passando do continente europeu ao
No caso inacabado de S. Milosevic17, ex- continente africano, é de conhecimento geral que
Presidente da Sérvia, o TPII (1ª. Sala, Decisão coube ao Tribunal Penal Internacional ad hoc
de 16.06.2004) viu-se diante de acusações (em para Ruanda (TPIR) a primeira determinação
três seções) relativas a ocorrências na Croácia, judicial (1ª. Sala, Julgamento de 02.09.1998) a
Bósnia-Herzegóvina e Kossovo. O TPII, em sua qualificar as ocorrências em Ruanda em 1994
Decisão de 2004, concentrou-se sobretudo nas como genocídio contra os Tutsis, no caso de
acusações atinentes aos crimes perpetrados na J.-P. Akayesu, ex-prefeito da comuna de Taba.
Bósnia, e determinou a existência da intenção O extermínio dos Tutsis, como hoje se sabe,
genocida por parte da liderança bósnia-sérvia ocorreu por toda parte em Ruanda, inclusive
(R. Karadzic – par. 240). O Presidente sérvio S. em igrejas, hospitais e escolas, causando cerca
Milosevic era “o arquiteto da política de criar de 800 mil a um milhão de vítimas19. Tanto o
uma Grande-Sérvia”, e “pouco ocorria sem genocídio como crimes contra a humanidade
o seu conhecimento e envolvimento”, e sua foram perpetrados pelos hutus contra os
manipulação dos meios de comunicação sérvios tutsis, em ampla escala, e de modo continuado
para impor uma propaganda nacionalista (paras. e sistemático, inclusive “em zonas sob o
249 e 255, e cf. pars. 235-237). controle de forças governamentais”; entre os
Quanto à relação entre o Presidente S. perpetradores, estavam inclusive “membros da
Milosevic e as autoridades político-militares guarda presidencial”20.
bósnias-sérvias, o TPII assinalou a autoridade Houve abundância de provas no sentido de
e influência de S. Milosevic sobre R. Karadzic, que o genocídio e crimes contra a humanidade

62
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado
vitimando o grupo tutsi (em razão de sua Ruanda”, ficou claro que se podia - concluiu o
origem) foram perpetrados pelos hutus “de TPIR - inferir a intenção genocida, o cometimento
forma concertada, planificada, sistemática e do genocídio contra o grupo tutsi em Ruanda
metódica”21; as vítimas, em sua grande maioria, em 1994 (pars. 728 e 730). Agregou o TPIR (1ª.
eram não-combatentes, incluindo mulheres e Sala, Sentença de 02.09.1998) que os estupros e
crianças22. Foi o que determinou, uma vez criado, violência sexual que vitimaram as mulheres tutsi
o próprio TPIR, que reconheceu a necessidade constituíram genocídio (par. 731), e destacou o
de situar as ocorrências no contexto da própria extremo sofrimento por eles causado: observou o
história de Ruanda23. O envolvimento direto das TPIR que era este “um dos piores meios de causar
autoridades administrativas locais no genocídio dano” nas vítimas. E acrescentou o TPIR que os
em Ruanda foi demonstrado pelo TPIR no estupros e violência sexual eram cometidos tão
célebre caso J.-P. Akayesu, a cuja Sentença passo só contra as mulheres tutsi, tendo sido muitas
a seguir a dedicar atenção. delas sujeitadas às piores humilhações públicas,
Com efeito, na referida Sentença de mutiladas, e estupradas várias vezes, não raro
02.09.1998 no caso J.-P. Akayesu, o TPIR (1ª. em público (...) e por mais de um agressor.
Sala) demonstrou que o genocídio dos tutsis foi Tais estupros resultaram na destruição física e
organizado e planejado pelas próprias autoridades psicológica das mulheres tutsi, de suas famílias
públicas, pelos membros da RAF (facção em e suas comunidades. A violência sexual era parte
conflito com a RPF) e pelas forças políticas que integrante do processo de destruição, alvejando
sustentavam o poder dos hutus. Os prefeitos das especificamente as mulheres tutsi e contribuindo
comunas (como J.-P. Akayesu) tinham grande em particular a sua destruição e à destruição do
poder local, que normalmente obedeciam suas grupo tutsi como um todo (par. 731).
ordens (pars. 74 e 77), ainda que excedessem Pode-se aqui constatar, com clareza, o
seus poderes (como, e.g., a de mandar prender engajamento da responsabilidade penal do
rivais ou oponentes políticos - par. 76). O indivíduo (J.-P. Akayesu), assim como da
TPIR encontrou explicação para as ocorrências responsabilidade do Estado, pelas ocorrências
de 1994 - os massacres dos tutsis - na própria que conformaram o genocídio em Ruanda
história de Ruanda (pars. 78-129). O genocídio, em 1994. A condenação de J.-P. Akayesu por
- afirmou o TPIR, - foi cometido em Ruanda genocídio foi em seguida confirmada pelo TPIR
em 1994 contra os tutsis como um grupo (em (Sala de Recursos, Sentença de 01.06.2001 - par.
razão de sua origem e não por estarem engajados 143). A este caso somam-se outros, igualmente
no conflito24); “meticulosamente organizado”, revelando, em minha percepção, a coexistência
teve os próprios “massacres centralmente e complementaridade da responsabilidade penal
organizados e supervisionados”, e foi instigado internacional individual e a responsabilidade
pelos meios de comunicação (para. 126). internacional do Estado.
Os Tutsis, em sua maioria, - agregou o TPIR, Em outro caso, o de Jean Kambanda, o
eram não-combatentes, inclusive “milhares TPIR (Sentença de 04.09.1998) viu-se di ante
de mulheres e crianças” indefesas (par. 128). das confissões do próprio ex-Primeiro Ministro
Houve “atrocidades irrefutáveis” cometidas em de Rwanda (J. Kambanda) de sucessivos crimes
Ruanda, e particularmente na comuna de Taba cometidos, inclusive de genocídio, durante os
(par. 129). O prefeito de Taba, J.-P. Akayesu, ataques vastos e sistemáticos contra a população
não só tinham conhecimento destas atrocidades, civil tutsi, vitimando inclusive mulheres e
como as testemunhou e até mesmo incitou crianças, que buscavam refúgio em lugares como
publicamente e ordenou as vastas matanças as prefeituras, igrejas, escolas e estádios (pars. 39
(com o uso de machetes lá ocorridas), inclusive e 39(i)). Esta política de extermínio era controlada
de refugiados e professores, massacrados por pelo governo, e o próprio Primeiro Ministro J.
serem tutsis (pars. 313-314, 641-642, 361, Kambanda confessou ter exercido sua autoridade
707, 709, 716, 718 e 729). A Interahamwe de jure e de facto sobre os funcionários públicos
assassinou numerosos anciãos, mulheres e e militares perpetradores dos crimes (par. 39(ii)).
crianças (par. 355); numerosas mulheres Tutsis Participou J. Kambanda de reuniões com
foram sistematicamente estupradas (par. 706). prefeitos de planejamento dos massacres, e
De todas estas ocorrências, “não só na demitiu o prefeito de Butare por ter se oposto
comuna de Taba”, mas generalizada “em toda aos mesmos, designando um novo prefeito para

63
Antônio Augusto Cançado Trindade

assegurar os massacres também na comuna de Sala, Sentença de 03.12.2003, par. 951), que
Butare (par. 39(iii)). O Primeiro-Ministro emitiu ademais afirmou que as emissões conclamavam
em que apoiou e encorajou os Interahamwe ao extermínio do “grupo étnico tutsi”, tido como
na perpetração dos assassinatos em massa “inimigo” (par. 949).
dos segmentos populacionais tutsi, e assumiu Formou-se uma “ideologia política” de
responsabilidade por suas ações (par. 39(v)). ódio (par. 951), incitando ao uso de machetes
Estimulou as alas jovens treinadas pela RAF para exterminar os tutsis (par. 950). Um
(Forças Armadas de Ruanda) a participar nos dos três condenados, J.-B. Barayagwiza, era
massacres, e determinou a distribuição de armas inclusive Diretor de Assuntos Políticos do
e munições (par. 39(iv) e (xi)). Ministério das Relações Exteriores de Ruanda
O Primeiro Ministro J. Kambanda (par. 6) e líder do partido político CDR no poder
confessou ademais ter feito uso dos meios de (par. 976), e participou - agregou o TPIR - na
comunicação para incitar a população a cometer própria organização do extermínio dos tutsis
os massacres dos tutsis, tendo apoiado, neste (par. 1067). Posteriormente, o TPIR (Sala de
propósito, a Radio-Télévision Libre des Mille Recursos, Sentença de 28.11.2007) confirmou
Collines (RTLM) para que continuasse a instigar sua condenação, por ter planificado, incitado
as atrocidades, e declarado que considerava a e dirigido os atos de violência dos militantes
RTLM “uma arma indispensável na luta contra do partido CDR e dos Impuzamugambi
o inimigo” (par. 39(vii)). Visitou as prefeituras no extermínio dos tutsis, inclusive com o
de várias comunas (e.g., as de Butare, Gitarama, fornecimento de armas (pars. 882-883, 886 e
Gikongoro, Gisenyi e Kibuye), encorajando 959-960).
os prefeitos e a população a cometer mais Além da jurisprudência do TIPR acima
massacres (par. 39(viii)). Fez o mesmo em assinalada, um estudo recente da matéria
discursos em reuniões públicas em várias partes também detecta a participação de agentes
de Ruanda (par. 39(x)). Confessou ademais ter do Estado, e de milícias sob seu controle, no
testemunhado pessoalmente os massacres dos genocídio em Ruanda, na execução da “política
tutsis (par. 39(xii)). governamental genocida” de exterminar
Ao tomar nota das confissões do ex- os tutsis25. O próprio TPIR constatou a
Primeiro Ministro J. Kambanda, o TPIR (1ª. Sala, participação de oficiais públicos no extermínio,
Sentença de 04.09.1998) aceitou-as, e deu por e.g., também nos casos Kayishema e Ruzindana
estabelecido que ele cometeu genocídio e crimes (Sentença de 21.05.1999) e Musema (Sentença
contra a humanidade (par. 40(1)-(5)). Dois anos de 27.01.2000), sobre as ocorrências na comuna
depois, na Sentença 10.10.2000, o TPIR (Sala de Bisesero e Kibuye26. Aqui, novamente, se
de Recursos) confirmou a determinação da 1ª. configuram conjuntamente, a meu ver, tanto
Sala, da perpetração de genocídio e crimes contra a responsabilidade penal individual como a
a humanidade no caso de Jean Kambanda. No responsabilidade do Estado.
cas d´espèce, resulta claríssima, em minha A par das referidas decisões do TPIR,
percepção, a interrelação entre a responsabilidade também relatos de sobreviventes e testemunhas
penal internacional do ex-Primeiro Ministro de das trágicas ocorrências em Ruanda em
Ruanda e a responsabilidade internacional do 1994 deram conta de que o genocídio foi
Estado. detalhadamente preparado por muito tempo,
No caso conhecido como dos Meios de envolvendo os governantes e suas milícias27.
Comunicação (caso de F. Nahimana, J.-B. Houve incitação, a exemplo das emissões da
Barayagwiza e H. Ngeze), o TPIR condenou os Radio-Télévision Libre des Mille Collines,
três indiciados por genocídio, pelo papel que instigando à violência extrema28. Os numerosos
exerceram no controle dos meios de comunicação massacres contra os Tutsis deixaram um quadro
em Ruanda (RTLM e Kangura), nas emissões da mais completa devastação, com milhares de
de incitamento ao ódio étnico e extermínio cadáveres empilhados nas ruas das comunas ou
dos segmentos tutsis da população. Segundo o boiando nos rios e lagos29.
TPIR, o governo de Ruanda não impediu que os Outro tribunal penal internacional a dar
meios de comunicação - em particular a RTLM sua contribuição à matéria em apreço tem sido
- transmitissem mensagens incitando aos atos a Corte Especial de Serra Leoa (CESL - tribunal
de genocídio. Foi o que determinou o TPIR (1ª. “internacionalizado” ou “híbrido” ou “misto”),

64
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado
no caso Charles Taylor (2013), primeiro ex-Chefe o sofrimento infligido à população de Serra Leoa
de Estado (desde o Tribunal de Nuremberg) a (par. 679), e, além de causarem tanto dano às
ser julgado e condenado por crimes de guerra e vítimas e seus familiares imediatos, alimentaram
crimes contra a humanidade. Como Presidente um conflito que tornou-se uma ameaça à paz
da Libéria, seus atos eram imputáveis ao Estado; e segurança internacionais na sub-região do
com efeito, fez ele uso de sua posição, do aparato sudoeste da África (par. 683). Ainda que a CESL
estatal e dos recursos público, para encorajar tivesse se concentrado na responsabilidade
e dar assistência ao cometimento dos crimes penal internacional do Presidente Ch. Taylor,
contra a população civil de Serra Leoa, como abstendo-se de caracterizar a ação estatal como
determinou a CESL. “criminal”, deixando esta tarefa a cargo de
Com efeito, em sua Sentença de 18.05.2012, outros tribunais internacionais com “autoridade
a CESL (1ª. Sala) constatou uma política e sobre os Estados” e encarregados de “interpretar
estratégia (da RUF/AFRC) de campanha de o direito da responsabilidade do Estado” (par.
terror para a perpetração dos crimes, em ampla 456), a correlação entre uma e outra ficou clara
escala, contra a população civil de Serra Leoa (cf. supra).
(pars. 6905 e 6911). Envolvia ela a provisão de A CESL (Sala de Recursos) observou,
armas e pessoal militar para a perpetração das ademais, que os Estados têm contraído
atrocidades30, - que incluíram assassinatos, “obrigações para impedir e punir indivíduos
estupros e escravidão sexual, raptos, trabalho por violações graves do Direito Internacional
forçado, amputações, recrutamento de crianças- Humanitário mediante tratados que têm se
soldados (par. 6905). Nos pontos resolutivos, tornado direito consuetudinário estabelecendo
a CESL concluiu pela perpetração dos crimes a responsabilidade penal individual por tais
contra a humanidade de assassinatos em massa, violações” (par. 457). Recordou que os próprios
estupros e escravidão sexual (par. 6994). Estados têm criado tribunais internacionais
Na Sentença seguinte, de 30.05.2012, a “para punir crimes de guerra, crimes contra a
CESL se concentrou nos “fatores agravantes”, a humanidade e genocídio” (par. 463); ela própria (a
saber: o fato de terem sido os crimes cometidos Sala de Recursos da CESL) se via obrigada a aplicar
em igrejas, mesquitas, escolas e hospitais; de também o “direito internacional consuetudinário
terem sido cometidos de modo extraterritorial, existente” sobre a matéria (par. 464). Ainda que
no país vizinho Serra Leoa pelo então Presidente um tribunal internacional - como a CESL - se
da Libéria; de serem as vítimas pessoas inocentes concentre na determinação da responsabilidade
(pars. 26-29 e 95-96). Acrescentou a CESL que penal internacional do indivíduo, deixando a
o então Presidente Ch. Taylor era também determinação da responsabilidade internacional
membro do Comitê dos Cinco (em seguida dos do Estado a outro tribunal internacional (dotado
Seis) do ECOWAS, que integrava o processo pelo de jurisdição para isto), as circunstâncias das
qual a comunidade internacional buscava trazer ocorrências na devastação em Serra Leoa (supra)
a paz à Serra Leoa. Ao invés de contribuir ao deixam clara a impossibilidade de dissociar uma
mesmo, traiu-o, ao apoiar as operações militares responsabilidade da outra.
criminosas de destruição (incorrendo em um Reconhece-se hoje que uma significativa
“betrayal of public trust”), o que constituiu contribuição da jurisprudência da CESL reside
“um fator agravante de muito peso” (pars. em sua adjudicação de casos de recrutamento de
97-99 e 102-103). Ademais, valeu-se o então crianças-soldados (menores de 15 anos), usadas
Presidente da Libéria da campanha de terror, da para participar ativamente nas hostilidades32.
devastação e do sofrimento infligido à população Pela primeira vez, foi tal crime processado por
de Serra Leoa para obter lucros financeiros no um tribunal penal internacional, a CESL (caso
suprimento de diamantes do país vizinho, outro S. Hinga Norman, Decisão de 31.05.2004),
“fator agravante” (pars. 98-99). em uma contribuição ao Direito Internacional
Enfim, na Sentença condenatória de Humanitário33. Assinalou a CESL a proibição
26.09.2013, a CESL (Sala de Recursos) reiterou de direito internacional consuetudinário desse
estes pontos31, e acrescentou que, embora Ch. recrutamento forçado de crianças-soldados (que
Taylor, então Presidente da Libéria, “nunca já existia bem antes do desenrolar das ocorrências
estivesse fisicamente presente em Serra Leoa”, em meados de 1996), aplicável não só às forças
suas ações em escala extraterritorial prolongaram armadas, mas também a atores não-estatais34.

65
Antônio Augusto Cançado Trindade

3. Ocorrências no Continente Ameri- “autores intelectuais ou materiais” dos “atos de


genocídio” como a “responsabilidade do Estado”,
cano por serem tais crimes, em sua maioria, - na
Passando do continente africano ao expressão da CEH, - “producto de una política
continente americano, em meus Votos preestablecida por un comando superior a sus
Individuais na Corte Interamericana de Direitos autores materiales” (par. 5)
Humanos (CtIADH), a partir do caso Myrna Ponderei, a seguir, que, o fato de a CtIADH
Mack Chang versus Guatemala (Sentença de carecer de jurisdição para se pronunciar sobre
18.09.2003), passei a examinar o que denominei “atos de genocídio” sob a Convenção Americana
de “complementaridade entre a responsabilidade sobre Direitos Humanos, não eximia o Estado
internacional dos Estados e a responsabilidade demandado de sua responsabilidade pelas
penal internacional dos indivíduos”, tal ocorrências (pars. 7-8). Depois de debruçar-me
como consta em meu Voto Arrazoado sobre a responsabilidade internacional agravada
naquele caso (pars. 14-20). Observei que era (pars. 24-28) e o princípio de humanidade
próprio da evolução do direito internacional (pars. 9-23), retomei a questão da existência
contemporâneo, fortalecendo-o (a exemplo da dos crimes de Estado (pars. 34-36) e da
adoção do Estatuto do TPI), a criminalização coexistência da responsabilidade internacional
das violações graves dos direitos humanos e do do Estado e do indivíduo. Sobre tal coexistência
Direito Internacional Humanitário; com isto, a e complementaridade, ponderei o seguinte:
comunidade internacional se insurgia contra a
Não me parece haver impedimento jurídico
impunidade (pars. 14-17 e 35-40). Não há como
algum para a determinação concomitante
tentar eludir o crime de Estado, a consciência
da responsabilidade internacional do
jurídica universal despertou enfim para isto (pars.
Estado e a responsabilidade penal dos
25-32). Aqui se configura a responsabilidade indivíduos nos termos anteriormente
internacional agravada, - agreguei, - com todas assinalados (par. 25, supra), no tocante
as consequências jurídicas para as reparações à Convenção Americana, revelando
(pars. 41-55). a interação entre os ordenamentos
Logo depois, em meu Voto Arrazoado no jurídicos internacional e nacional, no
caso do Massacre de Plan de Sánchez versus presente domínio de proteção dos direitos
Guatemala (Sentença de 29.04.2004), permiti- humanos. (...) No plano estritamente
me recordar que o próprio Relatório final da internacional, subsiste, não obstante, um
Comissão de Esclarecimento Histórico (CEH) da desenvolvimento insuficiente da matéria,
Guatemala registrou 626 massacres cometidos refletido na atitude persistente de tratar a
pelas forças do Estado (exército apoiado por responsabilidade internacional do Estado
paramilitares) durante os ataques armados; 95% e a responsabilidade penal dos indivíduos
dos massacres foram perpetrados, com extrema de forma separada e compartimentalizada.
crueldade, entre 1978 e 1984, e 90% em áreas Na atual etapa de desenvolvimento
habitadas sobretudo pelo povo maia. O massacre insuficiente da matéria, os tribunais
de Plan de Sánchez foi um deles, situado na internacionais de direitos humanos (as
“estratégia estatal destinada a destruir um grupo Cortes Europeia e Interamericana, e
étnico” (pars. 2-4). futuramente a Africana) se concentram na
primeira (a responsabilidade internacional
Em seu referido Relatório intitulado do Estado), ao passo que os tribunais
Guatemala - Memoria del Silencio, - acrescentei, penais internacionais ad hoc (para a Ex-
- a CEH se referiu à ocorrência de violações Iugoslávia e para Ruanda) e o Tribunal Penal
graves de direitos humanos, de “atos de Internacional (TPI) voltam-se à segunda
genocídio” contra membros dos povos maia- (a responsabilidade penal internacional
ixil, maia-achi, maia-k´iche´, maia-chuj e dos indivíduos). Mas a responsabilidade
internacional do Estado e a do indivíduo são
maia-q´anjob´al. No entender da CEH, os
complementares. A Convenção Americana
vitimados de tais atos de genocídio foram sobre Direitos Humanos, ao concentrar-
sobretudo os membros “mais vulneráveis” das se na responsabilidade internacional do
comunidades maias (especialmente crianças Estado por violações dos direitos por ela
e idosos), e tais atrocidades comprometiam protegidos, não se exime, no entanto, de
tanto a responsabilidade individual de los assinalar - em seu nem sempre recordado

66
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado
artigo 32(1)35 - que `toda pessoa tem tão só ao primeiro dos elementos assinalados,
deveres para com a família, a comunidade de relevância a uma abordagem da referida
e a humanidade´. complementaridade.
A reação às violações graves e sistemáticas Tal elemento reside na condição jurídica
dos direitos humanos e do Direito do indivíduo como “sujeito tanto ativo (Direito
Internacional Humanitário constitui em Internacional dos Direitos Humanos) como
nossos dias uma legítima preocupação passivo (Direito Penal Internacional) do Direito
da comunidade internacional como um Internacional, ou seja, como titular de direitos e
todo; tal reação se impõe com ainda maior
portador de obrigações que emanan diretamente
força quando as vítimas são vulneráveis
do Direito Internacional. A condição do indivíduo
e indefesas (como no presente caso do
Massacre de Plan de Sánchez), e a estrutura como tal representa, como tenho assinalado
do poder público encontra-se deformada em numerosos escritos, o legado mais precioso
e posta a serviço da repressão e não da da ciência jurídica a partir de meados do século
busca do bem comum. A responsabilidade XX38” (par. 35). Em relação ao TPII e ao TPIR, -
penal internacional do indivíduo, em meu agreguei, - o Tribunal Penal Internacional (TPI)
entendimento, não exime a do Estado; as permanente “representa um avanço no tocante em
duas coexistem, sendo este reconhecimento particular à presença e participação das vítimas no
de crucial importância para a erradicação curso de seu procedimento”39 (par. 36), por ser
da impunidade. Tanto o Estado como seus
agentes são destinatários diretos de normas um significativo ponto de confluência
do direito internacional contemporâneo; entre o Direito Penal Internacional
a conduta de ambos é prevista e regida contemporâneo e o Direito Internacional
por este último, devendo, pois, tanto o dos Direitos Humanos. Já não se trata
Estado como seus agentes responder pelas de uma justiça tão só punitiva ou
consequências de seus atos e omissões sancionatória, mas, ademais, também
(pars. 37-39)36. reparatória (Estatuto de Roma, artigo 75),
e prevendo distintas formas e modalidades
Posteriormente, em meu Voto Arrazoado no de reparação (Regulamento do TPI, regra
caso Goiburú e Outros versus Paraguai (Sentença 98), tanto individuais como coletivas. Em
de 22.09.2006), atinente às atrocidades da nada surpreende que, em seus primeiros
chamada “Operação Condor” no Cone Sul da pronunciamentos, - no caso Th. Lubanga
América Latina37, voltei a examinar os “elementos Dyilo e a investigação da situação na
para uma aproximação à complementaridade República Democrática do Congo40, -
entre o Direito Internacional dos Direitos tenha o TPI feito referência expressa à rica
jurisprudência da Corte Interamericana41.
Humanos e o Direito Penal Internacional” (pars.
O Direito Internacional dos Direitos
34-53), destacando cinco elementos, a saber: a) a Humanos e o Direito Penal Internacional
personalidade jurídica internacional do indivíduo; contemporâneo podem aqui se reforçar
b) a complementaridade entre a responsabilidade mutuamente, em benefício último dos
internacional do Estado e a do indivíduo; seres humanos.
c) a conceituação dos crimes contra a humanidade;
d) a prevenção e a garantia de não-repetição; e e) A consolidação da personalidade penal
internacional dos indivíduos, como sujeitos
a justiça reparatória na confluência do Direito
ativos assim como passivos do direito
Internacional dos Direitos Humanos e do Direito internacional, fortalece a responsabilidade
Penal Internacional. (accountability) no Direito Internacional
Observei que “os crimes contra a por abusos perpetrados contra os seres
humanidade situam-se na confluência entre humanos. Desse modo, os indivíduos
o Direito Penal Internacional e o Direito também são portadores de deveres sob
Internacional dos Direitos Humanos”, e expus o Direito Internacional, o que reflete a
consolidação de sua personalidade jurídica
minhas razões (pars. 42, e cf. pars. 39-43). E
internacional42. Desenvolvimentos na
insisti nas aproximações entre estes dois ramos
personalidade jurídica internacional e na
do direito de proteção, e na complementaridade responsabilidade internacional se dão pari
entre a responsabilidade internacional do Estado passu, e toda esta evolução dá testemunho
e a responsabilidade penal internacional do da formação da opinio juris communis no
indivíduo (par. 39). Para os propósitos das sentido de que a gravidade de determinadas
presentes reflexões, limito-me a referir-me violações dos direitos fundamentais da

67
Antônio Augusto Cançado Trindade

pessoa humana afeta diretamente valores importava com as condições infra-humanas de


básicos compartilhados pela comunidade vida da população, em uma afronta à dignidade
internacional como um todo43 (pars. 37-38). humana; recorria sem escrúpulos ao uso da força,
em uma campanha de terror de perseguições “de
4. Ocorrências no Continente Asiático base política” (par. 805).
Passando, enfim, ao continente asiático, A CECC agregou que Nuon Chea participou,
no tocante à jurisprudência da Câmara Especial na cúpula do Partido único, desde o início, da
nas Cortes do Camboja (CECC - Corte Especial formulação da política de deslocamento forçado
do Camboja), o caso de Nuon Chea e Khieu da população seguido de crimes, para evacuar
Samphan ilustra o papel exercido por altas as áreas urbanas e “coletivizar” as “zonas
autoridades públicas nas atrocidades cometidas liberadas” (pars. 842-843). Segundo esta política
pelo regime de Pol Pot no Camboja (1975-1979). estatal, os “traidores” seriam “liquidados” (pars.
Nuon Chea exerceu vários cargos públicos, 844-846). Na cúpula do Partido único (CPK),
inclusive como Ministro da Propaganda e Nuon Chea conduziu “sessões de doutrinação”
Informação, dentre outras funções na alta para a execução dos crimes (pars. 853-854). A
hierarquia do regime do Partido Comunista do CECC condenou, então, Nuon Chea, por crimes
Kampuchea (CPK). Assim o assinalou a CECC, contra a humanidade (pars. 877-878, 883, 887,
em sua recente Sentença (de 07.08.2014 - par. 904 e 906-907), “cometidos na execução das
9); também Khieu Samphan exerceu funções e instruções do Partido” (par. 888), e acrescentou
posições distintas - como, e.g., Presidente do que
Presídio Estatal - no regime do CPK (par. 10). Nuon Chea, juntamente com Pol Pot,
Os líderes do CPK - prosseguiu a CECC - exerceram o poder decisório último do
deslocaram à força as populações, de cidades e Partido, e usaram a autoridade de jure e
vilas a áreas rurais, e procederam à “reeducação” de facto para instruir as tropas e soldados
dos “maus elementos” e à eliminação dos do Khmer Rouge de menor hierarquia a
cometer crimes de assassinato, extermínio,
“inimigos”, tendo em sua mira determinados
perseguição política e outros atos
grupos, como os cham, os vietnamitas, os desumanos de deslocamento forçado e
budistas e os oficiais do ancien régime (par. 102). ataques contra a dignidade humana (par.
Os crimes cometidos, em grande escala e de modo 884, e cf. par. 887).
sistemático, contra a população civil cambojana,
incluíram assassinatos, deslocamento forçado, A CECC, em seguida, determinou que
extermínio, desaparecimentos forçados de Khieu Samphan também planejou e cometeu
pessoas, perseguição política. Tais atrocidades crimes contra a humanidade (pars. 996-997).
vitimaram centenas de milhares de civis em Tanto Nuon Chea como Khieu Samphan
todo o Camboja, e geraram fluxos maciços de estavam plenamente cientes das políticas que
refugiados nos países vizinhos (pars. 193, 546- resultariam na ampla escala de tais crimes, em
547 e 553-554). meio à doutrinação para eliminar os “inimigos”
As atrocidades foram perpetradas na do regime do Khmer Rouge (pars. 1040-1041).
execução de um plano de políticas estatais, Neste caso de Nuon Chea e Khieu Samphan,
impostas pelo Partido único (CPK - pars. 193 a responsabilidade penal de ambos afigura-se
e 195). À violenta evacuação da população, de relacionada à responsabilidade estatal.
Phnom Penh e outras cidades, seguiram-se os Já há cerca de uma década, ao concluir a
crimes mencionados44. Ademais, numerosas investigação no caso de Nuon Chea e Khieu
vítimas - além das assassinadas - morreram Samphan, a CECC identificou (Ordonnance
nas estradas, de enfermidades, de falta de água de 15.09.2010) a existência de um plano da
e alimentos, de falta de assistência médica e liderança do CPK, posto em prática, de extermínio
higiene (pars. 556, 558 e 560). A CECC estatuiu - com actus reus e mens rea de genocídio - dos
que os oficiais e soldados do Khmer Rouge integrantes dos grupos cham (um grupo étnico
cometeram crimes contra a humanidade (par. e religioso) e vietnamita (pars. 1336 e 1343).
643), em seu afã de implementar sua “revolução Numerosas vítimas foram exterminadas em
socialista” no Camboja (pars. 777-778 e 804). ampla escala, de forma deliberada e sistemática,
Tratava-se - acrescentou a CECC - de “políticas por pertencerem a tais grupos (pars. 1337-1340
criminais” do regime do CPK, que não se e 1344-1347).

68
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado
Assim, a par do extermínio dos e supervisão do pessoal na tortura e execução
cambojanos “inimigos” do regime do Khmer sistemáticas de prisioneiros” (par. 377). No
Rouge, este último buscou, em relação aos entender da CECC, tal crueldade “situa este
integrantes do grupo cham, destruir também caso entre os mais graves diante dos tribunais
sua cultura, tradições e idioma, destruí-los penais internacionais” (par. 376). Neste caso
por completo (pars. 1341-1342). E, no tocante do Camarada Duch, uma vez mais, afiguram-
aos vietnamitas, o regime de Pol Pot buscou se inter-relacionadas a responsabilidade penal
destrui-los também pela propaganda (do CPK) individual e a responsabilidade estatal.
de guerra anti-vietnamita, a incitação ao ódio,
a perseguição e a escalada de deportações, além III. COMPLEMENTARIDADE DA RESPON-
dos assassinatos em massa (pars. 1348-1349). SABILIDADE INTERNACIONAL DO
Tratava-se de políticas estatais, relacionadas
com a responsabilidade penal dos indivíduos em INDIVÍDUO E DO ESTADO
questão (nos altos escalões da liderança do CPK). Não obstante a contribuição da construção
No caso de Kaing Guek Eav (Camarada jurisprudencial em curso sobre a matéria
Duch), Diretor do sinistro Centro de Detenção (supra), o tratamento da questão central da
S-21 (e áreas em seus arredores), a CECC complementaridade da responsabilidade
determinou (Sentença de 26.07.2010) sua internacional do indivíduo e do Estado
responsabilidade pelo estabelecimento do por parte da doutrina jusinternacionalista
mesmo com uma “função criminal”, e pela permanece insuficiente, se não insatisfatório.
prática (no período de 1975-1979) de extrair Consideravelmente maior atenção deveria ter
confissões, mediante interrogatório e tortura, já sido dispensada à questão. Parte da doutrina
seguidos de trabalho forçado e execuções, dos mostra-se disposta a buscar uma aproximação
que se suspeitava serem “inimigos” do regime do entre as responsabilidades individual e do
CPK (pars. 23-24, 111, 514 e 520-521). Muitos Estado, mas experimenta dificuldades por não
detidos, quando não executados, morriam de conseguir desvencilhar-se da visão estatocêntrica
enfermidades, falta de nutrição e “dor física e - atada a dogmas do passado - do ordenamento
psicológica, em meio ao “medo extremo” (par. jurídico internacional45. Ainda assim, diante
597). Comentou a CECC que se utilizavam de circunstancias agravantes, logra estabelecer
“políticas stalinistas” (par. 110). aquela aproximação entre a responsabilidade
Os ataques contra a população cambojana, penal do indivíduo e a responsabilidade estatal
- agregou a CECC, - ocorreram paralelamente ao agravada46.
conflito armado entre o Camboja e o Vietnã, e o Outra corrente doutrinária admite as
CPK atacou seus próprios nacionais, tidos como responsabilidades concomitantes to Estado e
“inimigos” do regime do Khmer Rouge; os que do indivíduo por crimes de guerra ou crimes
terminavam detidos na prisão S-21 provinham contra a paz (atinentes - segundo ela - às relações
de “todas as partes do país e de todos os setores da interestatais), mas se mostra inteiramente
sociedade cambojana” (pars. 322-323). A CECC hesitante em admiti-las conjuntamente em
afirmou ser o Camarada Duch “criminalmente relação a atos de genocídio, dada a suposta
responsável dos crimes “de caráter hediondo e impossibilidade de um Estado de se tornar
particularmente chocante” de tortura e execução responsável penalmente47, distintamente de
(nas cercanias de Phnom Pehn) de mais de um indivíduo. As duas responsabilidades, -
12,200 vítimas (par. 597). prossegue ela, - são de natureza diferente; em
Na Sentença subsequente (de 03.02.2012), casos “excepcionais”, pode-se admitir que um
a CECC (Sala de Recursos) confirmou as mesmo ato ilícito possa dar origem às duas
condenações (pars. 1-2, 376) por crimes contra responsabilidades, a do Estado e a do indivíduo
a humanidade (par. 7). Agregou a CECC que (atuando como agente estatal)48.
constituíam “fatores agravantes” as “condições Em minha percepção, a incongruência
deploráveis” em que se encontravam os desta corrente doutrinária resulta sobretudo de
detidos antes das execuções (pars. 375-376), seu enfoque estritamente interestatal, ainda que
e o fato de que o Camarada Duch valeu-se se trate de uma convenção como a Convenção
de sua posição central de liderança na prisão contra o Genocídio de 1948. Não pode esta
S-21 para “abusar” no “treinamento, ordens ser adequadamente abordada com as atenções

69
Antônio Augusto Cançado Trindade

voltadas às susceptibilidades interestatais. para executar suas políticas criminais49. As


A referida Convenção se orienta aos seres responsabilidades dos indivíduos e do Estado
humanos, aos grupos humanos vitimados, encontram-se comprometidas, e a determinação
real ou potencialmente. No decorrer de dois da responsabilidade do Estado é particularmente
procedimentos prolongados dos dois casos importante para assegurar as reparações
perante a CIJ atinentes à Convenção contra o adequadas às vítimas.
Genocídio (Bósnia-Herzegóvina versus Sérvia, A evolução neste sentido (ainda que
2007; e Croácia versus Sérvia, 2015), a CIJ, a responsabilidade estatal seja tida como
superando hesitações, entendeu que a referida “civil”) vem sendo reforçada pelo advento das
Convenção se estende também à determinação proibições absolutas do jus cogens50. Cabe
da responsabilidade estatal.
ademais ter em mente que as Convenções de
Em meu Voto Dissidente na recente Direito Internacional Humanitário - que são
Sentença da CIJ de 03.02.2015 no caso da também direito internacional consuetudinário
Aplicação da Convenção contra o Genocídio - devem ser cumpridas em todas e quaisquer
(Croácia versus Sérvia), sustentei que a circunstancias, em benefício de todas as
determinação da responsabilidade do Estado pessoas protegidas. O foco encontra-se na
não só foi o que buscaram os redatores daquela pessoa humana, e não nos Estados em suas
Convenção (como seus travaux préparatoires relações recíprocas. Efetivamente não se trata de
revelam), mas está também em linha com seu normas reduzidas à reciprocidade das relações
rationale, assim como seu objeto e fim (pars. interestatais, mas de normas imperativas de
85-95). A Convenção contra o Genocídio visa salvaguarda da integridade da pessoa humana,
prevenir e sancionar o crime de genocídio, - que
que recaem no domínio das responsabilidades
é contrário ao espírito e propósitos das Nações
tanto dos Estados como dos indivíduos51.
Unidas, - de modo a liberar a humanidade desse
flagelo. Adverti que tentar tornar a aplicação O próprio Direito Internacional
da referida Convenção uma tarefa impossível Humanitário transcendeu a obsoleta visão
a tornaria sem sentido, uma quase letra morta interestatal, e dela se liberou, ao dar maior ênfase
(par. 94). - à luz do princípio de humanidade - às pessoas
protegidas e à responsabilidade pela violação de
A própria Carta das Nações Unidas, - recordei,
seus direitos. As pessoas protegidas não são um
- professa a determinação de assegurar o respeito
simples objeto de regulamentação, mas sujeitos
aos direitos humanos em toda parte; o princípio
de humanidade, - na linha do secular pensamento do direito internacional52. É o que se depreende
jusnaturalista (recta ratio), - permeia desse modo claramente do fato de as quatro Convenções
o Direito das Nações Unidas (pars. 73-76). de Genebra de 1949 proibirem firmemente os
Ademais, - agreguei, - o princípio de humanidade Estados Partes derrogações - por acordos especiais
tem angariado reconhecimento judicial, por - das regras nelas enunciadas, e em particular
parte tanto dos tribunais internacionais de restringir os direitos das pessoas protegidas nelas
direitos humanos como dos tribunais penais consagrados53. Com efeito, o impacto das normas
internacionais (pars. 77-82). As violações graves do Direito Internacional dos Direitos Humanos
dos direitos humanos e os atos de genocídio, entre vem, já por longo tempo, tendo repercussões no
outras atrocidades, violam as proibições absolutas corpus juris e aplicação do Direito Internacional
do jus cogens (par. 83). Humanitário54.
Outra corrente doutrinária, mais esclarecida Ainda sobre a complementaridade da
que a anteriormente mencionada, recorda de responsabilidade internacional do indivíduo
início que a própria conceituação dos crimes e do Estado, cabe manter em mente que os
internacionais decorre de evolução do direito Estados cometem crimes por meio de indivíduos
internacional geral ou costumeiro, e não mais se (não apenas seus agentes em todos os níveis
pode negligenciar o fato de que tanto indivíduos hierárquicos, mas inclusive mercenários
como Estados podem ter sua responsabilidade recrutados); a responsabilidade de ambos se
engajada por crimes internacionais. No caso compromete (por ação ou omissão), tornando-
dos crimes mais hediondos, como atos de se aqui necessária a luta contra a impunidade
genocídio e crimes contra a humanidade, pelas atrocidades perpetradas55. Em suma, a
indivíduos contam com os recursos do Estado coexistência da responsabilidade internacional

70
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado
do indivíduo e do Estado é hoje reconhecida pela hierarquia do poder público dos Estados em
maior parte da doutrina contemporânea. questão, por genocídio e/ou crimes contra a
Os Estados contam com indivíduos para humanidade. Os interna corporis da CESL e da
perpetrar crimes internacionais, e os indivíduos CECC chegam inclusive a buscar, em particular,
contam com o aparato estatal para fazê-lo (a - no legado do Tribunal de Nuremberg, - o juízo
partir da planificação, sobretudo em se tratando daqueles mais responsáveis por tais crimes61.
de genocídio e crimes contra a humanidade). Não há que esquecer que, afinal, o Tribunal
Cabe recordar, a respeito, que a Comissão de Nuremberg condenou, por crimes contra a
de Direito Internacional (CDI) das Nações humanidade, comandantes e altos funcionários
Unidas, ao retomar em 1984, uma iniciativa de do regime do Terceiro Reich, assim como
três décadas antes, de elaborar seu Projeto de entidades criminosas do mesmo (como, e.g., a
Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da SS e a Gestapo)62. As atrocidades da II guerra
Humanidade, ponderou que, ainda que tivesse mundial foram perpetradas em execução de uma
inicialmente em mente a responsabilidade penal política estatal de extermínio de seres humanos.
de indivíduos, esta se configurava sem prejuízo Nos últimos anos, os tribunais penais
da responsabilidade internacional dos Estados56. internacionais “híbridos” ou “mistos” têm,
Não surpreendentemente, o referido Projeto de com isto, a meu ver contribuído, juntamente
Código, adotado enfim em 1996, dispôs sobre as com o TPII e o TPIR, à aproximação
responsabilidades tanto do indivíduo (artigo 2) das responsabilidades internacionais do
quanto do Estado (artigo 4)57. indivíduo e do Estado no direito internacional
No entanto, a conceitualização desta contemporâneo. Nesse sentido, o que não
conjugação de responsabilidades não é uniforme. dizer, por exemplo, dos casos do ex-Presidente
Para alguns, as duas responsabilidades Charles Taylor, do ex-Primeiro Ministro Jean
se complementam, mas cada uma delas Kambanda, de autoridades públicas como J.-P.
mantém sua autonomia58; para outros, a Akayesu e Nuon Chea (braço direito do líder
complementaridade de ambas vai mais além Pol Pot) e Camarada Duch, do caso inacabado
(Estados e indivíduos sendo sujeitos plenos do do Presidente S. Milosevic, dos atuais processos
direito internacional), deslocando-se a ênfase contra R. Karadzic e R. Mladic, dos dirigentes da
às vítimas, e ao dever de reparação dos danos Operação Cóndor no Cone Sul, dentre outros?
a elas causados59, para pôr fim à impunidade e A aproximação das responsabilidades
assegurar a realização da justiça. internacionais do indivíduo e do Estado por
crimes internacionais é de grande importância
IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS também para o tratamento adequado da questão
Os avanços na justiça internacional são algo das reparações às vítimas e seus familiares. A
auspicioso, que não pode admitir retrocessos. A consideração da responsabilidade tão só do
expansão da jurisdição internacional em nossos indivíduo - separadamente da estatal - leva a
dias faz-se acompanhar pari passu da expansão da dificuldades quase intransponíveis (como as hoje
personalidade (e capacidade) e responsabilidade enfrentadas pelo TPI), geradas pela assimetria
internacionais. A complementaridade das entre a responsabilidade individualizada e a
responsabilidades internacionais do indivíduo natureza coletiva de crimes como o genocídio
e do Estado é algo ineludível. Podemos melhor e os crimes contra a humanidade, com suas
apreciar esta evolução se nos detivermos em numerosas vítimas63. Há que ter sempre em
sua perspectiva histórica, e constatarmos que a mente que, não raro, os indivíduos condenados
barbárie tem estado presente em toda a história agiram como agentes do Estado, fizeram uso de
da humanidade: civilização e barbárie são seus recursos e atuaram em seu nome. Ao se
duas faces da mesma moeda60. Assim sendo, considerar também a responsabilidade do Estado,
os avanços na justiça internacional hão de ser esta última inclusive viabiliza as reparações64.
preservados e cultivados, para que não haja O fato de terem os tribunais penais
retrocessos. internacionais (ad hoc e “híbridos” ou “mistos”)
Como visto anteriormente, tanto o TPII condenado, por genocídio e crimes contra a
como o TPIR, tanto a CESL como a CECC, humanidade, agentes estatais, autoridades
determinaram, em distintos continentes, a públicas nos mais altos escalões do poder
responsabilidade de indivíduos, na mais alta estatal65, demonstra claramente, em meu

71
Antônio Augusto Cançado Trindade

entender, a inter-relação da responsabilidade contemporâneo, - o Direito Internacional dos


individual com a responsabilidade estatal. Direitos Humanos, o Direito Internacional
Assim, em nada surpreende que o labor daqueles Humanitário e o Direito Internacional
tribunais, de determinação da responsabilidade dos Refugiados, somados ao Direito Penal
penal internacional dos indivíduos, tenha sido Internacional, - em suas aproximações e
marcado, de meados da década de noventa convergências67, nos daremos conta de que
até o presente, por uma certa tensão com as no novo jus gentium de nossos tempos a
prioridades dos Estados, que insistem em sua centralidade é da pessoa humana, e não dos
visão estatocêntrica do ordenamento jurídico Estados. Só assim poderemos nos desvencilhar
internacional, mesmo em face da meta das perigosas distorções do prisma estritamente
professada de construção de uma “cultura de estatista, com suas consequências nefastas. Os
responsabilidade” ligada à paz e à justiça no avanços na justiça internacional constituem
plano internacional66. hoje um patrimônio jurídico de todos os povos,
Esta tensão em nada impede seguir adiante e em última análise da própria comunidade
no labor de realização da justiça. Se apreciarmos internacional como um todo.
em conjunto todas as vertentes de proteção
da pessoa humana no direito internacional

72
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado

NOTAS

(*) Conferência ministrada pelo Autor, no Palácio 16. Pars. 141-142, 159, 442-444 e 446.
da Paz, na Haia, Holanda, aos 03 de março de 17. O julgamento teve início em 12.02.2002, e
2015. o procedimento terminou em 14.03.2006,
1. Cf. A.A. Cançado Trindade, El Ejercicio de la devido à morte do acusado em 11.03.2006.
Función Judicial Internacional - Memorias de la 18. O TPII citou especificamente as áreas de Brcko,
Corte Interamericana de Derechos Humanos, Prijedor, Sanski Most, Srebrenika, Bijeljina,
3ª. ed., Belo Horizonte/Brasil, Edit. Del Rey, Kljuc e Bosanki Novi.
2013, Anexo IV (reparações), pp. 327-354.
19. L. Aspegren e J.A. Williamson, “The Rwanda
2. Cf., inter alia, e.g., A. Bleckmann, “General Tribunal and Genocide”, in From Human
Theory of Obligations under Public Rights to International Criminal Law - Studies
International Law”, 38 German Yearbook in Honour of an African Jurist, the Late Judge
of International Law (1995) pp. 27 e 36-39; L. Kama (eds. E. Decaux, A. Dieng e M. Sow),
M.G. Bullard, “Child Labor Prohibitions Are Leiden, Nijhoff, 2007, pp. 204-205, 218 e 221-
Universal, Binding, and Obligatory Law: The 222.
Evolving State of Customary International Law
Concerning the Unempowered Child Laborer”, 20. Ibid., p. 209.
24 Houston Journal of International Law 21. Ibid., pp. 211-212 e 215. O próprio Conselho
(2001) pp. 144, 146, 151, 158-159, 162, 167 e de Segurança das Nações Unidas, depois de
171-172. apreciar o relatório, nesse sentido, sobre a
3. Ou “internacionalizados”, e.g., para Serra Leoa, Situação dos Direitos Humanos em Ruanda
Timor-Leste, Kossovo, Bósnia-Herzegóvina, (de 25.05.1994), do rapporteur especial da
Camboja e Líbano antiga Comissão de Direitos Humanos da
ONU (R. Degni-Ségui), - qualificando as
4. As declarações periciais examinadas pelo TPII, ocorrências de genocídio, - adotou sua resolução
por exemplo, no caso S. Miloseviæ (2004), 935(1994), de 01.07.1994, expressando
assinalaram que o conhecimento sedimentado sua profunda preocupação com as violações
sobre a matéria demonstra que as autoridades vastas e flagrantes do Direito Internacional
estatais são sempre responsáveis por um Humanitário, incluindo atos de genocídio,
processo genocida. Examino este ponto, inter cometidos em Ruanda; ibid., pp. 210-211.
alia, em meu extenso Voto Dissidente na
recente Sentença da CIJ de 03.02.2015 no caso 22. Ibid., p. 217.
da Aplicação da Convenção contra o Genocídio 23. f. ibid., p. 215.
(Croácia versus Sérvia).
24. Para o TPIR, o conflito pode ter facilitado
5. Pars. 150-152, 154-156 e 167. a execução do genocídio (par. 127); no
6. Em que apenas o primeiro foi inocentado, e os entanto, - acrescentou, - o genocídio foi
demais cinco foram condenados. “fundamentalmente diferente do conflito” (par.
128).
7. Pars. 255, 257, 260, 433, 440, 468, 482 e 485.
25. L. Aspegren e J.A. Williamson, “The Rwanda
8. Pars. 159-160 e 442-446. Tribunal and Genocide”, in op. cit. supra n.
9. Pars. 836-839 e 881. (19), pp. 219-220.
10 Sentenças de 19.04.2004 (R. Krstic), 26. Ibid., pp. 218-221.
30.01.2015 (V. Popovic, L. Beara e D. Nikolic) 27. J.A. Berry e C.P. Berry (eds.), Genocide in
e 12.12.2012 (Z. Tolimir). A única Sentença Rwanda - A Collective Memory, Washington
ainda pendente de recurso é a de Z. Tolimir. D.C., Howard University Press, 1999, pp. 3, 5
11 TPII (1ª. Sala, Sentença de 02.08.2001), paras. e 53.
28 e 612. e cf. paras. 52 e 452. 28. Ibid., p. 87.
12. Ibid., pars. 87 e 427. 29. Ibid., p. 17.
13. Pars. 199 e 1306. 30. Pars. 6913, 6916 e 6920-6921, 6928, 6931,
14. Pars. 760, 762, 767, 775-776 e 1085. 6936, 6947-6949, 6865, 6967 e 6969.
15. Pars. 1013, 1046, 1069 e 1071. 31. Pars. 678, 684-685 e 687.

73
Antônio Augusto Cançado Trindade

32. O. Njikam, The Contribution of the Special 1996; Neira Alegría versus Perú, 1996;
Court for Sierra Leone to the Development Paniagua Morales versus Guatemala, 2001;
of International Humanitarian Law, Berlin, Baena Ricardo e Outros versus Panamá, 2001,
Duncker & Humblot, 2013, pp. 74, 109, 204- entre outros.
205, 207 e 210. 42. H.-H. Jescheck, “The General Principles
33. bid., pp. 176, 197, 213, 217, 282 e 284. of International Criminal Law Set Out in
34. Ibid., p. 212. Nuremberg, as Mirrored in the ICC Statute”,
2 Journal of International Criminal Justice
35. Sobre a correlação entre deveres e direitos. (2004) p. 43.
36. E agreguei que, “apesar de terem os fatos ocorrido 43. Cf., e.g., A. Cassese, “Y a-t-il un conflit
há 22 anos atrás, permanecem seguramente insurmontable entre souveraineté des États
vivos na memória dos sobreviventes. Os anos et justice pénale internationale?”, in Crimes
de silencio e humilhação, face às dificuldades internationaux et juridictions internationales
de localização dos cemiterios clandestinos (eds. A. Cassese e M. Delmas-Marty), Paris,
e da exumação dos cadáveres do massacre, PUF, 2002, pp. 15-29; e cf., em geral, [Vários
e da prolongada denegação de justiça, não Autores], La Criminalización de la Barbarie:
lograram apagar a memória dos sobreviventes La Corte Penal Internacional (ed. J.A. Carrillo
do ocorrido em Plan de Sánchez no dia 18 de Salcedo), Madrid, Consejo General del Poder
julho de 1982” (par. 40). Judicial, 2000, pp. 17-504.
37. Para um estudo de caso a respeito, cf. A.A. 44. Pars. 630, 645, 683-686, 805, 842, 860-861 e
Cançado Trindade, Évolution du Droit 867-868.
international au droit des gens - L´accès des
45. Cf. B.I. Bonafè, The Relationship between State
particuliers à la justice internationale: le regard
and Individual Responsibility for International
d’un juge, Paris, Pédone, 2008, pp. 132-144 e
Crimes, Leiden, Nijhoff, 2009, pp. 7, 66-67 e
151-184.
125.
38. Cf., inter alia, A.A. Cançado Trindade,
46. Ibid., pp. 17-18, 31, 37, 79, 131-133, 135, 144-
“International Law for Humankind: Towards a
145 e 253-255.
New Jus Gentium - General Course on Public
International Law (Part I)”, 316 Recueil des 47. C. Dominicé, “La question de la double
Cours de l’Académie de Droit International de responsabilité de l´État et de son agent”, in
la Haye (2005) caps. IX-X, pp. 252-317; A.A. Liber Amicorum Judge M. Bedjaoui (eds. E.
Cançado Trindade, El Derecho Internacional Yakpo e T. Boumedra), The Hague, Kluwer,
de los Derechos Humanos en el Siglo XXI, 1999, pp. 144-148 e 150-152.
2a. ed., Santiago, Editorial Jurídica de Chile, 48. Cf. ibid., pp. 156-157.
2006, pp. 319-376; A.A. Cançado Trindade, El
49. É inegável que os Estados podem tornar-se
Acceso Directo del Individuo a los Tribunales
responsáveis por crimes internacionais, tanto
Internacionales de Derechos Humanos, Bilbao,
por ação como por omissão; V.-D. Degan,
Universidad de Deusto, 2001, pp. 9-104;
“Responsibility of States and Individuals for
A.A. Cançado Trindade, Tratado de Direito
International Crimes”, in International Law in
Internacional dos Direitos Humanos, vol. III,
the Post-Cold War World – Essays in Memory
Porto Alegre/Brasil, S.A. Fabris Ed., 2003, pp.
of Li Haopei (eds. Sienho Yee e Wang Tieya),
447-497.
Routledge, London/N.Y., 2001, pp. 203-204,
39. Estatuto de Roma, artigos 68 e 75, e Regulamento, 209, 221 e 223.
regras 16, 89 e 90-93, - acrescida da criação da
50. Ibid., pp. 203-204 e 207-208, e cf. p. 220.
Unidade de Vítimas e Testemunhas (Estatuto,
artigo 43(6), e Regulamento, regras 16-19), e 51. Cf., neste sentido: A.A. Cançado Trindade,
do Fundo Fiduciário para as Vítimas (Estatuto, Derecho Internacional de los Derechos
artigo 79, e Regulamento, regra 98). Humanos, Derecho Internacional de
los Refugiados y Derecho Internacional
40. Cf. ICC (Pre-Trial Chamber I), doc. ICC- Humanitario - Aproximaciones y
01/04, de 17.01.2006, pp. 14-15, 29 e 34; de Convergencias, Genebra, CICV, [2000], pp.
31.03.2006, p. 12; e de 31.07.2006, pp. 8-9. 1-66; L. Condorelli, “Responsabilité étatique
41. Referências aos casos, e.g., Blake versus et responsabilité individuelle pour violations
Guatemala, 1998; Meninos de Rua versus graves du droit international humanitaire”,
Guatemala, 1999; El Amparo versus Venezuela, in Man´s Inhumanity to Man - Essays on

74
Atos de Genocídio e Crimes Contra a Humanidade: Reflexões sobre a Complementaridade da Responsabilidade
Internacional do Indivíduo e do Estado
International Law in Honour of A. Cassese International Responsibility Today - Essays
(eds. L.C. Vorah et alii), The Hague, Kluwer, in Memory of O. Schachter (ed. M. Ragazzi),
2003, pp. 214, 216 e 218-219. Leiden, M. Nijhoff, 2005, pp. 253, 256-260,
52. As Convenções de Genebra de 1949 se basearam 262 e 269.
nos direitos das pessoas protegidas(e.g., 60. A.A. Cançado Trindade, Os Tribunais
Convenção III, artigos 14 e 78; Convenção IV, Internacionais e a Realização da Justiça, Rio de
artigo 27). Janeiro, Edit. Renovar, 2015, pp. 69-137.
53. Convenções I, II e III, artigo 6; e Convenção IV, 61. S. Linton, “Cambodia, East Timor and Sierra
artigo 7. Leone: Experiments in International Justice”,
54. A.A. Cançado Trindade, “The Emancipation 12 Criminal Law Forum (2001) pp. 199 e 219,
of the Individual from His Own State - The e cf. pp. 229, 236-237 e 244-245.
Historical Recovery of the Human Person as 62. Cf., e.g., P. Roland, Os Julgamentos de
Subject of the Law of Nations”, in Human Nuremberg - Os Nazistas e Seus Crimes contra
Rights, Democracy and the Rule of Law - Liber a Humanidade, São Paulo, M. Books, 2013, pp.
Amicorum L. Wildhaber (eds. S. Breitenmoser 23, 31, 73, 95, 99, 109, 137, 2013 e 203.
et alii), Zürich/Baden-Baden, Dike/Nomos, 63. E. Dwertmann, The Reparation System
2007, pp. 155-156. of the International Criminal Court - Its
55. Cf. M. Kamto, “Responsabilité de l´État et Implementation, Possibilities and Limitations,
responsabilité de l´individu pour crime de Leiden, Nijhoff, 2010, pp. 4-5, 53 e 295-297.
génocide - quels mécanismes de mise-en- 64. E não de forma bastante limitada, como através
oeuvre?”, in Génocide(s) (eds. K. Boustany e D. do Trust Fund para as vítimas; cf. ibid., pp. 67-
Dormoy), Bruxelles, Bruylant/Éd. Université de 68, 71 e 76. Para um estudo geral da matéria, a
Bruxelles, 1999, pp. 489-490, 492, 495-496, partir da posição das vítimas (e de seus direitos),
500 e 509. cf. Luke Moffett, Justice for Victims before the
56. Cf. ILC, The Work of the International Law International Criminal Court, London/N.Y.,
Commission, 8a. ed., vol. I, N.Y., U.N., 2012, Routledge, 2014, pp. 1-289.
p. 103. 65. Cf., sobre este ponto, [Vários Autores,]
57. Cf. ILC, The Work of the International Law Prosecuting Heads of State (eds. E.L. Lutz e
Commission, 8a. ed., vol. II, N.Y., U.N., 2012, C. Reiger), Cambridge, Cambridge University
pp. 305-306. Press, 2009, pp. 1-293.
58. P.-M. Dupuy, “International Criminal 66. Cf., sobre este último ponto, e.g., B. Broomhall,
Responsibility of the Individual and International Justice and the International
International Responsibility of the State”, in Criminal Court: Between Sovereignty and the
The Rome Statute of the International Criminal Rule of Law, Oxford, Oxford University Press,
Court: A Commentary (eds. A. Cassese, P. 2003, pp. 185-186 e 189-192.
Gaeta e J.R.W.D. Jones), vol. II, Oxford, Oxford 67. Cf. A.A. Cançado Trindade, Derecho
University Press, 2002, pp. 1086-1089, 1091- Internacional de los Derechos Humanos,
1093 e 1095-1099. Derecho Internacional de los Refugiados
59. A.A. Cançado Trindade, “Complementarity y Derecho Internacional Humanitario -
between State Responsibility and Individual Aproximaciones y Convergencias, Genebra,
Responsibility for Grave Violations of Human CICV, [2000], pp. 1-66.
Rights: The Crime of State Revisited”, in

75
A CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS:
APONTAMENTOS ACERCA DO PROCESSO HISTÓRICO
E DE ASPECTOS TEÓRICO-PRÁTICOS ATINENTES
À SUA EFETIVAÇÃO*

Arnaldo Fernandes Nogueira


Advogado militante de Direitos Humanos; Mestre em Planejamento
e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará.

Marinina Gruska Benevides


Advogada; Psicóloga; Doutora em Sociologia pela UFC; Pós-doutora em Direitos Humanos
e Democracia na Universidade de Coimbra; Professora do Mestrado em Planejamento
e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará.

RESUMO multiple subjects involved in the struggles for


realization of their needs or claims. The article
O presente artigo descreve o processo analyzes some theoretical and practical aspects
histórico concernente ao surgimento e à related to the problem of realization of human
consolidação dos direitos humanos. Para tanto, rights. Finally, after finishing an analysis of
foi efetuada uma revisão bibliográfica sobre o the historical framework and relevant political
assunto, a fim de buscar expor sobre como esse situation of human rights, it is concluded that
processo se deu e ainda se desenvolve, tanto a consistent way to overcome the negative
em nível internacional como nacional, tendo overview that affects the full realization of
em vista os múltiplos sujeitos envolvidos nas fundamental human rights is to promote large
lutas pela realização de suas necessidades ou investments in education human rights.
pretensões. Discorre, ainda, sobre alguns aspectos
teórico-práticos atinentes à problemática da Keywords
efetivação dos direitos humanos. Por fim, depois
de realizada uma análise do liame histórico Effectiveness; historical process; human
e das conjunturas políticas pertinentes aos rights.
direitos humanos, conclui-se que um caminho
consistente para a superação do panorama 1. INTRODUÇÃO
negativo que afeta a plena efetivação dos direitos O presente momento histórico é bastante
humanos fundamentais é a promoção de complexo. Verificam-se um amplo espectro de
amplos investimentos em educação em direitos previsão legal e a existência de espaços públicos
humanos. que contam com instituições bem estruturadas
para atuar na promoção e defesa dos direitos
Palavras Chave humanos fundamentais, tanto em âmbito
Efetivação; processo histórico, direitos internacional como nacional.
humanos. Entretanto, percebe-se uma dificuldade
recorrente tanto do ponto de vista da compreensão
ABSTRACT de como se deu o desenvolvimento dos direitos
humanos, processo ainda em construção, quanto
This article describes the historical process
de aspectos inerentes à sua efetivação. Tal fato
concerning the emergence and consolidation of
constitui, na verdade, um grave déficit cultural
human rights. To this end, a bibliographic review
que certamente contribui para a disseminação
on the subject was undertaken in order this
de um clima de apatia e conformação diante das
process was and still is being developed, both at
injustiças que ocorrem cotidianamente.
the international and national levels, given the

77
Arnaldo Fernandes Nogueira e Marinina Gruska Benevides

Um caminho para a possível superação pois oriundo da natureza que dotava o ser
desse estágio deficitário em termos de humano de razão. Dessa capacidade racional o
engajamento de amplos setores sociais – no ser humano retirava as condições necessárias
que diz respeito à tomada de consciência acerca para construir o pacto pelo qual todas as pessoas
das questões sociais e à necessária mobilização abririam mão de parte de suas liberdades em
numa perspectiva de mudança qualitativa da favor da construção de uma vontade geral voltada
realidade – é a amplificação dos investimentos à realização do bem comum.
em educação em direitos humanos. Essa concepção teórica se tornou hegemônica
Sendo assim, o presente artigo tem o no século XVIII, e serviu de fundamento para
propósito de contribuir com a difusão do processo uma série de rebeliões que derrubaram regimes
de desenvolvimento e consolidação dos direitos monárquicos absolutistas. A mais conhecida
humanos, sem prescindir na indispensável delas foi a Revolução Francesa, que, dentre
abordagem crítica, a fim de possibilitar a outros feitos, produziu a denominada Declaração
disseminação de informações relevantes nessa Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
matéria. A partir daí tem-se o mais importante marco
originário majoritariamente aceito na história
2. O RECONHECIMENTO INTERNA- dos direitos humanos, os quais muitos estudiosos
CIONAL DOS DIREITOS HUMANOS como BOBBIO (2004); COMPARATO (2013); e
TRINDADE (2011) didaticamente classificam,
Por muito tempo prevaleceu uma tradição conforme foram surgindo em cada momento
cultural que considerava natural existirem histórico, como pertencentes a gerações ou
algumas pessoas como possuidoras de direitos, dimensões (característica inerente à abrangência
e outras como seres inferiores ou mesmo de seus titulares: indivíduos e coletividades).
como meros objetos. Assim era, por exemplo,
Outra consequência fundamental do
a realidade dos cidadãos atenienses ou dos
relevante marco histórico acima referido foi a
patrícios romanos, os quais possuíam uma
consolidação do Republicanismo1 como regime
série de direitos em relação à vida privada e até
de governo predominante, após o período das
a possibilidade de participação nos assuntos da
revoluções (notadamente a norte-americana e a
vida pública, diferentemente do que ocorria com
francesa).
as mulheres, pessoas consideradas incapazes, e
com estrangeiros ou escravos, tidos como uma Como na época a cultura política era
espécie de propriedade. bastante elitista e as ideias iluministas eram
oriundas de setores da burguesia emergente,
As demandas por ampliação das liberdades
que estava mais preocupada em consolidar e
individuais, em larga medida sufocadas
expandir seus privilégios, a primeira dimensão
pelo amplo poder do senhorio e do clero (no
de direitos era restrita a aspectos das chamadas
período feudal) ou pelo poder absoluto dos reis
liberdades individuais (basicamente direitos
(absolutismo monárquico), foram se tornando
civis e políticos). Certamente são primordiais,
predominantes em decorrência das insurreições
mas não suficientes para conferir uma vida
que ocorreram.
plenamente digna a todas as pessoas.
As ideias associadas à defesa das liberdades
Após uma gradativa consolidação dos
individuais diante de opressões arbitrárias
direitos individuais e políticos básicos – pelo
praticadas por regimes monárquicos, que quase
menos do ponto de vista formal, uma vez que
sempre exerciam governos despóticos, ficaram
previstos nos ordenamentos jurídicos nacionais,
conhecidas como iluministas, pois defendiam a
e, portanto, passíveis de cobrança por parte
separação entre o Estado e a Igreja e sustentavam
da população junto às instituições públicas –
que os indivíduos, movidos pelas luzes advindas
segmentos populares interessados no usufruto
da própria razão, deveriam constituir um
pleno e na ampliação desses direitos, bem como
contrato social a partir do qual resultaria um
na afirmação e consolidação de novos, passaram
conjunto de normas legitimadas pela vontade
cada vez mais a se organizar e se mobilizar para
geral e, assim, poderiam se autogovernar por
tornar suas pretensões realidade.
meio de representantes dotados de legitimidade.
Com efeito, a conjuntura se tornou favorável
O fundamento do direito originário dos
à ampliação de direitos, sobretudo, a partir de
indivíduos a princípio era considerado divino,
quando ocorreram revoluções populares, como

78
A Consolidação dos Direitos Humanos: Apontamentos Acerca do Processo Histórico
e de Aspectos Teórico-Práticos Atinentes à sua Efetivação
no México, em 1910, e na Rússia, em 1917, decorrentes da atividade de órgãos como a
tendo como consequência o surgimento de uma Corte de Haia, o Tribunal Penal Internacional
nova dimensão de direitos humanos. Em maior e os Comitês de Tratados, tendo em vista o
medida eram identificados com o princípio da monitoramento da situação de concretização
igualdade material/substantiva, pois se buscava dos direitos previstos nas normas internacionais
principalmente o reconhecimento de direitos das quais diversos países são signatários.
sociais predominantemente associados às A propósito das duas dimensões de direitos
relações de trabalho e propriedade. anteriormente apontadas, relevante salientar
Paralelamente ao surgimento, consolidação que estudiosos as diferenciam sustentando
e ampliação da chamada segunda dimensão que além do tempo histórico em que surgiram
de direitos humanos ocorreram duas grandes (a primeira decorrente das revoluções liberais,
guerras mundiais na primeira metade do século e as segundas das revoluções socialistas), e da
XX. A primeira, entre 1914 e 1918, e a segunda amplitude de seus destinatários (indivíduos na
entre 1939 e 1945, tiveram um resultado primeira e coletividades na segunda), existem
devastador, com milhões de mortos e muita características próprias que as distinguem
destruição em diversos países, principalmente quanto ao exercício dos direitos.
na Europa. Assim, os chamados direitos de primeira
Consequência positiva – associada ao dimensão impõem uma ação negativa do Estado,
grande trauma decorrente das duas grandes no sentido de não impedir que as pessoas possam
guerras mundiais, as quais envolveram a exercer livremente suas liberdades individuais ou
participação direta ou indireta de países de seus direitos políticos, desde que não contrariem
diversos continentes – foi a reunião de líderes disposição proibitiva expressa em lei vigente. Ou
políticos de diversas partes do mundo no seja, almeja-se proteção dos indivíduos contra
final da primeira metade do século XX, com o arbitrariedades do Estado.
propósito de buscar uma solução diplomática Os direitos de segunda dimensão suscitam
que apontasse para um futuro menos ameaçador uma ação positiva do Estado, uma vez que para
para a humanidade. serem efetivados os direitos sociais requerem
O resultado do entendimento entre diversos que os poderes públicos exerçam regulação sobre
líderes mundiais, notadamente os representantes o mercado, a fim de coibir abusos nas relações
dos países diretamente envolvidos na segunda de trabalho, por exemplo, ou que promovam
grande guerra mundial e que restaram vitoriosos, políticas públicas com a finalidade de concretizá-
foi a constituição da Organização das Nações los. Têm em vista a satisfação das necessidades
Unidas (ONU), que teve como documento da população que, por sua vez, contribui para a
fundante a Carta das Nações Unidas, assinada manutenção do Estado por meio do pagamento
em 26 de junho de 1945, na cidade de São de tributos. Ou seja, almeja-se garantir direitos
Francisco (EUA)2, por 51 países (primeiros por meio da elaboração e execução de políticas
membros) de diversos continentes do planeta. públicas.
Vale destacar que a fundação da ONU – com Com o passar dos anos, notadamente no
posterior promulgação da Declaração Universal período posterior à segunda guerra mundial, os
dos Direitos Humanos (1948), e depois do Pacto direitos humanos têm se desenvolvido tanto
dos Direitos Civis e Políticos (1966), e do Pacto do ponto de vista de seu conteúdo quanto
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de mecanismos voltados à sua promoção,
(1966) – constitui um marco fundamental monitoramento e controle. Para isso foi
para a consolidação dos direitos humanos, elaborada uma enorme quantidade de normas
pois pela primeira vez foi criado um sistema internacionais e, além do sistema ONU, foram
internacional de direitos humanos. Entre suas criados sistemas regionais de promoção e proteção
principais funções está a de legislação, por meio dos direitos humanos, como a Organização
da elaboração de tratados, convenções etc., dos Estados Americanos (OEA), o Conselho da
promoção, por meio da edição de publicações e Europa, e a Organização da Unidade Africana.3
apoio a programas de cooperação para difusão (PIOVESAN, 2013).
de informações sobre o conteúdo de seus Quanto ao conteúdo dos direitos humanos,
documentos; e controle, por meio da produção de vale destacar, ainda, que contemporaneamente
relatórios e análises de comunicações e petições, se reconhece uma terceira dimensão de direitos

79
Arnaldo Fernandes Nogueira e Marinina Gruska Benevides

considerados difusos, pois pertencentes a todas – quando comprovado em definitivo que os


as pessoas ao mesmo tempo. A defesa dos Estados-membros se comportarem de forma
patrimônios cultural e ambiental é sua principal injusta ou a demora de sua ação gere justo receio
referência. de prejuízo iminente.
Atualmente já se fala numa quarta
dimensão de direitos, também considerados 3. O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS
difusos, os quais dizem respeito a princípios HUMANOS NO BRASIL
fundamentais cuja afirmação é indispensável em
O Brasil é um país onde os aspectos gerais
tempos de risco de retrocessos, como o direito à
da sociedade demoraram a se desenvolver.
democracia participativa e à paz entre os povos.
Durante muitos anos, desde o descobrimento
(BONAVIDES, 2003).
formal em 1500 até 1930, predominou um
Não obstante a força didática que possui a modo de produção com características feudais
exposição sobre o que se considera as diversas ou semifeudais, marcado por muitas opressões,
fases do longo processo histórico de afirmação, principalmente em relação a grupos minoritários
consolidação e ampliação dos direitos humanos, subjugados, como índios e negros. A não
importa advertir que o referido processo não existência de uma cultura política desfavorecia
ocorreu nem ocorre de maneira uniforme em o reconhecimento de reivindicações populares,
todo o mundo. Os fatos históricos dependem de notadamente em termos de garantias de direitos.
aspectos conjunturais próprios de cada realidade (CARVALHO, 2013).
e, consequentemente, não necessariamente
Após o fim do ciclo econômico do pau-
obedecem a uma forma sequencial semelhante
brasil, primeira base econômica do período
em todas as realidades sociais e culturais.
colonial (1500 a 1882), cuja mão de obra era
Não menos imprescindível é ter clareza predominantemente constituída por índios
de que inexiste um quadro fechado de direitos escravizados, iniciou-se a busca por outros meios
humanos, no plano internacional ou no plano de geração e acumulação de riquezas. Revelou-
nacional, uma vez que é sempre possível se como promissora, em parte do Nordeste,
a emergência de novos direitos. Conforme a criação de gado e, principalmente, o cultivo
esclarece André Carvalho Ramos (2014, p. 27), de cana-de-açúcar, enquanto no Sul-Sudeste,
“[a]s necessidades humanas variam e, de acordo posteriormente, a atividade da mineração
com o contexto histórico de uma época, novas estimulou a exploração de outras partes do
demandas sociais são traduzidas juridicamente e território do país, com as chamadas entradas
inseridas na lista dos direitos humanos”. e bandeiras. Nesse período, se por um lado
A propósito, o jurista alemão Rudolf von existia algum trabalho livre, pois uma parte das
Ihering (2003, p. 27) adverte que: “o fim do pessoas que se aventuravam a desbravar terras
direito é a paz, o meio de que se serve para consideradas inóspitas o fazia por própria conta
consegui-lo é a luta. [...] A vida do Direito é a e risco, o que prevalecia era a ‘lei do mais forte’
luta: luta dos povos, dos governos, das classes de modo que por certo ocorreu muita violência
sociais, dos indivíduos”. nessa época, principalmente por meio da
Por fim, importa acrescentar que não basta exploração de trabalho compulsório e extermínio
que os direitos humanos sejam reconhecidos em de povos originários que ousassem resistir ao
normas internacionais e tenham sua promoção domínio/exploração. (FAUSTO, 2013).
e controle realizados através de organismos Em decorrência de muitas revoltas,
multilaterais como a ONU e a OEA. Aliás, a inclusive pela insatisfação com a exploração da
regra geral do sistema internacional é que os metrópole (Portugal) sobre a Colônia, ocorreu
direitos constantes nos diversos tratados ou a proclamação da Independência do Brasil, em
outros que venham a ser reconhecidos devem, 1822. Algumas décadas depois, quando foi se
também, constar no ordenamento jurídico dos sedimentando o poderio da classe proprietária
Estados-membros, os quais possuem o encargo nos centros urbanos, principalmente no
de efetivar tais direitos4 por meio de instituições Sudeste, com destaque para a acumulação de
nacionais, ainda que eventualmente busquem riquezas em decorrência dos resultados obtidos
cooperação internacional. Assim, somente se com a exploração da cultura cafeeira, em grande
deve recorrer aos organismos que integram medida baseada no uso intensivo de mão de obra
o sistema internacional – global ou regional

80
A Consolidação dos Direitos Humanos: Apontamentos Acerca do Processo Histórico
e de Aspectos Teórico-Práticos Atinentes à sua Efetivação
escrava importada da África, foi proclamada a considerada uma das melhores que o Brasil
República no final de 1889. já teve, a qual ampliou consideravelmente os
Ainda no final do II Reinado, pouco antes direitos e garantias fundamentais.
da proclamação da República - devido aos altos O período seguinte, denominado Quarta
custos para a manutenção dos escravos, com República (1946-1964), foi de muitas turbulências
muitos casos de mortes advindas de maus- políticas, tanto que o país teve, em um período
tratos, por doenças e suicídio, além de muitas de 18 anos, a impressionante quantidade de 9
ocorrências de fugas, pressão de parte da (nove) presidentes da República. Contudo, houve
comunidade internacional, principalmente da um processo intenso de tomada de consciência
Inglaterra, e do fortalecimento do movimento e mobilização social, notadamente durante o
abolicionista, inspirado, sobretudo, por ideias governo João Goulart (popularmente conhecido
iluministas - foi decretada a abolição da como Jango), o qual possuía em sua plataforma
escravidão, pelo menos do ponto de vista formal. de governo a realização das chamadas “reformas
Com isso, foi intensificada a atração pela de base”, que incluíam reforma agrária, reforma
mão de obra imigrante, que em grande parte urbana, reforma educacional, reforma fiscal,
fugia de guerras e/ou da recessão econômica, reforma eleitoral, dentre outras medidas que
principalmente na Europa. Após o declínio da previam forte intervenção na economia.
economia cafeeira essa força de trabalho foi O conjunto de propostas do chamado “Plano
aproveitada no desenvolvimento do processo de Trienal”, do governo João Goulart, contava com
industrialização. ampla simpatia popular e apoio de movimentos
Os imigrantes, em geral, possuíam melhores sociais que cresciam em importância, mas
níveis educacionais que a média dos brasileiros, despertou a ira de setores conservadores da
fator decisivo para que surgissem os primeiros sociedade, os quais formaram uma aliança elitista
movimentos contestatórios voltados, também, envolvendo setores da classe média, da Igreja,
a reivindicações de direitos, notadamente do empresariado, das oligarquias e das forças
relacionados a questões trabalhistas. armadas, além de contar com apoio da grande
Posteriormente, com a decadência da cultura mídia e até auxílio estrangeiro, principalmente
política predominante no período da chamada por parte dos EUA. Tal articulação nefasta, sob
República Velha (1889-1930), denominada de o falso pretexto de evitar a conversão do governo
‘política do café com leite’, pois sua hegemonia ao regime comunista, resultou num Golpe
político-econômica se concentrava em maior de Estado com a deposição do Presidente da
medida entre São Paulo e Minas Gerais, ocorreu República e a instauração, a partir de 1964, de
a chamada Revolução de 30. Houve uma um regime ditatorial que durou mais de 20 anos.
significativa mudança conjuntural no país, com Foram tempos difíceis, com forte censura
o fortalecimento da construção de um projeto ao exercício de liberdades individuais e muita
nacional, bem como ênfase ao processo de repressão, resultando em milhares de casos de
industrialização da economia brasileira. perseguição, prisão arbitrária, sequestro, tortura
No período histórico que se iniciava, o qual e até assassinato. Tudo praticado sob a égide de
foi denominado de Era Vargas (1930-1945), em um evidente Estado de Exceção, que promoveu
alguma medida se avançou no reconhecimento mudança constitucional – com a imposição
de direitos, principalmente direitos trabalhistas, de uma nova Constituição em 1967. Esta foi
com a criação da CLT, do Ministério do Trabalho, substancialmente alterada dois anos depois,
da Justiça do Trabalho e da Previdência Social, através da Emenda Constitucional n° 16, além
que passou a ser prevista constitucionalmente. de ser contrariada pela imposição de normas
Nessa época também foi reconhecido o direito arbitrárias, os chamados atos institucionais. O
à sindicalização, embora com forte atrelamento pior deles foi o de número 5 (conhecido como
ao Estado.5 AI-5), outorgado no final de 1968.
Entretanto, na fase que ficou conhecida Com o passar dos anos, conforme crescia
como Estado Novo (1937-1945) houve diversos a repressão do governo ditatorial, aumentava
retrocessos, principalmente em relação aos a resistência de grupos organizados e setores
direitos civis e políticos. Com o fim desse período cada vez mais amplos da sociedade. Assim, os
ocorreu uma recuperação, sendo elaborada e governos que se sucederam, comandados por
promulgada uma nova Constituição (1946), generais, foram cada vez mais se desgastando

81
Arnaldo Fernandes Nogueira e Marinina Gruska Benevides

até que ficou insustentável a continuidade do e garantias proclamados nos principais tratados
regime. internacionais, inclusive.
Como consequência das muitas Ocorre que os direitos humanos, como
arbitrariedades praticadas durante anos resultantes de processos históricos, não surgem
sucessivos, desde 1964, cresceu no país de uma só vez, para todas as pessoas, nem de uma
a conscientização sobre a importância da vez por todas. Por isso, não se pode ter certeza de
democracia. Setores da sociedade, sobretudo os que, uma vez conquistado o reconhecimento de
de base popular, se organizaram e promoveram direitos, posteriormente não ocorrerão tentativas
uma ampla mobilização que resultou no de retrocessos.
chamado ‘Movimento Diretas Já’ (1983-1984). No período pós-Constituição de 1988,
Além da luta pela reconquista e ampliação foi se consolidando no Brasil uma perspectiva
dos direitos civis e políticos, foi intensa a luta política centrada no superdimensionamento da
pelo reconhecimento de direitos econômicos, importância da economia para o desenvolvimento
sociais, culturais e ambientais. Resultado desse do país, de modo que se passou a considerar
processo foi a realização de uma Assembleia o mercado como o principal referencial para a
Constituinte (1987-1988), que contou com tomada de decisões políticas.
significativa participação popular em todo o seu O resultado dessa vertente político-
decurso. No final de 1988 foi promulgada uma ideológica, denominada neoliberalismo,
nova Constituição (a 6ª do país; se contarmos que em alguma medida subsiste até os dias
com a EC n° 1 de 1969 são 7), a qual foi atuais (ANDERSON, 2009), é a destinação
apelidada de “Constituição Cidadã”, sobretudo de grande parte dos recursos do orçamento
pela importância dada a princípios fundamentais para pagamento de juros e a priorização na
como: soberania, cidadania, dignidade da pessoa realização de investimentos em infraestrutura
humana, valores sociais do trabalho e da livre voltada à reprodução de capital, em detrimento
iniciativa, pluralismo político e democracia, da necessidade de investimentos em políticas
todos previstos logo em seu artigo 1º. públicas essenciais para a efetivação de direitos
O respaldo dado à legitimidade política é (educação, saúde, moradia etc.), que, obviamente,
tamanho que o texto da CF/88 prevê, de modo são do interesse da maioria da população.
expresso, no parágrafo único de seu primeiro Além disso, são constantes as ameaças
artigo, que “todo o poder emana do povo, que de flexibilização de direitos historicamente
o exerce por meio de representantes eleitos ou conquistados, como direitos trabalhistas e
diretamente, nos termos desta Constituição”. quaisquer outros que sejam considerados como
Com a elevação no nível de consciência obstáculos ao progresso, hegemonicamente
geral da sociedade acerca da relevância dos identificado com os processos de reprodução
direitos humanos, bem como da necessidade de ampliada de capital: direito ambiental, dos povos
devolver processos de organização e luta para indígenas etc.
afirmação, consolidação e ampliação dos direitos
fundamentais, tanto no que diz respeito aos 4. ASPECTOS TEÓRICO-PRÁTICOS
direitos civis e políticos quanto no concernente ACERCA DA EFETIVAÇÃO DOS
aos direitos econômicos, sociais, culturais e
ambientais, há quem considere que a partir do DIREITOS HUMANOS
Golpe Militar e da resistência que ocorreu em Durante muitos anos a compreensão
face do regime ditatorial que o sucedeu, houve acerca do fundamento dos direitos humanos7
o florescimento dos direitos humanos no Brasil. foi se transformando, sendo cada vez mais
Destarte, tivemos com a Constituição de 1988 generalizada, nos dias atuais, a compreensão de
a consolidação de uma ampla gama de direitos que esses direitos encontram seu fundamento
fundamentais, de modo que se é desarrazoado no reconhecimento da essencialidade, e,
considerar esse como marco originário dos consequentemente, na necessidade de
direitos humanos no Brasil, não se deve ter preservação da dignidade8 inerente à pessoa
dúvida em afirmar que o processo que culminou humana. Isso porque “[o] caráter único e
na promulgação da CF/88 representou um salto insubstituível de cada ser humano, portador
sem precedentes no reconhecimento de direitos de um valor próprio, veio demonstrar que a

82
A Consolidação dos Direitos Humanos: Apontamentos Acerca do Processo Histórico
e de Aspectos Teórico-Práticos Atinentes à sua Efetivação
dignidade da pessoa existe singularmente em com a finalidade de favorecer uma minoria de
todo indivíduo” (COMPARATO, 2013, p. 43). privilegiados em detrimento da maioria das
A par disso, Norberto Bobbio (2004, pp. pessoas, postas em situações de marginalização/
23/5), discutindo o assunto, asseverou que “o exclusão. A esse confronto entre diferentes
problema fundamental em relação aos direitos concepções de direitos humanos Boaventura de
do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, Sousa Santos (2013, p. 57) denomina “tensões”,
mas o de protegê-los”. Por isso, “o problema dentre as quais destacamos três, quais sejam:
que temos diante de nós não é filosófico, mas tensão entre o universal e o fundacional; entre
jurídico e, num sentido mais amplo, político”. a igualdade e o reconhecimento da diferença;
entre o desenvolvimento e a autodeterminação.
São inúmeras as disposições normativas
que versam sobre direitos humanos, bem No que se refere à primeira (universal x
como a prescrição de meios para garantir a fundacional) das tensões acima mencionadas,
sua concretização. Além disso, são diversas as trata-se da postura de imposição de um
instituições - em nível internacional global e determinado modelo civilizacional de modo
regional, além de nacional e local - com poderes generalizado, em todos os tempos e lugares,
para fazer cumprir as referidas disposições. Por ignorando ou mesmo suprimindo perspectivas
que, então, existe tanta dificuldade em se alcançar de identidades que possuem memória, história e
a plena efetivação dos direitos humanos? raízes únicas e específicas. Isso pode representar,
inclusive, uma grave contradição, uma vez
Sem a pretensão de sermos exaustivos,
que discursos de suposta necessidade de
consideramos que um dos principais fatores
universalização de direitos têm sido utilizados,
a serem observados é o predomínio do poder
na verdade, com o fito de buscar legitimar a
político-econômico de setores privilegiados da
generalização de uma determinada perspectiva
sociedade, que, notadamente a partir do advento
fundacional. Senão vejamos o que diz SANTOS
e consolidação do modo de produção capitalista,
(2013, p. 58):
se identifica com a classe proprietária dos meios
de produção (Marx e Engels, 2011). [O] que consideramos hoje como universal
é o fundacional do ocidente transformado em
Ocorre que mesmo a clássica compreensão
universal. É, por outras palavras, um localismo
do mundo dividido entre burguesia e proletariado
globalizado. A hegemonia econômica, política,
tem passado por profundas transformações,
militar e cultural do ocidente nos últimos cinco
principalmente em decorrência do fenômeno da
séculos conseguiu transformar o que era (ou se
financeirização da economia, impulsionada pela
supunha ser) único e específico desta região do
chamada globalização dos mercados.
mundo em algo universal e geral.
Essas transformações sociais, com
Se, por um lado, existem tentativas de
reflexos econômicos, políticos e culturais, têm
imposição de determinado modelo civilizacional,
ocasionado impactos devastadores em relação
por outro os povos que sofrem essa pressão ou
à realização dos direitos humanos (vistos pela
as consequências desse processo tendem a opor
ótica neoliberal, em alguma medida, como
resistências. Neste caso, importa evidenciar, não
obstáculos ao progresso). Assim, o Estado,
se trata em verdade de uma disputa de universal
tido como excessivamente caro e ineficiente,
x fundacional, mas de duas perspectivas que
perdeu em larga medida sua capacidade de
são fundacionais, sendo que uma pretende
investimentos em políticas sociais, e passou a
modificar ou suprimir a outra. E essa rivalidade
agir sobremaneira como mediador de eventuais
de particularismos – que geralmente possuem
conflitos de mercado, relativos à concorrência.
identidades bastante distintas – diz Santos (2013,
Além disso, embora atualmente exista nos p. 59), convida “a um pluralismo que, para não
principais fóruns e instâncias internacionais ser paralisante e segregador, deve transformar-se
praticamente um consenso acerca do num vasto campo de tradução intercultural”.
fundamento e da essencialidade dos direitos
Quanto ao segundo tipo de tensão
humanos, há uma disputa de interpretação
(igualdade x diferença), temos que este se
acerca da prevalência de determinados tipos
comunica com o primeiro (acima mencionado),
de direitos sobre outros, bem como do uso
pois a igualdade colocada a serviço de um
de certos discursos voltados à legitimação
universalismo homogeneizador tende a
ou acobertamento de situações de opressões
descaracterizar/suprimir as identidades locais

83
Arnaldo Fernandes Nogueira e Marinina Gruska Benevides

fundadas em particularidades identitárias. Em Eis o terceiro tipo de tensão ora colocado em


contraposição à postura opressiva que representa evidência.
a generalização de uma igualdade monolítica, Diante da grave crise sistêmica cada vez
os grupos que resistem, como, por exemplo, mais perceptível, cujos resultados negativos
mulheres, negro(a)s, gays, lésbicas, indígenas, são suportados quase que exclusivamente pelos
entre outros, desenvolvem lutas que têm como setores subalternos da sociedade, uma perspectiva
característica fundamental a afirmação do direito de superação somente será possível a partir da
ao reconhecimento da diferença. Ou seja, do união de esforços das populações exploradas.
direito de ser diferente, de não se adaptar a um Estas devem se organizar em movimentos sociais
padrão dominante que não raro gera injustiças. a fim de fortalecer suas lutas, numa perspectiva
Propugnando pelo equilíbrio entre a de globalização contra-hegemônica. Por isso,
efetivação do princípio da igualdade sem Santos (2013, p. 95) sugere que:
prejuízo do direito ao reconhecimento da Neste contexto, só é possível perturbar o
diferença, Boaventura de Sousa Santos (2010, p. automatismo político e econômico deste modelo
462) defende que “temos o direito de ser iguais mediante ação de movimentos e organizações
quando a diferença nos inferioriza; temos o sociais suficientemente corajosos para darem
direito a ser diferentes quando a igualdade nos a conhecer o lado destrutivo deste modelo
descaracteriza”. sistematicamente ocultado, dramatizarem a sua
Componente da mesma trama de negatividade e forçarem a entrada desta denúncia
universalização de determinados direitos que na agenda política.
em especial interessam a um pequeno grupo Importa, ainda, constatar que um dos
de pessoas, por meio da globalização pautada reflexos da situação de marginalização social,
numa perspectiva de igualdade homogeneizante, associada à situação de negação de direitos, é
o direito ao desenvolvimento (reduzido apenas o aumento vertiginoso da violência perceptível.
ao aspecto econômico) atualmente tem sido A sociedade brasileira é marcada pela exclusão
apontado pelo discurso hegemônico como algo de grandes contingentes de pessoas do mercado
inexorável. de trabalho, do acesso a bens de consumo
Sem negar a importância que tem o básicos, da educação de qualidade, dentre outros
desenvolvimento, inclusive econômico, para a direitos fundamentais. A presença do Estado
própria efetivação dos direitos humanos numa para tais pessoas ocorre, mormente, pelo seu
perspectiva emancipatória, convém refletirmos viés repressivo. Os segmentos pauperizados da
sobre que tipo de desenvolvimento deve sociedade são alvo de segregação, tanto quando
prevalecer. são retirados do convívio social para compor a
Destarte, o que se tem percebido é a grande maioria da população carcerária como
tentativa de imposição em escala global – quando eliminados fisicamente, enquanto
inclusive com destacado apoio de organismos vítimas da maioria dos assassinatos ocorridos.10
internacionais como FMI, Banco Mundial e Sendo assim, na prática pode-se dizer que
OMC – de um modelo de desenvolvimento existem pessoas na sociedade brasileira que
extremamente predatório em relação aos seres são consideradas descartáveis e, portanto,
humanos que se encontram em situação de “matáveis” (AGAMBEN, 2010).
vulnerabilidade social, e ao meio ambiente, cada Consequência dessa realidade aviltante
vez mais devastado em função da maximização é que uma das linguagens usadas por algumas
do lucro. pessoas marginalizadas para expressar suas
Assim, a globalização9 neoliberal tem como frustrações e revoltas, evidentemente, tenderá
uma de suas principais pretensões a reprodução a ser aquela que aprenderam em seu cotidiano,
de um modelo capitalista de desenvolvimento qual seja: a violência. Por isso, essa violência que
que busca a supressão de todas as estruturas vem “de baixo” pode ser entendida como reflexo
que representam algum obstáculo à máxima da violência que vem “de cima”, notadamente
reprodução do Capital. Isso inclui a corrosão da quando os poderes públicos não cumprem o papel
soberania dos Estados e, (in)consequentemente, que lhes cabe na garantia de direitos humanos
do direito de autodeterminação dos povos, e na promoção da cidadania. (WACQUANT,
inclusive quanto ao direito de escolha sobre que 2005)
tipo de desenvolvimento preferem fomentar.

84
A Consolidação dos Direitos Humanos: Apontamentos Acerca do Processo Histórico
e de Aspectos Teórico-Práticos Atinentes à sua Efetivação
Sendo as sociedades desiguais desde muito Humanos da ONU, em seu livro “Ódio ao
tempo, situação que se agrava mais e mais com ocidente”, evidencia bem a gênese de um
o passar das épocas até os dias atuais, é também processo de ódio (em grande medida fundado em
bastante antigo o desenvolvimento de métodos aspectos racionais) que possui raízes profundas,
de controle pelos quais as classes dominantes apontando, dentre outras causas para esse
ditam regras. Estas, em larga medida são aceitas fenômeno, a postura ambígua/contraditória,
e/ou reproduzidas pela maioria da população em principalmente por parte de poderosos países
diversos lugares. ocidentais, no atinente à distância entre o
A forma de condicionamento dos discurso de defesa dos direitos humanos e a
indivíduos que não se enquadram no padrão falta de concretização ou mesmo a negação dos
estético/comportamental imposto pelas elites se mesmos em decorrência de posturas assumidas
dá de diversas formas, pelo desenvolvimento de por tais nações. Não é por outra razão que esse
mecanismos de controle. Estes, em muitos casos autor afirma: “Ora, todo o discurso dos direitos
são sutis, como o enquadramento dos corpos dos humanos mantido pelo Ocidente é marcado pela
indivíduos a controles disciplinares existentes linguagem dupla, ou pior: por uma verdadeira
em diferentes formas, lugares e dimensões, o esquizofrenia”. (ZIEGLER, 2011, p. 119).
que constitui uma verdadeira teia de comandos Fazendo um retrospecto dos compromissos
que se difundem por praticamente todas as firmados no documento intitulado de Millenium
relações sociais e correspondem ao que o filósofo Goals (Objetivos do Milênio)11, elaborado
Foucault (2012) denomina microfísica do poder. no contexto da ONU com a participação de
Setores da sociedade reproduzem – representantes de 192 países, no ano 2000, os
consciente ou inconscientemente – discursos quais deveriam ser cumpridos até 2015, Ziegler
favoráveis à via do aumento da repressão como aponta que, em 2008, “nenhum dos problemas
sendo um meio eficaz de solução do problema da listados está em vias de ser resolvido. Muito
violência, mas quem possui uma compreensão pelo contrário. Vários deles – autonomia das
crítica da realidade compreende que se trata, mulheres, doenças, educação, pobreza extrema
na verdade, de uma questão de política [tendo e subnutrição – não deixaram de piorar”. (Idem,
em vista a efetivação dos direitos de cidadania p. 132).
para todos(as), e não somente de polícia, que Esse sentimento de revolta não povoa
em muitos casos é violadora de direitos. Sendo a mente apenas de pessoas da academia ou
assim, atentemos para a elucidativa ponderação que vivem diretamente afetadas pela ação ou
de João Ricardo W. Dornelles (1993, p. 64): omissão das potências do Ocidente. Vejamos
O crime é uma realidade presente, e mais recente declaração do próprio Secretário-Geral
presente será quanto mais desigual e injusta da ONU, Ban Ki-moon, durante a abertura
seja uma sociedade. Dessa maneira, o contínuo da 3ª Conferência de Doadores para a Síria,
desrespeito aos direitos humanos e o tratamento ocorrida na cidade do Kuwait, em 31 de março
da questão social sob a óptica de guerra interna de 2015: “Sinto vergonha, raiva e frustração com
somente levará a um nível intolerável o quadro a impotência da comunidade internacional em
de crise em que vivemos. parar a guerra Síria”.12
Outrossim, crucial salientar que um grave
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
aspecto relacionado à questão dos direitos
humanos diz respeito à falta de efetividade dos Os direitos humanos fundamentais – ao
mesmos, malgrado as muitas promessas feitas longo da história e em todo o mundo – são
em todo o mundo e a vultosa quantidade de resultantes de amplos processos de lutas
normas e documentos firmados pelos governos que são travadas via de regra entre grupos de
de centenas de países. Este fato, inclusive, pessoas privilegiadas, as quais hegemonizam
contribui para gerar uma forte desconfiança o controle do poder predominante, e grupos de
em relação ao funcionamento das instituições pessoas subalternizadas ou marginalizadas que
públicas e até mesmo alimentam ódio/revolta perseguem a satisfação das condições necessárias
por parte das pessoas que se sentem enganadas. a uma vida digna e, ao mesmo tempo, resistem
Jean Ziegler, experiente diplomata que já às constantes tentativas de retrocessos.
ocupou diversos cargos de grande envergadura, Em nível internacional percebe-se que,
dentre os quais o de Alto Comissário de Direitos notadamente a partir do final da Segunda Guerra

85
Arnaldo Fernandes Nogueira e Marinina Gruska Benevides

Mundial, houve um avanço significativo no A partir da promulgação da Constituição


desenvolvimento de instituições encarregadas de 1988, o Brasil passou a vivenciar uma época
pela legislação, promoção e controle dos direitos mais virtuosa em termos de reconhecimento
humanos, econômicos, sociais, culturais e e promoção de direitos humanos. Porém,
ambientais. Por outro lado, constata-se que a contraditoriamente, inclusive por influência
preponderância dos interesses na viabilização da conjuntura internacional, marcada pela
de condições favoráveis à máxima expansão dos consolidação de uma ideologia política alicerçada
na globalização dos mercados, são constantes as
mercados em nível mundial acaba prejudicando
ameaças de retrocessos.
diversas perspectivas de efetivação dos direitos
humanos, além de constantemente promover Uma mudança significativa na conjuntura
mundial e nacional – numa perspectiva
situações de violações, as quais afetam,
de substancial reconhecimento, máximo
sobretudo, os setores sociais subalternizados.
desenvolvimento e plena efetivação dos
No Brasil, observa-se que o processo direitos humanos – certamente depende do
de reconhecimento e expansão dos direitos aprimoramento da tomada de consciência por
humanos se deu de forma lenta ao longo dos parte da população acerca das reais causas dos
períodos históricos sucessivos, desde a época problemas que cotidianamente vivencia, bem
colonial até os dias atuais, destacando-se o como da edificação de valores essenciais à
fato de este país possuir um curto período de construção de uma sociedade de fato solidária
existência contínua no que pertine a um regime e equitativa. Um caminho para isso é o forte
político democrático, além do fato de serem investimento em educação, a qual deve ser
constantes as ameaças de retrocessos em termos referenciada na promoção dos direitos humanos
para todas as pessoas.
de conquistas de direitos fundamentais.

86
A Consolidação dos Direitos Humanos: Apontamentos Acerca do Processo Histórico
e de Aspectos Teórico-Práticos Atinentes à sua Efetivação

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do
soberano e a vida nua. 2ª ed., Belo Horizonte: Partido Comunista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
Editora UFMG, 2010. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder;
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da organização, introdução e revisão técnica de
pessoa humana no direito constitucional Roberto Machado. 25ª ed. São Paulo: Graal,
contemporâneo: a construção de um conceito à 2012.
luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito
Fórum, 2013. Constitucional Internacional. 14ª ed., São
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova Paulo: Saraiva, 2013.
Edição. Rio e Janeiro: Elsevier, 2004. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
Democracia Participativa – Por um direito SANTOS, Boaventura de Sousa; CHAUÍ,
constitucional de luta e resistência, por uma Marilena. Direitos humanos, democracia e
nova hermenêutica, por uma repolitização desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013.
da legitimidade. 2ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003. _______________. A Gramática do tempo: para
uma nova cultura política. 3ª ed. São Paulo:
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: Cortez, 2010.
O longo caminho. 9ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2007. _______________. A Globalização e as ciências
sociais. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação
Histórica dos Direitos Humanos. 8ª Ed. São SANTOS, Cecília MacDowell. Ativismo jurídico
Paulo: Saraiva, 2013. transnacional e o Estado: reflexões sobre os
casos apresentados contra o Brasil na Comissão
DORNELLES, João Ricardo W. O que são direitos Interamericana de Direitos Humanos. In SUR
humanos? 2ª ed. São Paulo. Brasiliense, 1993. – Revista Internacional de Direitos Humanos,
FERRAJOLI, Luigi. Por uma teoria dos direitos e vol.4, n° 7, São Paulo 2007; disponível em:
dos bens fundamentais. Porto Alegre: Livraria <http://www.scielo.br/pdf/sur/v4n7/a03v4n7.
do Advogado Editora, 2011. pdf>; Acesso em 08/03/2015.
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos TRINDADE, José Damião de Lima. História
e lutas sociais: a construção da cidadania dos social dos direitos humanos. 3ª ed. São Paulo:
brasileiros. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, Petrópolis, 2011.
2003. WACQUANT, Loïc. Os condenados da cidade:
IHERING, Rudolf von, A Luta pelo Direito. São estudos sobre a marginalidade avançada. 2ª ed.
Paulo: Martin Claret, 2003. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2001.

87
Arnaldo Fernandes Nogueira e Marinina Gruska Benevides

NOTAS

* Artigo baseado no primeiro capítulo de Foram lutas de várias décadas, originárias de


dissertação defendida em 09/06/2015, como movimentos das inúmeras organizações, de
requisito para obtenção do grau de Mestre diferentes matizes ideológicos, incluído até
em Planejamento e Políticas Públicas, na as marchas e quarteladas dos militares, que
Universidade Estadual do Ceará – UECE. levaram às transformações do Estado brasileiro
1 Termo derivado de República, palavra composta e à construção de um novo arcabouço jurídico
por dois termos (res+publica) provenientes do institucional, que objetivava dar conta das
latim, que significa coisa pública. transformações que estavam se operando no
âmbito das estruturas de produção”. (GOHN,
2 Na ocasião foi realizada a Conferência 2003, pp. 200/201)
das Nações Unidas sobre Organização
Internacional. 6 Tamanha era a amplitude do conteúdo da EC
nº 1/69, que muitos a consideram como uma
3 Diante de tal cenário, tem se desenvolvido um nova Constituição.
fenômeno social que Cecília Macdowell Santos
denomina de ativismo jurídico transnacional, 7 Para um maior aprofundamento sobre o assunto
que, segundo a mesma, é “um tipo de ativismo vide CARBONARI, Paulo César (Org.). Sentido
focado na ação legal engajada, através das filosófico dos direitos humanos: leituras do
cortes internacionais ou instituições quase pensamento contemporâneo 3. Passo Fundo:
judiciais, em fortalecer as demandas dos IFIBE, 2013.
movimentos sociais; realizar mudanças legais 8 A propósito, Luís Roberto Barroso (2013, pp.
e políticas internas; restaurar ou definir 14/71) sustenta que “[a] dignidade humana,
direitos; e/ou pressionar os Estados a cumprir como atualmente compreendida, se assenta
as normas internacionais e internas de direitos sobre o pressuposto de que cada ser humano
humanos”. In SUR – Revista Internacional possui um valor intrínseco e desfruta de
de Direitos Humanos, vol. 4 n° 7, São Paulo uma posição especial no universo”, pois “[a]s
2007, p. 28; Disponível em: < http://www. coisas que têm preço podem ser substituídas
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid por outras equivalentes. Mas quando uma
=S1806-64452007000200003>; Acesso em coisa está acima de todo preço e não pode
08/03/2015. ser substituída por outra equivalente, ela tem
4 Relevante observar que, no plano constitucional, dignidade. Assim é a natureza singular do ser
os direitos humanos geralmente são humano”.
denominados direitos fundamentais, sendo 9 Tomando por referência os países nos quais a
esta, no meu entender, muito mais uma globalização se faz sentir de forma diferente, o
distinção doutrinária e de técnica legislativa, sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2005,
pois certamente os direitos fundamentais em p. 55/6) entende que o “este termo só deveria
essência são direitos humanos, assim como ser usado no plural”, pois “enquanto feixes
os chamados direitos humanos não deixam de relações sociais, as globalizações envolvem
de ser direitos fundamentais. Para um maior conflitos e, por isso, vencedores e vencidos”.
aprofundamento sobre a categoria direitos 10 Segundo o Mapa da Violência 2014, “as taxas de
fundamentais vide FERRAJOLI, Luigi. Por uma homicídio na população jovem passam de 19,6
teoria dos direitos e dos bens fundamentais. em 1980 para 57,6 em 2012 por 100 mil jovens,
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, o que representa um aumento de 194,2%, no
2011. restante da população, que denominamos não
5 A propósito do que se pode constatar até aqui, jovem, no mesmo período, passam de 8,5 para
interessante observar o que esclarece Maria 18,5 por 100 mil: crescimento de 118,9%. (...)
da Glória Gohn: “[a] despeito de inúmeras As taxas juvenis, em 2012, mais que triplicam
interpretações que atribuem as conquistas as do resto da população. Fica evidente que
realizadas às elites, por serem esclarecidas ou os homicídios juvenis explicam uma parcela
maquiavélicas, antecipando-se aos conflitos e significativa do crescimento da violência no
decretando regras de controle social por meio período. Em 2012, os jovens de 15 a 29 anos de
dos políticos, foram as lutas dos trabalhadores, idade representavam 26,9% do total dos 194,0
pertencentes às camadas populares ou média da milhões de habitantes do país, mas foram alvo
população, que conquistaram as leis surgidas. de 53,4% dos homicídios”. Esse cenário se

88
A Consolidação dos Direitos Humanos: Apontamentos Acerca do Processo Histórico
e de Aspectos Teórico-Práticos Atinentes à sua Efetivação
mostra ainda mais grave quando observamos mais jovens negros que brancos) para 168,6%
as estatísticas fazendo um recorte racial, em 2012, o que representa um aumento de
senão vejamos: “Entre os anos 2002 e 2012, 111% na vitimização de jovens negros”. [grifei]
a tendência nos homicídios segundo raça/cor (WAISELFISZ, 2014, pp. 177/184).
das vítimas foi unívoca: queda dos homicídios 11 Foram estabelecidos como “Objetivos do
brancos – diminuem 24,8% – e aumento dos Milênio”: I. Erradicar a pobreza extrema
homicídios negros: crescem 38,7%. Tomando e a fome; II. Garantir educação básica de
em consideração as respectivas populações, qualidade a todas as crianças em idade escolar;
as taxas brancas caem 24,4% enquanto as III. Promover a igualdade entre os sexos e a
negras aumentam 7,8%. Com isso o índice de autonomia da mulher; IV. Reduzir a mortalidade
vitimização negra total passa de 73,0 % em infantil; V. Melhorar a saúde das gestantes; VI.
2002 (morrem proporcionalmente 73% mais Combater a aids, a malária e outras epidemias;
negros que brancos) para 146,5% em 2012, VII. Garantir a proteção ao meio ambiente;
o que representa um aumento de 100,7% na VIII. Estabelecer uma parceria mundial para o
vitimização negra total. (...) Entre os jovens desenvolvimento.
a situação é mais preocupante: o número de
vítimas brancas cai 32,3%. O número de vítimas 12 Fonte: Nações Unidas no Brasil; Disponível em
jovens negras aumenta 32,4%: diametralmente <http://nacoesunidas.org/sinto-vergonha-raiva-
oposto. As taxas brancas caem 28,6% enquanto e-frustracao-com-a-impotencia-da-comunidade-
as negras aumentam 6,5%. Com isso, o índice internacional-em-parar-a-guerra-siria-diz-chefe-
de vitimização negra total passa de 79,9% da-onu-no-kuwait/>; Acesso em 31/03/2015.
em 2002 (morrem proporcionalmente 79,9%

89
DIREITOS HUMANOS E A CORTE INTERNACIONAL
DE JUSTIÇA: UM ESTUDODE CASO SOBRE A
APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE GENOCÍDIO PELA CIJ

Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva


Professor Doutor, de Direito Penal e Direito Internacional na Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais e na Universidade Federal de Minas Gerais.

Roberta Cerqueira Reis


Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais; Mestre em Direito Internacional
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

RESUMO and how they can influence the construction


of their memories and overcoming trauma
Este artigo visa a discutir as especificidades and rebuilding social tissue. We revise how
de um julgamento internacional envolvendo International Courts specialized in Human
graves violações de Direitos Humanos e a Rights and International Criminal Tribunals
maneira como o judiciário internacional aborda have been dealing with the matter so that we
a questão, notadamente, a Corte Internacional can, finally, address the International Court of
de Justiça. Discute-se a importância do Justice. In conclusion, there is a case study of
judiciário no reconhecimento das vítimas e a sua the trials before the ICJ regarding violations to
influência na formação da memória do conflito, the genocide convention in the dissolution of
podendo (ou não) contribuir para a sua superação the former Yugoslavia, case Bosnia vs. Former
e recomposição do tecido social. Realiza-se uma Yugoslavia (Serbia) and Croatia VS. Serbia.
breve revisão sobre como o assunto é tratado
nas Cortes especializadas em Direitos Humanos Keywords
e pelos Tribunais Penais Internacionais para,
finalmente, analisar como a Corte Internacional Memory; recognition; genocide;
de justiça trabalha a questão. Ao final tem-se International Court of Justice; Balkans.
um estudo de caso envolvendo o julgamento
pela Corte Internacional de Justiça da demanda 1. INTRODUÇÃO
Bósnia VS. Iugoslávia (Sérvia) e Croácia VS. Sérvia A justiça internacional tem sido colocada,
discutindo o descumprimento da Convenção muitas vezes, como condição para a paz. A
de Genocídio no contexto da dissolução da Ex- própria Carta das Nações Unidas, em seu
Iugoslávia. preâmbulo, sugere essa ideia de uma justiça que
supera o uso da força.
Palavras chave Com base neste sonho de uma justiça
Memória; reconhecimento; genocídio; internacional que aplaque a necessidade de os
Corte Internacional de justiça; Balcãs Estados recorrerem ao uso da força houve um
crescimento significativo do número de cortes
ABSTRACT e tribunais internacionais, especialmente
vinculados ao tema de direitos humanos, como
This paper addresses the specificities
os Tribunais Penas Internacionais, os Tribunais
of international trials of gross human rights
híbridos, as Cortes Regionais de proteção dos
violations and how international courts
Direitos Humanos e muitos outros.
approach this issue, notably, the International
Court of Justice. We discuss the importance Os adeptos deste pensamento defendem
of international trials in recognizing victims que apenas um julgamento pode ser capaz

91
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

de colocar fim aos sentimentos de vingança pretender construir um relato histórico, mas
privados. “Criminalizar a guerra, acrescentam, simplesmente apurar condutas individualizadas.
torna-a ainda mais terrível”1. Este sentimento de Pretendemos, neste artigo, criticar essa
paz pela justiça alimenta o sonho do direito que visão tradicional do papel de um julgamento.
supera a violência. Partimos da premissa de que um julgamento
A incapacidade da justiça internacional em internacional faz muito mais que apenas
prevenir ou impedir catástrofes humanitárias destacar fatos de uma história consumada. Não
tem causado ceticismo com relação às promessas existe história consumada. O julgamento está
de um direito que supere a força. Tenta-se inserido nesta história e a constrói. Ele não está
fortemente separar o direito internacional da a posteriori.
política internacional e isto tem impossibilitado O processo judicial se concentra em
uma compreensão mais ampla da capacidade determinar condutas típicas ou violações a
de um julgamento internacional, esvaziando de tratados, perdendo de vista seu papel enquanto
significado as cortes internacionais. narrador de uma memória que irá determinar
A ideia de que ao Direito compete julgar e à a construção daquela sociedade. O olhar
política agir parte do pressuposto de que a justiça excessivamente preso ao passado faz perder de
se apresenta a posteriori, depois que os eventos vista o significado do ato de julgar para o futuro.
já se desenrolaram e apenas cumprem o papel Entendemos que o juiz ao narrar os fatos o
de destacar fatos atomizados do contexto de faz de uma perspectiva completamente diversa
uma histórica consumada. A justiça se sentaria daquela do historiador. Cria-se, no bojo do
na confortável cadeira do post facto e daria uma processo uma narrativa acerca do conflito e nesta
conotação moral aos fatos históricos. criação o tribunal age politicamente. A escolha
A abordagem minimalista de que o direito de fatos, de testemunhas que serão ouvidas
deve se ater apenas à aplicação da lei (law, nothing e dispensadas, a ordem das provas, tudo isso
but the law) angariou adeptos juristas e políticos. são escolhas que terão repercussões políticas.
O julgamento não deve pretender escrever A justiça internacional constrói realidade
história, para não perder sua objetividade. Além discursivamente ao alinhar os fatos de forma A
disso, argumentam os críticos, a história escrita ou B e, neste sentido, age politicamente3.
nos tribunais é limitada e míope devido às Questionamos essa percepção de que os
limitações típicas do procedimento judicial. julgamentos internacionais não interfiram no
Hannah Arendt2 deixa essa posição clara caminhar da história, eles são responsáveis
em seu livro emblemático, Eichmann em pela construção de uma narrativa e formulação
Jerusalém, quando critica fortemente a posição de uma memória que irá definir as decisões e
da promotoria que falava em nome das vítimas o curso daquela sociedade. Sugerimos que os
e julgou todo o nacional-socialismo na figura de julgamentos moldam o futuro e são responsáveis
Eichmann. Em Responsabilidade e Julgamento a pela reconstrução social.
filósofa postula: As Cortes e os juízes, muitas vezes,
Pois como os juízes se deram o trabalho preocupam-se com questões que não guardam
de apontar explicitamente, na sala de nenhum compromisso com a memória, as
um tribunal não está em julgamento vítimas ou mesmo com a verdade. A necessidade
um sistema, uma história ou tendência de manutenção de precedentes jurídicos,
histórica, um ismo, o antissemitismo, determinar a extensão da competência da
por exemplo, mas uma pessoa, e se o réu própria corte ou mesmo promover a carreira
é por acaso um funcionário, ele é acusado individual do juiz, são questões que perpassam
precisamente porque até um funcionário os julgamentos e interferem na narrativa e na
ainda é um ser humano, e é nessa qualidade
seleção das cenas (o que inclui a seleção de
que ele é julgado.
quais testemunhos serão colhidos e quais serão
O julgamento deve se ater às provas dispensados)4.
e testemunhas e não se aventurar em Este artigo se lança a discutir a importância
relatos históricos que não dizem respeito à dos julgamentos internacionais para a
ação individual do réu. Um julgamento se construção da memória dos conflitos, propondo
diferenciaria das Comissões da Verdade, por não uma ideia de reparação para as vítimas5 que

92
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

podem ser reconhecidas em uma arena política (ONU) ao final da Segunda Guerra Mundial,
que lhes possibilita uma reconciliação com o garantindo um fórum de debate e a possibilidade
passado, superação do trauma e a chance de de solução de controvérsias que não envolvesse
reconfiguração da memória do conflito. o uso da força.
Este debate, por sua vez, não é algo A ONU representou uma guinada dos
verdadeiramente novo, ele tem sido realizado Estados em prol da relativização da ideia de
no âmbito das chamadas cortes especializadas soberania, antes vista como inviolável. A própria
em Direitos Humanos (Corte Interamericana de estrutura da Organização demonstra que se
Direitos Humanos, Corte Europeia de Direitos colocou certo limite ao poder soberano dos
Humanos, Tribunais Penais Internacionais, Estados que não mais podem agir livremente
etc). No entanto, pretendemos com este artigo dentro de seus territórios, ignorando as suas
levar esta discussão para um terreno mais árido, obrigações internacionais e a necessidade de
a Corte Internacional de Justiça, onde o tema de proteção dos indivíduos.
Direitos Humanos ainda é tratado com algum Para Cançado Trindade6:
estranhamento.
Adentramo-nos, pois, definitivamente
Cientes da complexidade do feito não
na era dos direitos humanos, na qual
temos pretensão de exaurir o assunto e, mais Estado algum pode deixar de responder
ainda, pretendemos trazer o debate a um caso pelo tratamento dispensado a seus
concreto julgado pela Corte: Caso Croácia VS. habitantes. Longe de recair em seu domínio
Sérvia, no qual se discutiu o descumprimento da reservado, como se invocava no passado,
Convenção de Genocídio. é essa hoje uma matéria de interesse
O caso escolhido sinaliza para a importância reconhecidamente legítimo por parte da
comunidade internacional.
do debate aqui proposto. A CIJ é a principal
Corte do sistema internacional e a tendência é A era dos direitos humanos inaugurou a
que seja, cada vez mais, chamada a decidir casos perspectiva de que a proteção internacional dos
envolvendo violações de Direitos Humanos. indivíduos deve suplantar a proteção do Estado
Como teremos a oportunidade de detalhar logo enquanto instituição que, na vasta maioria das
nas linhas iniciais deste trabalho, o Direito vezes, é conivente ou comete grandes atrocidades.
Internacional dos Direitos Humanos avançou As pessoas devem ser protegidas pelo simples
imensamente no pós-Segunda Guerra Mundial fato de pertencerem à raça humana e não
e a tendência é que continue a crescer. por pertencerem ao Estado A ou B, uma ideia
O debate do papel da CIJ como Corte de universalista, contida no preâmbulo da Carta da
Direitos Humanos deverá ser enfrentado pelos ONU e que ganha destaque no chamado Direito
estudiosos do Direito Internacional mais cedo Internacional dos Direitos Humanos.
ou mais tarde. Todos os principais tratados de O Direito Internacional dos Direitos
Direitos Humanos elegem a CIJ como foro para Humanos é um ramo autônomo do Direito
discutir as suas violações, este é o caso, veremos Internacional que se baseia na lógica de proteção
em detalhes, da Convenção de Genocídio. dos indivíduos e não dos Estados7.Todo o
Discutir participação de vítimas e arcabouço normativo que compõe a disciplina
construção da memória no âmbito da CIJ poderá deve ser interpretado de modo à realização
soar a alguns leitores algo excêntrico e fora de desta proteção que se aperfeiçoa no acolhimento
lugar. No entanto, ousamos trazer estas linhas internacional dos indivíduos que sofreram com
e propor um olhar humanizado para o Palácio a violência perpetrada por Estados ou indivíduos
da Paz. agindo em seu nome.
Não se trata da regulamentação de uma
2. A INESCAPÁVEL RELAÇÃO ENTRE relação entre iguais, mas sim da proteção do elo
O DIREITO INTERNACIONAL DOS mais fraco da cadeia, remediando o desequilíbrio
DIREITOS HUMANOS E AS VÍTIMAS entre o Estado e o indivíduo. “No presente
domínio deste direito de proteção, as normas
DE VIOLAÇÕES jurídicas são interpretadas e aplicadas tendo
A busca pela paz foi o grande motivador sempre presentes as necessidades prementes de
para a criação da Organização das Nações Unidas proteção das supostas vítimas.”8

93
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

A categoria humana e o indivíduo se ou está sendo cometido um crime da


inseriram no debate interestatal9 angariando competência do Tribunal;
às vítimas acessos diversos aos mecanismos
b) O caso é ou seria admissível nos termos
internacionais de proteção como no caso do artigo 17; e
dos direitos de petição contidos no Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no c) Tendo em consideração a gravidade
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, do crime e os interesses das vítimas, não
Sociais e Cultura, ambos de 1966 e seus existirão, contudo, razões substanciais para
Protocolos Facultativos. crer que o inquérito não serve os interesses
da justiça.
O sistema de petição individual permitiu ao
Direito Internacional amparar aqueles que não De igual modo, a centralidade da participação
podem buscar suporte em seus próprios Estados das vítimas nos procedimentos perante a Corte
exercendo sua função de proteção de forma mais Interamericana de Direitos Humanos fez com
contundente. Se retomarmos a ideia de que o que o Regulamento Interno da Corte trouxesse 69
objetivo de criação do Direito Internacional (sessenta e nove) menções às vítimas, permitindo
é a possibilidade de uma paz e superação dos sua interveniência direta nos procedimentos,
conflitos, percebemos que o Direito Internacional conforme previsão do artigo 25, 1.
dos Direitos Humanos tem buscado esse feito
1. Depois de notificado o escrito de
por intermédio da introdução da vítima no
submissão do caso, conforme o artigo 39
sistema internacional. deste Regulamento, as supostas vítimas ou
A proteção das vítimas pelo Direito seus representantes poderão apresentar de
Internacional dos Direitos Humanos tem se forma autônoma o seu escrito de petições,
expressado, de um ponto de vista judicante, argumentos e provas e continuarão atuando
principalmente nas Cortes Regionais de dessa forma durante todo o processo.
proteção dos Direitos Humanos (como a Corte
A participação das vítimas no sistema da
Interamericana, Europeia e a recém-criada Corte
Corte Europeia de Direitos Humanos é ainda
Africana) e Tribunais Penais Internacionais.
mais significativa ao permitir o peticionamento
Estes foros especialmente desenvolvidos direto dos indivíduos que sofreram violações,
para a proteção dos Direitos Humanos têm conforme artigo 34 da Convenção Europeia de
baseado sua jurisprudência e sua orientação Direitos Humanos que instituiu a Corte:
de modo geral na figura da vítima através de
uma efetiva participação dos sobreviventes Petições individuais. A corte poderá receber
nos processos judiciais. A título de exemplo, petições de qualquer pessoa, organização
o Tribunal Penal Internacional traz em seu não governamental ou grupo de indivíduos
reclamando serem vítimas de violação por
Estatuto 38 (trinta e oito) menções às vítimas,
qualquer das altas partes contratantes dos
incluindo a possibilidade de participação direta direitos estabelecidos nesta Convenção
dos sobreviventes nos processos. O interesse das ou em seus protocolos. As altas partes
vítimas será considerado, de acordo com o artigo contratantes se comprometem a não
53 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, obstaculizar de qualquer maneira o efetivo
inclusive para a abertura de inquéritos: exercício deste direito.

Artigo 53 Esta guinada para um viés de proteção dos


indivíduos no sistema internacional, através da
Abertura do Inquérito
figura de proteção das vítimas, sinaliza para o
1. O Procurador, após examinar a papel desempenhado pelo Direito Internacional
informação de que dispõe, abrirá um na busca por uma resposta para o sofrimento
inquérito, a menos que considere que, nos das vítimas de violações de direitos humanos
termos do presente Estatuto, não existe cometidos pelos Estados.
fundamento razoável para proceder ao
Ao abraçar as vítimas e lhes oportunizar
mesmo. Na sua decisão, o Procurador terá
em conta se: a reparação por um mal sofrido pelas mãos
do Estado o Direito cumpre sua função
a) A informação de que dispõe constitui apaziguadora e aplaca os desejos de vingança e
fundamento razoável para crer que foi, de revolta que na maioria das vezes impossibilita

94
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

a reestruturação de uma determinada sociedade. um órgão judicante e busca, justamente, aplacar


O Direito Internacional dos Direitos Humanos estes sentimentos através da possibilidade de
ao dar voz às vítimas reequilibra a equação dar voz à vítima e chance de que a mesma se
Estado/indivíduo e devolve a força do direito. confronte com o Estado violador (ou indivíduo
Ao se debruçar na necessidade de violador).
recuperação da vítima e de seu sofrimento as Além disso, as reparações, muito mais
Cortes de Direitos Humanos têm se orientado que a indenização, pecuniária envolvem uma
para uma visão que extrapola a simples noção obrigação de fazer dos Estados, seja a obrigação
de retribuição normalmente atribuída aos de investigar e julgar o caso internamente
órgãos jurisdicionais. A importância de todo o (como a sentença do caso Julia Lund na Corte
procedimento, ao final, é a reparação das vítimas Interamericana), seja através da necessidade de
que efetivamente tiveram os seus direitos se desenvolver políticas públicas que impeçam
violados. que os eventos se repitam.
A reparação parte do pressuposto de que as A vítima (ou seus familiares) têm seu
vítimas não esperam apenas uma indenização sofrimento reconhecido e levado em consideração
ou a condenação de seus algozes. Mais que isso, por um órgão judicante internacional que lhes
as vítimas esperam ser reconhecidas e ter seu ampara e lhes franqueia a justiça buscada.
sofrimento apresentado ao mundo. As vítimas O respeito às vítimas permite uma chance
querem reparação pelo mal que sofreram e não de reconciliação entre os indivíduos e seus
necessariamente a retribuição desse mal. Estados (ou seus agentes) de modo a favorecer
No caso da Corte Interamericana a o restabelecimento da paz e a superação do
reparação tem sido aplicada hodiernamente conflito que, em primeira e última instância, é a
através das obrigações de promover políticas razão de ser do Direito Internacional
públicas que evitem que o mesmo evento volte Infelizmente, ao saímos do arcabouço das
a ocorrer. Foi o caso, por exemplo, da família Cortes criadas especificamente para a promoção
de Damião Ximenes Lopes que guardava um dos Direitos Humanos, a participação das vítimas
senso de justiça e a necessidade de que o Brasil nos processos internacionais tem provocado
demonstrasse respeito pela sua dor. Nas palavras controvérsia entre os acadêmicos e praticantes
da irmã de Damião Ximenes, citada pelo juiz do Direito Internacional principalmente por
Antônio Augusto Cançado Trindade em seu tocar no infindo debate sobre a condição do
voto separado10: indivíduo como sujeito ou não de direitos no
sistema internacional.
(...) Como irmã mais velha, eu cuidava
de certa forma dele, (...) o acompanhava, A doutrina tradicional tem batido o martelo
o levava para minha casa, o visitava. (...) na questão entendendo que os indivíduos não
A minha relação com ele era a melhor podem ser considerados sujeitos de direito
possível, mais do que irmã, um pouco mãe internacional público, por faltar-lhes capacidade
também. (...) Eu o vi já no caixão, pronto jurídica para firmar tratados, nos termos
para o sepultamento. (...) Pude observar das Convenções de Viena sobre Direito dos
várias marcas de tortura. (...) Ele havia Tratados de 1969 e 1986, que garantiram tal
sido espancado. (...) [Tudo isto] me deixou
prerrogativa apenas aos Estados e Organizações
chocada, me deixou aterrorizada, eu tive
muitas e muitas noites de pesadelos (...).
Internacionais Governamentais.
Fiquei aterrorizada (...). Eu sentia dor Este pensamento se difundiu com o
no peito, mas não era dor que lacerava positivismo jurídico, sobretudo no século XIX,
o coração, mas a minha alma. (...) [O como uma reação ao jusnaturalismo de Hugo
ocorrido] ainda hoje tem efeito, (...) são seis Grotius e Francisco de Vitória que claramente
anos de desespero por justiça. (...) Entrei permearam a origem do Direito Internacional. O
em uma grande luta por justiça (...). Eu tive
positivismo rompeu com a lógica jusnaturalista e
três anos de depressão, (...) viajei muito em
busca de justiça (...)
garantiu o protagonismo dos Estados no sistema.11
A valorização do Estado no Direito
A irmã de Damião não esperava receber Internacional orientou a criação do Tribunal
indenização, pecúnia. Ela espera reconhecimento. Permanente de Justiça Internacional em 1920
Ter seu sofrimento reconhecido pelo Estado que que afirmou a ideia de que os Tratados não
o promoveu. A reparação é algo possível para

95
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

seriam aplicáveis aos indivíduos, mas sim aos maioria das vezes, descompromissadas com a
Estados. realidade das vítimas dos conflitos.
A jurisprudência pró Estado do Tribunal A produção acadêmica, doutrinária
Permanente teve continuidade quando da sua e jurisprudencial que tem demonstrado a
substituição pela Corte Internacional de Justiça importância da reconstrução social para a
(CIJ) que herdou toda a estrutura institucional superação efetiva dos conflitos, não tem
de seu predecessor, inclusive a exclusividade aparecido nas decisões da Corte. Principalmente
dos Estados para demandar esculpida no artigo se considerarmos que boa parte da produção
34.1 do seu Estatuto: “Só os Estados poderão ser acadêmica tem se voltado para o estudo do
partes em questões perante a Corte”. papel das vítimas nesta reconstrução. Não basta
A Corte Internacional de Justiça sediada no reconstruir prédios, precisamos reconstruir
Palácio da Paz, na Haia ergue-se em um grande pessoas, relembrando o belo ditado libanês13. A
monumento dedicado ao Direito Internacional. paz, tão cara ao direito internacional, não tem
A CIJ é o mais importante órgão jurisdicional do tido lugar no grande Palácio da Carnegieplein.
Sistema das Nações Unidas, tendo seu Estatuto Reconhecer o papel da vítima para a
como anexo da Carta da ONU. A maneira como superação dos conflitos não significa negar a
sua jurisprudência se desenvolve atrai a atenção centralidade dos Estados no sistema. São eles os
de todo o sistema internacional, tratando-se de atores por excelência. O indivíduo se projeta no
um importante peso no cálculo custo-benefício sistema internacional por meio de seu vínculo
dos Estados no que toca o cumprimento ou não de nacionalidade, de modo que as demandas
de tratados internacionais perante a CIJ que envolvem os direitos de
A Corte, herdeira de uma tradição alguém individualmente acabam se tornando a
positivista em que o protagonista das demanda do Estado de sua nacionalidade. Este,
relações internacionais é o Estado, zela pelo por exemplo, foi o caso da demanda envolvendo
tradicionalismo e estabilidade jurídica por meio a República da Guiné e a República Democrática
da previsibilidade de suas decisões. do Congo, que discutiu a extradição do Sr.
Ahmandou Sadio Diallo na Corte Internacional
O tradicionalismo da Corte e sua
de Justiça.
orientação pró-Estado tem se confrontado com
a mudança paradigmática descrita por Cançado Não tem sido incomum que a Corte
Trindade12 como a era dos Direitos Humanos. Internacional de Justiça se depare com casos
Houve um aumento significativo do número de como o Diallo em que os direitos de indivíduos
Tratados que envolvem o tema da proteção dos e nacionais de Estados partes na demanda estão
indivíduos, inclusive tratados como os já citados em pauta. Em retrospectiva breve podemos citar
em que é permitido o acesso direto das pessoas os seguintes exemplos14: Disputa fronteiriça entre
à jurisdição internacional (direitos de petição). Burkina Faso e Nigéria que envolveu os direitos
de povos nômades; Caso Bélgica e Senegal sobre a
O sistema internacional, dinâmico, mudou
Convenção contra a Tortura (CAT); Caso Georgia
radicalmente sua orientação desde 1920 quando
e Rússia sobre a Convenção sobre a Eliminação
foi criado o Tribunal Permanente de Justiça
de todas as formas de discriminação racial; Caso
Internacional. O poder do Estado, desde o final
Alemanha e Itália com interveniência da Grécia
da 2ª Guerra Mundial sofreu limitações e os
em que se envolveu a imunidade do Estado
indivíduos, como vimos, receberam proteção
alemão para os pagamentos de indenizações
internacional.
às vítimas italianas e gregas; Caso Bósnia vs.
O anacronismo de decisões baseadas Sérvia e Montenegro, e Croácia vs. Sérvia, ambos
em uma orientação jurisprudencial arcaica e envolvendo a aplicação da Convenção sobre
excessivamente protetiva dos Estados tem gerado Genocídio; entre vários outros.
um descompasso entre a Corte e o mundo.
Infelizmente a maneira como a Corte
O Palácio da Paz, casa da justiça e do direito
tem se comportado ao julgar as demandas que
internacional, tem visto ecoar em seus belos e
envolvem temas de Direitos Humanos não
suntuosos salões, demandas que envolvem um
necessariamente tem sinalizado para uma
clamor de proteção jurídica para os indivíduos,
evolução do Direito Internacional dos Direitos
obtendo como resposta decisões tímidas e, na
Humanos.

96
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

A CIJ tem julgado, de um modo geral, tem sido trazida a debate perante a CIJ com
demandas que envolvem Direitos Humanos com certa frequência e embaraço, demonstrando a
a mesma orientação dada a tratados comuns, necessidade de se repensar, com urgência, qual
esquecendo-se da especificidade da matéria e é o papel da Corte na busca pelos objetivos
de toda a construção acadêmico-doutrinária e esboçados na Carta da ONU e em seu Estatuto.
jurisprudencial das cortes específicas de Direitos
Humanos, como as dos sistemas regionais e 3. A CONVENÇÃO DE GENOCÍDIO
demais tribunais que lidam na área, como os (1948) E A CORTE INTERNACIONAL
tribunais penais.
DE JUSTIÇA
Existem, felizmente, alguns lampejos
em que a Corte se permite alguma abertura à A Convenção para Prevenção e Repressão
jurisprudência das Cortes especializadas, como do crime de genocídio, firmada em 1948, desde o
no caso Diallo em que pela primeira vez em sua momento de sua elaboração teve como objetivo
história a CIJ se referiu à jurisprudência da Corte e finalidade a proteção de grupos e indivíduos.
Interamericana e da Corte Europeia de Direitos Nos trabalhos preparatórios da Convenção, este
Humanos. telos se tornou explícito quando se discutiu a
No caso Diallo a Corte deu um passo além possibilidade de os Estados fazerem “reservas”
ao abraçar seu papel de proteção dos indivíduos à Convenção. De acordo com os comentários
e buscar promover a reparação devida em feitos no draft da Convenção:
decorrência de todo o sofrimento enfrentado No presente estágio do trabalho
pelo Sr. Diallo, nacional da Guiné, que possuía preparatório, há dúvida com relação a
vastas propriedades no Congo, tendo vivido no reservas serem permitidas ou se será
país por mais de trinta anos e se tornado credor incluído um artigo relacionado a reservas
do Estado. Após sua decisão de cobrar as dívidas nesta Convenção. Nós nos restringiremos
do governo congolês o Sr. Diallo foi expulso do aos seguintes apontamentos: 1)Nos parece
Congo e teve toda a sua considerável propriedade que reservas de modo geral não têm lugar
em uma Convenção desta natureza que não
confiscada pelo Estado.
lida com os interesses privados dos Estados,
A Corte determinou que as indenizações mas com a preservação de elementos da
fossem pagas diretamente ao Sr. Diallo pessoa ordem internacional (...)
que efetivamente sofreu os danos de confisco de
sua propriedade e expulsão injusta da terra onde A Assembleia Geral das Nações Unidas,
viveu por mais de trinta anos. em 1951, formalizou consulta perante a Corte
Internacional de Justiça a respeito da possibilidade
Ao determinar que o pagamento fosse
de se fazerem reservas à Convenção, resultando
efetuado à vítima e não ao Estado demandante
na célebre Opinião Consultiva sobre o tema que
a Corte assume a jurisprudência das Cortes de
representou a primeira orientação jurisprudencial
Direitos Humanos e a ideia de reparação das
no sentido de que a Corte possui a máxima
vítimas, extrapolando uma visão estadocêntrica.
importância na interpretação e consolidação da
O fato de a CIJ não ser uma corte Convenção de Genocídio. Esta centralidade da
exclusivamente voltada à promoção dos direitos Corte está inclusive estampada no artigo IX da
humanos (como a Corte Interamericana), não Convenção que prevê explicitamente de quem
significa que ela também não o possa ser quando é a competência para a apreciação de casos de
for submetido à apreciação um caso de violação violações dos seus ditames.
de direitos dos indivíduos como o caso Diallo
bem demonstra. Art. IX - As controvérsias entre as Partes
Contratantes relativas à interpretação,
Lamentavelmente, o avanço verificado no aplicação ou execução da presente
caso Diallo não tem se sustentado em todas as Convenção, bem como as referentes à
demandas envolvendo Direitos Humanos. Os responsabilidade de um Estado em matéria
dois casos mais célebres envolvendo a aplicação de genocídio ou de qualquer dos outros atos
da Convenção para a prevenção e repressão do enumerados no art. III, serão submetidas à
crime de genocídio (1948) provocou desgosto por Corte Internacional de Justiça, a pedido de
parte da doutrina do Direito Internacional dos uma das Partes na controvérsia.
Direitos Humanos e não sem razão. A Convenção

97
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

O papel central da Corte perante esta A própria data da Convenção, um dia antes
Convenção traz implicações extremamente da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
interessantes, especialmente se considerarmos sinaliza para a importância dada pelos Estados
a “divisão de trabalho” existente no Sistema a este instrumento como forma de proteger as
Internacional que tem compartimentado temas populações civis de todo o globo.
entre as diversas Cortes especializadas. A Corte Internacional de Justiça, portanto,
A Corte Internacional de Justiça, por ao ser lançada no artigo IX da Convenção como
exemplo, não é considerada uma corte de Direitos competente para julgamento das violações
Humanos. Como discutido, ela se orgulha em de seus artigos estará julgando um diploma
manter uma posição tradicionalista e orientada normativo básico do Direito Internacional dos
à preservação da vontade, o mais livre possível, Direitos Humanos, funcionando, portanto,
dos Estados (orientação voluntarista). Tudo isso mesmo que a contragosto, como uma Corte de
radicalmente oposto a todo o arcabouço doutrinário Direitos Humanos.
e jurisprudencial do Direito Internacional dos A existência das chamadas cortes
Direitos Humanos, essencialmente voltado à especializadas não retira da CIJ seu protagonismo
proteção dos indivíduos. para a apreciação da Convenção de Genocídio.
No entanto, esta separação entre o papel da A centralidade da Corte não significa, contudo,
Corte Internacional de Justiça e o das Cortes de que ela pode ignorar o trabalho já desenvolvido
Direitos Humanos se torna prejudicado quando pelas Cortes especializadas, notadamente,
a Convenção de Genocídio determina que a os Tribunais Penais Internacionais que já
competência para julgamento pertença à CIJ. trabalham o tema de genocídio de forma habitual
Afinal, a Convenção para genocídio tem sido e têm muito a contribuir para a avaliação da
incluída no rol das chamadas “core conventions”, Corte sobre a matéria.
ou convenções núcleo do sistema universal de A Convenção de Genocídio envolve uma
proteção dos Direitos Humanos. multiplicidade de temas do direito internacional,
A pertença da Convenção de Genocídio como o penal, os direitos humanos, a capacidade
na categoria de tratados de direitos humanos se dos Estados, sua sucessão (caso Iugoslávia e
justifica inclusive historicamente. A ocorrência Sérvia) e o direito dos tratados de modo geral.
do holocausto no curso da Segunda Guerra Não é possível uma avaliação purista e destacada
mundial, sem dúvida foi o grande motivador de uma matéria sem tocar nos demais temas.
para a mudança de paradigma no sistema O genocídio é um evento global que resvala
internacional, para uma atenção mais voltada em diversos tópicos de interesse do sistema
à proteção dos direitos humanos e limitação do internacional, não é possível julgar um item
poder soberano dos Estados. De mesmo modo, sem considerar a cena completa. Não é possível
o holocausto também foi o responsável pela considerar a Convenção de Genocídio como uma
cunhagem do termo genocídio, uma palavra convenção qualquer, esquecendo-se de seu papel
criada para descrever um fenômeno até então histórico na promoção dos Direitos Humanos.
sem precedentes históricos.15 A avaliação atomizada sem considerar
Através de uma dedução lógica podemos a especificidade dos casos de genocídio e dos
concluir que foi o genocídio o grande motivador do Direitos Humanos de modo geral, impede que
Direito Internacional dos Direitos Humanos no a CIJ possa avançar em sua jurisprudência,
pós-Segunda Guerra. Não tivesse Hitler chocado assumindo uma postura mais condizente com
o mundo com sua indústria da morte talvez os os preceitos da Carta da ONU de promoção da
Estados nunca se atentassem para a importância paz e da justiça internacional.
de controlar as políticas de atrocidade contra a A cooperação entre as Cortes internacionais
população civil. Seria, a nosso ver, um equívoco possibilitaria à Corte uma compreensão mais
lógico não considerar a Convenção de Genocídio ampla sobre o próprio fenômeno do genocídio
como um instrumento do Direito Internacional que, para sua ocorrência, demanda a conivência
dos Direitos Humanos. Não é possível falar do do Estado (por ação ou omissão) com grupos de
processo de internacionalização dos Direitos indivíduos que cometem o crime. A faceta da
Humanos sem referência ao genocídio da responsabilidade individual se complementa
Segunda Guerra. com uma responsabilidade do Estado.

98
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

A Convenção de Genocídio não é apenas um permitem o genocídio. A responsabilidade dos


tratado de direito penal, mas também deve Estados será, por óbvio, de natureza civil e não
ser entendida de forma mais compreensiva criminal, como ocorre aos indivíduos.
como um instrumento de direitos humanos.
Ambos, direito internacional penal e Além da Repressão, a Convenção também
direitos humanos são dois lados de uma postula a Prevenção ao Genocídio, atribuição esta
mesma moeda – a proibição do genocídio. que ninguém na doutrina jusinternacionalista
Eles se complementam como medidas para discute ser dirigida aos Estados e que tem
garantir a proibição do genocídio de forma deixado (e muito) a desejar.
efetiva. A noção coletiva do genocídio não
A Prevenção é a principal ferramenta do
nega seu caráter de direitos humanos.16
direito internacional para promoção da paz e
A existência de um viés voltado à a superação de conflitos. Os Estados são os
responsabilidade de indivíduos não exclui o principais responsáveis em garantir, por meio
relevante debate sobre responsabilidade dos da estabilidade de suas instituições, que atos de
Estados. “A análise da Convenção afirma que genocídio não ocorram em seus territórios. No
apesar do foco em sua faceta de direito penal, entanto, assistimos justamente as instituições
ela também traz obrigações que ultrapassam estatais envolvidas nos crimes. Um genocídio
a criminalização e punição, o que é bastante dificilmente ocorre sem que sinais anteriores
relevante para as disputas interestatais”17 sejam dados. As hostilidades entre os grupos,
geralmente, antecedem a violência física. Os
A própria Convenção de Genocídio de
Estados têm o dever de aplacar esses ânimos e
1948 possui um duplo viés: a repressão e a
não permitir que o conflito escale.
prevenção dos crimes de genocídio. A repressão
tem sido realizada por meio dos Tribunais Uma vez ocorrido um conflito que envolve
Penais Internacionais que dirigem sua atuação a ocorrência de genocídio o Estado precisa,
aos indivíduos que atuaram para a realização do novamente, assumir a responsabilidade de
crime, seja por “mão própria”, como mandantes apaziguar os grupos internos e garantir que todos
ou ainda por omissão. A responsabilidade convivam novamente no mesmo território.
criminal é atribuída a pessoas físicas que A reconstrução social pós conflito perpassa,
possuem dolo e não a entidades abstratas como como discutimos, o empoderamento e a
o Estado. reintegração das vítimas (e dos autores). São os
No entanto, a repressão dirigida meramente indivíduos prejudicados com a guerra que terão
aos indivíduos nos parece condescendente com a capacidade de reconstruir a comunidade. A
os Estados. O genocídio é um crime coletivo Corte Internacional de Justiça tem um papel
por natureza. Ninguém sozinho consegue nesta reconstrução, afinal, somente por meio
cometer genocídio, faz-se necessário um conluio desta recuperação das vítimas que se poderá
entre vários indivíduos. Estes conluios, por cogitar algum tipo de paz no território.
si, tampouco conseguem angariar a estrutura A memória do conflito e a das vítimas será a
necessária para a prática que normalmente base de reconstrução da sociedade. As narrativas
envolve: uma propaganda inflamante, a exclusão sobre o conflito embasam, em grande medida, a
das vítimas da comunidade política e imaginada18 história do Estado e a maneira como as decisões
e, por fim, uma matança generalizada e que não futuras serão tomadas. Não é sem motivo que
constitui crime perante o Estado onde ocorre. a memória do holocausto é constantemente
Parece bastante improvável que um celebrada na Europa, por meio de inúmeros
genocídio possa ocorrer sem que o Estado não monumentos, filmes, museus, existe até o dia
tenha, de alguma maneira, participado, ainda de relembrar o holocausto (27 de janeiro). A
que por omissão. A responsabilidade penal celebração desse evento garante que as pessoas
individual, portanto, tem liberado o Estado de não esqueçam e que suas decisões se pautem
suas responsabilidades perante a Convenção de naquela vivência.
Genocídio. O holocausto moldou o homem europeu
A CIJ surge, amparada pela competência do moderno e baseia, em grande medida, as
artigo IX da Convenção, como uma maneira de instituições sólidas em torno de uma estabilidade
responsabilização dos Estados que participam ou na região. A memória garante que os indivíduos
se reconheçam parte de uma história comum,

99
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

trágica, que os vitimizou, mas que eles Haia, interrompeu o curso de seu julgamento
superaram. pelos crimes de guerra e genocídio nos Balcãs. O
A justiça internacional possui um papel Tribunal Penal Internacional Ad-hoc para a Ex-
nesta equação histórica que garante a estabilidade Iugoslávia já havia emitido, até aquele momento,
ou a instabilidade pós-conflito. Se a Convenção setenta julgamentos das responsabilidades
de Genocídio possui como dever a prevenção do individuais dos envolvidos nos crimes.
genocídio e a Corte Internacional de Justiça tem Após tantos anos de espera, era imensa a
um dever na promoção da paz e superação de expectativa para ouvir a Corte Internacional de
conflitos, novo olhar deve ser lançado sobre o papel Justiça se pronunciar pela primeira vez quanto ao
da memória e das vítimas nos procedimentos mérito da Convenção de Genocídio e a limpeza
envolvendo a Convenção na CIJ. étnica noticiada amplamente por inúmeros meios
A Corte poderia com competência atuar de comunicação, especialmente pelo jornalista Roy
nos moldes de uma Corte de Direitos Humanos, Gutman20 que ganhou um prêmio Pulitzer com a
em que há uma abertura à participação das série de reportagens intitulada “Testemunha de
vítimas e preocupação concernente à memória Genocídio” (Witness to genocide).
e importância de estabilidade no local do Imensa foi a surpresa dos presentes na
conflito. No entanto, a ausência de participação sessão solene de leitura do Summary e das
das vítimas e desconsideração com o papel da inúmeras associações de vítimas que lotavam
memória continuam marcando os procedimentos o lado de fora do Palácio da Paz quando o
na CIJ. Recentemente o debate envolvendo presidente Higgens entoou:
a aplicação da Convenção de Genocídio pela
A Corte (…) (2) por treze votos a dois,
Corte reacendeu a discussão sobre seu papel na
promoção dos Direitos Humanos. Entende que a Sérvia não cometeu
Em 09 de fevereiro de 2015, houve a entrega genocídio, através de seus órgãos ou pessoal
final do julgamento do caso Croácia contra a cujos atos atraíssem sua responsabilidade
Sérvia e a demanda reconvencional da Sérvia o que sob o direito internacional costumeiro,
em violação às suas obrigações sob a
acirrou os ânimos dos estudiosos e praticantes do
Convenção para a Prevenção e Repressão do
Direito Internacional dos Direitos Humanos. A crime de genocídio. (CIJ, 2007, parágrafo
Corte repetiu os mesmos equívocos amplamente 471, tradução nossa)
debatidos quando do julgamento do caso da
Bósnia e Herzegovina VS. Sérvia e Montenegro, Nem mesmo sob a figura de conspiração ou
cuja sentença foi entregue em 2007. cumplicidade foi a Sérvia condenada pela CIJ:
Houve ampla repercussão, em grande (3) por treze votos a dois,
parte negativa, acerca das escolhas adotadas
na sentença e que gerou um contundente voto Entende que a Sérvia não conspirou para
dissidente do ilustre juiz Antônio Augusto cometer genocídio, tampouco incitou o
Cançado Trindade. cometimento de genocídio, em violação
às suas obrigações sob a Convenção para
a Prevenção e Repressão do Crime de
4. ESTUDO DE CASO: OS JULGAMENTOS Genocídio.
DO GENOCÍDIO NOS BALCÃS
(4) por onze votos a quatro,
O tempo da justiça não respeita o tempo
dos homens19. A sentença da Corte para o caso Entende que a Sérvia não foi cúmplice de
da Bósnia VS. Iugoslávia (Sérvia) foi entregue genocídio, em violação às suas obrigações
em fevereiro de 2007, mais de uma década após sob a Convenção para a Prevenção e
Repressão do Crime de Genocídio. (CIJ,
o ajuizamento da ação. Quando o presidente
2007, parágrafo 471, tradução nossa
Higgins fazia a leitura do Summary no grande
salão da justiça do Palácio da Paz o governo O ataque a Srebrenica, no entanto, foi
radical nacionalista sérvio já não estava no poder visto como genocídio pela Corte e a Sérvia foi
e a sangrenta guerra já fazia parte do passado. condenada por não ter se mobilizado para evitar
Nem mesmo Milosevic assistiu à decisão que o ataque ocorresse:
da Corte Internacional de Justiça. Sua morte,
em março de 2006, enquanto estava preso na

100
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

(5) por doze votos a três, entende que a Nem mesmo os esforços conjuntos do
Sérvia violou suas obrigações de prevenir o governo sérvio e bósnio em punir os violadores e
genocídio sob a Convenção para a Prevenção encontrar os inúmeros desaparecidos na guerra
e Repressão do Crime de Genocídio, no tem resultado em uma diminuição da tensão
que diz respeito ao genocídio ocorrido em
entre os povos, como demonstra o ataque com
Srebrenica em julho de 1995. (CIJ, 2007,
parágrafo 471, tradução nossa) pedras ao Primeiro Ministro da Sérvia durante a
celebração do aniversário do massacre noticiada
Apesar do reconhecimento do genocídio em pela BBC em 11 de julho de 201521:
Srebrenica e da inação da Sérvia em evitar seu
Triste, mas previsível, Sr. Vucic foi vaiado
cometimento, pelas mãos do general Mladic,
por muitos da multidão. Alguns até
comandante da JNA, a Corte não condenou a jogaram objetos enquanto ele prestava suas
Sérvia ao pagamento de reparações ao Estado da condolências no cemitério. O imã lembrou a
Bósnia, menos ainda considerou as inúmeras multidão de que era um momento de prece.
vítimas do país (ou mesmo as de Srebrenica): Mas a raiva ali permanece. (...) Enquanto
alguns cantavam “responsabilidade”e
(9) por treze votos a dois, “genocídio” outros continuaram jogando
objetos – relatos sugerem pedras, garrafas
Entende que, com relação às violações
de água e um sapato estão entre os itens
pela Sérvia das obrigações referidas nos
usados.
subparágrafos (5) e (7) acima, as conclusões
da Corte nestes parágrafos constituem A falta de participação das vítimas durante
a apropriada satisfação, e que o caso não
os procedimentos do caso Bósnia vs Sérvia
é para se determinar o pagamento de
compensação, ou, no que toca a violação e a maneira como a CIJ lidou com as provas
mencionada no subparágrafo (5), uma carreadas aos autos (e as não carreadas e que a
diretriz para se fornecer garantia de não Corte não buscou acesso embora tenham sido
repetição seria apropriada. (CIJ, 2007, referidas pelas partes) podem ter alguma relação
parágrafo 471, tradução nossa) com a falha solução jurídica apresentada e
seu total fracasso em reduzir as tensões locais
A impunidade da Sérvia em nada contribuiu e contribuir para uma efetiva superação dos
para amenizar a narrativa histórica entre os conflitos.
bósnio-sérvios que aponta para uma vitimização
histórica e nega a ocorrência (amplamente A decepcionante resposta da Corte no caso
documentada) do genocídio. A Corte perdeu da Bósnia, no entanto, não seria a última. A
uma oportunidade de mudar a narrativa deste Guerra nos Balcãs gerou nos anos 1990 uma
conflito, em prol de uma responsabilidade pelos segunda demanda perante a CIJ discutindo a
eventos ocorridos. Assumir a responsabilidade e aplicação da Convenção de Genocídio, dessa
honrar as vítimas seria uma forma de estabelecer vez trazida pela Croácia em 1999. A sentença
os pilares de uma paz duradoura nos Balcãs. do caso Croácia contra a Sérvia foi entregue
em 03 de fevereiro de 2015 e lamentavelmente
A Celebração, em 2015, dos vinte anos assistimos à reprodução do fiasco anterior.
de Srebrenica demonstrou a má construção da
memória do conflito na Bósnia e o abismo que O regime sérvio, amparado pela
continua separando os sérvios dos muçulmanos jurisprudência da CIJ, não reconhece a sua
no país. Diversos meios de comunicação participação e, muito menos, a existência
publicaram notícias que indicam isso, como o do genocídio nos Balcãs. Este fato político se
trecho da reportagem de 17 de julho de 2015 da escorou no direito para sua legitimação, mas
The Atlantic: não encontra nenhuma relação com as provas
analisadas pela Corte.
Na manhã seguinte, entrevistas com Os analistas e acadêmicos que se debruçaram
uma dúzia de bósnio-sérvios vivendo sobre o processo da Bósnia são unânimes em
próximo de Srebrenica produziu respostas
identificar que as provas são conclusivas de que
similares. Enquanto dezenas de milhares
de muçulmanos bósnios passavam para
era a República Federal da Iugoslávia (FRY) quem
comemorar os vinte anos do massacre, financiava as milícias radicais que cometeram
sérvios menosprezavam a reunião e a ideia as principais atrocidades. Todo o equipamento,
de que 8.000 mortos seria uma “farsa”, estrutura logística e treinamento era franqueado
“um circo”, e “faz de conta”. em Belgrado. Além disso, o general Mladic

101
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

que emitiu diversas ordens de ataques brutais por denunciar por um crime mais fácil de ser
contra a população civil respondia diretamente provado para garantir a condenação ou, ainda,
a Milosevic. fazer os acordos prévios (plea bargains).
A Corte aplicou, a nosso ver As provas, de um modo geral, foram
equivocadamente, o chamado “effective control tratadas de forma inadequada pela CIJ. Seja
test” (teste do controle efetivo), desenvolvido em por se exigir da Bósnia (e depois à Croácia) um
sua jurisprudência no caso Nicarágua vs EUA, elevado ônus da prova, impedindo seu acesso a
para verificar se havia ou não um controle efetivo diversos documentos que estavam em poder da
por parte da FRY das milícias. De acordo com o Sérvia, seja pela má utilização da jurisprudência
referido teste, o ônus recai sobre o Estado que do TPIY.
alega em provar que os perpetuadores tinham Aliado a isso, temos a desconsideração
o objetivo de cometer genocídio e que seriam dos inúmeros depoimentos das vítimas do
órgãos ou estavam sob o efetivo controle do conflito e a impossibilidade de sua participação
Estado acusado. Qualquer autonomia por parte nos procedimentos da Corte. Certamente,
dos autores derruba a tese de responsabilidade sua presença teria fornecido um panorama
estatal.22 geral capaz de comprovar a intenção genocida:
Um padrão tão elevado e exigente de prova destruição dos templos, a separação das famílias,
torna-se um importante limitador para o Estado os estupros generalizados, os assassinatos dos
demandante. A intenção e o controle tampouco homens, meninos e idosos, as deportações e o
podem ser demonstrados de forma global (no todo projeto de tornar as municipalidades atingidas
do conflito) mas sim, especificamente, para cada etnicamente puras.
caso em particular. O “controle geral” adotado No processo da Croácia, a testemunha
pelo TPIY no caso Tadic23 foi desconsiderado Katic, por exemplo, uma das poucas ouvidas
pela Corte por ampliar excessivamente a pela Corte compareceu na sessão do dia 05 de
responsabilidade dos Estados. março de 2014 e deu o seguinte depoimento:
Com o ônus sobre a Bósnia em demonstrar a
Era o dia 10 de novembro quando a JNA
intenção da Sérvia em cometer genocídio liberou
chegou na vila. A infantaria e os soldados
a Corte de analisar todas as municipalidades andavam em frente aos tanques. Eu nunca
atingidas no conflito, o que a teria franqueado havia visto nada como aquilo em toda
um panorama completo sobre a verdadeira minha vida, mas isso não é importante. O
intenção de formação da Grande Sérvia que que é importante é a minha experiência.
motivou os massacres. Aquilo era o fim. Eles derrubaram casa
Vários documentos que poderiam provar a por casa a tiro. Atrás do lugar onde estava
a corporação médica havia uma casa com
conivência de Belgrado para com os massacres
civis e eles entraram no porão e mataram
não estavam acessíveis para a Bósnia, como Dragica Gabric, que era Sérvia. Ela foi
por exemplo, as notas taquigráficas das sessões queimada viva e o marido dela, Janko,
do Conselho Superior de Defesa da Sérvia. O eles o levaram com eles. Eu não sabia para
pedido da Bósnia para que a Corte determinasse onde eles o estavam levando. (CIJ, Compte
a entrega do documento não foi atendido e, Rendu, volume 09, p. 20, tradução nossa)
mesmo assim, este fato não foi usado para
inverter o ônus da prova em desfavor da Sérvia.24 Este depoimento encontra-se coordenado
com os vários depoimentos constantes nos
Bastante criticado (e criticável), também, foi
anexos dos memoriais apresentados pela
a interpretação dada pela CIJ para o fato de que
Croácia no julgamento. Como, por exemplo, o
a promotoria do TPIY optou por não denunciar
depoimento da testemunha Z.L.:
diversos autores pelo crime de genocídio. A
Corte entendeu que isto sinalizaria para a não Eles trancaram 104 de nós em um hangar,
ocorrência do genocídio de forma generalizada. éramos na maioria mulheres, crianças e
Esqueceram-se, lamentavelmente, que no TPIY idosos. Os comandantes eram dos “Águias
apura-se a responsabilidade individual e não Brancas”26 (...). Pouco a pouco, à noite,
Estatal. Pode ocorrer de não haverem indícios do os Chetniks levavam nossos homens em
caminhões. Desta forma eles levaram vinte
mens rea25 daquele indivíduo, mas se analisado
e sete homens e ninguém mais soube deles.
no globo se perceba um padrão genocida. Além Minha irmã e eu dormíamos em camas de
disso, a liberdade do promotor lhe permite optar

102
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

palha no porão quando um Chetnik bêbado, Paul Ricoeur29 e as lacunas deixadas pela má
FKDPDGR 67(92 3(5,ý YHLR FRP XPD formação das memórias se tornam evidentes no
lanterna. Ele se aproximou e me sacudiu, depoimento da testemunha L.B.:
naquele momento eu senti a alma deixar o
meu corpo. Nós tínhamos de nos exercitar Eu acho que o assassinato dos Britvecs
todas as manhãs e então eles abusavam de ocorreu algumas semanas antes do
nós. (Memorial Croácia, volume 02, parte assassinato de seis pessoas idosas em
01, anexo 33, pagina 111, tradução nossa) %RVDQVNL .RYDĀHYDF SRUTXH DSyV XP
período, Bude me disse que eu não poderia
Ou ainda, a testemunha B.H. LUjLJUHMDGH6mR3HGURHP.RYDĀHYDFSRLV
ela havia sido queimada (...). Contudo,
Eles vieram naquela noite por volta de eu não estou seguro com relação ao que
meia-noite e foram embora por volta eu lhe disse porque eu não me lembro
das 4 da manhã. Eles bateram na porta e completamente de como os incidentes
ameaçaram matá-la. Como ela estava com ocorreram cronologicamente enquanto
medo ela abriu a porta. Vugdelija forçou eu estive em Crna Draga em 1991 e
a entrada e a agarrou pelo pescoço com 1992, devido ao fato de que eu estava
uma mão estrangulando-a e cobriu sua constantemente sob pressão e com medo,
boca e o nariz com a outra, sufocando-a. então eu não prestava muita atenção no
Ele buscava marcas alemãs e lhe disse que acontecia e quando, e eu não podia
que a mataria, cortaria ela em pedaços e anotar nada. Como consequência de tudo
a estupraria. Então ele a jogou na cama e o que eu passei, as vezes eu não consigo me
amarrou suas mãos nas costas. Naquele acompanhar (estou me referindo a minha
momento B não tinha ar e estava exausta e memória) e minha esposa pode confirmar
não conseguia mais se defender (...). Poucas isso.(Anexo 341 do Memorial da Croácia,
horas depois quando ela pode andar, ela volume 2, parte 3, p. 31, tradução livre)
correu nua e descalça por cerca de 300-400
metros até a casa dos vizinhos e parentes A vítima não consegue colocar os eventos
que testemunharam o drama que ela e o em ordem cronológica tendo em vista a natureza
marido passaram. (Memorial Croácia,
da experiência traumática que não é bem gravada
volume 02, parte 03, anexo 439, pp. 250-
251, tradução livre) na memória no momento de sua ocorrência.
O depoimento acima aponta para outra
Narrativas como estas se misturam a uma característica do trauma, mencionada por
infinidade de outras de igual teor que foram Caruth30 ao retomar a história freudiana do
apresentadas à Corte Internacional de Justiça, acidente de trem. Uma pessoa que sofre um
ao longo dos dezesseis anos de tramitação da desastre de trem não tem consciência do que
demanda envolvendo a Croácia e a Sérvia. Estes está havendo durante o acidente, ocorre uma
relatos de violência evidenciam a dificuldade “fuga”. A mesma fuga vivenciada pela vítima
em se estudar crimes contra a humanidade, L.B. que traduziu isso como se fosse uma “falta
genocídios, limpezas étnicas e demais massacres de atenção” nos eventos ou no momento em que
apenas a partir de uma perspectiva jurídica eles ocorriam.
positivista. A incredulidade com que a vítima de um
Um processo envolvendo a ocorrência de crime de genocídio se depara quando sofre a
genocídios demanda do juiz a sensibilidade e agressão tem ainda relação com a origem da
compreensão das implicações daquela causa violência. Normalmente a violência é cometida
do ponto de vista do trauma vivenciado pelos por indivíduos que elas já conhecem como
indivíduos e pela sociedade e as implicações vizinhos e, em alguns casos, pessoas que
deste trauma para a formação da memória social. eram suas amigas. Isto pode ser percebido em
O julgamento passa a fazer parte da história do depoimentos juntados pela delegação croata em
conflito, ao construir narrativamente a memória seus memoriais, como o de A.S.:
por meio do preenchimento das lacunas deixadas
Durante a conversa com Micá eu tentei
pelo trauma. O trauma prejudica a formação
falar normalmente de modo a convencê-lo
das memórias, pois abala as defesas psíquicas de que ele não precisaria fazer aquilo, afinal
da vítima interferindo no processo normal em eu o conheço pessoalmente e também à sua
que as memórias são gravadas27. A quebra do família, mas ele não recuperava a sua razão,
mecanismo mimese/muthos28 apontadas por ele começou a usar um linguajar vulgar, me

103
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

dizendo que eu era uma “prostituta ustasha Eu quis dizer o Exército da Iugoslávia que
e que eu deveria ser estuprada e depois tinha todo o apoio da população sérvia
morta” (...) (CIJ, Memorial da Croácia, local. Quem deu a eles o direito de entrar
volume 2, parte 1, anexo 126, p. 360, pacificamente na minha vila, destruir
tradução nossa) minha casa, matar meu irmão, arruinar
minha irmã, me privar de metade da
E o de D. I.: minha vidae matar tantos da minha vila.
Dez por cento dos vileitos em minha vila
Na foto Nº. 12 está uma pessoa que fez foram mortos. Quem lhes deu esse direito?
muitos coisas ruins em nossa vila e nós o (...) (CIJ, Compte Rendu, volume 9, p. 24,
chamamos de “Kristus”, o pai dele é Milos tradução nossa)
e o seu nome é Milan Dragicevic. Nós
tínhamos boa relação com estas pessoas Aliado à prova testemunhal, vem a vasta
antes. Estes eram pessoas locais que prova documental do memorial da Croácia,
chamaram os outros. As armas foram dadas
especialmente o documento juntado no volume
a eles pelo exército porque eles usavam
uniformes militares. (CIJ, Memorial da
4, anexo 14 que demonstra a orientação
Croácia, vol. 2, parte 2, anexo 208, p. 121, intelectual que amparou o nacionalismo sérvio.
tradução nossa) Em 1986 a Academia Sérvia de Artes e Ciências
lançou um memorando que contemplava as
A vítima vivencia, ainda, uma perda de demandas de construção da Grande Sérvia. Este
confiança nas instituições e no mundo. Existe documento ficou conhecido como a “Ideologia
uma dificuldade em aceitar que aconteceu, fato da Grande Sérvia” e conclui clamando para
extremamente comum entre os sobreviventes que todo o povo sérvio se unisse em prol da
do holocausto que não conseguiam separar o construção deste novo Estado. Em tradução livre
real e irreal,tendo em vista a abrupta inversão assim é parte da conclusão do documento:
de valores que se dá no contexto de conflitos.
Trata-se do que Primo Levi bem descreveu no A primeira exigência de nossa
transformação e renascimento é uma
sonho que lhe atormentou por toda sua vida
mobilização democrática de todas as
pós-Auschwitz31: Qual é a realidade? Auschwitz forças intelectuais e morais da nação, não
e o estado de exceção ou essa tênue e frágil paz apenas para realizar decisões tomadas por
que nos conforta e que pode acabar a qualquer nossos líderes políticos, mas também para
momento? desenvolver programas e mapear o nosso
Genocídios não ocorrem sem algum nível futuro de forma democrática. Pela primeira
de conivência dos Estados. A responsabilidade vez em nossa história recente, expertise
e experiência, consciência e coragem,
individual, franqueada pelos Tribunais Penais,
imaginação e responsabilidade se unirão
como o TPIY, deve ser complementada com para levar adiante esta tarefa da maior
as devidas responsabilizações dos Estados que importância para toda a sociedade, com
descumprem seu dever para com a sua população princípios de um programa a longo prazo.
civil ou, para os juspositivistas, os deveres
assumidos quando da ratificação da Convenção A Academia Sérvia de Ciências e Artes
para a Prevenção e Repressão do Crime de mais uma vez expressa sua vontade de fazer
tudo o que ela pode para reunir os esforços
Genocídio. Não é sem motivo que o artigo IX da
para lidar com estes assuntos cruciais e
Convenção prevê que a CIJ, uma corte estatal, os deveres históricos que incumbem à
será o foro de discussão da Convenção. nossa geração. (CIJ, Memorial da Croácia,
No caso da Croácia, as provas de conivência volume 4, anexo 14, p. 85, tradução nossa)
da FRY no cometimento do genocídio estavamnos
autos do processo. Foi a construção da Grande Além de ter sido juntado pela Croácia em
Sérvia que levou à expansão territorial e à seu Memorial perante a Corte Internacional de
limpeza étnica que garantiriam uma Iugoslávia Justiça, o documento foi amplamente utilizado
para e pelos sérvios. (BBC, 1995). pela promotoria do Tribunal Penal Internacional
Ad-hoc para a Ex-Iugoslávia demonstrando
A conivência do exército iugoslavo (JNA)
claramente a ideologia nacionalista que banhava
extrapolou o mero apoio logístico, tendo
o conflito nos Balcãs.
resultado em ataques efetivos a vilas na Croácia,
como o descrito pela testemunha Katic, em seu Este memorando referendou
depoimento perante a CIJ: cientificamente uma ideologia acentuando os

104
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

ideais nacionalistas de construção da Grande Nós passamos aquela noite no corredor


Sérvia como algo irrefutável, cuja veracidade de nossa casa, não nos era permitido
possuía um rigor científico. dormir em nossa casa. No dia seguinte eles
disseram que nós croatas não poderíamos
As decisões que ordenavam os massacres, mais ficar ali, que alia era Sérvia e que
conforme ficou bem demarcado pela “na Grande Sérvia não havia lugar para
jurisprudência do Tribunal Penal Internacional croatas”que eles nos perseguiriam até o
Ad-hoc para a ex-Iugoslávia e demonstrado Adriático, e que nós teríamos que pular no
documentalmente nos memoriais da Croácia mar nós mesmos. Foi assim que nós fomos
foram tomadas pelos líderes político-militares exilados de nossa casa. (CIJ, Memorial
(General Mladic, Radovan Karadzic, Slobodan Croácia, volume 2, parte I, anexo 76, p.
Milosevic, Borisav Jovic, Milan Babic, entre 208, tradução nossa)
outros) em nome da Ex-Iugoslávia, mas em Se o Estado patrocina atrocidades e se
favor da construção do novo Estado da Sérvia. favorece delas em sua própria criação, como
As pichações nas paredes das cidades destruídas esperar que as vítimas voltem a confiar nas
apontavam a ironia do Estado iugoslavo: A águia instituições? Como reintegrá-las, no pós-
de duas cabeças símbolo sérvio seguido das boas conflito, à vida social? Neste momento surge
vindas à cidade morta (welcome to the dead a importância do judiciário para recuperar essa
village) (CIJ, Memorial da Croácia, vol. 3, figura confiança.
17.3)
O processo de superação dos conflitos
Os depoimentos dramáticos de testemunhas perpassa essa integração da vítima no corpo
demonstram a inação das autoridades quando se social. Retirar os sobreviventes do isolamento
tratava das denúncias de abusos realizados pelas e inseri-los em uma narrativa comum ajuda
forças armadas oficiais e das várias milícias na superação do trauma e recomposição da sua
que funcionavam paralelamente em prol do memória. É importante saber que o que ocorreu
projeto da Grande Sérvia. Como, por exemplo, foi uma realidade, que constituiu um crime e os
a testemunha F.D. que informa que “todos os responsáveis foram punidos.
sérvios que fossem membros da polícia ou da
A oportunidade de falar perante o Tribunal,
estrutura de autoridade tinham sua própria
contar sua história e ouvir a de outros, como já
faxineira que também, sob coerção, tinha que
argumentamos, possui um importante efeito
ser sua amante”(Memorial da Croácia, volume
para as vítimas e, consequentemente, para
2, parte 1, anexo 106, p. 323, tradução nossa).
a superação dos conflitos. Este momento do
Tal depoimento se coaduna com o de testemunho, dado perante uma instituição sólida
várias mulheres que foram vítimas de violência e importante como é o caso da CIJ, ajudaria
sexual por parte de homens que representavam a recuperar um senso de justiça e confiança
o Estado e que deveriam protegê-las. Todas as institucional. Para Humphrey33:
tentativas de denúncia eram desprezadas ou
seguidas de punição que, em grande parte das Atrocidade seleciona vítimas e as reduz a
vezes, envolvia novas violências (principalmente objetos desumanizados. A dor da vítima e
sexuais), como o irreproduzível depoimento de seu sofrimento ficam abaixo da moralidade,
M.M. vítima de violência sexual, transcrito no elas perdem a audiência moral. Ainda
assim, paradoxalmente, testemunhar
anexo 117, do volume 2, parte I do memorial da
é essencial para o reconhecimento do
Croácia. sofrimento da vítima, para a compaixão
A “limpeza étnica” foi patrocinada por e cuidado. Testemunhar é o veículo para
forças oficiais como meio de se construir a reverter o efeito da desumanização das
Grande Sérvia. A política de atrocidade possui o atrocidades e recuperar a humanidade das
simbolismo de que “matar o Outro é um ato de vítimas e seus mundos sociais.
eliminação e purificação. O corpo é ritualmente No entanto, o procedimento perante a Corte
transformado através da violência e expulso dificulta a participação das vítimas, impedindo
da comunidade dos vivos.”32 O mapa social se que ela possa funcionar, como as cortes de
reduz em termos de poluição, impureza, a ideia Direitos Humanos têm feito, como um espaço
de que algumas pessoas estão fora do lugar que para a reparação e recuperação das vítimas e das
deveriam estar. Como a família de J.V.: sociedades pós-conflito.

105
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

O caso Croácia vs Sérvia trouxe um Por fim a Corte se volta aos numerosos
problema para a oitiva das vítimas pretendida depoimentos anexados pela Croácia
pela Croácia. O medo das ameaças fez com que em seus memoriais escritos. Enquanto
duas testemunhas tivessem de ser ouvidas em reconhece as dificuldades de se obter
evidência nas circunstâncias desse caso,
sessão fechada. As demais que foram ouvidas
a Corte, por outro lado, nota que muitos
em plenário, no entanto, não podiam dar seu desses depoimentos produzidos pela
testemunho perante as demais testemunhas e, Croácia são deficientes. Além disso, certos
consequentemente, não ouviam os testemunhos depoimentos consistem em relatos da
dos outros. Isso foi uma medida tomada pela polícia croata de um ou vários indivíduos
Corte para garantir a segurança das testemunhas e que não estão assinados por estas pessoas
e, também, para garantir uma neutralidade e e não contém indicação de que estes
imparcialidade dos depoimentos. indivíduos sabiam de seu conteúdo. Além
disso, as palavras usadas parecem ser as
A imparcialidade dos julgamentos é um dos policiais. A Corte considera que não
pressuposto da atuação jurisdicional. Mas pode atribuir nenhum peso de evidência
também o é a aplicação da justiça. Anos de a tais depoimentos. (CIJ, 2015, parágrafo
estudo, análises clínicas e prática nos Tribunais 167-199, tradução nossa)
Penais identificaram que as vítimas não podem
dar um relato neutro e preciso quanto aos fatos, Conforme era sabido, muitos sobreviventes
devido à própria natureza da violência e do temem pela própria vida e preferem ficar no
trauma que atrapalha na formação da memória. anonimato. Inclusive, dois foram ouvidos
Isto não pode diminuir a importância do pela própria Corte em sessão fechada. A não
depoimento das vítimas. Ao contrário, o próprio indicação do depoente ou a falta de assinatura
fato de que ela possui uma memória malformada não poderiam ter sido motivo para desconsiderar
e traços do trauma já sinalizam para a existência a palavra daquelas vítimas. Na verdade, o
da violência. sobrevivente espera que sua dor seja reconhecida.
Disso decorre, ainda, a necessidade de se O rigor de prova exigido pela Corte
ouvir várias e não apenas uma vítima. É preciso tornou praticamente impossível para a Croácia
confrontar a narrativa individual com a coletiva, comprovar o mens rea do genocídio. A prova
encaixando as peças faltantes ou destoantes precisaria ser conclusiva e não haver nenhuma
formando o “quebra-cabeças” que representa a dúvida quanto à intenção de se eliminar no todo
realidade social do conflito. ou em parte os membros do grupo:
A oitiva de diversas vítimas possibilita, o que toca à força da prova, a Corte,
ainda, a construção de um panorama geral do citando casos anteriores, relembra que
conflito. Existe um forte indício do caráter quando se trata de alegações contra
generalizado do ataque e do mens rea do Estados que envolvam imputações de
genocídio se uma narrativa se repete nas palavras excepcional gravidade, como é o presente
caso, elas devem ser provadas por evidência
de sobreviventes de diversas localidades, como os
totalmente conclusivas (...)(CIJ, 2015,
anexos juntados pela Croácia em seus memoriais
parágrafo 167-199, tradução nossa)
e que traziam depoimentos de indivíduos de
várias municipalidades todos descrevendo as Este rigor exigido pela CIJ faz sentido nos
mesmas violências, as mesmas faixas brancas Tribunais Penais, em que se está lidando com
nos braços, as mesmas práticas de violência penas privativas de liberdade. No entanto, em
sexual, as mesmas práticas de trabalho forçado uma corte que aplica sanções de natureza civil,
e separação das famílias, os mesmos insultos em um caso delicado como o de um genocídio,
(ustasha) etc. que envolve trauma e todas as dificuldades dele
Infelizmente, a Corte ao tratar em sua decorrentes para a narrativa dos depoentes, a
sentença dos depoimentos dos sobreviventes, exigência se torna impossível de ser cumprida.
inclusive os inúmeros anexados nos memoriais Com o elevado ônus da prova dirigido à
da Croácia, não teve o cuidado de lidar com a Croácia e os depoimentos das vítimas sem peso
especificidade da prova e estabeleceu que não probante, a CIJ acabou considerando que não
poderiam ser considerados confiáveis por não havia provas para determinar a ocorrência dos
estarem assinados ou não conterem a indicação estupros e demais atos de violência sexual como
do depoente:

106
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

sendo perpetrados pela JNA e demais milícias sentença. A Corte já havia se pronunciado
sérvias: negativamente com relação ao caso da Bósnia
e alterar sua jurisprudência significaria a
Na questão de se os atos que possam ser
instabilidade jurídica internacional. Outro
enquadrados no artigo II (d) da Convenção
foram cometidos contra o grupo protegido,
ponto que influi é de natureza política. A Sérvia
a Corte entende que a Croácia não é candidata a ingressar na União Europeia e uma
demonstrou que estupros e outros atos de sentença de genocídio poderia ter consequências
violência sexual foram perpetrados pela imprevisíveis do ponto de vista da pretensão
JNA e forças sérvias contra os croatas na sérvia. Na balança da justiça internacional a
intenção de impedir os nascimentos no proteção do Estado pesou mais do que as vítimas.
grupo, e o actus reus do genocídio, conforme
Felizmente, o ilustre juiz Antônio Augusto
o sentido do artigo II (d) da Convenção não
foi estabelecido. (CIJ, 2015, parágrafo 395-
Cançado Trindade, ex juiz e presidente da Corte
400, tradução nossa) Interamericana de Direitos Humanos, trouxe um
voto dissidente que sinaliza para a possibilidade
A CIJ, por fim, decidiu não ter havido de abertura na Corte Internacional de Justiça
genocídio nos Balcãs. Todas as vítimas que para a discussão dos Direitos Humanos e o papel
por dezesseis anos aguardaram o julgamento dos indivíduos no contencioso interestatal.
não tiveram o fechamento imaginado. Não Antônio Augusto Cançado Trindade possui
foi dado o devido reconhecimento para sua uma interessante carreira jurídica internacional.
dor e as atrocidades patrocinadas pela FRY. Com uma orientação abertamente ligada aos
Todo o seu esforço narrativo e de superação do Direitos Humanos, ele é hoje, sem sombra de
trauma restaram infrutíferos. A Corte perdeu dúvida, um dos mais importantes nomes do
a oportunidade de reescrever a memória do Direito Internacional no mundo.
conflito e cumprir seu dever de promover a paz e
A sua indicação para compor a Corte
a solução dos conflitos. Para Humphrey34
Internacional de Justiça em 2008, veio após sua
Aqueles que não podem evitar os legados expressiva carreira na Corte Interamericana de
da violência em massa são aqueles que Direitos Humanos, a que ele teve a oportunidade
precisam continuar vivendo juntos depois de presidir e, na ocasião, promover uma
de tudo. Para eles a tarefa imediata é abertura para a participação das vítimas nos
primeiro, prevenir que a violência retorne procedimentos.
e segundo, reconstruir uma sociedade
nacional justa. Uma estratégia para Bastante significativo o fato de que um juiz
prevenir o retorno da violência e parar os e acadêmico voltado a área de Direitos Humanos
efeitos da violência passada assombrar as tenha obtido a maior votação na Assembleia
relações individuais e sociais é confrontar Geral e Conselho de Segurança para compor a
o passado. Recordação pública do passado CIJ em sua história.
através dos testemunhos das vítimas é a
Assim, foi com bastante interesse que
principal estratégia para revelar e curar,
seja por intermédio de julgamentos ou
a comunidade internacional aguardou o
tribunais. posicionamento do juiz acerca do high profile
case Croácia vs. Sérvia. O voto dissidente
Sequer houve a abertura de uma sessão na de Cançado Trindade não decepcionou com
sentença concernente a reparações às vítimas. 142 (cento e quarenta e duas) páginas e 547
A Corte se limitou a “encorajar as partes (quinhentos e quarenta e sete) parágrafos. Seu
a continuar cooperando para oferecer uma posicionamento com relação ao caso, expresso de
reparação apropriada às vítimas, de modo a forma veemente, trouxe o alento que se esperava
consolidar a paz e a estabilidade na região.”(CIJ, de um posicionamento verdadeiramente voltado
2015, parágrafo 522-523, tradução nossa) para atender a razão de ser da Convenção de
O resultado deste julgamento sinaliza para o Genocídio: proteção dos indivíduos contra as
grande abismo que tem separado as preocupações barbáries patrocinadas por seus Estados ou com
do Direito Internacional dos Direitos Humanos sua conivência.
e aquela do Direito Internacional público geral. O voto se pauta, como esperado, na
A preocupação com a estabilidade da valorização da proteção dos indivíduos que mais
jurisprudência foi um fator que pesou na sofreram com a Guerra nos Balcãs. A verdadeira

107
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

preocupação orientada para a realização da de maior instabilidade social e política que é a


justiça para os homens (justiciables) e não para morte de um Estado e surgimento de um novo.
os Estados se expressa logo no primeiro tópico Para Cançado Trindade (2015, p. 13, tradução
abordado no voto: a demora de dezesseis anos nossa)
para entregar o julgamento.
Nestas circunstâncias, seria injusto para
Estes fatos falam por si próprios, com as vítimas se nenhuma responsabilidade
os lamentáveis atrasos no julgamento pudesse ser reivindicada pelo cometimento
do presente caso, tendo em mente em de atos condenados internacionalmente e
particular aqueles que buscam a justiça. suas consequências estendidas no tempo.
Infelizmente, como eu já apontei em outras Argumentar que a responsabilidade
ocasiões recentes nesta Corte, o tempo da desaparece com a dissolução do Estado
justiça humana não é o tempo dos seres tornaria irrelevante a Convenção
humanos. (CANÇADO TRINDADE, CIJ, de Genocídio. Um ato proibido
2015, p. 7, tradução nossa) internacionalmente e a permanência de
suas consequências não podem permanecer
O magistrado segue seu voto analisando sem punição e sem reparação pelos danos.
a questão da especificidade dos tratados de
Direitos Humanos. Para Cançado Trindade, Além da sucessão automática nos tratados
as consequências jurídicas de a Convenção de de Direitos humanos, as provas documentais
Genocídio ser considerada um tratado de Direitos permitiam inferir que a própria Sérvia (FRY)
Humanos implica que os efeitos aplicáveis aos comportou-se como sucessora da antiga
tratados dessa natureza necessariamente lhes Iugoslávia (SFRY).
sejam aplicáveis: Essa questão da sucessão de Estados
tomou grande parte da atenção da Corte que
Está claro que a Convenção de Genocídio se ateve demasiadamente nestas considerações
não é um acordo sinalagmático, em que
procedimentais de competência. A discussão da
os Estados partes se comprometem um ao
outro, ela não simplesmente cria direitos CIJ ao focar no debate de competência não se
e obrigações entre Estados partes de dedicou à discussão da universalidade e o dever
forma bilateral. Como tratado de direitos geral de proteção que perpassam os Direitos
humanos, ela cria um mecanismo de Humanos.
garantia coletiva. No meu ponto de vista, Cançado Trindade buscou trazer a discussão
não é suficiente afirmar (ou reafirmar), das regras procedimentais e técnicas de sucessão
como fez a CIJ há quase duas décadas, que
dos Estados com viés para a especificidade da
a Convenção de Genocídio de 1948 é um
tratado de Direitos Humanos, é preciso Convenção de Genocídio e sua orientação para
extrair as consequências legais disso. a proteção das vítimas.
(CANÇADO TRINDADE, CIJ, 2015, pp. O Estado foi criado para proteger os
12-13, tradução nossa) indivíduos e não pode ser percebido como um
fim em si mesmo. A Convenção de Genocídio
Tendo em vista a especificidade da matéria
oficializa esse direito de proteção que, muitas
que envolve os tratados de Direitos Humanos
vezes, é atropelado por políticas de atrocidades
e a necessidade de proteção dos vulneráveis,
que vitimizam civis e desmancham sociedades.
Cançado Trindade discorda da interpretação da
Para Cançado Trindade (2015, p. 20, tradução
Corte dada ao tema da sucessão de Estados.
nossa)
O dever geral de proteção, típico dos
tratados de Direitos Humanos, implica que seus Os direitos protegidos (...) são inerentes à
efeitos perdurem durante a sucessão de Estados. pessoa humana, e devem ser respeitados
Não há que se questionar acerca da sucessão da pelos Estados. Os direitos protegidos
são superiores e anteriores aos Estados,
SFRY pela FRY e em que momento ela ocorreu,
e precisam ser respeitados por eles, por
afinal, a sucessão em termos de tratados de todos os Estados, mesmo na ocorrência de
Direitos Humanos é automática. rupturas e sucessões. Foi necessário muito
Este fenômeno da sucessão automática se sofrimento e sacrifício para as gerações
extrai da própria natureza do tratado. Caso assim aprenderem isso. O supramencionado
não fosse, os indivíduos (objeto de proteção da corpus juris gentium é indivíduo-orientado,
Convenção) ficariam vulneráveis nos momentos

108
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

vítima-orientado e não Estado-soberano- A proteção dos vulneráveis necessariamente


orientado. deve implicar a responsabilização dos Estados
e não apenas dos indivíduos que cometeram
Ao traduzir a discussão procedimental
as atrocidades. A imputação individual se
em termos dos direitos humanos, Cançado
complementa com a responsabilidade do Estado,
Trindade humanizou o debate técnico,
através da CIJ de acordo com o artigo IX da
demonstrando o dever dos Estados em proteger
Convenção.
os mais vulneráveis. Dever este que está na
base da sucessão automática que pauta essas Assim, Cançado Trindade discordou
Convenções e, no caso de genocídio, se tornou da Corte no tema do ônus da prova e sua
uma proibição de direito internacional geral valoração. O magistrado colacionou extensa
cogente (jus cogens) que independe da vinculação base jurisprudencial das Cortes Interamericana
voluntarista à Convenção. e Europeia de Direitos Humanos em que
foi adotada a inversão do ônus da prova e a
A discussão crua de sucessão do Estado
possibilidade de inferir a violência a partir de
(SFRY – FRY) perdeu de vista que o objetivo
indícios como covas comuns (em massa) e as
da Convenção de Genocídio é a proteção
expressões de trauma nos sobreviventes.
da população civil que, nas ocorrências de
dissoluções violentas de Estados (como o caso Apesar de a CIJ estar trabalhando com
da SFRY), ficam em extrema vulnerabilidade. a responsabilidade estatal em um tratado
Certamente foge ao telos da Convenção sua de Direitos Humanos, lamentavelmente, a
inaplicabilidade a Estados dissolvidos. jurisprudência das cortes específicas, colacionada
por Cançado Trindade, não foi considerada
O debate preliminar de competência ocupou
ou sequer utilizada como um norteador na
em demasia os trabalhos da Corte, sendo que as
distribuição do ônus da prova. Certamente o
próprias partes não se interessaram tanto nesta
beyond reasonable doubt, utilizado no direito
discussão procedimental, mas sim preferiram
doméstico e nos tribunais penais, não se aplica
focar seus esforços argumentativos no mérito da
às punições cíveis aplicadas pela CIJ e impede a
causa (a existência ou não do genocídio).
reparação tão esperada pelas vítimas. Mais uma
Durante seu voto, Cançado Trindade vez, a solução jurídica não contribui em termos
desenvolve sua linha argumentativa específica de solução do conflito e prevenção de novas
para o tratado em questão. Sendo a Convenção de atrocidades. Nas palavras de Cançado Trindade
Genocídio reconhecidamente direitos humanos, (2015, p. 42, tradução nossa)
nada mais correto que desenvolver o raciocínio
específico da área ao tratar da sua aplicação. Padrões generalizados e sistemáticos
Para Cançado Trindade (CIJ, 2015, pp. 24-26, de destruição são carreados entre a
tradução nossa). propaganda ideológica, sem qualquer
limitação moral, disfarçando a brutalidade
A concepção de direitos humanos e qualquer responsabilidade e apagando
fundamentais e inalienáveis está os sentimentos de culpa. Tudo se perde
fortemente gravada na consciência jurídica na entidade orgânica e totalitária. Estes
universal, apesar de haverem variações em assassinatos em massa frequentemente
sua enunciação ou formulação, o conceito são cometidos sem qualquer reparação aos
marca presença em todas as culturas, e na familiares das vítimas. Além disso, nem
história moderna do pensamento humano todas essas atrocidades são levadas aos
de todos os povos. tribunais internacionais. Quanto àqueles
que foram levados, em um julgamento
(...) Existe, em resumo, no direito internacional que torna os elementos
internacional contemporâneo (convencional do genocídio muito difíceis de serem
e geral), uma consciência maior, em uma determinados, pode manter a sombra da
escala universal, do princípio da humanidade. impunidade e criar uma situação de falta
Graves violações de direitos humanos, atos de lei, contrária ao objeto e propósito desta
de genocídio, crimes contra a humanidade, Convenção.
entre outras atrocidades, são proibições
absolutas de jus cogens. O sentimento de A prova da ocorrência do genocídio, para
humanidade (humaneness) permeia todo Cançado Trindade, deveria ter sido obtida a
o corpo jurídico contemporâneo do direito partir da vasta documentação que sinalizava
internacional. a ocorrência de um ataque generalizado e

109
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

sistemático contra famílias inteiras, lares, A ausência de um funeral ou possibilidade de


símbolos culturais. Além de mortes aleatórias vivenciar o luto impede que o conflito possa ser
que objetivavam assustar os croatas para que finalizado e a sociedade possa seguir em frente.
eles abandonassem a cidade e fugissem para a O desaparecimento forçado é um crime
área onde seriam permitidos (fora do território permanente e seus efeitos catastróficos
da Grande Sérvia). desestruturam a sociedade de forma perene.
Ao contrário da postura da Corte, o O número de famílias desfeitas e o luto mal
magistrado considerou os depoimentos juntados elaborado causa um efeito devastador na
nos anexos do memorial da Croácia como formação da memória individual e, quando o
indícios e matérias de prova do genocídio fenômeno se alastra por toda a sociedade, na
ocorrido, dando força às palavras das vítimas. memória coletiva.
Para Cançado Trindade os estupros descritos O luto é uma estrutura social
pelos sobreviventes tinham uma conotação de importantíssima na socialização das experiências
eliminação do grupo dando-lhes uma nova etnia de dor. O desaparecimento não permite que esta
(CIJ, 2015, p.70, tradução nossa) estrutura se realize, causando uma quebra no
Os exemplos fornecidos, os testemunhos tecido social e o isolamento dos sobreviventes e
relativos ao cometimento contínuo de seus familiares do restante da comunidade.
estupros em distintas municipalidades, A experiência de Cançado Trindade na
evidenciam o generalizado e sistemático Corte Interamericana de Direitos Humanos lhe
padrão de estupros de membros da permitiu uma compreensão mais adequada dos
população croata, infligindo humilhação efeitos dos desaparecimentos na vida familiar
às vítimas. Estes depoimentos, a seguir
e social de uma dada comunidade. A opção
referidos, formam parte da evidência
submetida pela Croácia, de modo a ilustrar da CIJ em exigir prova do sofrimento para os
as numerosas alegações de estupro nas desaparecimentos destoa da jurisprudência
distintas municipalidades e demonstrar o das cortes de Direitos Humanos. Em seu voto
padrão sistemático destas violações. dissidente podemos perceber a orientação
diferenciada:
Foi também com base nos depoimentos
das vítimas que o magistrado se baseou para Os efeitos do desaparecimento forçado de
identificar o uso das tarjas brancas nos braços pessoas nos familiares são devastadores.
de modo a destacar parcela da população, Ele destrói famílias inteiras, levadas à
estigmatizá-la para discriminá-la na comunidade. agonia ou desespero. Eu aprendi isso com
minha própria experiência na atividade
Na fase escrita dos procedimentos, judicante internacional de casos como
Croácia alegou, em seus memoriais, que, esse. No presente julgamento, a CIJ
em certas municipalidades, a população não parece ter compreendido a extensão
croata foi requerida a se identificar e às desses efeitos devastadores. Exigir dos
suas propriedades com faixas brancas ou parentes, como fez (para. 160) mais prova
outras marcas distintivas. Ela submeteu (do sofrimento), de modo a enquadrar no
vários depoimentos de testemunhas artigo II(b) da Convenção de Genocídio,
referentes a esta prática da Sérvia. configura uma verdadeira “probatio
Com base nas evidencias probatórias (e diabolica”! (CANÇADO TRAINDADE,
depoimentos das vítimas), parece que 2015, p.86, tradução nossa)
a prática de marcar croatas com faixas
brancas era generalizada, a razão era A importância do reconhecimento da dor é
identificar e destacar croatas e sujeitá- fundamental para se reconciliar as sociedades e
los a vários níveis de humilhação, como reconstruir nações. Humphrey35 observa que os
trabalho forçado, violência e limitações projetos de memória pública se baseiam em dois
a sua liberdade de movimentação. (CIJ, caminhos diferentes: reconciliação ou justiça.
2015, p.95, tradução nossa) A reconciliação depende da vontade estatal
que, na maioria das vezes, não possui força ou
O voto dissidente ainda destinou atenção desenvolvimento institucional para promover
ao sofrimento das vítimas que sobreviveram ao um julgamento. Daí a importância da justiça
massacre e tiveram entes queridos desaparecidos.

110
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

internacional que supre essa ausência de uma em grupos não podem prescindir dos
justiça interna. seus valores culturais, e, em qualquer
circunstância, em qualquer circunstância
A ideia de reconciliação perpassa a construção
(mesmo em isolamento), de suas crenças
de uma memória que englobe as manifestações espirituais. A vida em si mesma, e as
das vítimas que devem ser reintegradas à crenças que ajudam as pessoas a encarar os
comunidade política. A paz e estabilidade em um mistérios que as cercam, caminham juntos.
Estado se relaciona com a sua estrutura social, O direito à vida e o direito a uma identidade
isto fica claro quando olhamos ao próprio caso cultural caminham juntos, eles são
da Iugoslávia, em que um caldeirão social levou à irrelutantetemente interligados. Destruição
sua dissolução violenta. física e biológica é interrelacionada com a
destruição da identidade do grupo como
As Comissões da Verdade pelo mundo e, em parte de sua vida, de suas condições de
alguma medida, as Cortes regionais de Direitos vida. (CANÇADO TRINDADE,2015, p.
Humanos têm se baseado nos testemunhos das 114, tradução nossa):
vítimas para a construção da verdade judicial
e, tangencialmente, a memória do conflito. As A importância dada por Cançado Trindade
relações sociais são reconstruídas por intermédio às destruições dos símbolos culturais para
das vítimas. “O sofrimento individual é o fulcro a configuração actus reus do genocídio se
usado para converter o efeito da repressão em densifica quando o magistrado enumera
um veículo de reconstrução social(...) as políticas diversosdepoimentos de testemunhas que
de testemunhar o trauma é uma estratégia para corroboram a violência generalizada contra o
a reconstrução social”36 grupo específico e direcionada à população civil
e não combatente.
Esta reconstrução da memória por meio dos
testemunhos e participação das vítimas se torna Parece-nos de extrema relevância a
especialmente importante quando abordamos a importância dada pelo magistrado da CIJ
destruição de templos e demais monumentos aos depoimentos. Foi motivado pela fala das
culturais que são consumidos no conflito e, vítimas que o genocídiose tornou sólido no voto
no contexto do genocídio, com a intenção de dissidente. Foi o testemunho que demonstrou o
eliminar as expressões simbólicas do grupo. ataque generalizado e padronizado das tropas da
JNA e milícias sérvias.
A destruição da cultura é indício da
ocorrência de um genocídio e contribui para o A fala das vítimas adquire importância no
desenraizamento das vítimas, aumentando sua bojo do processo e contribui para a construção
desconexão com o corpo social. Os indivíduos de uma história, uma narrativa que dá
se relacionam em uma sociedade por meio de significado aos ataques isolados comparando-
elementos simbólicos que os fazem pertencentes os com as descrições das vítimas de diversas
àquela cultura comum. A destruição destes municipalidades, contrapondo-os e os colocando
elementos destrói os laços sociais. A cultura em um quadro único que sinaliza o genocídio
não pode ser desvinculada das discussões de nos Balcãs.
reconstrução do Estado e a possibilidade de uma A importância dos depoimentos individuais,
paz duradoura. colocados em conjunto, constroem o quebra-
O elemento cultural, infelizmente, não foi cabeças da memória social. Nas palavras de
considerado adequadamente pela Corte que não Cançado Trindade (2015, p. 123, tradução
deu a devida importância para o simbolismo da nossa):
destruição de prédios e símbolos vinculados com Na minha percepção, os depoimentos
a cultura do povo. O entendimento limitou-se das testemunhas em sua totalidade
a considerar que a destruição de templos não fornecem evidência do ataque generalizado
está contemplada no artigo II da Convenção e sistemático de destruição que ocorreu
(parágrafos 388-389). Cançado Trindade, naquelas municipalidades atingidas por
novamente trouxe à CIJ a orientação dos Direitos extrema violência. O padrão de destruição
Humanos para tal discussão: generalizado e sistemático, como
estabelecido no presente caso, consiste
No meu entendimento, esta forma de em generalizada e sistemática perpetuação
destruição é relacionada com a destruição dos atos proibidos (graves violações) pela
física e biológica,pois indivíduos vivendo Convenção de Genocídio.

111
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

A análise das provas do processo em Corte Interamericana de Direitos Humanos,


conjunto com os depoimentos, não permitiria Corte Europeia de Direitos Humanos, Tribunal
outra conclusão que não a da existência de Penal Internacional, etc) que possuem abertura
um genocídio na Croácia. No entanto, a CIJ para o acolhimento das vítimas e seus
considerou que não haviam provas da intenção testemunhos nos procedimentos.
(mens rea) necessário para a configuração do Lamentavelmente, a Corte Internacional
crime. de Justiça, pudemos ver, ainda é resistente
A conclusão a que chegou a Corte, além em reconhecer seu papel nesta reconstrução
de desconsiderar os depoimentos que foram pós-conflito. Este distanciamento da CIJ para
cuidadosamente avaliados por Cançado os assuntos ligados ao Direito Internacional
Trindade, deixou de considerar qualquer forma dos Direitos Humanos não se coaduna com a
de reparação às vítimas, ainda que a própria CIJ realidade que o próprio órgão vem enfrentando.
já tenha abertura às reparações. Somente nos anos 1990 dois casos
envolvendo descumprimentos da Convenção de
5. CONCLUSÃO Genocídio (uma das core conventions do Direito
A complexidade do tema proposto e as Internacional dos Direitos Humanos) foram
inúmeras lentes pelas quais poderíamos ter submetidos à apreciação da Corte. As demandas
abordado este objeto de estudo tornam árdua ajuizadas pela Bósnia e pela Croácia em desfavor
esta conclusão. da Ex-Iugoslávia (Sérvia) pela Guerra nos Balcãs.
Propusemo-nos a provocar no leitor Conforme pudemos identificar ao estudar
uma reflexão sobre o papel simbólico de um o caso desses julgamentos, a Corte lidou com
julgamento internacional e a importância dificuldades com a especificidade da matéria,
que aquele procedimento tem na formação da não houve abertura para a participação das
memória dos conflitos e o impacto disso na vida vítimas, além de uma excessiva proteção do
das vítimas e sobreviventes. Estado, através de uma distribuição questionável
do ônus da prova e falha na sua valoração.
Julgamentos são revestidos de formalidades
para imbuí-los da necessária imparcialidade A decisão da Corte não contribuiu,
esperada de um órgão judicante. No entanto, portanto, para o reconhecimento do sofrimento
um julgamento que envolva uma criminalidade das vítimas, perdendo a oportunidade de
excepcional, extraordinária (como é o caso dos somar na reestruturação social e superação dos
crimes contra a humanidade e genocídio) deve ódios. Ainda mais grave é a inexistência das
ser tratado com cautela. reparações, deixando as vítimas completamente
desamparadas e entregues a suas próprias dores.
Os crimes contra a humanidade e genocídio
Para Cançado Trindade (2015, p. 130, tradução
são cometidos em um contexto de esfacelamento
nossa)
de todo um tecido social. A sociedade inteira sofre
e se desfaz. O julgamento, portanto, se insere em Nos conflitos violentos que formam o
um contexto de exceção e se coloca de frente a contexto factual do presente caso entre
uma sociedade que luta por recompor seus laços. Croácia e Sérvia, as numerosas atrocidades
O judiciário pode contribuir na construção de cometidas (tortura e matança em
uma narrativa que possibilite àqueles indivíduos massa, violência extrema em campos de
que se vitimizaram a voltarem a viver juntos. concentração, estupros e outras violências
sexuais, desaparecimentos forçados,
Tornar-se responsável pelos atos, reconhecê- expulsões de deportações, condições
los, é vital para a reconstrução de sociedades insuportáveis de vida e humilhações
pós-conflito. É inegável que frente a uma de vários tipos, entre outros), além da
criminalidade dessa natureza o órgão judicante vitimização de milhares de pessoas, fez
tem o dever de garantir essas responsabilizações. o ódio contaminar a todos, e decompor o
Nesse sentido ela faz mais do que um mero milieux social. As consequências, em uma
julgamento neutro e impessoal, ela constrói as perspectiva de longo prazo, são, da mesma
forma, e sem surpresa, desastrosas, dado o
bases de um futuro mais ou menos promissor.
ressentimento transmitido de geração em
Este papel simbólico do julgamento tem geração.
sido abordado pelas Cortes internacionais
especializadas em Direitos Humanos (como a

112
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

A discussão sobre reconciliação e o papel da vítimas e estabelecer um alto ônus da prova


justiça internacional na superação dos conflitos tornou praticamente impossível provar a
a partir do reconhecimento das vítimas, responsabilidade estatal. Qual será o efeito dessa
encontrou espaço no voto dissidente de Cançado decisão nos casos futuros ou para o ânimo dos
Trindade. A tese esboçada no presente trabalho Estados que pretendam discutir a Convenção de
encontra reverberação no voto que reconhece a Genocídio?
importância da CIJ e da justiça internacional Ao não responsabilizar o Estado, a decisão
na promoção da paz e proteção dos direitos da Corte olvidou-se da necessidade de se
humanos. trabalhar a prevenção ao crime, prevista logo
Não há possibilidade de superação de no título da Convenção. A preocupação com
conflitos em uma sociedade sem que, de a soberania estatal perdeu de vista o sentido
alguma forma, haja uma resposta que aplaque último da Convenção: a proteção dos indivíduos
os ódios e promova uma nova narrativa social mais vulneráveis e a garantia de que tais atos
por intermédio da construção da memória. Não não voltem a ocorrer.
existe memória sem consideração do trauma e A prevenção deve se voltar, ainda, ao tema
suas consequências devastadoras na vida dos do reconhecimento da dor dos sobreviventes
indivíduos. para atingir a reconciliação e reparação às
A CIJ confrontou-se, na presente demanda, vítimas. A responsabilização do Estado é uma
com um desafio para sua jurisprudência: maneira de honrar a memória daqueles que
a necessidade de repensar o seu papel no se foram, humanizando os desumanizados e
direito internacional dos direitos humanos. A reescrevendo a narrativa de caos e ódio para
orientação tradicionalmente voltada à proteção uma de compreensão e reconciliação. “Existe
dos Estados e um conceito clássico de soberania aqui o primado da preocupação com as vítimas
chocou-se com as funções estatutárias que se da crueldade humana, como ao final, a raison
espera da Corte enquanto órgão que contribui d’humanité prevalece sobre a raison d’État”
para a pacificação social. (CANÇADO TRINDADE, 2015, p.142,
Como bem aponta Cançado Trindade tradução nossa)
em seu voto dissidente a opção adotada pela
Corte em desconsiderar os depoimentos das

113
Carlos Augusto Canedo Gonçalves da Silva e Roberta Cerqueira Reis

NOTAS

1. GARAPON, Antoine. Crimes que não se Convention Sixty Years after its Adoption. The
podem punir nem perdoar: Para uma justiça Hague: Asser Press, 2010, p. 249.
internacional. Lisboa: Instituto Piaget, 2002, 17. SEIBERT-FOHR, Anja, op. cit., p. 245.
p. 55.
18. ANDERSON, Benedict R. Comunidades
2. ARENDT, Hannah. Responsabilidade e imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão
julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, do nacionalismo. São Paulo: Companhia das
2004, p. 93. Letras, 2008.
3. GARAPON, op. cit. 19. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto.
4. LAGROU, Pieter. ‘Historical trials’: getting A humanização do Direito Internacional. Belo
the past right – or the future? In DELAGE, Horizonte: Del Rey, 2015.
Christian; GOODRICH, Peter. The Scene of the 20. GUTMAN, Roy. A witness to genocide: the
Mass Crime: History, Film and International 1993 Pulitzer Prize-Winning dispatches on
Tribunals. New York: Routledge Taylor & the “ethnic cleansing” of Bosnia.New York:
Francis Group, 2013. Macmillan Publishing Company,1993.
5. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A 21. DELAUNY, Guy. Srebrenica massacre
visão humanista do Direito Internacional. Belo anniversary: Crowds chase Serb PM away. BBC,
Horizonte: Del Rey, 2013. 11 de julho de 2015. Disponível em<http://
6. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. www.bbc.com/news/world-europe-33491540>
Tratado de Direito Internacional dos Direitos Acesso em 10 de outubro de 2015.
Humanos. 3 volumes. Porto Alegre: Sergio 22. SCHMITT, Paul. The failure of Genocide suits
Antonio Fabris Editor, 2003, p. 75. at the International Court of Justice: France’s
7. CANÇADO TRINDADE, op. cit, 2003. role in Rwanda and Implications of the Bosnia
8. CANÇADO TRINDADE, op. cit, 2003, p. 45. v. Serbia decision. Georgetown Journal of
International Law, Georgetown, v. 40, pp. 585-
9. Relevante apontar a Resolução da Assembleia 623, 2008-2009.
Geral da ONU número 40/34 de 1985 que
trata especificamente do dever dos Estados em 23. Dusko Tadic (IT-94-1).
promover a proteção das vítimas e investigar/ 24. ABASS, Ademola. Proving State Responsibility
punir os agressores. for Genocide: The ICJ in Bosnia v. Serbia and
10. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. the international commission of inquiry for
Derecho Internacional de los Derechos Darfur. Fordham International Law Journal,
Humanos: Esencia y Transcendencia (Votos New York, v. 31, pp. 871-910, 2007-2008.
en La Corte Interamericana de Derechos 25. Mens rea é o fim especial de agir exigido
Humanos. 1991-2006). México: Editorial para configurar o crime de genocídio. Trata-
Porrúa: Universidad Iberoamericana, 2007. se do dolo em destruir no todo ou em parte
11. SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. São aquele grupo em razão de sua afiliação étnica,
Paulo: Martins Fontes, 2010. religiosa, etc.

12. CANÇADO TRINDADE, op. cit. 2003. 26. Águias Brancas é o nome dado a uma das
milícias sérvias.
13. “We need to rebuild people, not just buildings”
(citado por HUMPHREY, 2002, p. 72). 27. CARUTH, Cathy. Unclaimed Experience:
Trauma, Narrative, and History. Baltimore:
14. CANÇADO TRINDADE, op. cit., 2013. The Johns Hopkins University Press, 1996.
15. SILVA, Carlos Augusto Canêdo Gonçalves 28. Para Ricoeur mimese seria a representação
da.O genocídio como crime internacional. Belo interna feita pelo indivíduo de uma determinada
Horizonte: Liv. Del Rey Editora, 1999. ação. Muthos é a colocação daquele fato
16. SEIBERT-FOHR, Anja. The ICJ judgment em uma ordem. Da relação entre mimese
in the Bosnian Genocide case and beyond: a e muthos surge a narrativa que constituirá
need to reconceptualise? In SAFFERLING, a memória. No entanto, quando o evento a
Christoph; CONZE, Eckart. The Genocide ser gravado for considerado um trauma as

114
Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça: Um Estudo de Caso sobre a Aplicação da Convenção de Genocídio pela CIJ

resistências psíquicas da vítima ficam abaladas 32. HUMPHREY, Michael. The Politics of Atrocity
o que impede que a experiência seja significada, and Reconciliation. New York: Routledge,
consequentemente, o evento ficará sem a 2002, p. 76.
representação interna gerando o colapso do 33. HUMPHREY, Michael, op. cit.. p. 91, tradução
mecanismo mimese/muthos. nossa.
29. RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Campinas 34. HUMPHREY, Michael, op. cit.. p. 105, tradução
(SP): Papirus, 1994-3v. nossa.
30. CARUTH, op. cit. 35. HUMPHREY, Michael, op. cit.
31. LEVY, Sofia Débora. Holocausto: Vivência e 36. HUMPHREY, Michael, op. cit.. p. 106, tradução
Retransmissão. São Paulo: Perspectiva: Conib, nossa.
2014.

115
PALESTINA E TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL:
RETORNO A UMA SAGA JUDICIAL

Catherine Maia
Professora Doutora na Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto (Portugal);
Visiting Professor no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po)
e nas Universidades Católicas de Lille e Lyon (França).

RESUMO palestino, deparamo-nos com um dos conflitos


internacionais contínuos os mais antigos e
Numa altura em que o Tribunal Penal os mais vivos1, bem como o único conflito
Internacional sofre críticas por vezes duras assimétrico que, após mais de meio século, não
quanto à sua imparcialidade, principalmente encontrou saída2.
por causa do seu foco no continente Africano, a
Numa altura em que o Tribunal Penal
ação da Palestina junto deste Tribunal aparece
Internacional (TPI) sofre críticas por vezes duras
como um verdadeiro desafio para consolidar a quanto à sua imparcialidade, principalmente
credibilidade da justiça penal internacional e por causa do seu foco no continente Africano3,
avançar rumo à universalização do Estatuto a ação da Palestina aparece como um verdadeiro
de Roma, bem como um marco decisivo para desafio para consolidar a credibilidade da
a evolução do conflito israelo-palestino, para o justiça penal internacional e avançar rumo à
reconhecimento da Palestina como Estado na universalização do Estatuto de Roma, bem como
cena internacional e, mais geralmente, para a um marco decisivo para a evolução do conflito
paz no Médio Oriente. israelo-palestino, para o reconhecimento da
Palestina como Estado na cena internacional4 e,
Palavras chave mais geralmente, para a paz no Médio Oriente.
Palestina; Israel; Tribunal Penal Na origem de duas declarações de aceitação da
Internacional; justiça penal internacional. jurisdição do TPI5 antes de se tornar membro
em 1 de abril de 2015, tratar-se-á de analisar os
SUMMARY efeitos das diferentes diligências da verdadeira
saga judicial iniciada pela Palestina na
At a time when the International Criminal perspetiva do julgamento dos autores dos crimes
Court is sometimes harshly criticized about internacionais cometidos no seu território.
its impartiality, mainly because of its focus on Longe de se inscreverem na trama linear de um
the African continent, Palestine’s action at this longo rio tranquilo, estas diligências refletem
Court appears as a real challenge to consolidate as hesitações de um Governo dividido, a braços
the credibility of international criminal justice com uma realidade complexa e tensa no terreno,
and to move towards the universalization of the perante a qual a exacerbação das tomadas de
Rome Statute, as well as a decisive framework for posição torna qualquer análise académica das
the evolution of the Israeli-Palestinian conflict, mais delicadas6.
for the recognition of Palestine as a state on
the international scene and, more generally, for 1. A DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO DA
peace in the Middle East. JURISDIÇÃO DO TPI DE 2009
Keywords Para aceitar a jurisdição do TPI, os Estados
podem trilhar dois caminhos: quer o da ratificação
Palestine; Israel; International Criminal do Estatuto de Roma de 1998, tornando-se
Court, international criminal justice partes; quer, mantendo-se terceiros, o de uma
Se tomarmos a declaração de independência declaração ad hoc de aceitação da jurisdição do
do Estado de Israel de 1948 como ponto de Tribunal, que pode ser emitida pelo ministro
partida da formalização do conflito israelo- da Justiça ou dos Negócios Estrangeiros em

117
Catherine Maia

exercício7. Esta segunda opção, pouco formal e de TPI, o Conselho dos Direitos Humanos das
uma grande flexibilidade, tem por objetivo evitar Nações Unidas criou a Missão internacional
que um Estado, no território do qual crimes da independente de averiguação dos factos
jurisdição do TPI foram cometidos, se encontre relativos ao conflito de Gaza. Liderada por
na incapacidade de recorrer ao mesmo devido a Richard Goldstone14, esta Missão foi investida
perturbações institucionais graves decorrentes com o mandato de “investigate all violations
de uma situação de conflito armado8. of international human rights law and
Em relação à Palestina, o recurso ao TPI é international humanitarian law that might have
plural com uma primeira declaração aceitando been committed at any time in the context of
a jurisdição deste Tribunal em 2009. Depois da the military operations that were conducted in
operação israelense “Chumbo endurecido” em Gaza during the period from 27 December 2008
Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, and 18 January 2009, whether before, during
o ministro palestino da Justiça, Ali Khashan, or after” correspondentes à operação israelense
veio entregar pessoalmente em Haia, em 22 de “Chumbo endurecido”. O relatório dessa
janeiro de 2009, uma declaração de aceitação Missão, tornado público em 25 de setembro
da jurisdição do TPI “for an indeterminate de 2009, continha elementos de provas prima
duration”, segundo a qual “the Government of facie da prática de crimes de guerra e crimes
Palestine hereby recognizes the jurisdiction of the contra a humanidade15. Recordando a obrigação
Court for the purpose of identifying, prosecuting dos Estados de investigar alegações de violações
and judging the authors and accomplices of graves do direito internacional dos direitos
acts committed on the territory of Palestine humanos e do direito internacional humanitário,
since 1 July 2002”9. Na ausência de limitação também foi o primeiro relatório internacional a
temporal à aceitação da jurisdição do TPI pela abordar a questão dos procedimentos nacionais
Palestina, o Procurador será competente para iniciados na sequência de tais alegações e a
investigar e processar os crimes cometidos no constatar a sua falta de conformidade com as
território palestino desde a data de entrada em normas internacionais16.
vigor do Estatuto de Roma, ou seja, a 1 de julho Se a declaração palestina era destinada
de 200210. Além disso, em consonância com o a fundamentar a jurisdição do TPI, ela não
artigo 12-3 do Estatuto de Roma, segundo o qual garantia, per se, que os alegados crimes sejam
a jurisdição do TPI pode ser estabelecida quando investigados e processados pelo Tribunal. Duas
um Estado que aceitou a sua jurisdição dispõe, razões para isso, que marcam uma diferença
quer de um título territorial11 quer de um título nítida entre Estados partes e Estados não
pessoal, o Tribunal poderá também exercer a partes: por um lado, os Estados terceiros ao
sua jurisdição relativamente a crimes ou pessoas Estatuto de Roma não podem submeter uma
sob a jurisdição respetiva de Estados que não situação ao Procurador17; por outro lado, no
aceitaram nem ratificaram o seu Estatuto12. Tal é caso de o Procurador escolher não processar, os
o caso de Israel, que assinou o Estatuto de Roma, Estados terceiros estão privados da faculdade de
em 31 de dezembro de 2000, antes de anunciar solicitar à Câmara Preliminar que reconsidere
a sua vontade de não se tornar parte em 28 de tal decisão18, do mesmo modo que a Câmara
agosto de 200213. Qualquer seletividade sendo de Preliminar não tem a possibilidade de convidar o
excluir, o TPI teria competência para investigar, Procurador a reconsiderar a sua decisão de abrir
processar e julgar todos os responsáveis por ou não uma investigação ou de processar ou não
factos incriminados pelo seu Estatuto (princípio à luz de novos factos ou informações19.
da personalidade ativa) e cometidos no território Uma vez recebida a declaração do Estado,
palestino (princípio da territorialidade). o Gabinete do Procurador deve examinar
Concretamente, estão aqui em causa tanto todos os elementos destinados a estabelecer a
cidadãos israelenses como palestinos, ou até de jurisdição do TPI20, nomeadamente se crimes da
outras nacionalidades. Isto mostra o quanto a sua competência foram cometidos21 e, em caso
arma da justiça penal internacional pode ser de afirmativo, em conformidade com o princípio
dois gumes. da complementaridade, se processos penais
Em 3 de abril de 2009, ou seja, apenas foram iniciados a nível nacional para julgar os
alguns meses após a entrega pela Palestina da alegados crimes. Mais especificamente, ele deve
sua declaração de aceitação da jurisdição do examinar se a declaração de reconhecimento

118
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

da jurisdição do TPI cumpre os requisitos do on the applicability of Article 12 paragraph


Estatuto de Roma, o qual só aceita declarações 3”28. Mais amplamente, considerar a declaração
de aceitação por parte de Estados. Confrontado palestina como inválida significava consagrar
com esta questão da qualidade de Estado da os territórios ocupados por Israel como uma
Palestina – questão controversa que continua a zona de impunidade já que, além da hipótese
dividir os próprios Estados como o demonstra totalmente improvável de um encaminhamento
a sua falta de reconhecimento unânime na da situação pelo Conselho de Segurança,
cena internacional –, algum embaraço foi nenhum Estado, parte ou declarante, poderia em
rapidamente percetível. Assim, o Secretário seguida reconhecer a jurisdição do TPI sobre os
acusou receção da declaração palestina em 23 de crimes cometidos nesses territórios.
janeiro de 2009, “without prejudice to a judicial
determination on the applicability of Article 12 2. A DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO DA
paragraph 3” do Estatuto Roma a esta declaração.
Posteriormente, durante três anos, de janeiro de JURISDIÇÃO DO TPI DE 2014
2009 a abril de 2012, o Procurador do TPI, Luis Um segundo recurso ao TPI ocorreu em
Moreno Ocampo, instruiu a situação palestina, 31 de dezembro de 2014, seguindo o mesmo
antes de suspender a sua análise preliminar em caminho que o primeiro. Entre 2009 e 2014, um
12 de abril de 2012, tendo em conta que era evento significativo sucedeu com a votação na
duvidosa a qualidade de Estado da Palestina,
Assembleia Geral, em 29 de novembro de 2012,
então mera entidade observadora na ONU22,
a favor da adesão da Palestina à ONU não como
e de remeter esta questão para os “competent
Estado membro, como o desejava o Presidente
organs of the United Nations or the Assembly of
Mahmoud Abbas, mas como Estado observador
States Parties”23.
não-membro da ONU29. Tal estatuto afastava,
Tal posição, vindo assim bloquear a portanto, qualquer dúvida quanto à natureza de
iniciativa palestina, tem sido criticada na
Estado da Palestina e abria-lhe a porta para a
doutrina. Vários autores têm argumentado que
ratificação de convenções internacionais, entre
não era necessário que o TPI se pronunciasse in
as quais o Estatuto de Roma. Em abril de 2014,
abstracto sobre a natureza de Estado da entidade
a Palestina ratificou 22 tratados, incluindo as
palestina e, portanto, que “reconhecesse”
um Estado palestino Esta qualificação é da Convenções de Genebra de 1949, mas excluindo
competência de cada Estado nas suas relações o Estatuto de Roma cuja ratificação foi adiada
bilaterais. No âmbito do TPI, uma “abordagem pelo Governo palestiniano, como se fosse uma
teleológica e funcional”24 teria sido suficiente “opção nuclear” de último recurso.
para lhe permitir determinar se as condições Desta vez é o próprio Presidente palestino,
para o exercício da sua competência, tal como Mahmoud Abbas, que assinou a segunda
previstas pelo Estatuto, estavam reunidas no declaração ad hoc pela qual a Palestina
presente caso. Por outras palavras, de acordo com reconhecia a jurisdição do TPI “for the purpose
o princípio geral do contencioso internacional of identifying, prosecuting and judging the
da kompetenz kompetenz, como juiz da sua authors and accomplices of crimes within the
competência, o próprio Estatuto do TPI25, no seu jurisdiction of the Court committed in the
artigo 19-1, exige que este se pronuncie sobre a Occupied Palestinian Territory, including East
sua jurisdição. Cabia, portanto, ao Procurador Jerusalem, since 13 June 2014”30.
decidir se a Palestina podia ser considerada como
um Estado no sentido específico do artigo 12-3 Se o novo encaminhamento ao TPI segue
do Estatuto, e não in abstracto, na aceção do o mesmo caminho que o primeiro, ele difere em
direito internacional geral26. Na falta de decisão, vários aspetos. Ratione loci, em vez do território
o mesmo deveria ter solicitado as câmaras da Palestina, é doravante o território palestino
para permitir uma determinação judicial27. ocupado assim como Jerusalém Oriental que
É interessante salientar que é precisamente são objeto de uma referência explícita. Ratione
neste sentido que se pronunciou o Secretário temporis, se a segunda declaração, como a
do Tribunal que, no momento em que acusou primeira, é válida por um período indefinido, o
receção da declaração palestina de 2009, indicou cursor do ponto de partida da jurisdição do TPI é
que essa declaração palestina era registrada avançado 12 anos mais tarde, para 13 de junho
“without prejudice to a judicial determination de 2014.

119
Catherine Maia

De muitas maneiras, a escolha desta nova para Estado observador não-membro – não
data não é anódina. Pois, foi em 13 de junho de poderia retroativamente validar a declaração
2014, ou seja, no dia após o sequestro e depois de 2009, o caminho da ratificação do Estatuto
o assassinato de três dos seus jovens cidadãos, de Roma ou de uma nova declaração era agora
que Israel lançou na Faixa de Gaza a operação possível34.
militar “Barreira de proteção”, apenas 11 dias
depois de a Palestina conseguir formar um 3. A ADESÃO AO ESTATUTO DE ROMA
Governo de unidade nacional reunindo o Fatah e EM 2015
o Hamas. Esta nova operação militar, que durou
o dobro do tempo que a de 2009, foi muito mais Ultimamente, foi dado um passo adicional
mortal e devastadora. Por conseguinte, sem com a adesão da Palestina ao Estatuto de
esperar o fim das hostilidades, o Conselho dos Roma35, em 1 de abril de 2015, elevando para
Direitos Humanos da ONU decidiu criar, em 23 123 o número total de Estados Partes. Mais uma
de julho de 2014, uma Comissão de inquérito vez, a data não é anódina. Além do impasse sem
internacional independente, fixando o dia 13 de fim do conflito israelo-palestino podendo fazer
junho como data de início do seu mandato. Os com que a justiça penal internacional apareça
objetivos da Comissão eram “to investigate all como uma arma de último recurso, a adesão
violations of international humanitarian law and palestina ocorreu após a rejeição do Conselho
international human rights law in the Occupied de Segurança de adotar uma resolução apelando
Palestinian Territory, including East Jerusalem, à criação de um Estado palestino independente
particularly in the occupied Gaza Strip, in the dentro de um ano36.
context of the military operations conducted Esta adesão, fortemente criticada pelas
since 13 June 2014, whether before, during or autoridades israelenses como um ato hostil,
after, to establish the facts and circumstances não equivale a um recurso por uma declaração
of such violations and of the crimes perpetrated ad hoc. Ratione materiae, ela abre o caminho
and to identify those responsible, to make para o encaminhamento ao TPI da “situação”
recommendations, in particular on accountability palestina na sua totalidade, sem a possibilidade
measures, all with a view to avoiding and ending de restringi-la a factos específicos. Ratione
impunity and ensuring that those responsible temporis, ela torna o TPI competente a partir
are held accountable, and on ways and means to de 1 abril de 2015, sem a possibilidade de julgar
protect civilians against any further assaults”31. retroactivemente atos praticados antes dessa data
O relatório da Comissão, publicado em 24 de (mas depois de 1 de julho de 2002, data objetiva
junho de 2015, destacou graves violações do de entrada em vigor do Estatuto de Roma). Este
direito internacional dos direitos humanos e do limite em relação ao Estado declarante é, no
direito internacional humanitário cometidas por entanto, compensado pelo benefício significativo
ambos os lados, incluindo possíveis crimes de para o Estado parte de poder recorrer à Câmara
guerra32. Preliminar, com vista a pedir ao Procurador
O destino da declaração de 2014 foi para reconsiderar a sua eventual rejeição de não
melhor que o da anterior declaração de 2009. processar37.
Em 7 de janeiro de 2015, o Secretário do TPI Com esta adesão, o objetivo declarado dos
enviou uma carta ao Governo da Palestina Palestinos é fazer julgar os líderes israelenses
informando da aceitação desta declaração e da pelos seus crimes internacionais, ligados ou
sua transmissão para exame à nova Procuradora, não com a ocupação, pelo TPI, ou seja, por
Fatou Bensouda33. Antes da sua recepção, esta um tribunal independente e permanente, que
última tinha-se mostrado favorável a uma tal tem jurisdição sobre os indivíduos (e não os
abordagem. Assim, num artigo publicado a Estados) autores dos crimes mais graves que
29 de agosto de 2014 no jornal britânico The afetam a comunidade internacional como um
Guardian, ela desmentiu os rumores de que todo (genocídios, crimes contra a humanidade,
as pressões sobre o Tribunal teriam levado crimes de guerra e agressões).
o anterior Procurador a rejeitar a declaração A faculdade para a Palestina de encaminhar
palestina de 2009. Comentando os motivos a sua situação ao TPI terá, sem dúvida,
da rejeição, ela proclamou claramente que se a implicações diplomáticas consideráveis para as
alteração do estatuto da Palestina na ONU, em suas relações com Israel e as negociações que
novembro de 2012, – de entidade observadora

120
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

devem levar à criação de dois Estados38. Uma vez se existe uma base razoável para iniciar uma
a máquina judicial lançada, nenhuma marcha investigação ao abrigo dos critérios estabelecidos
atrás será possível, mesmo por considerações pelo Estatuto de Roma. Consequentemente, as
relacionadas com a paz. Isso mostra o quanto informações na posse do Procurador não têm de
esta deve ser manuseada com extrema cautela, e ser “neither comprehensive nor conclusive”42.
o quanto o uso que os Palestinos farão permanece Além disso, elas têm “certainly need not point
ainda incerto39. towards only one conclusion”43. Por outras
palavras, o Procurador poderá concluir que existe
4. DO EXAME PRELIMINAR A UM uma base razoável para a jurisdição do Tribunal,
POSSÍVEL INQUÉRITO mesmo em face de factos contraditórios.
Do ponto de vista temporal, devem ser
Seja qual for o caminho seguido para recorrer
diferenciados os diversos tipos de recursos:
ao TPI, o percurso que vai desde a abertura de
quando o recurso ao TPI é introduzido por um
um exame preliminar até ao inquérito, e depois Estado parte, apenas os crimes cometidos em uma
ao julgamento, é muitas vezes longo e complexo. data posterior à entrada em vigor do Estatuto são
da competência do TPI44, ou seja a 1 de abril de
A abertura de um exame preliminar 2015 para a Palestina; quando o recurso ao TPI é
De acordo com o artigo 53-1 do Estatuto iniciado através de uma declaração de aceitação
de Roma, o Procurador decidirá abrir um por um Estado não parte, ou através de um
exame preliminar depois de ter considerado encaminhamento pelo Conselho de Segurança, o
cumulativamente os seguintes elementos: “(a) Estatuto pode ser aplicado retroativamente, sem
The information available to the Prosecutor poder ir antes da data de 1 de julho de 200245,
provides a reasonable basis to believe that a crime critério respeitado por ambas as declarações de
within the jurisdiction of the Court has been or aceitação da jurisdição do TPI emitidas pela
is being committed; (b) The case is or would be Palestina.
admissible under article 17 [complementarity Do ponto de vista material, apenas os
and gravity]; and (c) Taking into account the factos incriminados no Estatuto de Roma podem
gravity of the crime and the interests of victims, ser julgados pelo TPI, o que abrange atualmente
there are nonetheless substantial reasons to os genocídios46, os crimes de guerra47, os crimes
believe that an investigation would not serve the contra a humanidade48 e, a prazo, agressões49.
interests of justice”. Do ponto de vista espacial ou pessoal, os
Assim, para além dos casos em que uma alegados crimes devem ter sido cometidos quer
investigação seria suscetível de não servir os no território quer por um nacional de um Estado
interesses da justiça40 – hipótese que nunca parte ao Estatuto, por um Estado terceiro que
se apresentou até agora – cabe ao Procurador tenha apresentado uma declaração ad hoc ou por
verificar que duas condições estão preenchidas. um Estado cuja situação tenha sido encaminhada
Em primeiro lugar, deve haver uma “base pelo Conselho de Segurança.
razoável” para acreditar que um crime da Tendo em conta as conclusões das várias
jurisdição do TPI foi ou está a ser cometido. missões de investigação sobre a Palestina, pode-
Por outras palavras, “there must be a reasonable se considerar que, destes diferentes pontos de
basis to believe that the information fulfils all vista, esta “base razoável” de competência existe
jurisdictional requirements, namely, temporal, efetivamente neste caso50.
subject-matter, and either territorial or personal Uma vez estabelecida a jurisdição do TPI,
jurisdiction”41. o Procurador deverá, numa segunda etapa,
Não sendo o exame preliminar um verificar a admissibilidade do caso. De acordo
inquérito, não se trata de identificar ou localizar com o artigo 17-1 do Estatuto de Roma, “a
os autores de crimes no âmbito da jurisdição do case is inadmissible where: (a) The case is
TPI. Na verdade, os poderes do Procurador, nesta being investigated or prosecuted by a State
fase inicial, são muito mais limitados do que which has jurisdiction over it, unless the State
aqueles disponíveis para investigar, o que explica is unwilling or unable genuinely to carry out
um limiar pouco exigente para a administração the investigation or prosecution; (b) The case
da prova. Trata-se apenas de examinar as has been investigated by a State which has
informações disponíveis, com vista a determinar jurisdiction over it and the State has decided

121
Catherine Maia

not to prosecute the person concerned, unless necessary evidence and testimony or otherwise
the decision resulted from the unwillingness or unable to carry out its proceedings”53.
inability of the State genuinely to prosecute; (c) Nesta fase, para distinguir as situações
The person concerned has already been tried for que justificam uma investigação das demais,
conduct which is the subject of the complaint, o Gabinete do Procurador elaborou, de forma
and a trial by the Court is not permitted under pormenorizada, um “processo de filtragem”
article 20, paragraph 3; (d) The case is not of dividido em quatro fases:
sufficient gravity to justify further action by the “78. Phase 1 consists of an initial assessment
Court”. of all information on alleged crimes received
Em virtude do princípio da under article 15 (‘communications’). The
complementaridade, que é a pedra angular do purpose is to analyze and verify the seriousness
funcionamento do TPI, as autoridades nacionais of information received, filter out information
têm a responsabilidade primária do julgamento on crimes that are outside the jurisdiction of
dos autores de crimes internacionais. O TPI the Court and identify those that appear to fall
poderá declarar-se competente somente se o within the jurisdiction of the Court. (…)
Estado em causa não tem vontade ou capacidade 80. Phase 2, which represents the formal
para realizar investigações ou processos, commencement of a preliminary examination
bem como se encerrou um processo por falta of a given situation, focuses on whether the
de vontade ou capacidade de processar. Por preconditions to the exercise of jurisdiction
conseguinte, ele deverá previamente verificar se under article 12 are satisfied and whether there
os crimes alegados são ou têm sido objeto de uma is a reasonable basis to believe that the alleged
investigação ou de um processo. Se assim for, crimes fall within the subject-matter jurisdiction
ele deverá, em seguida, verificar se existe uma of the Court. Phase 2-analysis is conducted
eventual falta de vontade ou de capacidade para in respect of all article 15 communications
investigar e processar51, o que inevitavelmente that were not rejected in Phase 1, as well as of
o levará a formular uma apreciação sobre os information arising from referrals by a State
processos penais nacionais. party or the Security Council, declarations
lodged pursuant to article 12(3), open source
Para identificar uma possível falta de
information, and testimony received at the seat
vontade do Estado num caso, o TPI poderá ter
of the Court.
em conta vários fatores considerados relevantes,
tanto objetivos quanto subjetivos52. Poderão ser 81. Phase 2 analysis entails a thorough
factual and legal assessment of the crimes
considerados, entre muitos outros, como fatores
allegedly committed in the situation at hand
objetivos, a ausência de uma legislação que
with a view to identifying the potential cases
incrimina os factos alegados, a existência de uma
falling within the jurisdiction of the Court.
legislação de amnistia ou de prescrição, pressões
The Office will pay particular consideration to
ou ameaças a testemunhas ou funcionários
crimes committed on a large scale, as part of
judiciais, atrasos injustificados ou uma falta
a plan or pursuant to a policy. The Office may
de imparcialidade ou de independência dos further gather information on relevant national
procedimentos nacionais incompatível com proceedings if such information is available at
a intenção de processar um acusado, e como this stage. Phase 2 leads to the submission of an
fatores subjetivos, a política penal nacional ‘Article 5 report’ to the Prosecutor, in reference
cuja finalidade não deve ser a de subtrair o to the material jurisdiction of the Court as
acusado à sua responsabilidade penal por crimes defined in article 5 of the Statute.
internacionais.
82. Phase 3 focuses on the admissibility
Para identificar uma possível falta de of potential cases in terms of complementarity
capacidade do Estado num caso, o TPI poderá and gravity54 pursuant to article 17. In this
também levar em conta outros fatores, muitas phase, the Office will also continue to collect
vezes ligados ao caos em situações de pós- information on subject-matter jurisdiction,
conflito. Em particular, “the Court shall consider in particular when new or ongoing crimes are
whether, due to a total or substantial collapse alleged to have been committed within the
or unavailability of its national judicial system, situation. Phase 3 leads to the submission of an
the State is unable to obtain the accused or the ‘Article 17 report’ to the Prosecutor, in reference

122
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

to the admissibility issues as defined in article críticas visaram a política penal do Procurador,
17 of the Statute. cuja suposta parcialidade teria permitido abrir
83. Phase 4 examines the interests of exames preliminares apenas no caso de Estados
justice. It results in the production of an ‘Article fracos ou, pelo menos, de situações que não
53(1) report,’ which provides the basis for the envolvem nenhum Estado poderoso61. Os
Prosecutor to determine whether to initiate an exames preliminares atualmente realizados no
investigation in accordance with article 53(1). âmbito das situações no Afeganistão, Iraque,
Ucrânia e Geórgia poderiam refutar essas
84. On the basis of the available information,
críticas se ultrapassarem esta fase preliminar
and without prejudice to other possible crimes para conduzir a investigações envolvendo várias
which may be identified in the course of an grandes potências62.
investigation, the ‘Article 53(1) report’ will
Em seguida, a imparcialidade implica que o
indicate an initial legal characterization of the
Procurador não leve em conta fatores como idade,
alleged crimes within the jurisdiction of the
sexo, língua, religião, fortuna, opiniões políticas,
Court”55.
origem nacional, étnica ou social, situação
De acordo com este processo de filtragem, é geográfica ou equilíbrio regional63. Certamente,
apenas uma vez estabelecida a jurisdição do TPI nas dez situações atualmente submetidas ao
(fase 2) que é verificada a existência de processos TPI, todas – com a exceção da Geórgia – estão
nacionais em curso na fase de apreciação da localizadas no continente Africano. Todavia,
admissibilidade do caso (fase 3). seis resultam de um encaminhamento pelos
Que tal no caso da Palestina? Depois de próprios Estados Africanos64, duas de um
receber a primeira declaração de aceitação da encaminhamento pelo Conselho de Segurança65,
jurisdição do TPI em 2009, o Procurador teve e outras duas de um encaminhamento pelo
de verificar a existência de processos penais Procurador66.
nacionais, tanto na Palestina como em Israel. Finalmente, a objetividade implica, por
No lado palestino, pôde constatar a intenção um lado, que o Procurador conduza exames
da Palestina de realizar investigações no seu preliminares tanto a nível da acusação como
território56; do lado israelense, recebeu um da defesa, por outro lado, que use métodos
relatório segundo o qual processos haviam sido padronizados para avaliar a fiabilidade e coerência
iniciados57. Esta abordagem parece demonstrar das informações recebidas67. É neste sentido
que o Procurador considerou competente o TPI que “to ensure that, in the interests of fairness,
neste caso. Paradoxalmente, no entanto, foi à objectivity and thoroughness, all relevant parties
conclusão oposta que chegou no comunicado de are given the opportunity to provide information
encerramento do exame preliminar da situação to the Office”68.
na Palestina58.
Até à data, a Procuradora abriu, em 16 A abertura de um inquérito
de janeiro de 2015, um exame preliminar da O exame preliminar deve estabelecer, numa
situação na Palestina com base na segunda fase inicial, se as condições estabelecidas pelo
declaração de 201459. A situação palestina Estatuto do TPI autorizam a abertura de um
encontra-se na fase de avaliação da competência inquérito. O seu encerramento pode levar a um
do TPI (fase 2), isto é, numa fase anterior à processo, à ausência de um processo, ou mesmo,
análise da admissibilidade e complementaridade em alguns casos, a uma ausência de decisão.
(fase 3). Esta situação adiciona-se às outras para A abertura de uma investigação é
as quais o Gabinete do Procurador está a realizar condicionada pela existência de uma base
exames preliminares: Afeganistão, Burundi, razoável para processar e varia de acordo com a
Colômbia, Gabão, Guiné, Iraque/Reino Unido, modalidade pela qual se recorreu ao TPI. Quando
Navios de Cômoros, Grécia e Camboja, Nigéria, um Estado terceiro ao Estatuto de Roma recorre
Ucrânia. ao TPI na base de uma declaração de aceitação da
Três princípios deverão nortear o exame sua jurisdição, como o fez a Palestina em 2009 e
preliminar: a independência, a imparcialidade e a em 2014, a iniciativa de uma investigação exige
objetividade. Em primeiro lugar, a independência que o Procurador obtenha uma autorização da
implica que o Procurador atue sem levar em conta Câmara Preliminar. Esta autorização, que tem
influências exteriores60. A este respeito, várias por objetivo fornecer garantias no exercício

123
Catherine Maia

das prerrogativas do Procurador, não prejudica onde foi mencionada explicitamente a ausência
decisões ulteriores que virão a ser adotadas de base razoável para abrir um inquérito74.
pelo Tribunal no que respeita à competência Sobre este ponto, a Palestina destaca-se como
e à admissibilidade69. Por agora, com base uma exceção notável. Na perspetiva da sua
na segunda declaração ad hoc palestina, a primeira declaração de 2009, continua a ser, de
Procuradora não tomou a iniciativa de pedir à facto, o único caso de exame preliminar a ter
Câmara Preliminar a autorização para abrir um sido concluído sem ser objeto de um relatório,
inquérito. Uma resposta negativa da Câmara embora a duração como a complexidade do
Preliminar não impediria que a Procuradora conflito israelo-palestino tivessem certamente
apresentasse, mais tarde, “a further request based necessitado uma análise mais aprofundada75.
on new facts or evidence regarding the same Além disso, embora o relatório anual do
situation”70. No entanto, quando o Conselho de Procurador76 bem como o site internet do TPI
Segurança ou um Estado parte ao Estatuto de tenham, em 2012, classificada a Palestina
Roma recorre ao TPI, o Procurador pode decidir entre os exames preliminares encerrados, o
sozinho a abertura de um inquérito, sem que comunicado de imprensa do Tribunal de 3
seja necessário a autorização prévia da Câmara de abril de 2012 relativo a esta situação não é
Preliminar. Assim, no futuro, se a Palestina explícito sobre este encerramento77.
viesse a escolher submeter a sua situação ao Depois da chegada, a 15 de junho de 2012,
TPI como Estado parte, a Procuradora teria da nova Procuradora, Fatou Bensouda, a situação
a possibilidade de abrir um inquérito proprio da Palestina desapareceu misteriosamente da
moto. lista dos exames preliminares encerrados no
Quando, à luz das informações recolhidas, site internet do TPI. É como se a Procuradora
o Procurador considera que falta uma base tivesse querido apagar qualquer referência
razoável para processar, pode recusar-se a abrir ao anterior encerramento realizado pelo seu
uma investigação. Contrapartida da ampla antecessor com base na declaração de 2009,
margem de apreciação do Procurador no tocante mas não formalizado num relatório público.
à oportunidade de dar início a um processo, as Através de um comunicado de imprensa do
suas decisões estão aqui sujeitas a um controlo TPI, ela anunciou, em 16 de janeiro de 2015,
judicial. Ele está vinculado pela obrigação de que abria um exame preliminar sobre a situação
informar os motivos da sua recusa em relação da Palestina com base na segunda declaração de
à Câmara Preliminar em todos os casos e, além 201478.
disso, em relação ao Conselho de Segurança Desde a sua adesão ao Estatuto de Roma, em
ou a um Estado parte no caso de a situação ter 1 de abril de 2015, a Palestina perdeu a faculdade
sido submetida por um ou outro. Nesta última de apresentar uma nova declaração de aceitação
hipótese, a pedido do Conselho de Segurança ou da jurisdição do TPI e, consequentemente, a
de um Estado parte, a Câmara Preliminar tem possibilidade que os crimes cometidos no seu
a oportunidade de solicitar ao Procurador que território antes da data de 13 de junho de 2014
reconsidere parcial ou completamente a sua possam cair dentro da jurisdição deste Tribunal.
recusa71. Trata-se de um mero convite e não de Na hipótese de uma recusa da Procuradora
uma obrigação para o Procurador que, enquanto para processar com base na declaração ad
responsável pela condução do processo, hoc de 2014, a Palestina não poderia pedir à
permanece o único mestre da oportunidade de Câmara Preliminar para convidar o Procurador
passar da fase do exame preliminar para a fase a “reconsider that decision”79 de não abrir uma
do inquérito e, portanto, mais amplamente, da investigação. Este caminho sendo-lhe fechado,
política penal do TPI72. Isto mostra o quanto “a a única via possível seria então a de submeter
Corte depende substancialmente da seleção, pelo a sua situação ao TPI como Estado parte ao
Procurador, das investigações e dos processos”73. Estatuto de Roma.
Até agora, o Procurador decidiu em quatro
ocasiões no sentido de uma recusa de processar
A ausência de decisão formal
em situações relativas à Venezuela, Coreia, O adjetivo “preliminar” pode sugerir
Navios de Cômoros, Grécia e Camboja, e que o exame preliminar tem por vocação ser
Palestina. O Procurador apresentou, para cada necessariamente transitório. No entanto, o
uma destas situações, um relatório público Estatuto de Roma não impõe qualquer prazo, na

124
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

fase do exame preliminar, para que o Procurador anos. Tal é o caso, nomeadamente, da Colômbia,
tome uma decisão – positiva ou negativa – sobre cujo exame preliminar começou em junho de
a abertura de um inquérito. Dependendo das 2004, continuando desde então durante mais de
circunstâncias de cada caso, pode, portanto, dez anos, sem que se possa ver ainda o desfecho.
decidir continuar indefinidamente a recolher Um tal prazo, particularmente longo, só pode
informações. suscitar a perplexidade sobre a capacidade do
Este ponto foi confirmado na jurisprudência Procurador para determinar simplesmente
do TPI. Em 2006, no âmbito da situação da se existe uma base razoável para processar.
República Centro-Africana, na qual o Procurador Ademais, a ausência de formalização de qualquer
foi solicitado para fornecer informações sobre decisão oferece ao Procurador uma escapatória
o estado de adiantamento dos seus exames fácil ao controlo jurisdicional das suas recusas
preliminares, este tem negado à Câmara de processar, o que certamente restringe a sua
Preliminar III a faculdade de exercer um controlo eficiência e se revela prejudicial em termos de
jurisdicional, na ausência de uma recusa preservação da prova. Essa é a razão pela qual,
formal da sua parte para abrir um inquérito. à luz do princípio do efeito útil consagrado pela
O Procurador, “while committed to reaching jurisprudência do Tribunal Internacional de
decisions under Article 53(1) as expeditiously Justiça (TIJ)82, a doutrina propôs que a Câmara
as possible, submits that no provision in the Preliminar possa impor ao Procurador um prazo
Statute or the Rules establishes a definitive na tomada de decisões, ou que possa deduzir das
time period for the purposes of the completion suas ações ou omissões uma decisão implícita83.
of the preliminary examination”; “this was a O anterior Procurador do TPI tendo levado
deliberate legislative decision that provides the mais de três anos para concluir que não era
required flexibility to adjust the parameters of capaz de decidir sobre a qualidade de Estado
the assessment or analysis phase to the specific da Palestina, é possível prever que a atual
features of each particular situation. That choice, Procuradora não chegará a uma decisão acerca da
and the discretion that it provides, should remain questão da oportunidade de abrir um inquérito
undisturbed”80. Esta argumentação foi seguida, antes de vários anos, ou até que não tomará
neste caso, pela Câmara. No ano seguinte, qualquer decisão a este respeito, deixando o
em 2007, desta vez no âmbito da situação na exame preliminar prolongar-se indefinidamente.
República Democrática do Congo, a Câmara A estas dificuldades já consideráveis, deve-se
Preliminar I rejeitou os pedidos de vítimas para acrescentar, mesmo na hipótese de uma decisão
que ela analisasse a alegada decisão implícita favorável, a possibilidade para o Conselho de
do Procurador de não processar e que tome Segurança de impedir a abertura ou a continuação
medidas de proteção das provas. Mais uma vez, de uma investigação por um período de doze
esta rejeição foi baseada na ausência de decisão meses, renovável, por uma resolução adotada ao
formal pelo Procurador81. abrigo do capítulo VII da Carta da ONU84.
Até agora, a prática do TPI tende a De acordo com previsões mais otimistas,
demostrar uma extrema variabilidade quanto à se a situação da Palestina passasse da fase do
duração dos exames preliminares, indo de alguns exame preliminar para a fase do inquérito, e
dias até vários anos. Assim, em relação aos dois depois para a fase do julgamento, o TPI teria
casos de recurso pelo Conselho de Segurança, então que se determinar sobre a culpabilidade
o Procurador foi capaz de se determinar dos alegados autores de crimes internacionais
rapidamente. No caso de Darfur (Sudão), o cometidos no território palestino, tal como
exame preliminar durou 67 dias, isto é, pouco o uso indiscriminado e desproporcionado
mais de dois meses entre a adoção da Resolução da força armada, o deslocamento forçado de
1593 de 31 de março de 2005 e a decisão de pessoas e a destruição de propriedades. O TPI
abrir um inquérito em 6 junho de 2005. No teria certamente também, e mais amplamente,
caso da Líbia, o exame preliminar durou apenas de se determinar sobre questões importantes
cinco dias entre a adoção da Resolução 1970 e sensíveis conexas, em especial a ocupação
de 26 de fevereiro de 2011 e a decisão de abrir dos territórios palestinos desde 196785, a qual
um inquérito em 3 de março de 2011. Na outra poderia ser qualificada de crime de guerra86, a
extremidade da escala, há situações em que o construção de um muro israelita de separação na
exame preliminar se estende ao longo de vários Cisjordânia, cuja ilegalidade já foi proclamada

125
Catherine Maia

pelo TIJ em 200487, ou ainda o traçado – sempre jurisdição internacional do TPI, com exceção
incerto – das fronteiras delimitando o Estado dos cidadãos israelitas88. E, mesmo se o TPI
palestino e o Estado israelense. considerasse que o sistema judicial israelita
Além da dificuldade de tais questões, carece da independência estrutural e institucional
que estão ancoradas no contexto de um longo necessária para levar a cabo investigações e
conflito velho de quase 70 anos, o TPI terá ainda processos, como foi salientado no Relatório
de apreciar o igualmente delicado respeito do Goldstone de setembro de 2009, ele ainda teria
princípio da complementaridade. É possível que de contar com a indispensável cooperação dos
este princípio funcione contra a Palestina. De Estados envolvidos nos crimes julgados. Todos
facto, enquanto Israel poderá prevalecer-se da estes obstáculos pressagiam o quanto o resultado
qualidade das suas infraestruturas jurisdicionais desta saga judicial iniciada pelas autoridades
nacionais para levar a bom termo investigações palestinas é, até à data, altamente incerto e o
e processos, tal não seria o caso da Palestina quanto este caso pode aparecer como a prova de
que sofre de uma certa fraqueza institucional. fogo para o TPI.
Os cidadãos palestinos ficariam então sob a

126
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

NOTAS

1. Ver M. EYNARD, “La relation juridique entre “¿Es Palestina un Estado? Reflexiones a la
la Palestine et le Procureur de la Cour pénale luz del derecho internacional y de la práctica
internationale”, in T. GARCIA (dir.), La Palestine: europea sobre los acontecimientos recientes
d’un État non membre de l’Organisation des en torno al reconocimiento de un Estado
Nations Unies à un État souverain?, Paris, palestino”, Revista de Estudios Europeos, vol.
Pedone, 2016, p. 95. 65, 2014, pp. 9-40.
2. R. CHARVIN, “Droit international et conflit 5. Ver M.M. EL ZEIDY, “Ad hoc Declarations of
israélo-palestinien”, comunicação apresentada Acceptance of Jurisdiction: The Palestinian
no colóquio “Où en est la Palestine?, organizado Situation under Scrutiny”, in C. STAHN (ed.),
por R. PORTEILLA e P. ICARD, na Universidade de The Law and Practice of the International
Bourgogne (França), em 18 de novembro de Criminal Court, Oxford, Oxford University
2014. Press, 2015, pp. 179-209.
3. Ver C. MAIA, K. HAMA, “La Cour pénale 6. Entre a abundante literatura alimentada por
internationale vue d’Afrique: organe esta saga judicial, ver, nomeadamente: J.
juridictionnel ou organe politique?”, QUIGLEY, “Palestine is a State so the Consent
L’Observateur des Nations Unies, vol. 32, 2012, Declaration is a Valid Basis for Investigation
pp. 75-98. Um novo limiar de insatisfação dos by the ICC”, in R.H. STEINBERG (ed.),
líderes africanos foi franqueado com os processos Contemporary Issues facing the International
sucessivamente lançados pelo TPI contra o Criminal Court, Leiden, Brill/Nijhoff, 2016, pp.
Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, em 2009, 39-50; C. MELONI, G. TOGNONI (eds.), Is There a
e depois contra o Presidente do Quênia, Uhuru Court for Gaza? A Test Bench for International
Kenyatta, e do líder líbio, Muammar Gaddafi, Justice, The Hague, TMC Asser Press, 2012;
em 2011. Enquanto era encerrado o caso contra J. DUGARD, “Palestine and the International
Muammar Gaddafi, em novembro de 2011, Criminal Court: Institutional Failure or Bias?”,
após a sua morte, e a Procuradora decidia, em Journal of International Criminal Justice,
dezembro de 2014, o abandono das acusações vol. 11, 2013, pp. 563-570; A. ZIMMERMANN,
contra o Presidente queniano em exercício, por “Palestine and the International Criminal Court
falta de provas suficientes num caso em que a Quo Vadis? Reach and Limits of Declarations
cooperação do Quênia foi escassa, o Presidente Under Article 12(3)”, Journal of International
sudanês, participou oficialmente, em junho de Criminal Justice, vol. 11, 2013, pp. 303-329;
2015, na 25ª cimeira da União Africana sem M.C. KEARNEY, “Palestine and the International
ser inquietado pelas autoridades anfitriãs sul- Criminal Court”, in Palestine and International
africanas. Este evento foi uma oportunidade Law: New Approaches. Proceedings of the
para o Presidente da União Africana de Conference held in Birzeit University, on 24-
ameaçar novamente a retirada do Estatuto 26 September 2010, Birzeit, Birzeit University,
do TPI pelo conjunto dos 34 países africanos Institute of Law, 2011, pp. 137-148; W.T.
que são atualmente partes, com vista à criação WORSTER, “The Exercise of Jurisdiction by the
alternativa de um futuro Tribunal Africano de International Criminal Court over Palestine”,
Justiça e direitos Humanos. The American University International Law
4. Sobre esta questão, ver, nomeadamente: Review, vol. 26, 2011, pp. 1153-1209; D.
C. MAIA, “Les positions politiques et les BENOLIEL, R. PERRY, “Israel, Palestine, and the
justifications juridiques des États au regard de ICC”, Michigan Journal of International Law,
la reconnaissance (ou non reconnaissance) de vol. 32, 2010, pp. 73-127.
la qualité d’État de la Palestine”, in T. GARCIA 7. De acordo com o artigo 12-3 do Estatuto de
(dir.), La Palestine: d’un État non membre de Roma: “If the acceptance of a State which is not
l’Organisation des Nations Unies à un État a Party to this Statute is required (…), that State
souverain?, Paris, Pedone, 2016, pp. 95-125; Y. may, by declaration lodged with the Registrar,
RONEN, “Recognition of the State of Palestine: accept the exercise of jurisdiction by the Court
Still too Much too Soon?”, in C. CHINKIN, F. with respect to the crime in question. The
BAETENS (eds.), Sovereignty, Statehood and accepting State shall cooperate with the Court
State Responsibility: Essays in Honour of James without any delay or exception (…)”.
Crawford, Cambridge, Cambridge University
Press, 2015, pp. 229-247; R. BERMEJO GARCÍA,

127
Catherine Maia

8. Além da Palestina, dois outros Estados não “46. (…) it is common ground that the
partes ao Estatuto de Roma optaram por European Communities concluded two Euro-
apresentar junto do Secretário do TPI uma Mediterranean Association Agreements, first
declaração ad hoc. Tal é o caso da Costa do with the State of Israel and then with the PLO
Marfim que, por uma declaração datada de for the benefit of the Palestinian Authority of
18 de abril de 2003, aceitou o exercício da the West Bank and the Gaza Strip.
jurisdição do Tribunal relativamente aos crimes 47. Each of those two association agreements
alegadamente cometidos no seu território has its own territorial scope. Under Article 83
desde 19 de setembro de 2002. Tal é também thereof, the EC-Israel Association Agreement
o caso da Ucrânia que, por uma declaração applies to the ‘territory of the State of
datada de 25 de fevereiro de 2014, aceitou o Israel’. Under Article 73 thereof, the EC-
exercício da jurisdição do Tribunal sobre crimes PLO Association Agreement applies to the
alegadamente cometidos no seu território entre ‘territories of the West Bank and the Gaza
21 de novembro de 2013 e 22 de fevereiro de Strip’.
2014.
48. That being so, those two association
9. Governo da Palestina, “Declaration recognizing agreements pursue an identical objective –
the jurisdiction of the International Criminal referred to in Article 6(1) of the EC-Israel
Court”, 21 de janeiro de 2009. Association Agreement and Article 3 of the
10. Tal como a declaração palestina de 2009, a EC-PLO Association Agreement, respectively
declaração de aceitação da jurisdição do TPI, – which is to establish and/or reinforce a free
emitida em 2003 pelo Governo da República trade area between the parties. They also have
da Costa do Marfim por intermédio do seu the same immediate purpose – defined, for
Ministro dos Negócios Estrangeiros, foi feita industrial products, in Article 8 of the EC-
por “an indefinite period”. Esta declaração Israel Association Agreement and in Articles 5
visava inicialmente a crise político-militar que and 6 of the EC-PLO Association Agreement,
se seguiu à tentativa de golpe de Estado de 19 respectively – which is to abolish customs
de setembro de 2002 contra o então Presidente duties, quantitative restrictions and other
em exercício, Laurent Gbagbo. Após as eleições measures having equivalent effect in relation
de 2010, foi confirmada pelo novo Presidente to trade between the parties to each of those
da República da Costa do Marfim, Alassane agreements. (…)
Ouattara, em 14 de dezembro de 2010 e depois 51. It follows from the foregoing that the
em 3 de maio de 2011, fornecendo a base para ‘customs authorities of the exporting [State]’,
o julgamento de Laurent Gbagbo pelo TPI por within the meaning of the two protocols
crimes cometidos em 2010 e 2011, antes de a mentioned above, have exclusive competence
Costa do Marfim decidir ratificar o Estatuto de – within their territorial jurisdiction – to issue
Roma em 15 de fevereiro de 2013. movement certificates EUR.1 or to approve
11. Neste caso, independentemente da questão exporters based in the territory under their
de saber se, tal como é hoje reconhecido por administration.
uma grande maioria de países, a Palestina é de 52. Accordingly, to interpret Article 83 of the
facto um Estado, é inegável que esta é a única EC-Israel Association Agreement as meaning
a deter um título territorial no seu território that the Israeli customs authorities enjoy
e na sua população. É neste sentido que competence in respect of products originating
decidiu o TJCE no seu acórdão proferido em in the West Bank would be tantamount to
25 de fevereiro de 2010, no caso Firma Brita imposing on the Palestinian customs authorities
GmbH c. Hauptzollamt Hamburg-Hafen (C- an obligation to refrain from exercising the
386/08), no qual afirmou que as autoridades competence conferred upon them by virtue
aduaneiras palestinas são as únicas a poderem of the abovementioned provisions of the EC-
exercer sobre as mercadorias produzidas no seu PLO Protocol. Such an interpretation, the
território – incluindo as parcelas ocupadas – as effect of which would be to create an obligation
competências previstas no Protocolo CE-OLP for a third party without its consent, would
de 1997 e, portanto, que o artigo 83 do Acordo thus be contrary to the principle of general
de Associação CE-Israel, que define o âmbito international law, pacta tertiis nec nocent nec
de aplicação territorial deste acordo, deve ser prosunt, as consolidated in Article 34 of the
interpretado em conformidade com o princípio Vienna Convention”.
pacta tertiis nec nocent nec prosunt:

128
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

12. Ao contrário de algumas jurisdições, incluindo rights of the people inherent in the authority
o TIJ, perante as quais a reciprocidade do assumed by the Palestinian Authority must
consentimento é essencial, esta não é uma be fulfilled with greater commitment” (ibid, §
condição de exercício da jurisdição do TPI, 1848). Consciente da importância do princípio
como demonstrado pelo artigo 13-b do Estatuto da complementaridade no funcionamento
de Roma que dá a possibilidade ao Conselho do TPI, Israel, após a publicação do Relatório
de Segurança, agindo ao abrigo do capítulo VII Goldstone, criou a Comissão Turkel, em junho
da Carta da ONU, submeter uma situação de 2010, para investigar as circunstâncias
ao Procurador. Esta rejeição do princípio de do apresamento da flotilha de Gaza no mês
reciprocidade é explicada pelo desejo dos autores anterior. No seu relatório publicado em janeiro
do Estado de Roma de evitar que um Estado de 2011, a Comissão de inquérito concluiu que
possa unilateralmente bloquear a jurisdição do o exército israelita tinha considerado todos os
TPI e, consequentemente, aumentar a eficácia parâmetros numa situação onde teve que lidar
da luta contra a impunidade. com uma violência extrema e inesperada. Além
13. Semelhante à abordagem adotada pelos Estados disso, num segundo relatório de fevereiro de
Unidos em 6 de maio de 2002, o Governo 2013, a Comissão de inquérito constatou que os
de Israel enviou, em 28 de agosto do mesmo mecanismos de investigação israelitas estavam
ano, uma comunicação ao Secretário-geral em conformidade com o direito internacional,
da ONU, na sua qualidade de depositário, a apresentando, no entanto, 18 recomendações
fim de proclamar que “Israel does not intend para melhorar o sistema judiciário nacional
to become a party to the treaty. Accordingly, (The Public Commission to Examine the
Israel has no legal obligations arising from its Maritime Incident of 31 May 2010 – The
signature on 31 December 2000”. Turkel Commission, Second Report Israel’s
Mechanisms for Examining and Investigating
14. Richard Goldstone, cujo nome ficou associado Complaints and Claims of Violations of
ao relatório apresentado em 2009 por esta the Laws of Armed Conflict According to
Missão, foi juiz do Tribunal Constitucional da International Law, “ Chapter D: Do the
África do Sul e Procurador do Tribunal Penal Examination and Investigation Mechanisms
Internacional para a ex-Jugoslávia e do Tribunal in Israel Concerning Complaints and Claims
Penal Internacional para Ruanda. Em 1 de abril of Violations of International Humanitarian
de 2011, num artigo que causou grande alvoroço Law Conform to Israel’s Obligations Under
no momento da sua publicação no Washington International Law? ”, pp. 360ss).
Post, “Reconsidering the Goldstone Report on
Israel and War Crimes”, ele retraiu-se sobre um 17. Estatuto de Roma, artigo 14, a contrario.
ponto específico do relatório, afirmando que 18. Estatuto de Roma, artigo 53-3-a.
a comissão de inquérito que tinha presidido 19. Estatuto de Roma, artigo 53-4.
não tinha provas suficientes para afirmar
com certeza que Israel tinha matado civis 20. Após a apresentação da primeira declaração
intencionalmente. palestina de 2009, o Gabinete do Procurador
recebeu mais de 400 comunicações relativas a
15. Conselho dos Direitos Humanos, Human crimes alegadamente cometidos na Palestina.
Rights in Palestine and Other Occupied Arab Além disso, examinou vários relatórios
Territories, Report of the United Nations Fact- públicos e realizou uma mesa-redonda, em 20
Finding Mission on the Gaza Conflict, A/ de outubro de 2010, com vários especialistas e
HRC/12/48, 25 de setembro de 2009 (ver, em ONGs que vieram expor as suas observações na
particular, as conclusões, §§ 1874ss) sede do TPI. A diversidade das personalidades e
16. A missão concluiu, por um lado, “that there das ONGs que entraram em contato com o TPI
are serious doubts about the willingness of nesta ocasião demonstra quanto as expetativas
Israel to carry out genuine investigations e esperanças eram então fortes.
in an impartial, independent, prompt and 21. No plano da competência ratione materiae do
effective way as required by international TPI, o relatório Goldstone emitido em 2009
law” (ibid, § 1832) e, por outro lado, que ela pela Missão de averiguação dos factos sobre o
“is unable to consider the measures taken by conflito em Gaza, entre outras fontes, permite
the Palestinian Authority as meaningful for estimar razoavelmente que crimes cumprindo
holding to account perpetrators of serious os requisitos do artigo 5 do Estatuto de Roma
violations of international law and believes foram cometidos por ambos os lados durante a
that the responsibility for protecting the operação “Chumbo endurecido” em 2009.

129
Catherine Maia

22. TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in international court has power to determine
Palestine”, comunicado de imprensa, 3 de abril its own jurisdiction, even when there is no
de 2012, § 4. explicit provision to that effect” (Situation in
23. Ibid., § 6. É afirmado que a “competence the Central African Republic, The Prosecutor
for determining the term ‘State’ within v. Jean-Pierre Bemba Gombo, Decision on the
the meaning of Article 12 rests, in the first Prosecutor’s Application for a Warrant of Arrest
instance, with the United Nations Secretary against Jean-Pierre Bemba Gombo, Câmara
General who, in case of doubt, will defer to the Preliminar III, ICC-01/05-01/08-14, 10 de
guidance of General Assembly. The Assembly junho de 2008, § 11).
of States Parties of the Rome Statute could also 27. Estatuto de Roma, artigo 19-3: “The Prosecutor
in due course decide to address the matter in may seek a ruling from the Court regarding a
accordance with article 112(2)(g) of the Statute” question of jurisdiction or admissibility”.
(ibid, § 5). 28. TPI, Secretário, 2009/404/SA/LASS, 23 de
24. A. PELLET, “Les effets de la reconnaissance janeiro de 2009.
par la Palestine de la compétence de la Cour 29. A Resolução 67/19 sobre o “O Estatuto da
pénale internationale”, in Mélanges en Palestina nas Nações Unidas” recebeu 138
l’honneur de Madjid Benchikh. Droit, liberté, votos a favor, 9 contra e 41 abstenções.
paix, développement, Paris, Pedone, 2011, p.
328 (tradução nossa). Longe de ser marginal, 30. Presidente do Estado de Palestina, “Declaration
uma tal abordagem funcional é prevalente accepting the jurisdiction of the International
em direito internacional, como evidenciado Criminal Court”, 31 de dezembro de 2014.
pelos numerosos instrumentos que, de acordo 31. Conselho dos Direitos Humanos, Resolução
com uma fórmula habitual, definem os seus S-21/1, “Ensuring respect for international
conceitos-chave para os efeitos da convenção law in the Occupied Palestinian Territory,
em causa (ibid., pp. 329-330). Esta abordagem including East Jerusalem”, 24 de julho de 2014,
também é particularmente justificada aqui § 13. As expressões escolhidas para descrever o
pelo facto de que, “par sa nature même, le mandato da Comissão de inquérito – tal como
Statut [de Rome] a pour objet la sauvegarde “to identify those responsible”, “with a view to
d’intérêts fondamentaux de la communauté avoiding and ending impunity and ensuring
internationale dans son ensemble” (ibid., that those responsible are held accountable” –
p. 342). Além disso, a própria definição do têm uma conotação penal que lembra a função
Estado não escapa completamente: “le droit do TPI.
international contemporain dessine l’État sous 32. Conselho dos Direitos Humanos, Report
la forme d’une figure à géométrie variable, of the Independent Commission of Inquiry
dont le tracé des contours dépend de la matière Established pursuant to Human Rights Council
impliquée, et il le relègue au simple rang Resolution S-21/1, 24 de junho de 2015: “the
d’une ‘notion’ dont l’interprétation dépend de commission was able to gather substantial
‘l’économie et de l’objectif des dispositions’ information pointing to serious violations
au sein desquelles elle figure (...). Les confins of international humanitarian law and
de l’État n’en sont pas moins mouvants, son international human rights law by Israel and
‘périmètre’ n’a rien d’une frontière intangible by Palestinian armed groups. In some cases,
et physiquement bornée. Le droit international these violations may amount to war crimes” (§
appréhende l’État comme une entité qu’il peut 74).
lui-même modeler (…) et ce dernier est, dans
33. Fatou Bensouda substituiu Luis Moreno
le droit international contemporain, de plus en
Ocampo na função de Procurador do TPI em
plus souvent appréhendé différemment selon
15 de junho de 2012.
la norme appliquée” (M. FORTEAU, “ L’État selon
le droit international: une figure à géométrie 34. F. BENSOUDA, “Fatou Bensouda: The Truth
variable? ”, RGDIP, vol. 4, 2007, pp. 762-763). about the ICC and Gaza”, The Guardian, 29
de agosto de 2014:
25. Recorda-se que, entre o direito aplicável, o TPI
aplica em primeiro lugar o Estatuto de Roma, “In November 2012, Palestine’s status was
de acordo com o seu artigo 21-1-a. upgraded by the UN General Assembly to ‘non-
member observer State’ through the adoption
26. É neste sentido que o TPI teve a oportunidade
of Resolution 67/19. My office examined the
de proclamar que, “irrespective of the
legal implications of this development and
terms of Article 19(1) of the Statute, every
concluded that while this change did not

130
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

retroactively validate the previously invalid 38. Algumas personalidades manifestaram a sua
2009 declaration, Palestine could now join the preocupação acerca da opção do TPI. Tal é o
Rome Statute. caso, nomeadamente, de Nabil Abuznaid, o
That Palestine has signed various other embaixador da Palestina na Holanda: “if we
international treaties since obtaining this realize the ICC option, what then? How would
‘observer State’ status confirms the correctness we go forward with the peace process? The day
of this position. Nonetheless, to date, the we sign, things will be different between us
statute is not one of the treaties that Palestine and the Israelis”; “This is not the Palestinian
has decided to accede to, nor has it lodged a preferred choice because going to the ICC is
new declaration following the November 2012 the final divorce: one-way move, no way back”
General Assembly resolution. It is a matter of (C. LIPHSHIZ, “For Ramallah’s Man in The
public record that Palestinian leaders are in the Hague, ICC Drive is Reluctant Duty”, Jewish
process of consulting internally on whether to Telegraphic Agency, 14 de outubro de 2014).
do so; the decision is theirs alone and as ICC 39. Alguns salientaram a terrível eficácia desta
Prosecutor, I cannot make it for them”. “arma”: “La Cour pénale internationale est la
35. De acordo com o artigo 126-2 do Estatuto de seule menace que le Gouvernement israélien
Roma: “For each State ratifying, accepting, prenne au sérieux. Entre janvier 2009 et avril
approving or acceding to this Statute after the 2012, l’armée israélienne n’a mené aucune
deposit of the 60th instrument of ratification, opération d’envergure à Gaza. Après avril
acceptance, approval or accession, the Statute 2012, avec l’éloignement des poursuites, elle a
shall enter into force on the first day of the recommencé à agresser la population de Gaza
month after the 60th day following the deposit dès novembre 2012” (G. DEVERS, C. OBERLIN,
by such State of its instrument of ratification, “Plainte du ministre de la Justice de Palestine
acceptance, approval or accession”. A Palestina et du Procureur général de la Cour de Gaza
tendo aderido ao Estatuto de Roma em 2 de auprès de la CPI”, Médiapart, 4 de agosto de
janeiro de 2015, o mesmo entrou em vigor em 2014).
1 de abril de 2015 para este Estado. 40. Esta expressão aparece no Estatuto de Roma
36. Conselho de Segurança, projeto de Resolução (artigos 53-1-c, 55-2-c, 65-4, 67-1-d), bem como
S/2014/916, 30 de dezembro de 2014. Apenas nas Regras de Procedimento e Prova (regras 69,
8 membros do Conselho de Segurança, em vez 73, 82, 100, 136, 185). O Procurador tem aqui
dos 9 necessários para constituir uma maioria, uma completa liberdade de apreciação, mas o
votaram a favor do texto palestino apresentado Estatuto o obriga a ter em conta a gravidade dos
pela Jordânia (incluindo China, França e crimes processados e os interesses das vítimas,
Rússia), 2 votaram contra (Austrália e EUA) e os quais funcionam como fatores de ponderação:
5 abstiveram-se (Lituânia, Nigéria, República “The interests of justice are only considered
da Coreia, Reino Unido e Ruanda). Este projeto where the requirements of jurisdiction and
de resolução proclamava “the urgent need admissibility are met. While jurisdiction and
to attain, no later than 12 months after the admissibility are positive requirements, the
adoption of this resolution, a just, lasting and interests of justice under Article 53(1)(c) provide
comprehensive peaceful solution that brings a potentially countervailing consideration that
an end to the Israeli occupation since 1967 may give a reason not to proceed. As such, the
and fulfills the vision of two independent, Prosecutor is not required to establish that an
democratic and prosperous States, Israel investigation serves the interests of justice”
and a sovereign, contiguous and viable State (TPI, Gabinete do Procurador, Policy Paper on
of Palestine living side by side in peace and Preliminary Examinations, 2013, § 67). Esta
security within mutually and internationally questão também é tratada em detalhe no Policy
recognized borders” (§ 1). Paper on the Interests of Justice. Elaborado
em 2007 pelo Gabinete do Procurador para
37. Estatuto de Roma, artigo 53-3-a: “At the favorecer a previsibilidade e a segurança
request of the State making a referral under jurídica, este documento confirma a presunção
Article 14 or the Security Council under Article a favor da investigação e acusação uma vez que
13, paragraph (b), the Pre-Trial Chamber may o TPI seja competente e o caso admissível (§ 3).
review a decision of the Prosecutor (…) not
to proceed and may request the Prosecutor to 41. TPI, Gabinete do Procurador, Policy Paper on
reconsider that decision”. Preliminary Examinations, 2013, § 36.

131
Catherine Maia

42. TPI, Situation in the Republic of Kenya, A Procuradora decidiu imediatamente iniciar
Decision Pursuant to Article 15 of the Rome um exame preliminar acerca do ataque
Statute on the Authorization of an Investigation israelense realizado em 31 de maio de 2010
into the Situation in the Republic of Kenya, sobre a Gaza Freedom Flotilla, uma flotilha de
Câmara Preliminar II, ICC-01/09, 31 de março ajuda humanitária de oito navios que viajava
de 2010, § 27. em direção à Faixa de Gaza. No final deste
43. Ibid., § 34. exame preliminar, ela concluiu que era razoável
pensar que os crimes de guerra da competência
44. Estatuto de Roma, artigo 53-1-a. do TPI tinham sido cometidos sobre um dos
45. Estatuto de Roma, artigo 11-1. navios em causa, o Mavi Marmara, quando
46. Estatuto de Roma, artigo 5-1-a. as forças armadas israelenses intercetaram a
flotilha em 31 de maio de 2010. Ela conclui,
47. Estatuto de Roma, artigo 5-1-c.
no entanto, em 6 de novembro de 2014, que
48. Estatuto de Roma, artigo 5-1-b. este caso não apresentava um grau suficiente
49. Estatuto de Roma, artigo 5-1-d. de gravidade: “after carefully assessing all
relevant considerations, I have concluded that
50. Além dos relatórios das comissões de inquérito
the potential case(s) likely arising from an
internacionais estabelecidas pelo Conselho
investigation into this incident would not be of
dos Direitos Humanos mencionados acima,
‘sufficient gravity’ to justify further action by
ver também, entre outros, ONU, Assembleia
the ICC. The gravity requirement is an explicit
Geral: Follow-Up to the Report of the United
legal criteria set by the Rome Statute. Without
Nations Fact-Finding Mission on the Gaza
in any way minimizing the impact of the alleged
Conflict, Doc. ONU A/64/651, 4 de fevereiro
crimes on the victims and their families, I have
de 2010; Second Follow-Up to the Report of
to be guided by the Rome Statute, in accordance
the United Nations Fact-Finding Mission on
with which, the ICC shall prioritize war crimes
the Gaza Conflict, Doc. ONU, A/64/890, 11 de
committed on a large scale or pursuant to a plan
agosto de 2010.
or policy” (“Statement of the Prosecutor of the
51. Ver nomeadamente sobre este ponto: ICC, International Criminal Court, Fatou Bensouda,
Situation in the Democratic Republic of the on concluding the preliminary examination
Congo, The Prosecutor v. Germain Katanga of the situation referred by the Union of
and Mathieu Ngudjolo Chui, Judgment on the Comoros”, 4 de novembro de 2014). Em 16
Appeal of Mr. Germain Katanga against the de julho de 2015, depois das Comores terem
Oral Decision of Trial Chamber II of 12 June interposto recurso, a Câmara Preliminar I pediu
2009 on the Admissibility of the Case, Câmara à Procuradora para reconsiderar a sua decisão
de Recursos, ICC-01/04-01/07 OA 8, 25 de de não abrir um inquérito, argumentando
setembro de 2009, § 78. que esta havia cometido erros de facto quanto
52. Estatuto de Roma, artigo 17-2. à possibilidade de processar indivíduos que
podiam suportar a maior responsabilidade para
53. Estatuto de Roma, artigo 17-3. É interessante
os crimes identificados, mas também quanto à
notar que o TPI teve ocasião de julgar que a falta
escala, natureza, procedimento e impacto dos
de controlo das autoridades nacionais sobre
crimes potenciais (“TPI, Pre-Trial Chamber I
um centro de detenção era suscetível de afetar
requests Prosecutor to reconsider decision not
diretamente o bom desenrolar do inquérito:
to investigate situation referred by Union of
TPI, Situation in Libya, The Prosecutor
Comoros”, 16 de julho de 2015).
v. Saif Al-Islam Gaddafi and Abdullah Al-
Senussi, Decision on the admissibility of the 55. Ver TPI, Gabinete do Procurador, Policy Paper
case against Abdullah Al-Senussi, Câmara on Preliminary Examinations, 2013, § 77.
Preliminar I, ICC-01/11-01/11, 31 de maio de 56. TPI, Gabinete do Procurador, Letter from
2013, § 209. ICC Director, Jurisdiction, Complementarity
54. O elemento de gravidade, quando estão em and Cooperation Division to Deputy High
causa crimes internacionais, não é uma mera Commissioner for Human Rights, UN High
cláusula de estilo, pois já resultou numa recusa Commissioner for Human Rights, OPT/
de investigar no caso da flotilha de Gaza. INCOM/PSE/OHCHR-1/JCCD-Ag, 12 de
Este caso tinha sido submetido ao Gabinete janeiro de 2010, § 19.
do Procurador, em 14 de maio de 2013, pelas 57. Ibid., § 17.
Comores, Estado parte ao Estatuto de Roma e no
qual o navio Mavi Marmara estava registrado.

132
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

58. TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in dos Estados árabes e a Associação internacional
Palestine”, comunicado de imprensa de 3 de dos juristas e advogados judeus).
abril de 2012. 69. Estatuto de Roma, artigo 15-4.
59. TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in 70. Estatuto de Roma, artigo 15-5.
Palestine”, comunicado de imprensa de 16 de
janeiro de 2015. 71. Estatuto de Roma, artigo 53-3-a. O Estatuto
especifica, no artigo 53-3-b: “In addition, the
60. Estatuto de Roma, artigo 42. Pre-Trial Chamber may, on its own initiative,
61. Ver W.A. SCHABAS, “The Banality of International review a decision of the Prosecutor not to
Justice”, Journal of International Criminal proceed if it is based solely on paragraph 1(c)
Justice, vol. 11, 2013, pp. 545-551. or 2(c) [when an investigation would not serve
62. Sobre este ponto, ver M. EYNARD, “La relation the interests of justice]. In such a case, the
juridique entre la Palestine et le Procureur de decision of the Prosecutor shall be effective
la Cour pénale internationale”, op. cit. No only if confirmed by the Pre-Trial Chamber”.
contexto da situação no Afeganistão, o exame É, portanto, a Câmara Preliminar e não o
preliminar, que visa os crimes cometidos no Procurador quem tem a última palavra aqui.
território do Afeganistão desde 1 de junho de 72. Ver sobre este ponto: R. CRYER, Prosecuting
2006, poderia abranger os crimes cometidos International Crimes: Selectivity and
pela Força internacional de assistência e de the International Criminal Law Regime,
segurança, depois colocada sob o controlo da Cambridge, Cambridge University Press, 2011.
NATO. Neste caso, os cidadãos que podem ser 73. M. EYNARD, “La relation juridique entre la
processados viriam de vários Estados (Albânia, Palestine et le Procureur de la Cour pénale
Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, Croácia, internationale”, op. cit., p. 115 (tradução
Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, nossa).
Itália, Lituânia, Noruega, Nova Zelândia,
Paquistão, Polónia, Portugal, Roménia, Reino 74. Ver respetivamente: TPI, Gabinete do
Unido, Suécia, República Checa, Turquia). Procurador, Letter of the Prosecutor dated
No contexto da situação no Iraque, o exame 9 February 2006, p. 6; TPI, Gabinete do
preliminar visa crimes que seriam atribuídos Procurador, Situation in the Republic of Korea,
às forças armadas do Reino Unido presentes Article 5 Report, junho de 2014, § 82; TPI,
no território iraquiano entre 2003 e 2008. Gabinete do Procurador, Article 53(1) Report on
No contexto da situação na Ucrânia, o exame the Situation on Registered Vessels of Comoros,
preliminar visa o conjunto dos crimes cometidos Greece and Cambodia, 6 de novembro de 2014,
no território da Ucrânia entre 21 de novembro § 28.
de 2013 e 22 de fevereiro de 2014. No contexto 75. De acordo com o Policy Paper on Preliminary
da situação na Geórgia, finalmente, o exame Examinations de 2013 do Gabinete do TPI:
preliminar visa crimes cometidos em território “Communications deemed to require further
georgiano desde 1 de dezembro de 2003. analysis will be the subject of a dedicated
63. Estatuto de Roma, artigo 21-3. analytical report which will assess whether
the alleged crimes appear to fall within
64. República Democrática do Congo, Uganda, the jurisdiction of the Court and therefore
República Centro-Africana (I e II), Costa do warrant proceeding to the next phase.
Marfim e Mali. Such communications shall be analyzed in
65. Sudão e Líbia. combination with open source information
66. Quênia e Geórgia. such as reports from the United Nations,
nongovernmental organizations and other
67. Estatuto de Roma, artigo 54-1-a. reliable sources for corroboration purposes” (§
68. TPI, Gabinete do Procurador, Policy Paper 79).
on Preliminary Examinations, 2013, § 33. 76. TPI, Gabinete do Procurador, Report on
Esta preocupação é particularmente visível Preliminary Examination Activities 2012, §§
no âmbito do exame preliminar da situação 196-203.
na Palestina para a qual, após a entrega da
sua declaração ad hoc de 2009, o Procurador 77. TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in
pediu numerosas peritagens junto de várias Palestine”, comunicado de imprensa de 3 de
personalidades e instituições (incluindo o abril de 2012. Este comunicado de imprensa,
Centro europeu para a justiça e o direito, a Liga publicado apenas dois meses antes da partida
do Procurador Luis Moreno Ocampo, em 15

133
Catherine Maia

de junho de 2012, limita-se a afirmar: “The tratado (TIJ, Interpretation of Peace Treaties
Office could in the future consider allegations with Bulgaria, Hungary and Romania (Second
of crimes committed in Palestine, should Phase), parecer consultivo de 18 de julho de
competent organs of the United Nations or 1950, p. 230: o Tribunal não pode “excee[d] its
eventually the Assembly of States Parties judicial function on the pretext of remedying a
resolve the legal issue relevant to an assessment default for the occurrence of which the treaties
of Article 12 or should the Security Council, in have made no provision”).
accordance with Article 13(b), make a referral 83. Ver G. BITTI, “Article 53 - Ouverture d’une
providing jurisdiction” (§ 8). enquête”, in J. FERNANDEZ, X. PACREAU
78. TPI, Gabinete do Procurador, “The Prosecutor (dir.), Statut de Rome de la Cour pénale
of the International Criminal Court, Fatou internationale: commentaire article par article,
Bensouda, opens a preliminary examination Paris, Pedone, 2012, p. 1211.
of the situation in Palestine”, comunicado 84. O Conselho de Segurança da ONU – cujos três
de imprensa de 16 de janeiro de 2015. A membros permanentes, nomeadamente os
este respeito, a nova Procuradora afirmou Estados Unidos, China e Rússia, têm direito
claramente que a Resolução 67/19 da de veto enquanto são terceiros ao Estatuto de
Assembleia Geral, pela qual a Palestina Roma – tem assim o poder de impedir qualquer
aderiu, em 2012, ao estatuto de Estado não investigação ou processo perante o TPI, mas
observador das Nações Unidas, “does not cure também o de submeter qualquer situação no
the legal invalidity of the 2009 declaration” mundo a este Tribunal.
(ICC, Gabinete do Procurador, Report on the
Preliminary Examination Activities of the 85. Como o TIJ, que lembrou que Israel mantém
Office of the Prosecutor in 2013, § 238). a qualidade de “potência ocupante” em vários
territórios (Consequences of the Construction
79. Estatuto de Roma, artigo 53-3-a. of a Wall in the Occupied Palestinian Territory,
80. TPI, Situation in the Central African Republic, parecer consultivo, 9 de julho de 2004, Reports
Prosecution’s Report Pursuant to Pre-Trial 2004, § 78), o Procurador do TPI afirmou:
Chamber III’s 30 November 2006 Decision “While Israel maintains that it is no longer
Requesting Information on the Status of the occupying Gaza, the prevalent view within the
Preliminary Examination of the Situation in the international community is that Israel remains
Central African Republic, Câmara Preliminar an occupying power under international law,
III, ICC-01/05, 15 de dezembro de 2006, § 10. based on the scope and degree of control that it
81. TPI, Situation in the Democratic Republic has retained over the territory of Gaza following
of the Congo, Observations of the Legal the 2005 disengagement. In accordance with
Representative of VPRS 1 to VPRS 6 Following the reasoning underlying this perspective, the
the Prosecution’s Application for Leave to Office has proceeded on the basis that the
Appeal Pre-Trial Chamber I’s Decision on the situation in Gaza can be considered within the
Applications for Participation in Proceedings framework of an international armed conflict in
of VPRS 1 to 6 ,&&  GH VHSWHPEUR view of the continuing military occupation by
2007. Israel” (TPI, Gabinete do Procurador, Situation
on Registered Vessels of Comoros, Greece and
82. Ver TIJ, Corfu Channel, acórdão de 9 de abril Cambodia, Article 53(1) Report, 9 de novembro
de 1949, Reports 1949, p. 24 (“It would indeed de 2014, § 16).
be incompatible with the generally accepted
rules of interpretation to admit that a provision 86. De acordo com o artigo 8-2-b-viii do Estatuto de
of this sort occurring in a special agreement Roma, entende-se por “crimes de guerra”: “The
should be devoid of purport or effect”). Ver transfer, directly or indirectly, by the Occupying
também TPJI, Free Zones of Upper Savoy and Power of parts of its own civilian population
the District of Gex, despacho de 19 de agosto into the territory it occupies, or the deportation
de 1929, Série A, n°22, p. 13 (“in case of doubt, or transfer of all or parts of the population of
the clauses of a special agreement by which a the occupied territory within or outside this
dispute is referred to the Court must, if it does territory”.
not involve doing violence to their terms, be 87. No seu parecer consultivo de 2004 sobre as
construed in a manner enabling the clauses Legal Consequences of the Construction of
themselves to have appropriate effects”). a Wall in the Occupied Palestinian Territory,
Todavia, o conceito de efeito útil não deve levar, o TIJ concluiu que: “The construction of
sob pretexto de interpretação, a reescrever um the wall being built by Israel, the occupying

134
Palestina e Tribunal Penal Internacional: Retorno a uma Saga Judicial

power, in the Occupied Palestinian Territory, ne pas enquêter. Bien que cette procédure
including in and around East Jerusalem, intentionnellement longue ait débouché sur
and its associated régime, are contrary to du vide en termes de responsabilités, elle a
international law” (§ 163). été efficace par ailleurs puisqu’elle a bloqué
88. Os Estados têm a faculdade de informar a une investigation parallèle ouverte en Espagne
qualquer momento o TPI da abertura de sur la base de la compétence universelle
inquéritos ou processos a nível nacional – inscrite dans son droit interne”. Voltando
os quais podem ser opacos e durar anos –, mais especificamente à ofensiva israelense
impondo então ao Procurador a suspensão em Gaza no verão de 2014: “Israël a annoncé
do processo. Isto mostra quanto o princípio officiellement avoir ouvert treize enquêtes
da complementaridade pode revelar-se criminelles (militaires). Elles concernent la
particularmente protetor para os Estados com mort de 27 membres d’une même famille, dont
um sistema judicial eficiente. Na prática, várias 19 mineurs et deux femmes enceintes; des cas
precedentes realçam os riscos ligados a uma de pillages; le ciblage d’une école de l’Office de
utilização instrumentalizada deste princípio: secours et de travaux des Nations Unies pour
“Ainsi par exemple, la Haute Cour de justice les réfugiés de Palestine dans le Proche-Orient
israélienne a été saisie en 2002 en appel d’une (UNRWA) dans laquelle 15 civils ont été tués;
décision de ne pas ouvrir d’enquête criminelle l’utilisation de boucliers humains et des tirs
contre les responsables présumés de l’assassinat sur des ambulances. Une douzaine de dossiers
ciblé de Salah Shehadeh par le largage d’une ont été rapidement clos sans qu’aucune charge
bombe d’une tonne à minuit sur sa résidence, n’ait été retenue” (S. WEILL, “Ce que change
dans une zone densément peuplée. La Cour a l’adhésion de la Palestine à la Cour pénale
renvoyé l’affaire à l’État, lequel a créé alors un internationale”, Orient XXI, 15 de janeiro de
comité ‘indépendant’ composé exclusivement 2015).
d’anciens officiers militaires israéliens. Il
a fallu huit ans pour finalement décider de

135
EL PACTO INTERNACIONAL DE DERECHOS CIVILES
Y POLÍTICOS Y LA AUDIENCIA DE CUSTODIA

César Oliveira de Barros Leal


Procurador del Estado de Ceará; Profesor jubilado de la Facultad de Derecho de la Universidad Federal
de Ceará; Doctor en Derecho; Posdoctor en Estudios Latinoamericanos (Facultad de Ciencias Políticas y
Sociales de la UNAM); Posdoctor en Derecho (Universidad Federal de Santa Catarina);
Presidente del Instituto Brasileño de Derechos Humanos; Miembro de la Asamblea General
del Instituto Interamericano de Derechos Humanos.

RESUMEN and is welcomed, among other things, as a


precious resource to reduce prison overcrowding.
Después de hacer mención a la Declaración
Universal de los Derechos del Hombre y otros Keywords
instrumentos de protección de los derechos
humanos, el artículo se concentra en el Pacto International Covenant on Civil and
Internacional de Derechos Civiles y Políticos, Political Rights; custody hearing; prison in
bajo cuya inspiración nació la audiencia de flagrante; celerity; legality and necessity of the
custodia, que tiene como objeto garantizar el prison; prison overcrowding.
contacto de la persona presa con la autoridad
judicial veinticuatro horas después de la prisión 1. INTRODUCCIÓN
en flagrante. El autor explica el significado, Me sumerjo en el tiempo para una breve
las particularidades y la importancia de esta incursión histórica y recuerdo, en toda su
iniciativa que tiende a aplicarse con frecuencia exuberancia, el tenor de la Declaración francesa,
cada vez mayor en nuestro país y es saludada, que sirvió como preámbulo a la Constitución
entre otras cosas, como un precioso recurso para de Francia de 1791 y que señaló, con letras
reducir la sobrepoblación carcelaria. doradas, la existencia de principios inmutables
que deberían extenderse a todos los pueblos, en
Palabras Clave todos los tiempos, señalando como derechos
Pacto Internacional de Derechos Civiles esenciales, imprescriptibles y universales,
y Políticos; audiencia de custodia; prisión en la libertad, la seguridad y la resistencia a la
flagrante; celeridad; legalidad y necesidad de la opresión.
prisión; sobrepoblación carcelaria. Mucho después, la Declaración Universal
de los Derechos del Hombre, del 10 de diciembre
ABSTRACT de 1948, inspirada en las constituciones pioneras
de México de 1917 y de Weimar de 1919,
After mentioning the Universal Declaration
amplió anteriores declaraciones de derechos,
of Human Rights and other instruments for
LQGLFDQGR QR VyOR ORV GHUHFKRV WUDGLFLRQDOHV ï
the protection of human rights, the article
FLYLOHV \ SROtWLFRVï VLQR WDPELpQ ORV GHUHFKRV
concentrates on the International Covenant
económicos, sociales y culturales como el derecho
on Civil and Political Rights, under whose
al trabajo, el descanso y la recreación, la salud,
inspiration was born the custody hearing, which
la educación, la habitación, la participación
aims to ensure the contact of the person arrested
en la vida cultural y la protección especial
with the judicial authority twenty-four hours
de la maternidad y de la infancia, derechos
after the arrest in flagrante. The author explains
que se agregan a los civiles y políticos y los
the significance, the particularities and the
completan, en la medida que las dos categorías
importance of this initiative, which tends to be
son interdependientes e indivisibles. Es más,
applied with increasing frequency in our country

137
César Oliveira de Barros Leal

la dicotomía entre esos derechos fue superada Ha sido un largo camino, una trayectoria de
ulteriormente por la Declaración de Viena. avances y retrocesos, de pasos ahora lentos, ahora
Exuberante en su dicción, la Declaración rápidos, a partir del derecho internacional clásico
Universal de los Derechos del Hombre afirma (que veía el Estado como único sujeto de derecho
que todos nacemos libres e iguales en dignidad internacional) hasta el derecho internacional de
y derechos; que todos tenemos derecho a la los derechos humanos. Los sistemas global y
vida, la libertad y la seguridad; que nadie debe regional de protección de los derechos humanos
ser sometido a la tortura ni a tratamiento están cada vez más fortalecidos, haciendo una
inhumano o degradante; y que todo hombre gran diferencia en la afirmación y protección de
tiene derecho a ser reconocido, en todos los esos derechos.
lugares, como persona ante la ley y merece como Entre los instrumentos de protección
tal su amparo. Es cierto que la Declaración de los derechos humanos, creados a partir del
Universal de los Derechos del Hombre dio surgimiento de la Organización de las Naciones
inicio a la edificación de un nuevo campo del Unidas (ONU), además de la Declaración
derecho (hoy reconocidamente autónomo de la Universal de los Derechos Humanos,
ciencia jurídica): el Derecho Internacional de corresponde citar: la Convención Internacional
los Derechos Humanos (International Human sobre la Eliminación de Todas las Formas
Rights Law), iniciado tímidamente después de de Discriminación Racial (1965), el Pacto
la 1ª Guerra Mundial, pero consolidado con el Internacional de Derechos Civiles y Políticos
fin de la 2ª Guerra y todo lo que ella representó (1966), el Pacto Internacional de Derechos
de cruel, de terrible para la humanidad (en Económicos, Sociales y Culturales (1966), el
particular los horrores del nazismo, la barbarie de Protocolo Facultativo al Pacto Internacional
los campos de concentración), en un proceso de de Derechos Civiles y Políticos (1966), la
universalización de los derechos humanos que se Convención sobre la Eliminación de Todas
materializó, en gran medida, con la elaboración las Formas de Discriminación contra la Mujer
de tratados, convenios, pactos, etc., de amplitud (1979), la Convención Internacional contra la
regional y global. Es la fase legislativa del Tortura y Otros Tratamientos o Penas Crueles,
derecho internacional de los derechos humanos, Inhumanos o Degradantes (1984), el Segundo
cristalizado en los documentos que componen Protocolo Facultativo al Pacto Internacional de
la Carta Internacional de Derechos Humanos de Derechos Civiles y Políticos Destinado a Abolir
la ONU. la Pena de Muerte (1989) y la Convención sobre
Incumbe subrayar que, después de la los Derechos del Niño (1989).
proclamación en París de la Declaración De uno de los instrumentos aludidos nos
Universal de los Derechos Humanos, fueron ocuparemos en este texto: el Pacto Internacional
surgiendo gradualmente los sistemas europeo, de los Derechos Civiles y Políticos (PIDCP),
interamericano y africano de protección de centrándonos en su artículo 9º (3), que contribuyó
los derechos humanos1, que se sumaron a a la creación y el desarrollo de una importante
los sistemas nacionales de protección, los herramienta de contención del Estado Penal
denominados derechos internos. (limitación del ius puniendi) y de humanización
Flávia Piovesan, procuradora del estado de del proceso penal, lo que implica una buena dosis
São Paulo, Profesora de la Pontificia Universidad de prevención del crimen (secundaria y terciaria)
Católica de São Paulo y Secretaria Nacional de y el desahogo de las prisiones: la audiencia de
Derechos Humanos (en el gobierno interino de custodia.
Michel Temer), deja claro, en diversos textos, que
vislumbra, en esa progresiva internacionalización 1. EL PACTO INTERNACIONAL DE
de los derechos humanos, el diseño de una DERECHOS CIVILES Y POLÍTICOS
ciudadanía universal, de la cual emanarían
Aprobado el 16 de diciembre de 1966 por
derechos y garantías internacionalmente
la XXI Sesión de la Asamblea General de las
asegurados. En efecto, ciudadanos del mundo,
Naciones Unidas, con entrada en vigor el 23
sujetos de derecho internacional: es lo que
de marzo de 1976, el Pacto Internacional de
somos y seremos siempre, en la dimensión de
Derechos Civiles y Políticos, compone, junto
nuestra condición humana.
con el Pacto Internacional de los Derechos
Económicos, Sociales y Culturales (ambos fueron

138
El Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y la Audiencia de Custodia

ratificados por Brasil en 1992) y la Declaración 10. 1. Toda persona privada de su libertad
Universal de los Derechos Humanos, la ya deberá ser tratada con humanidad y
mencionada Carta Internacional de los Derechos respeto a la dignidad inherente a la persona
Humanos. humana.

Dividido en seis partes con 53 artículos, 10.2.a. Las personas procesadas deberán
contiene en la tercera parte (la más extensa) el ser separadas, excepto en circunstancias
elenco de los derechos apellidados de primera excepcionales, de las personas condenadas
generación2, entre los cuales se citan el derecho y recibir tratamiento distinto, compatible
con su condición de persona no-condenada.
a la vida; la prohibición de la tortura; el derecho
a la libertad y la seguridad; la prohibición de la 10.2.b. Las personas procesadas, jóvenes,
prisión arbitraria; y el derecho a tratamiento deberán ser separadas de las adultas y
digno y humano A continuación, reproduzco juzgadas lo más rápido posible.
algunos de sus artículos:
10.3. El régimen penitenciario consistirá
6.1. l derecho a la vida es inherente a la en un tratamiento cuyo objetivo principal
persona humana. Ese derecho deberá sea la reforma y la rehabilitación normal de
ser protegido por la ley. Nadie podrá ser los prisioneros. Los delincuentes juveniles
arbitrariamente privado de su vida. deberán ser separados de los adultos y
recibir tratamiento compatible con su edad
7. Nadie podrá ser sometido a la tortura, y condición jurídica.
ni a penas o tratamiento crueles,
Dejo de consignar otros derechos, puesto
inhumanos o degradantes...
que no están directamente relacionados con
9. 1. Toda persona tiene derecho a la temática que nos ocupa, registrando, sin
la libertad y la seguridad personales. embargo, que, conforme al artículo 2.1., los
Nadie podrá ser preso o encarcelado Estados Partes del Pacto se comprometen a
arbitrariamente. Nadie podrá ser respetar y garantizar a todos los individuos
privado de libertad, salvo por los motivos que se hallen en su territorio y estén sujetos a
previstos en ley y en conformidad con su jurisdicción los derechos en él reconocidos,
los procedimientos en ella establecidos. sin discriminación alguna por motivo de raza,
color, sexo, lengua, religión, opinión política
9.2. Cualquier persona, al ser presa, deberá o de otra naturaleza, origen nacional o social,
ser informada de las razones de la prisión y
situación económica, nacimiento o cualquier
notificada, sin demora, de las acusaciones
formuladas contra ella. otra condición.

9.3. Cualquier persona presa o encarcelada 3. EL PACTO INTERNACIONAL DE


en virtud de infracción penal deberá ser
conducida, sin demora, a la presencia del
DERECHOS CIVILES Y POLÍTICOS Y
juez o de otra autoridad habilitada por ley EL CUADRO PERVERSO DEL SISTEMA
a ejercer funciones judiciales y tendrá el
derecho de ser juzgada en plazo razonable
PENITENCIARIO
o de ser puesta en libertad. La prisión Regreso al final del mes de octubre de 2005
preventiva de personas que esperan juicio cuando, integrando la delegación brasileña,
no deberá constituir la regla general, pero la de carácter interministerial, participé en la
soltura podrá estar condicionada a garantías exposición y defensa, por parte del Gobierno
que aseguren la comparecencia de la persona
Federal, del 2º Informe de Brasil acerca del
en cuestión a la audiencia, a todos los actos
del proceso y, en el caso de que sea necesario, cumplimiento del Pacto Internacional de
para la ejecución de la sentencia. Derechos Civiles y Políticos, al Comité de
Derechos Humanos de la ONU, en Ginebra,
9.4. Cualquier persona que sea privada de Suiza (responsable del monitoreo de la aplicación
su libertad por prisión o encarcelamiento del Pacto). Se trataba de la observancia de lo
tendrá el derecho de recurrir a un tribunal dispuesto en el art. 40, según el cual los Estados
para que éste decida sobre la legalidad de su
Partes se comprometen a presentar informes
encarcelamiento y ordene.
sobre las disposiciones que hayan adoptado y
que lleven a efecto los derechos reconocidos en

139
César Oliveira de Barros Leal

el Pacto y sobre el progreso que hayan logrado en otros Tratamientos Crueles, Inhumanos o
lo concerniente al goce de esos derechos: a) en el Degradantes de las Naciones Unidas registraba
plazo de un año a contar de la data de entrada haber recibido “relatos repetidos y consistentes
en vigor del Pacto, respecto a los Estados-partes de torturas y maltratos en São Paulo y otras
interesados; b) sucesivamente, cada vez que el unidades federativas), mostrándose un vasto
Comité venga a pedirlo. Tales informes indican abanico de opciones que abarcan no sólo la
los factores y las dificultades, si los hay, que provisión de medios financieros necesarios para
afecten su aplicación. la optimización de los equipos y de los servicios
En la obra ya citada, relato que, en el y, en consecuencia, el perfeccionamiento de
Palais Wilson, tuve que responder oralmente a la administración prisional, sino también el
preguntas acerca de tres puntos: estímulo a las iniciativas y las buenas prácticas
que permitan, v.g., humanizar la cárcel,
a) el plan de acción brasileño relativo a
disminuir el periodo de clausura y liberar a
las condiciones prisionales inadecuadas y a la
aquellos que permanecen en su interior mucho
capacidad poblacional insuficiente, así como los
allá del tiempo fijado en la sentencia, un absurdo
criterios utilizados en la asignación de recursos
que es más frecuente de lo que uno se imagina y
para los penales estatales (se preguntaba
que fue enfatizado en Ginebra.
igualmente en qué medida la capacidad y las
condiciones de esos establecimientos mejoraron
y se solicitaba información sobre el proyecto de
4. LA AUDIENCIA DE CUSTODIA
establecer directrices para la administración de De acuerdo con cifras exhibidas por el
las prisiones de conformidad con el Pacto); Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas
b) las medidas tomadas para simplificar para la Prevención del Crimen y el Tratamiento
y acelerar los procedimientos de liberación del Delincuente (ILANUD), fundado en 1975 y
de prisioneros y de compensación por el vinculado al Consejo Económico y Social de la
confinamiento prolongado arbitrario, aclarando ONU, con sede en San José, Costa Rica, más del
las razones de ese “extraordinario” fenómeno; 70% de los presos, en un número significativo
de países de América Latina, son provisionales,
c) la disponibilidad y la eficacia de los
lo que confirma la utilización abusiva del
mecanismos de queja en cuanto a abusos
aprisionamiento, una excrecencia que nos
sistemáticos cometidos contra los derechos
incumbe erradicar a toda costa.
humanos de los detenidos en prisiones, cárceles
municipales y otras formas de custodia.3 Muchas han sido las medidas adoptadas, en
distintos países, para intentar reducir el número
Se percibió, entonces, de forma manifiesta,
de presos provisionales: la despenalización de los
que la preocupación subyacente y prioritaria de
delitos menores, es decir, de menor gravedad;
los miembros del Comité era el gran número
la ampliación de la libertad condicional, la
de presos en espera de juicio (en algunos
libertad vigilada, la libertad anticipada y la
casos alcanzando niveles alarmantes), los
prisión doméstica (en ciertos lugares, el empleo
cuales habitan las prisiones de los Estados-
proporcional y equilibrado de los regímenes
Miembros de las Naciones Unidas, lo que
semiabierto y abierto); el uso efectivo de las
colabora desmesuradamente para envilecer
sanciones alternativas a la pena privativa de
las condiciones de los centros de reclusión, en
libertad, especialmente para ciertos grupos de
su gran mayoría precarios y superpoblados,
sancionados (algo que, para muchos, debe ser
escenarios de abandono, arbitrariedades,
hecho con extremo cuidado, a fin de evitar la
violencia, torturas, lo que supone un desprecio a
expansión de la red de control que fortalecería
la dignidad de los cautivos y contrariamente a lo
el camino para la omnipresencia de un Estado
que preconiza el Pacto.
policial); el monitoreo electrónico a distancia
Además de las críticas hechas al modelo como instrumento de control y alternativa
decadente del sistema penitenciario brasileño, a la prisión4; la promoción de mecanismos
prevaleció el interés de obtener respuestas para el de conciliación, de mediación, de justicia
enfrentamiento de sus males, de sus fragilidades, restaurativa5 con reparación a las víctimas; la
de los abusos en ella cometidos, de la tortura redención de la pena por el trabajo, la educación y
que persiste intramuros (siete años después, la lectura; la ampliación del cuadro de defensores
el Subcomité de Prevención de la Tortura y públicos que permitan, con el apoyo de los jueces

140
El Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y la Audiencia de Custodia

de ejecución, asegurar el derecho de los presos a Humanos, ratificada por Brasil en 1992: Toda
sus beneficios de prelibertad; la determinación persona, detenida o retenida, debe ser conducida,
de que el número de encarcelados no rebase la sin demora, a la presencia de un juez u otra
capacidad de la unidad penal, de acuerdo con el autoridad autorizada por ley a ejercer funciones
límite de plazas y tasas de ocupación, que deben judiciales y tiene el derecho de ser juzgada en
ser de conocimiento público, de conformidad con plazo razonable o de ser puesta en libertad, sin
las buenas prácticas y los principios establecidos prejuicio de que prosiga el proceso. Su libertad
por la Comisión Interamericana de Derechos puede estar condicionada a garantías que
Humanos, así como las recomendaciones de aseguren su cumplimiento en juicio.
las Reglas de Mandela; y, por fin, la adopción Cabe destacar también: a) el art. 306
excepcional de la prisión preventiva, siendo del Código de Proceso Penal (Decreto-ley n.
bienvenida la práctica, exitosa en muchos países, 3.689 del 03 de octubre de 1941): La prisión de
de la audiencia de custodia. cualquier persona y el local donde se encuentre
Pero, ¿qué es la audiencia de custodia? serán comunicados inmediatamente al juez
Inspirada en el Pacto Internacional de competente, al Ministerio Público y a la familia
Derechos Civiles y Políticos (así como en del preso o a la persona por él indicada. § 1o
la Convención Americana sobre Derechos en hasta 24 (veinticuatro) horas después de la
Humanos, el Pacto de San José de Costa Rica), realización de la prisión, será encaminado al juez
la audiencia de custodia tiene por finalidad competente el auto de prisión en flagrante y, en
garantizar el contacto de la persona presa con la el caso de que haya sido registrado en el informe
autoridad judicial 24 horas después de la prisión el nombre de su abogado, copia integral para la
en flagrante, aunque en la práctica, por múltiples Defensoría Pública. § 2o En el mismo plazo, será
razones, difícilmente ese plazo sea cumplido. entregada al preso, mediante recibo, la nota de
culpa, firmada por la autoridad, con el motivo
La audiencia de custodia sirve para que
de la prisión, el nombre del conductor y los dos
el juez: analice la legalidad y la necesidad
testigos”; b) el art. 310 del mismo Código: al
de la prisión, así como verifique eventuales
recibir el auto de prisión en flagrante, el juez
maltratos al preso (es frecuente este relato). En
deberá con fundamento: (Redacción dada por la
el momento de la audiencia, con la presencia
Ley nº 12.403, de 2011) I - Relajar la prisión
del representante del Ministerio Público y de un
ilegal; o (Incluido por la Ley nº 12.403, de 2011);
abogado/defensor público, el juez podrá: relajar
II - Convertir la prisión en flagrante en prisión
la prisión en flagrante legal; decretar la prisión
preventiva, cuando estén presentes los requisitos
preventiva u otra medida cautelar alternativa a la
constantes del art. 312 de este Código, y se
prisión; mantener suelta a la persona de quien se
revelen inadecuadas o insuficientes las medidas
sospecha haber cometido determinado delito, en
cautelares diversas de la prisión; o (Incluido
el caso de que sea necesario aplicar una medida
por la Ley nº 12.403, de 2011); III. Conceder
cautelar.
libertad provisional, con o sin fianza. (Incluido
Dice el art. 9º (3) del Pacto Internacional por la Ley nº 12.403, de 2011). Párrafo único:
de Derechos Civiles y Políticos, de 1966: Caso el juez verifique, por el auto de prisión en
Cualquier persona presa o encarcelada en flagrante, que el agente practicó el hecho en las
virtud de infracción penal deberá ser conducida, condiciones constantes de la fracciones I a III del
sin demora, a la presencia del juez o de otra caput del art. 23 del Decreto-ley n. 2.848, del
autoridad habilitada por ley a ejercer funciones 7 de diciembre de 1940 - Código Penal, podrá,
judiciales y tendrá el derecho de ser juzgada con fundamento, conceder al acusado libertad
en plazo razonable o de ser puesta en libertad. provisional, mediante acta de comparecencia a
La prisión preventiva de personas que esperan todos los actos procesales, so pena de revocación.
juicio no deberá constituir la regla general, pero (Redacción dada por la Ley nº 12.403, de 2011,
la soltura podrá estar condicionada a garantías que, además, no logró mudar, como se esperaba
que aseguren la comparecencia de la persona en de la reforma de 2011, el paradigma de la prisión
cuestión a la audiencia y a todos los actos del como prima ratio).
proceso, en el caso de que sea necesario, para la
Ante el reconocimiento de la insuficiencia
ejecución de la sentencia.
de los artículos apuntados (en la sistemática
Este artículo del Pacto fue reproducido por bajo examen el juez sólo tiene contacto con el
el art. 7º (5) de la Convención sobre Derechos

141
César Oliveira de Barros Leal

ciudadano preso en la fecha de su juicio, lo que de Precepto Fundamental 347 del


puede verificarse meses o años posteriormente Supremo Tribunal Federal, consignando
a su prisión), el proyecto de ley (PLS 554/2011, la obligatoriedad de la presentación de
de autoría del Senador Antonio Carlos la persona presa a la autoridad judicial
competente; CONSIDERANDO lo que
Valadares6), ahora tramitando en el Congreso
dispone la letra “a” de la fracción I del art.
Nacional, prevé, con el fin de alterar el Código 96 de la Constitución Federal, que brinda
de Proceso Penal (compatibilizándolo con el a los tribunales la posibilidad de tratar de
Pacto y la Convención), la obligatoriedad de la la competencia y del funcionamiento de
presentación del preso al juez y la realización sus servicios y órganos jurisdiccionales
de la audiencia de custodia (corrigiendo, así, y administrativos; CONSIDERANDO
una gravísima laguna en el sistema cautelar en la decisión emitida en la Acción Directa
vigor), veinticuatro horas después de la prisión en de Inconstitucionalidad 5240 del
flagrante, con indudables ventajas, referidas por Supremo Tribunal Federal, declarando la
constitucionalidad de la disciplina por los
los estudiosos, entre las cuales se debe destacar:
Tribunales de la presentación de la persona
a) afianza al preso el derecho de ser juzgado en presa a la autoridad judicial competente;
un plazo razonable; b) garantiza el derecho de CONSIDERANDO el informe producido
defensa y el contradictorio; c) inhibe y protege por el Subcomité de Prevención a la Tortura
al individuo de maltratos y la tortura durante y de la ONU (CAT/OP/BRA/R.1, 2011),
después de la prisión; d) asegura el respeto a sus por el Grupo de Trabajo sobre Detención
garantías individuales y su dignidad como ser Arbitraria de la ONU (A/HRC/27/48/
humano, piedra angular del instituto. Add.3, 2014) y el informe sobre el uso de
la prisión provisional en las Américas de la
En esta misma línea, el Consejo Nacional Organización de los Estados Americanos;
de Justicia (CNJ), en asociación con el Tribunal CONSIDERANDO el diagnóstico de
de Justicia de São Paulo y el Ministerio de la personas presas presentado por el CNJ y el
Justicia, dio inicio al proyecto Audiencia de INFOPEN del Departamento Penitenciario
Custodia (recomendando su implantación en Nacional del Ministerio de la Justicia
todo el territorio nacional), con la finalidad (DEPEN/MJ), publicados, respectivamente,
de tornar viable, con la máxima rapidez, la en los años de 2014 y 2015, revelando
presentación a una autoridad judicial de los el contingente desproporcional de
personas presas provisionalmente;
presos en flagrante. En la audiencia participan
CONSIDERANDO que la prisión,
también el representante del Ministerio Público conforme a previsión constitucional (CF,
y un abogado/defensor público. El proyecto art. 5º, LXV, LXVI), es medida extrema que
prevé, por igual, una estructura diversificada que se aplica solamente en los casos expresos en
incluye la creación/estructuración de centrales ley y cuando la hipótesis no admite ninguna
de alternativas penales; centrales de vigilancia de las medidas cautelares alternativas;
electrónica; centrales de servicios y asistencia CONSIDERANDO que las innovaciones
social; y cámaras de mediación penal, encargadas introducidas en el Código de Proceso
de presentar a la autoridad judicial opciones al Penal por la Ley 12.403, del 4 de mayo de
aprisionamiento provisional. 2011, impusieron al juez la obligación de
convertir en prisión preventiva la prisión
Mediante la Resolución n. 213, del en flagrante delito, solamente cuando
15.12.2015, el CNJ había dispuesto sobre la constatada la imposibilidad de relajamiento
presentación de toda persona presa a la autoridad o concesión de libertad provisional, con o
judicial en el plazo de veinticuatro horas. He sin medida cautelar diversa de la prisión;
aquí el preámbulo que transcribimos por su CONSIDERANDO que la conducción
riqueza y amplitud: inmediata de la persona presa a la autoridad
judicial es el medio más eficaz para
CONSIDERANDO el art. 9º, ítem 3, del prevenir y reprimir la práctica de tortura
Pacto Internacional de Derechos Civiles en el momento de la prisión, asegurando,
y Políticos de las Naciones Unidas, así por tanto, el derecho a la integridad física
como el art. 7º, ítem 5, de la Convención y psicológica de las personas sometidas a
Americana sobre Derechos Humanos la custodia estatal, previsto en el art. 5.2
(Pacto de São José de Costa Rica); de la Convención Americana de Derechos
CONSIDERANDO la decisión en los Humanos y en el art. 2.1 de la Convención
autos de la acusación de incumplimiento Contra la Tortura y Otros Tratamientos o
Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes;

142
El Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y la Audiencia de Custodia

CONSIDERANDO lo dispuesto en la persona presa en flagrante delito. Reproduzco a


Recomendación CNJ 49 del 1 de abril continuación algunos de sus artículos:
de 2014; CONSIDERANDO la decisión
plenaria tomada en el juicio del Acto Art. 1º. Queda instituida, en el ámbito de
Normativo 0005913-65.2015.2.00.0000, la jurisdicción de la Comarca de Fortaleza,
en la 223ª Sesión Ordinaria, realizada en el la obligatoriedad de la realización de
15 de diciembre de 2015. audiencia de custodia, para fines de
presentación a la autoridad judicial
El art. 1º de la Resolución es categórico al competente, así definida en los términos
determinar que toda persona presa en flagrante del art. 7º, de esta Resolución, de todas
delito, independientemente de la motivación o las personas presas en flagrante delito.
naturaleza del acto, sea de modo obligatorio, en Art. 2º. La autoridad policial remitirá
hasta 24 horas de la comunicación del flagrante, al Juicio competente para la realización
de audiencias de custodia, en hasta 24
presentada a la autoridad judicial competente, y
(veinticuatro) horas después de la prisión,
oída acerca de las circunstancias en las que se dio el respectivo auto de prisión en flagrante,
su prisión o aprehensión. No nos detendremos en para el fin de atender a la comunicación
el análisis de los dieciséis artículos subsecuentes de que trata el art. 306, § 1º, del Código
(porque rebasaría el propósito de este artículo), de Proceso Penal. § 1º. Protocolizado en
pero llamamos la atención del lector para el la Secretaría del Juicio, ésta certificará si
Protocolo I (documento que tiene por objetivo el auto está debidamente instruido con
presentar orientaciones y directrices sobre la nota de culpa y examen de cuerpo de
aplicación y el seguimiento de medidas cautelares delito de la persona presa, remitiéndolo,
en seguida, mediante despacho del
diversas de la prisión para aquellos presentados
juez, a la Central Integrada de Apoyo
en las audiencias de custodia, conteniendo: al Área Criminal (CIAAC) para fines de
los fundamentos legales y la finalidad de las investigación en cuanto a los antecedentes
medidas cautelares diversas de la prisión; las criminales y eventuales restricciones a la
directrices para la aplicación y el seguimiento libertad del arrestado en flagrante. § 2º.
de las medidas cautelares diferentes de la Antes de determinar la remesa del auto a
prisión; los procedimientos para el seguimiento la CIAAC, el juez podrá evaluar, ante los
de las medidas cautelares e inclusión social) elementos presentes, si el caso comporta,
y el Protocolo II (documento que, a su vez, de inmediato, el relajamiento de la
busca orientar tribunales y a magistrados sobre prisión ilegal o la concesión de la libertad,
independientemente de la presentación
procedimientos para denuncias de tortura y
del preso. § 3º. Devuelto el auto con las
tratamientos crueles, inhumanos o degradantes, informaciones recolectadas por la CIAAC,
donde se consignan: la definición de la tortura; lo que deberá ocurrir con la máxima
las condiciones adecuadas para la escucha del brevedad posible, la persona detenida será
custodiado en la audiencia; los procedimientos convocada por la autoridad policial para la
para la deposición de la víctima de tortura; los realización de la audiencia de custodia y los
procedimientos concernientes a la colección autos de prisión aguardarán en Secretaría
de informaciones sobre prácticas de tortura la realización de la respectiva audiencia.
durante la escucha de la persona custodiada;; § 4º. En las hipótesis en que la prisión en
flagrante sea comunicada durante finales
un cuestionario para auxiliar en la identificación
de semana, feriados u otros períodos en que
y registro de la tortura durante la escucha funcione el régimen del turno, se observará
de la víctima; y las providencias en caso de lo previsto en el art. 8º, fracción III, de
investigación de indicios de tortura y otros esta Resolución. Art. 3º. Compareciendo
tratamientos crueles, inhumanos o degradantes. el arrestado en flagrante, el juez procederá
En el estado de Ceará (soy de este estado, a su inmediata escucha, certificándose,
lo que explica la referencia puntual), el Tribunal sin embargo, que le haya sido dada la
oportunidad, antes de la audiencia, de
de Justicia instituyó, a través de la Resolución n.
tener contacto previo y razonable con
14/2015 del Órgano Especial, ad referendum del defensor constituido, en el caso de que así
Tribunal Pleno, obligatoriedad de la realización haya figurado en ocasión de la redacción
de audiencia de custodia, presidida por autoridad del auto de prisión o hasta el momento de
judicial competente, para presentación de la la apertura de la audiencia, o, al contrario,
con Defensor Público.

143
César Oliveira de Barros Leal

La primera audiencia de custodia en Ceará carcelaria; lo relevante es igualmente impedir


fue llevada a efecto en 2016 por la Sala Única de que el individuo se someta a toda suerte de
Audiencias de Custodia de Fortaleza. Se trataba influencias negativas (prisionización) en espacios
de un crimen de receptación y la presentación saturados donde todo se potencializa, donde
ocurrió sólo cuatro dias después de la detención. todo se exacerba como, por ejemplo, la falta
El preso, puesto que tenía buenos antecedentes, de asistencia material y jurídica, la menguada
empleo y residencia fija, obtuvo la libertad oferta de trabajo, los conflictos interpersonales,
provisional. La experiencia de Ceará fue objeto la violencia (física, moral y sexual), el tráfico de
de debate en el XXII Foro Nacional de Derecho drogas y la corrupción.
Penitenciário: Audiencia de Custodia, realizado Entrevistado sobre el proyecto, el ministro
del 20 al 21 de junio de 2016 por el Centro de Ricardo Lewandowski, Presidente del Supremo
Estudios y Entrenamiento de la Procuraduría Tribunal Federal y del Consejo Nacional de
General del Estado de Ceará, en asociación Justicia, consciente del cambio de cultura
con el Consejo Nacional de Política Criminal y provocado por la audiencia de custodia, la
Penitenciaria, órgano del Ministerio de la Justicia. calificó como un “salto civilizatorio” y adujo:
En los días siguientes, del 22 al 24 de junio, “Nosotros estamos, con ese paso, no sólo dando
el Consejo Nacional de Justicia llevó a cabo, efectividad a un principio importantísimo, que
en la sala de sesiones de la Primera Turma del es el de la dignidad de la persona humana, sino
Supremo Tribunal Federal (STF), el 2º Seminario también cumpliendo una obligación que el
sobre Tortura y Violencia en el Sistema Prisional país asumió al firmar tratados internacionales”
y en el Sistema de Cumplimiento de Medidas (entrevista publicada en Internet). El ministro
Socioeducativas – Actuación del Poder Judicial Luiz Fux, relator de la Acción Directa de
en el Enfrentamiento a la Tortura, con objeto de Inconstitucionalidad n. 5240, propuesta por la
“fortalecer la actuación y el compromiso de los Asociación de los Delegados de Policía de Brasil
jueces en la prevención, identificación y combate contra el CNJ (que el STF en buena hora juzgó
a la tortura, en especial cuando detectadas improcedente), había afirmado en su voto que las
en audiencias de custodia”. En el evento se audiencias de custodia demuestran ser eficientes
promovieron talleres para entrenamiento de los en la medida en que impiden prisiones ilegales
jueces, así como para intercambio de experiencias e innecesarias.
de los diferentes tribunales de las 27 unidades En numerosos países pertenecientes a
federativas. Se informó entonces que el CNJ la Organización de los Estados Americanos
registró cerca de 2,7 mil denuncias de maltratos (OEA) se han tomado providencias congéneres,
y torturas (excesos y abusos policiales) contra de presentación rápida en juicio: México (los
personas presas en flagrante en todo el país. sospechosos deben ser conducidos a un juez en
La idea fundamental que preside la audiencia el plazo de 48 horas o ser liberados), Colombia
de custodia es garantizar la celeridad, prevista (el plazo es de 36 horas), Chile (el plazo es de
en el Pacto y la Convención, permitiéndose, 12 horas para encaminamiento a un fiscal,
tal y como fue mencionado anteriormente, cabiéndole, a su parte, conducir a un juez
examinar la prisión desde diferentes perspectivas en el plazo de 24 horas) y Argentina (el plazo
(ocurrencia de maltratos y tortura, legalidad, viene a ser de 6 horas). Los nombres varían:
necesidad y adecuación de la permanencia de audiencia de flagrante, audiencia de control de
la prisión o concesión eventual de la libertad), detención, etc., pero la esencia es la misma y
imponiéndose o no medidas cautelares. Es el mérito compartido por la mayor parte de las
siempre recomendable, en este contexto, 35 naciones que integran la Organización de los
excluir el ingreso de alguien por un tiempo Estados Americanos (OEA).
indeterminado en el sistema penitenciário. Así
se contribuirá a desahogar las prisiones, lo que CONSIDERACIONES FINALES
por sí solo es un mérito indudable en un país
Para el ya mencionado Comité de Derechos
con más de 600.000 reclusos, solamente detrás
Humanos de la ONU, el lapso temporal entre la
de los Estados Unidos, China y Rusia en las
prisión de un acusado y su comparecencia ante
cifras globales de encarcelamiento7, con déficit
una autoridad judicial no debe ser largo, o sea,
de plazas superior a 230 mil. Pero no sólo se
el plazo ha de ser razonable, en los términos del
versa aquí sobre reducción de la sobrepoblación
art. 5º, LXXVIII, de la Constitución Federal:

144
El Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y la Audiencia de Custodia

En el ámbito judicial y administrativo, son los impases de un área intensamente afectada


garantizados a todos la razonable duración del por la negligencia y la desidia con que siempre
proceso y los medios que aseguran la celeridad fue tratada por quien debería, al revés, asumir
de su tramitación. la tarea y la responsabilidad de operar cambios.
Muchos se oponen a la audiencia de Los que luchan para que la audiencia de
custodia, alegando ser un mero recurso para custodia se firme en nuestro país, expurgando
disminuir los índices de la población prisional eventuales imperfecciones (estamos gateando
y señalando que los jueces corren el riesgo de en su aplicación práctica y tenemos todavía
proceder a juicios apresurados, sin tener muchas un largo camino de continuo aprendizaje),
veces a su disposición suficientes elementos apuestan, a medio y/o largo plazo, a que los
para una decisión exenta de errores (a manera presos provisionales constituyan una mínima
de ejemplo: la posibilidad de ausencia de una parcela de la población intramuros. Lograr este
ficha criminal actualizada, que informe, de objetivo es un gran paso para el enfrentamiento
modo idóneo, la eventual existencia de procesos de otros males presentes en este universo,
en otros estados). Es evidente que eso ocurre; permitiéndonos soñar con una ejecución penal
nada es perfecto. Pero destáquese que es notorio digna, respetuosa de los derechos humanos del
el éxito de esa iniciativa que se desarrolla conjunto de encarcelados.
actualmente, con la garantía del contradictorio Concluyo, bañado de optimismo, con la
y de la amplia defensa, y que deberá resultar reflexión de Eduardo Galeano, el excepcional
en una disminución gradual y significativa escritor y periodista uruguayo, autor de “Las
del número de presos provisionales; y eso, en Venas Abiertas de América Latina”, preso por
definitiva, tendrá, sin lugar a dudas, una fabulosa la dictadura militar en los años 70 y exilado en
repercusión en el sistema presidial, debiendo ser España hasta 1985, habiendo fallecido en abril
aclamado con el reconocimiento que se exige en de 2015: “La utopía está allá en el horizonte. Me
la celebración de las buenas prácticas. acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino
Haciendo profesión de fe, con el énfasis diez pasos y el horizonte corre diez pasos. Por
determinado por mis convicciones, veo la más que yo camine, jamás alcanzaré. ¿Para qué
audiencia de custodia no como una panacea sirve la utopía? Sirve para eso: ¡para que yo no
(algunos incurren en este equívoco), sino como deje de caminar!”
una respuesta vigorosa, entre otras, para superar

145
César Oliveira de Barros Leal

NOTAS

1 El Sistema de Protección Europeo: Uno de Derechos Humanos (en vigencia desde el 18


los más antiguos y evolucionados sistemas de julio de 1978), de dos órganos: la Comisión
regionales, el sistema europeo de protección Interamericana de Derechos Humanos (con
de los derechos humanos, se funda en el sede en Washington) y la Corte Interamericana
Tribunal Europeo de Derechos Humanos, con de Derechos Humanos (con sede en San José,
sede en Estrasburgo, Francia, también llamado Costa Rica). La Comisión Interamericana de
Tribunal de Estrasburgo o Corte Europea Derechos Humanos: Órgano de la OEA, creado
de Derechos Humanos, órgano judicial con en 1959, está integrado por siete miembros,
función consultiva y contenciosa al que se expertos de reconocida autoridad moral y
encaminan denuncias de violaciones de los versados en derechos humanos, elegidos
derechos humanos previstos en el Convenio por la Asamblea General de la OEA a partir
Europeo de Derechos Humanos y los Protocolos de una lista de candidatos propuestos por
1, 4, 6 y 7, ratificados por algunos Estados. los gobiernos de los Estados miembros. Los
Hasta el año de 1998 eran dos los órganos comisionados, quienes no son representantes
que componían el sistema (el Tribunal y la de los Estados ni de los gobiernos, tienen un
Comisión Europea de Derechos Humanos), mandato de cuatro años, prorrogable por una
pero el Protocolo n. 11, del Convenio Europeo sola vez. La Corte Interamericana de Derechos
de Derechos Humanos, suprimió la Comisión Humanos: Órgano jurisdiccional del sistema
como filtro de las demandas, que pasaron a interamericano de protección, creado en 1969,
ser directamente planteadas al Tribunal. Éste está integrado por siete jueces naturales de
tiene su presidente, dos vicepresidentes y dos Estados Miembros de la OEA (elegidos, según
presidentes de sección con mandato de tres el artículo 52 de la Convención Americana:
años. En cada una de las cuatro secciones se a título personal entre juristas de la más alta
forman, por un ciclo de doce meses, comités autoridad moral, de reconocida autoridad en
de tres jueces, encargados de tamizar las materia de derechos humanos, que reúnan las
denuncias. Hay salas de siete miembros dentro condiciones requeridas para el ejercicio de las
de cada sección que funcionan de modo rotativo más elevadas funciones judiciales conforme a
y la Gran Sala, compuesta por diecisiete jueces, la ley del país del cual sean nacionales o del
por un período de tres años. Estado que los proponga como candidatos).
El Sistema de Protección Africano: La más (Texto extraído, con ajustes, del libro La
nueva Corte regional, la Corte Africana de Ejecución Penal en América Latina a la Luz de
Derechos Humanos y de los Pueblos, ha los Derechos Humanos: Viaje por los Senderos
empezado a tornarse realidad. Ella se suma a la del Dolor, Porrúa, México, 2009, pp. 343-347)
Comisión Africana de Derechos Humanos y de 2 Una nomenclatura que juzgamos inadecuada,
los Pueblos, creada en 1987, un año después de tal y como fue mencionado en la presentación
la entrada en vigor da la Carta Africana (Banjul, de la revista n. 14 del Instituto Brasileño de
Gambia). Su Protocolo, adoptado en 1998, está Derechos Humanos, firmada por mí y por el Prof.
en vigencia desde el 25 de enero de 2004. Dos Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, Juez
años después sus 11 jueces fueron elegidos. Le de la Corte Internacional de Justicia: Hay que
faltan la adopción del Reglamento y la definición destacar, en primer plano, la interdependencia
de su sede permanente (hasta ahora comparte e indivisibilidad de los derechos humanos
la sede con la Comisión en Gambia). Se tiene (civiles, políticos, económicos, sociales y
noticia de que la Asamblea de Jefes de Estado y culturales). Al propugnar por una visión
de Gobierno de la Unión Africana ha aprobado necesariamente integral de todos los derechos
una Resolución que estableció la fusión de la humanos, el IBDH advierte de la imposibilidad
Corte Africana de Derechos Humanos y de los de buscar la realización de una categoría de
Pueblos y la Corte Africana de Justicia. derechos en detrimento de otras. Cuando se
El Sistema de Protección Interamericano: vislumbra el caso brasileño, esa concepción
El sistema interamericano de protección de se impone con mayor vigor, puesto que desde
los derechos humanos se compone, ex vi del los principios de la sociedad predatoria hasta
artículo 33 de la Convención Americana sobre el acentuar de la crisis social agravada en los
años más recientes, nuestra historia ha estado

146
El Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y la Audiencia de Custodia

marcada por la exclusión, para largas fajas cuales se incluyen las formas o vías alternas de
poblacionales, sea de los derechos civiles y punición y resolución de disputas (instancias
políticos, en distintos movimientos, sea de los por lo general no judiciales, oficiosas, celebradas
derechos económicos, sociales y culturales. por autores como Eugenio Raúl Zaffaroni), en
La concepción integral de todos los derechos especial a través de medidas constructivas, de
humanos se hace presente también en la consenso, como la conciliación y la mediación.
dimensión temporal, desechando fantasías Hacemos referencia a una práctica de justicia
indemostrables como la de las “generaciones de muy distinta de los patrones ordinarios de
derechos”, que ha perjudicado la evolución de la justicia penal, ésta de corte nítidamente
la materia, al proyectar una visión fragmentada disuasorio, retributivo-punitivo, basada en el
o atomizadas en el tiempo de los derechos exceso de formalismos, en la estricta legalidad,
protegidos. Todos los derechos para todos es y una relación traumática, adversarial, a
el único camino seguro. No se puede postergar veces hostil (una ceremonia de degradación,
para un tempo indefinido la realización de usando el lenguaje de Garfinkel), marcada por
determinados derechos humanos. el distanciamiento, un diálogo entre sordos,
3 La Ejecución Penal en América Latina a la cuyos actores principales son estatales –policía,
Luz de los Derechos Humanos: Viaje por los fiscal del MP y juez– ya que el delito es visto,
Senderos del Dolor, Porrúa, México, 2010, p. en un contexto bipolar (bidimensional), como
113. una disconformidad autor-Estado, id est,
como una ofensa contra el Estado (la supuesta
4 Es importante tener en cuenta lo siguiente: Lo víctima, el principal lesionado), poniéndose
sustancial es la convicción que se sedimenta el acento en la ruptura de las leyes, en la
paulatinamente no sólo del estrepitoso fiasco y violación del bien jurídico tutelado y en la
de la consiguiente residualidad de la privación culpa del agente, en una óptica retroactiva,
de libertad, el más pesado eslabón de una cadena con énfasis en el pasado, “olvidándose que,
de puniciones que se perpetúan en el tiempo, en su base, hay generalmente un conflicto
sino también de que el monitoreo electrónico humano, causante de otras expectativas,
no puede ser someramente categorizado como bien distintas, además de la mera pretensión
bueno o malo; es en su empleo positivo o negativo punitiva estatal.” E ignorando, ut retro, casi
que radica la respuesta. Como dice Concepción por completo a la víctima, despreciada en su
Arenal, penitenciarista española, inspectora de identidad y humanidad, sin voz en la respuesta
prisiones femeniles, uno de cuyos lemas era: penal/estatal, convertida en estatua de piedra.
“Odia el delito y compadece al delincuente”: (BARROS LEAL, César, Justicia Restaurativa:
“No hay que acusar a las buenas teorías de las Amanecer de una Era. Aplicación en Prisiones
malas prácticas.” (BARROS LEAL, César, La y Centros de Internación de Adolescentes
Vigilancia Electrónica a Distancia: Instrumento Infractores, Porrúa, México, 2015, pp. 13-14).
de Control y Alternativa a la Prisión en América
Latina, Porrúa, México, 2010, pp. 123-124) 6 Léase: “(...)”§ 1º En el plazo máximo de
veinticuatro horas después de la prisión en
5 Léase: Ante el fiasco unánimemente reconocido flagrante, el preso será conducido a la presencia
de la pena privativa de libertad (parafraseando del juez para ser oído, con vistas a las medidas
a Elías Neuman, nadie puede cubrir con los previstas en el art. 310 y para que se verifique
dedos de una mano los soles de esta evidencia, si están siendo respetados sus derechos
visible como un escorpión en un plato de fundamentales, debiendo la autoridad judicial
leche), máxime en su ilusoria propuesta de tomar las medidas oportunas con vistas a
resocialización, de rehabilitación, además preservarlos y para investigar eventual violación.
de la ineptitud de los modelos hegemónicos § 2º En la audiencia de custodia de que trata
y autoritarios de control y la notoria el párrafo 1º, el Juez escuchará al Ministerio
incapacidad del derecho penal convencional, Público, que podrá, caso entienda necesaria,
de matiz represivo, de vencer los desafíos de la requerir la prisión preventiva u otra medida
criminalidad contemporánea (por ello lo llaman cautelar alternativa a la prisión; enseguida
“tigre de papel”), se robustece cada vez más, oirá al preso y, después de manifestación de la
en el proceso penal y la ejecución de la pena, defensa técnica, decidirá con fundamento en
la percepción de que se requiere un cambio los términos del art. 310. § 3º La escucha a que
significativo en el paradigma de la justicia se refiere el párrafo anterior será registrada en
criminal, con la adopción de nuevos conceptos, autos apartados, no podrá ser utilizada como
de estrategias más eficaces y legítimas, entre las medio de prueba contra el deponente y versará,

147
César Oliveira de Barros Leal

exclusivamente, sobre la legalidad y necesidad abogado, o, en el caso de que no haya o no lo


de la prisión; la prevención de la ocurrencia de indique, en la de Defensor Público, y en la del
tortura o de maltratos; y los derechos asegurados miembro del Ministerio Público, que podrán
al preso y al acusado. § 4º La presentación del inquirir al preso sobre los temas previstos en el
preso en juicio deberá ser acompañada del auto párrafo 3º, así como manifestarse previamente
de prisión en flagrante y de la nota de culpa a la decisión judicial de que trata el art. 310 de
que le fue entregada, mediante recibo, firmada este Código.”
por la autoridad policial, con el motivo de la 7 La población carcelaria de Brasil se convierte en
prisión, el nombre del conductor y los nombres la 3ª mayor del mundo en el caso de que se
de los testigos. § 5º La escucha del preso en consideren a las personas que están en prisión
juicio siempre se dará en la presencia de su domiciliaria.

148
IMPLEMENTING HUMAN RIGHTS IN CLOSED
ENVIRONMENTS THROUGH THE UNITED NATIONS
CONVENTION AGAINST TORTURE

Claudio Grossman
Doctor en Ciencias del Derecho por la Universidad de Ámsterdam; Presidente
del Instituto Interamericano de Derecho Humanos; Miembro de la Comisión
de Derecho Internacional de Naciones Unidas para el período 2017-2021

RESUMEN Palabras claves


Los entornos cerrados plantean un gran Convención contra la Tortura; Comité
desafío para la implementación completa y contra la Tortura; Obligaciones de Derechos
efectiva de las normativas y convenciones de Humanos; Implementación de Derechos
derechos humanos. Sin embargo, muchas Humanos; Entornos Cerrados.
convenciones contienen dispositivos cuales
pueden ser utilizados para seguir desarrollando ABSTRACT
la implementación de los derechos humanos en Closed environments pose a major challenge
esos entornos cerrados. La Convención contra to the full and effective implementation of
la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, human rights norms and conventions. However,
Inhumanos o Degradantes de las Naciones many conventions contain mechanisms that
Unidas (la Convención) disfruta de varios dichos can be used to further advance implementation
dispositivos que desempeñan un papel importante of human rights in those closed environments.
en el cumplimiento e implementación de las The United Nations Convention against
obligaciones de derechos humanos. Además Torture and Other Cruel, Inhuman or
de la creación del Comité contra la Tortura (el Degrading Treatment or Punishment (the
Convention) has several mechanisms in place
Comité), la Convención también proporciona
that play an important role in enforcing and
estructuras para: informes y observaciones
implementing human rights obligations. Along
finales de los Estados Partes conforme al artículo
with the creation of a supervisory organ, the
19; investigaciones estatales según el artículo 20; Committee against Torture (the Committee),
comunicaciones interestatales bajo el artículo the Convention provides a framework for: State
22; y comunicaciones individuales conforme al Party reporting and concluding observations
artículo 22. Estos mecanismos pueden apoyar (COBs) under art 19; state inquiries under art
a la comunidad internacional en su labor hacia 20; interstate communications under art 21;
la superación de las dificultades respecto a la and individual communications under art 22.
implementación de los derechos humanos en These mechanisms can provide assistance as the
los entornos cerrados. Este artículo presenta una international community works to overcome the
breve descripción del Comité contra la Tortura challenges posed by implementing human rights
y sus métodos de supervisión y seguimiento con in closed environments. This article provides
el propósito de identificar las contribuciones de a brief description of the Committee against
este órgano del tratado a la implementación de Torture and its techniques of supervision and
derechos humanos en los entornos cerrados. follow-up, seeking to identify this treaty body’s

149
Claudio Grossman

contributions to implementing human rights in • provide reparation to victims;9 and


closed environments. • provide trainings to enforcement
agencies,10 among others.
Keywords Articles 19-22 of the Convention set forth
Convention against Torture; Committee techniques to supervise compliance with the
against Torture; Human Rights Obligations; treaty itself. Article 19 applies to all countries
Human Rights Implementation; Closed that have signed and ratified (or acceded to) the
Environments Convention, and requires all States Parties to
submit an initial and then subsequent periodic
1. INTRODUCTION reports to the Committee on any new measures
taken to implement their obligations.11 Pursuant
This article gives a brief description of the
to art 20, the Committee may initiate an inquiry
United Nations Convention against Torture
into well-founded indications of torture by a
and Other Cruel, Inhuman or Degrading
member state.12 In ratifying the Convention,
Treatment or Punishment and its supervisory
a State Party accepts the jurisdiction of the
organ the United Nations Committee against
Committee to conduct art 20 inquiries unless the
Torture, its techniques of supervision and
State Party explicitly opts out. All States Parties
follow-up, seeking to identify the Committee’s
except for the following recognise this procedure:
contributions to implementing human rights in
Afghanistan, China, Equatorial Guinea, Israel,
closed environments. For the purposes of this
Kuwait, Mauritania, Pakistan, Saudi Arabia,
article, closed environments are defined as any
Syria and the United Arab Emirates. The other
place where persons are or may be deprived of
techniques of supervision outlined in arts 21 and
their liberty by means of placement in a public
22 require States Parties to specifically accept the
or private setting in which a person is not
Committee’s competence under those articles.
permitted to leave at will by order of any judicial,
Article 21 establishes a mechanism for interstate
administrative or other order, or by any other
complaints.13 Sixty-one States Parties have
lawful authority.1
accepted this procedure,14 although it has never
The Committee against Torture is a treaty been used. Article 22 establishes a procedure for
body with 10 independent experts elected by individual communications whereby individuals
the States Parties. Its mandate is to supervise can present claims that their rights under the
compliance with the United Nations Convention Convention have been violated.15 Thus far, 65
against Torture and Other Cruel, Inhuman or states have made declarations recognising the
Degrading Treatment or Punishment, which Committee’s competence under art 22.16
was adopted in 1984.2 Currently, 153 states
Each of these mechanisms helps to
have ratified the Convention.3 By ratifying
ensure and supervise compliance with State
the Convention, countries assume a set of
Party obligations under the Convention. The
obligations that include the prohibition of
following sections will examine each supervisory
torture and other forms of cruel, inhuman or
mechanism and how those measures can be used
degrading treatment or punishment (CIDT).
to help overcome the challenge of implementing
Under this Convention, States Parties assume
human rights in closed environments. Part II
different obligations including to:
will discuss state reporting procedures under art
• incorporate the definition of torture into 19; Part III will discuss confidential inquiries
their domestic legal system;4 under art 20; Part IV will discuss interstate
• recognise the non-derogability of the communications under art 21; Part V will
prohibition of torture;5 discuss individual communications under art
• not extradite or return a person to a state 22; and Part VI will discuss follow-up procedures
where he or she would be in danger of and their impact.
torture;6
• extradite or prosecute those individuals 2. ARTICLE 19: COUNTRY REPORTS
alleged to have committed torture;7 Article 19 creates an obligation on States
• prohibit the use of confessions extracted Parties to report to the Committee on their
through torture in any official proceedings;8 compliance with Convention obligations.17 This
procedure is designed to assess compliance with

150
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

the Convention. As all States Parties are, upon B. Periodic Reports


ratification of the Convention, bound by the
As mentioned above, periodic reports must
reporting requirements, this is the Committee’s
be submitted every four years after the initial
central procedure to ensure compliance with the
report.23 Under the original reporting procedure,
Convention.18 Under art 19, states are required
once a State Party has submitted its periodic
to submit both an initial report and subsequent
report, the Committee reviews the submission
periodic reports every four years thereafter. The
and requests additional information or updates
Committee considers the State Party reports through a set of written questions known as
as well as State Party replies to subsequent a List of Issues (LOI). The State Party then
written questions from the Committee, and submits replies to the LOI, and the Committee
information submitted by non-governmental will use the periodic report and reply to the LOI,
organisations (NGOs) which is valuable to assist together with other materials, for the dialogue
the Committee’s decision-making process. with the states.
The Committee evaluates the State Party’s
States Parties can submit their periodic
compliance with the various obligations under
reports and respond to the LOI, or they can
the Convention and formalises its findings in submit their report in accordance with a new
an official document known as the Committee’s reporting procedure introduced in 2007 by the
Concluding Observations (COBs). Committee.24 States may voluntarily accept
this new optional reporting procedure to
A. Initial Reports submit a report in response to a list of specific
Under art 19, States Parties are required issues formulated by the Committee called a
to submit an initial report within one year of List of Issues Prior to Reporting (LOIPR). By
ratification of the Convention.19 Initial reports responding to the Committee’s LOIPR, a state
serve as a base line document that lays out fulfils its periodic reporting requirement under
the measures taken by new States Parties to art 19. This optional reporting procedure does
comply with their treaty obligations. States will not apply to initial reports so as to reinforce
often provide explanations of measures taken to States Parties the importance of providing a
to comply with their Convention obligations.20 full-fledged report on all measures related to the
The Committee benefits from thorough initial status of compliance with their obligations.
reports. It is important that both initial and The LOIPR procedure provides numerous
periodic reports do not merely repeat legal benefits:
provisions but instead contain disaggregated data • it simplifies the process, as States Parties
and statistics broken down by gender, race, etc now need only submit one report rather
on complaints involving torture, investigations, than two as previously required when
prosecutions, convictions, sentencing, training states had to submit replies to list of
programs, victims, detainees, and so forth, as issues in addition to the periodic report;
well as relevant facts that will contribute to a • it assists States Parties in preparing timely
meaningful dialogue on actual measures taken and more focused reports;
to implement the Convention. • it enriches the dialogue; and
To assist States Parties in the formulation of • it results in more specific reco-
their initial and periodic reports, the Committee mmendations.
has adopted general reporting guidelines.21
Through the Committee’s advance
The Committee also utilises the Common
identification of key issues of concern, including
Core Document, which was adopted in 2006
recommendations of other United Nations
by a meeting of chairpersons of human rights
human rights mechanisms when appropriate,
treaty bodies, in order to streamline reporting the LOIPR procedure has the broader potential of
on common basic information about the state strengthening coherence and follow-up to treaty
(eg constitutional provisions, data relevant bodies’ recommendations, and allows for a more
for human rights), and avoid unnecessary focused debate and dialogue between the States
duplication.22 Parties and the Committee.25 The procedure
was also designed to help the Committee avoid
unnecessary costs of translating the replies to

151
Claudio Grossman

the LOIs. Of the 88 States Parties consulted, 67 second three-hour oral proceeding that takes
have accepted this optional procedure to date, place the following day, the State Party has a new
three have not (China, Algeria and Uzbekistan), opportunity to prepare and verbally address the
and 18 have either not replied, were already Committee’s questions and concerns. The two
preparing, or had prepared a report under the separate sessions provide the State Party with an
standard procedure.26 opportunity to more fully prepare its responses
The Committee reviews the periodic and create a more focused and informed dialogue.
report, State Party replies to LOIs, and many In order to maximise the impact of its
other reports and documents (reports from work, the Committee authorises webcasting
CAT, other treaty bodies, and NGOs, whose of public proceedings by anyone interested in
contributions enrich the information provided doing so (thus far NGOs). Webcasting began
to the Committee, as well as from special following recommendations by the Inter-
procedures, regional mechanisms, national Committee Meeting of Chairpersons and
human rights institutions, the media, etc) to is consistent with the public nature of the
prepare for a dialogue that takes place during the Committee’s proceedings. Through webcasts of
Committee’s semiannual sessions in Geneva. public proceedings, the Committee and States
Parties are subject to broader scrutiny of the
C. Oral Proceedings way in which they conduct their work.31 In the
The reporting procedures also require Committee’s interpretation, if the meetings are
the States Parties to participate in an oral public, both States Parties and the Committee
proceeding before the Committee.27 The oral are held accountable. To contribute to the
proceeding involves a dialogue between the transparency of the proceedings and provide
State Party’s delegation and the Committee public access to all of the information received by
members based on all the documentation.28 The the Committee from governments, NGOs, and
oral proceedings are the last formal step taken other sources, all of the information is posted on
by the Committee before its adoption of COBs. the Committee’s website. The Committee posts
The purpose of the oral dialogue is to allow a note on the website stating that the ‘OHCHR
States Parties direct access to the expertise of [the Office of the High Commissioner for
the Committee members as a resource to assist Human Rights] is not responsible for the content
states in the compliance with their obligations. of reports provided to the Committee and the
Within this paradigm of cooperation, the provision of these reports on this webpage does
phrase that may best capture the nature of the not imply that the Committee or OHCHR
exchanges is ‘constructive dialogue’.29 However, associate themselves with their content’.32
in cases where, for example, there are mass and
gross violations of the Convention obligations
D. Concluding Observations
including the prohibition of torture, the oral After examination of the reports and oral
proceedings become more adversarial in nature, proceedings the Committee adopts its COBs.
generally due to a lack of cooperation by the The concluding observations, and its process
government represented in the exchanges.30 of adoption and follow-up, have important
The Committee prepares for the oral value. Through the process of adopting COBs,
proceedings, which are held on two consecutive issues are identified, specific recommendations
days during two separate sessions of two and are formulated, and a participatory process is
three hours, respectively, by reviewing the State created that allows for communications and
Party’s initial or periodic report, its response to exchanges with government officials, NGOs,
the LOI, reports submitted by NGOs, and any and the international community. The process
other pertinent documentation or information opens space for cooperation and ongoing
available. The Committee will also meet with communication.
NGOs to further develop its understanding The Committee utilises different procedural
of the issues. During the oral proceedings, the techniques in its COBs to maximise their
Committee questions the State Party about its impact. These techniques include: identifying
compliance with the obligations laid down in positive measures, referring to matters of
the Convention and seeks to resolve any doubts concern, and providing recommendations that
that the Committee might have. During the are specifically targeted, including measures that

152
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

the State Party should adopt to comply with its indirectly play a role by referring to conditions
Convention obligations and report back on to that are relevant to the protection of human
the Committee within a year.33 rights in those environments. Issues of direct
impact may include conditions of detention;
1. Identification of Positive Measures treatment of vulnerable individuals (eg
Referring to positive developments is a way persons with disabilities, refugees, indigenous
to encourage states to adopt measures with the populations, etc); and the lack of sufficient
knowledge that the international community development of institutional mechanisms and
will recognise their efforts. Positive recognition procedures to protect individuals in accordance
is certainly also a condition for the realisation with the Convention.42
of the paradigm of constructive dialogue. It In the case of Chile, for example, the
gives balance to the Committee’s expressions of Committee expressed concerns on the
concern on other matters. shortcomings of facilities where adolescents are
Positive measures recognised in COBs held, including the failure to separate different
can include the adoption and ratification of categories of inmates and the inadequate supply
treaties, enacting domestic norms, creating of basic services.43 In the concluding observations
institutions, application of internal norms for China, the Committee identified widespread
by the judiciary, and other mechanisms that allegations of torture, systematic problems in the
implement the Convention. These measures criminal justice system, and the use of confessions
can have significant importance for individuals extracted under torture in prosecutions.44
in closed environments. Recently, for instance, Other examples of issues identified include the
the application of the Istanbul Protocol34 by overcrowding of prisons in Sri Lanka,45 and the
Germany was recognised by the Committee, disproportionately high number of Indigenous
as was that country’s involvement in a joint Australians, specifically women and children,
project with the International Organization for incarcerated in Australian prisons.46
Immigration to identify potential victims of The Committee also often addresses general
trafficking among asylum seekers.35 Similarly, the issues of concern or noncompliance that may have
adoption of the Prison Rape Elimination Act of an impact on the overall human rights condition
2003 by the United States was recognised.36 The in a state, for example, the role of civil society; the
positive measures identified in the concluding relevance of freedom of expression; the training
observations for Sri Lanka include the ratification of public or military officials; the improper
of the Optional Protocol on the Rights of the use of military tribunals; or the obligation to
Child on the Sale of Children, Children’s Rights abrogate amnesty laws. The Committee has, for
and Child Prosecution.37 In the case of China, the instance, expressed concern over the status of
Committee identified the adoption of the 2001 indigenous peoples in Chile,47 as well as the lack
Marriage Law, which prohibits domestic violence, of cooperation between the government of Ghana
as a positive step forward.38 and NGOs concerning access to prisons.48 Other
The Committee has also recently identified examples identified include the use of military
positive measures that include: the judiciary in commissions and review boards for prosecuting
Chile applying the Convention in domestic legal Guantanamo detainees in the United States,49
cases;39 Australia’s commitment to become a and the absence of a vibrant and protected civil
party to the Optional Protocol to the Convention society in Sri Lanka.50
against Torture, and its ratification of the Rome
Statute of the International Criminal Court
3. Follow-up Recommendations
on 1 July 2002;40 and Ghana’s 2007 adoption Starting in 2003, the Committee began to
of a new criminal code which criminalises the identify between three and six recommendations
practice of female genital mutilation.41 that are ‘serious, protective, and are considered able
to be accomplished within one year’, and included
2. Identification of Issues or Matters of them in the COBs.51 The recommendations of
Concern or Noncompliance the Committee can be broad such as when they
refer to the environment or context in which
The Committee often raises issues that
violations take place (eg requesting the abrogation
directly affect people in closed environments, or
of amnesty laws or the reformation of the judicial

153
Claudio Grossman

code).52 They can also address very specific issues. Committee to the disposal of states, as well as
China, for instance, was called upon to ensure the the international community, informing them
right to access a lawyer and independent medical of the status of compliance with obligations
experts, support the exclusion of confessions under the Convention. This process not only
extracted under torture in judicial proceedings, benefits the public at large but individuals in
and end harassment of lawyers and human closed environments as well. Due to the special
rights defenders.53 With regard to Germany, the vulnerability of people in closed environments,
Committee called for strict regulation of the use this process is of particular relevance since it
of physical restraints in state prisons, psychiatric provides specific information and recommends
hospitals and detention centres for foreigners.54 specific measures related to the adoption of
The Committee also required Germany to ensure public policies relevant to their situation.62 The
adequate training for law enforcement officials on Committee is able to identify specific issues
the use of physical restraints.55 Other examples and adopt recommendations aimed at positively
of the Committee’s recommendations include impacting and strengthening human rights in
those to the United States to register all detained closed environments within each State Party.
persons, comply with non-refoulement, cease
extraordinary renditions, close the detention 3. ARTICLE 20: INQUIRY
facility at Guantanamo, and provide statistical Under art 20 the Committee may initiate
data regarding complaints related to torture.56 an inquiry into ‘well-founded indications that
Recommendations can also address indirect torture is being systematically practiced in the
issues, such as the need for cooperation with territory of a State Party’.63 Following its first
international treaty bodies or organisations, or inquiry under this procedure, the Committee
the training of public officials. In the case of adopted a definition of ‘systematic torture’ as
Ghana, the Committee asked it to ‘[strengthen] follows:
its cooperation with, and support to, non-
governmental organisations that undertake The Committee considers torture is
practiced systematically when it is apparent
monitoring activities’.57 For Belarus, the
that the torture cases reported have not
Committee highlighted the role of the state in occurred fortuitously in a particular place
ensuring the functional independence of lawyers, or at a particular time, but are seen to be
access to legal assistance and cooperation habitual, widespread and deliberate in at
between state bodies and lawyers’ self-governing least a considerable part of the territory of
bodies, and recommended that Belarus take the country in question. Torture may in
steps to improve conditions in prisons and create fact be of a systematic character without
a system for inspection by impartial monitors.58 resulting from the direct intention of a
Government. It may be the consequence
Recommendations can identify topics and of factors which the Government has
measures to be adopted relevant to the particular difficulty controlling, and its existence
conditions of each State Party. In this regard, may indicate a discrepancy between policy
the Committee requested, for example, that as determined by the central Government
Ghana strengthen efforts to combat traditions and its implementation by the local
of female genital mutilation, and suggested that administration. Inadequate legislation
the state develop community-based treatments which in practice allows room for the use
of torture may also add to the systematic
for psychiatric patients.59
nature of this practice.64
In its recommendations since 2003,
the Committee always requests the State All inquiries are done in cooperation with
Party to submit a follow-up response.60 Like States Parties and are confidential. However,
the recommendations themselves, requests the Committee may include a summary of the
for follow-up are designed to increase state findings in its annual report after the inquiry
accountability and allow the Committee to is complete. Additionally, with the consent of
focus on issues and recommendations specific the State Party subject to the inquiry, the full
to each State Party.61 report and state response, if submitted, can be
The process of arriving at the COBs, published.65
as described above, is comprehensive and The Committee applied the inquiry
thorough, and opens the expertise of the procedure under art 20 for the first time to

154
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

Turkey. The whole procedure lasted from 1990 its report, which included conclusions and
to 1993. Other inquiries followed with regard to: recommendations, to Brazil for comment.70
• Egypt from 1991 to 1996 (this was the The report contains a history of the inquiry,
first inquiry in which the State Party did an overview of Brazil, and a detailed account of
not allow a visit of Committee members information gathered. In the conclusions and
to its territory); observations the Committee stated:
• Peru from 1995 to 2001; The Committee found, as described
• Sri Lanka from 1999 to 2002; in the preceding paragraphs, endemic
overcrowding, filthy conditions of
• Mexico from 1998 to 2003; confinement, extreme heat, light deprivation
• Serbia and Montenegro from 1997 to and permanent lock-ups (factors with severe
2004; health consequences for inmates), along
with pervasive violence as well as lack of
• Brazil from 2002 to 2008; and proper oversight, which leads to impunity.
• Nepal from 2006 to 2011 (like Egypt, In fact, there is widespread impunity for
Nepal did not authorise a visit by the perpetrators of abuse. In addition, the
Committee members to its territory).66 Committee on several occasions received
allegations attesting to the discriminatory
In accordance with art 20, the Committee’s
nature of these conditions given that they
annual report includes a summary account of its affect vulnerable groups and in particular,
proceeding’s results, as well as the comments persons of African descent. The Committee
and observations submitted by Nepal.67 notes that the government of Brazil [ ]
The art 20 report on Brazil, which is fully cooperated with the Committee’s
publicly available on the Committee’s website, visit, constantly expressed its awareness
and concern with the seriousness of the
highlights the procedure and its potential impact
existing problems, as well as its political
on enforcing human rights.68 In late 2002, the will to improve. However, tens of thousands
Committee received allegations, submitted by of persons are still held in delegacias and
several NGOs, of the systematic practice of elsewhere in the penitentiary system where
torture in Brazil.69 The Committee examined torture and similar ill-treatment continues
the information in private meetings. After to be ‘meted out on a widespread and
agreeing that the allegations were well founded systematic basis’.71
and reliable, the Committee submitted the
In 2008, Brazil submitted a response to
information to Brazil for comment. Brazil failed
the report and authorised the publication of
to respond to the documents and the Committee
the report and its response. Brazil disagreed
initiated an art 20 inquiry in late 2003. After
with the Committee on a number of issues72but
some delay, Brazil invited the Committee for an
it provided comprehensive responses to each
official visit in July of 2005, and cooperated fully
conclusion and recommendation identified
with the inquiry. by the Committee’s report. The major issue
Two teams, made of up Committee raised by Brazil concerned the Committee’s
members (including the author of this article), characterization of the situation in county prison
members of the Secretariat and interpreters system as ‘systematic’ torture. For Brazil the
visited several Brazilian states and met with concept of systematic torture required intention
numerous officials, prosecutors, lawyers, judges, and specific purpose that it did not believe
representatives of international organizations, existed in the case of the Brazilian prison system.
and NGOs. During their stay in Brazil, the The Committee disagreed and determined that
Committee members visited a large number of even in the absence of a specific purpose, taking
places of detention, met with alleged victims of into account the overall circumstances, that
torture, and discussed the situation of torture systematic torture was present. While Brazil
victims and their relatives with numerous rejected the Committee’s characterisation as
NGOs. systematic it did acknowledge the seriousness
In late 2006, after collecting testimonies of the situation and made a commitment to
by public officials, recording observations from improve it.
site visits, and reviewing submissions from Article 20 investigations allow the
NGOs and state officials, the Committee sent Committee to investigate claims of the

155
Claudio Grossman

systematic practice of torture, and States important mechanisms to prevent torture,


Parties are able to receive the expertise of the including the development of National Preventive
Committee members on issues that may Mechanisms (NPMs) and unannounced visits to
otherwise have gone unaddressed. Through detention centres by the treaty body established
visits to places of detention and discussions pursuant to OPCAT, ie the Subcommittee on
with civil society and high level authorities, it Prevention of Torture and other Cruel, Inhuman
is possible to adopt sound recommendations or Degrading Treatment or Punishment
informed by the knowledge provided by the (SPT).76 Since the creation of OPCAT, and in
Committee members’ presence on site. Those compliance with the requirements laid down in
recommendations provide information to state the conventions, the SPT and the Committee
authorities and ultimately, if made public, to the meet jointly to exchange information and engage
population of that country and the international in a dialogue designed to achieve the goals of
community at large. The underlying purpose of the Convention. The creation of OPCAT, and
this procedure is to present credible information the combined efforts between the SPT and
by an authoritative organ about the situation of a the Committee (including the art 20 inquiry
country. This process provides relevant findings process) are essential mechanisms to combating
for actors who seek change both within and torture due to the situation of individuals in
outside the government to promote compliance closed environments and vulnerable situations.
with human rights, specifically the obligations
laid down in the Convention. This information 4. ARTICLE 21: INTERSTATE
also offers opportunities for international actors COMMUNICATIONS
to adjust their behavior towards those states that
are in violation of, or in a process of improving, Article 21 of the Convention provides a
human rights.73 framework wherein the Committee can receive
and consider claims made by States Parties
Factors that limit the art 20 procedure from to the Convention against other member
realising its full potential include: the failure in states for failure to fulfil obligations under
the past in negotiating follow-up visits with the the Convention.77 Despite the acceptance
authorities of the State Party concerned; the by 61 States Parties, the art 21 interstate
inability to ensure the protection of those persons communication provision has never been used.
who collaborated with the Committee during its
inquiry; and last, but not least, the concern that States might be reluctant to use this
some States Parties have of allowing the art 20 complaint system because of the potential
political repercussions, including creating a
procedure for fear of negative publicity.74 Despite
confrontational situation among States Sarties.
these challenges, art 20 provides a mechanism
The process may increase political ill-will and
for the Committee to approach states, even if
could also be used vindictively to make counter-
confidentially, highlighting the seriousness
claims against other States Parties. One can
of a situation. If the procedure can take place
imagine, however, circumstances when art
with state cooperation, it will allow members
21 still remains a viable supervisory option,
of the Committee to be directly exposed to the
including situations that concern minorities of
situation on the ground, conduct investigations
one state living in another state.78
into violations that may not have been exposed
through other supervisory techniques of the
Convention, and report to the State Party as
5 ARTICLE 22: INDIVIDUAL
well as the international community measures COMMUNICATIONS
that should be adopted to comply with the Article 22 creates a mechanism wherein
Convention.75 individuals within a State Party can submit
With the adoption of the Optional Protocol communications relating to violations of the
to the Convention against Torture and Other Convention.79 Sixty-five states have recognised
Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or the Committee’s competence under art 22.80 As
Punishment (OPCAT) in 2006, the Committee of December 2011, the Committee had heard
gained a valuable tool in conducting art 20 484 communications regarding 29 countries
inquiries, as well as in the performance of other under art 22 (108 cases are pending). Of the 378
duties under the Convention. OPCAT creates communications which have been concluded,

156
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

the Committee found a violation of the petitioners, to assist them in evaluating the
Convention in 67 cases and no violation in 123 presence of a potential violation.87 General
cases. Additionally, 125 cases were discontinued Comment 1 also explains the factors taken
and 63 were declared inadmissible.81 into account by the Committee to determine
Cases brought under art 22 so far have whether there has been a violation of art 3. In
been overwhelmingly related to issues under art art 3 communications, the Committee has held
3 (no expulsion, return or extradition) because that the risk of torture to an individual must be
the States Parties who accepted this procedure foreseeable, real and personal, although it need
were often developed countries in Western not be highly probable. The presence of a pattern
Europe, where individuals sought refuge.82 of gross, mass, or flagrant violations of human
Accordingly, the issues brought to the attention rights in a country is not sufficient to prevent
of the Committee related to individuals – extradition under art 3. Conversely, the absence
foreign citizens – who argued that their return of a pattern also does not exclude the possibility
to other countries, usually their own, would of a violation of art 3, since the threat of torture
subject them to the risk of torture.83 Since art must be individual and personal. The situation
22 cases are often focused on alleged violations must be one that presents a risk of torture that
of art 3, the Committee’s main contribution to goes beyond mere theory or suspicion. The
protecting human rights in closed environments Committee considers all relevant evidence in
continues to be achieved through its periodic making its decision and, while it will take into
reporting system under art 19. This may change account determinations by state authorities, it is
in the future due to increasing acceptance by not bound by such determinations when finding
States Parties of the Committee’s competence a violation under art 3.88
under art 22 or if conditions were to change In addition to matters involving art 3,
within states.84 the Committee has had the opportunity in
Individual petitions are an important form a few communications to interpret different
of supervision laid down in the Convention. provisions of the Convention that claim other
While state reports are useful instruments that violations. These issues include, for example,
look at the overall situation of a State Party the responsibility of a state regarding torture
and formulate recommendations geared toward committed by groups that assume quasi-
affecting public policy as a whole, individual government authority.89 In Elmi v Australia, the
petitions concern specific alleged violations of Committee noted that in certain exceptional
rights espoused by the Convention and identify circumstances, actions by groups who assumed
individual victims. Individual petitions allow quasi-governmental authority could fall within
for targeted remedial measures, including full the scope of art 1 (torture) or art 16 (CIDT).90
reparation and rehabilitation when possible, Similarly, the Committee, in Dezmajl v
as well as investigation and punishment of Yugoslavia, explained that if a State Party fails
those guilty of torture.85 In this function, the to adequately respond to torture committed
Committee performs what could be described by private actors its failure could constitute a
as a semijudicial function, resorting to the violation of art 16 by ‘acquiescence’.91
legal tradition to establish facts, the use of legal Through the art 22 petition process,
reasoning, the reliance on precedent, etc. The the Committee has also been able to identify
Committee’s final decisions relating to art 22 important issues regarding the duty of States
petitions are authoritative interpretations of Parties to investigate acts of torture within their
an international treaty, and as such must be territories.92 Since proving torture is often elusive
adhered to by States Parties. Additionally, to with the development of techniques to hide
avoid irreparable damage, the Committee has the evidence, it becomes essential to assess whether
authority to request interim measures while a a government acted promptly in its investigation.
petition is pending without prejudging the merits. The failure to promptly investigate constitutes a
Again, so far, most if not all interim measures violation of the Convention. In Abad v Spain,
have related to alleged violations of art 3.86 for instance, the complainant notified Spanish
Early on, the Committee adopted General authorities on 3 February 1992 that she had
Comment 1, which was designed to interpret been held incommunicado for five days and
art 3 and provide guidance, both to states and subjected to torture and ill-treatment. Spanish

157
Claudio Grossman

authorities did not initiate proceedings until 21 in closed environments, specifically because
February 1992.93 The Committee found that it identifies pertinent issues, for example,
18 days of inaction by the Spanish government incommunicado detentions, lack of proper
was too long and violated the obligation in investigations, absence of systematic review
art 12 to conduct a prompt investigation into of interrogation and detention practices,
allegations of torture or CIDT.94 Furthermore, etc. Moreover, as the Committee requires
the complaint of torture or ill-treatment need investigation and punishment as part of the
not be formal in order to trigger a State Party’s redress required to provide full reparation to
obligation to investigate; an allegation or the victims, which is also an independent obligation
existence of suspicion of a violation from other under the Convention, the Committee’s
sources is sufficient.95 As to the nature of the decisions have deterrent value that goes well
investigation, it must be effective and thorough, beyond the decision in an individual case.111
covering the nature and circumstances of all
the alleged acts, as well as all individuals who 6. FOLLOW-UP PROCEDURES
may have been involved.96 Investigators must be
The Convention has played a leading role
competent and qualified.97
in developing follow-up and reporting procedures
Regarding art 4 of the Convention,98 among the various treaty bodies. The follow-
the Committee in its jurisprudence has held up procedures in place provide the Committee
that light penalties and punishment of the with important and vital tools in supervising
perpetrators of torture are not commensurate state implementation of the Convention. The
with the grave nature of torture and constitute Committee has follow-up procedures for state
a violation of the Convention.99 Inappropriate periodic reporting processes, including the
punishment or light penalties result in de facto concluding observations and recommendations
impunity.100 The Committee has also had
under art 19, as well as for individual complaints
the opportunity to hear and issue decisions
submitted under art 22, and has appointed
concerning universal jurisdiction provided for
rapporteurs for each.
in art 5 of the Convention, which establishes
the duty to try or extradite alleged offenders.101 A. Follow-up under Article 19: Concluding
The International Court of Justice, in the case
of Belgium v Senegal, recently confirmed the
Observations and Recommendations
validity of the Committee’s decision on art 5.102 To further strengthen the impact of the
Other obligations under the Convention concluding observations under art 19, the
explored through art 22 communications Committee developed a system of requiring
include the obligation to: exclude statements countries to report back within one year on three
obtained under torture or ill-treatment under art to six issues selected by the Committee. The
15;103 provide appropriate remedy104 and redress process was designed to increase accountability
or compensation under art 14;105 and keep under by States Parties and address issues that could
systematic review rules for interrogation, arrest be remedied within this time frame. The
and detention under art 11.106 The Committee Committee, in order to help facilitate the
has utilised the art 22 communications process follow-up procedure under art 19, created the
to reiterate the absolute and non-derogable post of Rapporteur for Follow-up to Concluding
character of the prohibition of torture as Observations and Recommendations.112
established in art 2.107 Equally, art 22 has allowed In Chapter IV of its annual report for 2005-
the Committee to decide that death by stoning 2006, the Committee described the framework
constitutes an act of torture,108 incommunicado that it developed to provide for follow-up
detention facilitates the practice of torture,109 subsequent to the adoption of the concluding
and diplomatic assurances cannot be used as a observations on art 19 States Parties reports.113
technique to abrogate obligations under art 3 of At the end of the concluding observations for
the Convention.110 each State Party report, the recommendations
The jurisprudence of the Committee requiring follow-up and reporting within one
may grow even further as it expands to issues year are specifically identified.114 Starting in
other than art 3. This process has tremendous November 2011, the Committee instituted a
relevance for the protection of individuals new procedure to include a paragraph requesting

158
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

the State Party to provide, within one year, while 28 states had not supplied any follow-up
information on measures taken relating to: information.120
(a) ensuring or strengthening legal In reviewing follow-up requests sent to a
safeguards for persons deprived of their variety of States Parties over several years, the
liberty; Committee has noted that States Parties are
often requested to remedy similar abuses or
(b) conducting prompt, impartial and violations of the Convention. The actions most
effective investigations; and frequently requested are to:
(c) prosecuting suspects and sanctioning • conduct prompt, impartial, and effective
perpetrators of torture or illtreatment, investigations;
as contained in concluding observations,
• prosecute and sanction perpetrators of
when identified for follow-up.
torture or ill-treatment;
In addition, the State Party concerned • ensure or strengthen legal safeguards for
may be requested to provide follow-up persons detained;
information on other issues identified by the
Committee in the concluding observations, • ensure the right to complain and have
including providing remedies and redress to cases examined;
the victims, when deemed necessary by the • conduct training and awareness-raising;
Committee, and considering the specific
• bring interrogation techniques in line with
situation in that State Party.115
the Convention and, specifically, abolish
The Committee has appointed a incommunicado detention;
Rapporteur on Follow-up to Concluding • ensure redress and rehabilitation;
Observations and Recommendations under • prevent gender-based violence and ensure
art 19 to assess whether issues identified in the protection of women;
concluding observations have been or are being
• monitor detention facilities and places of
addressed by States Parties.116 The Rapporteur is
confinement, and facilitate
charged with assessing whether the information
provided by the States Parties, in response to the • unannounced visits by an independent
issues identified for follow-up in the concluding body;
observations, actually and accurately address the • improve data collection on torture; and
concerns and recommendations raised by the • improve conditions of detention, ie,
Committee. overcrowding.121
When assessing and analysing the responses Based on these issues identified in follow-
submitted by States Parties, the Rapporteur up procedures, many States Parties fail to
considers all sources of information including properly and vigorously investigate and monitor
from other treaty bodies, other sources within abuses.122
the United Nations system, regional human
Article 19 follow-up procedures provide
rights mechanisms, national human rights
States Parties with achievable goals and increased
institutions, NGOs, etc. The Rapporteur may
accountability. Additionally, the follow-up
request that States Parties provide additional
procedures provide both States Parties and the
information if needed. The Rapporteur also
international community with information on
sends reminders to States Parties that have not
compliance with the obligations, including the
supplied follow-up information. During every
protection of people in closed environments,
session, the Rapporteur presents a progress
since the procedure relates specifically to matters
report on the status of the follow-up process;
that are directly relevant to the protection of
the report is then included in the Committee’s
individuals as explained above. If followed fully,
annual report.117 Since May 2007, all of the
compliance with these follow-up procedures will
Rapporteur’s letters regarding follow-up to the
provide a sense of progress, protection against
States Parties have been made public in an
abuse, and a general strengthening of human
effort to maximise accountability and increase
rights globally. If States Parties do not comply
transparency.118 Of 95 States Parties with follow-
with their obligations, the reporting procedure is
up reports due to the Committee by May 2011,
a method to ‘mobilize shame’. The procedure’s
67 had been received by the Committee,119

159
Claudio Grossman

impact will depend on different factors including Since art 22 relates to specific violations
the conditions inside the country as well as the and directly addresses the situation of individual
political will of the international community victims, it has the potential of having significant
to resort to measures established under impact on individuals in closed environments
international law to protect human rights. This who can utilise this process if they believe
technique can appeal to both public opinion their rights have been violated. Additionally,
domestically within the State Party as well as as noted before, individuals in closed
internationally.123 environments can request interim measures,
in addition to submitting a communication.
B. Follow-up for Complaints under Article 22 With the continued declaration of acceptance
The Committee has established a procedure of art 22 and the increasing knowledge of the
for follow-up for individual communications Convention, more individuals will be likely to
submitted under art 22, as well as a corresponding use the individual communications mechanism.
Rapporteur.124 The follow-up procedure for
individual communications furthers the goal 7. CONCLUSION
of art 22 by providing support for individual The international community has created
victims of violations, and continuing to exert a specialised Convention and treaty monitoring
pressure and accountability on non-compliant body (ie the Committee) with substantive
member states. The majority of the cases under obligations, procedures, and institutions for
art 22 that would require follow-up involve, as the purposes of combating torture and other
mentioned above, violations of art 3. In addition forms of CIDT. Those institutions, norms and
to the actual concluding decision on the case, procedures have relevance for the treatment
the art 22 Rapporteur plays an important role in of individuals in closed environments, and
follow-up. the different supervisory techniques under the
The art 22 rapporteurship is newer and Convention open important opportunities in
less developed than the art 19 Rapporteur for this regard by providing authoritative accounts
Follow-up to Concluding Observations and of the status of compliance with the obligations
Recommendations since state reporting has laid down in the Convention. Over the years,
been the core function of the Committee. The the Committee has achieved successes in
role of this newer Rapporteur is to: contributing to the formulation of public policy
transforming countries’ legal norms, including
[monitor] compliance with the the incorporation of the definition of torture
Committee’s decisions by sending notes into domestic legal systems, characterising
verbales to States parties enquiring
torture as a non-derogable right, excluding
about measures adopted pursuant to the
Committee’s decisions; [recommend] confessions extracted under torture for use
to the Committee appropriate action in judicial proceedings, and contributing to
upon the receipt of responses from States better practices concerning prison conditions.
parties, as well as in situations of non- The Committee has also promoted the need
response, and upon the receipt henceforth to properly train public officials through, for
of all letters from complainants concerning example, the utilisation of the Istanbul Protocol,
non-implementation of the Committee’s and has encouraged the ratification of treaties
decisions; [meet] with representatives that strengthen the prohibition of torture
of the permanent missions of States
including OPCAT and the Rome Statute of the
parties to encourage compliance and to
determine whether advisory services or International Criminal Court.
technical assistance by the Office of the Despite these important developments, it
United Nations High Commissioner for cannot be affirmed that torture has decreased
Human Rights would be appropriate or in the world. The Committee continues
desirable; [conduct] with the approval of to witness failures to fully implement the
the Committee follow-up visits to States Convention’s provisions and the Committee’s
parties; [and prepare] periodic reports
recommendations including:
for the Committee on the Rapporteurs’
activities.125 • instances of refusal to adopt a clear
definition of torture and to establish proper

160
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

sanctions for torture commensurate with The Committee is also faced with the need
the gravity of the crime; to strengthen the semijudicial nature of the art
• failures to investigate alleged cases of 22 procedure, including further developing its
torture; use of precedent, and its consideration of facts
as determined by domestic legal systems. In this
• impunity for perpetrators of acts of torture;
regard, the Committee’s recent adoption during
• expulsion, return and extradition its 49th session of General Comment 3 on the
of persons to states where there are implementation of art 14 (concerning redress
substantial grounds for believing that they and rehabilitation for victims) by States Parties
are in danger of being subjected to torture; is of crucial value. The aim of General Comment
and 3, which is published on the Committee’s
• ‘rendition’ of suspects to countries that website, is to interpret the obligations of
continue to use torture as a means of States Parties in accordance with art 14 of the
investigation and interrogation. Convention to provide proper reparation and
Deplorable conditions of detention are still rehabilitation to victims of torture and other ill-
the general rule. Forced disappearances continue treatment. Additionally, the General Comment
to deny people their basic legal safeguards, and will contribute to specifying states’ obligations
rehabilitation, redress, or reparation is rarely in individual cases of torture and other forms
provided to victims of torture or their families. of CIDT that have been the objects of art 22
The Convention offers important communications to the Committee.
opportunities to address these violations of The increasing impact and workload of the
human rights and, if fully implemented, would Committee requires a larger commitment of
greatly contribute to the improvement of human resources than is currently available. Presently,
rights in closed environments. the Committee meets twice each year for a
To achieve that goal, different measures total of eight weeks, allowing it to consider
should be adopted to strengthen the Committee’s only 16 States Parties reports per year. With
contributions. The follow-up procedures under more than 100 petitions pending before the
the Convention need to be further developed Committee, the backlog and delay in hearing
so that failure to comply with state obligations communications will only increase as more
will continue to be spotlighted, both to the countries declare their acceptance of art 22. It
State Party and the international community. is, then, crucial for States Parties to realise the
Increased coordination with other treaty bodies, full value of the Committee and other treaty
as well as regional organisations, could add bodies, and provide the Committee and other
additional weight to the Committee’s action and treaty bodies with sufficient means to fulfil their
increase its impact by building and reflecting a functions and assist States Parties in complying
coherent view by authoritative, universal and with their obligations. The High Commissioner
regional bodies. Reaching out to the judiciary, for Human Rights has presented concrete
public defenders and prosecutors, among other proposals for consideration by the international
institutions within States Parties, could also community to strengthen the treaty body system
insure, together with training, that the expertise after an extensive participatory process.
of the Committee is given more weight in The growth of the treaty body system, which
internal state decision making. has doubled in size in recent years, has not been
Increasing publicity of the procedures matched with equivalent resources. The general
and decisions adopted by the Committee, for lack of resources for the Committee has led to a
example through webcasting, allows for further backlog of work and a deterioration of services,
access, knowledge and transparency regarding including translations. Although treaty bodies
the Committee’s activities. Expanding the are continuously working to ensure that their
meeting time of the Committee to receive working methods are efficient and effective, there
information from all sources, including NGOs is further room for improvement, for example,
and individuals, would further enrich its ability by a better control of the time and length of
to place the Committee’s expertise at the the different proceedings, and considering the
disposal of States Parties. possibility of working groups among different
committees with regard to the treatment of

161
Claudio Grossman

communications. However, measures that lead an important layer of legitimacy to the human
to increased efficiency do not necessarily reduce rights work in comparison to the contributions
costs: making the Committee’s work more made by political bodies which, needless to say,
implementable at the national level requires the respond to political imperatives. To achieve
commitment of resources that allow engagement greater legitimacy, political organs should rely
in training, technical cooperation for the even more on the decisions adopted by organs
purposes of upgrading the capacity to prepare made up of independent experts working within
reports, and assisting in the implementation the legal tradition. Making this statement could
of COBs at the national level. States Parties appear naïve, albeit well intentioned. However,
should play a leading role in finding permanent we should not forget that change is possible
solutions to these resource and workload issues and does take place. While the struggle against
so as to ensure full realisation of the objectives racism, dictatorships, discrimination, slavery,
of the Convention. etc has never been easy, the aspiration to live
As the international community continues a full and dignified life including one free from
to debate these challenges, it is crucial to torture and other forms of CIDT is a powerful
understand the value and contributions of and inspirational force whose presence surprises
the United Nations treaty bodies, such as the only those who do not believe in our common
Committee, in protecting individuals in closed humanity and shared expectations.
environments. These supervisory organs add

162
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

NOTES

1. The definition used in this article is similar to as laid out in the Convention into domestic
art 4 of the Optional Protocol to the Convention law).
against Torture and Other Cruel, Inhuman or 5. Convention, art 2.
Degrading Treatment or Punishment, open
6. Convention, art 3.
for signature 18 December 2002, UN Doc A/
RES/57/199 (entered into force 22 June 2006) 7. Convention, arts 6 and 7.
(OPCAT), which states: ‘deprivation of liberty 8. Convention, art 15.
means any form of detention or imprisonment
9. Convention, art 14.
or the placement of a person in a public or
private custodial setting which that person is 10. Convention, art 10.
not permitted to leave at will by order of any 11. Convention, art 19.
judicial, administrative or other authority’. 12. Convention, art 20.
2. Convention against Torture and Other 13. Convention, art 21.
Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or
Punishment, open for signature 10 December 14. The following States Parties have made
declarations under art 21: Algeria, Andorra,
1984, 1465 UNTS 85 (entered into force 26
Argentina, Australia, Austria, Belgium, Bolivia,
June 1987) (Convention).
Bulgaria, Cameroon, Canada, Chile, Costa Rica,
3. On 26 September 2012, the Lao People’s Croatia, Cyprus, Czech Republic, Denmark,
Republic and Nauru became the 153rd State Party Ecuador, Finland, France, Georgia, Germany,
to the Convention. See a full list of countries Ghana, Greece, Hungary, Iceland, Ireland, Italy,
that have ratified the Convention at United Japan, Kazakhstan, Liechtenstein, Luxembourg,
Nations Human Rights Committee, Office Malta, Monaco, Montenegro, Netherlands,
of the High Commissioner of Human Rights, New Zealand, Norway, Paraguay, Peru, Poland,
Committee against Torture <www2.ohchr.org/ Portugal, Republic of Korea, Republic of
english/bodies/cat>. Moldova, Russian Federation, Senegal, Serbia,
4. Convention, arts 1 and 4. The Committee Slovakia, Slovenia, South Africa, Spain, Sweden,
has consistently called upon States Parties to Switzerland, Togo, Tunisia, Turkey, Uganda,
criminalise torture and incorporate the definition Ukraine, United Kingdom of Great Britain and
of torture as laid out in the Convention into their Northern Ireland, United States of America,
domestic legislation. Some states have argued, Uruguay and Venezuela.
however, that using the verbatim definition 15. Convention, art 22.
of torture as laid out in the Convention is 16. The following States Parties have made
not necessary if the elements of torture are declarations under art 22: Algeria, Andorra,
incorporated into domestic law. However, Argentina, Australia, Austria, Azerbaijan,
the Committee considers that the verbatim Belgium, Bolivia, Bosnia and Herzegovina,
definition of torture provides uniformity among Brazil, Bulgaria, Burundi, Cameroon, Canada,
States Parties, contributing to the legitimacy Chile, Costa Rica, Croatia, Cyprus, Czech
of domestic norms. See Committee against Republic, Denmark, Ecuador, Finland, France,
Torture, General Comment No 2, UN Doc Georgia, Germany, Ghana, Greece, Guatemala,
CAT/C/GC/2 (24 January 2008) [9] (‘In some Hungary, Iceland, Ireland, Italy, Kazakhstan,
cases, although similar language may be used, its Liechtenstein, Luxembourg, Malta, Mexico,
meaning may be qualified by domestic law or by Monaco, Montenegro, Morocco, Netherlands,
judicial interpretation and thus the Committee New Zealand, Norway, Paraguay, Peru, Poland,
calls upon each State Party to ensure that all Portugal, Republic of Korea, Republic of Moldova,
parts of its Government adhere to the definition Russian Federation, Senegal, Serbia, Seychelles,
set forth in the Convention for the purpose Slovakia, Slovenia, South Africa, Spain, Sweden,
of defining the obligations of the State’). See Switzerland, Togo, Tunisia, Turkey, Ukraine,
also Committee against Torture, Concluding Uruguay and Venezuela.
Observations of Qatar, UN Doc CAT/C/QAT/ 17. Convention, art 19.
CO/2 (25 January 2013) [8]-[9] (recognising
Qatar’s incorporation of the definition of torture

163
Claudio Grossman

18. Unlike art 20, which is discussed below, States Committee’s evaluation. See Manfred Nowak
Parties cannot opt out of reporting requirements and Elizabeth McArthur, The United Nations
under art 19. As an estimate, the art 19 Convention against Torture: A Commentary
reporting process consumes over 70 per cent (Oxford University Press, 2008) [61].
of the Committee’s time. See, for example, 26. See Committee against Torture, Status of the
Committee against Torture, Provisional Agenda Optional Reporting Procedure of the Committee
and Annotations, 48th sess, Agenda Item 4, UN against Torture and Proposals for its Revision,
Doc CAT/C/48/1 (21 February 2012). UN CAT/C/47/2 (27 September 2011).
19. Convention, art 19(1) (‘The States Parties 27. See Nowak and McArthur, above n 25, [62].
shall submit to the Committee, through the
28. Ibid.
Secretary-General, reports on the measures they
have taken to give effect to their undertakings 29. Ibid, 645-646, [63] (noting, as a point of
under the Convention, within one year after the procedure, that Committee members do not
entry into force of the Convention for the State participate in the consideration of reports of
Party concerned’). states of which they are nationals).
20. Committee against Torture, Provisional Agenda 30. See generally for example, Committee against
and Annotations, 48th sess, Agenda Item 4, Torture, Concluding Observations: Sri Lanka,
UN Doc CAT/C/48/1 (21 February 2012) [7]- UN Doc CAT/C/LKA/CO/3-4 (8 December
[33] (providing information regarding measures 2011).
taken for arts 1-16 of the Convention). 31. See UN Treaty Body Webcast <www.
21. Committee against Torture, Committee treatybodywebcast.org/category/
Guidelines on the Form and Content of Initial webcastarchives/cat> (providing archived video
Reports Under Article 19 to be Submitted of the public sessions of the majority of states
by States Parties to the Convention against that took part in the 49th Session, including
Togo, Mexico, Gabon, Senegal and others).
Torture, UN Doc CAT/C/4/Rev 3 (18 July 2005);
Committee against Torture, General Guidelines 32. The information presented by civil society
Regarding the Form and Contents of Periodic enriches the dialogue between the Committee
Reports to be Submitted by States Parties, UN and States Parties as the submissions provide
Doc CAT/C/14/Rev 1 (2 June 1998). general and specific issues, allowing the states
to corroborate or refute the information relevant
22. See Harmonized Guidelines on Reporting under
to their obligations under the Convention.
the International Human Rights Treaties,
Submissions by civil society include as well
Including Guidelines on a Core Document
as recommendations for action, questions
and Treaty-Specific Documents – Report of the
to be posed to States Parties, suggestions on
Secretary-General, UN Doc HRI/GEN/2/Rev 6
how to ensure compliance, and so forth. The
(10 May 2006). Committee is transparent in publicizing the
23. Convention, art 19(1) (‘Thereafter the States information but exercises its own authority in
Parties shall submit supplementary reports deciding how it will use the information and,
every four years on any new measures taken in light of the dialogue with the State Party and
and such other reports as the Committee may its own observations, the overall value of the
request’). information provided by civil society.
24. 2006-2007 Annual Report of the Committee 33. The Committee is constantly analysing the
against Torture, UN Doc A/62/44 (2007) [23]- effectiveness of its procedures. The Committee’s
[24]. most recent annual report includes specific
25. Reports produced under the LOIPR allow the comments from the Rapporteur on follow-
Committee to raise specific areas of concern to up, Felice Gaer. See Report of the Committee
be addressed by the States Parties resulting in against Torture, UN Doc A/67/44 (2012) 164-
a more focused dialogue and recommendations. 176 (Section IV). The report details patterns of
The Committee can provide specific guidance to compliance and timeliness, and discusses the
tools currently at the Committee’s disposal. In
States Parties as to how they can comply with the
addition, the Committee has made public the
obligations of the Convention in those specific
requirement for States Parties to report within
areas of concern. The Committee is in the
one year. This allows civil society and NGOs
process of evaluating this procedure as a whole,
to track the progress of States Parties and to
and the new procedure’s ability to influence
express their views to the Committee on the
States Parties’ behaviour will be central in the

164
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

status of compliance with the Committee’s sexual violence in prison, children’s rights, and
recommendations. All reports by States Parties domestic violence.
and responses to the reports by the Committee
37. Committee against Torture, Concluding
are posted on the Committee website for public
Observations: Sri Lanka, UN Doc CAT/C/LKA/
access.
CO/3-4 (8 December 2011) [3].
34. Office of the United Nations High Commissioner
for Human Rights, Istanbul Protocol: Manual on 38. Committee against Torture, Concluding
the Effective Investigation and Documentation of Observations: China, UN Doc CAT/C/CHN/
Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading CO/4 (12 December 2008) [4].
Treatment or Punishment, UN Doc HR/P/ 39. Committee against Torture, Concluding
PT/S/Rev 1 (2004) (contains internationally Observations: Chile, UN Doc CAT/C/CHL/
recognised standards, procedures, and guidelines CO/5 (23 June 2009) [4].
for documenting instances and consequences
of torture, investigating allegations of torture, 40. Committee against Torture, Concluding
and reporting findings for use in the judicial Observations: Australia, UN Doc CAT/C/AUS/
process). See Claudio Grossman, ‘The CO/3 (22 May 2008) [7].
Normative Value of the Istanbul Protocol’ in 41. Committee against Torture, Concluding
Susanne Kjær and Asger Kjærum, Shedding Observations: Ghana, UN Doc CAT/C/GHA/
Light on a Dark Practice: Using the Istanbul CO/1 (15 June 2011) [6(d)].
Protocol to Document Torture (International
Rehabilitation Council for Torture Victims, 42. See, for example, registration of prisoners and
2009) (‘Due to the application of classical ratification of the OPCAT.
international law, the Protocol has become 43. Committee against Torture, Concluding
an enforceable legal instrument, setting forth Observations: Chile, UN Doc CAT/C/CHL/
obligations that states must incorporate into CO/5 (23 June 2009) [22].
the domestic legal realm, and that international
supervisory organs must apply in their decision- 44. Committee against Torture, Concluding
making. The Protocol identifies the specific Observations: China, UN Doc CAT/C/CHN/
obligations of the prohibition of torture and CO/4 (12 December 2008) [11].
elaborates on the steps necessary to meet those 45. Committee against Torture, Concluding
obligations. In addition, the Protocol increases Observations: Sri Lanka, UN Doc CAT/C/LKA/
access to justice by stipulating safeguards CO/3-4 (8 December 2011) [14].
intended to protect citizens against torture. A
state’s non-compliance with these safeguards 46. Committee against Torture, Concluding
creates a presumption of validity of a plaintiff ’s Observations: Australia, UN Doc CAT/C/AUS/
claim, thus shifting the burden of proof from the CO/3 (22 May 2008) [23(c)].
plaintiff to the state’). 47. Committee against Torture, Concluding
35. Committee against Torture, Concluding Observations: Chile, UN Doc CAT/C/CHL/
Observations of the Committee against Torture: CO/5 (23 June 2009) [23]. As mentioned above,
Germany, UN Doc CAT/C/DEU/CO/5 (12 these matters have a general impact on human
December 2011) [4]. rights but are quoted in this article because
36. Committee against Torture, Concluding they also have a direct relationship with the
Observations: United States of America, UN situation of closed environments. For example,
Doc CAT/C/USA/CO/2 (25 July 2006) [9]. the restriction of freedom of expression to
See Prison Rape Elimination Act of 2003, Pub denounce violation of human rights in closed
L No 108-79 (September 2003). While these environments or restrictions on the role of the
examples may be varied they have a direct judiciary have a direct bearing on individuals in
relationship with closed environments as well. closed environments.
Each of the affirmative steps mentioned above
are related to closed environments to the extent 48. Committee against Torture, Concluding
that more general positive steps taken by Observations: Ghana, UN Doc CAT/C/GHA/
States Parties are vital to the protection of the CO/1 (15 June 2011) [18] (‘the Committee
individual, especially in closed environments. remains concerned at the fact that a visit request
These issues provide protection to individuals made by the NGO, Amnesty International,
not only in the general sense but also within in March 2008 was refused by the Ghanaian
the context of closed environments, including government’).

165
Claudio Grossman

49. Committee against Torture, Concluding 62. Through the art 19 reporting procedure the
Observations: United States of America, UN Committee is able to discuss issues that directly
Doc CAT/C/USA/CO/2 (25 July 2006) [30]. affect individuals in closed environments
50. Committee against Torture, Concluding within States Parties. For instance, the
Observations: Sri Lanka, UN Doc CAT/C/LKA/ Committee identified issues facing detainees
CO/3-4 (8 December 2011) [13]. in Belarus and recommended that Belarus (a)
ensure that all detainees are afforded access
51. 2004-2005 Annual Report of the Committee to a lawyer and medical examinations by an
against Torture, UN Doc A/60/44 (2005) [115], independent doctor and the ability to contact
[118]. their family; (b) guarantee that all detained
52. Committee against Torture, Concluding persons have access to challenge the legality of
Observations: Chile, UN Doc CAT/CHL/CO/5 their detention or treatment; and (c) ensure the
(23 June 2009) [14]. audiotaping or videotaping of all interrogations
53. Committee against Torture, Concluding in police stations and detention facilities. The
Observations: China, UN Doc CAT/C/CHN/ Committee further recommended the prompt
CO/4 (12 December 2008) [11]. registration of all persons detained. See Report
of the Committee against Torture, A/67/44
54. Committee against Torture, Concluding
(2012) 12. The Committee made similar
Observations: Germany, UN Doc CAT/C/DEU/ observations and recommendations in the
CO/5 (12 December 2011) [16]. case of Armenia. See Report of the Committee
55. Ibid, [17]. against Torture, A/67/44 (2012) 109. In the case
56. Committee against Torture, Concluding of Bulgaria, the Committee identified the lack
Observations: United States of America, UN of legal aid to detainees as an issue of concern.
Doc CAT/C/USA/CO/2 (25 July 2006) [17]-[22]. The Committee recommended that Bulgaria
instruct all police officers on the obligation to
57. Committee against Torture, Concluding
grant access to a lawyer and to ensure that the
Observations: Ghana, UN Doc CAT/C/GHA/
Bulgarian National Bureau of Legal Aid has
CO/1 (15 June 2011) [18].
adequate funds and staffing so that persons
58. Committee against Torture, Concluding detained could have equal access to justice and
Observations: Belarus, UN Doc CAT/C/BLR/ legal assistance. See Report of the Committee
CO/4 (7 December 2011) [79], [86]. against Torture, A/67/44 (2012) 24.
59. Committee against Torture, Concluding 63. Convention, art 20. As mentioned previously,
Observations: Ghana, UN Doc CAT/C/GHA/ all States Parties except for the following have
CO/1 (15 June 2011) [23]. recognized this procedure: Afghanistan, China,
60. Committee against Torture, Concluding Equatorial Guinea, Israel, Kuwait, Mauritania,
Observations: Germany, UN Doc CAT/C/DEU/ Pakistan, Saudi Arabia, Syria, and the United
CO/5 (12 December 2011) [39] (requesting Arab Emirates. See generally Nowak and
that Germany provide a response by a certain McArthur, above n 25, 660-698 (discussing
date on steps taken regarding ‘regulating and the overall framework and function of art 20
restricting the use of physical restraints in inquiries).
all establishments … limiting the number of 64. Office of the United Nations High Commissioner
detained asylum seekers including the “Dublin for Human Rights, Confidential Inquiries
cases” and ensuring mandatory medical checks Under Article 20 of the Convention against
of detained asylum seekers … exercising Torture at <http://www2.ohchr.org/english/
jurisdiction in accordance with article 5 of the bodies/cat/confidential_art20.htm>, which
Convention[;] and providing information about contains additional information regarding the
the remedies including compensation provided Committee’s confidential inquiries under art 20
to Khaled El-Masri’). of the Convention.
61. See Report of the Committee against Torture, 65. See Nowak and McArthur, above n 25, 696-
A/67/44 (2012) 164-176 (Section IV) 698 (noting that all proceedings related to an
(highlighting the findings of the follow-up to inquiry under art 20 are strictly confidential and
concluding observations under art 19). See infra that, with the acceptance of the State Party, the
n 73 for discussion on measuring outcomes in Committee can publish summary reports of the
human rights. inquiry in its annual report).

166
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

66. A full list of all publicly available conclusions Koh, ‘Transnational Legal Processes’ (1996) 75
and observations of inquiries under art 20 is Nebraska Law Review 181.
available at the Office of the United Nations 74. A visit requires that Committee members be fully
High Commissioner for Human Rights, prepared for an inquiry, both psychologically and
Confidential Inquiries Under Article 20 of the physically. The visiting team faces numerous
Convention against Torture <www2.ohchr.org/ challenges during the on-site investigation
english/bodies/cat/confidential_art20.htm>. including: developing the knowledge and ability
67. Report of the Committee against Torture, required to talk privately with prisoners and
A/67/44 (2012) (Annex XIII). alleged victims of torture, and gaining their
trust so that they share information; handling
68. Report of the Committee against Torture,
in situ conflicts that might emerge with state
Thirty-ninth session (5-23 November 2007)
authorities (for example, denial of access); and
and Fortieth session (28 April-16 May 2008),
having regard to the confidential nature of the
UN Doc A/63/44 (18 July 2008) [64]-[72].
work handling the press and media, to mention
69. World Organization against Torture and a few.
ACAT Brazil, ‘Information to the Committee
75. See Nowak and McArthur, above n 25, 660
against Torture submitted under article 20 of
(‘The inquiry procedure is the most innovative
the Convention against Torture and Other element of the monitoring mechanisms of the
Cruel and Inhuman or Degrading Treatment Convention and has no precedent in other
or Punishment concerning the situation in human rights treaties. It has, since then, become
Brazil’ (4 November 2002); ‘Follow-up to torture a model for later human rights treaties’).
allegations in the State of São Paulo 2000/2002’,
a joint collaboration between the following 76. OPCAT.
NGOs: Ação dos Cristãos para a Abolição da 77. Convention, art 21.
Tortura ACAT/Brazil; Pastoral on Detention 78. The existence of the inquiry procedure under art
Centres/SP; Centre for Global Justice; AMAR; 20 does not obviate the need for art 21 interstate
AFACE; Torture Never Again; Psychotherapist’s reporting. It is possible that a State Party will
Union/SP. refuse to cooperate with the Committee
70. Committee against Torture, above n 68, [178]- under art 20 and the only resort is the art 21
[196]. procedure. The art 21 procedure has a follow-up
mechanism and results in a final determination.
71. Ibid, [178].
79. Convention, art 22.
72. Ibid, [241]-[242] and [252] (disagreeing with the
Committee on issues including: the existence 80. See above n 16 (listing the States Parties who
of a deliberate policy supporting the practice of have made declarations under art 22).
torture in Brazil; the difference between CIDT 81. 2010-2011 Annual Report of the Committee
and a general lack of respect for prisoners; and against Torture, UN Doc A/66/44 (2011), 160
the ability to identify a special degree of severity (displaying a chart of ‘Complaints in which
and absence of the specific purpose that would the Committee has found violations of the
define torture). Convention up to the forty-sixth session and for
73. In human rights law it is difficult to establish which the follow-up dialogue is ongoing’).
to what extent either alone or in conjunction 82. See Nowak and McArthur, above n 25, 723
with other processes a CAT inquiry impacts (noting that during the roughly 20 years of
human rights within a state. By providing existence of the Convention, the vast majority of
authoritative recommendations during an communications submitted to the Committee
inquiry, the Committee provides benchmarks do not deal with the issue of torture but deal
and recommendations for change. The human with art 3 or the issue of non-refoulement).
rights narrative is strengthened with accurate 83. Convention, art 3(1) (‘No State Party shall
reporting by legitimate bodies, and the reporting expel, return (“refouler”) or extradite a person
should be included in the process to influence to another State where there are substantial
policy makers, domestic and international grounds for believing that he would be in
actors, and so forth. It is difficult, however, to danger of being subjected to torture’); see, for
measure outcomes with a simple accounting example, Committee against Torture, Views:
process. For the overall impact of international Communication No 120/1998, 22nd sess, UN
law and how it influences behaviour, see Harold Doc CAT/C/22/D/120/1998 (25 May 1999)

167
Claudio Grossman

(Sadiq Shek Elmi v Australia) (finding that Communication No 177/2001, 28th sess, UN
Australia had a duty not to return Mr Sadiq Shek Doc CAT/C/28/D/177/2001 (1 May 2002) [6.4]
Elmi to Somalia or to any other country where he (HMHI v Australia) (declining to apply the
runs a risk of being subject to torture or CIDT). reasoning in Elmi v Australia to art 3 because
84. See below n 89 and 102-110. Somalia, three years after Elmi v Australia was
decided, had formed a Transitional National
85. See Nowak and McArthur, above n 25, 722 Government that exercised some form of control
(noting that despite the weak language of art and thus independent entities in the territory
22, the Committee has, over the course of the did not fall within the scope of the article).
years, developed what could be deemed weak
procedures into fairly effective ‘quasi-judicial 91. Committee against Torture, Views:
complaints procedure’). As stated above, the art Communication No 161/2000, 29th sess, UN
22 procedure deals mostly with cases involving Doc CAT/C/29/D/161/2000 (2 December 2002)
a violation of art 3 or the provisions of non- [9.2] (Dezmajl v Yugoslavia) (finding that the
refoulement. Due to this fact, the effectiveness failure of police, present at the time, to prevent the
of the art 22 communication process to address destruction of a Roma settlement constituted a
violation of art 16 through acquiescence); see also
other important issues has not been fully realised.
Committee against Torture, General Comment
86. Between 1 June 2011 and 1 June 2012, requests No 2, UN Doc CAT/C/GC/2 (24 January 2008) [7]
for interim measures of protection were received (reaffirming the finding in Dezmajl v Yugoslavia
in 43 complaints, of which 27 were granted by that indirect acts, whether though instigation,
the Rapporteur on new complaints and interim consent, or acquiescence, by public officials may
measures. During the previous year, requests for fall within the scope of the Convention).
interim measures of protection were received in
92. Convention, art 12 (‘Each State Party shall
37 complaints, of which 24 were granted.
ensure that its competent authorities proceed to
87. Committee against Torture, General Comment a prompt and impartial investigation, wherever
1, 16th sess, UN Doc A/53/44, annex IX (21 there is reasonable ground to believe that an act
November 1997). of torture has been committed in any territory
88. This issue relates indirectly to the matter of under its jurisdiction’’); Convention, art 13
closed environments in the sense that it shows (‘Each State Party shall ensure that any individual
in particular that the Committee is not bound who alleges he has been subjected to torture in
by internal determinations of the domestic any territory under its jurisdiction has the right
authorities in finding a violation of art 3. to complain to, and to have his case promptly
and impartially examined by, its competent
89. The Convention requires that to qualify as
authorities. Steps shall be taken to ensure that the
torture under art 1 or as CIDT under art 16 an
complainant and witnesses are protected against
act must be ‘inflicted by or at the instigation of
all ill-treatment or intimidation as a consequence
or with the consent or acquiescence of a public
of his complaint or any evidence given’).
official or other person acting in an official
capacity’. The analysis that follows regarding art 93. Committee against Torture, Views:
22 jurisprudence has been mostly based on the Communication No 59/1996, 20th sess, UN
Association for the Prevention of Torture (APT) Doc CAT/C/20/D/59/1996(14 May 1998) [2.1]-
and the Center for Justice and International Law [2.3], [8.3]-[8.4] (Abad v Spain).
(CEJIL), Torture in International Law: A Guide 94. Ibid, [8.5].
to Jurisprudence (2008). 95. Ibid, [8.2] (‘[T]he authorities have the obligation
90. Committee against Torture, Views: to proceed to an investigation ex officio,
Communication No 120/1998, 22nd sess, UN wherever there are reasonable grounds to
Doc CAT/C/22/D/120/1998 (14 May 1999) believe that acts of torture or ill-treatment have
[6.5] (Elmi v Australia) (holding that in a state, been committed and whatever the origin of the
Somalia, where government authority was suspicion’); Committee against Torture, Views:
completely absent, acts by groups exercising Communication No 6/1990, 14th sess, UN Doc
quasi-governmental control could fall within CAT/C/7/D/6/1990 (2 May 1995) [10.4] (Parot
the definition of art 1); see APT and CEJIL, v Spain) (‘It is sufficient for torture only to have
above n 89, 14 (discussing the Committee’s been alleged by the victim for the state to be
jurisprudence regarding persons holding under an obligation promptly and impartially
de facto power as a government official). to examine the allegation’); Committee against
But see Committee against Torture, Views: Torture, Views: Communication No 189/2001,

168
Implementing Human Rights in Closed Environments through the United Nations Convention against Torture

31st sess, UN Doc CAT/C/31/D/189/2001(14 UN Doc A/55/44(8-19 November 1999)


November 2003) [10.6] (Ltaief v Tunisia) (‘[A] [69(c)].
rticle 13 of the Convention does not require 101. Convention, art 5 (‘1. Each State Party shall
either the formal lodging of a complaint of take such measures as may be necessary to
torture under the procedure laid down in establish its jurisdiction over the offences
national law or an express statement of intent referred to in article 4 in the following cases:
to institute and sustain a criminal action … it is (a) When the offences are committed in any
enough for the victim simply to bring the facts territory under its jurisdiction or on board
to the attention of an authority of the State for a ship or aircraft registered in that State; (b)
the latter to be obliged to consider it a tacit but When the alleged offender is a national of that
unequivocal expression of the victim’s wish that State; (c) When the victim is a national of that
the facts should be promptly and impartially State if that State considers it appropriate.
investigated’). 2. Each State Party shall likewise take such
96. Abad v Spain, UN Doc CAT/C/20/D/59/1996 measures as may be necessary to establish its
[8.8] (regarding allegations of torture by police jurisdiction over such offences in cases where
against a member of the ETA, the Committee the alleged offender is present in any territory
stated that an ‘investigation must seek both to under its jurisdiction and it does not extradite
determine the nature and circumstances of the him pursuant to article 8 to any of the States
alleged acts and to establish the identity of any mentioned in paragraph I of this article’).
person who might have been involved therein’ 102. See Committee against Torture, Views:
and the failure to do was a violation of art 13). Communication No 181/2001, 36th sess, UN
97. Committee against Torture, Views: Doc CAT/C/36/D/181/2001 (19 May 2006)
Communication No 113/1998, 26th sess, (Suleymane Guengueng v Senegal) (finding
UN Doc CAT/C//D/113/1998 (11 May 2001) Senegal in violation of art 5 of the Convention
[9.5] (Ristic v Yugoslavia) (finding that the for failing to take necessary measures to
refusal by Yugoslavian authorities to allow secure jurisdiction to prosecute Hissène Habré
the complainant access to a qualified medical for torture committed in Chad); Questions
professional because of an apparent lack of relating to the Obligation to Prosecute or
obvious traces of torture or ill-treatment was a Extradite (Belgium v Senegal) [2012] ICJ
violation of art 13). (finding Senegal in violation of several articles
98. Convention, art 4 (‘1. Each State Party shall of the Convention against Torture in addition
ensure that all acts of torture are offences under its to noting that Senegal after Suleymane
criminal law. The same shall apply to an attempt Guengueng v Senegal was decided had secured
to commit torture and to an act by any person jurisdiction to prosecute Hissène Habré as
which constitutes complicity or participation required under art 5); Committee against
in torture. 2. Each State Party shall make these Torture Views: Communication No 176/2000,
offences punishable by appropriate penalties 28th sess, UN Doc CAT/C/28/D/176/2000
which take into account their grave nature’). (30 April 2002) [6.7] (Rosenmann v Spain)
(declaring a case inadmissible concerning a
99. See Committee against Torture, Views: request to extradite Augusto Pinochet while
Communication No 212/2002, 34th sess, UN still holding that States Parties have an
Doc CAT/C/34/D/212/2002 (17 May 2005) obligation under the Convention to ‘bring
(Guridi v Spain) (finding that Spain in the case to trial a person, alleged to have committed
of torture by several civil guards violated art torture, who is found in its territory’).
4 by failing to impose appropriate penalties,
allowing penalties to be reduced, allowing 103. See Committee against Torture, Views:
sentences to be pardoned, and failing to impose Communication No 193/2001, 29th sess, UN
interim disciplinary measures while criminal Doc CAT/C/D/193/2001 (21 November 2002)
proceedings were in progress). (PE v France).
100. In the same vein, the Committee has 104. See Committee against Torture, Views:
consistently reconfirmed that amnesty and Communication No 233/2003, 34th sess, UN
statutes of limitation for crimes of torture are Doc CAT/C/34/D/233/2003, (20 May 2005)
incompatible with a State Party’s obligations [13.8] (Agiza v Sweden).
under the Convention. See, for example, 105. See Committee against Torture, Views:
‘Concluding Observations: Azerbaijan’, Report Communication No 161/2000, 29th sess, UN
of the Committee against Torture, 23rd sess, Doc CAT/C/29/D/161/2000 (2 December 2002)

169
Claudio Grossman

(Dzemajl v Yugoslavia); Committee against assurances without conducting sufficient


Torture, Views: Communication No 212/2002, monitoring or conducting an ‘independent
34th sess, UN Doc CAT/C/34/D/212/2002 (17 assessment of their satisfactoriness’); see also
May 2005) (Guridi v Spain). APT and CEJIL, above n 89, 29-53 (providing
106. See Committee against Torture, Views: an in-depth analysis of the scope of application
Communication No 60/1996, 23rd sess, UN of the Convention).
Doc CAT/C/D/60/1996 (10 November 1999) 111. See Nowak and McArthur, above n 25, 797
(Barakat v Tunisia). (explaining that on every decision where the
107. Convention, art 2 (‘1. Each State Party shall Committee finds a violation of the Convention
take effective legislative, administrative, the Committee always demands reparations
judicial or other measures to prevent acts of and further follow-up reporting).
torture in any territory under its jurisdiction. 112. See discussion about Concluding Observations
2. No exceptional circumstances whatsoever, in Part IID, and below.
whether a state of war or a threat of war, 113. 2010-2011 Annual Report of the Committee
internal political instability or any other against Torture, UN Doc A/66/44 (2011) [63].
public emergency, may be invoked as a
justification of torture. 3. An order from a 114. Ibid, [66].
superior officer or a public authority may 115. See Committee against Torture, Concluding
not be invoked as a justification of torture’); Observations: Belarus, 47th sess, UN Doc
see also Committee against Torture, Views: CAT/C/BLR/CO/4 (14 December 2011) [34].
Communication No 233/2003, 34th sess, UN 116. 2003-2004 Annual Report of the Committee
Doc CAT/C/34/D/233/2003, (20 May 2005) against Torture, 31st and 32nd sess, UN Doc
[13.8] (Agiza v Sweden) (‘[T]he Convention’s A/59/44 (2004) [15].
protections are absolute, even in the context of
117. 2010-2011 Annual Report of the Committee
national security concerns’).
against Torture, UN Doc A/66/44 (2011) [62]-
108. See Committee against Torture, Views: [78].
Communication No 149/1999, 25th sess, UN
118. Ibid, [70].
Doc CAT/C/25/D/149/1999 (24 November
2000) [8.7] (AS v Sweden) (noting that death 119. Ibid, [67].
by stoning is an element of mass, gross, and 120. Ibid, [78] (displaying the chart: ‘Follow-up
flagrant violations of human rights in Iran). procedure to conclusions and recommendations
109. See Committee against Torture, Views: from May 2003 to June 2011’, which lists States
Communication No 63/1997, 23rd sess, UN Parties and their current follow-up status).
Doc CAT/C/23/D/63/1997 (9 November 1999) 121. Ibid, [73] (noting the most frequently addressed
[11.4] (Arkauz Arana v France) (pointing follow-up topics after an examination of the
out that the lawful use of incommunicado ‘number and nature of topics identified by the
detentions facilitate the practice of torture). Committee in its requests to States parties for
110. See Committee against Torture, Views: follow-up information’).
Communication No 233/2003, 34th sess, UN 122. Ibid, [76] (‘Thus, as a result of numerous
Doc CAT/C/34/D/233/2003, (20 May 2005) exchanges with States parties, the Rapporteur
[13.8] (Agiza v Sweden) (‘The procurement has observed that there is need for more vigorous
of diplomatic assurances, which, moreover, fact-finding and monitoring in many States
provided no mechanism for their enforcement, parties. In addition, there is often inadequate
did not suffice to protect against this manifest gathering and analysing of police and criminal
risk’); Committee against Torture, Views: justice statistics. When the Committee requests
Communication No 281/2005, 38th sess, UN such information, States parties frequently
Doc CAT/C/38/D/281/2005 (1 May 2007) [11] do not provide it. The Rapporteur further
(Pelit v Azerbaijan) (‘The Committee further considers that conducting prompt, thorough
notes that the Azeri authorities received and impartial investigations into allegations of
diplomatic assurances from Turkey going to abuse is of great protective value’).
issues of mistreatment, an acknowledgment
123. See discussion preceding n 73.
that, without more, expulsion of the
complainant would raise issues of her 124. 2010-2011 Annual Report of the Committee
mistreatment’); ibid (finding that Azerbaijan against Torture, UN Doc A/66/44 (2011) [117].
violated art 3 by, in part, relying on diplomatic 125. Ibid.

170
A EVOLUÇÃO DA DEFINIÇÃO DOS CRIMES
INTERNACIONAIS: UMA COMPARAÇÃO ENTRE
O ESTATUTO DE ROMA, O DIREITO FRANCÊS
E O DIREITO BRASILEIRO

Fernanda Figueira Tonetto


Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul; Doutoranda em Direito pela Université Paris II Panthéon-Assas.

RESUMO 1. INTRODUÇÃO
Este artigo analisa a construção dos O presente artigo porta um estudo sobre
contornos dos crimes internacionais nos seus os crimes internacionais, partindo de sua
aspectos formal e material, sendo eles atualmente definição formal e material, assim como de sua
definidos pelo Estatuto de Roma como crimes de construção histórica até a chegada à sua fórmula
genocídio, crimes contra a humanidade, crimes atual, passando por uma lenta e assimétrica
de guerra e crimes de agressão. Inicialmente, elaboração no que toca aos conceitos de crime de
esses crimes são analisados do ponto de genocídio, crime contra a humanidade, crime de
vista do desenvolvimento histórico do direito guerra e crime de agressão, os quais atualmente
internacional e posteriormente são analisados são previstos pelo Estatuto de Roma.
sob o ponto de vista do direito comparado A definição de crime internacional se torna
francês e brasileiro. mais precisa após um processo que tem lugar ao
longo do século XX, de um lado sob a impulsão
Palavras chave da prática de violações cada vez mais atrozes
Crimes internacionais; direito que se tornam conhecidas de todos graças às
internacional; Estatuto de Roma; direito francês; novas tecnologias e, de outro lado em razão do
direito brasileiro. desenvolvimento do direito internacional.
Nesse novo quadro, o direito penal conhece
ABSTRACT um movimento de internacionalização1,
inicialmente pelo pilar do direito internacional
This article analyzes the construction of
costumeiro e a seguir por meio do direito
the contours of international crimes in their
internacional convencional, na medida em
formal and material aspects, which are currently
que o direito internacional chama para si a
defined by the Rome Statute as crimes of
competência da responsabilização penal, graças à
genocide, crimes against humanity, war crimes
identificação de ofensas graves que ultrapassam
and crimes of aggression. Initially, these crimes
os limites da criminalidade tradicional.
are analyzed from the point of view of the
historical development of international law and Essa identificação é decisiva para
later they are analyzed from the point of view of desencadear o processo que irá definir a
French and Brazilian comparative law. noção de crimes internacionais pelo direito
internacional (I), dando início, em seguida, a
Keywords um novo processo, desta vez partindo do direito
International crimes; international law; internacional em direção aos Estados, no sentido
Rome Statute; French law; Brazilian law. de que certas convenções internacionais lhes
impõem obrigações positivas, dentre as quais
se encontra a obrigação de harmonizar o direito

171
Fernanda Figueira Tonetto

nacional em relação ao direito internacional, Por essa razão, faz-se necessário inicialmente
sabendo-se que em matéria de violação ao direito analisar o processo que levou à identificação dos
das gentes, como é o caso dos crimes de massa, o crimes internacionais (A), para, em seguida,
princípio da subsidiariedade do direito penal não verificar como o direito internacional se ocupa
é aplicável em decorrência do desaparecimento desses conceitos atualmente (B).
da margem de apreciação nacional.
Para se desincumbir das obrigações positivas A. A construção histórica dos crimes
impostas pelo direito internacional, os Estados internacionais
colocam em prática novas disposições a fim de A primeira definição de crime internacional
harmonizar o direito e permitir a investigação concerne à edificação do conceito de crime
e o processamento no quadro das jurisdições de guerra, devido em grande parte ao
nacionais, o que inaugura a existência de um desenvolvimento do direito internacional
sistema jurisdicional dualista em matéria de humanitário, cujo nascimento remonta à
crimes internacionais. preocupação da comunidade internacional em
Deste fato, os crimes internacionais reduzir os danos causados pelas guerras.
ganham uma abordagem de direito comparado Seu principal instrumento jurídico é a
(II), o que permite avaliar os diferentes estágios constituição da Liga das Nações consagrada
de evolução de cada direito nacional no que pelo Tratado de Versalhes de 1919, redigido no
concerne ao cumprimento de suas respectivas prolongamento das conclusões da Commission
obrigações positivas. A título ilustrativo, a sur la responsabilité des auteurs de la guerre et
análise repousará aqui sobre o direito brasileiro sur l’application des peines4, bem como pelas
e o direito francês. Convenções de Haia de 1899 e de 1907 e,
sobretudo, pelas quatro Convenções de Genebra.
2. A DEFINIÇÃO DOS CRIMES
As Convenções de Haia são as fundadoras
INTERNACIONAIS PELO DIREITO do denominado “direito de Haia”, encarregado
INTERNACIONAL notadamente de estabelecer as regras
concernentes aos conflitos armados, tais como
Os crimes internacionais podem ser
a proibição de utilização de certas armas ou
analisados a partir de duas concepções. A primeira
métodos de combate, enquanto as Convenções
concepção é de natureza formal, segundo a qual
de Genebra, portando criação ao “direito de
os crimes internacionais são violações previstas
Genebra”, fundam um regime jurídico de proteção
e descritas por uma convenção internacional.
de pessoas concernidas pelas hostilidades5.
A segunda concepção, de natureza material,
considera uma perspectiva diferente, segundo Tanto o direito de Haia quanto o direito de
a qual os crimes internacionais são infrações Genebra serão as principais fontes de inspiração
que portam uma lesão aos valores de toda a da definição dos crimes de guerra.
humanidade, valores, portanto, comuns a todas A aparição do crime contra a humanidade
as sociedades2. na cena internacional remonta igualmente
Se atualmente a expressão crimes às convenções de Haia de 1899 e de 1907,
internacionais advém de transgressões penais notadamente por meio da definição da cláusula
que são previstas no Estatuto de Roma3, tais Martens que foi o primeiro texto jurídico a
como o crime de genocídio, o crime contra a evocar a existência de normas uniformes de
humanidade, o crime de guerra e o crime de proteção dos indivíduos “sob a proteção e
agressão, e que são, portanto, definidos por um a regulamentação dos princípios do direito
instrumento único de direito internacional, internacional, uma vez que estes resultam dos
tendo por objetivo, ao menos em teoria, a costumes estabelecidos entre povos civilizados,
proteção de valores do conjunto das comunidades dos princípios da humanidade e dos ditames da
humanas, considerando o fato de que se trata consciência pública”.
de uma jurisdição internacional permanente Em seguida, após o massacre dos armênios
com vocação universal, essas definições foram na Turquia ocorrido em 1915 e por ocasião
construídas de maneira diferente ao longo da da Conferência de Paz de Paris em 1919, uma
história. comissão foi nomeada a fim de examinar

172
A Evolução da Definição dos Crimes Internacionais: Uma Comparação entre o Estatuto de Roma, o Direito Francês e o Direito Brasileiro

as responsabilidades decorrentes dos atos para a proteção de todas as pessoas contra os


cometidos durante a Primeira Guerra Mundial, desaparecimentos forçados (2006). Mesmo que
inclusive o genocídio armênio. Esses atos foram essas convenções não tenham precisado os
qualificados como crimes contra a humanidade, contornos do crime contra a humanidade, elas
mas nunca foram incluídos no Tratado de tornaram possível a sua evolução no sentido
Sèvres, posteriormente substituído pelo Tratado de que os conceitos por elas construídos foram
de Lausanne, que nada previu acerca dos crimes utilizados no desenho da atual noção de crime
contra a humanidade. contra a humanidade.
Assim, mesmo que o direito internacional Embora no seio das Nações Unidas tenha
tenha conhecido algumas referências às ofensas havido um comitê encarregado de codificar o
às leis da humanidade, o fato é que a primeira direito relativo aos crimes internacionais, é
definição do crime contra a humanidade decorre verdade que esta evolução de construção de
do Estatuto do Tribunal de Nuremberg, criado conceitos experimentou uma desaceleração
pelo Acordo de Londres em 1945. sobretudo no período da guerra fria, apenas
À diferença dos conceitos de crime de retomando seu desenvolvimento a partir dos
guerra, a noção de crime contra a humanidade foi fatos que desencadearam a criação do Tribunal
concebida de forma casuística com a finalidade Penal Internacional para a ex-Iugoslávia em
de responder às atrocidades perpetradas durante 1993 e o Tribunal Penal Internacional para
a Segunda Guerra Mundial. O Estatuto de Ruanda em 1994.
Nuremberg funda, portanto, a noção jurídica de Quanto aos estatutos e à jurisprudência
um crime extremamente grave e que não poderia desses tribunais, os mesmos aportaram novos
ser qualificado como sendo um crime de guerra elementos à definição do crime contra a
segundo o direito internacional humanitário. humanidade, ligado inicialmente à necessidade
Ao mesmo tempo em que o Estatuto de de um contexto de existência de um conflito
Nuremberg rompeu paradigmas tais como a armado (TPII) e à existência de uma intenção
desconstrução do elo que ligava o indivíduo discriminatória geral (TPIR).
ao seu Estado de forma a impedir a sua Em uma derradeira etapa, a evolução da
responsabilização internacional, a primeira definição do crime contra a humanidade chega
definição de crime contra a humanidade foi ao Estatuto de Roma, criador do Tribunal Penal
igualmente objeto de numerosas críticas, tais Internacional, cujo artigo 7 não exigirá mais a
como a de ser qualificada como instrumento de existência de um conflito armado, confirmando a
justiça dos vencedores e de violar os princípios noção de que crimes contra a humanidade podem
da legalidade e da primazia do direito penal. ser cometidos em tempo de guerra ou de paz.
Apesar das críticas, o fato é que esta primeira No que concerne à definição do crime de
definição de crimes contra a humanidade agressão, seu primeiro aparecimento advém da
tornou possível o desenvolvimento do conceito Conferência de Versalhes de 1919, em que a ideia
de valores protegidos por meio das diferentes de qualificar os atos de agressão foi concebida.
convenções internacionais que lhe sucederam. Em seguida, esses atos foram qualificados como
Desta forma, desde Nuremberg, o crimes contra a paz pelo Estatuto de Nuremberg.
direito internacional experimentou um novo Após numerosos debates sobre a natureza
desenvolvimento, a começar pelo advento da da guerra enquanto meio lícito ou ilícito de
Convenção pela prevenção e repressão do crime solução de conflitos internacionais e se bem
de genocídio, em que este crime foi nomeado que seja considerada um meio ilícito pelo artigo
pela primeira vez em um instrumento jurídico6. 2 da Carta das Nações Unidas, subsiste até os
A essa convenção sobrevêm a Convenção sobre dias de hoje uma controvérsia sobre o direito
a imprescritibilidade dos crimes de guerra e do de ingerência de um Estado sobre outro por
crime contra a humanidade (1968), a Convenção razões humanitárias. Esta ausência de consenso
para a eliminação e a repressão do crime de sobre o tema se reflete finalmente no Estatuto
apartheid (1973), a Convenção contra a tortura e de Roma, o qual, quando de sua criação, não
outras penas e tratamentos cruéis, desumanos e se desincumbiu de definir o crime de agressão,
degradantes (1984) e a Convenção internacional retardando sua adoção definitiva.

173
Fernanda Figueira Tonetto

B. Os crimes internacionais no Estatuto ou uma política ou façam parte de uma série de


da Corte Penal Internacional crimes análogos cometidos em grande escala.
No que toca ao crime de agressão, a
Apesar de o Estatuto da Corte Penal
definição e o exercício da competência da
Internacional não ter vocação de ser definitivo
Corte ainda não se encontram sedimentados,
no que se refere ao conceito dos crimes
refletindo uma maior lentidão na construção
internacionais, haja vista a existência de outras
convencional e jurisprudencial dos contornos do
jurisdições de caráter internacionalizado e os
crime, porquanto somente em 2010, por ocasião
projetos de novas convenções internacionais7, no
da conferência de revisão de Kampala, o artigo 8
Estatuto de Roma se encontram as definições dos
bis foi anexado ao Estatuto de Roma, definindo
crimes internacionais ao mesmo tempo como
o crime de agressão como sendo a planificação,
resultado de um longo processo de construção
a preparação, o desencadeamento ou o fato de
histórica e de uma forma mais completa, se
se engajar no ato de um Estado de utilizar a
comparado a outros estatutos.
força militar contra a soberania, a integridade
Nesse sentido, seu artigo 6 prevê como territorial ou a independência política de um
crime de genocídio a intenção de destruir, no outro Estado.
todo ou em parte, um grupo nacional, étnico,
Resta estabelecido que os atos de agressão
racial ou religioso, cometendo atos tais como o
compreendem a invasão, a ocupação militar e a
homicídio de membros do grupo, ofensas graves
anexação pelo emprego da força e o bloqueio de
à integridade física ou mental de membros
portos ou de costas, os quais, por sua natureza,
do grupo, a submissão intencional do grupo
sua gravidade e sua amplitude, são considerados
a condições de existência que levem a sua
como graves violações da Carta das Nações
destruição física total ou parcial, a prática de
Unidas, desde que o autor da agressão seja uma
medidas visando a impedir nascimentos no seio
pessoa capaz de controlar ou dirigir uma ação
do grupo ou a transferência forçada de crianças
política ou militar de um Estado.
do grupo a um outro grupo.
Por meio do artigo 8 bis, essa definição
Os crimes contra a humanidade, conforme
preenche uma lacuna no Estatuto de Roma do
definidos no artigo 7, são considerados como
ponto de vista formal, sem, no entanto, incluir
aqueles cometidos no quadro de um ataque
a possibilidade de exercício efetivo e imediato da
generalizado ou sistemático contra população
competência do Tribunal Penal Internacional
civil, por meios como homicídio, exterminação,
por crimes de agressão, porquanto a competência
redução à escravidão, deportação ou transferência
somente poderá ser exercida a partir de 2017,
forçada de população, aprisionamento ou outra
conforme definido pelo artigo 15 bis, e isto após
forma de privação grave da liberdade física,
a ratificação da emenda por pelo menos trinta
tortura, estupro, escravidão sexual, prostituição
Estados9.
forçada, gravidez forçada, esterilização forçada
ou outra forma de violência sexual de gravidade Em virtude da nova regra, o indivíduo
comparável, perseguição do grupo por motivos de protagonista de um ataque armado, sem legítima
ordem política, racial, nacional, étnica, cultural, defesa ou sem autorização prévia do Conselho
religiosa ou sexista8, desaparecimentos forçados, de Segurança das Nações Unidas, poderá ser
apartheid e outros atos desumanos de caráter submetido à Corte, o que acrescenta um caráter
análogo, causando intencionalmente grande de natureza política ao crime de agressão,
sofrimento ou ofensas graves à integridade física sobretudo porque o Conselho de Segurança
ou psíquica ou à saúde física ou mental. é competente tanto para dar seu acordo em
relação à abertura de uma investigação pelo
Em seguida, o artigo 8 define o crime de
cometimento do crime quanto para conceder
guerra como sendo, de um lado, as violações
ao juiz sua anuência sobre a admissibilidade da
das convenções de Genebra, compreendendo os
ação em relação ao ato imputável.
conflitos armados não-internacionais, e, de outro
lado, outras violações graves às leis e costumes Assim, algumas dificuldades impedem a
aplicáveis aos conflitos armados internacionais consolidação da competência da Corte Penal
conforme o que dispõe o direito internacional, Internacional em relação ao tratamento do crime
desde que os crimes se inscrevam em um plano de agressão e, por consequência, a definição
de seus contornos pela jurisprudência. Nada

174
A Evolução da Definição dos Crimes Internacionais: Uma Comparação entre o Estatuto de Roma, o Direito Francês e o Direito Brasileiro

impede, no entanto, que esses crimes sejam jurídico que permita caracterizar esses crimes,
caracterizados pelos direitos domésticos, o que criar infrações penais no seio do direito nacional,
permitiria o exercício da jurisdição nacional, que, adaptar as normas de processo e regular as
aliás, possui primazia em relação à jurisdição formas de cooperação com a Corte.
internacional. A esse respeito, no domínio penal, as
normas contidas nos tratados internacionais
3. A DEFINIÇÃO DOS CRIMES assim como a promulgação do tratado pelo
INTERNACIONAIS NO DIREITO decreto presidencial não são suficientes para
COMPARADO orientar a elaboração do direito nacional,
sabendo-se que não se admite a aplicação direta
Se, de um lado, o desenvolvimento do das previsões de um tratado internacional ao
direito internacional penal criou um novo encontro dos princípios nullum crimen sine lege
regime jurídico para o tratamento dos crimes praevia, nullum crimen sine lege stricta, nullum
internacionais, de outro lado o fato de proteger crimen sine lege scripta nullum crimen sine
valores concernentes à comunidade humana lege, consagrados pela Constituição brasileira
em seu conjunto fez com que essas convenções no quadro do princípio da legalidade, tão caro
internacionais adquirissem um caráter de ao direito brasileiro a que os penalistas possuem
ius cogens, de forma a impor aos Estados sua ainda tanto apego, sem consideração a outros
observância. O direito internacional se encontra, valores.
portanto, na origem da imposição de algumas Por consequência, segundo entendimento
obrigações positivas aos Estados, dentre as dominante, os crimes devem ser caracterizados,
quais se encontra a obrigação de adequar seus em todas as suas circunstâncias, pela lei
respectivos direitos nacionais. interna, promulgada conforme o devido processo
A existência de ordenamentos jurídicos legislativo, não importando o teor do direito
nacionais que passam a conter normas de direito internacional e do ius cogens. De outro lado, as
internacional permite a análise comparada normas internacionais possuem valor de fonte
desses crimes, como é o caso do direito brasileiro de interpretação, conforme a decisão exarada
(A) e do direito francês (B) que serão aqui no julgamento do Habeas Corpus n° 70389
cotejados no que diz respeito ao cumprimento pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil, que
dessa obrigação positiva. utilizou a Convenção das Nações Unidas sobre a
repressão do crime de tortura como uma norma
A. Os crimes internacionais no direito de integração, porquanto não existia à época
brasileiro uma lei brasileira específica para a repressão da
tortura10.
Apesar de o Brasil ter ratificado o Estatuto
de Roma, por meio do Decreto n° 4.388/2002, Se comparado ao Estatuto de Roma, o
seu direito penal interno não é acompanhado da sistema jurídico brasileiro possui algumas
adoção de um processo legislativo que preveja previsões esparsas, sendo algumas distintas e
e caracterize os crimes contra a humanidade, outras semelhantes à definição dada pelo direito
os crimes de genocídio, os crimes de guerra e internacional. Tal se produz, por exemplo, em
tampouco os crimes de agressão. relação a alguns dispositivos legais de crimes
como o genocídio, a tortura, o racismo ou a
Desde a internalização do Estatuto da
prática de violências sexuais. Em relação a
Corte Penal Internacional pelo direito nacional
outros crimes, inexiste qualquer disposição de
brasileiro, alguns esforços legislativos tiveram
direito nacional.
ainda lugar a fim de adaptar e harmonizar o
respectivo sistema de justiça, sem sucesso, no Quanto ao crime de genocídio, a Lei n°
entanto. 2.889/56 o define como sendo o fato de matar
membros de grupo nacional, étnico, racial ou
A despeito da criação de um grupo de
religioso, provocando graves lesões à integridade
trabalho nomeado pelo Ministério da Justiça
física ou mental desses membros, ou ainda de
brasileiro e encarregado de elaborar um projeto
submetê-los intencionalmente a condições
de lei, não existe nenhum avanço no que
de vida que os levem à destruição física total
concerne à entrada em vigor das disposições do
ou parcial, bem como adotar medidas visando
Estatuto de Roma pela via de um instrumento
a impedir nascimentos no seio do grupo ou

175
Fernanda Figueira Tonetto

a transferência forçada de crianças do grupo a direito interno: o Brasil ratificou os principais


outro grupo, com a intenção de destruí-lo, total tratados de direito internacional humanitário,
ou parcialmente. em particular as quatro Convenções de Genebra,
Assim sendo, o genocídio é o crime além da Convenção de Nova York sobre a
internacional previsto pelo direito brasileiro que proibição ou a limitação do emprego de armas que
possui maior simetria com o Estatuto de Roma. causem danos excessivos, bem como o Tratado
No entanto, a lei faz menção às penas previstas de Ottawa proibindo a utilização, estocagem,
para o crime de homicídio do Código Penal, pelo produção e transferência de minas. No entanto,
artigo 20 do Código Penal Militar (para o crime os crimes previstos nessas convenções não foram
cometido em tempo de paz, cuja pena é de 15 a regrados por uma lei interna específica.
30 anos) e pelos artigos 401 e 402 também do O Código Penal Militar dispõe de algumas
Código Penal Militar (para os crimes cometidos figuras típicas de crimes militares cometidos em
em tempo de guerra, cuja previsão é de imposição tempo de guerra, mas eles são fundamentalmente
da pena de morte). diferentes dos fatos considerados como infrações
Quanto aos crimes contra a humanidade, o graves às Convenções de Genebra. O Código
direito nacional ainda não caracterizou os atos menciona a necessidade de declarar oficialmente
previstos pelo artigo 7 do Estatuto de Roma. Se a guerra, enquanto as situações de conflitos
é verdade que a lei penal brasileira possui em armados previstos nessas convenções não
numerosos dispositivos a previsão de crimes exigem essa circunstância. Não obstante, o Brasil
cuja descrição se aproxima das previstas pelo ratificou as quatro Convenções de Genebra de
Estatuto de Roma, as mesmas são geralmente 1957, ocasião em que o Estado brasileiro se
aplicadas a práticas individuais e não a situações comprometeu internacionalmente a adotar as
de ataques generalizados ou sistemáticos contra medidas legislativas necessárias para tipificar o
a população civil no quadro de uma política de crime de guerra.
Estado ou de uma organização, oficial ou não, Além disso, o chamado direito em tempo
conforme previsto pelo direito internacional11. de guerra chama à necessidade da eficácia da
Igualmente, o sistema jurídico brasileiro proteção das forças armadas e das operações
possui disposições gerais incriminando crimes militares muito mais do que à proteção das
como o racismo, a escravidão, a violência sexual, pessoas implicadas no conflito, o que se verifica
a tortura e o tráfico de pessoas. No entanto, o pela caracterização da ordem de prioridade
ataque generalizado ou sistemático contra a dada aos crimes previstos, como a traição e a
população civil não está previsto na descrição de espionagem, ambos passíveis de aplicação de
cada um desses crimes. pena de morte, muito afastando-se, assim, dos
princípios finalísticos que sustentam a definição
O crime de tortura, por exemplo, teve sua
de um crime internacional, que é justamente de
primeira definição na lei de Abuso de Autoridade
proteger os interesses jurídicos que se encontram
(Lei n ° 4.898/65), passando por uma disposição
além dos Estados-nacionais e que concernem
no Estatuto da Criança e do Adolescente,
aos indivíduos que sofrem os danos ocasionados
chegando à previsão feita pela Lei n° 9.455/97
pelo conflito armado.
que, no entanto, não atribuiu a esse crime o
caráter de crime internacional. Por fim, no que toca ao crime de agressão,
o Brasil sequer ratificou o artigo 8 bis incluído
O mesmo ocorre no que concerne à
no Estatuto de Roma por ocasião da Conferência
previsão do crime de racismo. Definido por meio
de Kampala.
da Lei n° 7.716/89, ela consagra figuras típicas
simples que se resumem a atos de degradação Apesar de o Brasil ter adotado o princípio
ou perturbação da livre entrada de pessoas em da não-agressão constante da Carta das
determinados lugares, o que se encontra longe Nações Unidas, fazendo-o pela disposição
da abordagem feita pelo crime de apartheid. contida no artigo 4° de sua Constituição, em
que são explicitados princípios tais como a
Pode-se concluir nesse sentido que não
autodeterminação das relações internacionais,
existe no direito brasileiro uma definição de
a não-intervenção e a defesa da paz, não existe
crime contra a humanidade.
nenhuma disposição no direito interno sobre
Esse contexto não se modifica quando se a qualificação do crime de agressão. A esse
considera a definição dos crimes de guerra em respeito, pode-se apenas mencionar o Projeto de

176
A Evolução da Definição dos Crimes Internacionais: Uma Comparação entre o Estatuto de Roma, o Direito Francês e o Direito Brasileiro

Lei n° 6.764/2002 que trata da prática de crimes É de se sublinhar que a Lei de 26 de dezembro
contra o Estado Democrático de Direito, dentre de 1964 restringiu seu campo de aplicação aos
eles os crimes de agressão à soberania, a traição crimes cometidos pelos crimes cometidos pelos
e a violação do território, os quais, conforme o membros dos Governos dos países europeus do
caso, podem ser considerados como crimes de Eixo durante a Segunda Guerra Mundial, não
agressão. se aplicando nem às forças japonesas (levando
em conta que a França não havia ratificado o
B. Os crimes internacionais no direito Estatuto de Tóquio) nem aos crimes cometidos
francês fora do âmbito da Segunda Guerra Mundial, pois
a lei francesa não previa criminalização geral de
Contrariamente ao que ocorre no direito
crimes contra a humanidade.
penal brasileiro que exige a necessidade de uma
lei específica, no que toca ao direito francês se Nesse sentido, a Câmara Criminal francesa
faz suficiente seja a previsão de dispositivos estimou que não seria possível qualificar como
internos incriminando os crimes internacionais, crime contra a humanidade os atos cometidos
seja um texto internacional integrado pelo direito durante a guerra da Indochina, adotando a
interno. No entanto, subsiste a compreensão mesma solução no que concerne aos atos
comum segundo a qual o costume internacional cometidos durante a guerra da Argélia.
não substitui a ausência de textos incriminando Posteriormente, o Código Penal de 1992,
os crimes internacionais12. que entrou em vigor em 1° de março de 1994,
Por consequência, face à jurisdição francesa, previa a incriminação dos crimes contra a
uma pessoa pode ser processada por crimes humanidade, portando suas características
internacionais como o genocídio, os crimes gerais, inscrevendo-os no Título I dos crimes
contra a humanidade e os crimes de guerra, os contra a pessoa, especificamente nos artigos 211
quais são formalmente previstos pelo direito e seguintes do Código Penal.
penal francês. Por outro lado, o crime de agressão Em seguida, por meio da Lei n° 2010-
não pode ser reprimido na França porquanto 930 de 9 de agosto de 2010, o Código Penal
não é previsto pela lei francesa e notadamente francês adotou o Estatuto de Roma, de forma a
porque a emenda ao Estatuto de Roma ainda não tornar a legislação nacional simétrica ao direito
foi ratificada por disposição interna. internacional, cumprindo com sua obrigação
Se o direito francês for analisado em positiva de harmonização.
ordem cronológica, a primeira previsão de A partir de então, o artigo 211-1 do Código
crimes contra a humanidade foi feita pela Lei Penal francês caracteriza o crime de genocídio
de 26 de dezembro de 1964, contendo, nesta como “le fait, en exécution d’un plan concerté
época, a noção segundo a qual os crimes contra tendant à la destruction totale ou partielle d’un
a humanidade eram uma espécie de crime de groupe national, racial, ethnique ou religieux,
guerra. Essa lei os retratou segundo a descrição ou d’un déterminé à partir de tout autre critère
feita pelo Estatuto de Nuremberg, reconhecendo arbitraire, de commettre ou de faire commettre,
sua imprescritibilidade, de forma a lhes atribuir à l’encontre de membres de ce groupe les actes
um estatuto diferente ao de direito comum. suivants: atteinte volontaire à la vie, atteinte
Atualmente, a repressão penal francesa dos grave à l’intégrité physique ou psychique,
crimes internacionais pode ser dividida em crime soumission à des conditions d’existence de
contra a humanidade e crime de guerra, sendo o nature à entraîner la destruction totale ou
genocídio uma espécie do primeiro, o que é uma partielle du groupe, mesures visant à entraver
particularidade da legislação nacional. les naissances et transfert forcé d’enfants”. Além
disso, o seu artigo 211-2 prevê como crime a
Na decisão de 20 de dezembro de 1985,
prática de provocação pública e direta, por todos
conhecida como affaire Barbie, a Corte de
os meios, a cometer genocídio.
Cassação empregou expressões do Estatuto do
Tribunal de Nuremberg para determinar os Nomeando-os como “outros crimes contra
elementos constitutivos dos crimes contra a a humanidade, o artigo 212-1 refere-se à prática
humanidade, apoiando-se sobre as noções de atos de atos cometidos, em conformidade a um
desumanos e perseguições que não poderiam ser plano concertado contra um grupo de população
ligadas à criminalidade nacional. civil no quadro de um ataque generalizado ou
sistemático tais como: a ofensa voluntária à

177
Fernanda Figueira Tonetto

vida, a exterminação, a redução à escravidão, a necessidade de marcar a diferença entre um


a deportação ou transferência forçada de crime contra a humanidade, que é o crime mais
população, o aprisionamento ou outra forma grave dos crimes, e o crime de guerra, o que é
de grave privação da liberdade física, a tortura, uma particularidade do direito francês.
o estupro, a prostituição forçada, a gravidez No que concerne ao crime de agressão, a
forçada, a esterilização forçada ou qualquer França ainda não ratificou em seu direito interno
outra forma de violência sexual de gravidade o artigo 8 bis do Estatuto de Roma.
comparável, a perseguição de qualquer grupo ou
qualquer comunidade identificável por motivos 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
de ordem política, racial, nacional, étnica,
cultural, religiosa, de gênero ou com base em As graves violações dos direitos humanos
outros critérios universalmente reconhecidos que se processaram especialmente no curso do
como inaceitáveis no direito internacional, a século XX conduziram ao desenvolvimento de um
prisão, detenção ou sequestro de pessoas seguido novo sistema jurídico em relação ao tratamento
por seu desaparecimento, atos de segregação dos crimes de massa, a partir da compreensão
cometidos como parte de um regime opressivo do fato de que esses crimes pertencem a uma
e outros atos desumanos de natureza similar categoria especial de violações que ofendem
causando grande sofrimento. interesses que ultrapassam os Estados.
Como consequência do regime de Essa nova concepção impulsionou o
tratamento diferenciado que se reserva aos desenvolvimento de um direito situado ao mesmo
crimes contra a humanidade, o artigo 213- nível desta categoria especial de violações, acima
5 do Código Penal francês prevê igualmente a dos Estados, portanto, tornando necessário
imprescritibilidade da ação pública e das penas, que o estabelecimento de regras concernentes
sabendo-se que esta imprescritibilidade se fosse tratado pelo direito internacional, o que
estende também à ação civil de reparação de anunciou uma mudança de paradigma no que
danos13. tange à responsabilidade penal.
A Lei n° 2010-930, de 9 de agosto de 2010 Esses crimes são identificados pelo direito
igualmente harmonizou o direito penal francês internacional como crimes de guerra, crimes
ao Estatuto de Roma no que tange aos crimes de contra a humanidade, crimes de genocídio
guerra, ao inseri-los nos artigos 461-1 e seguintes e crimes de agressão, mas essa identificação
do Código Penal sob o título “des crimes et des não foi possível senão após um longo processo
délits de guerre”, contendo as mesmas definições construtivo que remonta às origens do direito
do direito internacional. internacional e que tem seu apogeu na adoção
do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
É assim que o Código Penal francês
atualmente caracteriza, de um lado, os crimes Esse processo fundou um novo direito
e delitos de guerra cometido nos conflitos internacional, ou mesmo um direito
armados internacionais e não-internacionais, internacional penal, impulsionando, além disso,
nos quais se incluem: as ofensas à pessoa, o desenvolvimento dos respectivos direitos
os delitos de guerra ligados à conduta das nacionais e, por consequência, o advento de
hostilidades (crimes de guerra relacionados aos um direito comparado em matéria de crimes
meios e aos métodos de combates proibidos pelo internacionais.
direito internacional) e os grupos formados com Nesse sentido e com o fim de analisar dois
vistas a preparar a prática de crimes de guerra; sistemas jurídicos que alcançaram um diferente
e, de outro lado, o Código prevê os crimes e grau de evolução, como é o caso do direito penal
delitos de guerra próprios a determinados tipos francês e brasileiro, pode-se concluir que o
de conflitos armados, próprios aos conflitos tratamento dos crimes internacionais apresenta
armados internacionais e próprios aos conflitos disparidades substanciais.
armados não-internacionais. Apesar da existência de algumas
O direito penal francês prevê igualmente o discordâncias em relação ao direito internacional,
direito de legítima defesa à França (artigo 462- o direito penal francês teve êxito em harmonizar
11) e a prescrição da pena em 30 anos para os seus dispositivos em seguimento ao que dispõe
crimes e 20 anos para os delitos, o que o distingue o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de
do Estatuto de Roma. Essa distinção afirmaria forma a tornar possível o exercício da jurisdição

178
A Evolução da Definição dos Crimes Internacionais: Uma Comparação entre o Estatuto de Roma, o Direito Francês e o Direito Brasileiro

nacional para a responsabilização dos autores considerar o futuro como sendo o de um novo
de graves violações aos direitos humanos e às paradigma rumo à jurisdição universal capaz de
leis e costumes de guerra, em cumprimento ao julgar violações aos interesses da comunidade
princípio da complementariedade. humana como um todo. Embora lento, este é
Por outro lado, ainda existem graves lacunas um processo inexorável.
no direito brasileiro no que concerne à definição Apesar de todas as adversidades que essa
dos crimes internacionais, culminando em nova justiça encontra e mesmo que não seja
imperfeições no exercício da jurisdição nacional. razoável concluir que esses novos paradigmas da
Face à ordem jurídica internacional, a lei penal justiça penal permitirão reduzir a criminalidade
brasileira apresenta largas omissões, impedindo internacional, é verdade que esse modelo
a investigação, processamento e punição de conheceu um avanço significativo capaz de
crimes de massa. conferir maior estabilidade à justiça em âmbito
Se, de um lado, os sistemas jurídicos mundial, consolidando a existência de dois
nacionais são ainda assimétricos no tratamento sistemas penais paralelos de jurisdição, o da
punitivo de graves violações a direitos da Corte Penal Internacional e o dos Estados.
humanidade e se o direito penal doméstico de Resta a questão de saber de que maneira o
alguns Estados caminha a passos lentos, como direito penal, ancorado nos princípios fundantes
é o caso do Brasil, em que o direito é afastado do direito internacional dos direitos humanos,
do direito internacional, como se existissem se orientará em direção a este novo padrão de
duas ordens diversas, de outro lado é possível vocação cosmopolita.

179
Fernanda Figueira Tonetto

NOTAS

1. FOUCHARD, Isabelle. Crimes Internationaux. 6. A convenção foi proposta por Raphael Lemkin,
Entre internationalisation du droit pénal et a quem foi atribuída a criação da expressão
pénalisation du droit international. Bruxelles, genocídio em resposta oficial a à Winston
Bruylant, 2014. Churchill sobre os “crimes sem nome »
2. DELMAS-MARTY, Mireille. Os crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda
internacionais podem contribuir para o debate Guerra Mundial. Ver: REBUT, Didier, Droit
entre universalismo e relativismo de valores? pénal international. Paris, Dalloz, 2012,
In DELMAS-MARTY, Mireille & CASSESE, p. 617.
Antonio (Orgs). Crimes internacionais 7. Como é o caso da Convention internationale
e Jurisdições Internacionais. Trad. Silvio sur la prévention et la répression des crimes
Antunha. Barueri, Manole, 2004. contre l’humanité.
3. Apesar de o Estatuto de Roma não ter utilizado 8. Ou, segundo o artigo 7, em função de outros
o termo “crime internacional”, seu artigo 1° critérios universalmente reconhecidos como
faz referência aos “crimes mais graves que inadmissíveis em direito internacional.
possuam alcance internacional”. 9. Esta exigência fora satisfeita em 26 de junho de
4. A Comissão sobre a responsabilidade dos 2016 com a ratificação da emenda pelo Estado
autores da guerra e sobre a aplicação das penas da Palestina.
permitiu a redação de artigos que dizem respeito 10. A Lei n° 9455/97 que prevê os crimes de tortura
às reparações previstas pelo Tratado de Versalhes no Brasil entrou em vigor em 1997.
(artigos 231 a 244), em que o Estado alemão e
seus aliados reconhecem sua responsabilidade 11. AMBOS, Kai. Persecução Penal Internacional
por todas as perdas e violações sofridos pelos na América Latina e Espanha. São Paulo:
Estados vencedores. Ver: Commission on the IBCCrim, 2003, p. 41.
Responsibility of the Authors of the War and 12. REBUT, Didier. Droit pénal international,
on Enforcement of Penalities. The American Paris, Dalloz, 2012, p. 612.
Journal of International Law, Vol. 14, Nº. 1/2
13. Crim. 1er juin 1995, Bull. crim, n° 202.
(Jan. - Apr., 1920).
5. BETTATI, Mario. Droit humanitaire. Paris,
Dalloz, 2012.

180
LA JUSTICIA PENAL JUVENIL EN LA JURISPRUDENCIA
DE LA CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS
HUMANOS (CON RESPECIAL REFERENCIA
A CENTROAMÉRICA)

Javier Llobet Rodríguez


Catedrático de la Universidad de Costa Rica;
Investigador del Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UCR.

RESUMEN SUMMARY
La Corte Interamericana de Derechos The Inter-American Court of Human
Humanos a partir de la sentencia del Caso de los Rights from the judgment of the Case of the
“Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. “Street Children” (Villagrán Morales and others)
Guatemala dotó de contenido al artículo 19 de la vs Guatemala gave content to the article 19 of
Convención Americana de Derechos Humanos, the American Convention on Human Rights,
con base en la Convención de Derechos del based on the Convention on the Rights of the
Niño, utilizando además los instrumentos Child, also using international instruments that
internacionales que la complementan. Con complement it. After that, it has been issued a
posterioridad a ello ha dictado una serie de number of resolutions, among which highlights
resoluciones, dentro de las que destaca la the Advisory Opinion on the Legal Status and
Opinión Consultiva sobre la Condición jurídica Human Rights of the Child, OC-17/2002,
y derechos humanos del niño, OC-17/2002, en which highlighted the validity in the juvenile
la que resaltó la vigencia en la justicia penal criminal justice of the guarantees that govern
juvenil de las garantías que rigen en el derecho de the right of adults, as well as the existence of
adultos, lo mismo que la existencia de garantías additional guarantees, due to the condition
adicionales, consecuencia de la condición de of minors. From the above it has been issued
menores de edad. A partir de lo anterior se several resolutions of the Inter-American Court
han dictado diversas resoluciones de la Corte of Human Rights that have tried mass arrests,
Interamericana que han tratado las detenciones prison overcrowding, the extention of preventive
masivas, el hacinamiento carcelario, la extensión detention and the custodial sentence, etc. Also
de la prisión preventiva y la sanción privativa they have declared losses to fundamental human
de libertad, etc. Igualmente se han declarado rights, caused by arbitrary arrests, practice of
quebrantos a derechos humanos fundamentales, torture and extrajudicial executions. However,
ocasionados por detenciones arbitrarias, práctica there remains a large gap between the rights
de la tortura y ejecuciones extrajudiciales. Sin established in the Convention on the Rights of
embargo, sigue existiendo una gran diferencia the Child and the validity of those rights in the
entre los derechos establecidos en la Convención Latin American reality.
de Derechos del Niño y la vigencia de dichos
derechos en la realidad latinoamericana. Keywords
Inter-American Court of Human Rights;
Palabras claves Convention on the Rights of the Child; juvenile
Corte Interamericana de Derechos justice; human rights.
Humanos; Convención de Derechos del Niño;
justicia juvenil; derechos humanos.

181
Javier Llobet Rodríguez

1. INTRODUCCIÓN de Derechos del Niño se partía de que los


derechos ante la justicia penal establecidos en la
La Convención de Derechos del Niño, Convención Americana de Derechos Humanos
aprobada en el marco de las Naciones Unidas no eran aplicables al juzgamiento de las
en 1989 implicó un cambio de paradigma con personas menores de edad, ya que a través de su
respecto a la justicia penal juvenil, que llevó juzgamiento se procuraba su bien, favoreciendo
a los Estados latinoamericanos a adoptar su su reinserción social, de modo que el sistema
legislación a las nuevas exigencias del Derecho de garantías no solamente era innecesario, sino
Internacional de los Derechos Humanos. Sin incluso contraproducente.
embargo, la superación de la concepción tutelar
Esta posición no debería haberse
ha encontrado resistencia en diversos países,
considerado admisible desde la perspectiva
de modo que en la práctica siguen existiendo
del Derecho Internacional de los Derechos
resabios de dicha concepción. Por otro lado,
Humanos, puesto en el mismo se establece
en los últimos tiempos se ha presentado un
garantías ante la justicia penal aplicables a
retroceso en las legislaciones, las que han
todas las personas, de modo que, contrario, a
tenido como modelo para dicha reforma no
lo que se estimaba en ese entonces, deben ser
la Convención de Derechos del Niño, sino la
respetadas no solamente para el juzgamiento
legislación de adultos. Frente a esa situación
de los adultos, sino también de las personas
es de suma importancia el desarrollo que ha
menores de edad. En efecto la convención
venido teniendo la jurisprudencia de la Corte
americana sobre derechos humanos al referirse
Interamericana de Derechos Humanos, la
a las garantías judiciales hace mención a “toda
que ha tomado como parámetro de partida
persona inculpada de delito”1 o a “toda persona
la Convención de Derechos del Niño, ante la
detenida”2, debiendo comprenderse dentro de
escueta regulación en la Convención Americana
dicho concepto a los niños o adolescentes a los
de Derechos Humanos de los derechos del
que se les atribuya un hecho delictivo. La misma
niño en el artículo 19. Con ello ha abierto
convención expresamente llega a reconocer la
también la posibilidad de presentar quejas ante
vigencia de los derechos humanos en la justicia
la Comisión Interamericana y que la misma
juvenil, ello al hacer mención en el artículo 5 a
envíe el caso ante la Corte Interamericana de
diversos derechos que se tienen los procesados
Derechos Humanos, alegándose de manera
y los condenados a privación de libertad. Señala
indirecta el quebranto de la Convención de
así en el inciso 5) de ese artículo: “Cuando
Derechos del Niño. El estudio del desarrollo
los menores puedan ser procesados, deben
jurisprudencial de la Corte Interamericana
ser separados de los adultos y llevados ante
adicionalmente adquiere una gran importancia,
tribunales especializados, con la mayor celeridad
debido al control de convencionalidad que
posible, para su tratamiento”3. Igualmente
deben llevar a cabos los Estados que son parte
el pacto internacional de derechos civiles y
de la Convención Americana de Derechos
políticos tiene una referencia expresa a los niños
Humanos, de modo que esta jurisprudencia es
y adolescentes que se enfrentan al sistema de
de acatamiento obligatorio, según estableció la
justicia por hechos delictivos, indicándose:
Corte Interamericana de Derechos Humanos
“Los menores procesados estarán separados
en el caso Almonacid Arellano contra Chile,
de los adultos y deberán ser llevados ante los
sentencia de 26 de septiembre de 2006.
tribunales de justicia con la mayor celeridad
posible para su enjuiciamiento”4. La existencia
2. LA APLICACIÓN DE LA CONVENCIÓN
de dichas normas junto a la normativa sobre
DE DERECHOS DEL NIÑO Y las personas procesadas y privadas de libertad
LOS INSTRUMENTOS QUE LA es un argumento importante para extraer que la
COMPLEMENTAN A TRAVÉS DEL normativa sobre dichas personas es aplicable a
los menores de edad.
ARTÍCULO 19 DE LA CONVENCIÓN
Un trabajo pionero en Latinoamérica en
AMERICANA DE DERECHOS cuanto a la exigencia del respeto de los derechos
HUMANOS humanos para la persecución de los delitos de
los jóvenes, es el que Enrique Bacigalupo realizó
Durante la vigencia de la llamada doctrina
en la década de los ochenta del siglo pasado,
de la situación irregular, anterior a la Convención

182
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
quien llevó a cabo un estudio de las legislaciones 19 de la Convención Americana de Derechos
tutelares de menores en Latinoamérica, Humanos. Así en la Opinión Consultiva sobre
resaltando la violación de los derechos humanos la Condición jurídica y derechos humanos del
en las mismas5. A finales de la década de los niño, OC-17/2002 de 28 de agosto de 2002 se
ochenta del siglo pasado destaca el trabajo dijo: “116. Por lo que toca a la materia que ahora
realizado por Carlos Tiffer y Frieder Dünkel, con interesa, las reglas del debido proceso se hallan
énfasis en la legislación costarricense6. establecidas, principal pero no exclusivamente,
A pesar de lo anterior no fue sino hasta la en la Convención sobre los Derechos del Niño,
aprobación de la Convención de Derecho del Niño las Reglas de Beijing, las Reglas de Tokio y las
en 1989, que se llegó a reconocer que los derechos Directrices de Riad, que sirven al propósito de
humanos aplicables a todos los seres humanos, lo salvaguardar los derechos de los niños sometidos
son también a las personas menores de edad, las a diferentes actuaciones por parte del Estado, la
que tienen además derechos adicionales, que se sociedad o la familia”.
agregan, pero no limitan los derechos humanos La interpretación evolutiva del artículo
en general ante la justicia penal. 19 de la Convención Americana de Derechos
En el sistema interamericano de protección Humanos fue reiterada en la Opinión Consultiva
de los derechos humanos un fallo pionero en OC-17/2002 de 28 de agosto de 2002, en la que
materia penal juvenil fue el ordenado en el Caso se acudió a la Convención de Derechos del Niño.
de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales Así se dijo por ejemplo: “38. El artículo 19 de
y otros) Vs. Guatemala, resuelto por sentencia la Convención Americana, que ordena adoptar
del 19 de noviembre de 1999. En dicho voto se medidas especiales de protección a favor de los
dispuso: “193. (…) el Derecho Internacional niños, no define este concepto. El artículo 1
de los Derechos Humanos, (…) ha avanzado de la Convención sobre los Derechos del Niño
sustancialmente mediante la interpretación indica que “niño [es] todo ser humano menor
evolutiva de los instrumentos internacionales de dieciocho años de edad, salvo que, en virtud
de protección (…). 194. Tanto la Convención de la ley que le sea aplicable, haya alcanzado
Americana como la Convención sobre los antes la mayoría de edad (...). 42. En definitiva,
Derechos del Niño forman parte de un muy tomando en cuenta la normativa internacional y
comprensivo corpus juris internacional de el criterio sustentado por la Corte en otros casos,
protección de los niños que debe servir a esta se entiende por “niño” a toda persona que no ha
Corte para fijar el contenido y los alcances de la cumplido 18 años de edad”.
disposición general definida en el artículo 19 de
la Convención Americana”. 3. LA PERSONA MENOR DE EDAD
Se trata de un voto de gran importancia, COMO SUJETO DE DERECHOS
ya que a través del mismo, a partir de La Convención de Derechos del Niño
una interpretación evolutiva del Derecho supuso un cambio de paradigma del Derecho de
Internacional de los Derechos Humanos, se la Infancia y la Adolescencia, ya que se abandonó
llegó a dotar de contenido al artículo 19 de la la concepción que partía de los menores de edad
Convención Americana de Derechos Humanos, como meros objetos de protección, propia de la
conforme a las previsiones de la Convención llamada doctrina de la situación irregular. El
de Derechos del Niño y los instrumentos aspecto más relevante del Derecho de la Infancia
internacionales que la complementan, es decir y la Adolescencia producto del nuevo paradigma,
las Reglas Mínimas para la Administración de es que el niño, o sea el menor de dieciocho
Justicia de Menores de 1985, las Directrices años, llega a ser considerado como un sujeto de
para la Prevención de la Delincuencia Juvenil derecho, con derechos y obligaciones, y no como
(Riad) de 1990 y las Reglas para la protección un mero objeto de la tutela estatal y familiar. La
de los menores de edad privados de libertad Corte Interamericana de Derechos Humanos en
de 1990. Con base en lo anterior, se abrió la la opinión consultiva OC-17/2002 reconoció el
posibilidad de que se presenten quejas en contra carácter de sujeto de derecho que tiene el niño,
de los Estados, alegándose en forma indirecta de modo que la protección que debe otorgársele
el quebranto de la Convención de Derechos del con base en el artículo 19 de la Convención
Niño y los instrumentos que la complementan, Americana de Derechos Humanos, debido a
a través del alegato de violación del artículo la evolución que se ha tenido en el Derecho

183
Javier Llobet Rodríguez

Internacional de los Derechos Humanos, casos, como son los de abandono, desvalimiento,
exige que se abandone el criterio que partían riesgo o enfermedad, deben ser atendidos en
del menor de edad como un simple objeto de forma diferente, a la que corresponde a los
tutela. Se dijo: “28. Por lo que toca al citado procedimientos aplicables a quienes incurren en
artículo 19 de la Convención Americana vale conductas típicas. Sin embargo, en dichos casos
destacar que cuando éste fue elaborado existía es preciso observar, igualmente, los principios y
la preocupación por asegurar al niño la debida las normas del debido proceso legal, tanto en lo
protección, mediante mecanismos estatales que corresponde a los menores como en lo que
orientados al efecto. Hoy día debe darse una toca a quienes ejercen derechos en relación con
interpretación dinámica de este precepto que éstos, derivados del estatuto familiar, atendiendo
responda a las nuevas circunstancias sobre las también a las condiciones específicas en que se
que debe proyectarse y atienda a las necesidades encuentren los niños”.
del niño como verdadero sujeto de derecho y no
sólo como objeto de protección”. 5. LA JURISPRUDENCIA DE LA CORTE
INTERAMERICANA DE DERECHOS
4. RECHAZO DE LA DOCTRINA DE LA
HUMANOS SOBRE LA JUSTICIA PE-
SITUACIÓN IRREGULAR POR LA
NAL JUVENIL
CORTE INTERAMERICANA DE DERE-
Característico del nuevo paradigma del
CHOS HUMANOS Derecho de la Infancia producto de la Convención
La Corte Interamericana de Derechos de Derechos del Niño y de los otros instrumentos
Humanos en la Opinión consultiva OC-17/2002 mencionados que la complementan, es que el niño
sobre la Condición jurídica y derechos humanos y adolescente es considerado sujeto de derechos
del niño de 28 de agosto de 2002 (Nº. 110) y en y de obligaciones, lo que tiene relevancia con
la sentencia del Caso Mendoza y otros contra respecto al tratamiento que le otorga el sistema
Argentina, Sentencia de 14 de mayo de 2013 penal y la vigencia del sistema de garantías.
(Nº. 76 y 195), rechazó la doctrina de la situación La Corte Interamericana de Derechos
irregular, que es la que había justificado la falta Humanos ha dictado una serie de votos
de vigencia para las personas menores de edad relevantes en materia penal juvenil, dentro de
de las garantías del Derecho Internacional de los los que destacan los siguientes: a) Caso de los
Derechos Humanos. Así se dijo en la Opinión “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros)
Consultiva: “110. Es inadmisible que se incluya Vs. Guatemala, Sentencia de 19 de noviembre de
en esta hipótesis la situación de los menores 1999, b) Condición jurídica y derechos humanos
que no han incurrido en conducta penalmente del niño, Opinión consultiva OC-17/2002 de 28
típica, pero se encuentran en situación de riesgo de agosto de 2002; c) Caso de los Hermanos
o peligro, por desvalimiento, abandono, miseria Gómez Paquiyauri Vs. Perú. Sentencia de 8 de
o enfermedad, y menos aún la de aquellos otros julio de 2004; d) Caso Bulacio contra Argentina,
que simplemente observan un comportamiento Sentencia de 18 de septiembre de 2003; e)
diferente del que caracteriza a la mayoría, se Caso “Instituto de Reeducación del Menor” Vs.
apartan de las patrones de conducta generalmente Paraguay, Sentencia de 2 de setiembre de 2004,
aceptados, presentan conflictos de adaptación al f) Caso Servellón García y otros Vs. Honduras
medio familiar, escolar o social, en general, o se Sentencia de 21 de septiembre de 2006, g) Caso
marginan de los usos y valores de la sociedad de Familia Barrios Vs. Venezuela, Sentencia de 24
la que forman parte. El concepto de delincuencia de noviembre de 2011, h) Caso Pacheco Teruel
infantil o juvenil sólo puede aplicarse a quienes y otros vs. Honduras, sentencia de 27 de abril de
se hallan en el primer supuesto mencionado, 2012; i) Caso Masacres de El Mozote y lugares
esto es, a los que incurren en conductas típicas, aleñados Vs. El Salvador, Sentencia de 25 de
no así a quienes se encuentran en los otros octubre de 2012; j) Caso Mendoza y otros vs.
supuestos”. En la parte resolutiva de dicha Argentina, Sentencia de 14 de mayo de 2013 y
Opinión Consultiva se indicó: “12. Que la k) Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros Vs.
conducta que motive la intervención del Estado Venezuela. Sentencia de 27 de Agosto de 2014.
en los casos a los que se refiere el punto anterior
Dentro de estas sentencias destaca en
debe hallarse descrita en la ley penal. Otros
primer lugar la dictada en el Caso de los

184
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
“Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) de los incendios en los centros de privación de
Vs. Guatemala, por su carácter pionero en el libertad y las muertes de los privados de libertad.
reconocimiento de los derechos de los niños
establecidos en la Convención de Derechos del 6. GARANTÍAS DE LA JUSTICIA PENAL
Niño. Tiene una gran importancia además en lo JUVENIL Y RESPETO AL DEBIDO
concerniente a la exigencia de una política estatal
tendiente a garantizar los derechos económicos, PROCESO
sociales y culturales de los niños y la relación de Propio del Derecho Penal Juvenil es que
ello con la prevención de la delincuencia, criterio los principios del interés superior del niño y
que ha sido reiterado en diversas resoluciones de protección integral de éste, heredados del
posteriores. paradigma del Derecho Tutelar de la doctrina de
Igualmente debe resaltarse la Opinión la situación irregular7, no pueden ser utilizados
consultiva OC-17/2002, en cuanto hace un para restringir las garantías de Derecho Penal
desarrollo de los derechos del niño, mencionando sustantivo y procesal que se les da a los adultos,
el carácter de sujeto de derechos y se pronuncia sino solamente sirven para establecer garantías
en contra de la doctrina de la situación irregular. adicionales, que se agregarán a las establecidas
Defiende además el sistema de garantías basado en el Derecho de adultos8. En este sentido la
en el debido proceso y desarrolla el principio Corte Interamericana de Derechos Humanos
de especialidad de la justicia penal juvenil, el en la opinión consultiva sobre la Condición
que ha sido retomado en diversas sentencias jurídica y derechos humanos del niño, OC-
posteriores de la Corte Interamericana de 17/2002 de 28 de agosto de 2002, dijo: “100.
Derechos Humanos. Bajo esta misma perspectiva, y específicamente
La sentencia del Caso “Instituto de con respecto a determinados procesos judiciales,
Reeducación del Menor” Vs. Paraguay la Observación General 13 relativa al artículo 14
reviste igualmente mucha relevancia, por la del Pacto de Derechos Civiles y Políticos de las
caracterización que se hace de la justicia penal Naciones Unidas, sobre la igualdad de todas las
juvenil. Señala el carácter excepcional de la personas en el derecho a ser oídas públicamente
prisión preventiva y de la privación de libertad. por un tribunal competente, señaló que dicha
Se refiere a la exigencia del cumplimiento del norma se aplica tanto a tribunales ordinarios
principio educativo en la ejecución de la privación como especiales, y determinó que los “menores
de libertad en materia penal juvenil (Nº. 134.24), deben disfrutar por lo menos de las mismas
lo mismo que la exigencia del cumplimiento de garantías y protección que se conceden a los
los derechos de los privados de libertad. adultos en el artículo 14”.
La sentencia del Caso Mendoza y otros vs. Para el juzgamiento de las personas
Argentina enfatiza la imposibilidad de aplicación menores de edad debe respetarse el debido
de la legislación de adultos al Derecho Penal proceso, resultando que el mismo incluye no
Juvenil, lo mismo que el carácter excepcional solamente los derechos que tradicionalmente se
y de corta duración de la privación de libertad, han considerado como parte del debido proceso
que lleva además a la posibilidad de su revisión en el Derecho Constitucional y el Derecho
periódica. Hace mención a la prohibición de Internacional de los Derechos Humanos con
la pena privativa de libertad perpetua. En este respecto a la justicia penal en general, sino
caso se hace además un desarrollo del derecho también derechos adicionales, consecuencia
a recurrir la sentencia, en la línea trazada de su condición de menores de edad. En este
para el Derecho Penal de adultos por la Corte sentido es importante mencionar que la Corte
Interamericana de Derechos Humanos a partir Interamericana de Derechos Humanos el caso
de la sentencia del Caso Herrera Ulloa en contra Mendoza en contra de Argentina, en sentencia
de Costa Rica, sentencia de 2 de julio de 2004. de 14 de mayo de 2013, indicó: “144. Tratándose
del debido proceso y garantías, esta Corte ha
La sentencia del Caso Pacheco Teruel y señalado que los Estados tienen la obligación de
otros vs. Honduras hace referencia a las maras reconocer y respetar los derechos y libertades de
y pandillas, el hacinamiento carcelario, las la persona humana, así como proteger y asegurar
detenciones indiscriminadas y la vaguedad de la su ejercicio a través de las respectivas garantías
legislación antimaras. Trató también el problema (artículo 1.1), medios idóneos para que aquéllos

185
Javier Llobet Rodríguez

sean efectivos en toda circunstancia, tanto el (Nº. 114-116), b) la sanción debe ser la ultima
corpus iuris de derechos y libertades como las ratio, de modo que la prioridad la debe tener la
garantías de éstos, son conceptos inseparables “desjudicialización”9. Ello fue desarrollado por
del sistema de valores y principios característico la Corte Interamericana de Derechos Humanos
de la sociedad democrática. Entre estos valores en la Opinión consultiva OC-17/2002 y en la
fundamentales figura la salvaguarda de los sentencia del Caso del “Instituto de Reeducación
niños, tanto por su condición de seres humanos del Menor”; c) la sanción privativa de libertad
y la dignidad inherente a éstos, como por la debe ser la ultima ratio y durar el menor tiempo
situación especial en que se encuentran. En posible. Así la prioridad la tienen las sanciones
razón de su nivel de desarrollo y vulnerabilidad, no privativas libertad10. Esto fue mencionado
requieren protección que garantice el ejercicio de por la Corte Interamericana en la sentencia del
sus derechos dentro de la familia, de la sociedad Caso Mendoza, d) la prisión preventiva debe
y con respecto al Estado. Estas consideraciones tener un carácter absolutamente excepcional y
se deben proyectar sobre la regulación de los debe durar el menor tiempo posible. Referencia
procesos, judiciales o administrativos, en los que a ello se encuentra en la sentencia del Caso
se resuelva acerca de derechos de los niños y, “Instituto de Reeducación del Menor; e) debe
en su caso, de las personas bajo cuya potestad o dotarse de un sentido educativo a la ejecución.
tutela se hallan aquellos”. Se hizo mención a esto en la sentencia del Caso
Con respecto a este fallo es importante el del “Instituto de Reeducación del Menor11 y en
énfasis que se hace de la necesidad del respeto la sentencia del Caso Mendoza y otros (134.24).
del debido proceso en la justicia penal juvenil. La Corte Interamericana de Derechos
Sobre ello debe resaltarse en particular la Humanos en la sentencia de 2 de septiembre
Opinión consultiva OC-17/2002 de la Corte de 2004, dictada en el Caso “Instituto de
Interamericana de Derechos Humanos, en Reeducación del Menor” Vs. Paraguay hizo
la que se hace una enumeración de derechos referencia los principios de la justicia penal
derivados del debido proceso, señalando que juvenil. Señaló como tales a) “Posibilidad
son aplicables a la justicia penal juvenil, aunque de adoptar medidas para tratar a esos niños
debe reconocerse que se desarrolla poco las sin recurrir a procedimientos judiciales”, b)
particularidades de dicha justicia. “Asesoramiento psicológico para el niño”,
“control de la manera de tomar la declaración
7. PRINCIPIOS DE LA JUSTICIA PENAL del niño” y “regulación de la publicidad del
JUVENIL proceso”, c) “Margen suficiente para el ejercicio
de las facultades discrecionales” en las diversas
La justicia penal juvenil, como se dice abajo, fases y etapas de la administración de justicia
es una justicia especializada, que se rige por ello juvenil y d) “los que ejerzan dichas facultades
no solamente por la necesaria especialización deberán estar especialmente preparados y
y capacitación de los diversos operadores del capacitados en los derechos humanos del niño y
sistema de justicia penal juvenil, sino también la psicología infantil para evitar cualquier abuso
por una serie de principios particulares que la de la discrecionalidad y para asegurar que las
diferencias de la justicia de adultos. medidas ordenadas en cada caso sean idóneas y
Como principios de la justicia penal proporcionales” (Nº. 211).
juvenil pueden señalarse los siguientes: a) La Uno de los problemas en que se incurrió,
prevención tiene prioridad sobre la sanción. es la forma escueta y vaga en que se definieron
Ello fue desarrollado por las Directrices para la las características de la justicia penal juvenil,
Prevención de la Delincuencia Juvenil (Riad) que lleva a una falta de precisión conceptual,
de 1990. Se ha exigido el desarrollo de políticas lo que se refleja, por ejemplo, en la referencia
públicas por el Estado para la protección de la a la “regulación de la publicidad del proceso”.
niñez y la adolescencia. A esto se hizo mención Lo anterior, a pesar de que una característica de
en la Corte Interamericana de Derechos la justicia penal juvenil es que el juicio oral es
Humanos en la sentencia del Caso de los “Niños privado y que debe tratarse de proteger frente al
de Calle”, en la sentencia del Caso “Instituto público y los medios de comunicación durante el
de Reeducación del Menor” (Nº. 149), en la proceso la identidad del joven.
sentencia del Caso Mendoza y otros (Nº. 150) y
en la sentencia del Caso Servellón García y otros

186
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
Por su parte en la sentencia del Caso respecto que “estas medidas sustitutorias tienen
Hermanos Landaeta Mejías y otros Vs. la finalidad de asegurar que los niños sean
Venezuela, refiriéndose a las garantías que tratados de manera adecuada y proporcional a
debía otorgarse a las personas menores de sus circunstancias y a la infracción” (Nº. 230),
edad en la justicia penal juvenil se dijo por la c) debe aplicarse el plazo más breve posible (Nº.
Corte Interamericana: “170. Esta Corte estima 231) y d) debe garantizarse la salud y educación
que como condiciones mínimas el Estado debe de los privados de libertad (Nº. 172). No se hizo
garantizar que los niños, niñas y adolescentes mención allí a que las únicas causales de prisión
que sean detenidos, como medida de último preventiva admisibles son el peligro concreto de
recurso: 1) sean debidamente identificados, se fuga y el peligro concreto de obstaculización, a lo
determine su condición de menor de edad y que ha hecho mención la Corte Interamericana
las medidas de protección especial aplicables; de Derechos Humanos en diversas resoluciones
2) sean presentados inmediatamente ante referidas a la justicia de adultos13, pero que deben
juez o autoridad competente de menores; 3) estimarse aplicables también a la justicia penal
se notifique lo antes posible a sus padres o juvenil.
tutores y tomen contacto con sus familiares, En cuanto a las alternativas a la prisión
y 4) tengan acceso inmediato a asistencia preventiva, de gran importancia para que la
letrada o abogado”. Se mencionó en este caso prisión preventiva funcione como la ultima ratio,
la necesidad de determinar la edad del joven, se indicó en la sentencia del Caso “Instituto de
para establecer si es aplicable la legislación Reeducación del Menor” Vs. Paraguay: “230.
penal juvenil, regulándose un in dubio a favor En el caso de privación de libertad de niños,
de la minoridad, en el caso de que existiera la regla de la prisión preventiva se debe aplicar
duda. Se dijo: “173. En este sentido, la Corte con mayor rigurosidad, ya que la norma debe
considera que en caso de ser necesario requerir ser la aplicación de medidas sustitutorias de la
identificar y determinar la edad de una persona, prisión preventiva. Dichas medidas pueden ser,
especialmente un posible menor de edad, el inter alia, la supervisión estricta, la custodia
Estado, a través de sus autoridades competentes permanente, la asignación a una familia,
en la materia, debe realizar de oficio las acciones el traslado a un hogar o a una institución
pertinentes para acreditar fehaciente la minoría educativa, así como el cuidado, las órdenes de
de edad, a través de una evaluación con criterios orientación y supervisión, el asesoramiento, la
científicos, teniendo en cuenta la apariencia libertad vigilada, los programas de enseñanza
física (características somáticas y morfológicas) y formación profesional, y otras posibilidades
y la madurez psicológica, realizada de forma alternativas a la internación en instituciones.
segura, respetuosa y con consideraciones de La aplicación de estas medidas sustitutorias
género e impactos diferenciados]. En caso que no tiene la finalidad de asegurar que los niños sean
sea posible llegar a una determinación certera de tratados de manera adecuada y proporcional a
la edad, se debe otorgar “al individuo el beneficio sus circunstancias y a la infracción (…)”.
de la duda, de manera que, en la hipótesis de que
En la sentencia del Caso Mendoza se hizo
se trate de un menor, se le trate como tal”.
énfasis en el carácter excepcional de la privación
Debe resaltarse que uno de los grandes de libertad, que es uno de los principios
problemas existentes en la justicia penal juvenil fundamentales de la justicia penal juvenil. Se
en Latinoamérica es la gran extensión de la dijo: “162. Por lo que respecta particularmente
prisión preventiva12. En cuanto a la prisión a medidas o penas privativas de la libertad de
preventiva debe destacarse la sentencia dictada los niños, aplican especialmente los siguientes
por la Corte Interamericana de Derechos principios: 1) de ultima ratio y de máxima
Humanos en el Caso “Instituto de Reeducación brevedad, que en los términos del artículo 37.b)
del Menor” Vs. Paraguay. En la misma se de la Convención sobre los Derechos del Niño,
establecieron los siguientes principios en significa que “[l]a detención, el encarcelamiento
relación con la prisión preventiva: a) separación o la prisión de un niño […] se utilizará tan
entre los procesados y los condenados (Nº. sólo como medida de último recurso y durante
169), b) separación de los adultos (Nº. 172), el período más breve que proceda”. 2) de
debe haber mayor rigurosidad para el dictado delimitación temporal desde el momento de su
de la prisión preventiva, la norma debe ser las imposición, particularmente relacionado con
medidas substitutorias (Nº. 230). Se señaló al

187
Javier Llobet Rodríguez

los primeros, pues si la privación de la libertad de manera satisfactoria a situaciones de


debe ser excepcional y lo más breve posible, ello emergencia”. “134.19. La gran mayoría de los
implica que las penas privativas de libertad cuya internos se encontraba procesada sin sentencia”.
duración sea indeterminada o que impliquen la 134.20. Los internos procesados sin sentencia
privación de dicho derecho de forma absoluta no no estaban separados de los condenados en el
deben ser aplicadas a los niños, y 3) la revisión Instituto”. 134.24. (…) en vez de ser rehabilitados
periódica de las medidas de privación de libertad en el Instituto para una reinserción satisfactoria
de los niños. Al respecto, si las circunstancias en la sociedad, los internos fueron sometidos a
han cambiado y ya no es necesaria su reclusión, sufrimiento diario y, por tanto, a un proceso de
es deber de los Estados poner a los niños en aprendizaje negativo y vicioso, el cual, en parte,
libertad, aun cuando no hayan cumplido la explicaba el alto índice de reincidencia de los
pena establecida en cada caso concreto. A mismos (…).
estos efectos, los Estados deben establecer en Con respecto a esa sentencia es importante
su legislación programas de libertad anticipada señalar que uno de los mayores problemas que
(…)”.La Corte Interamericana de Derechos existen en Latinoamérica es que el carácter
Humanos al resolver dicho caso declaró que la excepcional de la prisión preventiva y la sanción
prisión perpetua contemplada en Argentina, es privativa de libertad, no se cumple, dando lugar
incompatible con la Convención Americana de a una gran cantidad de privados de libertad en
Derechos Humanos (Nº. 163)14. Debe resaltarse materia penal juvenil, incluyendo una gran
en relación con ello que la larga duración de extensión de la prisión preventiva. Todo ello
la sanción privativa de libertad es uno de los ha llevado a un gran hacinamiento carcelario, a
problemas que se presentan en diversos países, la falta de separación entre presos preventivos
por ejemplo en Costa Rica, El Salvador y Panamá. y condenados. Igualmente ha conducido a
Entre los aspectos importantes condiciones insalubres en el cumplimiento de la
desarrollados por la sentencia del Caso “Instituto privación de libertad y a dificultades para dotar de
de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay, se espacios de esparcimiento a los jóvenes, lo mismo
encuentra el grado de hacinamiento carcelario en que para el cumplimiento del deber de dar una
que se encontraban los jóvenes y las condiciones educación adecuada a los privados de libertad,
insalubres en que se desarrollaba la privación de que forma parte del derecho a la educación de
libertad. Así se indicó que “134.4. El Instituto todas las personas menores de edad. Además
era un establecimiento para internar a niños el hacinamiento carcelario ha conducido a una
en conflicto con la ley, el cual estaba integrado pérdida del control de los centros de privación de
mayormente por niños que provenían de sectores libertad por las autoridades penitenciarias, con
marginados. Esta población fue creciendo, de el fomento de la violencia carcelaria, lo mismo
manera que se originaron serios problemas de que llevado a graves incendios en diversos países
hacinamiento e inseguridad entre los internos. latinoamericanos, por ejemplo en Honduras, en
Entre agosto de 1996 y julio de 2001, la población donde han perecido muchos jóvenes.
en el Instituto superó la capacidad máxima de Uno de los principios de la justicia penal
éste, alcanzando así un nivel de sobrepoblación juvenil es la búsqueda de la desjudicialización, a
de alrededor de 50% (…). “134.5. Los internos en través de la aplicación de criterios de oportunidad
el Instituto estaban recluidos en celdas insalubres reglada y de soluciones alternativas a la
con escasas instalaciones higiénicas”. “134.6. sanción. El artículo 40 3) de la Convención de
Los internos estaban mal alimentados y carecían Derechos del Niño al respecto indica: “Siempre
de asistencia médica, psicológica y dental que sea apropiado y deseable, la adopción de
adecuada”. “134.7. Los internos que sufrían medidas para tratar a esos niños sin recurrir a
discapacidades físicas, enfermedades mentales procedimientos judiciales, en el entendimiento
y/o problemas de adicciones, no contaban con de que se respetarán plenamente los derechos
una atención médica acorde con sus necesidades humanos y las garantías legales”. Sobre ello las
especiales”. “134.8. Los internos contaban con Reglas Mínimas de la ONU de la Administración
pocas oportunidades de hacer ejercicio o de de Justicia de Menores señalan; “Remisión
participar en actividades recreativas”. 134.14. de casos; “11.1. Se examinará la posibilidad,
Los guardias no contaban con una preparación cuando proceda, de ocuparse de los menores
idónea para la protección de niños privados de delincuentes sin recurrir a las autoridades
libertad, ni estaban capacitados para responder

188
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
competentes, mencionadas en la regla 14.1 lo que estaba ya establecido en el Art. 5.5 de la
infra (o sea corte tribunal, Junta, Consejo, convención americana sobre derechos humanos.
etc.), para que los juzguen oficialmente (…)”. Ello también se deduce del Art. 40.3 de la
“11.4. Para facilitar la tramitación discrecional convención de derechos del niño y del Nº. 22
de los casos de menores, se procurará facilitar de las reglas mínimas de las Naciones Unidas
a la comunidad programas de supervisión para la administración de la justicia de menores.
y orientación temporales, restitución y Se hace mención que para esto es “indispensable
compensación de víctimas”. A lo anterior hacen que todas estas personas (las personas encargadas
mención los numerales 24-27 de la Observación de administrar la justicia de menores) tengan
10 del Comité Derechos Niño. En lo últimos siquiera una formación mínima en materia de
tiempos han tenido un gran desarrollo las Derecho, Sociología, Psicología, Criminología
ideas de justicia restaurativa, desarrolladas por y Ciencias del Comportamiento” (lo entre
la declaración para la utilización de la justicia paréntesis no es del original)16. Importante es que
restaurativa, presentada en 2002 al Consejo la exigencia de especialización no es solamente
Económico y Social. En los numerales 3, 10 y 27 con respecto a los jueces, sino también a los
de la Observación 10 del Comité de Derechos del abogados, fiscales, policías, personal auxiliar,
Niño se menciona expresamente la necesidad personal penitenciario y peritos. Igualmente el
del fomento de las ideas de justicia restaurativa. principio de especialización debe regir en las
Con respecto a ello, la Corte Interamericana diversas etapas del proceso.
de Derechos Humanos ha tenido un escaso La Corte Interamericana de Derechos
desarrollo con respecto a las llamadas soluciones Humanos se ha referido a la necesidad de
alternativas. En la Opinión Consultiva OC-17- una justicia especializada en materia penal
2002, en forma escueta se indicó: “135. Las juvenil en diversas sentencias, por ejemplo
normas internacionales procuran excluir o reducir en la Opinión consultiva OC-17/2002: (Nº.
la “judicialización” de los problemas sociales 109)17, en el Caso Bulacio contra Argentina
que afectan a los niños, que pueden y deben (Nº. 136), en el Caso “Instituto de Reeducación
ser resueltos, en muchos casos, con medidas del Menor” Vs. Paraguay (Nº. 210 y 213), en el
de diverso carácter, al amparo del artículo 19 Caso Mendoza y otros vs. Argentina (Nº. 146-
de la Convención Americana, pero sin alterar o 147) y en el caso Hermanos Landaeta Mejías y
disminuir los derechos de las personas. (…) Son otros Vs. Venezuela (Nº. 163). Se ha reconocido,
plenamente admisibles los medios alternativos por ejemplo por la Comisión Interamericana
de solución de las controversias, que permitan la de Derechos Humanos, UNICEF y el Comité
adopción de decisiones equitativas, siempre sin de Derechos del Niño que se requiere dedicar
menoscabo de los derechos de las personas (…)”. muchos más esfuerzos por parte del Estado hacia
Debe anotarse que la redacción es, sin embargo, la capacitación de los diversos operadores de la
confusa, al hacerse mención a las normas que justicia penal juvenil. En este sentido UNICEF
pretender excluir o reducir la “judicialización ha señalado la ausencia de órganos especializados
de los problemas sociales”, afirmación que se en todo el territorio en Costa Rica y El Salvador18.
acerca a concepción de la doctrina de la situación Ha señalado igualmente el déficit en la garantía
irregular15, en la que precisamente se trataba de del principio de especialización jurisdiccional
judicializar los problemas de riesgo social en en Honduras19 y Guatemala20. El Comité de
que estaban los menores de edad. La búsqueda Derechos del Niño ha criticado con respecto
de que no se judicialicen los problemas sociales a El Salvador la inadecuada preparación en el
corresponde a la nueva concepción del Derecho conocimiento de la Convención de Derechos del
de la Niñez y la Adolescencia, no siendo una Niño y las particularidades de la justicia penal
temática que en particular corresponda a las juvenil, por parte de policías, fiscales y jueces21.
soluciones alternativas. Es importante que la Corte Interamericana
de Derechos Humanos, desde la sentencia
8. LA JUSTICIA PENAL JUVENIL COMO del Caso de los Niños de la Calle, con base
JUSTICIA ESPECIALIZADA en la Convención de Derechos del Niño, ha
considerado como niño a la persona menor de 18
La necesidad de una justicia penal
años. En la sentencia del caso Mendoza contra
especializada, que esté capacitada para
Argentina, la Corte Interamericana enfatizó la
responder a las características de los jóvenes,

189
Javier Llobet Rodríguez

necesidad de un tratamiento diferenciado entre por la población es que el sistema penal juvenil
los niños y los adultos en materia penal (Nº. es demasiado blando. Ello ha llevado por ejemplo
145), lo que lleva a tribunales especializados y en El Salvador y en Panamá a un aumento de la
a una legislación especializada (Nº. 146). Esto duración de la sanción privativa de libertad. En
tiene una gran importancia, ya que en diversos El Salvador se posibilitó la sanción privativa de
países latinoamericanos, por ejemplo en libertad en determinados casos hasta por 10 años.
Panamá, Honduras y Costa Rica22, no han faltado Se ha criticado por el Comité de Derechos del Niño
proyectos de ley tendientes a rebajar la edad de la extensión del uso de la privación de libertad en
responsabilidad penal como adulto por debajo El Salvador, lo mismo que el déficit en cuanto a
de los 18 años. Se ha señalado por la Comisión medidas alternativas a la misma26. En Panamá
Interamericana de Derechos Humanos en su se amplió el listado de delitos que permiten la
informe temático Justicia Juvenil y Derechos sanción privativa de libertad y se aumentó a través
Humanos en las Américas, que algunos países de reformas sucesivas la duración de la misma,
siguen manteniendo la edad de responsabilidad llegándose a prever en 12 años en el homicidio
penal como adulto por debajo de los 18 años, calificado27. Además en Panamá se extendió la
mencionando que ello ocurre en diversos países posibilidad del dictado de la prisión preventiva a
del Caribe, lo mismo que en Bolivia y los Estados más delitos y la posibilidad de una mayor duración
Unidos de América (Nº. 39-43). de la misma, eliminándose la improrrogabilidad
Los países centroamericanos se encontraron que se establecía28 y autorizándose que el plazo de
entre los primeros que ratificaron la Convención la prisión preventiva en los delitos de homicidio
de Derechos del Niño: Guatemala el 6 de junio calificado se pueda extender hasta la finalización
de 1990, El Salvador el 21 de julio de 1990, del proceso29. Por otro lado, en El Salvador se
Honduras el 10 de agosto de 1990, Costa Rica el establecieron limitaciones a la desjudicialización.
21 de agosto de 1990, Nicaragua el 5 de octubre Además se ha tendido a establecer en dichos
de 1990 y Panamá el 12 de diciembre de 1990. Se países penas privativas de libertad mínimas. Se
llegaron a aprobar en Centroamérica leyes sobre ha extendido también la posibilidad de duración
la justicia penal para adaptar la legislación a las de la prisión preventiva. En Costa Rica se han
nuevas exigencias establecidas por la Convención ampliado los plazos de duración de la prisión
de Derechos del Niño. El Salvador aprobó la Ley preventiva30, lo mismo que los plazos de duración
del Menor infractor en 1995, Costa Rica la Ley de las sanciones socio-educativas, lo que da
de Justicia Penal Juvenil en 1996, Honduras el la posibilidad de que se extiendan hasta por 5
Código de la Niñez y la Adolescencia en 1996, años. Esto último aumenta la posibilidad de
Nicaragua el Código de la Niñez y la Adolescencia que las sanciones socio-educativas se lleguen a
en 1998, Panamá el Régimen Especial de convertir en una sanción privativa de libertad, por
responsabilidad penal para la adolescencia en incumplimiento. En el Salvador el tratamiento
1999 y Guatemala la Ley de protección integral especial que le da la legislación penal juvenil a las
de la niñez y la adolescencia en 200323. maras y pandillas y la extensión que se ha dado a
la privación de libertad, ha llevado al Comité de
Con posterioridad a ello han existido una serie
Derechos del Niño y a la Comisión Interamericana
de regresiones, en la normativa, produciéndose
de Derechos Humanos, a indicar que la legislación
un endurecimiento, especialmente en Panamá24,
debe ser ajustada a los parámetros que debe tener
El Salvador y Honduras, pero también, aunque
la justicia penal juvenil31. En sentido similar se
en menor medida, en Costa Rica. Todo ello se
pronunció el Comité de Derechos del Niño con
da dentro de un contexto de auge del llamado
relación a Honduras32.
populismo punitivo y del amarillismo de la prensa,
ligado al mismo, que magnifica la problemática En cuanto a la necesidad de que en el
de la delincuencia juvenil en relación con la juzgamiento de las personas menores de edad
delincuencia en general. Sobre esta magnificación se respete el principio de especialidad, debe
se dice que, por ejemplo en Honduras, en contra citarse lo resuelto por la Corte Interamericana
de la percepción de que los jóvenes y adolescentes de Derechos Humanos en la sentencia del Caso
son los causantes de la inseguridad y la violencia, Mendoza contra Argentina. Se dijo: “145. Si
se ha determinado que solamente un 5% de los bien los niños cuentan con los mismos derechos
homicidios son cometidos por personas menores humanos que los adultos durante los procesos,
de edad25. En general la percepción que se tiene la forma en que ejercen tales derechos varía en
función de su nivel de desarrollo. Por lo tanto, es

190
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
indispensable reconocer y respetar las diferencias 9. VIOLACIONES A LOS DERECHOS
de trato que corresponden a diferencias de
situación, entre quienes participan en un
HUMANOS DE LOS NIÑOS Y
proceso. Lo anterior corresponde al principio ADOLESCENTES
de trato diferenciado que, aplicado en el ámbito Latinoamérica se ha caracterizado por las
penal, implica que las diferencias de los niños graves violaciones de los derechos humanos, en
y los adultos, tanto por lo que respecta a “su particular detenciones arbitrarias, práctica de la
desarrollo físico y psicológico, como por sus tortura, desapariciones forzadas y ejecuciones
necesidades emocionales y educativas”, sean extrajudiciales. Gran parte de la jurisprudencia
tomadas en cuenta para la existencia de un de la Corte Interamericana de Derechos
sistema separado de justicia penal juvenil. 146. Humanos se refiere a esos quebrantos. Se trata de
En definitiva, si bien los derechos procesales quebrantos a derechos humanos fundamentales
y sus correlativas garantías son aplicables a que afectan no solamente a personas mayores
todas las personas, en el caso de los niños el de edad, sino también a menores de edad. Por
ejercicio de aquéllos supone, por las condiciones ello, parte de la jurisprudencia de la Corte
especiales en las que se encuentran los niños, la Interamericana de Derechos Humanos ha hecho
adopción de ciertas medidas específicas con el mención a dichos quebrantos, otorgándoles
propósito de que gocen efectivamente de dichos especial relevancia cuando afectan a personas
derechos y garantías. En tal sentido, el artículo menores de edad, de modo que ha indicado que
5.5 de la Convención Americana señala que, reúnen mayor gravedad, por cuanto implican
“[c]uando los menores puedan ser procesados, un quebranto al deber de protección del Estado
deben ser separados de los adultos y llevados con las personas menores de edad. Lo anterior
ante tribunales especializados, con la mayor se aprecia, por ejemplo en la sentencia del Caso
celeridad posible, para su tratamiento”. Por lo de los Niños de la Calle, en la sentencia dictada
tanto, conforme al principio de especialización, en el caso Bulacio (Nº. 133), en el sentencia del
se requiere el establecimiento de un sistema Caso Familia Barrios Vs. Venezuela (Nº. 55,
de justicia especializado en todas las fases del 77 y 82), en la sentencia del Caso Masacres de
proceso y durante la ejecución de las medidas El Mozote y lugares aleñados Vs. El Salvador
o sanciones que, eventualmente, se apliquen a (Nº. 150, 155, 156, 162, 194-195, 203) y en la
los menores de edad que hayan cometido delitos sentencia ordenada en el Caso de los Hermanos
y que, conforme a la legislación interna, sean Gómez Paquiyauri (Nº. 162, 170-171).
imputables. Ello involucra tanto a la legislación o
En la sentencia del caso de los Niños
marco jurídico como a las instituciones y actores
de Calle se hizo mención a la política estatal
estatales especializados en justicia penal juvenil.
en Guatemala al momento de los hechos
Sin embargo, también implica la aplicación de
de quebranto de los derechos humanos
los derechos y principios jurídicos especiales que
fundamentales. Así se indicó “79. En la época en
protegen los derechos de los niños imputados de
que sucedieron los hechos, existía en Guatemala
un delito o ya condenados por el mismo”.
un patrón común de acciones al margen de la ley,
En el fallo se resalta que la vigencia del perpetradas por agentes de seguridad estatales,
principio de especialización es en todas las etapas en contra de los “niños de la calle”; esta práctica
del proceso. Por otro lado, se hace mención a que incluía amenazas, detenciones, tratos crueles,
el principio involucra a las instituciones y actores inhumanos y degradantes y homicidios como
involucrados en la justicia penal juvenil, lo que medio para contrarrestar la delincuencia y
implica, aunque no se dice expresamente en la vagancia juvenil (…)”33. Importante es que
resolución, que la especialización rige también en esa sentencia, lo que fue reiterado en otras
con respecto a fiscales, defensores, personal sentencias, se señaló la necesidad de realización
que trabaja en los tribunales, fiscalía y defensa, de una política estatal, que garantice los derechos
policías, personal penitenciario y peritos. A ello económicos, sociales y culturales de los niños.
se refiere el numeral 22 de las reglas mínimas de
Debe resaltarse que en diversos países
las Naciones Unidas para la administración de
latinoamericanos, por ejemplo en Brasil34 y
la justicia de menores.
Honduras35, ha existido una serie de ejecuciones
extrajudiciales en contra de los niños de la
calle, los que se asocian con la delincuencia y

191
Javier Llobet Rodríguez

con las pandillas juveniles36. En efecto, grupos externado en la sentencia del Caso de los Niños
paramilitares han actuado en impunidad, con de la Calle contra Guatemala, en cuanto a la
la tolerancia en definitiva de las autoridades existencia de un deber estatal de desarrollar una
estatales. Se trata de un tema que fue desarrollado política social que garantice los derechos de los
en la sentencia de la Corte Interamericana del niños y adolescentes, de modo que se permita el
Caso de los Niños de la Calle contra Guatemala, desarrollo de sus potencialidades, lo que se asocia
pero que fue retomado de nuevo en la sentencia además con una política criminal de prevención
del Caso Servellón García y otros vs. Honduras. de la delincuencia juvenil. Se trata de un aspecto
En esta se tuvo por probado: “79.1. A principios en el que hay un gran déficit en Centroamérica, en
de los años 90, y en el marco de la respuesta donde hay una gran divergencia entre la garantía
estatal de represión preventiva y armada a las formal de los derechos económicos, sociales
pandillas juveniles, pasa a existir un contexto y culturales establecidos en la Convención de
de violencia ahora marcado por la victimización Derechos del Niño y la realidad, que presenta
de niños y jóvenes en situación de riesgo social, niveles elevados de pobreza y desigualdad, lo
identificados como delincuentes juveniles mismo que elevados índices de deserción escolar.
causantes del aumento de la inseguridad Precisamente uno de los factores problemáticos
pública. Las muertes de jóvenes sindicados en Centroamérica es el nivel bajo de inversión
como involucrados con “maras” o pandillas social por parte del Estado37.
juveniles se tornaron cada vez más frecuentes El tema de la delincuencia juvenil y de las
entre 1995 y 1997. Así, por ejemplo, entre los maras y pandillas ha sido de gran preocupación,
años 1995 a 2002, murieron violentamente por ejemplo en Centroamérica, especialmente
al menos 904 menores”. 79.2. Ese contexto por su gran extensión en Guatemala, Honduras
de violencia se materializa en las ejecuciones y El Salvador38. Dichas maras y pandillas han
extrajudiciales de niños y jóvenes en situación actuado con una gran violencia, provocando
de riesgo, por parte tanto de agentes estatales gran cantidad de muertes, por ejemplo como
como de terceros particulares. En ese último consecuencia del enfrentamiento entre las
caso, la violencia se da, entre otros, al interior de mismas. Se recurre en general a la extorsión y a la
las pandillas juveniles o entre pandillas rivales o venta de drogas por parte de las mismas. Se ejerce
como consecuencia de la actuación de supuestos una gran presión sobre los niños y adolescentes
grupos clandestinos de limpieza social”. Se que habitan en los territorios controlados por
señaló además: “110. El referido contexto las maras, para que ingresen a las mismas. La
estuvo marcado por la estigmatización de los cantidad de miembros de las maras y pandillas
jóvenes como supuestos causantes del aumento es de muy difícil precisión y varía de acuerdo
de la inseguridad pública en Honduras y por la con las fuentes, se estima que la cantidad de
identificación, como delincuentes juveniles, de pandilleros de México y Centroamérica asciende
los niños y jóvenes en situación de riesgo social, a una cifra entre 50,000 y 350,00039.
es decir, pobres, en estado de vagancia, sin
Debe tenerse en cuenta que Centroamérica
empleos fijos o que padecen de otros problemas
es una de las regiones más violentas del Mundo y
sociales (…)”. Se dijo más adelante: “112. La
con ello con mayor cantidad de homicidios por cien
Corte advierte que, en atención al principio
mil habitantes. De acuerdo con el Banco Mundial
de igualdad ante la ley y no discriminación,
Honduras en 2013 tenía una tasa de homicidios
el Estado no puede permitir por parte de sus
de 84 por 100,000 habitantes, El Salvador en
agentes, ni fomentar en la sociedad prácticas que
2013 de 40, Guatemala en 2012 de 35, Panamá
reproduzcan el estigma de que niños y jóvenes
en 2013 de 17, Nicaragua en 2012 de 11 y Costa
pobres están condicionados a la delincuencia,
Rica en 2013 de 840. La violencia, sin embargo, en
o necesariamente vinculados al aumento de la
El Salvador, luego de superada la llamada tregua
inseguridad ciudadana. Esa estigmatización crea
con las maras o pandillas a mediados de 2014, ha
un clima propicio para que aquellos menores
recrudecido. Se señala que la tasa de homicidios
en situación de riesgo se encuentren ante una
en El Salvador ascendió en 2015 a 103 por cada
amenaza latente a que su vida y libertad sean
100,000 habitantes, mientras que Honduras, que
ilegalmente restringidas”.
ha sido en diversas ocasiones catalogado como el
En la sentencia del Caso Servellón García país más violento del mundo, tuvo un descenso
y otros vs. Honduras (Nº. 114-116) se reiteró a 56.7 por cada 100,000 habitantes, cifra que
por la Corte Interamericana el criterio que había

192
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
lo que sigue ubicando dentro de los países del desproporcionada. En El Salvador se aprobó
mundo más violentos. Guatemala en 2015 tuvo legislativamente en forma inicial el Plan de
una tasa de 29.5, Costa Rica aumentó a una tasa Mano Dura, que posibilitaba la detención de los
de 11.4, Panamá disminuyó a 11.1 y Nicaragua niños y adolescentes, a partir de tipos penales, a
disminuyó a 841. La tasa global en Centroamérica los que presentaran tatuajes o se comunicaran
en 2015 fue de 40.2 por cada 100,000 habitantes, con señas, produciendo una detención masiva
ubicando a esta región como una de las más y arbitraria de una cantidad enorme de jóvenes.
violentas del mundo42. Debe tenerse en cuenta Inmediatamente después de que esta legislación
que en diversos países latinoamericanos el fue declarada inconstitucional, se aprobó una
homicidio se ha convertido en la mayor causa de nueva ley que desarrollaba un Plan de Súper
muerte entre los 15 y 29 años. Precisamente en la Mano Dura, en un sentido similar. Luego en
mayor parte de los homicidios las víctimas tienen 2010 se aprobó la Ley de Proscripción de las
entre esas edades. Se estima que una de cada siete Maras, Pandillas, Asociaciones de Naturaleza
víctimas de homicidio entre 15 y 29 años vivió en Criminal. Recientemente la Corte Suprema
el Continente Americano y que en 2012 25,000 de Justicia avaló la calificación de las maras y
víctimas de homicidio en América eran menores pandillas como organizaciones terroristas49.
de 20 años43. Todo ello ha llevado a un endurecimiento de la
Debe indicarse que aunque las maras y legislación penal juvenil.
pandillas son identificadas con frecuencia con la La Comisión Interamericana de Derechos
delincuencia juvenil, solamente una parte de sus Humanos en su informe temático sobre Justicia
miembros son menores de edad. Sin embargo, Juvenil y Derechos Humanos en las Américas,
usualmente el joven se integra a las maras presentado en 201150, criticó que no se destinaran
antes de su mayoría de edad. Según un estudio mayores esfuerzos a desarrollar una política de
realizado en Honduras el 80% de los ingresos se prevención de las mismas (Nº. 136), criticando el
dio entre los 11 y los 20 años, de los que un 36% enfoque represivo que se ha seguido en Guatemala,
lo habría hecho entre los 11 y 15 años y el 44% El Salvador y Honduras (Nº. 123-134). Criticó la
entre 16 y 20 años44. A pesar de la identificación estigmatización y discriminación a la que se ven
que se da entre las maras y la delincuencia sometidos los jóvenes que son etiquetados como
juvenil se reconoce que hoy día las maras están miembros de las maras o pandillas (Nº. 123-124).
dominadas por adultos45. Criticó además las condiciones de privación de
Guatemala, Honduras y El Salvador libertad en que se encuentran los miembros de
han desarrollado una política dura en contra las maras y pandillas (Nº. 126, 434-436). Hizo
de las maras y pandillas, lo que ha llevado referencia a la violencia existente en los centros
a un endurecimiento de la legislación y a la en que se ubican a los miembros de las pandillas
aprobación de leyes antimaras, por ejemplo (Nº. 434). Este es uno de los aspectos más
en Honduras y El Salvador, que amplían las problemáticos relacionados con la justicia penal
posibilidades del dictado de la prisión preventiva, juvenil, ya que se ha llegado a grandes niveles
aumenta las penas privativas de libertad y de hacinamiento, a condiciones contrarias a la
crean figuras delictivas de gran vaguedad46, dignidad humana y a la desatención del principio
que otorgan una gran discrecionalidad a la educativo en la ejecución de la sanción penal
policía al momento de aprehender a un joven47. juvenil. Igualmente el Comité de Derechos del
Todo ello llevó a detenciones arbitrarias, lo Niño en sus observaciones finales de 17 de febrero
mismo que a un aumento del hacinamiento de 2010 sobre El Salvador señaló que “le preocupa
carcelario. Una de las características de esta que no se preste suficiente atención a las causas
política ha sido además la utilización del ejército fundamentales de este fenómeno, que hasta
para desarrollarla, tomando funciones que ahora se ha abordado exclusivamente como un
corresponden a la policía48. En 2002 se aprobó problema de justicia penal mediante políticas y
en Honduras la Ley de Policía y Convivencia medidas represivas”51. Recomendó el Comité que
Social que hizo posible la detención masiva de El Salvador: “Realice un estudio a fin de elaborar
niños, jóvenes y adolescentes, sospechosos a una política pública holística y amplia para hacer
partir de su apariencia, por ejemplo tatuajes, frente a la violencia y la delincuencia juvenil,
de pertenecer a las maras, todo a partir de tipos abordando los factores sociales y las causas que
abiertos y con penalidades elevadas de manera originan el problema de las “maras”, como, por
ejemplo, la exclusión política y social, la falta de

193
Javier Llobet Rodríguez

políticas preventivas y de servicios sociales, la observaciones sobre Panamá del 21 de diciembre


cultura de la violencia, las corrientes de migración, de 2011 (Nº. 75).
la falta de oportunidades y la desestructuración La Corte Interamericana en la sentencia
de las familias”. En un sentido similar se había del Caso Pacheco Teruel y otros vs. Honduras
pronunciado el Comité de Derechos del Niño con mencionó los problemas estructurales de los
respecto a Honduras en sus observaciones finales centros penales en Honduras, el hacinamiento
de 2 de mayo de 200752. carcelario y las condiciones de insalubridad
Con respecto a las maras o pandillas es existentes. Dijo que dichos problemas se han
importante citar la sentencia del Caso Pacheco agravado con la legislación antimaras que se
Teruel y otros vs. Honduras, sentencia de 27 de aprobó con el Decreto Nº. 117-2003, adoptado
abril de 2012. La misma no se trata propiamente en agosto de 2003, que calificó la pertenencia a
de un caso relacionado con niños y adolescentes, las maras como una asociación ilícita y aumentó
pero sí con la detención masiva de jóvenes a los las penas (No 26). Señaló “27. A partir de esa
que se les atribuía ser integrantes de las maras reforma, la policía inició una práctica común de
o pandillas con base en su apariencia, con las detenciones por sospecha y arrestos masivos con
condiciones de privación de libertad a las que base en la apariencia de las personas y sin orden
fueron sometidos, lo mismo que con relación a previa de autoridad competente”. La Corte criticó
la legislación antimaras, aprobada en Honduras. el tipo penal creado como contrario al principio
Como la legislación antimaras era aplicada de legalidad, por su imprecisión, lo que otorgó
también a las personas menores de edad, se un gran ámbito de discrecionalidad que condujo
citan en la resolución las críticas del Comité de a la detención arbitraria de personas sobre la
Derechos del Niño a dicha normativa (Nº. 98 base a percepciones sobre la pertenencia a una
a), 101). mara (Nº. 61 y 102). Se indicó que ello llevó a
En el asunto resuelto en la sentencia del un aumento de los niveles de sobrepoblación
Caso Pacheco Teruel y otros vs. Honduras, en carcelaria (Nº. 28). La Corte Interamericana
el contexto de las malas condiciones del centro, hizo referencia además a la prohibición de las
se produjo un incendio como consecuencia de la detenciones masivas de personas sin causa legal,
sobrecarga de aparatos eléctricos, que dio como conocidas como “razzias” (108). A ello había
resultado la muerte de 107 internos, miembros hecho mención la Corte con anterioridad con
de las maras. Este tema de los incendios en respecto a la justicia penal juvenil en la sentencia
centros de privación de libertad en Latinoamérica del Caso Bulacio contra Argentina (Nº. 137)54 y
en pésimas condiciones de infraestructura y con en la sentencia del Caso Servellón García y otros
gran hacinamiento carcelario, no es infrecuente, vs. Honduras (Nº. 93).
a lo que hizo mención la Corte Interamericana Importante en relación con lo tratado en el
al mencionar otros casos anteriores y posteriores caso Pacheco Teruel y otros vs. Honduras, son
que habían ocurrido en el mismo Honduras las pésimas condiciones en que se cumplen las
(Nº. 24). En particular en la sentencia del Caso sanciones privativas de libertad en Latinoamérica,
del Centro de Reeducación contra Paraguay, la no sólo con respecto a las personas mayores de
Corte Interamericana de Derechos Humanos edad, sino también en lo atinente a las personas
hizo referencia al quebranto a la dignidad menores de edad. Debe recordarse que la Corte
humana, la integridad personal y la vida por Interamericana de Derechos Humanos en la
el hacinamiento carcelario y los incendios, sentencia del Caso del Centro de Reeducación
que llevaron a la muerte de 9 personas y a que contra Paraguay había mencionado el quebranto
resultaran heridas 42 (Nº. 134.25-134.38, 301). producido por las condiciones inhumanas de
Puede mencionarse además el incendio en el detención y el hacinamiento carcelario. Dijo:
Centro de Menores en el Centro de Custodia “301 (…). Los internos en el Instituto sufrían
de Menores Arco Iris en Tocumen, Panamá, condiciones inhumanas de detención, las cuales
ocurrido en 2011, que provocó heridas a unos incluían, inter alia, sobrepoblación, violencia,
15 adolescentes. La Comisión Interamericana hacinamiento, mala alimentación, falta de
de Derechos Humanos expresó en su momento atención médica adecuada y tortura. Asimismo,
preocupación por dicho incidente53, lo mismo se encontraban recluidos en celdas insalubres
que el Comité de Derechos del Niño en sus con escasas instalaciones higiénicas y tenían

194
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
muy pocas oportunidades de realizar actividades de privación de libertad por las autoridades
recreativas”. penitenciarias, con el fomento de la violencia
En Centroamérica es presentan las muy carcelaria, lo mismo que ha conducido a graves
malas condiciones de privación de libertad incendios en diversos países centroamericanos,
en la justicia penal juvenil, dándose un a lo que se hizo mención antes.
elevado hacinamiento carcelario, todo lejano
del contenido educativo que debería tener la 10. RESABIOS DE LA DOCTRINA DE
ejecución de la sanción penal juvenil, que es LA SITUACIÓN IRREGULAR EN LA
derivado además de los derechos que tienen todos JURISPRUDENCIA DE LA CORTE
los niños, incluyendo los privados de libertad.
En este sentido puede mencionar la situación de INTERAMERICANA DE DERECHOS
Panamá, de acuerdo con las Observaciones del HUMANOS SOBRE LA JUSTICIA
Comité de Derechos del Niño dadas en 2011 PENAL JUVENIL
(Nº. 75). Con respecto a Costa Rica la cantidad
de privados de libertad, ya sea cumplimiento Se nota en general en la jurisprudencia
una sanción o en prisión preventiva, conforme de la Corte Interamericana referencias al deber
a la Ley de Justicia Penal Juvenil aumentó de protección del Estado en la Justicia Penal
drásticamente a partir de 2010, provocando Juvenil, formuladas de una manera abstracta.
graves problemas de hacinamiento carcelario55, Así en la Opinión consultiva OC-17/2002
que se han logrado paliar recientemente a través se dijo: “10. Que en los procedimientos
de la construcción que amplió la cantidad de judiciales o administrativos en que se resuelven
privados de libertad que pueden ser alojados. derechos de los niños se deben observar los
El problema del hacinamiento carcelario y las principios y las normas del debido proceso
malas condiciones de la privación de libertad legal. Esto abarca las reglas correspondientes
se ha constado en general en los diversos países a juez natural –competente, independiente
centroamericanos. Así UNICEF ha criticado la e imparcial–, doble instancia, presunción de
situación que se da en El Salvador56, Nicaragua57, inocencia, contradicción y audiencia y defensa,
Honduras58 y Panamá59. atendiendo las particularidades que se derivan
de la situación específica en que se encuentran
Es importante señalar que uno de los
los niños y que se proyectan razonablemente,
mayores problemas que existen en Centroamérica
entre otras materias, sobre la intervención
es que el principio de que la prisión preventiva
personal de dichos procedimientos y las
y la sanción privativa de libertad deben tener
medidas de protección que sea indispensable
un carácter excepcional, no se cumple, dando
adoptar en el desarrollo de éstos” (lo resaltado
lugar a una gran cantidad de privados de libertad
no es del original). La mención a las “medidas
en materia penal juvenil. La larga duración
de protección que “sea indispensable adoptar”,
de la sanción privativa de libertad es uno de
por su carácter indeterminado, puede dar lugar
los problemas que se presentan en diversos
al ingreso de ideas de la doctrina de la situación
países, por ejemplo en Costa Rica, El Salvador
irregular en la justicia penal juvenil61, por
y Panamá. Igualmente uno de los grandes
más que la Corte Interamericana de Derechos
problemas es la extensión que presenta en
Humanos expresamente en la Opinión
Centroamérica la prisión preventiva60. Todo ello
Consultiva indicada se haya pronunciado en
ha llevado a un gran hacinamiento carcelario, a
contra de dicha concepción.
la falta de separación entre presos preventivos
y condenados. Igualmente ha conducido a Por otro lado, se nota una imprecisión
condiciones insalubres en el cumplimiento y falta de definición del concepto del interés
de la privación de libertad y a las dificultades superior del niño, utilizado con frecuencia en
para dotar de espacios de esparcimiento a los la jurisprudencia de la Corte Interamericana de
jóvenes, lo mismo que para el cumplimiento Derechos Humanos62. Así en la sentencia del
del deber de dar una educación adecuada a los Caso del “Instituto de Reeducación del Menor
privados de libertad, que forma parte del derecho se identifica el deber de protección a las personas
a la educación de todas las personas menores menores de edad, con el principio superior del
de edad. Además el hacinamiento carcelario ha niño (Nº. 225). La imprecisión del principio del
conducido a una pérdida del control de los centros interés superior del niño en la jurisprudencia
de la Corte Interamericana se expresa además,

195
Javier Llobet Rodríguez

a manera de ejemplo, en la sentencia del Caso llevado su utilización en la justicia tutelar. Sin
Mendoza, en la que se dice: “142 (…) Toda embargo, no se dejó de hacer mención expresa a
decisión estatal, social o familiar que involucre dicho principio en uno de los incisos del artículo
alguna limitación al ejercicio de cualquier 40 de la Convención de Derechos del Niño.
derecho de un niño, debe tomar en cuenta el Una de las características de la nueva forma
principio del interés superior del niño y ajustarse de concebir el principio del interés superior del
rigurosamente a las disposiciones que rigen esta niño es que no debe llevar a negar a las personas
materia. Respecto del interés superior del niño, menores de edad los derechos que se conceden
la Corte reitera que este principio regulador de en general en la justicia penal, por ejemplo
la normativa de los derechos del niño se funda los derechos consagrados en el artículo 8 de la
en la dignidad misma del ser humano, en las Convención Americana de Derechos Humanos
características propias de los niños, y en la y en el artículo 14 del Pacto Internacional de
necesidad de propiciar el desarrollo de éstos, con Derechos Civiles y Políticos, debiendo justificar
pleno aprovechamiento de sus potencialidades, dicho principio la existencia de derechos
así como en la naturaleza y alcances de la adicionales, por ejemplo una mayor extensión
Convención de los Derechos del Niño (…)”. de la aplicación de soluciones alternativas.
Se hace mención allí al principio de interés Los temores al respecto se reflejan en una
superior del niño como expresión del principio serie de resoluciones de la Corte Interamericana
de dignidad humana, base de los diferentes de Derechos Humanos, en las que no ha sido
derechos humanos, sin embargo, sin embargo, consecuente con la consideración de la persona
la referencia al desarrollo de las potencialidades menor de edad como sujeto de derechos y ha
del niño, consecuencia del carácter protector, dejado entre ver una serie de consideraciones que
se define de una manera abstracta, lo que no más bien serían propias del antiguo paradigma
deja de ser problemático, puesto que a través de de la doctrina de la situación irregular, lo que
ello pueden penetrar ideas de la doctrina de la es problemático. Por ejemplo en la sentencia
situación irregular. Debe recordarse, como se del caso Mendoza contra Argentina, dijo la
dijo arriba, que el principio del interés superior Corte Interamericana: “143 (…) se procurará el
del niño, lo mismo que el principio de la mayor acceso del menor de edad, en la medida
necesidad de la protección integral del mismo, de lo posible, al examen de su propio caso. Por
provienen del paradigma tutelar de la justicia lo tanto, los principios del interés superior del
juvenil. Precisamente el principio del interés niño, de autonomía progresiva y de participación
superior del niño sirvió para justificar las peores tienen una relevancia particular en el diseño y
arbitrariedades y a dejar sin efecto en la justicia operación de un sistema de responsabilidad
juvenil los principios del Estado de Derecho y del penal juvenil” (lo resaltado no es del original).
debido proceso. Por ello el principio indicado, a La relativización que se hace por la Corte
partir de la exigencia del principio educativo, Interamericana de Derechos Humanos del
sirvió como un “Caballo Troyano en el Estado derecho a examinar el propio caso, ello al decirse
de Derecho”63. Ello hizo que al discutirse el que se procurará dicho examen “en la medida
texto de la Convención de Derechos del Niño de lo posible”, es problemática, ya que va en
diversos representantes pusieran reparos en la contra de lo establecido en el artículo 12 de la
regulación del principio del interés superior, Convención de Derechos del Niño, implicando
aunque prevaleció el criterio de preverlo como un un resabio de la concepción de la doctrina de la
principio general del Derecho de la Infancia y la situación irregular. En todos los casos la persona
Adolescencia64. Así la Convención de Derechos menor de edad debe tener acceso al examen de
del Niño reguló en su artículo 3 inciso 1) el su propio caso.
principio del interés superior del niño como un
Por otro lado, se incurre en una grave
principio general. Por otro lado, en su articulado
confusión en la Opinión consultiva OC-17/2002,
se menciona en diversas ocasiones al principio del
al referirse a la declaración de menor de edad. Se
interés superior del niño, especialmente cuando
dice: “130. (…) Debe tomarse en cuenta que el
trata asuntos relacionados con la custodia y
niño puede carecer, en función de su edad o de
adopción de los niños. En el apartado sobre las
otras circunstancias, de la aptitud necesaria para
garantías de la justicia penal juvenil se trató de
apreciar o reproducir los hechos sobre los que
evitar el concepto del interés superior del niño,
declara, y las consecuencias de su declaración en
precisamente por los antecedentes a que había

196
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
este caso el juzgador puede y debe valorar con problemático que la garantía de la posibilidad
especial cautela la declaración. Evidentemente, de abstenerse de declarar y de asistencia de
no se puede asignar a ésta eficacia dispositiva, un defensor se relativicen, indicándose que
cuando corresponde a una persona que, dichas garantías rigen en “caso de resultar
precisamente por carecer de capacidad civil de indispensable”70. Se trata de garantías que se
ejercicio, no puede disponer de su patrimonio ni deben dar en todos los casos. Se trata de una
ejercer por sí mismo sus derechos”65. La redacción afirmación que solamente podría ser entendida
es problemática, ya que se parte de la confesión como un resabio de la doctrina de la situación
y no de la declaración del imputado como un irregular.
medio de defensa, unido a que la confesión en Por otro lado, se señala en la Opinión
materia penal no tiene un carácter dispositivo, consultiva OC-17/2002: “131. Todo lo anterior
como podría tenerlo en el sistema inquisitivo, en sería aplicable a un procedimiento en el que
el que es la base de la prueba tasada. Se agrega el menor participe y esté llamado a emitir
que se confunden conceptos penales con civiles, declaraciones. Por lo que toca a procesos
al hacerse mención a la facultad de disponer del propiamente penales – “en sede penal” señala
patrimonio. la solicitud de Opinión - hay que considerar
En forma adicional el parágrafo transcrito que los menores de edad están excluidos de
no es acertado, ya se encuentra en el desarrollo participar como inculpados en esa especie
que la Opinión Consultiva hace de la presunción de enjuiciamientos. En consecuencia, no
de inocencia. Debe tenerse en cuenta que debe presentarse la posibilidad de que en
la presunción de inocencia es un principio éstos rindan declaraciones que pudieran
invariable, que rige hasta que se ordene sentencia corresponder a la categoría probatoria de una
condenatoria firme, según lo ha reconocido confesión” (lo resaltado no es del original).
la misma Corte Interamericana de Derechos La redacción es confusa. Sin embargo, de
Humanos66.. Por ello no es acertado que dentro la lectura de la misma, en relación con los
de un apartado referido a la presunción de párrafos anteriores y posteriores, se aprecia que
inocencia en el Derecho Penal Juvenil se haga no se trata simplemente una transcripción de
mención a la cautela que hay que tener con la petición de Opinión Consultiva, sino que
respecto a la declaración del imputado y su la misma Corte Interamericana de Derechos
confesión, ya que se da a entender que la eventual Humanos está asumiendo esta posición. De
confesión del imputado podría relativizar la acuerdo con lo transcrito arriba, los menores
presunción de inocencia, lo que es acorde con lo de edad estarían excluidos de participar como
que se ha denominado por Sax67, en Alemania, inculpados los enjuiciamientos penales, con lo
como concepción psicológica de la presunción que parece sostenerse el carácter no penal del
de inocencia, que encuentra antecedente en la juzgamiento de las personas menores de edad,
posición sostenida por Enrico Ferri68. Se trata de que es precisamente lo que se afirmaba en la
una concepción poco amigable con la presunción doctrina de la situación irregular71. Hoy día se
de inocencia. admite que estamos ante una Justicia Penal,
Se suma a todo que el párrafo parece restarle aunque con caracteres propios, consecuencia del
capacidad a la persona menor de edad en el principio educativo, de modo que a las garantías
ejercicio de su defensa material, en contra de lo tradicionales de la justicia penal, se agregan otras
establecido en el artículo 12 de la Convención de adicionales, propias de la Justicia Penal Juvenil.
Derechos del Niño69. En la Opinión consultiva
OC-17/2002 se incurre en otro error, ello al 11. PROBLEMAS ACTUALES DE LA JUS-
decirse: “129. A este respecto, y por lo que toca TICIA PENAL JUVENIL EN LATINOA-
a menores de edad, es pertinente manifestar MÉRICA
que cualquier declaración de un menor, en caso
de resultar indispensable, debe sujetarse a las En los últimos tiempos el problema
medidas de protección procesal que corresponden de inseguridad ciudadana existentes en
a éste, entre ellos la posibilidad de no declarar, Latinoamérica han llevado a que se haya
la asistencia del defensor y la emisión de aquélla defendido un endurecimiento del sistema
ante la autoridad legalmente facultada para penal y dentro del mismo de la justicia penal
recibirla” (lo resaltado no es del original). Es juvenil, todo conforme a lo que se ha conocido

197
Javier Llobet Rodríguez

como el populismo punitivo, partiéndose Estas observaciones son de gran importancia,


de las enseñanzas del realismo de derecha ya que reflejan la gran divergencia que existe
estadounidense y del conservadurismo político entre la legislación y la práctica en Latinoamérica.
estadounidense. Una de las características del En esta región se tienden a ratificar las diversas
sistema norteamericano producto del populismo convenciones de derechos humanos, incluyendo
punitivo es la defensa del tratamiento como la Convención de Derechos del Niño, e
adultos de las personas menores de edad, a las igualmente a establecer a nivel legislativo los
que se les atribuya hechos delictivos de gravedad, diversos derechos, pero que en la práctica no
bajo el lema a crímenes de adultos. Igualmente tienen vigencia. Se aprecia que aun en diversos
se ha defendido en los Estados Unidos de países sigue imperando la doctrina de la situación
América la ejecución de las sanciones penales en irregular. La mayoría de los países modificaron
centros de adultos, ello con respecto a personas su legislación para adaptarla a los principios de
menores de edad a las que se les condena por la justicia penal juvenil, pero sigue existiendo un
hechos de gravedad. Hasta recientemente era gran déficit del cumplimiento de los principios de
posible la imposición de la pena de muerte a la misma, prueba de lo cual es que la privación
personas menores de edad72. En Latinoamérica de libertad, ya sea como condena o como prisión
se han presentado una serie de proyectos de ley preventiva, sigue siendo la regla. Por otro lado,
en diversos países tendientes a rebajar a menos no deja de ser preocupante que en diversos países
de 18 años la edad en que se responde conforme se sigue aplicando la legislación de adultos a
al Derecho Penal de adultos, en contravención personas menores de edad, de acuerdo con lo
de la Convención de Derechos del Niño. denunciado por la Comisión Interamericana de
En relación con la Justicia Penal Juvenil Derechos Humanos.
en Latinoamérica es importante el Informe
sobre la Justicia Penal Juvenil que la Comisión 12. CONCLUSIONES
Interamericana de Derechos Humanos73. Allí A través del Art. 19 de la Convención
se señalaron entre los problemas existentes: a) Americana de Derechos Humanos se han
en algunos países se responsabiliza a una edad introducido por la Corte los principios de la justicia
muy corta, por ejemplo 7 años (Nº. 47-48), b) en penal juvenil desarrollados por la Convención
diversos países se aplica la legislación de adultos de Derechos del Niño y los instrumentos que
a menores de edad, por ejemplo de 16 años (Nº. la complementan. A partir de ello es que la
39-42), c) han existido avances normativas, pero Corte Interamericana de Derechos Humanos ha
hay un distanciamiento entre la normativa y desarrollado su jurisprudencia sobre la justicia
la práctica (Nº. 8), d) hay detenciones masivas penal juvenil, no debiendo dejarse de considerar
selectivas por la Policía, a personas pobres, por varias de sus resoluciones se refieren a graves
su aspecto, porque se les atribuye pertenecer a violaciones de derechos humanos, ocasionadas
una pandilla, por estar en determinados lugares, por detenciones arbitrarias, la práctica de la
por estar en situación de riesgo o abandono, etc. tortura y ejecuciones extrajudiciales, señalando
(Nº. 10), e) la prisión y la prisión preventiva la Corte Interamericana que reúnen un carácter
son la regla (Nº. 12), f) las condiciones de la más grave, por la condición de menores de edad
privación de libertad son inadecuadas (Nº. 13), de las víctimas.
g) muchos niños son criminalizados sin haber
Luego de la aprobación de la Convención
infringido la ley penal y luego de habérseles
de Derechos del Niño por los diversos países
negados sus derechos económicos-sociales, ello
latinoamericanos se trató de adaptar la
se da, por ejemplo con respecto a niños que
legislación ordinaria a la misma, pero en la
están en situación irregular o fuera del control
práctica siguen existiendo grandes problemas,
parental (Nº. 9), h) se presentan problemas de
especialmente por la extensión de la prisión
privaciones de libertad impuestas sin debido
preventiva y la sanción privativa de libertad, lo
proceso a quienes no tienen edad suficiente para
que ha conducido al hacinamiento carcelario.
responder conforme a la justicia penal juvenil
Por otro lado, debe reconocerse que en los
(Nº. 9), i) la especialización fuera de las ciudades
últimos años se ha producido en Latinoamérica
es poca o inexistente (Nº. 11, 89-90) y j) se
el endurecimiento del sistema penal juvenil,
tiende a irrespetar el debido proceso y el interés
alejándose de los principios que deberían regir
superior del niño (Nº. 11).
en materia penal juvenil.

198
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)

BIBLIOGRAFÍA

Bacigalupo, Enrique: Estudios sobre la parte Comité de Derechos del Niño. Examen de los
especial del Derecho Penal. Madrid, Akal/Iure, informes presentados por los Estados Partes
1991. en virtud del artículo 44 de la Convención.
Bacigalupo, Enrique. Entwiclung des Observaciones finales: El Salvador, 17 de
Jugendstrafrechts und der kriminalrechtlichen febrero de 2010, CRC/C/SLV/CO/3-4.
Behandlung Jugendlicher in ausgewählten Comité de Derechos del Niño. CRC/C/PAN/CO/3-
Länder Lateinamerika (Argentinien, Costa 4. Examen de los informes presentados por los
Rica, Mexiko, Kolumbien, Venezuela). Estados Partes en virtud del artículo 44 de la
En Jugendstrafe und Jugendstrafvollzug Convención. Observaciones finales Panamá,
(Compiladores: Dünkel/Meyer). Alemania, T. 21 de diciembre de 2011.
II, 1986. Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
Banco Mundial. Homicidios intencionales (por Relatoría sobre derechos de la niñez. Justicia
cada 100,000 habitantes). En http://datos. juvenil y derechos humanos en las Américas.
bancomundial.org/indicador/VC.IHR.PSRC. UNICEF/Comisión Interamericana de
P5. Derechos Humanos y otros, 2011.
Beloff, Mary. Los derechos del niño en el sistema Comisión Interamericana de Derechos Humanos.
interamericano Buenos Aires, Editores del Violencia, niñez y crimen organizado.
Puerto, 2004. Organización de Estados Americanos, 2015.
Bermúdez Vives, Mario. Guevara. “Soy liberal Durán Chavarría, Douglas (Coordinador).
moderado, con energía para hacer”. El Prevención de la violencia juvenil y
Financiero, Edición 754, 7 de febrero de 2010. fortalecimiento del sistema de justicia penal
Cano, Francisca. La “vida loca”. Pandillas juveniles juvenil. San José, ILANUD y otros, 2012.
en El Salvador. Barcelona, Anthropos, 2009. Ferri, Enrico. Sociología criminal, T. II. (Traducción:
Carranza, Elías/Maxera, Rita. El sistema de justicia von Soto y Fernández). Madrid, 1908.
penal juvenil de Costa Rica en el contexto García Méndez, Emilio. Derechos de la infancia
de América Latina. En Llobet Rodríguez, adolescencia en América Latina. Quito, Edino,
Javier/Durán, Douglas. Justicia Penal y 1994.
Estado de Derecho. Homenaje a Francisco Garcia Méndez, Emilio/Núñez, Jimena/Rodríguez,
Castillo González. San José, Editorial Jurídica Laura. Los derechos de la infancia entre el
Continental, 2007, pp. 549-564. tutelarismo y la política. Buenos Aires, Didot,
Chan Mora, Gustavo. El principio de “Interés 2015.
Superior” ¿Concepto Vacío o “Cajón de Gerkel, Jutta/Schumann, Karl (Editores). Ein
Sastre” del Derecho Penal Juvenil? Precisiones trojanisches Pferd im Rechtsstaat. Der
conceptuales y una propuesta sobre su incidencia Erziehungsgedanke in der Jugendgerichtspraxis.
en el juicio de reproche penal juvenil. En Llobet Pfaffenweiler, Centaurus Verlagsgesellschaft,
Rodríguez, Javier (Compilador). Justicia Penal 1988.
y Estado de Derecho. Homenaje a Francisco
Castillo González. San José, Editorial Jurídica InSight Crimen. Balance de Insight Crime sobre
Continental, 2007, pp. 583-600. los homicidios en Latinoamérica en 2015,
http://es.insightcrime.org/analisis/balance-
Cillero Bruñol, Miguel: Los derechos de los niños insight-crime-homicidios-latinoamerica-2015.
y los límites del sistema penal. En UNICEF/
ILANUD (Editores). Adolescentes y justicia Langevin, Julián Horacio. Abolición de la pena de
penal. Santiago de Chile., UNICEF/ILANUD/ muerte de niños en EE.UU. En Anitua, Gabriel
Unión Europea, 2000, pp. 11-26. Ignacio/Yamamoto, María Verónica. Pena de
muerte. Buenos Aires, Ediciones Didot, 2011,
Comité de Derechos del Niño. Examen de los pp. 189-208.
informes presentados por los Estados Partes
en virtud del artículo 44 de la Convención. Llobet Rodríguez, Javier. Interés superior del niño,
Observaciones finales: Honduras, 2 de mayo protección integral y garantismo (En particular
de 2007. CRC/C/HND/CO/3. con respecto a las sanciones y sus alternativas
en el Derecho Penal Juvenil). En Tiffer, Carlos/

199
Javier Llobet Rodríguez

Llobet Rodríguez, Javier. La sanción penal Sotomayor, Carlos/Llobet Rodríguez, Javier/


juvenil y sus alternativas en Costa Rica. San Dünkel, Frieder. Derecho Penal Juvenil. San
José, ILANUD/UNICEF/Unión Europea, 1999. José, ILANUD/DAAD, 2014, pp. 335-415.
Llobet Rodríguez, Javier. El interés superior del Medina, Karen. Cantidad de menores presos se
niño y garantías procesales y penales. En Ley de duplicó en cinco años. En La Nación, 6 de
justicia penal juvenil de Costa Rica: Lecciones septiembre de 2010.
aprendidas (Editor: UNICEF), UNICEF, 2000, O’ Donnell, Daniel. Protección Internacional
pp. 45-54. de los Derechos Humanos. Lima, Comisión
Llobet Rodríguez, Javier. La sanción penal juvenil. Andina de Juristas, 1988.
En De la arbitrariedad a la justicia: adolescentes O’ Donnell, Daniel. La convención sobre los
y responsabilidad penal en Costa Rica (Editores: derechos del niño: estructura y contenido. En
González Oviedo, Mauricio/Tiffer Sotomayor, UNICEF (Editor). Derechos de la niñez y la
Carlos). San José, UNICEF, 2000, pp. 215-257. adolescencia. San José, UNICEF y otros, 2001,
Llobet Rodríguez, Javier. La fijación de la sanción pp. 15-29.
penal juvenil en Venezuela. En Cornieles, Platt. Los salvadores del niño. México, Siglo XXI,
Cristóbal/Morais, María (Coordinadores). 1982.
Cuarto año de vigencia de la Ley Orgánica
para la Protección del Niño y del Adolescente. PNUD. Informe sobre desarrollo humano en
Caracas (Venezuela), Universidad Andrés Bello, América Central 2009-2010. Abrir espacios a
2004, pp. 457-479. la seguridad ciudadana y al desarrollo humano
Colombia, PNUD, 2010.
Llobet Rodríguez, Javier. La fijación de la sanción
penal juvenil en el Derecho Internacional Sax. Grundsätze der Strafrechtspflege. En
de los derechos humanos. En Espiga, Nº. 10, Bettermann y otros (Compiladores). Die
2004, pp. 49-72. Grundrechte, T. III 2, Berlín, 1959, pp. 909-
1014.
Llobet Rodríguez, Javier. Las maras y pandillas
en Centroamérica. En Justicia Penal y Estado Savenije, Wim. Maras y barras. San Salvador,
de Derecho. Homenaje a Francisco Castillo Flacso, 2009.
González. San José, ILANUD/Editorial Jurídica Schabas Madueño, Juan. La jurisprudencia de la
Continental, 2007, pp. 193-217. CIDH: acerca de la subestimación del “interés
Llobet Rodríguez, Javier. Los derechos de los niños superior del niño”. En Pastor, Daniel (Director)/
y adolescentes en Centroamérica. En Revista Guzmán, Nicolás (Coordinador). El sistema
Judicial, Nº. 90, 2009, pp. 11-54. Puede penal en las sentencias recientes de los órganos
consultarse en http://www.poder-judicial. interamericanos de protección de los derechos
go.cr/escuelajudicial/archivos%20actuales/ humanos. Buenos Aires, Ad-hoc, 2009, 401-
documents/revs_juds/rev_jud_90/rev_jud_90. 422,
pdf. Schübelin, Jürgen. Die Toten auf den Strassen
Llobet Rodríguez, Javier. La protección de los von Honduras. En Deutschen Institut für
derechos sociales, económicos y culturales Menschenrechte y otros (Editores). Francfort
a través de la jurisdicción internacional y del Meno, Suhrkamp, 2005, pp. 167-177.
nacional en Centroamérica. En Revista Judicial Tiffer Sotomayor, Carlos. ¿Juzgar a niños como
Nº. 89, 2008, pp. 49-83. Puede consultarse en adultos? En La Nación, 28 de marzo de 2010.
http://www.poder-judicial.go.cr/escuelajudicial/
Tiffer Sotomayor, Carlos. La desjudicialización
archivos%20actuales/documents/revs_juds/
penal juvenil como un camino hacia la justicia
rev_jud_89/principal.htm
restaurativa. En Tiffer Sotomayor, Carlos/
Llobet Rodríguez, Javier. La justicia especializada Llobet Rodríguez, Javier/Dünkel, Frieder.
en materia penal juvenil y la casación en la Derecho Penal Juvenil. San José, ILANUD/
ley de creación del recurso de apelación. En DAAD, 2014, pp. 98-187.
Chinchilla Calderón, Rosaura (Coordinadora).
Reflexiones jurídicas frente al populismo
penal en Costa Rica. San José, Investigaciones Tiffer Sotomayor, Carlos. Justicia Penal Juvenil y
Jurídicas, 2012, pp. 479-490. Política Criminal. En Tiffer Sotomayor, Carlos/
Llobet Rodríguez, Javier/Dünkel, Frieder.
Llobet Rodríguez, Javier. El interés superior del
Derecho Penal Juvenil. San José, ILANUD/
niño y la justicia penal juvenil. En Tiffer
DAAD, 2014, pp. 417-451.

200
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
Tiffer Sotomayor, Carlos/Dünkel, Frieder. Das UNICEF. Justicia Penal Juvenil. Situación y
Jugendstrafrecht in Lateinamerika unter perspectivas en América Latina y el Caribe.
besonderer Berücksichtigung des Jugendrechts Panamá, UNICEF, 2013.
und der Sanktionspraxis in Costa Rica. En Waldmann, Peter. Staatliche und parastaatliche
ZStW, 1989, pp. 206-228. Gewalt in Lateinamerika. En Junker, Detlef/
UNICEF. Diagnóstico del sistema penal juvenil Nohlen, Dieter/Sangmeister, Hartmut
Costa Rica 2012. Resumen.- Agosto 2013. (Editores). Lateinamerika am Ende des 20.
San José, UNICEF/Corte Suprema de Justicia, Jahrhunderts. Múnich, Verlag Beck, 1994, pp.
2013. 75-103.

201
Javier Llobet Rodríguez

NOTAS

1. Art. 8.2 de la convención americana sobre Jurídica Continental, 2007, pp. 585-588; Beloff,
derechos humanos. Mary. Los derechos del niño en el sistema
2. Art. 7 de la convención americana sobre derechos interamericano Buenos Aires, Editores del
humanos. Véase: O’Donnell, Daniel. Protección Puerto, 2004, pp. 15-16.
Internacional de los Derechos Humanos. Lima, 8. Sobre ello: Llobet Rodríguez, Javier. El interés
Comisión Andina de Juristas, 1988, pp. 327- superior del niño y garantías procesales y
328. Sobre ello véase también: Cillero Bruñol, penales. En Ley de justicia penal juvenil de Costa
Miguel. Los derechos de los niños y los límites Rica: Lecciones aprendidas (Editor: UNICEF),
del sistema penal. En UNICEF/ILANUD UNICEF, 2000, pp. 45-54; Llobet Rodríguez,
(Editores). Adolescentes y justicia penal. Javier. Interés superior del niño, protección
Santiago de Chile., UNICEF/ILANUD/Unión integral y garantismo..., pp. 1-29. Sin embargo,
Europea, 2000, pp. 18-22. debe reconocerse que el paradigma del Derecho
3. Art. 5 inciso 5) de la convención americana Tutelar no ha sido totalmente superado en la
sobre derechos humanos. práctica ni en el desarrollo que realiza la doctrina
jurídica, utilizándose con frecuencia el principio
4. Art. 10 inciso 2 b) del pacto internacional de educativo para restringir los derechos que
derechos civiles y políticos. conforme a un Estado de Derecho deben tener
5. Cf. Bacigalupo, Enrique: Estudios sobre la los jóvenes en un proceso penal, derechos que
parte especial del Derecho Penal. Madrid, son garantizados a los adultos, estableciéndose
Akal/Iure, 1991; Bacigalupo. Entwiclung des así una situación más desfavorable para los
Jugendstrafrechts und der kriminalrechtlichen jóvenes que a los adultos, ello con el argumento
Behandlung Jugendlicher in ausgewählten de actuarse en beneficio de los primeros. Ello ha
Länder Lateinamerika (Argentinien, Costa llevado a un sector de la doctrina a denunciar
Rica, Mexiko, Kolumbien, Venezuela). al principio educativo como un “caballo troyano
En Jugendstrafe und Jugendstrafvollzug en el Estado de Derecho. Cf. Gerkel, Jutta/
(Compiladores: Dünkel/Meyer). Alemania, Schumann, Karl (Editores), op. cit.
T. II, 1986. 9. Cf. Tiffer Sotomayor, Carlos. La desjudicialización
6. Cf. Tiffer/Dünkel. Das Jugendstrafrecht penal juvenil como un camino hacia la justicia
in Lateinamerika unter besonderer restaurativa. En Tiffer Sotomayor, Carlos/Llobet
Berücksichtigung des Jugendrechts und der Rodríguez, Javier/Dünkel, Frieder. Derecho
Sanktionspraxis in Costa Rica. En ZStW Penal Juvenil. San José, ILANUD/DAAD, 2014,
(Alemania), 1989, pp. 206-228. pp. 98-187.
7. Cf. Llobet Rodríguez, Javier. Interés superior 10. Sobre la fijación de la sanción penal juvenil: Llobet
del niño, protección integral y garantismo Rodríguez, Javier. La fijación de la sanción penal
(En particular con respecto a las sanciones y juvenil en Venezuela. En Cornieles, Cristóbal/
sus alternativas en el Derecho Penal Juvenil). Morais, María (Coordinadores). Cuarto año de
En Tiffer, Carlos/Llobet Rodríguez, Javier. La vigencia de la Ley Orgánica para la Protección
sanción penal juvenil y sus alternativas en del Niño y del Adolescente. Caracas (Venezuela),
Costa Rica. San José, ILANUD/UNICEF/Unión Universidad Andrés Bello, 2004, pp. 457-479;
Europea, 1999, p. 5; Llobet Rodríguez, Javier. Llobet Rodríguez, Javier. La fijación de la sanción
El interés superior del niño y la justicia penal penal juvenil en el Derecho Internacional de los
juvenil. En Tiffer Sotomayor, Carlos/Llobet derechos humanos. En Espiga, Nº. 10, 2004, pp.
Rodríguez, Javier/Dünkel, Frieder. Derecho Penal 49-72.
Juvenil. San José, ILANUD/DAAD, 2014, pp. 11. Caso “Instituto de Reeducación del Menor” Vs.
352-358; Chan Mora, Gustavo. El principio de Paraguay, Sentencia de 2 de setiembre de 2004:
“Interés Superior” ¿Concepto Vacío o “Cajón de “134.24. (…) en vez de ser rehabilitados en el
Sastre” del Derecho Penal Juvenil? Precisiones Instituto para una reinserción satisfactoria en
conceptuales y una propuesta sobre su la sociedad, los internos fueron sometidos a
incidencia en el juicio de reproche penal juvenil. sufrimiento diario y, por tanto, a un proceso de
En Llobet Rodríguez, Javier (Compilador). aprendizaje negativo y vicioso, el cual, en parte,
Justicia Penal y Estado de Derecho. Homenaje a
Francisco Castillo González. San José, Editorial

202
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
explicaba el alto índice de reincidencia de los 21. Comité de Derechos del Niño. Comité de
mismos (…)”. Derechos del Niño. Examen de los informes
12. Cf. Comisión Interamericana de Derechos presentados por los Estados Partes en virtud del
Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado, artículo 44 de la Convención. Observaciones
Nº. 441-444, pp. 187-189. finales: El Salvador, 17 de febrero de 2010,
CRC/C/SLV/CO/3-4. Se ha reconocido la
13. Ello ha sido afirmado por la Corte Interamericana existencia de un déficit de especialización en
de Derechos Humanos desde el caso Suárez Centroamérica: Durán Chavarría, Douglas.
Rosero. Cf. Corte Interamericana de Derechos (Coordinador). Prevención de la violencia
Humanos, caso Suárez Rosero, sentencia de 12 juvenil y fortalecimiento del sistema de justicia
de noviembre de 1997: “77. Esta Corte estima penal juvenil. San José, ILANUD y otros, 2012,
que en el principio de presunción de inocencia pp. 41-43.
subyace el propósito de las garantías judiciales,
al afirmar la idea de que una persona es inocente 22. Una crítica a ello en Tiffer Sotomayor, Carlos.
hasta que su culpabilidad sea demostrada. De ¿Juzgar a niños como adultos? En La Nación,
lo dispuesto en el artículo 8.2 de la Convención 28 de marzo de 2010; Tiffer Sotomayor, Carlos.
se deriva la obligación estatal de no restringir Justicia Penal Juvenil y Política Criminal. En
la libertad del detenido más allá de los límites Tiffer Sotomayor, Carlos/Llobet Rodríguez,
estrictamente necesarios para asegurar que Javier/Dünkel, Frieder. Derecho Penal Juvenil.
no impedirá el desarrollo eficiente de las San José, ILANUD/DAAD, 2014, pp. 444-445.
investigaciones y que no eludirá la acción de 23. Carranza, Elías/Maxera, Rita. El sistema
la justicia, pues la prisión preventiva es una de justicia penal juvenil de Costa Rica en
medida cautelar, no punitiva (…)”. el contexto de América Latina. En Llobet
14. García Méndez, Emilio/Núñez, Jimena/ Rodríguez, Javier/Durán, Douglas. Justicia Penal
Rodríguez, Laura. Los derechos de la infancia y Estado de Derecho. Homenaje a Francisco
entre el tutelarismo y la política. Buenos Aires, Castillo González. San José, Editorial Jurídica
Didot, 2015, pp. 237-243. Continental, 2007, p. 554.
15. Véase la crítica de: Beloff, Mary, op. cit., p. 142. 24. A ello hizo mención el Comité de Derechos del
Niño en el informe sobre Panamá, rendido el 21
16. Comentario a las reglas mínimas de la ONU de diciembre de 2011. Cf. Comité de Derechos
para la administración de la justicia de menores. del Niño. CRC/C/PAN/CO/3-4. Examen de los
Sobre el principio de justicia especializada: Llobet informes presentados por los Estados Partes
Rodríguez, Javier. La justicia especializada en en virtud del artículo 44 de la Convención.
materia penal juvenil y la casación en la ley de Observaciones finales Panamá, 21 de diciembre
creación del recurso de apelación. En Chinchilla de 2011, pp. 16-17.
Calderón, Rosaura (Coordinadora). Reflexiones
jurídicas frente al populismo penal en Costa 25. Comisión Interamericana de Derechos
Rica. San José, Investigaciones Jurídicas, 2012, Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado,
pp. 479-490. Nº. 66, p. 40.
17. Corte Interamericana de Derechos Humanos, 26. Comité de Derechos del Niño. Comité de
Opinión consultiva OC-17/2002: “109. Una Derechos del Niño. Examen de los informes
consecuencia evidente de la pertinencia de presentados por los Estados Partes en virtud del
atender en forma diferenciada y específica artículo 44 de la Convención. Observaciones
las cuestiones referentes a los niños, y finales: El Salvador, 17 de febrero de 2010,
particularmente, las relacionadas con la CRC/C/SLV/CO/3-4.
conducta ilícita, es el establecimiento de 27. Sobre ello: UNICEF. Justicia penal juvenil…,
órganos jurisdiccionales especializados para el p. 57.
conocimiento de conductas penalmente típicas 28. Cf. Comité de Derechos del Niño. CRC/C/PAN/
atribuidas a aquéllos (…)”. CO/3-4…
18. UNICEF. Justicia Penal Juvenil. Situación y 29. UNICEF. Justicia penal juvenil…, p. 44.
perspectivas en América Latina y el Caribe.
Panamá, UNICEF, 2013, p. 24. 30. Tiffer Sotomayor, Carlos. Justicia Penal Juvenil
y Política Criminal. En Tiffer Sotomayor,
19. Ibid, pp. 24-25. Carlos/Llobet Rodríguez, Javier/Dünkel, Frieder.
20. Ibid, p. 24. Derecho Penal Juvenil. San José, ILANUD/
DAAD, 2014, pp. 437-439.

203
Javier Llobet Rodríguez

31. Comité de Derechos del Niño. Comité de 38. Sobre las maras y pandillas: Llobet Rodríguez,
Derechos del Niño. Examen de los informes Javier. Las maras y pandillas en Centroamérica.
presentados por los Estados Partes en virtud del En Justicia Penal y Estado de Derecho. Homenaje
artículo 44 de la Convención. Observaciones a Francisco Castillo González. San José,
finales: El Salvador, 17 de febrero de 2010, ILANUD/Editorial Jurídica Continental, 2007,
CRC/C/SLV/CO/3-4. Hizo mención el Comité pp. 193-217; Cano, Francisca. La “vida loca”.
a “la falta de un sistema de justicia juvenil Pandillas juveniles en El Salvador. Barcelona,
acorde con la Convención” y recomendó que se Anthropos, 2009; Savenije, Wim. Maras y
“establezca un sistema de justicia juvenil acorde barras. San Salvador, Flacso, 2009; Comisión
con la Convención”. Interamericana de Derechos Humanos.
32. Comité de Derechos del Niño. Examen de los Violencia, niñez y crimen organizado, Nº. 154-
informes presentados por los Estados Partes 179, pp. 75-84; PNUD. Informe sobre desarrollo
en virtud del artículo 44 de la Convención. humano en América Central 2009-2010. Abrir
Observaciones finales: Honduras, 2 de mayo de espacios a la seguridad ciudadana y al desarrollo
2007. CRC/C/HND/CO/3. humano Colombia, PNUD, 2010, pp. 106-114.
33. Sobre la importancia del reconocimiento que 39. Cf. Comisión Interamericana de Derechos
hizo la Corte Interamericana: Beloff, op. cit., Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado,
p. 67. Nº. 168, pp. 69-70.
34. Sobre las muertes realizadas por grupos 40. Banco Mundial. Homicidios intencionales
paramilitares de “Niños de la Calle” en (por cada 100,000 habitantes). En http://datos.
Latinoamérica, en particular en Brasil: bancomundial.org/indicador/VC.IHR.PSRC.P5
Waldmann, Peter. Staatliche und parastaatliche 41. InSight Crimen. Balance de Insight Crime sobre
Gewalt in Lateinamerika. En Junker, Detlef/ los homicidios en Latinoamérica en 2015, http://
Nohlen, Dieter/Sangmeister, Hartmut es.insightcrime.org/analisis/balance-insight-
(Editores). Lateinamerika am Ende des 20. crime-homicidios-latinoamerica-2015.
Jahrhunderts. Múnich, Verlag Beck, 1994, pp. 42. La Prensa Gráfica. Salvador con más homicidios
75-103; Comisión Interamericana de Derechos en C. A., http://www.laprensagrafica.com/2016/
Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado, 01/03/el-salvador-con-mas-homicidios-en-c-a.
Nº. 188-190, pp. 87-88.
43. Comisión Interamericana de Derechos
35. Cf. Schübelin, Jürgen. Die Toten auf den Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado.
Strassen von Honduras. En Deutschen Institut Organización de Estados Americanos, 2015,
für Menschenrechte y otros (Editores). Francfort Nº. 42, p. 31.
del Meno, Suhrkamp, 2005, pp. 167-177. Sobre
ello: Comité de Derechos del Niño. Examen de 44. Cf. Comisión Interamericana de Derechos
los informes presentados por los Estados Partes Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado,
en virtud del artículo 44 de la Convención. Nº. 171, p. 81.
Observaciones finales: Honduras, 2 de mayo de 45. Ibid, Nº. 166, p. 79.
2007. CRC/C/HND/CO/3. 46. Ibid, Nº. 449-452, pp. 191-193.
36. Cf. Comisión Interamericana de Derechos 47. Ibid, Nº. 415, p. 177.
Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado,
48. Ibid, Nº. 423-427, pp. 179-182.
Nº. 226-227, pp. 99-100 y 318.
49. Sobre los riesgos de ello en relación con el
37. Cf. Llobet Rodríguez, Javier. Los derechos de
principio de legalidad: Comisión Interamericana
los niños y adolescentes en Centroamérica.
de Derechos Humanos. Violencia, niñez y
En Revista Judicial, Nº. 90, 2009, pp. 11-54.
crimen organizado, Nº. 419-422, pp. 178-179.
Puede consultarse en http://www.poder-judicial.
go.cr/escuelajudicial/archivos%20actuales/ 50. Comisión Interamericana de Derechos
documents/revs_juds/rev_jud_90/rev_jud_90. Humanos. Relatoría sobre derechos de la niñez.
pdf.Además: Llobet Rodríguez, Javier. La Justicia juvenil y derechos humanos en las
protección de los derechos sociales, económicos Américas. UNICEF/Comisión Interamericana
y culturales a través de la jurisdicción de Derechos Humanos y otros, 2011.
internacional y nacional en Centroamérica. 51. Comité de Derechos del Niño. Comité de
En Revista Judicial Nº. 89, 2008, pp. 49-83.
Derechos del Niño. Examen de los informes
Puede consultarse en http://www.poder-judicial.
go.cr/escuelajudicial/archivos%20actuales/ presentados por los Estados Partes en virtud del
documents/revs_juds/rev_jud_89/principal.htm artículo 44 de la Convención. Observaciones

204
La Justicia Penal Juvenil en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos
(Con Especial Referencia a Centroamérica)
finales: El Salvador, 17 de febrero de 2010, adolescencia. San José, UNICEF y otros, 2001,
CRC/C/SLV/CO/3-4. p. 21; Beloff, Mary, op. cit., p. 16.
52. Comité de Derechos del Niño. Examen de los 65. Una crítica a este párrafo en Beloff, Mary, op.
informes presentados por los Estados Partes cit., pp. 96, 139-140.
en virtud del artículo 44 de la Convención. 66. Corte Interamericana de Derechos Humanos,
Observaciones finales: Honduras, 2 de mayo caso Ricardo Canese Vs. Paraguay, sentencia de
de 2007. CRC/C/HND/CO/3. Sobre ello 31 de agosto de 2004: “154. La Corte considera
véase además: Durán Chavarría, Douglas. que el derecho a la presunción de inocencia es
(Coordinador), op. cit., p. 63. un elemento esencial para la realización efectiva
53. Comisión Interamericana de Derechos del derecho a la defensa y acompaña al acusado
Humanos. La CIDH expresa su preocupación durante toda la tramitación del proceso hasta que
ante las graves lesiones sufridas por varios una sentencia condenatoria que determine su
adolescentes en incendios en el Centro de culpabilidad quede firme. Este derecho implica
Custodia de Menores Arco Iris en Tocumen, que el acusado no debe demostrar que no ha
Panamá, comunicado 22 de julio de 2011, http:// cometido el delito que se le atribuye, ya que el
www.oacnudh.org/?p=450. onus probandi corresponde a quien acusa”.
54. Cf. García Méndez, Emilio/Núñez, Jimena/ 67. Sax. Grundsätze der Strafrechtspflege. En
Rodríguez, Laura, op. cit., pp. 231-233. Bettermann y otros (Compiladores). Die
Grundrechte, T. III 2, Berlín, 1959, p. 987.
55. Medina, Karen. Cantidad de menores presos
se duplicó en cinco años. En La Nación, 6 de 68. Ferri, Enrico. Sociología criminal, T. II.
septiembre de 2010; UNICEF. Diagnóstico (Traducción: von Soto y Fernández). Madrid,
del sistema penal juvenil Costa Rica 2012. 1908, p. 194.
Resumen.- Agosto 2013. San José, UNICEF/ 69. Una crítica al párrafo indicado de la opinión
Corte Suprema de Justicia, 2013, pp. 77-78. consultiva en un sentido similar puede verse en
56. UNICEF. Justicia penal juvenil…, pp. 71-72. Beloff, Mary, op.cit., pp. 139-140.
57. Ibid, p. 73. 70. Véase la crítica que se formula por: Beloff, Mary,
op. cit., p. 139.
58. Ibid, p. 73.
71. Una crítica al párrafo de la Opinión Consultiva
59 Ibid, pp. 71-72.
arriba transcrito en Ibid, p. 140.
60. Cf. Comisión Interamericana de Derechos
72. Los Estados Unidos de América hasta el año
Humanos. Violencia, niñez y crimen organizado,
2005 permitían la aplicación de la pena de
Nº. 441-444, pp. 187-189.
muerte a personas por actos cometidos antes de
61. Una crítica a la falta de precisión por parte de que cumpliesen los dieciocho años de edad. Sin
la Corte Interamericana del contenido de las embargo en ese año la Corte Suprema de Justicia
medidas de protección en Beloff, Mary, op. cit., en el caso Roper v. Simmons estimó que la
p. 71. ejecución de la persona menor de dieciocho años
62. Cf. Schabas Madueño, Juan. La jurisprudencia constituye un castigo cruel e inusual prohibido
de la CIDH: acerca de la subestimación del en la Octava Enmienda de la Constitución de
“interés superior del niño”. En Pastor, Daniel los Estados Unidos de América. Cf. Langevin,
(Director)/Guzmán, Nicolás (Coordinador). El Julián Horacio. Abolición de la pena de muerte
sistema penal en las sentencias recientes de de niños en EE.UU. En Anitua, Gabriel Ignacio/
los órganos interamericanos de protección de Yamamoto, María Verónica. Pena de muerte.
los derechos humanos. Buenos Aires, Ad-hoc, Buenos Aires, Ediciones Didot, 2011, pp.
2009, 401-422. 189-208. Ya la Comisión Interamericana de
63. Cf. Gerkel, Jutta/Schumann, Karl (Editores). Derechos Humanos había resuelto en contra de
Ein trojanisches Pferd im Rechtsstaat. Der los Estados Unidos de América, en cuando a la
Erziehungsgedanke in der Jugendgerichtspraxis. aplicación de la pena de muerte.
Pfaffenweiler, Centaurus Verlagsgesellschaft, 73. Comisión Interamericana de Derechos
1988. Humanos. Relatoría sobre derechos de la niñez.
64. O’ Donnell, Daniel. La convención sobre los Justicia juvenil y derechos humanos en las
derechos del niño: estructura y contenido. En Américas. UNICEF/Comisión Interamericana
UNICEF (Editor). Derechos de la niñez y la de Derechos Humanos y otros, 2011.

205
EL DERECHO PENAL INTERNACIONAL:
UN DERECHO PROTECTOR DE LOS DERECHOS
HUMANOS Y DE LAS GARANTÍAS INDIVIDUALES*

Jose Luis de la Cuesta


Presidente honorario de la Asociación Internacional de Derecho Penal; Catedrático de Derecho Penal; Director del
Instituto Vasco de Criminología; Universidad del País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea.

RESUMEN Keywords
La relación entre el derecho penal Globalization; human rights; international
internacional y los derechos humanos es intensa crimes; International Criminal Court;
y se manifiesta a la luz de su desarrollo histórico International Criminal Law.
y en las propuestas y proyectos de codificación
internacional. Esto es algo natural, dada la 1. INTRODUCCIÓN
trascendencia de los bienes jurídicos que le
Desde una perspectiva general, el Derecho
corresponde tutelar, como pone de manifiesto
Penal Internacional constituye una rama
el Estatuto de la Corte Penal Internacional. Sin
jurídica relativamente nueva, de denominación
embargo, en aquellas áreas objeto de atención
discutida,1 producto de la confluencia de dos
preferente por parte de las agencias globales,
disciplinas: el Derecho Internacional y el
se observa frecuentemente una concentración
Derecho Penal.
de los esfuerzos hacia el aseguramiento de la
persecución y enjuiciamiento, a costa en no En efecto, objeto del Derecho Penal
pocas ocasiones del respeto de garantías penales Internacional son tanto los aspectos penales del
y procesales elementales. Derecho Internacional (en particular, aunque no
de modo exclusivo, los convenios internacionales
Palabras clave que definen crímenes o delitos internacionales),
como los aspectos internacionales del Derecho
Globalización; derechos humanos; Penal interno (v.gr. mecanismos de cooperación
Crímenes internacionales; Corte Penal y auxilio).
Internacional; Derecho Penal Internacional.
Fruto de esta confluencia entre el Derecho
Internacional y el Derecho Penal, la importancia
ABSTRACT de su función en el campo de los derechos
The relationship between international humanos no puede ser pequeña.
criminal law and human rights is a deep one,
as the historical evolution and the projects of 2. DERECHO INTERNACIONAL Y
International codification show. This a natural DERECHOS HUMANOS
consequence of the relevance of the values to be
protected, as the ICC Statute shows. However, Que el Derecho Internacional ocupa un
in the main fields of action of the global agencies, papel esencial en la defensa de los derechos
the most intensive efforts are devoted more humanos precisa poca demostración. Dejando al
to the assurance of efficiency in prosecution, margen el examen de las fuentes internacionales
than to the respect of fundamental penal and dirigidas a la proclamación de aquéllos y por
procedural guarantees. resaltar una vertiente más “práctica”, merece
citarse así el desarrollo que, sobre todo en los

207
Jose Luis de la Cuesta

últimos tiempos, ha tenido lugar a este nivel En el ordenamiento jurídico interno de


para dotar al individuo de una posición jurídica los Estados, al Derecho Penal le corresponde la
internacionalmente relevante; en definitiva, función de defender aquellos bienes jurídicos
para permitirle el acceso a organizaciones que, más trascendentales para la convivencia frente
colocadas por encima de los Estados, puedan a los ataques más graves que puedan provenir
llegar a exigir a éstos el reconocimiento de de otros ciudadanos o de los representantes
aquellos derechos, los fundamentales de la del propio Estado. Obviamente, entre aquellos
persona humana (y de los pueblos), que el bienes esenciales, más fundamentales para la
Estado no ha llegado a reconocer en el caso convivencia en libertad, los derechos humanos,
concreto, a pesar de que se encontraba obligado constitucionalmente proclamados2 ocupan
a ello en virtud de los pactos internacionalmente necesariamente un lugar privilegiado. Por
asumidos. En este sentido, uno de los capítulos definición, la protección de la vida, la protección
más importantes del Derecho Internacional es el de la integridad, libertad, dignidad... constituyen
llamado Derecho Internacional de los Derechos el núcleo central del Derecho Penal, respetado
Humanos, aquel “conjunto de normas que incluso desde las perspectivas más críticas
tienden a proteger los derechos humanos y las que, preocupadas por la “máxima contención
libertades fundamentales del ser humano en el de la violencia punitiva”, erigen a los derechos
ámbito internacional”. humanos en el exclusivo objeto (y límite) del
El desarrollo positivo de esta faceta o aspecto “Derecho Penal mínimo”3. En definitiva, como
del Derecho Internacional es más bien reciente y afirma BERDUGO4, la tutela de los derechos
tiene mucho que ver con la consolidación de los humanos fundamentales en todas las instancias
Estados modernos. en que opera el sistema penal “constituye, sin
duda, un criterio político-criminal básico.”
Hitos fundamentales de este proceso son: la
Declaración de derechos del pueblo de Virginia
(1776) y, sobre todo, la Declaración de Derechos
4. EL DERECHO PENAL INTERNACIONAL
del Hombre y del Ciudadano de la Asamblea COMO DERECHO PROTECTOR DE
Constituyente francesa de 1789, que dieron paso LOS DERECHOS HUMANOS Y LAS
a la constitucionalización a lo largo del siglo XIX
de los derechos humanos fundamentales.
GARANTÍAS INDIVIDUALES
En el plano internacional es probablemente Si el Derecho Penal Internacional,
a partir de la II Guerra Mundial cuando de un decíamos, es el resultado de la confluencia de
modo más efectivo comienzan a sucederse los aspectos penales del Derecho Internacional
declaraciones, textos, pactos, convenios y de los aspectos internacionales del Derecho
(Declaración Universal, 1948, Convenio de Penal, y si la relación de ambas disciplinas con
Roma, 1950, Pactos de Nueva York, 1966, los derechos humanos es tan estrecha, como
Convención americana, 1969, Carta Africana reflejo de su propia estructura, el Derecho Penal
de Banjul, 1981…) que tienden a lograr una Internacional no puede sino hallarse también
vinculación de los Estados en el respeto de muy vinculado a esta protección.
los derechos humanos; vinculación que, en La afirmación anterior encuentra plena
ocasiones, lleva al reconocimiento de instancias confirmación a la luz del desarrollo histórico de
internacionales competentes para obligar a esta disciplina y en las propuestas y proyectos de
los Estados, ante la demanda de individuos codificación internacional, en los que la defensa
concretos, a reconocer aquellos derechos que de los derechos humanos más elementales
se consideren arbitrariamente desconocidos o alcanza siempre un destacado lugar.
negados. 4.1. Históricamente5, los aspectos inter-
nacionales del Derecho Penal interno comienzan
3. DERECHO PENAL Y DERECHOS a manifestarse fundamentalmente a partir de la
HUMANOS práctica de la extradición. Esta parece encontrar
Tampoco la comprobación de los vínculos sus orígenes en la civilización egipcia, hace unos
entre Derecho Penal y Derechos Humanos 3.000 años, en un primer tratado entre Ramsés
plantea graves dificultades. II de Egipto y el Rey de los Hititas Hattusili III,
celebrado hacia el año 1280 a. de C.

208
El Derecho Penal Internacional: Un Derecho Protector de los Derechos Humanos y de las Garantías Individuales

Ciertamente, el respeto de los derechos 4.2.2. La definición de las guerras


humanos de los afectados por los mecanismos internacionalmente prohibidas no constituye,
extradicionales no ha sido necesariamente con todo, el único aspecto que interesa aquí
una constante histórica. Fruto de su desarrollo destacar en el campo del Derecho Internacional
histórico más reciente es, con todo, la bélico. Al lado de éste, objeto relevante de la
consolidación de una serie de principios intervención jurídico internacional viene siendo
fundamentales que han devenido ya clásicos en desde hace tiempo el control de la beligerancia,
el Derecho de extradición, así como la exigencia punto en el que la protección de los derechos
cada vez más extendida de respeto exquisito humanos, en cuanto establecimiento de límites
de los derechos fundamentales de los sujetos infranqueables incluso en tiempos de guerra
a mecanismos de cooperación interestatal en ocupa un lugar decisivo.
materia penal. La inclusión al respecto en los El control del modo de llevar a cabo la guerra,
tratados internacionales aprobados en la materia que encuentra antecedentes en instituciones
de cláusulas específicas de garantía procesal de medievales como la “tregua de Dios”, la “tregua
aquellos derechos así como de denegación de toda de la paz”, constituye el objeto de múltiples textos
extradición, transferencia o auxilio cuando haya de carácter internacional como la Declaración
de temerse peligro para los derechos humanos de París de 1856, el Convenio de la Cruz Roja
del afectado constituyen ejemplos elocuentes de de 1864, Declaraciones de San Petersburgo, de
la tendencia explicada. Bruselas, los Convenios de La Haya de 1899 a
4.2. En cualquier caso, no es éste el aspecto que 1907...
más interesa destacar aquí, sino el lugar que, entre Más recientemente los Convenios de
los aspectos penales del Derecho Internacional, Ginebra de 1949 recogen múltiples disposiciones
asume la protección de los derechos humanos. que dicen relación con determinados métodos
Desde esta perspectiva, los primeros de beligerancia y de trato de prisioneros,
núcleos alrededor de los cuales comienzan a darse náufragos, heridos... y hasta la población civil,
intervenciones de carácter jurídico internacional que se considera han de proscribirse a nivel
son las conductas relacionadas con la guerra. internacional. Estamos, por tanto, ante textos
con cierta tradición y antigüedad y que, no
4.2.1. La discusión acerca del control de la obstante, resultan por lo general incumplidos
guerra cuyo origen es antiguo y encuentra como la mera lectura de la prensa pone
reflejo en importantes obras filosóficas, como fácilmente de manifiesto.
la de Aristóteles y los teólogos y canonistas que
El control de la guerra y la reglamentación
se preguntan acerca de la existencia de guerras
de los conflictos armados se manifiestan
justas, alcanza relieve jurídico positivo desde
finalmente en lo que el Derecho Penal
finales del siglo XIX en convenios como los
Internacional denomina crímenes de guerra:
de La Haya acerca del arreglo pacífico de las
las infracciones más graves a la normativa
controversias internacionales y en el siglo XX en
que rige internacionalmente en cuanto a la
el Tratado de Versalles, el Pacto de la Sociedad
forma y desarrollo de las actividades bélicas.
de Naciones, el pacto Briand-Kellogg, acerca
Prescindiendo de otros muchos antecedentes,
de la renuncia a la guerra como instrumento
muy importante en el campo de la definición de
de política internacional, la Carta de Londres
los crímenes de guerra son las intervenciones de
de 1945 y la Carta de las Naciones Unidas de
los Tribunales Internacionales constituidos con
1946. Con la creación de la Organización de las
posterioridad a la Segunda Gran Guerra6 y, en
Naciones Unidas el esfuerzo se centra en torno
concreto, los Principios de Nuremberg (1947).
a la definición de la guerra de agresión, crimen
Estos constituyen una codificación de las normas
contra la paz por excelencia, paso previo para la
y principios rectores de aquellos procesos,
codificación de los llamados “delitos contra la
aprobada por la Asamblea General de las
paz y seguridad de la humanidad”.
Naciones Unidas a propuesta de la Comisión de
Ahora bien, si desde 1954 existió ya un Derecho Internacional con objeto de evitar en lo
primer Proyecto de código de delitos contra la paz sucesivo los problemas dogmáticos y procesales
y seguridad de la humanidad, hubo que esperar a planteados en su momento fundamentalmente
1974 para alcanzar un acuerdo internacional en desde el prisma del principio de legalidad
torno al concepto de “agresión”. penal. A estos Principios se añadió en 1948 el

209
Jose Luis de la Cuesta

Convenio para la represión del genocidio y en presentada en 1795 por el Abate Gregoire en la
1968 el Convenio sobre la imprescriptibilidad Convención francesa. Con posterioridad se cita
de los crímenes de guerra y crímenes contra la un Proyecto de Código Penal Universal (1872),
humanidad. distintos textos de carácter doctrinal que, de
alguna manera, pretendían plasmar una serie de
4.2.3. Pero no es sólo en el campo del Derecho
principios fundamentadores de una codificación
humanitario bélico -esto es, aquel que tiene por
internacional (v.gr. las Máximas para la
objeto que la modificación de las obligaciones
elaboración de un Código Penal Internacional,
internacionales asumidas por los Estados en
incluidas por Garófalo en su Criminología).
materia de derechos humanos por causa de la
Existe también un Proyecto de Consentini
guerra “no sea total sino parcial, y que ciertos
en 1937 y otros textos en cuya elaboración
derechos –cuanto menos– tengan vigencia y
alcanzaron gran relevancia Quintiliano Saldaña
efectividad por encima de las exigencias que
y el rumano Vespasiano V.Pella9.
impone el conflicto armado”–7 donde se plasma
a nivel internacional la preocupación por la Una organización que a lo largo de su
garantía de los derechos humanos. historia ha insistido muchísimo en la necesidad
de esforzarse por culminar la codificación
Al lado del control de la guerra, al lado
internacional en materia penal es la Asociación
del control de la beligerancia, el Derecho Penal
Internacional de Derecho Penal. Esta Asociación
Internacional conoce textos y documentos –
–que, como su propio nombre indica, busca la
no todos con carácter de fuentes desde una
interrelación y desarrollo de cuantos se dedican al
perspectiva jurídico formal– directamente
estudio del Derecho Penal, cuestiones criminales
encaminados a la protección de los derechos
y Política Criminal–, es la continuadora de la
humanos al margen del ámbito bélico. Este es el
obra de la Unión Internacional de Derecho
caso de los Convenios que dicen relación con los
Penal, fundada por Von Liszt, y participa
crímenes internacionales en materia de
activamente en el foro internacional prestando su
• esclavitud, asesoramiento para la elaboración y redacción de
• trata de esclavos, mujeres y niños, textos en materia penal (como el Convenio de la
• discriminación racial, Tortura, aprobado en 1984, o el mismo Estatuto
• tortura, de la Corte Penal Internacional aprobado el 17
de julio de 1998 en la Conferencia Diplomática
• apartheid, de Roma).
• experimentación médica ilícita... Al amparo de la Asociación Internacional
Estos no agotan, en verdad, las conductas de Derecho Penal, en 1980 se presentó al
susceptibles de caracterización como crímenes o VI Congreso de las Naciones Unidas sobre
delitos internacionales (entre los que también cabe Prevención del Delito y Tratamiento del
contar la piratería, captura de rehenes, ataque a Delincuente (Caracas) un nuevo Proyecto de
personas internacionalmente protegidas, delitos Código Penal Internacional que llevaba la
relativos a las drogas, tráfico de publicaciones firma del entonces Secretario General de la
obscenas...), pero su mera enunciación pone ya Asociación, el profesor M.Cherif Bassiouni10
de relieve la importancia que en el campo de los y que fuera elaborado en íntima colaboración
bienes jurídicos protegidos a nivel internacional con importantes grupos de expertos reunidos a
incluso mediante el recurso al Derecho Penal lo largo de diversos años en el Instituto que la
alcanza la protección de los derechos humanos Asociación Internacional de Derecho Penal tiene
más fundamentales. en la isla de Sicilia, en Siracusa (Italia).
4.3. Pues bien, como era, por otra parte, lógico El Proyecto11 se presentó como una
esperar dada su importancia, los esfuerzos recopilación y sistematización de los textos
desarrollados de codificación internacional en internacionales existentes en materia penal
materia penal han incidido de manera especial internacional, tanto en lo que a la definición
en este aspecto del Derecho Penal Internacional. de crímenes internacionales se refiere como en
Proyectos de Código Penal Internacional ha cuanto a sus mecanismos de aplicación (donde
habido varios a lo largo de la Historia8. En este recoge previsiones específicas sobre el respeto
sentido, como antecedente de la codificación de los derechos humanos de los sometidos a los
internacional suele citarse la proposición mismos).

210
El Derecho Penal Internacional: Un Derecho Protector de los Derechos Humanos y de las Garantías Individuales

La línea seguida en la Parte especial fue recoger cuya realización choca la conciencia de la
aquellos comportamientos más reprobables que, humanidad; o
a la luz de lo dispuesto en los instrumentos
c. de carácter transnacional, al afectar a
internacionales con incidencia penal (que
intereses de más de un Estado o requerir
supera los 280) merecerían ser considerados
para su prevención o castigo una intensa
como crímenes o delitos internacionales. Y esto
cooperación internacional;
desde el prisma doctrinal, porque, de hecho, la
calificación de crimen internacional no es fácil de (2) y por recibir un tratamiento penal por parte
encontrar en los textos internacionales, incluso de los textos internacionales, manifestado
en los definidores de conductas consideradas en la concurrencia de alguno de los rasgos
13
con carácter general muy rechazables y de las siguientes :
que se exige su tipificación y sanción penal.
a. Reconocimiento explícito de la conducta
Por poner un ejemplo, la Convención contra
proscrita como Crimen internacional
la tortura y otros tratos o penas crueles,
/ Crimen conforme al Derecho
inhumanos o degradantes, hecha en Nueva York
internacional / Crimen.
el 10 de diciembre de 1984, define la tortura y
establece diversas obligaciones de los Estados: en b. Reconocimiento implícito de la naturaleza
particular, obligaciones de carácter penal como penal del acto que establece el deber de
son la definición de esos comportamientos en prohibir, prevenir, perseguir, castigar o
el ordenamiento interno de los Estados. En sus similar.
disposiciones, vela asimismo porque “todos los c. Incriminación de la conducta proscrita.
actos de tortura constituyan delitos conforme a
su legislación penal”, sean sancionados (al igual d. Establecimiento de un deber o derecho de
que la tentativa, complicidad o participación en perseguir o castigar la conducta proscrita
la tortura) “con penas adecuadas en las que se / extraditar / cooperar en la persecución o
tenga en cuenta su gravedad”, el establecimiento castigo (incluido el auxilio judicial penal).
de sistemas de ampliación de la jurisdicción... e. Establecimiento de bases/criterios de
Pues bien, frente al Proyecto que en su día competencia jurisdiccional.
presentó la AIDP, la Convención en ningún
momento califica de modo expreso a la tortura f. Referencia a la jurisdicción/tribunal penal
como crimen internacional. internacional.
Seguidor atento de la evolución de los g. Prohibición de la obediencia debida.
instrumentos internacionales de alcance penal, A partir de esta definición, identifica
la posición del autor del Proyecto de Código, Bassiouni 27 infracciones penales objeto del
12
elegido en 1989 Presidente de la AIDP, continúa Derecho penal internacional14:
siendo la defensa de un concepto de Derecho
penal internacional no exclusivamente centrado (1) agresión,
en los crímenes de agresión, genocidio, crímenes (2) genocidio,
de guerra y crímenes de lesa humanidad; y
(3) crímenes contra la humanidad,
propugna, en este sentido, un concepto más
amplio de crimen internacional en el que queden (4) crímenes de guerra,
comprendidas, junto a aquellas conductas, otras
(5) tenencia, uso, almacenamiento y tráfico
que, sin haber sido expresa y formalmente
ilícitos de armas (incluidas las atómicas),
declaradas como crímenes internacionales
por la comunidad mundial, son objeto de una (6) terrorismo nuclear,
regulación internacional (7) apartheid,
(1) por tratarse de conductas graves: (8) esclavitud y prácticas relacionadas con
a. contra la paz y seguridad internacionales o las mismas así como tráfico de seres
humanos,
b. contra normas fundamentales de
derechos humanos dirigidas a proteger (9) tortura y otras formas de tratos o penas
la vida, libertad o seguridad personal, y crueles, inhumanos o degradantes,
(10) experimentación médica ilícita,

211
Jose Luis de la Cuesta

(11) desapariciones forzadas y ejecuciones por Estados), pero no la piratería, los tráficos
extrajudiciales, ilícitos de drogas y psicotrópicos, de armas, de
materiales nucleares y otros o el blanqueo de
(12) mercenarismo,
capitales, manifestando sus dudas en torno al
(13) piratería y actos ilícitos contra la tratamiento más adecuado a otorgar al crimen
seguridad de la navegación marítima y de de Apartheid.
las plataformas en alta mar, En todo caso, la protección de los derechos
(14) piratería aérea y actos ilícitos contra la humanos más elementales queda generalmente
seguridad de la navegación aérea, incluidas entre los crímenes internacionales,
tratando de hacer frente a las prácticas estatales
(15) amenaza y uso de la fuerza contra de violación de la normativa internacional,
personas internacionalmente protegías y dentro de la cual aparece especialmente reflejada
personal de las Naciones Unidas, la existente en materia de derechos humanos.
(16) captura de rehenes civiles, 4.4. Si bien la centralidad de los derechos
(17) uso de explosivos, humanos en el campo penal internacional
queda perfectamente ilustrada a la luz de su
(18) uso ilícito del correo,
evolución y de los esfuerzos en orden a la
(19) financiación del terrorismo, codificación internacional, en la actualidad,
por razón de su mismo proceso de desarrollo
(20) tráfico ilícito de drogas y delitos
el sistema de protección penal internacional
relacionados con las drogas,
adolece de su carácter rudimentario y desigual.
(21) crimen organizado y delitos relacionados Cada texto internacional delimita el alcance de
con el mismo, sus disposiciones y, en consecuencia, cuando en
(22) destrucción y/o robo del patrimonio ciertas materias se llega ya a la fase de aplicación
histórico y cultural nacional, e incluso de criminalización, en otras se está
todavía en estadios declarativos16. De otra
(23) actos ilícitos contra ciertos elementos parte, el sistema de aplicación es, por lo general,
ambientales internacionalmente protegidos, indirecto y reposa en los sistemas penales
(24) tráfico internacional de publicaciones internos de los Estados.
obscenas, Durante la última década se ha producido
un importante desarrollo para comenzar a
(25) falsedades y falsificaciones,
corregir este grave defecto del Derecho Penal
(26) interferencia ilícita con cables Internacional. La entrada en vigor el 1º de
submarinos internacionales, julio de 2002 del Estatuto de la Corte Penal
Internacional –pasando así “de la utopía a la
(27) corrupción y soborno de funcionarios 17
realidad”– representa en este sentido un hito
públicos extranjeros.
de trascendencia sin par en este ámbito.
Ciertamente, la posición del actualmente
Estamos ante la culminación de un conjunto
Presidente honorario de la Asociación
de esfuerzos internacionales que se retrotraen
Internacional de Derecho Penal, no es
ampliamente en el tiempo.18 Si bien el Tratado
mayoritaria en la doctrina, que prefiere seguir
de Versalles previó la creación de tribunales
unas líneas más restrictivas, si bien no deja de
ad hoc ninguno fue establecido, no obstante
proponer la inclusión en la categoría de crímenes
a partir de ello comenzaron a desarrollarse
internacionales, en sentido estricto, de conductas
acciones, principalmente en el seno de la
que van más allá de las específicamente
Sociedad de Naciones, dirigidas a la creación del
tipificadas por el Estatuto de la Corte Penal
Tribunal Penal Internacional que encontraron
Internacional. Así, Antonio Cassese15, a luz
su plasmación en la Convención de 1937
de su proscripción internacional, considera
para la prevención y represión del terrorismo.
igualmente como crímenes internacionales la
Esta preveía la competencia en la materia por
tortura (al margen de la constitutiva de crimen
parte de este Tribunal en caso de crearse y fue
de guerra o contra la humanidad) y algunas
acompañada por un Protocolo para la Creación
formas extremas de terrorismo (actos graves de
de un Tribunal Penal Internacional19. Finalizada
terrorismo internacional fomentados o tolerados
la Segunda Guerra Mundial los Tribunales de

212
El Derecho Penal Internacional: Un Derecho Protector de los Derechos Humanos y de las Garantías Individuales

Nuremberg y Tokio se constituyeron, como • Genocidio (art. 6): conforme a la definición


órganos específicos, para enjuiciar los crímenes de la Convención de Genocidio de 1948;
contra la paz, los crímenes de guerra y crímenes • Crímenes de lesa humanidad (art.
contra la humanidad cometidos durante aquella 7): asesinato, exterminio, esclavitud,
contienda. En 1951 el Comité Especial nombrado deportación o traslado forzoso de población,
por la Asamblea General de la ONU redactó un encarcelación u otra privación grave de
Proyecto de Estatuto, revisado en 1953. la libertad, tortura, violación, esclavitud
En realidad, con posterioridad a la Segunda sexual, prostitución forzada, embarazo
Guerra Mundial sólo dos convenciones forzado, esterilización forzada u otros
internacionales se han referido al Tribunal Penal abusos sexuales de gravedad comparable,
Internacional: la Convención de Genocidio de persecución de un grupo o colectividad
1948 y la Convención sobre Apartheid de 1973. con identidad propia, desaparición forzada
Con todo, a finales de la década de los ochenta de personas, apartheid, otros actos
(y de un modo hasta cierto punto inesperado) inhumanos de carácter similar que causen
se puso en marcha un desarrollo que acabó intencionalmente grandes sufrimientos o
culminando en la Conferencia Diplomática de atenten gravemente contra la integridad
Roma. También a lo largo de esta década se han física o la salud física o mental; todos ellos
creado los Tribunales Penales Internacionales si forman parte de un ataque más amplio
para la antigua Yugoslavia y para Ruanda, con el o sistemático contra la población civil
objetivo de persecución de las graves violaciones y cometidos de conformidad con o para
internacionales (y de los derechos humanos promover una política de un Estado o de
individuales) detectadas en aquellos territorios. una organización;
Desde el prisma del Derecho Penal • Crímenes de guerra (art. 8): en general,
Internacional y de su función de protección de las infracciones graves de los Convenios
los derechos humanos y garantías individuales de Ginebra de 1949.
más básicas la entrada en vigor del Estatuto del • También el crimen de agresión quedó
Tribunal Penal Internacional alcanza en el plano incluido en la lista de crímenes sobre los
internacional una relevancia de primer orden, al que el Tribunal Penal Internacional tendrá
permitir la creación de una institución judicial competencia, si la falta de suficiente
permanente -como jurisdicción complementaria acuerdo en torno a su definición, llevó en
de las respectivas jurisdicciones nacionales, que 1998 al artículo 5.2 a remitir la efectividad
conservan la prioridad jurisdiccional (principio de lo dispuesto en el artículo 5.2 al acuerdo
de complementariedad (art. 1)– con competencia por la Asamblea de Estados Partes o por una
directa para la aplicación de la normativa penal Conferencia de revisión bien por consenso
internacional, por encima de las manipulaciones o por mayoría de dos tercios (artículo 121
políticas, de las apetencias o limitaciones de y 123)23, en junio de 2010 la Conferencia
los Estados, vía esencial para poder acabar de Revisión celebrada en Kampala24
con la impunidad y para restablecer la justicia aprobó al respecto los nuevos artículos 8
sobre vencedores y vencidos de modo efectivo e bis, 15 bis y 15 ter, relativos a la definición
imparcial. Estamos ante un jalón de la mayor de la agresión y al establecimiento de las
transcendencia en el desarrollo del sistema penal condiciones para su persecución por parte
internacional, que pone así fin, al menos para los de la Corte Penal Internacional. Conforme
crímenes más graves, a la ausencia tradicional20 al texto aprobado, se identifica el “acto de
de todo mecanismo directo y permanente de agresión” con “El uso de la fuerza armada
aplicación del Derecho penal internacional; por un Estado contra la soberanía, la
una carencia en modo alguno subsanada por la integridad territorial o la independencia
previsión de Tribunales ad hoc21, que no siempre política de otro Estado, o en cualquier otra
llegó a ser aplicada de manera efectiva22. forma incompatible con la Carta de las
Ciertamente la competencia es todavía Naciones Unidas (art. 8 bis.2)25.
reducida, y se limita (art.5.1) a “los crímenes En todo caso, el crimen de agresión queda
más graves de trascendencia para la comunidad tipificado de la manera siguiente: “A los efectos
internacional en su conjunto”, del presente Estatuto, una persona comete
un crimen de agresión cuando, estando en

213
Jose Luis de la Cuesta

condiciones de controlar o dirigir efectivamente de justicia penal, pues todo sistema precisa, para
la acción política o militar de un Estado, dicha funcionar, apoyarse en un conjunto de normas,
persona planifica, prepara, inicia o realiza un acto creencias y culturas compartidas.
de agresión que por sus características, gravedad En este sentido, y reiterando lo formulado en
y escala constituya una violación manifiesta de más de una ocasión28, frente a la simplificación
la Carta de las Naciones Unidas” (art. 8 bis.1, de mensajes propia de la sociedad punitiva, es
ER). preciso insistir en la necesidad de promoción y
El acuerdo en la definición de la agresión extensión de los conocimientos criminológicos
no supone sin más el inicio de su persecución y en la estructuración sobre ellos, a todos los
efectiva, pues a la exigencia de respeto de año de niveles, de líneas político-criminales
vacatio, tras la ratificación o aceptación de las
- respetuosas de las tradiciones históricas,
enmiendas por treinta Estados Partes (arts. 15
culturales, jurídicas y administrativas de los
bis 2 y 15 ter 2), se añade, además, la necesidad
sistemas respectivos,
de la aprobación previa de la enmienda por parte
de dos tercios de los Estados Partes, lo que ha - caracterizadas por su compromiso integral
de producirse además con posterioridad al 1 de con los derechos humanos; y,
enero de 2017 (arts. 15 bis.3 y 15 ter.3). En todo - decididamente al servicio de la persona, de la
caso, y habida cuenta de las dificultades que la justicia social y de la paz.
definición de la agresión ha presentado siempre
en el seno de las Naciones Unidas, a pesar de Central para la consecución de lo anterior
los interrogantes y limitaciones derivados de las es, sin duda, la garantía y respeto del principio de
29
reglas de persecución aprobadas, el acuerdo debe humanidad y de su contenido específico en el
saludarse de manera positiva. plano penal, al menos en tres líneas principales:

4.5. Al lado de la creación de la Corte Penal - prohibición de la tortura y de toda pena y trato
Internacional, conviene además mencionar inhumano o degradante con sus correlativos
algunos reflejos que el proceso globalizador corolarios:
va encontrando en el plano penal por impul- • incriminación de la tortura;
so de las agencias globales en áreas como el • proscripción de las penas puramente
terrorismo, la delincuencia organizada (la aniquiladoras del ser humano o dirigidas
26
“cara oscura” de la globalización) y sus trá- tan sólo a causar sufrimientos o humillación
ficos ilícitos, la corrupción (esa “enfermedad (como la pena de muerte, la cadena perpetua
27
mortal de las democracias”) o la cibercrimi- y las penas de duración desmesurada que
nalidad… acaban colocando a los condenados en peor
También aquí la preocupación por la situación que la de los presos a perpetuidad
protección y garantía de los derechos humanos, de la mayoría de los países);
en particular de las víctimas, es alta. Pero,
- orientación resocializadora de la pena,
sin duda, la mayor intensidad del esfuerzo va
en particular, si privativa de libertad; y,
dirigida al aseguramiento de la persecución
por último, aunque no precisamente en
y enjuiciamiento de unos comportamientos
importancia,
criminales que suscitan la mayor repulsa
internacional, una preocupación caracterizada - atención a las víctimas de toda infracción
por el predominio del punitivismo a costa de penal. Estas han de pasar, en efecto, “del olvido
la pérdida de mucha sensibilidad garantista al reconocimiento”, garantizándose todos sus
y democrática. Esto resulta particularmente derechos, otorgándoles pleno protagonismo
peligroso en el momento en que se intensifica la en el sistema penal y promoviendo y
construcción de un sistema internacionalizado favoreciendo su participación social.

214
El Derecho Penal Internacional: Un Derecho Protector de los Derechos Humanos y de las Garantías Individuales

NOTAS
* Versión revisada del trabajo “Derecho Penal 10. Derecho Penal Internacional. Proyecto de
Internacional y Derechos Humanos”, publicado Código Penal Internacional (trad., notas y
en Protección de los derechos humanos en anexo, J.L. de la Cuesta), Madrid, 1984.
Derecho Penal internacional y español, San 11. Para un comentario, además de “El Proyecto
Sebastián, 1989, pp.11-20. Grupo consolidado de Código Penal Internacional”, cit., ver Revue
de investigación en Ciencias Criminales Internationale de Droit Pénal, n.3-4 1980.
(GICCAS IT-585-13) y UFI 11/05 UPV/EHU.
12. BASSIOUNI, M.C., Introduction au Droit
1. Así, en el Derecho español, QUINTANO Pénal International, Bruxelles, 2002, pp. 88
RIPOLLES opta por una denominación doble, y ss.
aun cuando también emplea el término
Derecho Penal Internacional en un sentido 13. BASSIOUNI, M.C., ibidem, p.61.
amplio. Tratado de Derecho Penal Internacional 14. Introduction to International Criminal Law:
e Internacional Penal, Madrid, 1955-57. Sin second revised edition, Leiden/Boston, 2013,
embargo, proponen denominaciones unitarias, pp. 148 s.
J.CARBONELL MATEU, ¿Hacia un Derecho
15. International Criminal Law, Oxford, 2003, pp.
Penal Internacional?, Escritos penales, Univ.
110 y ss.
de Valencia, 1979, pp.155 y ss.; J.SÁENZ DE
PIPAON Y MENGS, Delincuencia política 16. C.BASSIOUNI, “La función sancionadora del
internacional, Madrid, 1973, pp. 56 y ss. Derecho Penal Internacional en los procesos
Para la discusión a nivel internacional, por de protección internacional de los Derechos
todos, L.GARDOCKI, „Über den Begriff des Humanos: un continuo de dos disciplinas”,
Internationalen Strafrechts“, Zeitschrift für en A.Beristain (ed.), Reformas penales en el
die gesamte Strafrechtswissenschaft, 98, 1986, mundo de hoy, Madrid, 1984, pp.225 y ss. (trad.
pp.703 y ss. C.Fernández de Casadevante Romaní). Para un
estudio del nivel de desarrollo de los distintos
2. J.C.CARBONELL MATEU, Derecho penal:
convenios internacionales en la materia ver,
concepto y principios constitucionales,
del mismo autor, “Características generales del
Valencia, 1996.
Derecho Penal Internacional convencional”,
3. A.BARATTA, “Principios del Derecho Penal ibidem, pp. 157 y ss. (trad. J.L. de la Cuesta
mínimo (Para una teoría de los derechos Arzamendi).
humanos como objeto y límite de la ley penal)”,
17. OTTENHOF, R., “L’Association Internationale
Doctrina Penal, núm.40, 1987, pp. 623 y ss.
de Droit Pénal et la création de la Cour Pénale
4. “Derechos humanos y Derecho penal”, Estudios internationale: De l’utopie à la réalité”, Revue
Penales y Criminológicos, XI, 1987, p. 32. Internationale de Droit Pénal, 73, 1-2, 2002,
5. Por todos, M.C.BASSIOUNI, “El Derecho Penal pp.15 y ss.
Internacional: historia, objeto y contenido”, 18. M.C.BASSIOUNI, “Visión histórica: 1919-
Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, 1998”, ICC Ratification and National
1982, pp. 5 y ss. (trad. J.L. de la Cuesta Implementing Legislation; CPI ratification
Arzamendi). et legislation nationale d’application; CPI
6. H.H.JESCHECK, Die Verantwortlichkeit der ratificación y legislación nacional de actuación,
Staatsorgane nach Völkerstrafrecht. Eine Studie Toulouse, 1999, pp.1 y ss.
zu den Nürmberger Prozessen, Bonn, 1952. 19. Convención para la Creación de un Tribunal
7. J.R.REMACHA, Derecho Internacional Penal Internacional, abierta a la firma en
Codificado, Pamplona, 1984, p. 871. Ginebra, 16 de noviembre de 1937, Parte I(2)
del Acta Final de la Conferencia Internacional
8. J.L.DE LA CUESTA ARZAMENDI, “El para la Represión del Terrorismo, Doc.Soc. de
Proyecto de Código Penal Internacional”, Naciones C.548.M.385.1937.V.
Revista de Derecho Público, 1983, pp. 629 y ss.
20. Incluso en los textos normativos: sólo el
9. Q.SALDAÑA, «La Justice pénale Convenio de Genocidio de 1948 y la Convención
internationale», Recueil des Cours, 10, 1929, sobre Apartheid de 1973 incluyeron una
V, pp. 387y ss.; V.V.PELLA, «Plan d’un Code referencia a la eventual competencia de un
répressif mondial», Revue Internationale de Tribunal Penal Internacional Permanente
Droit Pénal, 1935, pp. 348 y ss.

215
Jose Luis de la Cuesta

21. Así, los tribunales creados tras la Segunda contra el territorio de otro Estado; c) el bloqueo
Guerra Mundial –Tribunal Militar Internacional de los puertos o de las costas de un Estado por
de Nuremberg y Tribunal Internacional para el las fuerzas armadas de otro Estado; d) el ataque
Lejano Este–, órganos específicos encargados por las fuerzas armadas de un Estado contra
del enjuiciamiento de los crímenes contra la las fuerzas armadas terrestres, navales o aéreas
paz, crímenes de guerra y crímenes contra la de otro Estado, o contra su flota mercante o
humanidad. Y, en la última década del siglo aérea; e) la utilización de fuerzas armadas de
XX, los Tribunales Internacionales creados un Estado, que se encuentran en el territorio de
por el Consejo de Seguridad de las Naciones otro Estado con el acuerdo del Estado receptor,
Unidas para el enjuiciamiento de las graves en violación de las condiciones establecidas en
violaciones internacionales y de los derechos el acuerdo o toda prolongación de su presencia
humanos individuales cometidas en la antigua en dicho territorio después de terminado el
Yugoslavia (Res. 827, 25 mayo 1993) y Ruanda acuerdo; f) la acción de un Estado que permite
(Res 995. 8 noviembre 1994). que su territorio, que ha puesto a disposición
22. Los tribunales ad hoc previstos por el Tratado de otro Estado, sea utilizado por ese otro Estado
de Versalles y por la Convención de 1937 para para perpetrar un acto de agresión contra un
la prevención y represión del terrorismo, no tercer Estado; g) el envío por un Estado, o en su
llegaron a crearse. nombre, de bandas armadas, grupos irregulares
o mercenarios que lleven a cabo actos de fuerza
23. A la Conferencia de Revisión se remitió también armada contra otro Estado de tal gravedad que
el análisis de la inclusión del terrorismo y de sean equiparables a los actos antes enumerados,
los relativos a las drogas en el marco de la o su sustancial participación en dichos actos”.
competencia ratione materiae de la Corte Penal
internacional. 26. G.PICCA, “Transnational organised crime”,
Annales Internationales de Criminologie, 39,
24. Para las contribuciones de la AIDP a la 1-2, 2001, p.20.
Conferencia de Revisión, VV.AA., Revue
Internationale de Droit Pénal / International 27. D.SZABO, “La corruption: aspects socio-
Review of Penal Law / Revista Internacional de culturels et études comparées des stratégies
Derecho Penal, vol.80 1-2, 2010, pp.9 y ss. de prévention et de repression”, Annales
Internationales de Criminologie, 39, 1-2, 2001,
25. Esto remite necesariamente al contenido de la p.43.
Resolución 3314/74 de la Asamblea General
de las Naciones Unidas de 14 de diciembre de 28. J.L. DE LA CUESTA, “Mundialización y
1974, que incluyó siete formas características Justicia Penal”. Annales Internationales
de la agresión, al margen de la declaración de Criminologie / International Annals of
de guerra: “a) La invasión o el ataque por las Criminology / Anales Internacionales de
fuerzas armadas de un Estado del territorio Criminología, vol.41, 1-2, 2003, pp. 77 y s.
de otro Estado, o toda ocupación militar, aun 29. J.L.DE LA CUESTA, “El principio de
temporal, que resulte de dicha invasión o humanidad en Derecho Penal”, Eguzkilore,
ataque, o toda anexión, mediante el uso de la XXX Aniversario de la Fundación del IVAC/
fuerza, del territorio de otro Estado o de parte KREI. Homenaje a nuestro fundador el Profesor
de él; b) el bombardeo, por las fuerzas armadas Dr. Dr. h.c. Antonio Beristain, núm. 23, 2009,
de un Estado, del territorio de otro Estado, o el pp. 209 y ss.
empleo de cualesquiera armas por un Estado

216
DE LA TEORÍA DE LOS CRISTALES ROTOS
A LA RUPTURA DE LOS DERECHOS HUMANOS

Juan Sebastián Verástegui Marchena*


Miembro de la Comunidad de Derechos Humanos de The William J. Perry Center for Hemispheric Defense Studies
de los EEUU; Doctor en Relaciones Internacionales; Maestro en Comercio Internacional; Seguridad y Defensa
Hemisférica, Paz, seguridad y defensa; Gobernabilidad; Desarrollo y defensa nacional.

RESUMEN Palabras Clave


A pesar de la inclusión de los Derechos Derechos Humanos; orden social;
Humanos en las Constituciones de los estados, comportamiento o conducta social; control
así como en las declaraciones y acuerdos que social.
rigen el concierto de naciones, la comunidad
internacional observa con suma preocupación ABSTRACT
el incremento de las violaciones de los derechos
Despite the inclusion of human rights in
fundamentales en diferentes partes del mundo.
the constitutions of states and in the declarations
Las deficiencias de los estados en la and agreements governing the community
preservación y protección de los Derechos of nations, the international community is
Humanos han originado el surgimiento de watching with great concern the increase in
diversos fenómenos sociológicos que identifican violations of fundamental rights in different
nuevos actores como agentes violadores de dichos parts of the world.
derechos. Ello ha generado muchos debates entre
The shortcomings of the states in the
quienes consideran necesario seguir identificando
preservation and protection of human rights
al estado como único sujeto pasible de violar los
have resulted in the emergence of various
DDHH y aquellos que exigen, de acuerdo a las
sociological phenomena that engender new
realidades que exponen, una nueva catalogación
actors as agents violators of such rights, causing
con nuevos actores no estatales.
much discussion between those who see fit to
La importancia de este trabajo reside en continue identifying the state as the only subject
que, independientemente de la naturaleza that may violate human rights and those who
del agente violador, registra desde la fase demand, according to the realities that expose, a
embrionaria cuáles son y qué consecuencias new cataloging with new non-state actors.
ocasionan el quebrantamiento o la ruptura de los
The importance of this paper is that
primeros eslabones de las estructuras sociales
regardless of the nature of the rapist agent is
que garantizan la observancia y el respeto por
recorded from the embryonic stage, what are
los DDHH. En otras palabras, busca identificar
and what consequences cause the destruction or
como, porque y que implicaciones tienen la
rupture of the first links in the social structures
ruptura del conjunto de cristales que soportan
that guarantee the observance and respect for
aquella estructura cristalina que conocemos
HR, ie, seeks to identify how, why and what
como derechos humanos.
implications has rupture of crystals bearing
Ésta identificación inicial, permitirá crystalline structure that we know as human
establecer diagnósticos y alterativas que rights. This initial identification, it will establish
conduzcan a los estados a detener y revertir esos diagnosis and alterative leading states to halt
degenerativos procesos. and reverse these degenerative processes.

217
Juan Sebastián Verástegui Marchena

Keywords cierto es que la inacción, omisión o negligencia


de aquellos, ha permitido que aquellos nuevos
Human Rights; social order; social behavior; actores desencadenen torturas, desapariciones,
social control. contaminaciones irreversibles, tráfico de seres
humanos, violaciones masivas y sobre todo,
INTRODUCCIÓN pérdidas de vidas humanas que constituye
Las últimas décadas registraron una mayor la mayor de las violaciones de los derechos
preocupación mundial por el irrestricto respeto fundamentales.5
a los derechos humanos; sin embargo, a pesar Más allá de la pertinencia de las declaraciones
de su inclusión en las Constituciones de los condenatorias o de eventuales sanciones para
Estados, así como en convenios y pactos que las naciones infractoras, es imprescindible
rigen el sistema internacional, las violaciones identificar, desde su fase embrionaria, aquellos
de derechos humanos se han incrementado en fenómenos o comportamientos sociológicos
todo el orbe mereciendo la condena del concierto que, generando sensación de ausencia de ley,
de naciones y la adopción de sanciones a los contribuyen a que las normas, regulaciones o leyes
gobiernos infractores. establecidas por los estados, sean fracturadas
Una de las principales causas para el y estallen en conductas divergentes6punibles o
incremento de las trasgresiones a los derechos desviadas, en perjuicio de la heterogeneidad o
del hombre radica en el incumplimiento estatal integracionismo de las agrupaciones humanas
de sus obligaciones adquiridas al ratificar el y haciéndolas proclives a violaciones de los
derecho internacional de los derechos humanos derechos de las personas.
que son las de respetar, proteger y promover Este trabajo pretende establecer las
dichos derechos1. consecuencias del quebrantamiento o ruptura de
La obligación de respetar conlleva que los primeros eslabones de las estructuras sociales
los Estados deben abstenerse de restringir que garantizan la observancia y el respeto por los
los derechos humanos o de interferir en su DDHH. Busca identificar como, porque y que
realización implicaciones tienen la ruptura del conjunto
La obligación de proteger exige que los de cristales que soportan aquella estructura
estados impidan abusos contra individuos y cristalina que llamamos derechos humanos.
grupos, mientras que la obligación de promover
RUPTURA DEL PRIMER CRISTAL: EL
implica que DEBEN ADOPTAR medidas
positivas para facilitar el disfrute de los derechos ORDEN SOCIAL
humanos básicos2 así como garantizar que La Teoría de los cristales rotos es un
ninguna persona o grupo desarrolle actividades interesante experimento de psicología de masas
tendentes a suprimir o violar derechos y libertades que, con el patrocinio de la norteamericana
proclamados en la Declaración de los DDHH.3 Universidad de Stanford, realizó el catedrático
Estas deficiencias de los estados en Phillip Zimbardo hacia fines de los años 60.
la protección de los derechos humanos – Consistió en abandonar dos autos- de idéntica
independientemente de la naturaleza del agente marca, año, color y condición- en dos zonas muy
violador-han facilitado el desarrollo de nuevos diferentes entre sí. El primero fue dejado en la
fenómenos sociológicos y la aparición de nuevos pobre y conflictiva zona del Bronx mientras que el
actores vulneradores de dichos derechos, tales segundo fue parqueado en el apacible y ordenado
como los grupos alzados en armas, el terrorismo Palo Alto, condado de Santa Ana-California
o el crimen organizado y delitos conexos que de alto nivel económico y aparentemente
sólo en México han cobrado 150,000 muertos respetuoso de normas y disposiciones.
para el 20124 reavivando las discrepancias entre El auto del Bronx inmediatamente
quienes señalan al estado como único pasible fue devastado, a diferencia del otro que se
violador de los DDHH y aquellos que exigen la mantenía intacto por lo que los investigadores
catalogación de nuevos actores. decidieron romper los cristales delanteros y
Independientemente de la conveniencia o con ello desencadenaron las mismas reacciones
inconveniencia que la comunidad internacional que habían observado en El Bronx: robo,
revalúe el concepto que identifica al estado como vandalizacion y destrucción de partes del coche.
único violador de los derechos humanos, lo

218
De la Teoría de los Cristales Rotos a La Ruptura de los Derechos Humanos

Esta interesante teoría mostraba dos las personas en relación con el entorno que las
aspectos importantes. El primero, que la rodea o a los estímulos a los que son sometidas.
trasmisión de una idea de deterioro o abandono Así mismo; identifica- en el comportamiento
produce un efecto cadena que conduce a un colectivo- la aparición/consolidación de nuevas
mayor deterioro y segundo, que otras esferas de formas de comportamiento y el predominio de
nuestras vidas pueden regirse por este principio. actitudes emergentes.
Han transcurrido cinco décadas desde De acuerdo a ello, en sociedades en que el
aquel experimento que diera origen a la famosa caos o descuido generan situaciones de grave
Teoría, a sus conclusiones respecto a psicología deterioro social y creciente percepción de falta
humana- relaciones sociales y a la forma como de autoridad, será común observar afectación
se diseminan las conductas inmorales o anti de conducta en las personas (indiferencia ante
cívicas en sociedades humanas donde predomina sistemática violación de normas, irrespeto
el desorden y el caos. por sus semejantes, transformaciones de
La acción de romper el vidrio del auto dejado comportamientos sociales y colectivos) que
en Palo Alto modificó el orden social, entendido devendrán en predisposición a romper las
como el sistema integrado de personas, relaciones barreras que garantizan el respeto por los
y costumbres que interactúan para facilitar derechos fundamentales.
el buen funcionamiento de una determinada Estos cambios, que constituyen la fase
sociedad. La propagación de la imagen de embrionaria de las violaciones a los DDHH,
abandono, despreocupación y desinterés por se observarán en diferentes campos de la
elementales códigos de convivencia, transformó actividad humana y comenzarán con pequeñas
la que hasta ese momento era considerada una manifestaciones que luego se desarrollarán de
población segura en una jungla dominada por la tal manera que afectarán el control social, con el
ausencia de autoridad, de leyes y frenos sociales. riesgo de perderlo.
Cada ataque al auto llevaba consigo alta dosis Las pequeñas faltas -aquellas sobre las
de irrespeto a la dignidad humana, mellaba la que el hombre debería tener mejor control
cohesión entre miembros de dicha sociedad, para no cometerlas- que no son castigadas,
así como su dinámica de interacción causando
generarán percepción de impunidad y licencia
negativos impactos que, sin ser percibidos en
para la comisión de delitos cada vez de mayor
aquellos momentos, dañaban significativamente
envergadura.
los componentes del sistema social debido a la
relevancia de la conducta social y de la sociedad Es así que poner música a todo volumen
para la vida de las personas. El vidrio roto en el en su casa (violando regulación municipal
auto abandonado trasmitió la idea de deterioro, y afectando la tranquilidad del vecindario)
abandono, despreocupación y ausencia de ley degenerará en la contaminación acústica que
que escaló a fracturar códigos de convivencia en impera en ciudades latinoamericanas donde el
una suerte de todo vale incontenible hacia una máximo nivel de decibeles que puede soportar el
violencia generalizada donde no tienen cabida oído humano es ampliamente sobrepasado por
los derechos fundamentales del hombre. conductores de servicio público sin importarle a
nadie el cumplimiento de la Ordenanza que lo
En suma, aquella imagen de abandono y
desinterés rompió el segundo cristal llamado prohíbe. Así mismo, la violación de indicaciones
orden social y afectó el comportamiento de transito urbano como los cruces peatonales
colectivo, un elemento de vital importancia o el parqueo en lugares prohibidos - que no son
en el contexto social, que puede dar origen a sancionados a tiempo- engendrarán conductores
cambios históricos o generar otro tipo de valores con actitudes criminales que omitirán la luz
…o antivalores reñidos con el respeto y la roja del semáforo o convertirán las calles de las
preservación de los derechos humanos. ciudades en verdaderos corredores de la muerte.
Una comunidad en la que el policía de
EL COMPORTAMIENTO COLECTIVO DE la Comisaria maltrata, ignora o pide cupos
LA SOCIEDAD: QUEBRANDO EL TERCER al vecindario, sin que dicha Institución tome
medidas para frenar esos abusos, pronto se
CRISTAL convertirá en una ciudad donde los agentes
La sociología define el comportamiento o policiales agreden a manifestantes que reclaman
conducta social como la forma en que actúan por alguna reivindicación o que la misma

219
Juan Sebastián Verástegui Marchena

población ataque a policías que se disponen a Reflexionando, podemos afirmar que así
ejecutar alguna medida judicial (Caso El Baguazo como la ruptura del cristal en el vehículo de Palo
en Junio 5 del 2009 en Perú o la desaparición de Alto trasmitió la idea de caos, abandono, ausencia
43 estudiantes en Iguala México en Setiembre de ley y violencia (Teoría de los Cristales Rotos)
26/27 del 2014). los descuidos o violaciones menores de normas
Si adicionalmente, la discriminación y cívicas, sociales, comunitarias o interpersonales
el racismo son integrados a las sociedades, surtirán el mismo efecto, es decir, mayor
pronto se verán masivas violaciones y despojos deterioro social, indiferencia a la normatividad,
a comunidades indígenas ya sea por parte percepción de falta de autoridad y – sobre todo-
de grandes corporaciones trasnacionales, de deterioro de la conducta de las personas hasta
empresas privadas, del mismo estado o con su encausar la formación de otro tipo de valores
complacencia como en el caso de Chile y sus o antivalores (afectación del comportamiento
abusos contra la comunidad mapuche. colectivo o ruptura del tercer cristal).
En una sociedad con dichas características, Como lo postula Wilson y Kelling, la
los mecanismos que garantizan la coherencia ciudadanía percibirá que aquellas infracciones
interna de sus componentes se debilitarán y se generalizan y consecuentemente, retraerán
generarán diversos grados de inestabilidad social, o modificarán sus conductas. Observarán
que pueden desencadenar en conflictividad, impasibles como se pone en peligro la vida
delincuencia y divergencia que afectarán los humana con vehículos invadiendo las ciclovías,
derechos fundamentales hasta quebrantar ese cruzando en luz roja o estacionados en zonas
cuarto cristal denominado control social. prohibidas. No se implicarán cuando cualquier
persona es intimidada por algún delincuente
EL CONTROL SOCIAL O EL COLAPSO DE así se encuentre en riesgo su vida o cuando un
ESA ESTRUCTURA CRISTALINA LLAMA- agente del orden soborna o agrede a un ciudadano
que trata de exigir un derecho o solicitar alguna
DA DDHH intervención. Soportarán las agresiones acústicas
Teniendo en consideración que cualquier de los cláxones de vehículos de transporte
sociedad humana necesita disciplina u orden público o la criminal contaminación de grandes
social que garantice la coherencia interna de empresas que se benefician a costa de la salud
sus miembros7, el control social viene a ser del hombre y su medio ambiente. Romperán
el conjunto de instituciones, dispositivos y la identificación para con sus semejantes,
prácticas destinadas a preservar o imponer ese el propósito homogeneizador y de bienestar
orden que regule las relaciones sociales8 con común…Y cederán espacios, sintiéndose cada
sentido homogeneizador e integracionista. vez más objetos que seres humanos cuyos
El control social – según Stanley Cohen- derechos fundamentales se deben respetar.
se ejerce mediante reacciones sociales que son Paulatinamente dejarán de funcionar las
todas aquellas acciones adoptadas frente a instituciones o agencias de control social y
comportamientos y personas catalogadas como desaparecerá la figura de la sanción individual
desordenadas, problemáticas, preocupantes, para los infractores.
amenazantes, molestas e indeseables9 que La sistemática perdida de este control
generan fenómenos de divergencia social social, destruirá paulatinamente las barreras que
o de amenaza a la sociedad. Depende del garantizan el mínimo respeto por los derechos
mantenimiento del orden social (que preserva humanos.
los intereses de la sociedad) y establece- a través
de sus Instituciones o agencias de control social- NUEVOS RETOS Y DESAFÍOS: PRESER-
las correspondientes sanciones que pueden VAR CRISTALES ES ASEGURAR ESTRUC-
ser institucionales e individuales (castigo al TURA CRISTALINA DE DDHH
infractor mediante el ostracismo o retiro del
afecto) orientadas a preservar el orden social ya Cuando el control social está seriamente
que su afectación puede encaminar a una severa afectado no sólo es incapaz de regular y
pérdida de dicho control e inclusive desencadenar equilibrar la vida social con eficiencia y eficacia
en anomia. legitimadora, sino que produce disfunciones
o desajustes- como violencia y delincuencia-

220
De la Teoría de los Cristales Rotos a La Ruptura de los Derechos Humanos

que ponen en riesgo los derechos humanos, Previamente, es importante realizar un


destruyendo normas o reglas, liderazgos, metas análisis complementario del entorno general
colectivas y morales e impidiendo se ofrezca a la en que se desarrollan las normatividades que
sociedad una dirección a un ideal10.Es por ello regulan los DDHH en el mundo y en base a
que el objetivo fundamental del Estado debe ser ello, asumir los retos que correspondan. En
mantener el dominio y control de la sociedad11 dicho camino, podemos decir que para muchas
mediante un adecuado comportamiento social poblaciones de indefensos ciudadanos que
y respeto al orden social ya que como sostiene vieron desaparecer a toda una generación por
el sociólogo y filósofo francés Émile Durkheim las atrocidades cometidas por grupos terroristas,
sin reglas claras, la gente pierde el control, crimen organizado o paramilitares poco importa
actúa cada quien a su antojo permitiendo el si los autores de los atropellos llevan el uniforme
surgimiento de los problemas sociales que estatal o si obedecen a las órdenes de la revolución
impiden el desarrollo o el progreso de una o de la mafia15.
comunidad y pueden conducir- de no tomarse Para aquellas víctimas o para sus deudos,
las medidas correspondientes- a la anomia si los jamás tendrá sentido que el estado pretenda
miembros de la sociedad sientan que sus anhelos decirles que aquellas masacres humanas
y esperanzas no llegan a cumplirse o no logran fueron delitos y no flagrantes violaciones de los
satisfacer sus necesidades básicas. derechos humanos por el simple hecho de haber
A través de sus acciones como gobierno, sido cometidos por otras personas que no eran
el estado tiene la responsabilidad de solucionar agentes del estado. Equivaldría a reconocer que la
esas amenazas que pueden incidir en la violación comunidad de los derechos humanos, así como
de varios derechos humanos ya que todos los su respectiva agenda ha quedado atrapada en la
problemas sociales, resultan ser problemas de época en la que el estado era el autor principal
control social12. del abuso. Por el contrario, reflexionar y exigir
De acuerdo a lo que sostiene el sociólogo impostergables cambios sería acortar la división
estadounidense Edward Alsworth Ross, una conceptual entre el crimen organizado y la
de las mejores maneras de prevenir y combatir violación de los derechos humanos16 que es uno
la pérdida del control social es mantener de los principales factores que impiden la unión
a los integrantes de una sociedad viviendo de los grupos humanos para confrontar a los
estrechamente juntos, asociando sus esfuerzos violadores de sus derechos, independientemente
en armonía13 y creando las condiciones sociales de la naturaleza de los mismos.
que mantengan dicha armonía. Por ello, uno de los retos seria proponer
Por su parte, las condiciones sociales la revisión de los argumentos jurídicos,
mínimas exigen ausencia o minimización históricos y políticos de quienes defienden la
de deterioro físico y social para evitar que el unidireccionalidad del estado en la violación de
delito sea mayor allí en los lugares donde el los derechos humanos para que los gobiernos
desorden, suciedad, caos y abandono sean dejen de fingir que la protección de civiles no
mayores (conclusión de la mencionada Teoría) está a su alcance17. porque sería cruel seguir
ya que la disciplina es la vía que contribuye pretendiendo que grandes grupos humanos
al mantenimiento del orden social y el único afectados por extrema violencia acepten la
medio para construir una sociedad controlada y impunidad de sus violadores o la inacción del
en control de la naturaleza14 gobierno por el vergonzoso argumento según
el cual, el único modo de condenar a un ente
Por lo tanto, es importante identificar
violador de DDHH que no sea el estado
desde su fase primigenia aquellos fenómenos
implicaría reconocer a su autor como garante
o comportamientos sociológicos que han
legítimo de aquellos mismos derechos…ya que
aparecido como consecuencia de las deficiencias
solamente los sujetos obligados por los pactos
de los estados en su deber de proteger los DDHH
internacionales de DDHH son los estados y no
y que están provocando alarmante incremento
las personas toda vez que son acordados entre
de dichas violaciones- independientemente
gobiernos18.
del actor que las produzca- con la exclusiva
finalidad que los estados tomen las acciones Aquellos grupos tendrán el derecho moral
correspondientes que detengan y contrarresten de exigir que el concepto de DDHH se desprenda
dicha situación. de sus remotos orígenes europeos donde los

221
Juan Sebastián Verástegui Marchena

súbditos pugnaban por arrebatar exagerados fundamentales, no sólo dirigido al cumplimiento


derechos al soberano estatal. Aportarán de tareas represivas sino también a la salvaguarda
argumentos suficientes para exigir que no se de los derechos de las mayorías y de los grupos
catalogue como sospechoso de ocultar sus más vulnerables, que permita a sus integrantes
propias violaciones, a los estados que reclamen realizar las metas anheladas y satisfacer sus
la condena de los nuevos actores de violaciones necesidades19
sistemáticas de los derechos fundamentales de Por último, apreciado lector, os invito a
los seres humanos. evaluar cómo se encuentra vuestra nación en
Concluido el breve análisis complementario cuanto a la aparición de los primeros síntomas
del entorno general en que se desarrollan las de vulneración de valores (que cristales están
normatividades que regulan los DDHH y luego siendo quebrantados), las afectaciones que dicha
de identificar los nuevos fenómenos sociológicos ruptura están generando en el comportamiento
que afectan o modifican el comportamiento en colectivo de su sociedad (segundos cristales
las sociedades, el más importante de los retos es quebrados) y el grado de control social que
adoptar acciones que garanticen el respeto por el vienen perdiendo vuestras autoridades.
estado de derecho y sobre todo, el fortalecimiento Os aseguro que el resultado que obtendréis,
de las Instituciones del Estado que elaboren explicará el mayor o menor grado de violaciones
positivas políticas públicas como respuestas a las a los DDHH que se registran en su amado
demandas de la sociedad, particularmente a la país y os servirá para determinar las acciones
protección de los derechos humanos, basados en preventivas y correctivas que se requieran para
un adecuado control social e independientemente evitar el colapso de vuestras sociedades.
de la naturaleza del ente violador.
Alejar a nuestras naciones de situaciones
Recuperar buenas conductas cívicas y contaminadas que favorezcan la violación de
morales, actuar como desearíamos que actuaran los derechos humanos pasa por impedir el
nuestros vecinos y comunidades, comprender quebrantamiento de los primeros cristales porque
que la Policía y la autoridad en general necesitan si se rompe la primera barrera que soporta a una
de nuestras positivas actitudes, nos ayudará sociedad y nadie toma acciones para sancionar
a mantener un adecuado control social. Es ese hecho y repararlo…pronto todas las demás
decir, una sociedad convencida que uno de los barreras caerán y se engendraran generaciones
cometidos del control social en una sociedad más violentas que no respetarán en absoluto los
democrática es la protección de los derechos derechos humanos.

222
De la Teoría de los Cristales Rotos a La Ruptura de los Derechos Humanos

REFERENCIAS

MORRIS JANOWITZ Teoría social y control G; Pegoraro J., Universidad de Buenos Aires,
social American Journal of Sociology, Vol. 81, Buenos Aires: 75-117.
1. Universidad de Chicago. 1975. Publicado en SOUSA SANTOS, B. (1997) Pela mão de Alice. O
Delito y Sociedad. Revista de Ciencias Sociales, social e o político na pós-modernidade, Cortez,
N°6/7,199. São Paulo. 1a. edição 1995.
CHR MAGLEB, Psicologia y Psiquiatria http:// -----------------------(1997) Uma concepção
www.reddeautores.com/psicologia-psiquiatria/ multicultural de direitos humanos en rev. Lua
la-conducta-social. Nova, Nº. 39: 105-124.
ADORNO, S. (1995) A violência na sociedade TAVARES DOS SANTOS, J.V. (1995) A violência
brasileira: um painel inconcluso em uma como dispositivo de excesso de poder en rev.
democracia não consolidada en rev. Sociedade e Sociedade e Estado: violência, Departamento
Estado: violência, Departamento de Sociología de Sociologia da Universidade de Brasília,
de Universidade de Brasilia, Brasilia, julho/ Brasília, julho/dezembro, Vol. X, Nº. 2: 281-
dezembro, Vol. X, Nº. 2: 299-342. 298.
ADORNO, S; PERALVA, A. (1997) Estratégias de -----------------------(1997) A arma e a flor en rev.
intervenção policial no Estado contemporâneo Tempo Social, Departamento de Sociologia,
en rev. Tempo Social, Departamento de FFLCH-USP, São Paulo, Vol. 9, Nº. 1, maio:
Sociologia, FFLCH-USP, São Paulo, Vol. 9- Nº. 155-167.
1, maio: 1-4.
TIRELLI, C. (1996) Cartografia social da violência:
BOURDIEU, P. (1995) Respuestas. Por una estudo sobre a criminalidade na região
antropología reflexiva, Grijalbo, México. metropolitana de Porto Alegre 1988/1995,
DOMENACH, J.M. (1981) La violencia en La UFRGS, IFCH, PPS, Porto Alegre.
violencia y sus causas, Editorial de la Unesco, TRINDADE, J. (1993) Delinquência juvenil.
París: 31-45. Uma abordagem transdisciplinar, Livraria do
GIDDENS, A. (1996) Para além da esquerda e da Advogado, Porto Alegre.
direita, UNESP, São Paulo. WIEVIORKA, M. (1997) O novo paradigma da
-------------------- (1997) La vida en una sociedad violência en rev. Tempo Social, Departamento
postradicional en rev. Agora, Buenos Aires, Nº. de Sociologia, FFLCH-USP, São Paulo, Vol. 9-
6: 5-61. Nº. 1, maio: 5-41.
IANNI, O. (1995) Teorías da Globalização, ZALUAR, A. (1996) A globalização do crime e os
Civilização Brasileira, Río de Janeiro. limites da explicação local en Velho, G; Alvito,
PEGORARO, J. (1994) Teoría social, control social M. Cidadania e violência, Editoras UFRJ y
y seguridad, el nuevo escenario de los años 90 FGV, Rio de Janeiro: 48-68. ¨
en El control social en el fin de siglo, Pavarini,

223
Juan Sebastián Verástegui Marchena

NOTAS

1. Declaración Universal de los Derechos 12. Robert Ezra Park, Introduction to the Sciencie
Humanos. of Sociology, p. 785.
2. Naciones Unidas Derechos Humanos El 13. Morris Janowits, “Teoria Social y Control
derecho internacional de los derechos humanos Social”, American Journal of Sociology. Vol. 81,
www.ohchr.org/SP/ProfessionalInterest/Pages/ 1. Universidad de Chicago.1975. Publicado en
InternationalLaw.aspx. Delito y Sociedad. Revista de Ciencias Sociales,
3. Declaración Universal de los DDHH Artículo N°6/7, 1995.
30. 14. Mauricio Nieto Olarte, Orden natural y orden
4. La Jornada diario mexicano www.jornada. social, p. 195
unam.mx/2012/03/28/politica/005n1pol. 15. Rainer Huhle, La violación de los derechos
5. Declaración Universal de los Derechos humanos ¿privilegio de los estados?, Centro de
Humanos Artículo 1. Derechos Humanos de Nuremberg.

6. Robert K. Merton, Teoria y Estructuras Sociales 16. Joy Olson, traducido por Carlos Schmidit, El
VI. Estructura Social y Anomia. Crimen Organizado como un asunto de los
Derechos Humanos, Revista Harvard Review
7. Ramón De La Cruz Ochoa, Control Social y for Latin America
Derecho Penal.
17. Amnistia Internacional Informe Anal 2014-
8. Pablo Elías Gonzales Mongui, Control Procesos 2015 http://www.amnistia.org.ar/noticias-
de Selección Penal Negativa, Investigación y-documentos/archivo-de-noticias/informe-
Criminológica, p. 115. anual-20142015
9. Pablo Elías Gonzales Mongui, Control Procesos 18. Rainer Huhle, La violación de los derechos
de Selección Penal Negativa, Investigación humanos ¿privilegio de los estados?, Centro de
Criminológica, p. 114. Derechos Humanos de Nuremberg.
10. Teoría Social y Control Social, American Journal 19. Pablo Elías Gonzales Mongui, Control Procesos
of Sociology. Vol. 81, 1. Universidad de Chicago. de Selección Penal Negativa. Investigación
1975. Publicado en Delito y Sociedad. Revista Criminológica, p. 115.
de Ciencias Sociales, N°6/7,1995, p. 2. http://
www.catedras.fsoc.uba.ar/pegoraro/Materiales/
Janowitz_Teoria_Social_Control_Social, PDF.
11. Jaume Balboa, Entre el miedo y la violencia.
Estrategias de Terror y Represión para el Control
Social.

224
INTERNATIONAL HUMANITARIAN LAW
IN THE JURISPRUDENCE OF THE INTER-AMERICAN
COURT OF HUMAN RIGHTS*

Juana María Ibáñez Rivas


International Human Rights Law and International Humanitarian Law Consultant Researcher with the Sorbonne
Study Group on International and Latin American law (Groupe d’études en droit international et latino-américain
de La Sorbonne - GEDILAS-IREDIES).

ABSTRACT IHL, especially in regard to the mechanisms


established to guarantee their implementation.
The Inter-American Court began to The conventional instruments of IHRL include
explicitly refer to IHL as of 2000. The study of various international control mechanisms
its jurisprudence enables the identification of before human rights protection bodies, while
the factual bases upon which the Court verified IHL relies on more limited mechanisms, with
that the facts of the relevant cases had taken an almost nonexistent level of implementation.1
place within a context of armed conflict, and In light of this situation, the IHRL control
of the legal bases establishing its jurisdiction to mechanisms appear to have a complementary
refer to a legal framework that is external to the role in guaranteeing the implementation of IHL.
Inter-American corpus juris. The case law also
Within the framework of regional
demonstrates that on the basis of interpretations
human rights systems, we shall focus on the
in light of IHL, the Court has reinforced the
autonomous judicial body of the Inter-American
content and scope of human rights and of the
Human Rights System (hereinafter: Inter-
obligations of States; and that, going beyond
American System), the Inter-American Court
mere interpretation, the Court declared the
of Human Rights (hereinafter: Inter-American
breach of IHL principles and ordered reparation
Court or Court). The Inter-American Court has
measures to guarantee the implementation of
developed a long-standing relationship between
IHL. As such, the Inter-American Court has
IHL and the implementation of the American
become an indirect mechanism for the control
Convention on Human Rights (hereinafter:
of IHL.
American Convention, Convention or ACHR),
especially in the exercise of its contentious
Keywords
jurisdiction by highlighting throughout its
International Human Rights Law;- jurisprudence the different manners in which to
International Humanitarian Law; Inter- refer to IHL.
American Court of Human Rights; Inter- In the Court’s first judgments, we identify
American corpus juris; lex specialis; control cases involving situations of internal armed
mechanism. conflict that, nevertheless, do not expressly refer
to IHL. In such cases, only “the terms” of IHL
1. INTRODUCTION are used in a more or less discreet manner to
The convergence of International Human introduce the actors of the armed conflict, as well
Rights Law (hereinafter: IHRL) and International as the facts that constitute the violations of the
Humanitarian Law (hereinafter: IHL) regarding rights recognized in the American Convention
the protection of the dignity of the human person in this context. In this jurisprudence, IHL thus
is not in doubt. Nevertheless, the approach appears to be present implicitly or “in code.”2
of these two branches of public international It is only in 2000, in the Las Palmeras
law to this protection differs, resulting in v. Colombia case,3 that the Inter-American
significant distinctions between IHRL and

225
Juana María Ibáñez Rivas

Commission on Human Rights (hereinafter: 2. THE BASES JUSTIFYING THE INTER-


Inter-American Commission, Commission or
IACHR),4 for the first time, confronts the Court
AMERICAN COURT’S USE OF IHL
with the possibility of using IHL in the exercise of IN ITS IMPLEMENTATION OF THE
its competence.5 This case marks the beginning AMERICAN CONVENTION
of a series of explicit references to IHL by the
Inter-American Court in its contentious case The Court’s reliance on norms outside
law, particularly in cases involving four State of the Inter-American corpus juris, including
parties to the Convention that have a history the norms of IHL, requires justifications that
of internal armed conflict, namely Colombia, El go beyond the laudable aim of promoting
Salvador, Guatemala, and Peru. The Court thus greater protection of human rights, given
postulates the difference between “applying” that the Court is a supervisory body of IHRL
and “interpreting” IHL, specifying that while it with specific powers that are enshrined in the
is not competent to apply it, it can interpret the American Convention. Since the reference to
American Convention in light of IHL. IHL is only relevant in the context of an armed
conflict, it has been necessary for the Court to
Within the framework of this explicit verify in each case that the facts at issue were
reference to IHL as of 2000, it is possible still taking place in such a context (1). Moreover, the
to identify two different approaches: a first one Court’s use of IHL has required it to identify the
where the Court uses IHL to complement the legal bases that support its jurisdiction rationae
content and scope of the human rights and materiae to refer to a regulatory framework that
general State obligations that are recognized is outside of the Inter-American corpus juris
in the Convention; and a second where IHL is strictly speaking (2).
truly integrated into the Court’s reasoning and
in the consequences of the declaration of the 2.1 Sources that have enabled the In-
State’s international responsibility, to the extent
that the Court’s role seems to go beyond mere ter-American Court to confirm the
interpretation. existence of an armed conflict the-
In any event, the implicit and explicit reby justifying its reference to IHL
references to IHL do not necessarily correspond
The history of the American continent is
to stages of “preclusion” in the Court’s
rife with situations where States’ democratic life
jurisprudence. Since 2000, when the Court
was interrupted due to, inter alia, the imposition
began to refer explicitly to IHL, and up until
of dictatorial governments or the outbreak of
today, there are judgments in cases involving
armed conflict. These situations have left a mark
armed conflicts that have made no explicit
on the context in the region even despite the
reference to IHL. Moreover, despite the Court’s
establishment of the Inter-American System.7
more bold jurisprudence, which appears to
As such, the existence of internal armed conflicts
go beyond mere references to IHL in terms of
in certain State parties to the Convention is an
interpretation, it continues, in parallel, to refer
undeniable historical fact.
to IHL to supplement the content and scope of
human rights and State obligations. Therefore, However, as a judicial body of human rights,
there is no rule regarding the criteria that it is essential for the Court that the existence
determine the Court’s use of IHL. It is clear, of an internal armed conflict, as a factual
however, that such use is taking place and is – it circumstance in a case, be duly established.8
seems to us – inevitable; and that the passing of In this sense, by relying on different sources in
time has demonstrated that there is no turning the evidentiary record of the relevant cases, the
back from such practice.6 Inter-American Court has been able not only
to confirm the existence of an internal armed
In this article, we shall analyze the
conflict, but also to identify whether the conflict
Inter-American Court’s explicit use of IHL
was governed at the domestic level solely by
by focusing on the identification of the bases
common Article 3 of the four 1949 Geneva
justifying its use (I), and the study of the
Conventions (hereinafter: common Article 3)
evolution of references to IHL throughout the
or also by the 1977 Additional Protocol II to
Court’s jurisprudence (II).
the 1949 Geneva Conventions relating to the

226
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

protection of victims of non-international armed Basin (Operation Genesis),17 and Rodríguez


conflicts (hereinafter: AP II).9 Vera et al. (The Disappeared from the Palace of
Justice),18 that the Court assumed, without the
A. The recognition of State responsibility slightest doubt, that the relevant facts took place
and the interpretation of its silence during an internal armed conflict. As such, the
Court has referred to the origin and evolution
In some cases, the context of an internal
of the armed conflict in Colombia, highlighting
armed conflict has been established as a proven
the various state and non-state actors involved
or undisputed fact based on the State’s own
in the hostilities.
recognition of responsibility, independently
of the fact that the State acknowledged the As for the applicable regime to the Colombian
existence of an armed conflict as such.10 In internal armed conflict, the Constitutional
this regard, Article 62 of the Rules of Procedure Court of Colombia’s decision Nº. C-225 of May
of the Court (Acquiescence) 11 provides that 18, 1995 on AP II’s constitutionality has been
if the respondent State informs the Court of the utmost importance. According to this
“of its acceptance of the facts or its total or decision, cited by the Inter-American Court in
partial acquiescence to the claims stated in the the cases against Colombia, “the requirements
presentation of the case or the brief submitted by for the application of Article 1 [of AP II] are
the alleged victims or their representatives, the maximum requirements that States can waive,
Court shall decide, having heard the opinions since Protocol II is a development of and
of all those participating in the proceedings and complement to common Article 3.” However,
at the appropriate procedural moment, whether given that the Colombian Constitution clearly
to accept that acquiescence, and shall rule upon provides that the rules of IHL must be respected
its juridical effects.” According to Article 64 of in all cases, the Colombian Constitutional
the Rules of Procedure (Continuation of a Case), Court concluded that “in accordance with
even in cases involving acquiescence, “[b]earing the Constitution, [IHL], obviously including
in mind its responsibility to protect human Protocol II, applies in Colombia in any event,
rights, the Court may decide to continue the without it being necessary to determine whether
consideration of a case.” the conflict reaches the intensity levels required
by Article 1.”19
Furthermore, according to Article 41(3) of
the Rules of Procedure of the Court (the State’s B. The reports of the Truth Commissions20
Answer), the Court may consider “those facts
that have not been expressly denied and those The Inter-American Court has openly
claims that have not been expressly controverted declared that it grants “a special value to reports
as accepted,” “without this meaning that it will of Truth Commissions or Commissions for
automatically consider them accepted in all Historical Clarification as relevant evidence
cases in which they are not opposed by one of in the determination of the facts and of the
the parties, and without an assessment of the international responsibility of the States in
specific circumstances of the case and of the various cases which have been submitted before
body of evidence.” According to the Court’s it.”21 Nevertheless, in recent jurisprudence, the
jurisprudence, the silence of the respondent State Court has specified that the establishment of a
or any elusive or ambiguous answers “may be context, based on truth commission report “does
interpreted as an acceptance of the facts in the not exempt [it] from assessing the whole body of
Merits Report while the contrary does not emerge evidence according to the rules of logic and based
during the proceedings or as a result of the Court’s on experience, without being subject to rules
conclusions.”12 concerning the quantum of evidence.”22
Thus, in respect of Colombia, it can be In the cases of Bámaca Velásquez,23 Las
concluded, on the basis of the interpretation of Dos Erres Massacre,24 and Gudiel Álvarez et al.
the State’s silence and partial acquiescence of (“Diario Militar”)25 against Guatemala, the Court
international responsibility in the analysis of referred, in addition to the State’s recognition
the judgments in the cases of Las Palmeras,13 of responsibility to confirm the existence of an
Mapiripán Massacre,14 Ituango Massacre,15 armed conflict, to the reports of the two truth
Santo Domingo Massacre,16 Afro-Descendant commissions established in the country after
communities displaced from the Cacarica River the armed conflict ended, namely, “Guatemala:

227
Juana María Ibáñez Rivas

Memory of Silence” by the Commission for as “applicable law” for the analysis that the
the Historical Clarification of Human Rights Commission carried out in its report.36
Violations and Acts of Violence that have caused Regarding Peru, the judgments in the De
suffering to the Guatemalan People (hereinafter: La Cruz Flores,37 Osorio Rivera and family,38
Commission for Historical Clarification),26 and J.,39 Espinoza Gonzáles,40 and Cruz Sánchez et
“Guatemala: Never Again” by the Interdiocesan al.41 cases have referred mainly to the Report
Project for the Recovery of Historical Memory.27 of the Truth and Reconciliation Commission
Based on these two reports, it was established, (hereinafter: TRC)42 and to previous Peruvian
in the relevant cases against Guatemala, that cases, as evidence of the existence of an internal
between 1962 and 1996 there was an internal armed conflict in the country. According to
armed conflict that pitted armed groups against the Court, the TRC’s Report “is an important
the State’s armed forces. reference, as it provides a comprehensive view of
According to the Report of the Commission the armed conflict in Peru.”43 Citing the report,
for Historical Clarification, although AP II was the Court confirmed that since the beginning of
ratified by Guatemala “at a very late stage in the the 1980s and until the end of the year 2000,
armed confrontation” and despite the fact that Peru went through an armed conflict between,
“the government always denied its applicability,” on the one hand, police officers and the armed
it was considered “as part of [Guatemala’s] legal forces, and on the other hand, the “Shining Path”
framework because many of the norms contained and “Tupac Amaru Revolutionary Movement”
in said Additional Protocol are part of customary armed groups.
international law.”28 Thus, the Commission Similarly, the report of the TRC provided
for Historical Clarification concluded that the some references regarding the IHL regime
provisions of AP II “should be considered as a applicable to the internal armed conflict that
valid and relevant framework of reference.”29 took place in the country during two decades.
With respect to El Salvador, in the judgments The TRC stated that the facts in its report only
in the Serrano Cruz Sisters,30 Contreras et al.,31 explained themselves “through the existence
Massacres of El Mozote and nearby places,32 of an internal armed conflict undoubtedly
and Rochac Hernández et al.33 cases, the Court governed by common Article 3.”44 Although
considered, in addition to the State’s recognition the TRC expressly indicated that it was not the
of international responsibility, the report of a body that should decide whether the Peruvian
truth commission to establish the existence of armed conflict met the necessary requirements
an armed conflict in the country, namely, the for the application of AP II, it concluded
Report of the Truth Commission for El Salvador, that common Article 3 was “the appropriate
entitled “From Madness to Hope, the 12-year regulatory framework for the determination of
war in El Salvador,”34 read in conjunction with the core non-derogable rights that are in force.”
the Peace Accords of El Salvador signed with the It added that this did not constitute “in any way
support of the United Nations.35 Within that an obstacle to apply the provisions of Protocol
framework, it was proven that from 1980 to II, insofar as they are applicable and relevant.”45
1991, El Salvador underwent an internal armed For these reasons, it is clear that in cases
conflict that opposed the Farabundo Martí where the Inter-American Court has explicitly
National Liberation Front (hereinafter: FMLN) referred to IHL, it has not directly determined
to the State’s armed forces. the existence of an armed conflict, which is an
The Report of the Truth Commission essential precondition for references to IHL. To
for El Salvador confirmed that the Salvadoran establish that circumstance as a proven fact, the
armed conflict “met the requirements” for the Court based itself on the recognition of the State’s
application of common Article 3 and AP II, and international responsibility, the interpretation of
that, as a result, these provisions were “legally its silence, and the reports of truth commissions.
binding for both insurgent and Government Such sources have also enabled the Court to
forces.” Specifically, the Truth Commission for become aware of the IHL regime applied to the
El Salvador indicated that the FMLN “officially analysis of the internal armed conflict and, as a
stated that certain territories were under its result, to refer indistinctly in its considerations
control, and it did in fact exercise that control,” to the norms of common Article 3 and AP II.
justifying therefore the relevance of AP II

228
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

2.2 Sources that have enabled the Inter- competent to use it as an interpretive tool of the
American Convention.48
American Court to substantiate its
As such, based on the jurisprudence of its
rationae materiae jurisdiction there- first advisory opinion of 1982,49 the Court has
by justifying its reference to IHL retained for itself a right of inspection or “droit
Neither the preamble nor the different de regard” over the compliance by a State party
provisions of the American Convention refer to the Convention with its IHL obligations,
explicitly to IHL. Nevertheless, there are even if it cannot, in principle, derive legal
certain articles in the text of the Convention consequences therefrom.50 The Court has thus
whose interpretation has provided the Court pointed out that although it “lacks competence
with elements upon which to substantiate to declare that a State is internationally
the relevance of the references to IHL in its responsible for the violation of international
jurisprudence. In light of the fact that States treaties that do not grant it such competence, it
have questioned the Court’s competence can observe that certain acts or omissions that
rationae materiae to use IHL, the Inter- violate human rights, pursuant to the treaties
American Court has also made use of extra- that they do have competence to apply, also
conventional references to justify its reading of violate other international instruments for
the Convention under this branch of law. the protection of the individual, such as the
1949 Geneva Conventions and, in particular,
A. Conventional references to support the common Article 3.”51
Court’s use of IHL In respect of Article 27 on “Suspension of
Guarantees,” the fact that the Court has not
Regarding the references to the Convention referred to it in all cases associated with situations
that permitted the Court to substantiate its use of internal armed conflict given, among others,
of IHL, it is important to highlight three specific that an alleged suspension of guarantees was not
provisions of the American Convention, namely raised, does not represent an obstacle to highlight
Articles 27, 29, and 64. its relevance as a conventional source justifying
Pursuant to Article 29 of the Convention references to IHL in the Court’s jurisprudence.
on “Restrictions Regarding Interpretation” In any event, the importance of Article 27 lies
and Article 64 which regulates the advisory in the fact that it is the only provision of the
jurisdiction of the Court, the Court has ruled American Convention that mentions “war” as a
that the Convention can be interpreted in context for the application of the treaty.
relation to other international instruments.46 On this specific issue, the Court has stated
It has also held that when a State is a party to that although “the State has the right and
the Convention and has accepted the Court’s obligation to guarantee its security and maintain
contentious jurisdiction, the Court may examine public order, its powers are not unlimited,
the compatibility of that State’s conduct or of because it has the obligation, at all times, to
a norm of domestic law with the rights and apply procedures that are in accordance with
obligations contained in the Convention, the law and to respect the fundamental rights
interpreted in the light of other treaties.47 On of each individual in its jurisdiction.”52 As
that basis, the Court has stated that there is an such, according to the Court, “Article 27(1) of
“equivalence” between the content of common the Convention permits the suspension of the
Article 3 and the provisions of the Convention obligations that it establishes, ‘to the extent
and other international instruments regarding and for the period of time strictly required by
inalienable human rights, and that “the the exigencies of the situation’ in question.
relevant provisions of the Geneva Conventions The measures adopted should not violate other
can be taken into account as elements for the international legal obligations of the State Party,
interpretation of the American Convention.” and should ‘not involve any discrimination […].’
This clarification has constituted the starting This means that the prerogative must also be
point upon which the Court emphasizes the exercised and interpreted in keeping with the
conceptual difference between “application” provisions of Article 29)(a) of the Convention,
and “interpretation,” noting that although it is exceptionally and in restrictive terms.”53 For its
not competent to apply IHL in its cases, it is part, Article 27(2) specifies which rights of the

229
Juana María Ibáñez Rivas

Convention constitute the inalienable core, that Likewise, the Court has expressly referred
is, those rights that may not be suspended in the to the complementarity or convergence between
event of war, public danger, or other emergency IHRL and IHL and to the applicability of the
that may threaten the independence or security of former during times of peace and during an armed
a State Party.54 Finally, Article 27(3) establishes conflict on the basis not only of Article 27 of the
the States’ obligation to immediately inform the Convention, but also of common Article 3, the
other States Parties to the Convention, through preamble and Article 4 of AP II, and Article 75
the Secretary General of the Organization of AP I.57 According to the Court, the specificity
of American States, “of the provisions the of IHL does not prevent the convergence and
application of which it has suspended, the the application of the norms of IHRL that are
reasons that gave rise to the suspension, and the enshrined in the American Convention and
date set for the termination of such suspension.” in other international treaties, thus reiterating
Specifically, the Court stated that a situation of that IHRL remains in effect during an armed
armed conflict does not exonerate a State from conflict.58 In this manner, the Court has noted
its obligations to respect and guarantee the that a State “cannot question the full applicability
rights of individuals, recognized in Article 1(1) of the human rights embodied in the American
of the Convention, and that, to the contrary, the Convention, based on the existence of a non-
State is obliged “to act in accordance with said international armed conflict.”59
obligations.”55 In this regard, the Court has stated that
by using IHL as a norm for interpretation that
B. Extra-conventional references to complements the Convention, it “is not ranking
support the Court’s use of IHL the different laws, because the applicability and
Despite the Inter-American Court’s relevance of [IHL] in situations of armed conflict
position since 2000, States have continued is not in doubt.”60 The Court has also highlighted
to raise preliminary objections challenging that this complementary interpretation implies
the Court’s jurisdiction to refer to IHL. When only that it “may observe the rules of [IHL], as a
answering these States in its considerations, the specific law in the matter, in order to apply the
Court has added extra-conventional references norms of the Convention more precisely when
complementing the justification for interpreting defining the scope of the State’s obligations.”61 In
the American Convention in light of a body of this sense, the Court has reinforced the principle
law that is beyond that of the Inter-American of lex specialis affirming that IHL is better suited
corpus juris. to armed conflicts than IHRL.
The reference to Article 29 of the Convention Furthermore, the Court has completed its
has been complemented by a reference to the reasoning by referring to the jurisprudence of
general rules of treaty interpretation contained national courts and to domestic legislation on
in the 1969 Vienna Convention on the Law IHL. In a case concerning the State of Colombia,
of Treaties. Thus, the Court has emphasized the Court declared, referring to Article 29(b)
its competence to interpret the American of the American Convention, that the norms
Convention in light of other international treaties, of IHL that were relevant for the analysis of
recalling that for the purpose of interpreting a the case (common Article 3 and AP II) were in
treaty, “it does not only take into account the force in Colombia when the facts of the case
agreements and instruments formally related took place.62 The Court also noted that, in the
to it” (Article 31(2) of the Vienna Convention), Constitutional Court of Colombia’s landmark
“but also the context” (Article 31(3) of the decision C-225 of 1995,63 those IHL norms had
Vienna Convention). As such, the Court stated been declared as “jus cogens norms, which are
that “this concept is particularly important for part of the Colombian ‘constitutional block’ and
[IHRL], which has made substantial progress by are mandatory” for the State and for all armed
the evolutive interpretation of the international State and non-State actors involved in the armed
protection instruments.” According to the conflict. Consequently, the Court reaffirmed
Court, “[t]hese parameters allow [it] to use the that individuals protected by the IHL regime “do
provisions of [IHL], ratified by the defendant not, for that reason, lose the rights they have
State, to give content and scope to the provisions pursuant to the legislation of the State under
of the American Convention.”56 whose jurisdiction they are.”64

230
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

In addition, in line with what has been Court has supplemented the content and scope
previously noted, the Court has had the of the right to life, the right to humane treatment,
opportunity to complement the argument the right to personal liberty, freedom from ex post
regarding its competence to use IHL by facto laws, the rights of the child, the right to
referring to the aforementioned reports of truth private property, and the right of movement and
commissions. As such, the Inter-American residence. This new interpretation in the light
Court has referred to the statements made in of IHL has led to a “new reading” of the State
those reports regarding the relevance of the joint parties to the Convention’s general obligations
interpretation of IHRL and IHL in the context of in the context of an armed conflict.
an internal armed conflict.65
Therefore, we find that the Inter-American A. The human rights under the Convention
Court, as a supervisory human rights body, is not in light of IHL
granted express authorization by the American Regarding the right to life (Article 4 of
Convention to use IHL within the framework the ACHR), the Court has noted, citing the
of its contentious jurisdiction. Nevertheless, International Court of Justice and the European
a bold interpretation thereof and references to Court of Human Rights (hereinafter: ECtHR),66
extra-conventional sources have enabled the that IHL does not displace the applicability of said
Court to justify the possibility of interpreting provision, “rather it nourishes the interpretation
the Convention in the light of other treaties, of the Convention’s provision that prohibits
highlighting in this case those concerning IHL. arbitrary deprivation of life” in the context of
events that occurred during an armed conflict
3. THE EVOLUTION OF EXPLICIT (Cruz Sánchez et al. § 272). Likewise, and as a
REFERENCES TO IHL IN THE complement to the right to humane treatment
INTER-AMERICAN COURT’S (Article 5 of the ACHR), the Court has recalled,
as provided in common Article 3, that a State
JURISPRUDENCE facing an internal armed conflict “should grant
The Court’s explicit references to IHL those persons who are not participating directly
norms does not have the same characteristics in the hostilities or who have been placed hors de
throughout its jurisprudence. On the one combat for whatever reason, humane treatment,
hand, we have identified a consistent approach, without any unfavorable distinctions” because
based on interpretations in the light of IHL, IHL “prohibits attempts against the life and
to strengthen the content and scope of the personal integrity of those mentioned above, at
human rights and State obligations recognized any place and time” (Bámaca Velásquez § 207).
in the Convention (1). On the other hand, the In massacre cases, when determining the
second approach seems to go beyond the simple international responsibility of the State, the
interpretation of the Convention in light of Court has indicated that it cannot ignore the
IHL, which is evidenced through the use and existence of general and special State obligations
declaration of violations of the basic principles to protect the “civilian population,” derived from
of IHL in the analysis of the facts, and by way of common Article 3 and Articles 4 (Fundamental
the order of measures of reparations aiming to Guarantees) and 13 (Protection of the Civilian
implement IHL (2). Population) of AP II, which involve passive
obligations (not to kill, not to violate physical
3.1 IHL as a complement to the content integrity, etc.) as well as positive obligations to
and scope of the rights and obliga- impede violations against said persons by third
parties (Mapiripán Massacre § 114; El Mozote
tions recognized in the American
Massacres §§ 148, 153 and 155).
Convention In addition, the Court has recalled the
In the merits analysis of cases related to absolute and inderogable prohibition against
internal armed conflicts, the Court has examined torture and cruel, inhumane, or degrading
human rights violations and noncompliance of treatment or punishment even “under the most
State obligations recognized in the American difficult circumstances, such as war, threat of
Convention in relation to IHL norms. Thus, the war, the fight against terrorism and other crimes,
state of siege or emergency, civil commotion or

231
Juana María Ibáñez Rivas

domestic conflict, suspension of constitutional act carried out by the victim in the case which,
guarantees, domestic political instability or according to the Court, “is not only an essential
other public emergencies or catastrophes.” In lawful act, but also the physician’s obligation
this regard, the Court has referred to common to provide.” The Court also held that the State
Article 3, GC III (Articles 49, 52, 87, 89, and had violated said principle “for imposing on
97), GC IV (Articles 40, 51, 95, 96, 100, and physicians the obligation to report the possible
119), AP I (Article 75 (2)(a)(ii)) and AP II (Article criminal behavior of their patients, based on
4(2)(a)) (J. § 304, Espinoza Gonzalez § 141). information obtained in the exercise of their
Similarly, the Court has held, citing Rule 117 profession” (De La Cruz Flores § 102).
of Customary IHL, which was systematized by Regarding the rights of the child (Article 19
the International Committee of the Red Cross of the ACHR), the Court has established that
(ICRC),67 that the denial of truth to family IHL “safeguards, in a general manner, children
members of enforced disappearance victims as part of the civilian population, that is, people
in the context of an internal armed conflict, who do not actively participate in hostilities, who
concealment of State information during the should be treated humanely and not be attacked”
transition process following the signing of peace (Rochac Hernandez et al. § 110). In that regard,
agreements ending a conflict, as well as impunity it noted that the content and scope of these
during the investigations, are all violations rights in the context of non-international armed
of the right of the victims’ family members to conflicts should be specified, taking into account
know the truth, in breach of humane treatment the relevant provisions of the Convention on
(Diario Militar §§ 295-302). the Rights of the Child and AP II, especially
The right to personal liberty (Article 7 of Article 4(3) pursuant to which children should
the ACHR) has been analyzed in light of IHL in receive “the care and aid they require,” and,
relation to the deprivation of liberty as one of the in particular, all appropriate measures “to
concurrent and constitutive elements of enforced preserve family unity and to facilitate the
disappearance (Osorio Rivera and family § 113). search, identification, and reunification [...] of
In this regard, the Court has referred to Rule 99 families separated due to an armed conflict and,
of Customary IHL, which states that “[a]rbitrary in particular, of unaccompanied and separated
deprivation of liberty is prohibited.” Accordingly, children” (Mapiripan Massacre § 153, Dos Erres
the Court has indicated that pursuant to Massacre § 191, Contreras et al. §§ 86 and 107,
international law obligations, especially Article Santo Domingo Massacre §§ 238-239, Rochac
27(1) of the Convention, the prohibition against Hernandez et al. § 110).
arbitrary detention or imprisonment cannot be Taking into consideration Article 38(4)
suspended during a non-international armed of the Convention on the Rights of the Child,
conflict (Osorio Rivera and family § 120) and the Court has stated that children, during an
it is applicable even in cases of detention for armed conflict, “are in a situation of greater
reasons of public security (The Disappeared vulnerability and risk of having their rights
from the Palace of Justice § 402). In addition, affected” (Contreras et al. § 108, El Mozote
although it did not expressly refer to Article 7 of Massacre § 155, Rochac Hernandez et al. §
the Convention, the Court has recalled that the 110), resulting in an “aggravated responsibility”
taking of hostages is prohibited “at any time and of the State when children are the victims in a
place,” according to the provisions of common case (Mapiripan Massacre §§ 155-156, Ituango
Article 3 and Rule 96 of Customary IHL (Cruz Massacre § 246).
Sánchez et al. § 269).
Furthermore, the Court has ruled on the
On the right to freedom from ex post facto violations of the rights of women and girls in the
laws (Article 9 of the ACHR), the Court has context of an armed conflict by citing to a case
ruled specifically on the “penalization of medical in which it had implicitly referred to IHL.68 In
activities” in the context of an armed conflict that sense, it recalled that various international
(De La Cruz Flores §§ 90-93). Citing Articles 16 bodies have recognized that “during armed
of AP I, 10 of AP II, and 18 of GC I, the Court conflicts, women and children face specific
found that the State committed a violation of situations that affect their human rights, such
the principle of freedom from ex post facto laws, as rape, which is frequently used as a symbolic
among others, for having penalized the medical means of humiliating the opposing party or

232
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

as a means of punishment and repression.”69 hygiene, health, safety and nutrition” (Mapiripán
According to the Court, “[t]he use of the Massacre §§ 172-173, Ituango Massacre § 209,
State’s power to violate the rights of women Operation Genesis § 222). Thus, the Court has
in an internal conflict, in addition to affecting referred to a “heightened vulnerability” in the
them directly, may be intended to produce an case of displaced persons (Ituango Massacres §§
effect on society, and send a message or teach a 125.106 and 212). Moreover, it considered that
lesson”70 (El Mozote Massacres § 165, Espinoza the Guiding Principles on Internal Displacement,
Gonzales § 226). drafted by the Representative of the UN Secretary
Regarding the right to private property General for Internally Displaced Persons,71 are
(Article 21 of the ACHR), the Court has particularly relevant to define the content and
emphasized, in relation to the theft of livestock scope of Article 22 of the American Convention,
and the burning of houses and shops belonging to since they are based on IHRL and IHL norms
civilians, that Articles 13 (Protection of Civilians) (Mapiripan Massacre § 171, Ituango Massacre §
and 14 (Protection of Objects Indispensable to 209, Santo Domingo Massacre § 256, Operation
the Survival of the Civilian Population) of AP II Genesis §§ 222 and 349).
prohibit, respectively, “acts or threats of violence
the primary purpose of which is to spread terror B. The State’s Obligations under the
among the civilian population,” causing a Convention in light of IHL
massive displacement of people, as well as “to As has become clear, the Inter-American
attack, destroy, remove or render useless for that Court has “redefined” the general obligations
purpose objects indispensable to the survival of of State parties to the Convention as a result of
the civilian population” (Ituango Massacres § the interpretation, in light of IHL, of the human
180, El Mozote Massacres § 179). The Court rights recognized therein. The Court has also
has stressed the “particular gravity” of such provided specific clarifications regarding said
violations (Ituango Massacres § 182). Moreover, obligations.
it has interpreted the scope of that same right
The obligation to respect and guarantee
in light of the relevant rules of Customary
rights (Article 1(1) of the ACHR) and the
IHL, in particular Rules 7, 8, 9, and 10 on the
obligation to adopt domestic legal effects
prohibition of attacks against civilian objects
(Article 2 of the ACHR) have been the subject
and the distinction between these and military
of recent developments by the Court, which
objectives (Santo Domingo Massacre §§ 270-
has emphasized the limits on the possibility
271, Operation Genesis § 349).
of granting amnesties in connection with an
In addition, the Court has stated that internal armed conflict, based on a systematic
plundering committed after a massacre, in that interpretation of Article 6(5) of AP II and Rule
it constitutes a taking of private property during 159 of Customary IHL. The Court has held
an armed conflict without the consent of its that, according to IHL, in certain instances, the
owner, is expressly prohibited by Article 4(2)(g) passing of amnesty laws upon the cessation of
of AP II and Rule 52 of Customary IHL (Santo hostilities in a non-international armed conflict
Domingo Massacre § 272). The Court has also is justified to allow a return to peace. However,
referred to Rule 133 of Customary IHL which it explained that the granting of amnesties under
states that “[t]he property rights of displaced Article 6(5) of AP II is not absolute, since the
persons must be respected” (Santo Domingo State obligation to investigate and prosecute war
Massacre § 272, Operation Genesis § 349). crimes also exists in IHL. As such, the Court
With respect to the right of movement and stressed, citing Rule 159 of Customary IHL,
residence (Article 22 of the ACHR), the Court that although “[a]t the end of the hostilities,
cited Article 17 of AP II, which prohibits ordering the authorities in power must endeavor to grant
the displacement of civilians “for reasons the broadest possible amnesty to persons who
related to the conflict, unless the security of the have participated in a non-international armed
civilians involved or imperative military reasons conflict, or to those deprived of their liberty for
so demand.” According to Article 17, in the reasons related to the armed conflict,” there is
latter case “all possible measures shall be taken an exception in the case of persons suspected of,
in order that the civilian population may be accused of or sentenced for war crimes or crimes
received under satisfactory conditions of shelter, against humanity, such as those categories

233
Juana María Ibáñez Rivas

defined in the Rome Statute of the International the cases cited above demonstrates not only that
Criminal Court. Pursuant to the Court’s the joint use of IHRL and IHL in the Court’s
reasoning, such persons shall not be covered by reasoning is possible, but also that such use is
an amnesty (El Mozote Massacres §§ 285-286). desirable insofar as the specificity of IHL allows
Regarding the obligation to investigate, for greater protection of human rights and more
prosecute, and, if applicable, punish those demanding State obligations in the analysis of
responsible for human rights violations (Article cases linked to armed conflicts.
1(1), in relation to Articles 8 and 25 of the
ACHR), the Court has indicated that the fact 3.2 IHL integrated into the Inter-Ameri-
that the victims’ death has taken place in the can Court’s reasoning
context of a non-international armed conflict
The Inter-American Court’s jurisprudence
does not exempt the State “of its obligation
reveals another approach in the explicit use of
to initiate an investigation, [...], even though
IHL, seemingly in the limit between application
the Court may take into account specific
and interpretation, the latter being the only
circumstances or limitations determined by
“justified” reference to said body of law, according
the conflict itself when assessing the State’s
to the Court itself. This use is characterized as
compliance with its obligations” (Cruz Sánchez
being more technical and specialized, analyzing
et al. § 350). Specifically, the Court has held
the facts of the cases using the basic principles
that, “in handling the scene of the crime and
of IHL and even declaring its violation or
the treatment of the corpses, the minimum and
noncompliance. Furthermore, in the context
indispensable measures should be taken for the
of this approach, the Court’s jurisprudence has
preservation of evidence to contribute to the
incorporated IHL–although in a more random
success of the investigation.” Thus, based on
manner–as reparation measures ordered against
Articles 17, 20, 120, and 130 of the four Geneva
States declared internationally responsible, in
Conventions, respectively, Article 8 of AP II and
order to prevent the repetition of acts contrary
Rules 112, 113, 115, and 116 of Customary IHL,
to this branch of law.
the Court has warned that, even in a situation of
armed conflict, IHL “includes obligations of due
A. The principles of IHL appear “on the
diligence concerning the correct and adequate
removal of corpses and the efforts that should stage”
be made to identify and to bury them in order to From the year 2012, the Court began
facilitate their subsequent identification” (The to indicate, in advance and in an organized
Disappeared from the Palace of Justice § 496, manner, that, pursuant to Article 29 of the
Cruz Sánchez et al. § 367). Convention, it considered it “useful and
Additionally, on the basis of Rule 117 of appropriate” to interpret the content and scope
Customary IHL, the Court has recalled that of the norms of the Convention with the rules of
States should “take all feasible measures to IHL. In that vein, the Court identified the IHL
account for persons reported missing as a result sources to be used in a complementary manner
of armed conflict” and provide their family as references for said interpretation, considering
members with any information it has on their its specificity regarding the matter. These are:
fate. According to the Court, this obligation is i) the 1949 Geneva Conventions, particularly
independent of whether the disappearance of a GC IV; ii) common Article 3; iii) AP II; and iv)
person is the result of the wrongful act of forced Customary IHL (El Mozote Massacres § 141,
disappearance, or of other circumstances such Santo Domingo Massacre § 187, Operation
as their death in an operation or errors in the Genesis § 221, Rochac Hernandez et al. § 109).
return of their remains (The Disappeared from The signs of IHL’s greater integration in
the Palace of Justice § 478). the Court’s reasoning have been highlighted
We share with Hélène Tigroudja a possible through use of the fundamental IHL principles
interrogation regarding the Court’s method of in the analysis of the Santo Domingo Massacre,
using IHL, as it may raise reservations “quant Operation Genesis, and Cruz Sánchez et al.
à la rigueur avec laquelle ces emprunts sont cases. This has been accompanied by the
opérés et leur pertinence.”72 Nevertheless, the prior admission of experts in IHL that have
jurisprudence developed by the Court through contributed to improve the Court’s knowledge of

234
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

IHL and the convergence and complementarity the Court found that it was inappropriate to
between IHL and IHRL. analyze the launch of the cluster bomb “in light
In Santo Domingo Massacre v. Colombia, of the principle of proportionality, because an
the IACHR and representatives of the victims analysis of this type would involve determining
proposed that Colombian attorney Alejandro whether the deceased and injured among the
Valencia Villa act as an expert and issue a report civilian population could be considered an
on specific matters of IHL and, transversely, on ‘excessive’ result in relation to the specific and
the convergence and complementarity of IHL direct military advantage expected if it had hit
and IHRL. In the Order of Summons to the a military objective, which did not occur in the
Public Hearing,73 the President of the Court circumstances of the case” (§ 215). In this sense,
found that the purpose of the expert opinion for the Court, an analysis based on the principle
“transcends the specific interests of the parties of proportionality was not relevant because the
in a given proceeding and becomes a matter Court had already concluded that the State had
relevant to the Inter-American public interest.”74 not complied with the principle of distinction
Thus, the Court examined for the first time the given that the bombing directly affected the
State’s responsibility for violations of the rights civilian population. The Court also found
to life and to humane treatment, interpreting that, “even in the hypothesis that there could
the American Convention in light of the be members of the guerrilla among the civilian
relevant principles of IHL, namely, the principle population, the military advantage sought
of distinction, the principle of proportionality would not have been so great that it could justify
and the principle of precaution (§ 211). eventual civilian deaths and injuries.” According
to the Court, “in that hypothesis, these actions
The principle of distinction between
would also have affected the principle of
civilians and combatants, and between civilian
proportionality” (§ 235).
objects and military objectives has been defined
by the Court pursuant to IHL rules, particularly The principle of precaution has been
common Article 3, Article 13(2) of AP II and defined on the basis of Rules 15, 17, and 18 of
Rules 1, 7, and 87 of the Customary IHL Customary IHL (§ 216). Based on the evidence
(§ 212). On this basis, the Court concluded in the case file, the Court characterized the
that in the context of confrontations with situation as being contrary to the principle
the Revolutionary Armed Forces of Colombia of precaution because, inter alia, the cluster
(FARC), the bombing of the village of Santo device that was used is a weapon with limited
Domingo by the Colombian Air Force did not accuracy; the instruction to launch the device
comply with the State’s obligation to abide by was not accurate; the manuals and regulations
the principle of distinction when conducting in force at the time of the facts indicated that
that air operation (§ 213). The Court also cited the device could not be used in populated areas
Rules 11 and 12 of Customary IHL according or near villages with a civilian population; a
to which indiscriminate attacks are prohibited, few minutes before the launching of the device,
such as “those […] which employ a method or errors had already been made with more precise
means of combat the effects of which cannot weapons; the need to use that type of weapon
be limited as required by [IHL]” (§ 234). The in the confrontations that took place had been
Court further found that the Colombian Air questioned on the day of the events; and the air
Force aircraft pilots used their machine guns operations were disorganized at the time the
with a manifest lack of concern for the lives device was launched. The Court noted that the
and integrity of the civilians who were moving case file did not indicate whether at any time
on the highway, in non-compliance with the during the course of the operation, the aircraft
principle of distinction (§ 235). pilots had taken into account the fact that there
was a village populated by civilians nearby.
The principle of proportionality has been
Moreover, the case file did not specify whether
defined by the Court on the basis of Rule 14 of
at the time of the launch of the cluster devices
Customary IHL (§ 214). In the case, the Court
or other missiles, the need was expressed to take
noted that the air operation’s more general
any kind of precaution or care in relation to the
military objective had been the members of the
safety of the civilian population (§§ 217-230). In
guerrilla presumably located in a “wooded area”
addition, the Court found that the regulations
near the village of Santo Domingo. However,
and manuals of the Colombian Air Force that

235
Juana María Ibáñez Rivas

were in force when the events took place clearly corresponding analysis regarding the principles
established that machine gun attacks could only of proportionality and precaution.
be used “in response to subversive attacks or Recently, in the case of Cruz Sánchez et al.
seizure, when there is certainty that the civilian v. Peru, the IACHR, the representatives of the
population will not be affected, [and] may never victims and the State proposed, among others,
be used in populated or semi-urban areas.” Thus, expert opinions in IHL. The IACHR proposed UN
the Court declared that the State also failed to Special Rapporteur on extrajudicial, summary
comply with the principle of precaution (§ 236). or arbitrary executions, Christof Heyns;
About a year later, the Court reiterated the representatives of the victims proposed
its analysis on the principles of IHL in another Colombian attorney Alejandro Valencia Villa,
case, Operation Genesis v. Colombia. On this and the State proposed Peruvian attorney Jean
occasion, the IACHR, the representatives of Carlo Mejia Azuero. The parties proposed that
the victims, and the State proposed, among the three experts would testify on specific issues
others, expert opinions in IHL. The IACHR related to IHL and, again, on the convergence
proposed Peruvian professor Elizabeth Salmón and complementarity of IHL and IHRL in the
Gárate, the representatives of the victims context of a non-international armed conflict. In
proposed Spanish professor Albert Galinsoga, the Order of Summons to the Public Hearing,76
and the State proposed a judge of the Superior the Acting President of the Court accepted the
Military Tribunal of Colombia, María Paulina expert opinions, considering that they could
Leguizamón Zárate. These experts were all help strengthen the protection capacities of
proposed to testify on specific issues of IHL the Inter-American System in cases related to
related to the case and on the convergence an internal armed conflict and the situation of
and complementarity of IHRL and IHL. In the hors de combat persons, highlighting once again
Order of Summons to the Public Hearing,75 the the respective interest for the “Inter-American
President of the Court admitted the reports of public order of human rights.”
the three experts, among others, reiterating that In the analysis of the merits of the case, the
the subject of these reports triggered an interest Court considered it relevant to resort to the IHL
relevant to the “Inter-American public order” in corpus juris to determine the scope of the State’s
the context of the analysis of a case related to an obligations to respect and guarantee the right
armed conflict (§§ 24-30). to life and of the notion of arbitrariness that
Thus, in regard to the analysis of the merits characterizes a deprivation of life, in situations
of the case, the Court announced, for the second of armed conflict (§§ 270 and 273-274). Thus, in
time, its consideration of the relevant principles respect of the principle of distinction, the Court
of IHL concerning “the use of force in the noted that although the victims in the case
context of non-international armed conflicts” (§ were members of an armed group (MRTA) and,
222), in relation to alleged violations of the right therefore, not civilians, they could potentially be
to life and personal integrity due to the direct the beneficiaries of the safeguards contained in
damage caused by bombardments and machine common Article 3 “so long as they had stopped
gun shootings. The Court considered that participating in the hostilities and could be
“no evidence ha[d] been provided that would identified as hors de combat” when the operation
allow it to conclude that the objectives of the to rescue the hostages took place. In this regard,
bombardments of Operation Genesis included the Court stressed, in accordance with Rule
civilian settlements or property” and that, as a 47 of Customary IHL, common Article 3, the
consequence, it could not conclude that there had Bámaca Velásquez case,77 and the ECtHR’s case
been a violation of the principle of distinction. law,78 that any person hors de combat may not
Moreover, the Court considered that it had not be attacked and, to that extent, the State must
been proven that the State “was prevented per se provide such persons humane treatment without
from conducting counterinsurgency operations any unfavorable distinction (§§ 276-278). That
on [the concerned] territory, unless the attack being said, the Court specified that the issue
on that objective would have involved a direct in the case did not revolve around necessity,
attack on civilian settlements or property, which, proportionality and precaution in the use of
as indicated […], ha[d] not been proved” (§ force, but rather whether the victims died, as a
239). Therefore, the Court did not carry out the result of the acts of State agents, once they were

236
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

hors de combat in terms of IHL or, conversely, Court ordered the State to refrain from resorting
were killed when they were taking an active to measures such as amnesties or other similar
part in the hostilities (§ 287). Specifically, for mechanisms to excuse itself from its obligation
the Court, the State did not provide a plausible to investigate, in consideration of the continuous
and satisfactory explanation regarding the way or permanent nature of enforced disappearance,
in which Eduardo Cruz Sánchez died in an area the effects of which do not cease until the fate or
that was under the State’s exclusive control, whereabouts of the victims are established and
due to a shot fired when his body was almost their identity determined. In that regard, the
motionless, in an hors de combat situation, Court ordered the State to ensure that the Law of
concluding therefore that it was an extrajudicial General Amnesty for the Consolidation of Peace
execution (§§ 316-319).79 did not continue to represent an obstacle to the
investigation of the facts of this case, and the
B. IHL incorporated in the measures identification, prosecution and punishment of
of reparation ordered by the Inter- those responsible, and that it did not “have the
American Court same or a similar impact in other cases of grave
violations of the human rights recognized in the
Among the different judgments cited above American Convention that may have occurred
in which the Court has used IHL explicitly, during the armed conflict in El Salvador” (El
certain measures of reparation that the Court Mozote Massacres §§ 296 and 318). Therefore,
ordered refer directly to said branch of law in the Court declared that its decision on the
terms of the consequences of the declaration of Amnesty Law in El Salvador had general effects.
the State’s international responsibility. Thus, in
In respect of the training of public officials,
the Myrna Mack Chang v. Guatemala80 and La
insofar as the human rights violations were
Rochela Massacre v. Colombia81 cases, the Court
perpetrated by paramilitaries acting with the
integrated IHL into the measures of reparation,
State’s collaboration, tolerance or acquiescence,
despite not relying thereon in the analysis of the
or directly by State agents, the Court has ordered
merits. Such measures of reparation basically
that the State adopt measures aiming to educate
respond to “guarantees of non-repetition,”
and train all members of the armed forces,
that is, measures aimed at ensuring that IHL
police, and security bodies on the principles and
violations do not occur again,82 consisting in
standards of human rights–even under states of
the adoption of domestic legal measures and the
exception–and IHL (Myrna Mack Chang § 282,
training of public officials.
Mapiripán Massacre § 316, Ituango Massacres
Regarding the measures of domestic law, § 409, Dos Erres Massacre § 251, Osorio Rivera
the Court considered, in the judgment on and family § 274). According to the Court, in
reparations in the Bámaca Velásquez case, and in order to respond to this measure, the State must
response to the specific request of the IACHR and implement, within a reasonable period of time
the victims’ representatives (§§ 69.d-70.e), that and with the respective budget appropriation,
Guatemala had to adopt domestic legal measures permanent and mandatory education programs
in accordance with Article 2 of the Convention in human rights and IHL among all levels of
(Domestic Legal Effects). Specifically, the IACHR its armed forces (Mapiripán Massacre § 316,
demanded that “the procedures applied by the Ituango Massacres § 409). The Court has
military forces in connection with treatment of specified that special mention of the Court’s
captured combatants” be adapted to IHRL and judgment and of international human rights and
IHL norms in order to guarantee his rights, humanitarian law instruments must be made as
since the victim in this case was a member of an part of those programs (Mapiripán Massacre §
armed group. The Court ordered Guatemala to 317, The Rochela Massacre § 303, Dos Erres
adopt “legislative measures and any others that Massacre § 251).
may be required” to adapt the Guatemalan legal
For the training of civil servants, especially
system to international human rights norms
judges and prosecutors, the impact of the
and humanitarian law, and to “make them
measures ordered by the Inter-American Court
domestically effective” (§ 85).
in terms of IHL is of particular importance.
Likewise, in the judgment of the Massacres Indeed, according to the Court, when a State
of El Mozote and nearby places case, which is party to an international treaty such as
involved grave human rights violations, the

237
Juana María Ibáñez Rivas

the American Convention, all of its organs, reparation involving IHL. Since reparations are
including its judges, the different organs related the direct consequences of a declaration of the
to the administration of justice at all levels and, concerned State’s international responsibility,
in general, all public authorities, are under the we may ask ourselves whether the Court’s order
obligation to exercise ex-officio a “conventionality of such measures does not exceed the scope
control” between the domestic norms and of its competence, in that it is acting as a true
practices and the American Convention, within monitoring body of IHL. This question becomes
the framework of its respective competences all the more relevant since the Court itself is
and corresponding procedural regulations. In in charge of monitoring compliance with the
this task, the authorities concerned should take reparation measures that it ordered.
into account not only the treaty, but also its
interpretation by the Inter-American Court, the 4. CONCLUSION
Convention’s ultimate interpreter.83 Thus, in
The Inter-American Court has become
the relevant cases, these public authorities, in
an indirect IHL control mechanism. As such,
the exercise of “conventionality control,” shall
it has assigned to itself the right to verify the
have the obligation to abide by the Convention
compliance of a State party to the American
as it has been interpreted in light of IHL, in
Convention with obligations derived from IHL,
order to avoid the submission of a case involving
before, during, and after an internal armed
its State to the Inter-American System, or for
conflict, to declare, if applicable, violations of
that State again to commit an act resulting in its
human rights and noncompliance of the State’s
international responsibility.
obligations recognized in the Convention.
In light of the above, we share the opinion
The dynamics of the last cases related to
of Judge Jean-Paul Costa and Michael O’Boyle
situations of armed conflict, especially Santo
that the use of the principles of IHL “will not
Domingo Massacre, Operation Genesis, and Cruz
be an easy job for a Court of Human Rights
Sánchez et al., seem to demonstrate the Inter-
since it will require distinctions to be made
American Court’s calling to specialize in IHL.
between combatants and civilians – not always
Indeed, the Court has admitted expert opinions
a straightforward task.” Moreover, “[i]t will also
on the matter; it has declared that the scope of
require that the principle of proportionality be
IHL and its convergence with IHRL is a matter
applied by balancing military advantage against
of interest for the Inter-American public order; it
the duty to protect civilian life. Thus the Court
has concluded that the use of IHL is “useful and
would have to determine whether the military
relevant” by incorporating Customary IHL; and
gains of a particular operation justified the
it has based its considerations on an analysis
risks of civilian casualties.”84 In the case of
of the basic principles of IHL. These are all
the Inter-American Court, such use requires
indications of the Court’s decision to take IHL
reflection on the role and future development
seriously.86 Yet, the challenges in relation to that
of IHL in its jurisprudence, taking into account
body of law are not minor.
that references to the principles of IHL and
the possible declaration of their violation or The future of Inter-American jurisprudence
noncompliance seem to position the Court on the matter has thus become of great interest.
at the boundary between interpretation and As has already been pointed out, the Inter-
application of that body of law.85 Furthermore, American Court’s use of IHL finds itself at a
despite the fact that the Court cannot apply point of no return, and the evolution of that use
IHL or declare the responsibility of the State reaffirms a contribution to the development of
for IHL violations, it has allowed itself, by IHL, ensuring its respect.
way of preventive logic, to order measures of

238
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

NOTES

* This article is a summarized and updated 1997, that it is competent to apply IHL directly.
version of the author’s thesis entitled IACHR, Arturo Ribón Ávila, Colombia, Case
“International humanitarian law in the case 11.142, Report Nº. 26/97 of September 30,
law of the Inter-American Court of Human 1997, and Juan Carlos Abella, Argentina, Case
Rights” (“Le droit international humanitaire of 11.137, Report Nº. 55/97 of November 18,
au sein de la jurisprudence contentieuse de la 1997.
Cour interaméricaine des droits de l’homme“), 5. In its application, the Commission asked the
which she publicly presented and defended Court to declare that Colombia had violated
in October 2014 to obtain a Masters degree the right to life (Article 4 of the ACHR)
in human rights (“Master 2 Recherche en and common Article 3 of the 1949 Geneva
droits de l’homme“) at the Paris X Nanterre Conventions. However, the Court noted that
La Defense University in Paris, France. This the Convention had only conferred on it the
article has previously been published in competence “to determine whether the acts or
Spanish and French. See, Ibáñez Rivas, Juana the norms of the States are compatible with
María, “El Derecho Internacional Humanitario the Convention itself, and not with the 1949
en la jurisprudencia de la Corte Interamericana Geneva Conventions.” Therefore, contrary to
de Derechos Humanos”, Revista Derecho del the IACHR’s position, the Court rejected the
Estado, nº 36, 2016, pp. 167-198, and Ibáñez possibility of applying IHL and admitted the
Rivas, Juana María, “Le droit international preliminary objection ratione materiae raised
humanitaire au sein de la jurisprudence de la by the State. I/A Court H.R., Case of Las
Cour interaméricaine des droits de l’Homme”, Palmeras v. Colombia. Preliminary Objections,
La Revue des droits de l’homme [Online], nº op. cit., para. 33.
11, 2017, published online on December 23,
2016. 6. It is noteworthy that, in respect of the European
system of human rights, there are also different
1. Marmin, Sébastien, “Les organes de contrôle approaches to IHL in the jurisprudence of the
du droit international des droits de l’homme European Court of Human Rights (ECtHR).
et le droit international humanitaire”, RTDH, Despite the fact that since the beginning of
23rd year, n° 92, 2012, pp. 818-819. its activities the ECtHR has been confronted
2. Flauss, Jean-François, “Le droit international with cases related to armed conflicts, both of
humanitaire devant les instances de contrôle an international and non-international nature,
des conventions européenne et interaméricaine it has avoided explicit reference to IHL. It is
de droits de l’homme”, in Flauss, Jean- not until much later, towards the end of the
Francois (dir.), Les nouvelles frontières du droit first decade of the 21st century, that the ECtHR
international humanitaire. Actes du colloque began to refer explicitly to IHL in a more
du 12 avril 2002 organisé par l’Institut d’études progressive manner, to the point of defining
de droit international de l’Université de its position on the interaction between IHRL
Lausanne, Bruxelles, Némésis/Bruylant, 2003, and IHL during armed conflict in 2014. In
p. 124. this regard, see, Costa, Jean-Paul and O’Boyle,
3. The case relates to an operation directed Michael, “The European Court of Human
by members of the National Police and the Rights and international humanitarian law”,
Colombian Army in which 7 people were the La Convention européenne des droits de
victims of extrajudicial executions. I/A Court l’homme, un instrument vivant/The European
H.R., Case of Las Palmeras v. Colombia. Convention on Human Rights a living
Preliminary Objections. Judgment of February instrument, Mélanges en l’honneur de/Essays
4, 2000. Series C Nº. 67; Case of Las Palmeras in Honour of Christos L. Rozakis, Bruxelles,
v. Colombia. Merits. Judgment of December 6, Bruylant, 2011, pp. 107-129, and Hervieu,
2001. Series C Nº. 90; and Case of Las Palmeras Nicolas, “La jurisprudence européenne sur
v. Colombia. Reparations and Costs. Judgment les opérations militaires à l’épreuve du feu”,
of November 26, 2002. Series C Nº. 96. La Revue des droits de l’homme [Online],
Actualités Droits-Libertés, <http://revdh.
4. In this regard, it is noteworthy that the Inter- revues.org/890> (last visited on December
American Commission has affirmed, since 15, 2015).referencias explfecha altera ion

239
Juana María Ibáñez Rivas

Humanoserechos Humanos, manos, orna 12. I/A Court H.R., Case of Velásquez Rodríguez v.
entonces del mayor inter. Y este cambio de Honduras. Merits. Judgment of July 29, 1988.
fecha altera ionpl Series C Nº. 4, para. 138, and Case of Rodríguez
7. See, Burgorgue-Larsen, Laurence and Úbeda de Vera et al (The Disappeared from the Palace of
Torres, Amaya, “War in the jurisprudence of Justice) v. Colombia. Preliminary Objections,
the Inter-American Court of Human Rights”, Merits, Reparations and Costs. Judgment of
HRQ, vol. 33(1), 2011, pp. 148-174. November 14, 2014. Series C Nº. 287, para.
82.
8. Unlike the ECtHR, and until today, the Inter-
American Court has not had the opportunity 13. I/A Court H.R., Case of Las Palmeras v.
to analyze, in light of IHL, cases related to an Colombia, op. cit.
international armed conflict, understood in 14. The case relates to the death, injuries, and
terms of common Article 2 to the four 1949 abuses committed by paramilitary agents
Geneva Conventions and Article 1.4 of AP I. It against inhabitants of Mapiripán. I/A Court
is noteworthy, however, that the case of Vásquez H.R., Case of the “Mapiripán Massacre” v.
Durand and relatives v. Ecuador is currently Colombia. Preliminary Objections. Judgment
pending before the Court, related to the alleged of March 7, 2005. Series C Nº. 122, and Case of
forced disappearance of Mr. Jorge Vásquez the “Mapiripán Massacre” v. Colombia. Merits
Durand, a Peruvian businessman, in the and Reparations. Judgment of September 15,
context of the conflict in Alto Cenepa between 2005. Series C Nº. 134.
Ecuador and Peru. I/A Court H.R., Case at the 15. The case relates to acts of torture against, and
merits stage (judgment pending), <http://www. the murder of, inhabitants of Ituango committed
corteidh.or.cr/docs/tramite/vasquez_durand_y_ by paramilitary groups. I/A Court H.R., Case of
familiares.pdf>, (last visited on December 15, the Ituango Massacre v. Colombia. Judgment of
2015). July 1, 2006. Series C Nº. 148.
9. The possibility of referring to AP II was 16. The case relates to the bombardment of, and
reinforced by the fact that the four respective machine-gun attacks against, the village of
State parties have ratified the treaty: Colombia Santo Domingo, committed by the Colombian
on September 1, 1993, Guatemala on October Air Force, causing the deaths, injuries, and
19, 1987, El Salvador on November 23, 1978, forced displacement of many people. I/A Court
and Peru on July 14, 1989. H.R., Case of the Santo Domingo Massacre
10. In this regard, it should be recalled that v. Colombia. Preliminary Objections, Merits,
the existence of an internal armed conflict Reparations, and Costs. Judgment of November
“will depend on the presence of a number of 30, 2012. Series C Nº. 259.
elements, since it is a situation of fact and 17. The case relates to a counterinsurgency
not a legal classification, like the old notion of military operation over the territory of afro-
‘belligerence.’” Salmón, Elizabeth, Introducción descendant communities in the Cacarica river
al derecho internacional humanitario (3ra ed.), basin, which resulted in one death and the
Lima, IDEHPUCP/CICR, 2012, p. 130. In forced displacement of around 3,500 people.
addition, and although there is no normative I/A Court H.R., Case of Afro-descendant
and exclusive definition of an internal armed Communities displaced from the Cacarica
conflict, the doctrine and jurisprudence have River Basin (Operation Genesis) v. Colombia.
attempted to define the notion based on the Preliminary Objections, Merits, Reparations,
description of the elements that characterize and Costs. Judgment of November 20, 2013.
it, namely, “(a) the parties to the conflict are Series C Nº. 270.
not State[s]; b) the armed confrontations are
carried out in the territory of a State; c) the 18. The case relates to the forced disappearance,
open hostilities must have a minimum of extrajudicial execution, detention, and torture
organization; and d) the armed confrontations of people in the events known as the taking
must have some intensity.” Salmón, Elizabeth, and retaking of the Palace of Justice, in the city
op. cit., pp. 130-131. of Bogotá. I/A Court H.R., Case of Rodríguez
Vera et al (The Disappeared from the Palace of
11. Approved by the Court in its 85th Ordinary Justice) v. Colombia, op. cit.
Period of Sessions, held from November 16 to
28, 2009. 19. Constitutional Court of Colombia, Decision
C-225/95 of May 18, 1995, Constitutional
review of “Additional Protocol to the Geneva

240
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

Conventions of August 12, 1949, on the 25. The case relates to the forced disappearance of
protection of victims of non-international 26 people, the extrajudicial execution of one
armed conflicts (Protocol II)” drafted in Geneva person, and acts of torture against a girl, all
on June 8, 1977, and Law 171 of December carried out by military agents. I/A Court H.R.,
16, 1994, through which the Protocol was Case of Gudiel Álvarez et al. (“Diario Militar”)
adopted, <http://www.corteconstitucional.gov. v. Guatemala. Merits, Reparations and Costs.
co/relatoria/1995/c-225-95.htm>, (last visited Judgment of November 20, 2012. Series C Nº.
December 15, 2015). 253.
20. Regarding Colombia, the Inter-American 26. United Nations Office for Project Services
Court recently referred to the report of a truth (UNOPS), Final Report of the Commission for
commission in the case of The Disappeared Historical Clarification, “Guatemala: Memory
from the Palace of Justice. The goal of that of Silence”, Guatemala, 1999.
Commission, which was established in August 27. Human Rights Office of the Archbishopric
2005 by way of a decision of the Supreme of Guatemala (ODHAG), Final Report of
Court of Justice, was to issue a report that the Interdiocesan Project for the Recovery of
would become a point of mandatory reference Historical Memory “Guatemala: Never Again,”
concerning what really occurred during the 1998.
taking and retaking of the Palace of Justice.
The Truth Commission issued its final report 28. Report of the Commission for Historical
in 2010. Clarification, op. cit., para. 74.
21. I/A Court H.R., Case of Myrna Mack Chang 29. Ibid, para. 1685.
v. Guatemala. Merits, Reparations and Costs. 30. The case relates to the forced disappearance
Judgment of November 25, 2003. Series C Nº. of two sisters detained by the Armed Forces
101, paras. 131 and 134; Case of Zambrano of El Salvador in the framework of a military
Vélez et al. v. Ecuador. Merits, Reparations and operation. I/A Court H.R., Case of the Serrano
Costs. Judgment of July 4, 2007. Series C Nº. Cruz Sisters v. El Salvador. Preliminary
166, para. 128, and Case of Radilla Pacheco Objections. Judgment of November 23, 2004.
v. México. Preliminary Objections, Merits, Series C Nº. 118, and Case of the Serrano Cruz
Reparations and Costs. Judgment of November Sisters v. El Salvador. Merits, Reparations and
23, 2009. Series C Nº. 209, para. 179. Costs. Judgment of March 1, 2005. Series C
22. I/A Court H.R., Case of J. v. Peru. Preliminary Nº. 120.
Objection, Merits, Reparations and Costs. 31. The case relates to the forced disappearances
Judgment of November 27, 2013. Series C Nº. of boys and girls, between 1981 and 1983,
275, para. 55, and Case of Rodríguez Vera et al. by members of different military bodies in El
(The Disappeared from the Palace of Justice) v. Salvador. I/A Court H.R., Case of Contreras
Colombia, op. cit., para. 88. et al. v. El Salvador. Merits, Reparations, and
23. The case relates to the forced disappearance Costs. Judgment of August 31, 2011, Series C
of a member of an armed group, as a result Nº. 232.
of a confrontation between the army and the 32. The case relates to a military operation in
guerrilla. I/A Court H.R., Case of Bámaca seven locations in the northern part of the
Velásquez v. Guatemala. Merits. Judgment department of Morazán, which would have
of November 25, 2000. Series C Nº. 70, and resulted in the deaths of approximately one
Case of Bámaca Velásquez v. Guatemala. thousand people. I/A Court H.R., Case of the
Reparations and Costs. Judgment of February Massacres of El Mozote and nearby places v.
22, 2002, Series C Nº. 91. El Salvador. Merits, Reparations and Costs.
24. The case relates to acts of murder, torture, and Judgment of October 25, 2012. Series C Nº.
rape, among others, committed by military 252.
agents against many inhabitants of the 33. The case relates to the forced disappearances
community of Las Dos Erres. I/A Court H.R., of boys and girls between 1980 and 1982
Case of the Dos Erres Massacre v. Guatemala. as a result of different military operations
Preliminary Objection, Merits, Reparations organized by the State. I/A Court H.R., Case of
and Costs. Judgment of November 24, 2009. Rochac Hernández et al. v. El Salvador. Merits,
Series C Nº. 211. Reparations and Costs. Judgment of October
14, 2014. Series C Nº. 285.

241
Juana María Ibáñez Rivas

34. Truth Commission for El Salvador, Report 46. I/A Court H.R., Case of Rodríguez Vera et al.
“From Madness to Hope, the 12 year war in (The Disappeared from the Palace of Justice) v.
El Salvador”, New York, San Salvador, 1992- Colombia, op. cit., para. 39.
1993. 47. I/A Court H.R., Case of Las Palmeras v.
35. UN, El Salvador Accords: the path to peace, Colombia. Preliminary Objections, op. cit.,
1992, <http://www.pnud.org.sv/2007/content/ para. 32, and Case of Rodríguez Vera et al.
view/56/102/>, (last visited on December 15, (The Disappeared from the Palace of Justice) v.
2015). Colombia, op. cit., para. 39.
36. Report of the Truth Commission for El Salvador, 48. I/A Court H.R., Case of Bámaca Velásquez v.
op. cit., pp. 11-12. Guatemala. Merits, op. cit., para. 209, and
37. The case concerns the arbitrary detention of a Case of the “Mapiripan Massacre” v. Colombia.
health professional who would have provided Merits and Reparations, op. cit., para. 114.
medical care to members of an armed group, 49. I/A Court H.R., “Other Treaties” Subject to the
and her conviction for the crime of terrorism Consultative Jurisdiction of the Court (Art. 64
without due process. I/A Court H.R., Case of of the American Convention on Human Rights)
De la Cruz Flores v. Peru. Merits, Reparations Advisory Opinion OC-1/82 of September 24,
and Costs. Judgment of November 18, 2004. 1982. Series A Nº. 1.
Series C Nº. 115. 50. Marmin, Sébastien, op. cit. p. 825.
38. The case relates to the forced disappearance 51. I/A Court H.R., Case of Bámaca Velásquez v.
of Jeremías Osorio Rivera, detained by a Guatemala. Merits, op. cit., para. 208.
Peruvian army patrol. I/A Court H.R., Case of
Osorio Rivera and Family v. Peru. Preliminary 52. I/A Court H.R., Case of Bámaca Velásquez v.
Objections, Merits, Reparations and Costs. Guatemala. Merits, op. cit., para. 174; Case of J.
Judgment of November 26, 2013. Series C Nº. v. Peru, op. cit., para. 124, and Case of Espinoza
274. Gonzáles v. Peru, op. cit., paras. 117, 119-120.
39. The case relates to the detention, prosecution, 53. I/A Court H.R., Habeas corpus in Emergency
and extradition of Mrs. J. for the alleged Situations (Arts. 27(2), 25(1) and 7(6) American
commission of the crimes of terrorism and Convention on Human Rights). Advisory
apology of terrorism. I/A Court H.R., Case of J. Opinion OC-8/87 of January 30, 1987. Series A
v. Peru, op. cit. Nº. 8, para. 19; Case of J. v. Peru, op. cit., para.
139, and Case of Espinoza Gonzáles v. Peru, op.
40. The case concerns the illegal and arbitrary cit., paras. 117, 119-120.
detention of Gladys Carol Espinoza Gonzáles,
and acts of torture committed against her by 54. In accordance with Article 27(2), the American
agents of the State, in the framework of an Convention “does not authorize any suspension
investigation into the crime of treason and of the following articles: Article 3 (Right to
terrorism. I/A Court H.R., Case of Espinoza Juridical Personality), Article 4 (Right to Life),
Gonzáles v. Peru. Preliminary Objections, Article 5 (Right to Humane Treatment), Article
Merits, Reparations and Costs. Judgment of 6 (Freedom from Slavery), Article 9 (Freedom
November 20, 2014. Series C Nº. 289. from Ex Post Facto Laws), Article 12 (Freedom
of Conscience and Religion), Article 17 (Rights
41. The case relates to the extrajudicial execution of the Family), Article 18 (Right to a Name),
of a member of an armed group by State forces, Article 19 (Rights of the Child), Article 20
in the context of a rescue operation of hostages (Right to Nationality), and Article 23 (Right to
taken by that group. I/A Court H.R., Case Participate in Government), or of the judicial
of Cruz Sánchez et al. v. Peru. Preliminary guarantees essential for the protection of such
Objections, Merits, Reparations and Costs. rights.”
Judgment of April 17, 2015. Series C Nº. 292.
55. I/A Court H.R., Case of Bámaca Velásquez v.
42. TRC, Final Report of the TRC, Lima, TRC, Guatemala. Merits, op. cit., para. 207, and
2003, pp. 11-31. Case of Cruz Sánchez et al. v. Peru, op. cit.,
43. I/A Court of H.R. Case of Cruz Sánchez et al. v. para. 271.
Peru, op. cit., para. 139. 56. I/A Court H.R., Case of the Serrano Cruz Sisters
44. Report of the TRC, op. cit., p. 204. v. El Salvador. Preliminary Objections, op. cit.,
45. Ibid, p. 205. para. 119, and Case of Rodríguez Vera et al.

242
International Humanitarian law in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights

(The Disappeared from the Palace of Justice) v. 69. Ibid., paras. 223-224. See also I/A Court H.R.,
Colombia, op. cit., para. 39. Case of the Massacres of El Mozote and nearby
57. I/A Court H.R, Case of the Serrano Cruz Sisters places v. El Salvador, op. cit., para 165.
v. El Salvador. Preliminary Objections, op. cit., 70. Ibid., para. 224.
paras. 114-116. 71. UN, Guiding principles on displacement of
58. Ibid, paras. 111-113. people within their country, E/CN.4/1998/53/
59. Ibid, para. 118. add.2, of February 11, 1998.

60. I/A Court H.R., Case of Santo Domingo 72. Tigroudja, Hélène, “La Cour interaméricaine
Massacre v. Colombia, op. cit., para. 24, and des droits de l’homme au service de
Caso Rodríguez Vera et al. (The Disappeared ‘l’humanisation du droit international public’.
from the Palace of Justice) v. Colombia, op. cit., Propos autour des récents arrêts et avis”, 52
para. 39. AFDI, 2006, pp. 623-624.

61. I/A Court H.R., Case of Santo Domingo 73. I/A Court H.R., Case of the Santo Domingo
Massacre v. Colombia, op. cit., para. 24, and Massacre v. Colombia, Order of the President
Caso Rodríguez Vera et al. (The Disappeared of the Inter-American Court of Human Rights
from the Palace of Justice) v. Colombia, op. cit., of June 5, 2012, considering clauses 22-23,
para. 39. and 26.

62. Law 171 of December 16, 1994, op. cit. I/A 74. According to Article 35(1)(f) of the Rules
Court H.R., Case of the“Mapiripán Massacre” of Procedure, the “possible appointment
v. Colombia. Merits and Reparations, op. cit., of expert witnesses” can be carried out
para. 115. by the IACHR “when the Inter-American
public order of human rights is affected in a
63. Constitutional Court of Colombia, decision significant manner.” This provision makes the
C-225/95, op. cit., paras. 30 and 35. Commission’s appointment of expert witnesses
64. I/A Court H.R., Case of “Mapiripán Massacre” an exceptional fact, subject to such condition.
v. Colombia. Merits and Reparations, op. cit., 75. I/A Court H.R., Case of Marino López et al.
para. 115. (Operation Genesis) v. Colombia. Order of
65. I/A Court H.R., Case of the Serrano Cruz the President of the Inter-American Court
Sisters v. El Salvador. Preliminary Objections, of Human Rights of December 19, 2012,
op. cit., para. 117. considering clauses 21, 24, and operative
paragraph 1(B)(15).
66. International Court of Justice (ICJ), Legality of
the threat or use of Nuclear Weapons, Advisory 76. I/A Court H.R., Case of Cruz Sánchez et al. v.
Opinion of July 8, 1996, para. 25, and Legal Peru. Order of the Acting President of the Inter-
Consequences of the Construction of a Wall in American Court of Human Rights of December
the Occupied Palestinian Territory, Advisory 19, 2013, considering clause 20, 54 and 66.
Opinion of July 9, 2004, paras. 106-113. 77. I/A Court H.R., Case of Bámaca Velásquez v.
Moreover, ECtHR. Varnava et al. v. Turkey Guatemala. Merits, op. cit., para. 207.
[GS], judgment of September 18, 2009, para.
185. 78. ECtHR, Varnava et al. v. Turkey, op. cit., para.
185.
67. The ICRC drafted a publication on Customary
IHL applied to international armed conflicts 79. Concerning the two other alleged victims
and non-international armed conflicts, as that were involved, the Court concluded that
a result of a study on the implementation their death occurred when the operation and
of IHL in a broad sense. ICRC, Customary evacuation of hostages was still ongoing,
International Humanitarian Law, vol. I, edited and that it did not have varied and sufficient
by Jean-Marie Henckaerts and Louise Doswald- evidence that could establish them as having
Beck, Cambridge University Press, Cambridge, been hors de combat. Therefore, the Court held
2007. that it could not affirm that the State’s conduct
vis-à-vis the two individuals “constituted an
68. I/A Court H.R., Case of Miguel Castro Castro arbitrary deprivation of life resulting from a
Prison v. Peru. Merits, Reparations, and Costs. use of lethal weapons contrary to the applicable
Judgment of November 25, 2006. Series C Nº. principles of [IHL].” I/A Court H.R., Case
160. of Cruz Sánchez et al. v. Peru, op. cit., paras.
339-343.

243
Juana María Ibáñez Rivas

80. I/A Court H.R., Case of Myrna Mack Chang v. 85. See, Salmón, Elizabeth, “Institutional approach
Guatemala, op. cit. between IHL and IHRL: Current Trends in the
81. I/A Court H.R., Case of the Rochela Massacre jurisprudence of the Inter-American Court
v. Colombia. Merits, Reparations and Costs. of Human Rights”, Journal of International
Judgment of May 11, 2007. Series C Nº. 163. Humanitarian Legal Studies, vol. 5, Issue 1-2,
2014, pp. 152-185.
82. I/A Court H.R., Annual Report 2012, pp. 19-
20. 86. Decaux, Emmanuel, “De l’imprévisibilité de la
jurisprudence européenne en matière de droit
83. I/A Court H.R., Case of Almonacid Arellano humanitaire: Cour européenne des droits de
et al. v. Chile. Preliminary Objections, Merits, l’homme (Grde. Ch.), Kononov c. Lettonie, 17
Reparations, and Costs. Judgment of September mai 2010”, RTDH, 22ème année, n° 86, 2011,
26, 2006. Series C Nº. 154, paras. 123-124, p. 357.
and Case of J. v. Peru, op. cit., párr. 407.
84. Costa, Jean-Paul and O’Boyle, Michael, op. cit.,
p. 118.

244
LA CORTE, EL SISTEMA INTERAMERICANO
DE PROTECCIÓN DE LOS DERECHOS HUMANOS,
EL DEBER DE INVESTIGAR Y LA JUSTICIA TRANSICIONAL

Manuel E. Ventura Robles


Miembro del Comité Asesor de los Estados Partes en el Tratado Roma para asesorar en la escogencia
de los candidatos a jueces del Tribunal Penal Internacional; Ex Juez (2004 – 2015); Ex vicepresidente de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos; Miembro de la “International Law Association”; Miembro de la “American
Society of International Law”; Miembro Honorario de la “Asociación Costarricense de Derecho Internacional”.

RESUMEN ABSTRACT
El presente artículo aborda los siguientes This article addresses the following
temas: en primer lugar, el funcionamiento topics: first, the functioning of the Inter-
del sistema interamericano de derechos American human rights system, the functions
humanos, las funciones y atribuciones de los and attributions of the organs of the system,
dor órganos del sistema, a saber: Comisión y namely: Inter-American Commission and Court
Corte Interamericanas de Derechos Humanos, of Human Rights, the process of a contentious
el proceso de un caso contencioso ante la case before the Commission and the Court.
Comisión y la Corte. Posteriormente se realiza Subsequently, an analysis of the regulatory
un análisis de la evolución reglamentaria de la evolution of the Inter-American Court and a
Corte Interamericana y un estudio acerca de la study on the execution and compliance with
ejecución y cumplimiento de las sentencias de the judgments of the Inter-American Court of
la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Human Rights is carried out. An study of the
También se realiza un estudio del concepto concept of transitional justice is also carried out,
de justicia transicional y como éste ha sido and how this has been defined and analyzed in
definido y analizado en la jurisprudencia de la the jurisprudence of the Inter-American Court,
Corte Interamericana, para luego dar paso a un and then a brief study the role of the Inter-
breve estudio del rol de la Corte Interamericana American Court in matters of justice, truth and
en materia de justicia, verdad y reparaciones. reparations. Finally, an analysis of the concept
Por último, se realiza un análisis del concepto of impunity is carried out in the light of the
de impunidad a la luz de la jurisprudencia de la jurisprudence of the Inter-American Court of
Corte Interamericana de Derechos Humanos y Human Rights and concludes, with the study
se concluye con el estudio del deber de investigar of the duty to investigate violations of human
violaciones a los derechos humanos por parte de rights by States, as well as amnesties in the
los Estados, así como las amnistías a la luz de la light of the jurisprudence of the Inter-American
jurisprudencia del Tribunal interamericano. Court.

Palabras clave Keywords


Corte Interamericana de Derechos Inter-American Court of Human Rights;
Humanos; Sistema Interamericano de Inter-American System of Human Rights;
Derechos Humanos; jurisprudencia; casos jurisprudence; contentious cases, provisional
contenciosos, medidas provisionales, opiniones measures, advisory opinions, regulations;
consultivas, reglamentos; cumplimiento de compliance with judgments; transitional justice;
sentencias; justicia transicional; justicia; verdad, justice; truth, reparations; impunity; duty to
reparaciones; impunidad; deber de investigar; investigate; amnesties.
amnistías.

245
Manuel E. Ventura Robles

1. INTRODUCCIÓN a. La Comisión Interamericana de


El Sistema Interamericano de Protección Derechos Humanos
de los Derechos Humanos (en adelante “SIDH” La CIDH es un órgano principal y
o “Sistema Interamericano”) es el mecanismo autónomo de la OEA, cuyo mandato surge de la
regional encargado de promover y proteger los Carta de la OEA y de la Convención Americana
derechos humanos en América. sobre Derechos Humanos, y que actúa en
Con base en su soberanía y en el marco de representación de todos los países miembros
la Organización de Estados Americanos (OEA), de la OEA. Está integrada por siete miembros
los Estados americanos adoptaron una serie independientes que se desempeñan en forma
de instrumentos internacionales que se han personal, que no representan a ningún país en
convertido en la base del Sistema Interamericano particular y que son elegidos por la Asamblea
Dicho sistema reconoce y define estos derechos y General.
establece obligaciones tendientes a su promoción
y protección, y crea órganos destinados a velar Funciones y atribuciones de la CIDH
por su observancia, los cuales son: la Comisión La Comisión tiene la función principal
Interamericana de Derechos Humanos y la de promover la observancia y la defensa de
Corte Interamericana de Derechos Humanos. los derechos humanos, y en el ejercicio de su
Desde su creación, el Sistema Interamericano mandato:
ha evolucionado y se ha fortalecido, logrando 1. Recibe, analiza e investiga peticiones
una amplia esfera de promoción y protección de individuales que alegan violaciones de los
los derechos humanos a través de las funciones derechos humanos, según lo dispuesto en los
políticas y cuasi-judiciales de la Comisión y las artículos 44 al 51 de la Convención.
funciones contenciosa y consultiva de la Corte
2. Somete casos a la jurisdicción de la
Interamericana.
Corte Interamericana y actúa frente a la Corte
en dichos litigios.
2. EL FUNCIONAMIENTO DEL SISTEMA
3. Requiere a los Estados que tomen
IDH “medidas cautelares” específicas para evitar
Como se mencionó anteriormente, el daños graves e irreparables a los derechos
Sistema Interamericano de Protección de los humanos en casos urgentes. Puede también
Derechos Humanos de la Organización de los solicitar que la Corte Interamericana requiera
Estados Americanos está compuesto por una “medidas provisionales” de los Gobiernos en
serie de tratados y dos órganos de protección, casos urgentes de peligro a personas, aun cuando
la Comisión Interamericana de Derechos el caso no haya sido sometido todavía a la Corte.
Humanos y la Corte Interamericana de Derechos 4. Solicita “Opiniones Consultivas” a
Humanos. la Corte Interamericana sobre aspectos de
Propiamente es la Convención Americana interpretación de la Convención Americana.
la que establece a través de su artículo 33 que 5. Observa la vigencia general de los
los órganos competentes para conocer de los derechos humanos en los Estados miembros,
asuntos relacionados con el cumplimiento de y cuando lo considera conveniente publica
los compromisos contraídos por los Estados informes especiales sobre la situación en un
partes en la Convención son la Comisión y la Estado en particular.
Corte Interamericanas de Derechos Humanos.
6. Realiza visitas in loco a los países
La Convención establece además un catálogo
para profundizar la observación general de la
de derechos humanos protegidos por dicho
situación, y/o para investigar una situación
instrumento.
particular. Generalmente, esas visitas resultan
Procederemos a continuación a dar una en la preparación de un informe respectivo, que
breve reseña de cada uno de estos órganos, para se publica y es enviado a la Asamblea General.
luego proceder a relatar los procedimientos de
7. Estimula la conciencia de los derechos
ambos órganos para la tramitación de un caso
humanos en los países de América. Para ello
contencioso ante el sistema.
entre otros, realiza y publica estudios sobre
temas específicos. Así por ejemplo sobre:

246
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

medidas para asegurar mayor independencia del Convención, la Corte dispondrá que se garantice
poder judicial; actividades de grupos irregulares al lesionado en el goce de su derecho o libertad
armados; la situación de derechos humanos conculcados. Dispondrá asimismo, si ello fuera
de los menores, de las mujeres, de los pueblos procedente, que se reparen las consecuencias
indígenas. de la medida o situación que ha configurado la
vulneración de esos derechos y el pago de una
b. La Corte Interamericana de Derechos justa indemnización a la parte lesionada.
Humanos El inciso 2 del artículo 68 de la Convención
El Estatuto de la Corte dispone que ésta es dispone que “[l]a parte del fallo que disponga
una institución judicial autónoma que tiene su indemnización compensatoria se podrá ejecutar
sede en San José, Costa Rica y cuyo objetivo es el en el respectivo país por el procedimiento interno
de aplicar e interpretar la Convención. La Corte vigente para la ejecución de Sentencias contra el
está integrada por siete Jueces, nacionales de Estado”.
los Estados miembros de la OEA. Son elegidos En relación con los efectos de la competencia
a título personal “entre juristas de la más alta del Tribunal, los fallos por éste emitidos son
autoridad moral, de reconocida competencia en “definitivo[s] e inapelable[s]”. Sin embargo, “en
materia de derechos humanos, que reúnan las caso de desacuerdo sobre el sentido o alcance
condiciones requeridas para el ejercicio de las del fallo, la Corte lo interpretará a solicitud
más elevadas funciones judiciales conforme a la de cualquiera de las partes, siempre que dicha
ley del país del cual sean nacionales o del Estado solicitud se presente dentro de los noventa días
que los proponga como candidatos” (artículo 52 a partir de la fecha de la notificación del fallo”
C.A.D.H.). (artículo 67 C.A.D.H.). Los Estados Partes “se
comprometen a cumplir la decisión de la Corte
Competencias de la Corte en todo caso en que sean partes” (artículo 68 de
la Convención).
De acuerdo con la Convención, la Corte
ejerce las funciones contenciosa y consultiva. Por último, la Corte somete a la Asamblea
La primera se refiere a la resolución de casos General en cada período ordinario de sesiones un
en que se ha alegado que uno de los Estados informe sobre su labor, en el cual “[d]e manera
Partes ha violado la Convención y la segunda a especial y con las recomendaciones pertinentes,
la facultad que tienen los Estados Miembros de señalará los casos en que un Estado no haya
la Organización de consultar a la Corte acerca de dado cumplimiento a sus fallos” (artículo 65
la interpretación de la Convención o “de otros C.A.D.H.).
tratados concernientes a la protección de los 2. Función consultiva (Art. 64 CADH):
derechos humanos en los Estados Americanos”. a través de la cual, la Corte responde aquellas
También podrán consultarla, en lo que les consultas que formulan los Estados miembros de
compete, los órganos de la OEA señalados en su la OEA o los órganos de la misma, sobre temas
Carta. atinentes a la interpretación de la Convención
Función contenciosa (Art. 62 CADH): a Americana o de otros tratados concernientes a
través de la cual la Corte determina si un Estado la protección de los derechos humanos en las
ha incurrido en responsabilidad internacional Américas.
por haber violado alguno de los derechos El derecho de solicitar una opinión
consagrados o estipulados en la Convención consultiva no se limita a los Estados Partes
Americana sobre Derechos Humanos. en la Convención; todo Estado miembro de la
De acuerdo con el artículo 61.1 de la OEA tiene capacidad de solicitarla. Igualmente,
Convención “[s]ólo los Estados Partes y la la competencia consultiva de la Corte fortalece
Comisión tienen derecho a someter un caso a la la capacidad de la Organización para resolver
decisión de la Corte”. los asuntos que surjan por la aplicación de la
Convención, ya que permite a los órganos de la
El artículo 63.1 de la Convención incluye
OEA consultar a la Corte, en lo que les compete.
la siguiente disposición concerniente a los fallos
de la Corte: 4. Medidas provisionales (Art. 63.2 CADH):
dentro de la función jurisdiccional se debe hacer
Cuando decida que hubo violación de
referencia a las medidas provisionales, a través
un derecho o libertad protegidos en esta

247
Manuel E. Ventura Robles

de las cuales la Corte podrá tomar las medidas una decisión fundada si somete o no el caso ante
que considere pertinentes en casos de extrema la Corte Interamericana.
gravedad y urgencia, y cuando se haga necesario La Convención Americana sobre Derechos
evitar daños irreparables a las personas. El tribunal Humanos establece que sólo los Estados partes
puede ordenar estas medidas provisionales en y la Comisión Interamericana tiene derecho a
casos que estén en conocimiento de la Corte, someter un caso a la decisión de la Corte. Los
o en asuntos que aún no se han sometido a su casos contenciosos son sometidos a la Corte
conocimiento, en cuyo caso actuará a solicitud a través de la presentación del informe al que
de la Comisión Interamericana. se refiere el artículo 50 de la Convención, por
parte de la Comisión Interamericana o a través
c. Proceso de un caso contencioso ante la de un escrito motivado cuando el caso lo somete
Comisión y la Corte Interamericanas de un Estado. Una vez que el caso es sometido, se
Derechos Humanos realiza un examen preliminar y posteriormente
se notifica a la Presidencia y los jueces, al Estado
En primer término todas las peticiones
demandado, a la Comisión (si no es ella quien
sobre supuestas violaciones a los derechos
presentó el caso) y a la presunta víctima, sus
humanos deben ser presentadas ante la Comisión
representantes o el Defensor Interamericano, si
Interamericana. Una vez que ésta ha recibido
fuera el caso. Existe la posibilidad que se dé una
dicha petición procede a verificar que la misma
terminación anticipada del proceso, ya sea por
cumpla con todos los requisitos. Posteriormente
una solución amistosa entre las partes o por un
la Comisión trasmite al Estado la documentación
sobreseimiento del mismo.
pertinente y solicita información sobre la
admisibilidad de la petición. Acto seguido se da Posteriormente continúa el procedimiento
traslado de la respuesta del Estado al peticionario escrito, en el cual la presunta víctima o
y la Comisión verifica si aún subsisten los sus representantes someten un escrito de
motivos de la petición. En caso afirmativo, se solicitudes, argumentos y pruebas, y el Estado
prepara y aprueba el informe sobre admisibilidad demandado expone por escrito su posición sobre
que permite el registro y apertura del caso. el caso sometido a la Corte, en la que debe
incluir excepciones preliminares de considerarlo
Abierto el caso, la Comisión procede a
pertinente. Una vez finalizado el procedimiento
notificar a las partes y les somete una propuesta
escrito se procede al procedimiento oral, en el
de solución amistosa. En caso de haber una
cual la Presidencia señala la fecha de apertura
respuesta afirmativa a dicha solución amistosa,
de dicho procedimiento y fija las audiencias
se lleva a cabo un proceso que culmina con
que fueran necesarias. En la audiencia pública,
un informe de solución amistosa, o en caso
la Comisión expone los fundamentos de su
que dicha solución no se logre se prosigue con
Informe y de la presentación del caso ante la
la tramitación del caso. En caso que no haya
Corte, así como cualquier asunto que considere
solución amistosa, la Comisión solicita a los
relevante para su resolución. Posteriormente,
peticionarios sus alegatos sobre el fondo y luego
los declarantes convocados son interrogados por
los traslada al Estado para sus observaciones,
las partes y los jueces les hacen las preguntas
que a su vez son transmitidas a los peticionarios.
que consideren pertinentes. Después se concede
Posteriormente se realiza una audiencia pública,
la palabra a las presuntas víctimas o a sus
la cual es seguida por una decisión sobre el fondo.
representantes y al Estado demandado para que
Alcanzada la decisión sobre el fondo, expongan sus alegatos con la posibilidad de una
la Comisión emite un informe en el que réplica y dúplica. Concluidos los alegatos, la
se establecen las violaciones y se formulan Comisión presenta sus observaciones finales.
recomendaciones o en caso contrario, emite un Por último, los jueces formulan las preguntas
informe señalando que las violaciones alegadas que estimen convenientes a la Comisión, a las
no fueron constatadas. En el primer caso, este presuntas víctimas o a sus representantes y al
informe se traslada al Estado para su respuesta, Estado. Durante la audiencia, la Corte puede
el cual debe decidir si cumple o no con las recibir declaraciones testimoniales, periciales o
recomendaciones formuladas por la Comisión. de presuntas víctimas haciendo uso de medios
En el caso de que el Estado no acepte dichas electrónicos audiovisuales. Finalizada esta
recomendaciones, la Comisión decide mediante audiencia pública las partes pueden hacer llegar

248
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

a la Corte sus alegatos finales en forma escrita. se modificó el artículo relativo al escrito de
De la misma forma, la Comisión puede, si lo demanda. A dicho artículo se le agregó un
estima conveniente, presentar observaciones numeral que establecía que si la demanda de la
finales escritas. Posteriormente la Corte se Comisión no contenía los nombres y dirección
reúne para deliberar y emitir una sentencia sobre de los representantes de la presunta víctima,
el caso contencioso en cuestión. En los últimos la Comisión sería su representante procesal a
años esta sentencia contiene el pronunciamiento modo a evitar la indefensión de las mismas. Sin
sobre las excepciones preliminares, en caso embargo, esta reforma no aportaba soluciones a
que hayan sido interpuestas, el fondo del caso la problemática antes descrita.
y las reparaciones y costas en caso de ser una En el año 2009 se llevó a cabo otra
sentencia condenatoria. Por último, la Corte importante reforma reglamentaria que, entre
procede a supervisar el cumplimiento de dicha otras, significó los siguientes avances: en primer
sentencia por parte del Estado condenado. lugar, la definición del papel de la Comisión y las
presuntas víctimas con algunas modificaciones
3. LOS REGLAMENTOS DE LA CORTE al proceso, y en segundo lugar, la institución del
A lo largo de su historia y como una Defensor Interamericano y Fondo de Asistencia
consecuencia lógica de su evolución la Corte Legal de Víctimas. Al respecto, se confirmó
ha emitido 5 Reglamentos. El primero de ellos, que las partes en el proceso son el Estado y
aprobado 1980, establecía, entre otras cosas, que los representantes de la/s presunta/s víctima/s
las dos únicas partes en el proceso contencioso y se estableció que la Comisión tiene el papel
ante la Corte eran la Comisión y el o los Estados de ser un “órgano del sistema interamericano
Partes que participaran en él. El segundo afianzado”, encargado de velar por que en cada
Reglamento de la Corte, aprobado por ésta en el caso no se altere el orden público interamericano
año 1991, mantuvo en lo esencial la situación de los derechos humanos.
del anterior Reglamento, con la adición de que En este sentido, cambió la actuación de
el Estado podía designar también un Agente la Comisión durante el proceso ante la Corte.
Alterno y la Comisión debía informar a la Durante la etapa escrita, para someter el caso
Corte si entre quienes asistían a la Comisión ante la Corte, la Comisión ya no debe aportar
figuraban abogados representantes designados un escrito de demanda, sino que debe presentar
por el denunciante original, por la presunta el Informe al que se refiere el artículo 50 de la
víctima o por los familiares de ésta. Es con el Convención Americana1. Por lo tanto, ya no
tercer Reglamento de la Corte, aprobado por ésta le es posible a la Comisión ofrecer testigos ni
en 1996, en que se da participación autónoma a declarantes, sólo peritos en casos especiales.
la presunta víctima o a sus representantes, pero En la audiencia pública, la Comisión abre
únicamente en la etapa de reparaciones. la audiencia señalando los motivos por los
Pero es con el cuarto Reglamento de la que presentó el caso ante la Corte y la cierra
Corte que entró en vigencia el 1 de junio de 2001, con sus observaciones finales. Durante los
que se da participación autónoma a la presunta interrogatorios, sólo puede interrogar a los
víctima o a sus representantes en todo el proceso peritos que ella misma propuso. Asimismo, sólo
contencioso ante la Corte, locus standi in judicio, puede interrogar a los propuestos por el Estado y
una vez que el caso es sometido a la Corte por los representantes de las presuntas víctimas en
la Comisión Interamericana, de acuerdo con caso de que la Corte lo autorice después de haber
el artículo 61.1 de la Convención. Esta es una hecho una solicitud fundada al respecto.
reforma histórica ya que le reconoce al ser
humano como sujeto del derecho internacional 4. CUMPLIMIENTO DE LAS SENTENCIAS
y le otorga plena capacidad de actuar dentro DE LA CORTE
de todo el proceso ante la Corte. Además, esta
La ejecución de las sentencias está
reforma reglamentaria aclara que las verdaderas
íntimamente ligada a la supervisión del
partes en un caso contencioso son los individuos
cumplimiento de la misma por la Corte debido
demandantes, el Estado demandando y, sólo
a la laguna del artículo 65 de la Convención,
procesalmente, la Comisión Interamericana.
el cual no establece un órgano específicamente
Posteriormente, en el año 2003 se llevó encargado de supervisar el cumplimiento de las
a cabo otra reforma del reglamento en la que sentencias emitidas por la Corte.

249
Manuel E. Ventura Robles

Con el propósito de poder determinar si 5. JUSTICIA TRANSICIONAL


un Estado Parte en la Convención Americana
ha cumplido con las reparaciones ordenadas en No hay una definición única y consensuada
la sentencia, la Corte tuvo que implementar un del concepto acuñado inicialmente en
procedimiento de supervisión de cumplimiento espacios académicos entendido como “justicia
de sentencia a partir de una base jurisprudencial transicional”. Una definición sencilla pero útil
que resolvió la controversia que se presentó podría encontrarse en el Informe del Secretario
cuando Panamá cuestionó las facultades del General de Naciones Unidas de 2004 sobre “El
Tribunal para realizar dicha supervisión. Estado de derecho y la justicia de transición
en las sociedades que sufren o han sufrido
En la práctica que se sigue ante el Tribunal,
conflictos”, que refiere a “la promoción de la
se analizan los informes de cumplimiento que
justicia y el Estado de derecho en las sociedades
presenta el Estado, las observaciones que sobre
que sufren o han sufrido conflictos” (párr.2).
este hacen las víctimas y/o sus representantes
Se describe la justicia de transición como una
y las que sobre ambos presenta la Comisión
“variedad de procesos y mecanismos asociados
Interamericana, y se determina el grado de
con los intentos de una sociedad por resolver los
cumplimiento que la sentencia ha alcanzado.
problemas derivados de un pasado de abusos a
Generalmente se solicitan varios informes antes
gran escala, a fin de que los responsables rindan
de cerrar el caso o informar a la Asamblea General
cuentas de sus actos, servir a la justicia y lograr
de la Organización de los Estados Americanos el
la reconciliación” (párr. 8)
incumplimiento de la sentencia.
Cada sociedad considerada en transición
La descrita situación obliga a la Corte
tiene que enfrentar aspectos históricos, políticos
a emitir numerosas resoluciones sobre
y sociales particulares, que requieren medidas
cumplimiento de sentencia, en las cuales solicita
especiales para afrontar su pasado, y ningún
al Estado información sobre el cumplimiento
proceso acaecido hasta la fecha ha logrado
que se le da a las sentencias emitidas por el
satisfacer en su totalidad las expectativas
Tribunal, se insta al Estado a dar cumplimiento
involucradas. 2
de lo ordenado por la Corte y se da cuenta del
grado de cumplimiento de las mismas. La resolución 18/7 del Consejo de Derechos
Humanos, que estableció el mandato de un
Actualmente, el procedimiento sobre la
Relator Especial para ocuparse de “situaciones
supervisión del cumplimiento de las sentencias
en las que haya habido violaciones manifiestas
y otras decisiones de la Corte se encuentra
de los derechos humanos y violaciones graves
regulado en el artículo 69 del nuevo Reglamento
del derecho internacional humanitario”,
de la Corte. Con la reforma que se llevó a
define el mandato en medidas destinadas a “la
cabo en el año 2009 también se incorporaron
promoción de la verdad, la justicia, la reparación
normas reglamentarias relativas a la celebración
y las garantías de no repetición”. La resolución
de audiencias privadas de supervisión de
menciona específicamente “los procesamientos
cumplimiento.
individuales, las reparaciones, la búsqueda de la
Al respecto, es importante mencionar que verdad, la reforma institucional, la investigación
las reparaciones dictadas por la Corte en sus de los antecedentes de los empleados o
sentencias se caracterizan por su amplitud. funcionarios públicos, o una combinación
Por ello, los mecanismos de supervisión de apropiada de esas medidas”. El Relator Especial
sentencias que ha implementado el Tribunal son subraya en su primer informe de 2012 que no
complejos pues abarcan una variedad de asuntos se trata de mecanismos creados para establecer
y obligaciones. Ello requiere, por lo general, que una “forma de justicia blanda” ni como medio
para que los Estados cumplan a plenitud con para alcanzar el objetivo de la reconciliación
sus obligaciones de reparar las violaciones a los eludiendo esas cuatro áreas de acción referidas.
derechos humanos, realicen actos de diverso
El juzgamiento de las violaciones masivas a
tipo, en los que muchas veces se requiere la
los derechos humanos cometidas por un régimen
participación de diferentes instituciones del
autocrático anterior, es un aspecto esencial de la
Estado.
denominada “justicia transicional”. Esto es, el
conjunto de herramientas empleadas, después
de una transición política, con el propósito

250
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

de tratar los delitos cometidos por el régimen de soluciones reconciliadoras, dispensan futuros
previo. Básicamente, debe decidirse qué califica castigos. Esto, en conjunción con principios
como delito y cómo sancionar a los responsables. fundamentales del derecho penal liberal, por
En este marco, los problemas a encarar son ejemplo: benignidad de la ley e irretroactividad
políticos, jurídicos y morales. de la misma, son un serio obstáculo para
Las decisiones sobre la “justicia el procesamiento y castigo de los culpables.
transicional” son adoptadas en “momentos Además, surgen dificultades relacionadas con
fundacionales”. Primero, debemos evaluar los la atribución de responsabilidad a los autores
crímenes cometidos de modo que se devuelva mediatos de los crímenes y, finalmente, la
la dignidad a las víctimas. Segundo, deben selectividad subjetiva del castigo, es decir, la
castigarse esos hechos porque es la mejor forma identificación y juzgamiento de los culpables.
de (re)fundar una comunidad perdurable. Esto Con estas complejidades convive
es, castigamos no sólo por los hechos cometidos un régimen de transición. Tomando en
sino también, para fundar definitivamente una consideración lo anterior, procedo a realizar
comunidad basada en derechos. algunos comentarios acerca de cómo la Corte
IDH ha interpretado un instituto frecuentemente
La práctica ha demostrado que las iniciativas
usado en las “circunstancias de la transición”
aisladas y fragmentarias de enjuiciamiento
no acallan la demanda de otras formas de
por los gobiernos nacientes en América Latina:
justicia distintas del mero enjuiciamiento3. la amnistía.
No es algo que ocurra sólo con la justicia
penal. Lo mismo puede decirse de todas las 6. EL ROL DE LA CORTE
demás áreas de acción del mandato. Si se INTERAMERICANA EN MATERIA DE
desarrollan en forma aislada, ni siquiera
los procesos más rigurosos de búsqueda JUSTICIA, VERDAD Y REPARACIONES
de la verdad son equiparados a justicia, ya La Corte Interamericana de Derechos
que la revelación de la verdad no satisface
Humanos tiene como competencia determinar
plenamente la necesidad de una reparación
adecuada. La justicia no sólo obliga a la responsabilidad internacional de los Estados
conocer los hechos sino que también partes en la Convención Americana sobre
requiere actuar sobre la verdad descubierta. Derechos Humanos por las violaciones de
Del mismo modo, las reparaciones sin los derechos consagrados en la misma o en
enjuiciamiento, la búsqueda de la verdad otros instrumentos interamericanos que le
o la reforma institucional son fácilmente otorguen competencia. De esta manera se da
interpretables como intentos de comprar una formulación de estándares internacionales
la aquiescencia de las víctimas. Por último, con base en su jurisprudencia y la consecuente
las medidas de reforma de las instituciones,
interpretación que ésta hace de la Convención.
como la investigación de antecedentes y
depuración del personal también resultarán Desde muy temprano en su jurisprudencia,
insuficientes a falta de los demás la Corte Interamericana ha profundizado en
mecanismos, tanto para hacer frente a las el concepto del derecho a la verdad como un
violaciones como para garantizar que no se derecho colectivo y particular de las víctimas5.
repitan.4 Más adelante, la Corte reiteró la doble dimensión
del derecho a la verdad, al determinar que la
Debemos recordar que suele ser el caso
investigación de los hechos y sanción de los
que los gobiernos emergentes sean débiles
responsables son una obligación estatal y que
y que sus políticas estén signadas por la
además, el derecho a la verdad constituye un
necesidad de brindar estabilidad al régimen
mecanismo de reparación6.
recién instaurado. De modo tal, las tensiones se
generan por no poder cumplir, al mismo tiempo, Asimismo, al analizar las conductas de los
dos objetivos que se consideran igualmente Estados tendientes a obstruir la justicia y a permitir
valiosos: el juzgamiento a los responsables y el la impunidad, se elevó a estándar internacional
establecimiento de instituciones estables. Los la obligación de investigar, juzgar y sancionar
problemas jurídicos tampoco son menores ya a los autores de los hechos, inclusive autores
que es habitual que gobiernos autocráticos en materiales e intelectuales, determinadores y
retirada, empleen normas jurídicas para imponer beneficiarios del crimen, inclusive respecto de
un manto de olvido y perdón. Es decir, so pretexto situaciones de criminalidad compleja (aún en

251
Manuel E. Ventura Robles

casos de “terrorismo de Estado”, de contextos de La oleada de leyes de impunidad en nuestro


crímenes contra la humanidad y de los llamados continente es el resultado del terrorismo de
“crímenes de sistema”). Estado y representa la política de sus hacedores
En relación con la reparación, la Corte para encubrir los hechos. Por lo general estas
ha señalado en sus fallos dos tipos de daños: leyes no se han emitido para estimular el retorno
moral (o inmaterial) y material. Este último a la paz o para reintegrar a los presos políticos,
se clasifica a su vez en daño emergente y lucro refugiados o exiliados, sino para legitimar las
cesante. Como otras medidas de reparación violaciones a los derechos humanos cometidas
ha ordenado las de restauración (equivalente a por el Estado evitando el enjuiciamiento de
la restitucio in integrum), las de rehabilitación sus agentes responsables. Es por ello que la
(como el tratamiento médico y psicológico de amnistía como tal conlleva una serie de efectos,
las víctimas), las de satisfacción (entre las que entre ellos: que se aplica retroactivamente y
se encuentran los actos de reconocimiento en una forma general a una cierta categoría de
de responsabilidad y disculpas públicos), crímenes, y no a grupos señalados. Por ejemplo,
las garantías de no repetición (programas una amnistía puede incluir a los militares, a las
educativos para funcionarios estatales, medidas fuerzas de seguridad o a agentes del gobierno, sin
de fortalecimiento institucional en materia de decirlo específicamente. Su impacto es además
investigación, medidas de prevención, sistemas inmediato, ya que al considerar que el crimen
de información y búsqueda, etc), así como las alegado está incluido en la amnistía, se puede
indemnizaciones compensatorias (basada en pedir el sobreseimiento inmediato de la causa9.
aquellos daños). Las leyes de impunidad se han adoptado
en nombre de la paz y la reconciliación, pero
7. LA IMPUNIDAD A LA LUZ DE LA por lo general suprimen los derechos de las
JURISPRUDENCIA DE LA CORTE víctimas. En algunos casos, ha estimulado el
resurgimiento de la violencia y ha asegurado
INTERAMERICANA la impunidad de los gobiernos y sus agentes
En concepto “impunidad” no describe, por crímenes graves sobre sus ciudadanos.
en sentido estricto, un asunto legal, sino un Estas leyes han prevalecido principalmente
fenómeno de dimensiones legales, sociales, porque los beneficiarios siguen en el poder, en
culturales, psicológicas y hasta económicas. En la rama ejecutiva o en los cuarteles militares. El
términos generales puede ser entendida como la impacto de este fenómeno puede ser medido en
ausencia de pena, la no punibilidad o ausencia torno a varias preguntas, por ejemplo: ¿cuántos
de castigo, los cuales se distinguen claramente agentes han sido enjuiciados y castigados?, ¿en
de los conceptos ampliamente conocidos de cuántos casos sobre violaciones a los derechos
impunibilidad, imputabilidad e inmunidad7. humanos se han realizado investigaciones
En este punto, cabe destacar además, que imparciales y exhaustivas?, ¿en cuántos casos
la Corte Interamericana ha elevado a estándar se han establecido responsabilidades?, y
internacional la proscripción del uso de leyes ¿cuántas víctimas o sus familias ha recibido una
de amnistías e indultos cuando impidan u indemnización justa?
obstaculicen la investigación y, en su caso, Ante la imposibilidad de obtener justicia en
juzgamiento y sanción de graves violaciones de sus países, muchas personas y organizaciones
derechos humanos8. no gubernamentales han recurrido a
Desde 1978, las leyes de impunidad instituciones internacionales, tanto regionales
proliferaron en los países de Centro y Suramérica, como internacionales, para intentar revertir
los cuáles ha sufrido largos períodos de violencia una situación que notoriamente contradecía
política y violación sistemática de los derechos las obligaciones internacionales contraídas por
humanos por parte del Estado. Esas leyes los Estados. Es acá, donde surge la importancia
tomaron la forma de amnistía, prescripción e de las investigaciones, fallos y decisiones de
indulto, reconociendo la obediencia debida como los organismos regionales de protección de
una defensa para los crímenes cometidos por los derechos humanos, tales como la Corte
agentes del gobierno El propósito de estas leyes y la Comisión Interamericanas de Derechos
ha sido el de prevenir la investigación y el castigo Humanos.
de graves violaciones de los derechos humanos.

252
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

La Corte Interamericana ha definido mayor necesidad de erradicar la impunidad de los


la impunidad como “la falta en su conjunto hechos.14 Además, esta obligación de combatir la
de investigación, persecución, captura, impunidad se ve acentuada cuando se trata de
enjuiciamiento y condena de los responsables de violaciones cuyas víctimas son niños.15
las violaciones de los derechos protegidos por la Esta concepción de impunidad no es sólo
Convención Americana, toda vez que el Estado interamericana, por ejemplo, “[d]e igual modo,
tiene la obligación de combatir tal situación en el Sistema Africano, la Comisión Africana
por todos los medios legales disponibles ya que sobre los Derechos Humanos y de los Pueblos
la impunidad propicia la repetición crónica de ha sostenido que el otorgamiento de total y
las violaciones de derechos humanos y la total completa inmunidad contra el procesamiento
indefensión de las víctimas y de sus familiares”10. y juzgamiento de violaciones de derechos
Esta obligación de investigar a los responsables humanos, así como la falta de adopción de
se refiere tanto a los autores intelectuales como medidas que garanticen que los perpetradores
a los encubridores de violaciones de los derechos de dichas violaciones sean castigados y que las
humanos11. víctimas sean debidamente compensadas, no
Y ha agregado reiteradamente también en sólo impiden a las últimas la obtención de una
numerosos casos que reparación a sus violaciones, negándoles con
ello su derecho a un recurso efectivo, sino que
[…] el Estado tiene la obligación de combatir
promueven la impunidad y constituyen una
tal situación por todos medios legales
disponibles ya que la impunidad propicia
violación de las obligaciones internacionales de
la repetición crónica de las violaciones de los Estados16.
derechos humanos y la total indefensión de La impunidad se relaciona estrechamente
las víctimas sus familiares12. al derecho de acceso a la justicia, ya que éste
“requiere que se haga efectiva la determinación
El tema de la impunidad es una de los
de los hechos que se investigan y, en su caso, de
más sensibles en el sistema interamericano
las correspondientes responsabilidades penales
de protección de los derechos humanos, ya
en tiempo razonable, por lo que, […] una
que al dar cumplimiento a las sentencias de
demora prolongada puede llegar a constituir,
la Corte Interamericana, los Estados Partes en
por sí misma, una violación de las garantías
la Convención cumplen con prontitud el pago
judiciales. […]17
de las indemnizaciones pecuniarias y otras
obligaciones de hacer, pero se progresa muy Cabe recordar una importante sentencia
lentamente, o no se progresa del todo, en la emitida por La Corte Suprema de Justicia de
investigación de los hechos y el enjuiciamiento la Nación de la República Argentina, se refirió
y sanción de los responsables. a este tema, en la cual resolvió, entre otros,
declarar la nulidad de las leyes de “Punto Final” y
Asimismo, la Corte ha establecido que el
“Obediencia Debida”, las cuales interrumpieron
Estado “debe remover todos los obstáculos, de
los procesos penales que se llevaban a cabo
facto y de jure, que mantengan la impunidad,
en ese entonces contra militares argentinos
y que ésta debe ser erradicada mediante la
acusados de delitos de lesa humanidad durante
determinación de las responsabilidades tanto
la represión de las dictaduras de finales de los
generales -del Estado- como individuales
años 70 y comienzos de los 80. Además, la Corte
-penales y de otra índole de sus agentes o de
avaló la ley 25.779 de 2003, que precisamente
particulares13.
declaraba la nulidad de las mencionadas
En este sentido, la Corte ha considerado que leyes. Este Tribunal señaló que a fin de dar
“[s]e debe combatir la impunidad por todos los cumplimiento a los tratados internacionales
medios legales disponibles, tomando en cuenta ratificados por el Estado Argentino, la supresión
la necesidad de hacer justicia en el caso concreto de las leyes de punto final y de obediencia debida
y que aquélla propicia la repetición crónica de resulta impostergable. Esto significa que quienes
las violaciones de derechos humanos y la total resultaron beneficiarios de tales leyes no pueden
indefensión de las víctimas. Este Tribunal ha invocar ni la prohibición de retroactividad de
destacado también que la naturaleza y gravedad la ley penal más grave ni la cosa juzgada. Pues
de los hechos en contextos de violaciones de acuerdo con lo establecido por la Corte
sistemáticas de derechos humanos genera una Interamericana, tales principios no pueden

253
Manuel E. Ventura Robles

convertirse en el impedimento para la anulación pueda eventualmente atribuirse la violación,


de las leyes mencionadas. aún los particulares, pues si sus hechos no son
En esta sentencia se puso además de investigados con seriedad, resultarían, en cierto
manifiesto la importante influencia de la modo, auxiliados por el poder público, lo que
jurisprudencia de la Corte Interamericana en los comprometería la responsabilidad internacional
fallos y decisiones de los Tribunales internos. del Estado.19
Además de hacer referencia a varios casos de la Incluso en qué casos en que se ha
Corte, tales como Velásquez Rodríguez, Godínez determinado que en la ejecución del hecho
Cruz, Blake y El Amparo, entre otros, la Corte participaron agentes estatales en conjunto
Suprema de Justicia argentina basó gran parte de con particular, aunado al contexto en que fue
sus razonamientos en la sentencia de la Corte perpetrado, la Corte ha tenido en cuenta que
emitida en el caso Barrios Altos. En claro ejemplo el acto requirió una compleja organización, lo
es la siguiente cita: que se ha expresado también en la dificultad
Recientemente, sin embargo, en el caso para develar a la totalidad de sus perpetradores,
“Barrios Altos”, la Corte Interamericana precisó tanto intelectuales como materiales. En casos
aún más las implicancias de esta obligación como esos, es precisamente la división de tareas
de garantía en relación con la vigencia de los entre perpetradores intelectuales y materiales lo
derechos considerados inderogables, y cuya que dificulta el esclarecimiento de los vínculos
afectación constituye una grave violación de los entre ellos y, asimismo, las características de
Derechos Humanos cuando no la comisión de la planeación y ejecución del crimen tienden
un delito contra la humanidad. En ese precedente a dificultar la conexión entre los dos niveles
quedó establecido que el deber de investigar y de perpetradores20. Así, en casos complejos, la
sancionar a los responsables de violaciones a obligación de investigar conlleva el deber de
los derechos humanos implicaba la prohibición dirigir los esfuerzos del aparato estatal para
de dictar cualquier legislación que tuviera por desentrañar las estructuras que permitieron esas
efecto conceder impunidad a los responsables de violaciones, sus causas, sus beneficiarios y sus
hechos de la gravedad señalada. Y si bien es cierto consecuencias, y no sólo descubrir, enjuiciar
que la Corte se pronunció en el caso concreto y en su caso sancionar a los perpetradores
sobre la validez de una autoamnistía también lo inmediatos. Es decir, la protección de derechos
es que, al haber analizado dicha legislación por humanos debe ser uno de los fines centrales que
sus efectos y no por su origen, de su doctrina se determine el actuar estatal en cualquier tipo de
desprende, en forma implícita, que la prohibición investigación. De tal forma, la determinación
rige tanto para el caso de que su fuente fuera el sobre los perpetradores sólo puede resultar
propio gobierno que cometió las violaciones o el efectiva si se realiza a partir de una visión
gobierno democrático restablecido. comprehensiva de los hechos, que tenga en
cuenta los antecedentes y el contexto en que
8. EL DEBER DE INVESTIGAR ocurrieron y que busque develar las estructuras
de participación.21
VIOLACIONES A LOS DERECHOS
Como se ha señalado anteriormente, la
HUMANOS investigación judicial de graves violaciones de
La Corte Interamericana de Derechos derechos humanos constituye un elemento
Humanos estableció, desde su primer sentencia fundamental para el esclarecimiento de lo
contenciosa en el caso Velásquez Rodríguez sucedido a las víctimas, teniendo como objetivos
la existencia de un deber estatal de investigar principales: el establecimiento de la verdad, el
seriamente con los medios que el Estado tenga a castigo efectivo a los responsables de la misma,
su alcance las violaciones que se hayan cometido la restitución o en su caso la reparación de los
dentro del ámbito de su jurisdicción a fin de derechos de las víctimas, y la identificación de
identificar a los responsables, de imponerles las aquellas medidas necesarias para prevenir que
sanciones pertinentes y de asegurar a la víctima hechos similares no se repitan. En este sentido,
una adecuada reparación.18 son claves para garantizar los derechos a la
La Corte también ha sido clara al verdad, la justicia y la reparación.
establecer que la obligación de investigar se
mantiene cualquiera sea el agente al cual

254
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

Al respecto, la Corte Interamericana se los obstáculos fácticos y jurídicos que puedan


ha referido al vínculo entre verdad, justicia y dificultar el esclarecimiento judicial exhaustivo
reparación de la siguiente manera: de las violaciones a la Convención Americana
La Corte ha reconocido que el derecho a perpetradas en este caso, el juzgamiento de
conocer la verdad de los familiares de víctimas los responsables y la debida reparación de las
de graves violaciones de derechos humanos se víctimas”24
enmarca en el derecho de acceso a la justicia. De esta manera, el derecho penal –
Asimismo, la Corte ha fundamentado la sustantivo y procesal- se transforma en un
obligación de investigar como una forma de elemento básico en la defensa de los derechos
reparación, ante la necesidad de reparar la fundamentales, en el sentido de funcionar como
violación del derecho a conocer la verdad en el caso herramienta clave para el alcance de los objetivos
concreto. El derecho a conocer la verdad también máximos que debe perseguir toda investigación
ha sido reconocido en diversos instrumentos de graves violaciones de derechos humanos. Sin
de Naciones Unidas y recientemente por la embargo, estos objetivos, planteados desde la
Asamblea General de la Organización de Estados jurisprudencia internacional, comprenden, pero
Americanos (OEA).22 exceden, aquéllos tradicionalmente concebidos
Asimismo, la Corte ha establecido que el en el ámbito del proceso penal.
esclarecimiento de la verdad no sólo tiene una A fin de establecer lo sucedido y comenzar
dimensión individual, destinada a la reparación el proceso de reparación, en algunos casos
de los derechos de la víctima y sus familiares, la investigación también está destinada a
sino una dimensión colectiva, destinada a dar a identificar a las propias víctimas así como, frente
conocer lo ocurrido a la sociedad en su conjunto. a algunos tipos de hechos, determinar quiénes
Al respecto, el Tribunal ha señalado que: son sus familiares, su grupo o comunidad de
El Tribunal considera que el derecho a pertenencia (como en los casos de miembros
conocer la verdad tiene como efecto necesario de asociaciones o miembros de pueblos o
que en una sociedad democrática se conozca la comunidades indígenas). Los pasos a tomar para
verdad sobre los hechos de graves violaciones el esclarecimiento de la verdad, para garantizar
de derechos humanos. Esta es una justa la participación de las víctimas en el proceso,
expectativa que el Estado debe satisfacer, por o para determinar algunas de las omisiones u
un lado, mediante la obligación de investigar las acciones que generaron responsabilidad, van más
violaciones de derechos humanos y, por el otro, allá de lo que resulta necesario para garantizar
con la divulgación pública de los resultados de los un juicio justo para el acusado en el marco del
procesos penales e investigativos. Esto exige del proceso penal.
Estado la determinación procesal de los patrones de Con base en la jurisprudencia de la Corte,
actuación conjunta y de todas las personas que de los principios generales que deben ser respetados
diversas formas participaron en dichas violaciones en cualquier sistema jurídico y orientar las
y sus correspondientes responsabilidades. investigaciones para asegurar un efectivo acceso
Además, en cumplimiento de sus obligaciones a la justicia, a saber: oficiosidad, oportunidad,
de garantizar el derecho a conocer la verdad, competencia, independencia e imparcialidad,
los Estados pueden establecer comisiones de la exhaustividad y participación de las víctimas y
verdad, las que contribuyen a la construcción sus familiares.
y preservación de la memoria histórica, el
esclarecimiento de hechos y la determinación 9. LAS AMNISTÍAS A LA LUZ DE LA
de responsabilidades institucionales, sociales y JURISPRUDENCIA DE LA CORTE
políticas en determinados períodos históricos de
una sociedad.23 INTERAMERICANA
Asimismo, la Corte IDH ha sido En los últimos años, la Corte Interamericana
constante en el criterio de que, junto con la ha analizado de modo particular algunas
determinación de la verdad, el juzgamiento de instituciones de la justicia transicional. En
los responsables de la violación de derechos particular, enfrentó un conjunto de normas que,
humanos debe ser un elemento integrante de velada o directamente, tenían como finalidad
toda investigación. En palabras de la Corte, los dispensar el castigo por hechos calificables, en
Estados tienen “la obligación de remover todos principio, como “delitos de lesa humanidad”.

255
Manuel E. Ventura Robles

Se trata de un puñado de casos en los que se militares imputados a fin de que presentaran
pronunció, a la luz de la Convención Americana, declaración; poco tiempo después, una jueza
sobre el estatus normativo de disposiciones que asumió la investigación y ordenó la citación.
establecían algún tipo de amnistía. Entre otros, Sin embargo, la justicia militar dispuso que
podemos señalas las sentencias emitidas en los los militares no declararan. De este modo se
casos Barrios Altos vs. Perú25, La Cantuta vs. planteó un conflicto de competencia ante la
Perú26, Almonacid Arellano y otros vs. Chile27, Corte Suprema de Justicia peruana y, antes de
Gomes Lund y Otros (Guerrilha do Araguaia) vs. que ésta resolviera, el Congreso sancionó una ley
Brasil28 y, Gelman vs. Uruguay29. Masacres de El de amnistía que exoneraba de responsabilidad
Mozote vs. El Salvador a los militares, policías y civiles que hubieran
Estas decisiones impusieron un conjunto cometido violaciones a los derechos humanos
de prohibiciones y obligaciones. En particular, o participado en esas violaciones entre 1980
que no es facultativa la persecución de “graves y 1995. La jueza a cargo del caso declaró
y masivas violaciones a los derechos humanos”. la inconstitucionalidad de la amnistía por
De modo tal, toda medida, aun cuando ella sea violar garantías y obligaciones internacionales
democrática, cuyos efectos sean el otorgamiento derivadas de la Convención Americana,
de una respuesta no punitiva a estos hechos, mientras que el Congreso dictó una nueva ley en
estaría prohibida. la que declaró que la amnistía no era revisable en
sede judicial y que era de aplicación obligatoria,
Específicamente en el caso Barrios Altos,
ampliando además el alcance de la ley anterior,
la Corte se refirió a la obligación de los Estados
con lo cual quedaron abarcados aquellos hechos
partes en la Convención de garantizar el libre
que no hubieran sido denunciados. El tribunal
y pleno ejercicio de los derechos reconocidos
de apelación que revisaba la decisión de la jueza
en la Convención Americana a toda persona
declaró la constitucionalidad de las leyes en
sujeta a su jurisdicción. En este caso, la Corte
cuestión y determinó el archivo definitivo de la
precisó las implicaciones de esta garantía
investigación.
en relación con la vigencia de los derechos
considerados inderogables y cuya afectación En este caso, la Corte Interamericana
constituye una grave violación de los derechos determinó la responsabilidad internacional del
humanos, así como la posibilidad de la comisión Estado no sólo por la violación del derecho a la
de un delito contra la humanidad. Asimismo, vida e integridad personal derivada de los hechos
el tribunal estableció que el deber de investigar del caso, sino además por la dictado de dos leyes
y sancionar a los responsables de violaciones a de amnistía, lo que constituyó la violación del
los derechos humanos implicaba a prohibición derecho a las garantías judiciales (art. 8 CADH),
de dictar cualquier legislación que tuviera por del derecho a la protección judicial (art. 25
efecto conceder impunidad a los responsables de CADH) y al deber de adoptar disposiciones de
hechos de la gravedad señalada. derecho interno (art. 2 CADH).
Los hechos de este caso se refieren a una Cabe señalar además, que si bien la Corte
masacre ocurrida en el vecindario “Barrios Altos” se pronunció en este caso sobre la validez de
del Perú el 3 de noviembre de 1991. Esa noche la autoamnistía, analizando dicha legislación
durante una fiesta para recaudar fondos, llegaron por sus efectos y no por su origen, es válida la
dos vehículos con sirenas policiales, cuyos consideración de que dicha prohibición rige
ocupantes llevaban pasamontañas y obligaron a tanto para el propio gobierno que cometió
los asistentes a arrojarse al suelo, y una vez allí, las violaciones, así como para el gobierno
les dispararon con ametralladoras y mataron a democrático reestablecido. En este sentido la
quince personas. Los autores del hecho fueron Corte consideró:
identificados como miembros de inteligencia que son inadmisibles las disposiciones
militar del ejército peruano, que actuaban en de amnistía, las disposiciones de prescripción
un “escuadrón de eliminación” con su propio y el establecimiento de excluyentes de
programa antisubversivo y que habría obrado responsabilidad que pretendan impedir la
en represalia contra supuestos integrantes de investigación y sanción de los responsables de
la agrupación “Sendero Luminoso”. A pesar de las violaciones graves de los derechos humanos
que los hechos ocurrieron en 1991, en 1995 una tales como la tortura, las ejecuciones sumarias,
fiscal intentó sin éxito hacer comparecer a los extralegales o arbitrarias y las desapariciones

256
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

forzadas, todas ellas prohibidas por contravenir respecto, el principal documento adoptado por la
derechos inderogables reconocidos por el Derecho II Conferencia Mundial de Derechos Humanos
Internacional de los Derechos Humanos. (1993) exhortó a los Estados a “derogar la
[Asimismo,] la Corte estim[ó| necesario legislación que favorezca la impunidad de
enfatizar que, a la luz de las obligaciones los responsables de violaciones graves de
generales consagradas en los artículos 1.1 y 2 los derechos humanos, (...) y sancionar esas
de la Convención Americana, los Estados Partes violaciones (...)”31.
tienen el deber de tomar las providencias de En su voto razonado en el caso en cuestión,
toda índole para que nadie sea sustraído de la el entonces Presidente de la Corte, Juez Antonio
protección judicial y del ejercicio del derecho a un A. Cançado Trindade, señaló que las
recurso sencillo y eficaz, en los términos de los las llamadas autoamnistías son, en suma,
artículos 8 y 25 de la Convención. Es por ello que una afrenta inadmisible al derecho a la verdad y
los Estados Partes en la Convención que adopten al derecho a la justicia (empezando por el propio
leyes que tengan este efecto, como lo son las acceso a la justicia). Son ellas manifiestamente
leyes de autoamnistía, incurren en una violación incompatibles con las obligaciones generales
de los artículos 8 y 25 en concordancia con los -indisociables- de los Estados Partes en la
artículos 1.1 y 2 de la Convención. Las leyes de Convención Americana de respetar y garantizar
autoamnistía conducen a la indefensión de las los derechos humanos por ella protegidos,
víctimas y a la perpetuación de la impunidad, por asegurando el libre y pleno ejercicio de los
lo que son manifiestamente incompatibles con la mismos (en los términos del artículo 1(1)
letra y el espíritu de la Convención Americana. de la Convención), así como de adecuar su
Este tipo de leyes impide la identificación de derecho interno a la normativa internacional
los individuos responsables de violaciones a de protección (en los términos del artículo 2 de
derechos humanos, ya que se obstaculiza la la Convención). Además, afectan los derechos
investigación y el acceso a la justicia e impide a protegidos por la Convención, en particular los
las víctimas y a sus familiares conocer la verdad derechos a las garantías judiciales (artículo 8) y a
y recibir la reparación correspondiente. la protección judicial (artículo 25).
Como consecuencia de la manifiesta Lo resuelto por la Corte en este caso
incompatibilidad entre las leyes de autoamnistía en relación con la nulidad de las leyes de
y la Convención Americana sobre Derechos autoamnistía, así como la obligación de investigar
Humanos, las mencionadas leyes carecen de y sancionar a los responsables y continuar con
efectos jurídicos y no pueden seguir representando los procesos judiciales adelantados, tuvo grandes
un obstáculo para la investigación de los hechos implicaciones para el poder judicial peruano El
que constituyen este caso ni para la identificación Tribunal declaró que las leyes de automnistía
y el castigo de los responsables, ni puedan tener son inválidas y carecen de efectos jurídicos, lo
igual o similar impacto respecto de otros casos cual implicó que los procesos archivados fueran
de violación de los derechos consagrados en la reabiertos y se prosiguieran las investigaciones
Convención Americana acontecidos en el Perú.30 y condenas por graves violaciones a los
Además, la Corte haciendo uso libre y derechos humanos. En virtud de ello se
pleno, como le corresponde, de los poderes originó el proceso judicial que culminó con la
inherentes a su función judicial, dispuso, por sentencia al Expresidente Fujimori, tomando
primera vez en un caso de allanamiento, además en consideración la sentencia emitida por la
de admitir el reconocimiento de responsabilidad Corte, así como las posteriores investigaciones
internacional por parte del Estado demandado, realizadas por el poder judicial peruano
el establecimiento de las consecuencias jurídicas Asimismo, el Estado peruano, en cumplimiento
de dicho allanamiento. de la sentencia emitida por la Corte, debió dar
Estas consideraciones de la Corte aplicación a lo dispuesto por el Tribunal sobre el
Interamericana buscan superar un obstáculo sentido y alcance la declaración de ineficacia de
que los órganos internacionales de supervisión las leyes de amnistía e incorporó la tipificación
de los derechos humanos todavía no han logrado del delito ejecuciones extrajudiciales.
transponer: la impunidad, con la consecuente Además, en relación con las leyes de
erosión de la confianza de la población en las autoamnistía, hay que tomar en consideración
instituciones públicas. Recordemos que al que su legalidad en el plano del derecho interno,

257
Manuel E. Ventura Robles

al implicar a la impunidad y la injusticia, son fortalecido las capacidades de prevención por


incompatibles con la normativa del Derecho parte de los Estados.
Internacional de los Derechos Humanos, En este sentido, con el paso de los años, la
acarreando, por lo tanto, violaciones a los influencia de la jurisprudencia de la Corte ha ido
derechos de la persona humana. Como es en aumento, debido a que el número de casos que
sabido, el Derecho Internacional de los Derechos se someten ha crecido también, y las distintas y
Humanos establece que no todo lo que es legal nuevas temáticas que hoy día aborda el Tribunal
en el ordenamiento jurídico interno lo es en el han permitido a dicha jurisprudencia tener un
ordenamiento jurídico internacional, y aún más alcance aún mayor.
cuando están en juego tales como la justicia y la
Asimismo, los casos resueltos por la Corte
verdad.
Interamericana suelen convertirse en casos
En la práctica, lo anterior conlleva que emblemáticos y en una fuente de inspiración
los Estados tienen prohibido recurrir a ciertas doctrinaria y jurisprudencial para los Tribunales
medidas, como las amnistías, que impidan la Nacionales, ya que los mismos tratan sobre
investigación y sanción de los responsables. cuestiones trascendentes que requieren una
Dichos Estados están en la obligación de recurrir solución a la luz de la Convención Americana. En
al derecho penal en casos de violaciones masivas este sentido, las decisiones de la Corte tienen un
de derechos humanos. En otras palabras, la Corte impacto que va más allá de los límites específicos
Interamericana ha identificado una obligación de cada caso en concreto, ya que la jurisprudencia
convencional de investigar y sancionar a quienes que se va formando a través de sucesivas
han cometido violaciones graves de los derechos interpretaciones influye en los países de la región
humanos; y, a su vez, esta obligación implica a través de reformas legales o jurisprudencia local
una prohibición absoluta de amnistiar o indultar que incorporan los estándares fijados por la Corte
a los autores de esos hechos. Esta jurisprudencia Interamericana al derecho interno Como puede
se reflejó luego en otros casos de distintos países, observarse, el sistema supone una interpretación
cada uno con sus respectivas particularidades, coherente de la Convención Americana para
generando así el nacimiento del concepto que en todos los países de la región sea una
de “control de convencionalidad” en el caso condición indispensable para la efectiva vigencia
Almonacid Arellano Vs. Chile32. En este caso, de los derechos humanos en todo el hemisferio
la Corte identificó una obligación particular del americano.
Poder Judicial de ejercer ese control, lo cual fue
En el marco de procesos de paz o de
luego ampliado a todas las autoridades. Además,
transición a la democracia no puede desconocerse
en el caso Gelman Vs Uruguay33, la Corte
la obligación internacional de investigar,
declaró la incompatibilidad de la ley de amnistía
juzgar y condenar las graves violaciones a los
uruguaya, aún si la misma había pasado un
derechos humanos y el derecho internacional
referéndum y un plebiscito.
humanitario. La existencia de un programa de
justicia transicional interno no limita el acceso
10. CONCLUSIONES a la jurisdicción interamericana y tampoco
En conclusión, el Sistema Interamericano impide que ésta investigue o determine la
de protección de los Derechos Humanos es el responsabilidad del Estado por acción u omisión,
mecanismo que esta región ha desarrollado en casos de graves violaciones de derechos
para la promoción y protección de los derechos humanos o de otro tipo de casos, ya sea por
humanos. A lo largo de su funcionamiento agentes estatales o por parte de grupos armados
ha evolucionado y continúa en un proceso de al margen de la ley. Al definir los principios de
fortalecimiento que requiere la buena fe de los proporcionalidad de la pena y acceso a la justicia,
Estados en su compromiso con los derechos y la forma de tasar las indemnizaciones, la Corte
humanos. ha señalado que no es suficiente la creación de
En definitiva, la existencia de un Tribunal medidas excepcionales y masivas si éstas no
regional que resuelva casos de violaciones a implican una reparación integral a las víctimas,
derechos humanos ha permitido a numerosas según el daño causado.
víctimas que habían permanecido años en A modo de reflexión, considero que uno
la impunidad, encontrar por fin justicia. de los pendientes de la Corte es analizar de un
Sin embargo, más allá de lo anterior, se han modo específico cuáles son las razones a las

258
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

que debe recurrirse para justificar las políticas están en juego al momento de proceder a diseñar
de transición. Me refiero, entre otras cosas, a las políticas de justicia, verdad, reparación y
las “circunstancias de la transición” que debe reformas institucionales más efectivas en el
afrontar un gobierno naciente y cómo es que, a contexto de la sociedad específica.
partir de ellas, deben considerarse los valores que

259
Manuel E. Ventura Robles

NOTAS

1. Dicho informe expone los hechos del caso y las Costas. Sentencia de 30 de noviembre de 2007.
conclusiones a las que ha llegado la Comisión Serie C Nº. 173, y Corte IDH. Caso Almonacid
en el trámite y procedimiento ante ella. Arellano y otros Vs. Chile. Excepciones
Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
2. Naciones Unidas: Programa de Reparaciones.
Sentencia de 26 de septiembre de 2006. Serie
Instrumentos del Estado de Derecho para
C Nº. 154.
Sociedades que han saludo de un Conflicto.
2008. 9. NORRIS, Robert: Leyes de Impunidad y los
Derechos Humanos en las Américas: Una
3. Véanse los resultados de la investigación
Respuesta Legal. En: Revista IIDH, Nº. 15, San
dirigida por Harvey Weinstein y Eric Stover
José, Costa Rica, 1992.
(eds.) en My Neighbor, My Enemy: Justice and
Community in the Aftermath of Mass Atrocity 10. Corte I.D.H., Caso Ivcher Bronstein. Sentencia
(2004, Cambridge University Press), obra que de 6 de febrero de 2001. Serie C Nº. 74,
analiza tanto el potencial como las limitaciones párr. 186; Corte I.D.H., Caso del Tribunal
de la Corte Penal Internacional, del Tribunal Constitucional. Sentencia de 31 de enero de
Penal Internacional para la ex-Yugoslavia y el 2001. Serie C Nº. 71, párr. 123; Corte I.D.H.,
Tribunal Penal Internacional para Rwanda, y Caso Bámaca Velásquez. Sentencia de 25 de
defiende convincentemente la tesis de que los noviembre de 2000. Serie C Nº. 70, párr. 211.
tribunales internacionales trabajan mejor en 11. Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú.
conjunción con una variedad de otras medidas, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 6
incluidas las iniciativas locales más atentas de febrero de 2001. Serie C Nº. 74, Párr. 186.
a la integración social, la reconstrucción y
las necesidades y deseos de las personas más 12. Corte I.D.H., Caso de la “Panel Blanca”
directamente afectadas por la violencia. (Paniagua Morales y otros). Sentencia de 8
de marzo de 1998. Serie C Nº. 37, párr. 173;
4. Relator Especial de Naciones Unidas sobre la Corte I.D.H., Caso Blake. Reparaciones (art.
promoción de la verdad, la justicia, la reparación 63.1 Convención Americana sobre Derechos
y las garantías de no repetición. Primer informe Humanos). Sentencia de 22 de enero de
al Consejo de Derechos Humanos. Doc A/ 1999. Serie C Nº. 48, párr. 64; Corte I.D.H.,
HRC/21/46 (2004), párr.23. Caso Loayza Tamayo. Reparaciones (art.
5. Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. 63.1 Convención Americana sobre Derechos
Guatemala. Fondo. Sentencia de 25 de Humanos). Sentencia de 27 de noviembre de
noviembre de 2000. Serie C Nº. 70 y Corte 1998. Serie C Nº. 170.
IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. 13. Corte IDH. Caso Chitay Nech y otros Vs.
Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de Guatemala. Excepciones Preliminares, Fondo,
febrero de 2002. Serie C Nº. 91. Reparaciones y Costas. Sentencia de 25 de
6. Corte IDH. Caso Myrna Mack Chang vs. mayo de 2010. Serie C Nº. 212, Párrafo 199.
Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. 14. Corte IDH. Caso del Penal Miguel Castro
Sentencia de 25 de noviembre de 2003. Serie C Castro Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas.
Nº. 101 Sentencia de 25 de noviembre de 2006. Serie C
7. AMBOS, Kai: Impunidad y Derecho Penal Nº. 160, Párrafo 405.
Internacional. Un Estudio Empírico sobre 15. Corte IDH. Caso Servellón García y otros Vs.
Colombia, Bolivia, Perú, Chile, Argentina. 1ª Honduras. Fondo, Reparaciones y Costas.
Edición colombiana, 1997, p. 29. Sentencia de 21 de septiembre de 2006. Serie
8. Corte IDH. Caso Barrios Altos Vs. Perú. C Nº. 152, Párrafo 154.
Reparaciones y Costas. Sentencia de 30 de 16. Corte IDH. Caso Gomes Lund y otros
noviembre de 2001. Serie C Nº. 87; Corte IDH. (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Excepciones
Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri Vs. Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas.
Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia Sentencia de 24 de noviembre de 2010. Serie C
de 8 de julio de 2004. Serie C Nº. 110; Corte Nº. 219, Párrafo 146.
IDH. Caso La Cantuta Vs. Perú. Interpretación
de la Sentencia de Fondo, Reparaciones y

260
La Corte, el Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, el Deber de Investigar y la Justicia Transicional

17. Corte IDH. Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña 24. Corte IDH. Caso de la “Masacre de Mapiripán”
Vs. Bolivia. Fondo, Reparaciones y Costas. Vs. Colombia. Sentencia de 15 de septiembre
Sentencia de 1 de septiembre de 2010 Serie C de 2005. Serie C Nº. 134. Párr. 302.
Nº. 217 25. Corte IDH. Caso Barrios Altos Vs. Perú.
18. Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Reparaciones y Costas. Sentencia de 30 de
Honduras. Fondo, Reparaciones y Costas. noviembre de 2001. Serie C Nº. 87.
Sentencia de 29 de julio de 1988. Serie C Nº. 4, 26. Corte IDH. Caso La Cantuta Vs. Perú. Fondo,
párr. 174. Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de
19. Corte IDH. Caso Kawas Fernández Vs. noviembre de 2006. Serie C Nº. 162.
Honduras. Fondo, Reparaciones y Costas. 27. Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros
Sentencia de 3 de abril de 2009. Serie C Nº. Vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo,
196, párr. 78. Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de
20. La Oficina del Alto Comisionado de las septiembre de 2006. Serie C Nº. 154.
Naciones Unidas para los Derechos Humanos 28. Corte IDH. Caso Gomes Lund y otros
sostiene que: “The presumption behind system (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil.
crimes is that they are generally of such a scale Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones
that they require a degree of organization to y Costas. Sentencia de 24 de noviembre de
perpetrate. […] Most often, this organization 2010. Serie C Nº. 219.
will be the apparatus of the State”. Office of
the United Nations High Commissioner for 29. Corte IDH. Caso Gelman Vs. Uruguay. Fondo
Human Rights, Rule-of-law Tools for Post- y Reparaciones. Sentencia de 24 de febrero de
Conflict State, Prosecution Initiatives, (HR/ 2011 Serie C Nº.221
PUB/06/4), United Nations, New York and 30. Corte I.D.H., Caso Barrios Altos. Sentencia de
Geneva, 2006, p. 11. 14 de marzo de 2001. Serie C Nº. 75.
21. Corte IDH. Caso Manuel Cepeda Vargas Vs. 31. Naciones Unidas, Declaración y Programa de
Colombia. Excepciones Preliminares, Fondo, Acción de Viena (1993), Parte II, párr. 60.
Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de
32. Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros
mayo de 2010. Serie C Nº. 213, párr. 118.
Vs. Chile. Excepciones Preliminares, Fondo,
22. Corte IDH. Caso Anzualdo Castro Vs. Perú. Reparaciones y Costas. Sentencia de 26 de
Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones septiembre de 2006. Serie C Nº. 154
y Costas. Sentencia de 22 de Septiembre de
33. Corte IDH. Caso Gelman Vs. Uruguay. Fondo
2009. Serie C Nº. 202. Párr. 118.
y Reparaciones. Sentencia de 24 de febrero de
23. Corte IDH. Caso Anzualdo Castro Vs. Perú. 2011 Serie C Nº.221
Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones
y Costas. Sentencia de 22 de Septiembre de
2009. Serie C Nº. 202. Párr. 119.

261
5$Ì=(6-861$785$/,67$6'2&21&(,72
'(',5(,72625,*,1É5,26'26Ì1',261$75$',d®2
&2167,78&,21$/%5$6,/(,5$62%5(2&21&(,72
'(,1',*(1$72

Pedro Calafate
Professor Catedrático da Universidade de Lisboa/ Faculdade de Letras da UL/Departamento de Filosofia;
Investigador do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (CFUL); Professor Convidado na Universidade
Autónoma de Madrid-UAM, na Universidade de Viena-Áustria e na UERJ; Membro da Academia Brasileira de
Filosofia, da Academia Portuguesa da História e da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa.

RESUMO formulated in 1912 by João Mendes Junior,


considered over the past decades as the one
Mostra-se que as raízes históricas do that best illuminates article 231 of the Brazilian
conceito de direitos originários dos povos Constitution of 1988, is entirely founded on
indígenas sobre as terras que tradicionalmente this Iberian school of natural law, inviting us to
ocupam, inscrito no artigo 231 da Constituição return to the classics.
Federal brasileira de 1988, remetem para o
pensamento dos teólogos-juristas ibéricos dos Keywords
séculos XVI e XVII, que deram corpo ao que
designo como Escola Ibérica da Paz, sobretudo Original rights; natural law; jus gentium;
no que se refere ao fundamento jusnaturalista restitution.
do conceito de domínio. Evidencia-se também o
modo como o conceito de indigenato, formulado 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
em 1912 por João Mendes Junior, interpretado O artigo 231 da Constituição brasileira
ao longo das últimas décadas como sendo o que de 1988 proclama que são “reconhecidos” aos
melhor ilumina aquele artigo da Constituição de índios “direitos originários” sobre as terras que
1988, está fundado nesta mesma escola ibérica “tradicionalmente ocupam”, bem como os seus
de direito natural, convidando-nos, assim, a um usos e costumes.
regresso aos clássicos.
Ao qualificar tais direitos como originários,
a Constituição remete para o plano de um direito
Palavras Chave que resulta da natureza do homem, um direito
Direitos originários; lei natural; jus que nasce com quem o detém, que legitima
gentium; posse; restituição. um tipo de posse anterior à ocupação colonial
e às suas instituições jurídico-políticas. Direito
ABSTRACT originário, sublinhe-se, porque reconhecimento
de um tipo de posse imemorial da terra dos
It is hereby shown that the historical roots
sucessores daqueles que primeiro a ocuparam e
of the concept of original rights of indigenous
nela se estabeleceram.
peoples concerning the lands they traditionally
occupy, enshrined in Article 231 of the Brazilian Ao estabelecer que tais direitos originários
Federal Constitution of 1988, refer to the são “reconhecidos”, a Constituição remete
natural law, taught by Iberian teachers of the para uma situação jurídica pré-existente que
XVI and XVII centuries, particularly with regard se considera permanecer ativa. Ou seja, a
to the scholastic concept of domain. It is also Constituição não concede nem outorga tais
herein shown how the concept of indigenato, direitos, mas reconhece a vigência de um direito

263
Pedro Calafate

que perdura na sociedade brasileira, anterior ao política, a despeito dos atuais esforços em sentido
Estado. contrário, mediante o ensejo de aprovação da
No entanto, em termos constitucionais, PEC 215/2000, que atribui tal competência
ao falarmos em terras indígenas e em direitos ao poder legislativo, onde os povos indígenas
originários, não nos reportamos ao conceito não estão especificamente representados, ao
de autodeterminação e suas consequências contrário dos interesses agraristas e afins.
políticas, pois as terras indígenas são um bem Este tipo tradicional de posse, baseada em
público federal, propriedade coletiva da União direitos originários, não é uma figura ortodoxa
para salvaguarda da posse indígena, não se de direito civil titulada por escritura pública,
confundindo com o senhorio político sobre um porque é, na verdade, e como foi sublinhado
território, por estarem submetidas à soberania pelo ministro Carlos AyresBritto, do STF, em
nacional, não podendo, por isso, ser objeto de julgamento de 2009, “um heterodoxo instituto
alienação. Daí o desabono constitucional aos de direito constitucional”2,impondo uma
termos “povo”, “território” e “nação”. interpretação cultural das fontes do direito.
Mas por ser direito originário não é, em si Refiro, a propósito, o estudo de Luiz
próprio, positivado pelo Estado, nem tem como Armando Badin, ao considerar que o conceito
fonte única a vontade do legislador, porque é de “ocupação tradicional”, entendido como
anterior ao Estado, ou, pelo menos, ao modelo fonte de direitos originários sobre a terra, é um
das soberanias estatais europeias, consagrado conceito difícil “porque exige uma mudança
em Vestefália. de perspectiva cultural: os direitos dos índios
Neste sentido, os autores da tão se definem segundo seus usos, costumes e
expressivamente designada “Constituição tradições, e não de acordo com o direito civil.
cidadã”, deram mostra de superação do Difícil, porque o conceito constitucional de terra
positivismo e do voluntarismo jurídicos, ao indígena faz referência a elementos científicos –
referirem-se à vigência de um direito mais históricos, antropológicos, sociais e biológicos
antigo, ao mesmo tempo que abriram o direito - que os juristas, impregnados pelo sedimento
ao diálogo com outras fontes do conhecimento, cultural de décadas de positivismo empedernido,
nomeadamente a antropologia, a etnologia, a não estão habituados a considerar em suas
filosofia e a história. análises. Difícil, porque o conceito é abrangente”
e determina, afinal, “a inaplicabilidade do direito
Ao superarem a estatização das fontes do
civil tradicional em matéria de propriedade e
direito, reconheceram outra fonte e outra ordem
posse indígena”3.
jurídica emanada do jus gentium, e reconheceram
também que os sujeitos de tais direitos são, no De facto, ao evidenciar a importância da
dizer do constitucionalista brasileiro Pontes de vigência e transmissão no tempo de distintos
Miranda, a respeito da Constituição de 1967, usos e costumes, o artigo 231 da Constituição de
aqueles que “não existem conforme os cria ou 1988 abre-se ao reconhecimento da legitimidade
regula a lei; existem a despeito das leis que de formas distintas e plurais de mundividência,
os pretendam modificar ou conceituar. Não nomeadamente aquelas em que a conservação
resultam das leis; precedem-nas; não têm o prevalece sobre a exploração intensiva de
conteúdo que elas lhes dão, recebem-no do recursos naturais, como manifestação cultural
direito das gentes” 1. de integração do homem na natureza, de que
fazem também parte formas distintas de posse,
Por isso, tais direitos imemoriais dos
nomeadamente em comunidades humanas que
indígenas sobre as terras que tradicionalmente
desconhecem o individualismo possessivo bem
ocupam, ao serem reconhecidos e não
como a noção de espaço exterior formulada pelo
concedidos ou outorgados, determinam que
racionalismo cartesiano, ao reduzir a natureza à
o ato de demarcação dessas terras seja tão só
extensão.
um ato de natureza declaratória e não um ato
constitutivo. Do mesmo modo, ao atribuir a Como escreveu a ministra Carmen Lúcia,
competência da demarcação de Terras Indígenas em Voto de sentença do STF, “os direitos dos
(TI) ao poder executivo e não ao poder legislativo, índios às suas terras [são] ponto de formação e
a Constituição Federal de 1988 conferiu a este conformação de sua visão de mundo e opção de
ato uma natureza eminentemente técnica e não vida”4, anteriores à Federação Brasileira, bem
como a todos os seus entes federados.

264
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
Por esta via se pretende aprofundar uma de ocupação permanente ao conceito mais
etapa prosseguida um ano depois pela Convenção amplo de habitat de um povo5. Quer isto dizer
169 da OIT (1989), que negou o propósito de que a posse indígena é distinta, por não se referir
assimilação das comunidades indígenas pelos à relação de um sujeito com um objeto, de uma
modelos de cultura politicamente dominantes, pessoa com uma coisa exterior e objetivada, por
à luz de linearidades universais até então isso que se refere a uma cosmovisão em que a
imperantes e a caminho do reconhecimento natureza integra a vida e onde tal divisão carece
da diversidade cultural como património da de sentido.
Humanidade, como viria a suceder também Quanto aos argumentos da insularidade
com a aprovação da declaração da Unesco sobre cultural para garantia da posse qualificada
a diversidade cultural de 2002. como tradicional e da dificuldade em identificar
Em síntese, o artigo 231 da Constituição quem é verdadeiramente índio no século XXI,
de 1988 invoca uma situação jurídica com direito a reclamação de direitos originários
imprescritível, a qual, sendo reconhecida e sobre a terra, a Constituição abre-se a uma
não concedida ou outorgada, prepondera sobre interpretação de sentido amplo e dinâmico
escrituras públicas ou outros títulos de posse e que não se compadece com uma miraculosa
propriedade em favor de não índios em territórios paragem do tempo, como parecem pretender os
por eles tradicionalmente ocupados, devendo que sustentam tais argumentos.
entender-se que essa ocupação qualificada, Isto implica que as trocas culturais
porque tradicional, se refere sobretudo ao modo possam encarar-se, como escreveu o já citado
de ocupação, quer dizer, à preservação de usos e ministro Carlos Ayres Britto, não como perda
costumes que, não obstante, permanece aberta a de identidade étnica, mas como “somatório
trocas culturais em função de opções livres. de mundividências”, quer dizer, “soma e não
Temos, assim, que a Constituição do subtração”, “ganhos cumulativos” e “inclusão
Brasil está longe de dar guarida à interpretação comunitária pela via da identidade étnica”6.
equivocada, exagerada e caricatural que A Constituição não postula, pois, que os
apontaria para a devolução de todo o território índios do Brasil devam permanecer no mesmo
brasileiro às comunidades indígenas, pelo facto momento histórico para sempre, espécie de
de um dia o terem habitado. Do mesmo modo, laboratório privilegiado para antropólogos, pois
tampouco sustenta o isolamento desses povos, importa compreender, no dizer da ministra
obrigatoriamente presos à repetição inercial de Carmen Lúcia, que é “a partir da segurança da
tradições culturais, sem trocas enriquecedoras, sua condição que o índio pode garantir-se como
na medida em que as escolham, sem que tal ser livre para escolher. Inclusive eleger ausentar-
signifique perda de proteção constitucional. O se ou superar aquele espaço e aquela forma de
que se defende não é o insulamento inercial viver”7.
obrigatório, mas a dignidade humana fundada
Noutro passo do seu Voto no processo
em opções livres, em que cada mundividência é
de julgamento do caso da Terra Indígena
um caso do possível.
Raposa Serra do Sol, em Roraima, lembrou que
No primeiro caso, em resposta aos que devemos permanecer abertos à complexidade
torpedeiam a Constituição com o argumento e pluralidade das noções de verdade, dado que
absurdo de que, no limite, haveria que devolver “embora algumas pessoas não entendam, a alma
o Brasil aos seus povos originários, importa pode dar-se a partir do Monte Roraima”8.
responder que o que se manda respeitar é a
Portanto, para aqueles dois juízes do STF,
ocupação permanente, à data da entrada em
a inclusão comunitária não se faz pela perda
vigor da Constituição, de áreas necessárias
da identidade das suas partes rumo a uma
à sobrevivência cultural de comunidades
uniformidade empobrecedora e, por outro lado,
indígenas, sendo que tal permanência não
o mito e a lenda supõem outro tipo de verdade
implica, por si só, a existência de construções
para além da que estabelece o nosso secular
ou edificações que testemunhem posse, nos
racionalismo, uma verdade que nos permite
termos dos nosso conceitos civilistas, como já
construir o nosso mundo e os seus horizontes de
antes tinha sublinhado o ministro do STF Victor
sentido, que não precisamos de justificar, porque
Nunes Leal, em julgamento histórico de 1961,
é ela que nos justifica.
mostrando a importância de associar o conceito

265
Pedro Calafate

2. O CONCEITO DE INDIGENATO Constituição brasileira em vigor nos nossos dias.


Deste modo, os direitos natural e das gentes da
Esta etapa de constitucionalismo aberto legislação portuguesa estariam na base desta
à dinâmica do tempo e à complexidade das nova etapa de “constitucionalismo fraterno” do
demais disciplinas humanas remete-nos para século XXI.
um momento decisivo, que situamos no ano
Vejamos o que nos propõe o Professor
de 1912, em torno da obra de João Mendes
João Mendes Júnior em texto que pela sua
Júnior, Professor da Faculdade de Direito da
importância histórica e pela sua reconhecida
Universidade de São Paulo.Refiro-me à sua obra
vigência atual temos de citar: “O indigenato é um
O Índio Brasileiro: Seus Direitos Individuais e
título congénito e a ocupação é título adquirido.
Políticos (São Paulo, 1912), onde propõe que
Conquanto o indigenato não seja a única
o reconhecimento de direitos originários dos
verdadeira fonte jurídica da posse territorial,
povos indígenas sobre as terras que ocupam
todos reconhecem que é, na frase do Alvará de
remonta à legislação da coroa portuguesa, cujo
1 de Abril de 1680, ‘a primária, naturalmente
núcleo mais importante sintetizou no conceito
e virtualmente reservada’ [...]. Por conseguinte
de “indigenato”.
o indigenato não é um facto dependente de
Importa sublinhar que este conceito de legitimação, ao passo que a ocupação, como facto
João Mendes Júnior é interpretado por número posterior, depende de requisitos que a legitimem.
considerável de constitucionalistas e magistrados O indígena, primariamente estabelecido, tem
brasileiros, tanto do STF quanto dos tribunais a sedumpositio10, que constitui o fundamento
regionais, como o que melhor ilumina o artigo da posse; mas o indígena, além desse jus
231 da Constituição Federal de 1988, bem possessionis tem o jus possidendi, que já lhe
como os normativos constitucionais expressos é reconhecido e preliminarmente legitimado
em constituições anteriores, respeitantes aos desde o Alvará de 1 de Abril de 1680 como
direitos originários dos povos nativos no Brasil. direito congénito. Só estão sujeitas à legitimação
Queria isto dizer que segundo João Mendes as posses que se acham em poder de ocupante
Júnior, e nos termos da interpretação posterior (artigo 3º da Lei de 18 de Setembro de 1850)
do conceito de indigenato por ele proposto, a [...] relativamente aos índios estabelecidos, não
legislação portuguesa dos séculos XVII e XVIII, há uma simples posse, há um título imediato
a respeito dos direitos naturais dos indíos sobre de domínio; não há, portanto, posse a legitimar,
a terra, permanecia ativa e não revogada. há domínio a reconhecer e direito originário e
Com efeito, João Mendes Júnior, ao preliminarmente reservado”11.
analisar o Regulamento n. 1318 de 30 de Janeiro Neste texto, de grande densidade
de 1854, no tocante ao direito dos índios às suas interpretativa, João Mendes Júnior distingue a
terras, exclama :“Suas terras lhes pertenciam em ocupação europeia do período da colonização
virtude do direito à reserva, fundado no Alvará até aos seus dias (1912), que requer legitimação,
de 1 de Abril de 1680, que não foi revogado”9. por ser título adquirido, do estabelecimento
Neste contexto, procurar nas leis coloniais originário e primevo dos primeiros habitantes
portuguesas do século XVII as bases que do continente americano e seus sucessores, que
iluminam o conceito de indigenato, formulado dispensa tal legitimação, nos termos do conceito
em 1912, e afirmar, como tantos têm feito expresso pelo jurista tardo-clássico Paulos: a
recentemente, que é este mesmo conceito de sedum positio, quer dizer, por configurar título
indigenato que melhor ilumina a doutrina imediato de domínio não sujeito a outras formas
constitucional brasileira de 1988, bem como as de legitimação senão a que emerge dessa mesma
constituições anteriores, a respeito dos direitos positio, como posse natural de quem está nessas
originários dos indígenas sobre as terras que terras.
tradicionalmente ocupam, não deixa de poder Incidindo agora sobre o comentário que
parecer estranho e inesperado anacronismo, João Mendes Júnior faz ao artigo 24 do Decreto
na medida em que se procede a um engate 1318 de 30 de janeiro, a que já atrás fizemos
lógico entre os direitos natural e das gentes, referência, em cujo parágrafo 1º se considera
imperante na legislação da coroa portuguesa do que, em relação “às posses que se acharem em
século XVII, e as “heterodoxas figuras de direito poder do primeiro ocupante”, estão sujeitas à
constitucional”, inerentes ao artigo 231 da legitimação “aquelas em que o primeiro ocupante

266
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
não tem outro título senão a sua ocupação”, diz ser “defendida pela doutrina majoritária
torna-se legítimo concluir que o legislador supõe da atualidade”. Mais diz: “a doutrina de João
“a existência de primeiro ocupante que tem Mendes Júnior sustenta que as terras dos índios
título distinto da sua ocupação”. lhes são reservadas pelo Alvará de 1 de Abril de
Assim sendo, pergunta: “E qual pode ser 1680, que não foi revogado [...]. Não obstante
esse primeiro ocupante, com título distinto da a teoria do indigenato ter sido elaborada no
sua ocupação, senão o indígena, aquele que tem início do século passado, demonstra ser atual,
por título o indigenato, isto é, a posse aborígene? porquanto auxilia de modo eficaz o aclaramento
O Decreto de 1854 repetiu desse modo o espírito do texto constitucional”15.
do Alvará de 1 de Abril de 1680”12. d) Refiro em quarto lugar o estudo do
Mas, como temos vindo a sublinhar, o juiz Antônio Rulli Junior, embora referente
conceito de indigenato foi recepcionado por à Constituição de 1969 e seu artigo nº198.
muitos constitucionalistas e magistrados Este estudo, publicado no Boletim Jurídico da
brasileiros para o século XXI, como doutrina que Comissão Pró-Índio de São Paulo, em 1986, é
melhor ilumina o artigo 231 da Constituição particularmente relevante, porque elaborado a
de 1988. Refiro seis casos que me parecem título de referência doutrinária para o julgamento
paradigmáticos. de contendas sobre a posse da terra no Estado de
São Paulo, nomeadamente a respeito dos índios
a) Em primeiro lugar, o do professor José
guarani.
Afonso da Silva, no seu consagrado Curso de
Direito Constitucional Positivo (São Paulo, Entende o juiz Antônio Rulli que o
22ª edição, 2003), que conta já com 39 edições indigenato “está consagrado no Alvará de 1680,
até 2016: “Os dispositivos constitucionais na Constituição Federal [de 1969] em seu artigo
sobre a relação dos índios com suas terras e o 198 e no Estatuto do Índio (Lei 6.001/73)”16. A
reconhecimento dos seus direitos originários este respeito faz questão de sublinhar as suas
sobre elas nada mais fizeram que consagrar raízes: “O indigenato é criação luso-brasileira. É
e consolidar o indigenato, velha e tradicional instituto luso-brasileiro”17.
instituição jurídica luso-brasileira que deita suas A partir daqui, anteviu com clareza a
raízes nos primeiros tempos da Colônia, quando importância de excepcionar o princípio da
o alvará de 1 de Abril de 1680, confirmado pela isonomia, com base no reconhecimento de que
lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de “comunidade indígena não é a mesma coisa
que, nas terras outorgadas a particulares, seria que associação de Direito Civil-pessoa jurídica.
sempre reservado o direito dos índios, primários A comunidade indígena é uma sociedade
e naturais senhores delas”13. natural não se confundindo com as associações
b) Esta articulação conceitual entre a convencionais do Direito Civil”18.
legislação portuguesa do período colonial e Posto isto, o juiz remete para a fonte: “O
o século XXI não é exclusiva de José Afonso Rei [de Portugal] já dizia, no alvará de 1680, na
da Silva. Veja-se o estudo do Juiz do Tribunal instituição do indigenato[...] que deveriam ser
Regional Federal da 1ª. Região, Fernando da reservados os direitos dos índios, legítimos e
Costa Tourinho Neto, publicado em 1993, naturais senhores delas [das terras do Brasil]”19.
intitulado “Os Direitos Originários dos Índios e) Em quinto lugar sublinho a perentória
sobre as terras que ocupam e suas conseqüências afirmação do procurador do Ministério Público
jurídicas”, onde estabelece que “Aos índios, Federal da 5ª Região (Recife) Luciano Mariz
desde o Alvará Régio de 1º de Abril de 1680, foi Maia, no seu parecer pelo provimento de recurso,
reconhecida a condição de primários e naturais no quadro de processo de julgamento de crime
senhores das terras do Brasil. O fundamento do contra a vida de indígena e de disputas sobre
direito deles às terras está baseado no indigenato, posse de terras indígenas, em que proclama,
que não é direito adquirido, e sim congênito”.14 com toda a clareza, e a respeito do conceito de
c) Também muito recentemente, em indigenato: “a absoluta contemporaneidade
2013, Isaías Montanari Junior, sublinhou, em da argumentação expendida por João Mendes
dissertação de doutoramento, publicada em Júnior”20.
Curitiba em 2013, que “A constituição de 1988 e) Por fim, cito o caso muito relevante
recepcionou o instituto do indigenato, formulado do autor do Estatuto do Índio (Lei nº 601 de
por João Mendes Junior em 1912”, tese que nos

267
Pedro Calafate

19/02/1973),Temístocles Brandão Cavalcanti, 3. O INDIGENATO E SUA


nos seus comentários à Constituição Federal de
1946, quando escreve: “A Constituição assegura
FUNDAMENTAÇÃO NA LEGISLAÇÃO
aqui o jus possidetis (na verdade, o indigenato) COLONIAL PORTUGUESA: O ALVARÁ
das terras ocupadas pelos índios, com a condição RÉGIO DE 1 DE ABRIL DE 1680 E A
de que não as transfiram. É o reconhecimento
LEI DE 6 DE JUNHO DE 1755
da posse imemorial dos donos da terra, dos
sucessores daqueles que primeiro a povoaram Como acabamos de constatar, o Professor
e que, até hoje, ainda não se incorporaram aos João Mendes Júnior e os seus comentadores
hábitos e costumes da civilização colonizadora”21. fazem várias vezes alusão à dimensão fundadora
Portanto, o instituto jurídico do indigenato do Alvará de 1 de Abril de 1680, a que acresce,
apresenta-se como uma legítima exceção ao no dizer de José Afonso da Silva, a lei de 6 de
princípio da isonomia porque se refere a um junho de 1755.
direito distinto dos direitos dos demais cidadãos Se bem que o fundamento do indigenato
brasileiros, dado que se perfila como “direito remonte, na verdade, a legislação anterior da
autónomo, especial e independente do sistema coroa de Portugal, cumpre que analisemos a
geral”22, todos reconhecendo que o mesmo foi letra daquelas duas citadas leis, não sem antes
consagrado pela Coroa de Portugal em 1680, precisar um princípio de contextualização
embora, na verdade, tal reconhecimento já da maior relevância: a legislação da Coroa
tivesse sido expresso em legislação anterior que portuguesa a respeito dos índios do Brasil visou,
remonta ao século XVI. como objetivo fundamental, a evangelização dos
Ora, ao situarem a questão fora do âmbito povos americanos, no quadro da sua integração
do Direito Civil, estes juristas contemporâneos em padrões civilizacionais vincados pelo
estão a responder exatamente ao mesmo pensamento cristão, o que implicava também a
problema com que se confrontou Francisco sua integração nas formas de vida social e política
de Vitoria, quando, na sua Relectio de Indis de matriz europeia. O propósito essencial era,
(1538?), proclamou que os direitos dos gentios como se lê na legislação portuguesa a respeito
na América não podiam ser tratados apenas do Brasil, “civilizar o índio daquele Estado,
pelos juristas, pois extravasam o âmbito do desterrando-se dele a barbaridade e o gentilismo,
direito humano ou positivo: “A determinação propagando-se a doutrina cristã”24, mas, como se
desta matéria não pertence aos jurisconsultos, lê no referido Alvará de 1 de Abril de 1680, “sem
ou, pelo menos, não somente a eles. Os índios privar da liberdade aqueles a quem a comunicou
não estão sujeito ao direito humano ou positivo; a natureza e que por direito natural e positivo
suas coisas não hão de ser examinadas pelas leis são verdadeiramente livres”25.
humanas, senão pelas leis divinas, nas quais os De resto, a tese de que a evangelização “é o
juristas não são suficientemente peritos”.23 meu primeiro cuidado”, seguida do “aumento do
Quer dizer, salvaguardadas as devidas Estado” ou “boa conservação do Estado das ditas
distancias de época e de contexto, os direitos partes” é sucessivamente vincada ao longo das
dos índios são direitos naturais que obrigam a leis coloniais assinadas pelos reis de Portugal, a
uma abordagem mais ampla, por extravasarem a par da ênfase no reconhecimento e respeito pela
dimensão estrita do direito positivo. Na altura de liberdade natural dos indígenas americanos.
Vitoria, eram os teólogos que possuíam o saber Com efeito, na Lei de 10 de Novembro de
com a abrangência que se requeria, porque para 1647, D. João IV proclamara já que “os gentios
ele o direito natural fazia parte do direito divino, são livres, e que não haja administradores nem
era o direito divino publicado na razão humana; administração, havendo por nulas e de nenhum
no século XXI o direito abre-se à antropologia, efeito todas as que estiverem dadas, de modo que
à biologia e à história, para se capacitar com a não haja memória delas, e que os índios possam
necessária abrangência. livremente servir e trabalhar com quem bem
lhes estiver e melhor lhes pagar seu trabalho”.26
A Carta Régia de 30 de Julho de 1609, posto
que mais antiga, não é menos enfática:

268
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
E para se atalharem os grandes excessos, exceção da já referida Constituição de 1988, que
que poderá haver, se o dito captiveiro em proclama o direito dos índios permanecerem
alguns casos se permitir, para de todo se índios, sem constrangimentos de nenhuma
cerrar a porta a isto, com o parecer dos meus espécie.
Conselhos, mandei fazer esta Lei, pela qual
declaro todos os gentios d’aquellas partes Prova do seu pioneirismo é a de que
do Brazil por livres, conforme a Direito, seria necessário esperar mais um ano para
e seu nascimento natural, assim os que que a OIT fizesse aprovar a Convenção nº169
já foram baptizados, e reduzidos à nossa sobre os Direitos dos Povos Indígenas em
Santa Fé Catholica, como os que ainda Países Independentes, o primeiro normativo
viverem como gentios, conforme a seus internacional que quebra com o propósito de
ritos, e cerimónias; os quais todos serão assimilação.
tratados, e havidos por pessoas livres,
como são; e não serão constrangidos a Portanto, não deixou de imperar nos
serviço, nem a cousa alguma, contra sua normativos jurídico-políticos, até 1988, o mito
livre vontade; e as pessoas, que deles se da dinâmica linear, universal e progressiva,
servirem nas suas fazendas, lhes pagarão num movimento histórico de sentido único,
seu trabalho, assim, e de maneira, que são que marcou presença nas grandes filosofias da
obrigados a pagar a todas as mais pessoas história, de Santo Agostinho aos séculos XVII,
livres, de que se servem27. XVIII e XIX.
Recuando ainda mais no tempo, deparamo- Convém, assim, não cairmos em
nos com o Alvará de 29 de Julho de 1597, onde anacronismos, exigindo ao tempo e à história o
se lê que o gentio deve ser considerado “senhor que nem sempre ela nos pode dar. Para os reis
de sua fazenda como o he na serra”.28 portugueses da idade moderna, herdeiros da
As leis assinadas pelo Marquês de Pombal concepção cristã do tempo, a humanidade seguia
em nome de D. José I vão no mesmo sentido, uma linha única e universalizável, como se
obrigando, por Alvará de 6 de Junho de 1755, possuísse um curriculum escolar bem ordenado
a que “todos os que se acharem reputados por que abarcava, no seu movimento, o conjunto
índios ou que tais parecerem sejam havidos por dos povos. Seria esse o dever-ser da história, a
livres sem a dependência de mais prova do que a que o ser dessa mesma história deveria elevar-se.
pleníssima que a seu favor resulta da presunção Portanto, à luz da legislação portuguesa,
de Direito Divino, Natural e Positivo que está os índios do Brasil deveriam ser persuadidos a
pela liberdade”29. deixarem de ser índios. Para tanto, teriam que
Mas o reconhecimento da liberdade natural ser “resgatados” dessa condição, sem dolo ou
não era incompatível com o objetivo de integração malícia, deslocando-se para as proximidades das
civilizacional e cultural, desde que fosse povoações coloniais, a fim de serem aldeados e
conduzida com exclusão do constrangimento, evangelizados.
como também não se incompatibilizou com Como escreveu Beatriz Perrone Moisés
a existência de títulos de escravatura legal – a respeito da legislação colonial portuguesa no
sobretudo a guerra justa – que, não obstante, Brasil, “na época em que tais documentos foram
foram proibidos pelo Alvará de 1 de Abril de redigidos, a conversão era o valor supremo, e a
1680 (para voltarem depois a ser permitidos oito vantagem de ser cristão, indiscutível”31.
anos depois) : “cerrando a porta aos pretextos, Seriam, pois, aqueles povos persuadidos a
simulações e dolos com que a malícia, abusando “descerem” das serras e entregues ao cuidado
dos casos em que os cativeiros são justos, das ordens religiosas, sobretudo jesuítas, em
introduz os injustos [...] ordeno e mando que conflito frequente com o interesse dos colonos
daqui por diante se não possa cativar índio portugueses na exploração do trabalho indígena
algum do dito Estado em nenhum caso, nem que quase levou esses povos à extinção e a
ainda nos exceptuados nas ditas leis, que hei por permanentes concessões, mesmo no caso dos
derrogadas”30. índios aldeados, perante a força dos interesses
Em qualquer caso, o propósito integrador e de materiais em jogo.
assimilação cultural e civilizacional permaneceu Portanto, as leis da coroa portuguesa sobre
explícito não só no próprio João Mendes Júnior, os povos indígenas do Brasil não visavam a
mas em todos as constituições brasileiras, com permanência desses povos no estado cultural

269
Pedro Calafate

e civilizacional em que se encontravam, não 4. A QUESTÃO DOS DIREITOS


valorizavam a diversidade cultural como
património a aprofundar, mas também não
ORIGINÁRIOS SOBRE A TERRA
aprovavam as teses da escravatura natural NA TRADIÇÃO IBÉRICA DO
aplicada a esses povos, nem as teses que RENASCIMENTO: SOBRE A DIVISÃO
consideravam como res nullius ou res delerictae
E APROPRIAÇÃO DOS BENS
as terras por eles efetivamente ocupadas.
Colocadas as várias teses no seu tempo e na 4.1 Como vimos dizendo, os direitos originários
sua circunstância, podemos então ler o parágrafo dos índios sobre as terras que tradicionalmente
40º do Alvará Régio de 1 de Abril de 1680, ocupam, tal como postulados pela Constituição
fundamento do conceito de indigenato proposto Federal do Brasil de 1988, não se referem a um
por João Mendes Júnior e amplamente glosado direito de propriedade mas a um tipo específico de
pela doutrina constitucional brasileira, como posse, em articulação com uma mundividência
sendo o que melhor ilumina o artigo 231 da específica, porque tradicional. Em todo o caso,
Constituição de 1988, por se considerar ter sido quando se remete esta questão para a tradição da
recepcionado: “E para que os ditos Gentios, que legislação portuguesa dos séculos XVII e XVIII,
assim descerem, e os mais, que há de presente, estamos a referir-nos a um contexto que não
melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem valoriza a pluralidade de cosmovisões. O que
que sejam senhores de suas fazendas, como o são então estava em causa era o conceito de domínio,
no Sertão, sem lhes poderem ser tomadas, nem enquadrando-se na questão de saber se os índios
sobre elas se lhes fazer moléstia. E o Governador eram ou não verdadeiros donos ou senhores dos
com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que seus bens, ou se tinham verdadeiro domínio
descerem do Sertão, lugares convenientes para sobre eles. Este tema conduz-nos à questão da
neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser legitimidade e origem da propriedade como o
mudados dos ditos lugares contra sua vontade, mais pleno direito de uma pessoa sobre um bem,
nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo independentemente de outros elos distintos
algum das ditas terras, ainda que estejam dadas (como o da posse) que regulem a relação entre
em Sesmarias a pessoas particulares, porque na pessoas e bens, no qual se exercem prerrogativas
concessão destas se reserva sempre o prejuízo inerentes ao conceito mais amplo de domínio,
de terceiro, e muito mais se entende, e quero se no sentido de faculdade ou poder, não delegado
entenda ser reservado o prejuízo, e direito dos nem dependente de outro, que alguém tem sobre
índios, primários e naturais senhores delas”.32 uma coisa.
O conteúdo deste parágrafo 40º do Alvará de Antes, porém, vale a pena, a título de
1 de Abril de 1680 é explicitamente confirmado contraposição, um relance sobre a questão
pelo Rei D. José I e pelo Marquês de Pombal, da origem da propriedade na tradição liberal,
impondo que: “Nas terras dadas de sesmaria a impulsionada por John Locke no Segundo
pessoas particulares se reserva sempre o prejuízo Tratado do Governo35. Segundo Locke, Deus
de terceiro, e muito mais se entende e quero que entregou o mundo “para uso dos homens
se entenda ser reservado o prejuízo e direito dos industriosos e racionais”, razão pela qual o
índios primários e naturais senhores delas”.33 trabalho era “o título que lhes dá tal direito”, quer
Também no Directório Pombalino se dizer, o direito à propriedade privada individual.
manda garantir as terras de lavoura aos índios Nesta conformidade, para Locke, o “homem
das aldeias criadas pelas autoridades coloniais, industrioso e racional” cumpria um mandato
que “na conformidade das Reaes Ordens [...] divino, e a propriedade individual era para ele uma
são primários e naturais senhores das mesmas extensão da própria pessoa, estabelecendo uma
terras”.34 forte relação entre propriedade e personalidade.
O conteúdo destas leis régias reconduz- O mais enfático fundador do individualismo
nos ao direito natural e ao direito das gentes, moderno partia, como os escolásticos, da tese da
tal como foi formulado pelos mestres da comunidade originária dos bens, no entanto, ao
Universidade de Salamanca, Coimbra e Évora ao contrário de Vitoria e de Soto, considerava que a
longo dos séculos XVI e XVII, como veremos no propriedade individual dos bens era uma extensão
ponto seguinte. legítima, através do trabalho industrioso e
racional, da propriedade de cada homem sobre

270
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
si. Logo, era o trabalho o fundamento filosófico lhes podia dar, pela dinâmica do seu trabalho,
daquela extensão legítima entre personalidade e eram os que mais direito tinham sobre a sua
propriedade, razão por que a divisão dos bens e a posse, quando comparados com outros que se
propriedade privada individual não necessitava, limitavam a uma ocupação não “industriosa e
para legitimar-se, do consentimento ou do racional”. Estavam, assim, lançadas as bases do
acordo de todos, como queriam Vitoria e os colonialismo europeu que vingou na América
escolásticos ibéricos. do Norte e na partilha da África no século XIX,
Sendo proprietário dos frutos do seu com continuidade nos vários imperialismos do
trabalho, a propriedade é um direito do homem século XX, e que, não esqueçamos, John Locke
presente já no estado de natureza, embora defendeu na América do Norte.
lhe coloque os limites da “suficiência” da É interessante sublinhar, a respeito
“deterioração” e da caridade, às quais parece, da vigência histórica destas concepções, o
no entanto, atribuir importância relativa. Mais argumento utilizado por agricultores brancos
ainda, Locke via nas terras da América do Norte na Amazónia em processo de 1986, contra
a circunstância mais apropriada para realizar tal a FUNAI, para impedirem a homologação
pendor possessivo. da demarcação da Reserva Indígena XIKRIN
Por seu turno, em 1758, um dos fundadores (Processo nº 18554, de 23 de Julho de 1986), em
do moderno direito internacional, Emer de que repetem o mesmo paradigma:“[...] tendo os
Vattel, defendeu também que apenas cumpria o reclamantes dado destinação à terra de maneira
desígnio para que foi criada por Deus a terra que racional e planificada, implantando ali, em
estivesse convenientemente cultivada, cabendo todas as suas extensões, grande quantidade de
“a cada nação, por direito natural, a obrigação de pastagens artificiais”39.
cultivar a terra que lhe coube”36. Mais diria Vattel, 4.2 De modo diferente, entre os escolásticos
nesta mesma obra fundadora do estatocentrismo ibéricos do renascimento, que integram o que
do direito das gentes, que “certos povos, como venho chamando a Escola Ibérica da Paz40,
os antigos germanos e alguns tártaros modernos, impôs-se a tese tomista do domínio natural. Nos
que habitam países férteis, ao desdenharem o termos do Génesis, Deus concedeu aos homens,
cultivo da terra, preferindo viver da rapina, estão em comum, o domínio sobre o conjunto criação,
em falta para consigo, fazem injúria aos seus portanto, na origem, todas as coisas eram
vizinhos e merecem por isso ser exterminados comuns.
como animais ferozes e prejudiciais”37.
Todavia, o domínio em comum exigia, por
Seguindo as mesmas linhas de orientação, definição, moderação e concórdia, que deixaram
o jurista português António Ribeiro dos Santos de prevalecer após o pecado, pois cada homem
(1745-1818) em obra da segunda metade do passou a dar mais importância ao que era seu.
século XVIII, mas ainda inédita, defenderá que a Num contexto destes, a continuidade do domínio
necessidade de maior produção de bens em face em comum dificilmente evitaria as discórdias
do aumento do género humano legitimou que e as guerras, com exceção das comunidades
os que mais e melhor trabalhavam pudessem religiosas.
excluir os demais das terras que primeiro
Domingo de Soto, na sua Relectio de
ocuparam, embora referindo que tal exclusão
Dominio, lida na Universidade de Salamanca
tinha o consentimento tácito do género humano,
em 1535, ensinava que a comunidade dos bens,
porque constituía resposta à necessidade de
sendo de direito natural, não era, todavia, um
maior produção de bens de que todos careciam
preceito natural positivo, devendo antes ser
para viverem38.
tomada negativamente, quer dizer, o direito
Portanto, em importantes sectores do natural não preceituava que os bens, dados por
pensamento político, económico e jurídico Deus em comum à humanidade, devessem
europeu da modernidade, os modelos de sempre permanecer como tal, nem procedeu à
racionalidade e de “performatividade” económica sua divisão.
tendiam a constituir-se em condição do direito
Soto explicava, seguindo São Tomás, que
de propriedade individual.
no início, sendo todos os homens iguais, foi
Alargada ao âmbito do direito das gentes, concedido a todos, de igual modo, o domínio
tal significaria que os povos que “melhor” e mais do orbe e ninguém possuía em si próprio a
“racionalmente” extraíssem o fruto que a terra

271
Pedro Calafate

legitimidade ou poder para se apropriar de uma terras e os demais outras, e do uso daquelas
parte em prejuízo dos outros. coisas derivou que este se sentisse satisfeito com
Neste sentido tal divisão e apropriação as terras que tinha ocupado e o outro com as
teria que fazer-se, ao contrário do que defendeu outras, de forma que um não ocupava as terras
Locke mais tarde, na base do “consentimento de do seu vizinho. Isto não em virtude de algum
todos”41, quer dizer: ou todos consentiram que acordo formal, mas virtual”44.
Adão distribuísse a terra entre eles, uma vez que Uma vez feita esta divisão por acordo
em si próprio não tinha esse poder, pois que a tal virtual interpretativo, restavam três modos
não se estendia seu poder doméstico, ou, como ou três títulos legítimos em virtude dos quais
segunda possibilidade mais verosímil, poderia podia alguém adquirir o domínio das coisas: ou
ter-se dado um acordo geral entre os homens, de a vontade do primeiro dono ou a autoridade do
modo que, “para dirimir disputas, um recebesse príncipe ou do imperador, que nos termos do
uma parte e outro outra, e assim cada um direito das gentes incluía a guerra justa, movida
entregou ao outro o poder comum que tinha por uma autoridade dotada de jurisdição. A
sobre este prédio, para que o outro lhe entregasse estes dois títulos de transferência de domínio
o poder comum que tinha em outro, como se lê poderíamos ainda acrescentar um terceiro que era
no Genesis a respeito de Abraão e Lot: ‘Rogo que de natureza transitória: a necessidade extrema,
não haja disputas entre nós...eis aqui que toda a que determinava que em casos de necessidade
terra está diante de ti...se fores pela esquerda eu extrema (miséria extrema acompanhada de
irei pela direita’ ”42. perigo de vida) as coisas regressavam à posse
Também Francisco de Vitoria explica a comum até que tal causa se extinguisse,
este respeito e em consonância com Soto e tese que por si só obstava, avant la lettre, ao
São Tomás que dizer que por direito natural individualismo possessivo dos tempos recentes.
todas as coisas são comuns, “equivale apenas Trazendo esta tese para o caso que nos
e só a afirmar que a divisão das coisas não foi ocupa, Vitoria explicava que os cristãos não
estabelecida por direito natural”, no sentido podiam apropriar-se dos territórios americanos,
em que não foi o direito natural a estabelecer a pois, por um lado, uma vez feita a divisão das
repartição dos bens. Mas não pode dizer-se que coisas, aquelas terras pertenciam àqueles povos
tal divisão lhe seja contrária ou que derrogue a título de direito originário, e como eles tinham
o direito natural, pois, segundo a condição dos verdadeiro domínio, se não expressassem a
tempos e do uso das coisas, a razão humana sua vontade em transferir esse domínio aos
mostrou a conveniência da divisão. cristãos, sem medo, sem dolo e sem ignorância,
De facto, se por direito natural os homens não podiam os espanhóis apropriar-se delas. O
eram donos de todas as coisas, seguia-se daí contrato virtual interpretativo estendia-se ao
que podiam fazer com elas o que, de acordo conjunto dos homens e dos povos do orbe. Logo,
com a razão humana, lhes parecesse mais também aos gentios da América. Então, por
conveniente. Diz Francisco de Vitoria nos seus direito natural e das gentes, os índios tinham
Comentários à Secunda Secundae de S. Tomás: direitos originários sobre aquelas terras.
“Se os homens eram donos de todas as coisas, Também não podiam apropriar-se delas
puderam fazer o quiseram: dividi-las e apropriar- invocando o segundo título: a autoridade do
se delas. Portanto, como os homens tinham príncipe, pois Vitoria sustentava que quando
poder sobre todas as coisas por direito natural e a armada real aportou às terras dos índios
eram verdadeiros donos, segue-se que por direito nenhuma autoridade levava para se apropriar
natural puderam dividi-las e fazer com elas o que das suas terras e destituir os seus príncipes, ou,
quiseram. Mas a divisão das coisas foi feita por como diria o Padre António Vieira em 1694,
direito humano”43. “em matéria de soberania e liberdade, vale tanto
Mas dando mais um passo, importa dizer, a coroa de penas como a de ouro e tanto o arco
como explica ainda Vitoria, que tal pacto ou como o cetro”45, dado que nem o imperador
acordo mediante o qual os homens decidiram nem o papa eram senhores do mundo, nem no
proceder à divisão dos bens, não implicava a sua espiritual nem no temporal.
factualidade objetiva e formal, mas podia requerer 4.3. Na verdade, os teólogos-juristas da Escola
apenas “um consenso virtual interpretativo”: Ibérica da Paz preocuparam-se em fundar na
“De modo que uns começaram a cultivar umas natureza e no direito natural o domínio de

272
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
jurisdição ou poder civil, que tinha origem em pessoas particulares. Portanto, tanto o domínio
Deus enquanto autor da natureza social do de jurisdição como o de propriedade são comuns
homem. a todo o género humano”47. Compare-se este
Para eles, quem dá a essência de uma coisa pensamento com o de Locke e não será difícil
dá aquilo que dela se segue, e como o homem perceber como a história dos direitos humanos
não podia realizar a sua natureza social sem um tem sido mal ensinada nas nossas academias.
poder que dirigisse a sociedade, concluía-se que, Por isso mesmo, sustentaram os escolásticos
nesse sentido, Deus era a causa primeira do poder ibéricos que só com títulos legítimos, sobretudo
que era constitutivo das comunidades humanas a guerra justa, poderiam ser derrogadas as
livremente formadas pelos homens em obediência soberanias indígenas da América ou o direito ao
à sua natureza. domínio destes povos sobre os seus bens, dos
De facto, todas as entidades dotadas de quais eram verdadeiros senhores (“veri domini”)
fim próprio deveriam possuir em si mesmas as pois, como explicava Francisco Suárez nas suas
faculdades necessárias para o atingir, e como a lições na Universidade de Coimbra, no início do
comunidade era uma entidade cujo fim próprio século XVII: “O poder dos príncipes cristãos, em
era o bem comum, deveria, por isso, possuir em si mesmo, não é de maior nem distinta natureza
si própria, naturalmente, o poder ou as faculdades do poder dos príncipes pagãos; logo, em si próprio,
para realizar o bem comum. não tem outra matéria nem outro fim”48.
Esta era a base de uma concepção democrática Por esta mesma razão, estabelecia-se uma
sobre a origem do poder, radicado no conjunto da universalidade de direitos, de direitos universais
sociedade que podia decidir, ou não, transferi-lo do homem, porque naturais e não circunscritos
ou concede-lo, por consenso, a um senado ou a ao continente europeu. Ensinava, por isso, o
um príncipe. mesmo Suárez em Coimbra, no seu De Legibus:
“Tudo o que foi dito até agora sobre o poder
Veja-se o magnífica lição proferida a este
natural que têm os homens para ditar leis civis
respeito por Martín de Azpilcueta na Universidade
é universalmente válido para todos os pagãos e
de Coimbra em 1548, perante a assembleia
infiéis”49.
magna daquela Universidade: “Quando os povos
não têm a luz e o apoio de um imperador, é mister Queria isto dizer que o orbe inteiro deveria
que sejam para si a sua própria luz, e quem não ser considerado como “uma única República”
tem guia e chefe, é o seu próprio chefe e guia. à qual deveríamos reconhecer poderes para
E assim, embora algum povo não tenha chefe promulgar leis justas para todos os povos, como
nem rei mediante providência humana, contudo eram as leis do direito das gentes. Para Vitoria, o
recebeu da natureza naturante, que é Deus, o direito das gentes (falando em gentes no sentido
poder de se dirigir, governar e iluminar […], e de nações) fora promulgado pela “autoridade
se se encontrassem alguns homens associados de todo o orbe”, uma autoridade também
em comunidade, estes teriam do próprio Deus, virtualmente instituída, fundada na “recta
de modo imediato, o poder de se governarem a ratio”, de matriz ciceroniana50.
si mesmos e de fazerem as coisas sem as quais Embora a relação entre direito natural
não poderiam viver em sociedade […], pois a e direito das gentes não seja unívoca nestes
lei imperial não pode suprimir as providências autores, tomando o caso de Vitoria podemos
naturais. Não vai em sentido contrário o dizer, parafraseando Jesús Cordero Pando, que
facto de que muitos povos parecem carecer o direito das gentes “é a expressão positiva,
completamente de jurisdição. Na verdade, não historicamente variável que foi adquirindo a
carecem completamente de jurisdição mas do explicitação das exigências do direito natural
seu uso”46. entre as diversas gentes, povos e culturas; mas
A que se deverá acrescentar a consequência, mantendo sempre o seu vínculo profundo que
ensinada por Luis de Molina na Universidade de radica nessa procedência de um direito natural
Évora na década de 1570: “Não há nada que se idêntico para todos”51. Já no caso paradigmático
oponha a que as nações infiéis tenham verdadeiros de Francisco Suárez veremos a introdução
reis que sobre elas exerçam o seu domínio, assim progressiva da vontade, a par da razão natural,
como os demais poderes legítimos. Diga-se o como fonte do direito das gentes. No De legibus,
mesmo da licitude do domínio dos infiéis sobre Suárez ensinava que os preceitos do direito das
as coisas que possuem como próprias enquanto gentes dependiam “mais da livre vontade e da

273
Pedro Calafate

conveniência moral e menos da necessidade”52, direito de viajar por territórios alheios (jus
não obstante não o podermos considerar um communicationis ).
voluntarista, na medida em que não postulava Preceituando que a paz não era apenas a
um poder absolutamente livre da vontade, resposta à irracionalidade da guerra, procurou-
porque a faz depender de um movimento anterior se, não obstante, racionalizar a guerra, enquanto
do conhecimento. resposta a uma agressão ou injúria, criando
Em todo caso, em jeito de síntese, espaço tanto para a objeção de consciência
estabeleceu-se que os homens de todas as raças como para o direito de resistência, sublinhando
foram criados livres e naturalmente iguais; além do mais que não eram títulos legítimos
que o poder político tinha origem imediata nas para fazer a guerra nem as injúrias a Deus (a
comunidades naturais dos homens, dando-lhe idolatria) nem os crimes contra a natureza, com
um fundamento democrático; que o direito ao excepção do atentado à vida e integridade física
domínio de jurisdição e propriedade não dependia dos inocentes, que configuravam crimes contra
da religião ou do grau de desenvolvimento o género humano, passíveis de serem travados
civilizacional; que não existia escravatura pela força das armas.
natural, mas apenas legal; que o império cristão Estamos, por isso, em condições de
que se almejava era uma expectativa jurídica compreender o que ensinava Martín de Ledesma
porque dependente de um pacto livre entre os em Coimbra, em 1560: “Os pagãos e os gentios
povos, sem medo, sem dolo e sem ignorância, têm verdadeiro domínio sobre as suas terras,
porque as leis imperiais não podiam contrariar desde que as não tenham usurpado de forma
as disposições naturais, pois mesmo que um violenta aos cristãos ou a outros seus verdadeiros
povo não tivesse guia ou chefe ele seria o seu senhores, e esse domínio é tão verdadeiro como
próprio chefe e guia; que o imperador não era o aquele que os cristãos têm sobre os seus bens.
senhor do mundo, nem o império era de direito […]. Portanto, os pagãos e os gentios não podem
divino; que o papa não era senhor do mundo, ser privados do seu domínio com o intuito da fé,
nem no espiritual nem no temporal, não tendo isto é, com vista a que venham a ser tornados
autoridade para “julgar os que estão de fora” cristãos, porque, como já tinham o domínio das
(1Cor 5, 12-13), cabendo-lhe apenas entre os coisas e Deus não os priva desse domínio, não
não batizados o direito de predicar pacificamente podem ser privados dele, a não ser por vontade
o Evangelho (jus praedicandi). própria ou por lei humana. Mas por nenhum
Reforçou-se a articulação entre o direito e destes modos os pagãos perdem o domínio das
a ética, entre paz e a justiça, e estabeleceu-se a suas coisas, porque eles mesmos não querem
supremacia da Razão da Humanidade sobre a abdicar por iniciativa própria do domínio
Razão de Estado e da solidariedade sobre o poder. dessas coisas e porque não querem obedecer aos
Defendeu-se a tese da autoridade príncipes dos cristãos, uma vez que possuem
universal do orbe, porque o jus gentium não os seus verdadeiros príncipes e nunca quiseram
era estritamente interestatal; concebeu-se a submeter-se aos príncipes cristãos. E os príncipes
dignidade do ser humano como fundamento cristãos não podem ter domínio sobre esses
da comunidade internacional; defendeu-se que pagãos, a não ser que eles queiram submeter-se,
o direito de cidadania dependia da pertença a o que nunca quiseram nem fizeram. […] Além
uma comunidade de iguais e que o direito ao disso, se os bárbaros perdessem o domínio das
domínio de propriedade da terra não dependia coisas pela razão de não serem cristãos, a divisão
da maior eficácia do trabalho, mas da sua efetiva e apropriação das coisas seria de Direito Divino,
e originária ocupação, com base em consenso ou o que é falso”53.
acordo entre os homens (jus gentium). A articulação com o conceito de indigenato
Estabeleceu-se uma justiça acima da de João Mendes Júnior, naquilo em que ele
vontade dos príncipes, garantia da reciprocidade depende da tese de que os índios eram “originários
universal de direitos, afirmando-se como uma e naturais senhores” das terras em que viviam,
questão de consciência e não de consentimento, como se lê também nas leis portuguesas dos
e sublinhou-se a importância dos Princípios séculos XVII e XVIII, parece-me marcante neste
Universais, bem como a atenção aos direitos percurso.
e deveres de todos inter se, entre eles o De facto, neste como em muitos outros
momentos da tradição universitária ibérica

274
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
condensa-se o articulado do já citado Alvará 5. PRESENÇA DAS CONCEPÇÕES
régio de 1 de Abril de 1680: nos termos da lei
(quase nunca cumprida) os índios eram naturais
JUSNATURALISTAS NA DOUTRINA
e originários senhores das terras que ocupavam, SOBRE O RECONHECIMENTO
tanto nas aldeias criadas pela administração DOS DIREITOS ORIGINÁRIOS
colonial como “no sertão” ou “na serra” e
DOS INDÍGENAS NO BRASIL
só podiam ser atraídos ao cristianismo pela
predicação, se a aceitassem, ou seja, não podiam CONTEMPORÂNEO: O CASO DA TI
ser “resgatados” ou “descidos” pela força mas RAPOSA SERRA DO SOL
sim pela persuasão, quer dizer, “sem privar
Vejamos então como a teoria do indigenato,
da liberdade aqueles a quem a comunicou a
formulada por João Mendes Júnior e fundada no
natureza e que por direito natural e positivo são
Alvará de 1 de Abril de 1680 permanece dotada
verdadeiramente livres”54.
de forte presença, escolhendo para efeito o
E se eram estes os princípios universais a julgamento histórico da Terra Indígena Raposa
respeito do direito ao domínio, eram eles que Serra do Sol, no Supremo Tribunal Federal nos
deveriam imperar na relação entre os povos e anos de 2008 e 2009.
não o critério liberal do “homem industrioso
Neste caso interessa-nos particularmente
e racional”. Veja-se o que ensinava Luis de
o Acórdão do ministro Carlos Ayres Britto e o
Molina na Universidade de Évora nos anos
Voto da ministra Carmen Lúcia, que se revestem
setenta do século XVI, tão distante do que
de amplo significado histórico, antropológico e
ensinará Vattel no século XVIII, atrás citado:
jurídico.
“Nem sequer cumpre discutir se é justa causa
de guerra submeter uma nação por ser bárbara Como nas “considerações preliminares” já
ou incivilizada e mais própria para ser governada referimos, a invocação de direitos originários no
por outros e educada nos bons costumes do artigo 231 da Constituição Federal traduz, para o
que para reger-se a si mesma. Mesmo quando Ministro Relator, uma situação jurídica subjetiva
não faltem autores que afirmem ser esta razão mais antiga do que qualquer outra, de maneira
suficiente para submeter todos os brasileiros e “a preponderar sobre eventuais escrituras
os demais habitantes do Novo Mundo, assim públicas ou títulos de legitimação de posse
como os africanos, reduzindo-os à escravatura, em favor de não índios”. Neste sentido, Carlos
sendo que, como escravos, todos os seus bens Britto entende que o termo tem o sentido de
passariam para os seus senhores, sendo privados primevo, porque pré-europeu, e que se considera
das suas terras. Como já referi, de maneira merecedor de qualificação jurídica superlativa,
alguma estamos perante causa suficiente para levando a considerar como nulos todos os atos
legitimar a escravatura”55. visando a ocupação, por não índios, das terras
tradicionalmente ocupadas por estes. Assim,
Todavia, estamos aqui a enunciar princípios
refere o Relator, “o direito por continuidade
gerais de direito natural e das gentes e não tanto
histórica prevalece sobre direito adquirido por
a lei no seu contexto global e nos seus critérios
título cartorial”, mais considerando que se
de aplicação.
caminha, assim, rumo a um conceito “mais
De facto, como mostrou Beatriz Perrone- amplo de desenvolvimento nacional francamente
Moisés56, estas leis visavam o aldeamento dos incorporador da realidade indígena”.58
índios com vista à sua integração civilizacional e
Neste sentido, tal ocupação qualificada,
evangelização. Ora, uma vez aldeados, as terras
porque tradicional, é o próprio titulo de
que anteriormente ocupavam eram consideradas
constitutividade do direito à posse permanente.
devolutas e incorporadas no património da coroa.
Foi esta uma das causas por que, a despeito do Mais elucidativo é o Voto da ministra
enunciado do princípio da liberdade natural e do Carmen Lúcia neste mesmo julgamento,
domínio natural, os índios acabaram por perder desenvolvendo os argumentos concordantes
efetivamente os vastos territórios que ocupavam com o Acórdão de que foi relator o ministro
antes da chegada dos portugueses.57 Carlos Britto.

275
Pedro Calafate

De facto, Carmen Lúcia começa por - o indigenato, a distinguir a posse dos indígenas
sublinhar que o que ali estava em causa era “a sobre suas terras da posse de ocupação”59.
garantia do indigenato, proposto pelo Professor Quer isto dizer que o indigenato (e,
João Mendes Júnior”, pelo que a posse indígena portanto, o Alvará de 1 de Abril de 1680) produz
não requeria legitimação por registo. os seus efeitos, independentemente de previsão
No parágrafo 11 do seu Voto neste constitucional expressa, pois considera, no
julgamento escreveu, a respeito do celebrado parágrafo 14 do seu Voto, que é recepcionado “à
trabalho de João Mendes Júnior: “Já então se evidência e de forma decisiva”.
reconheceu - o que apenas se reforçou a partir das
Constituições brasileiras de 1934 até a de 1988

276
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato

NOTAS

* Trabalho realizado no âmbito do projeto “De 8. Voto da Ministra Carmen Lúcia, Supremo
Restitutione: a Escola Ibérica da Paz e a Ideia de Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Petição 3.388
Justiça na Ocupação da América”, PTDC/MHC- Roraima, 19-03-2009 parágrafo 30.3, p. 476.
FIL/4671/2014, apoiado pela FCT-Fundação
9. MENDES JÚNIOR, João, O Índio Brasileiro.
para a Ciência e Tecnologia do Ministério da
Seus Direitos Individuais e Políticos,
Ciência e do Ensino Superior de Portugal e pelo
TypHennies Irmãos, São Paulo, 1912, p. 57.
programa “Compete 2020” (Portugal).
Itálico nosso.
1. MIRANDA, Pontes, Comentários à
10. Expressão do jurisconsulto tardo-clássico
Constituição de 1967, Forense, Rio de Janeiro,
Paulos, no Digesto-D 41.2.1pr, para traduzir
3ª edição, Tomo IV, p. 621.
o fundamento da posse, um poder de posse
2. BRITTO, Carlos Aires (Ministro Relator), umbilicalmente ligado a determinado objeto,
Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, posse natural de quem ocupa a terra. Paulos
Petição 3.388 Roraima, 19-03-2009, parágrafo chama a atenção para a origem etimológica de
11.3, p. 8. “possessio” palavra derivada de “positio” e de
3. BADIN, Luiz Armando, “Sobre o Conceito “sedes”.
Constitucional de Terra Indígena”, inArquivos 11. MENDES JÚNIOR, João, O Índio Brasileiro.
do Ministério da Justiça, Brasília, Ano 51, Seus Direitos Individuais e Políticos, Typ.
nº 190, Jul./Dez., 2006, p. 137. Hennies Irmãos, São Paulo, 1912, p. 57.
4 Voto da Ministra Carmen Lúcia, Supremo 12. Idem, p. 60.
Tribunal Federal (STF), Tribunal Pleno, Petição
13. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito
3.388 Roraima, 19-03-2009 parágrafo 21,
Constitucional Positivo, ed. Malheiros, São
p. 462.
Paulo, 22ª edição, 2003, p. 830.
5. Voto do Ministro Victor Nunes Leal, Supremo
14. NETO, Fernando da Costa Tourinho, “Os
Tribunal Federal -Tribunal Pleno, Acórdão do
direitos originários dos índios sobre as terras
Recurso Extraordinário n. 44.585-Mato Grosso,
que ocupam e suas consequências jurídicas”,
30/08/1961: “[...] não se trata de propriedade
in Os Direitos dos Índios e a Constituição,
comum; o que se reservou foi o território dos
Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Fabris
índios [...], não está em jogo propriamente um
Editor, RS, 1993, p. 40.
conceito de posse nem de domínio no sentido
civilista dos vocábulos, trata-se de habitat de 15. MONTANARI JÚNIOR, Isaias, Terras
um povo” pp. 471/472. No mesmo sentido Indígenas e Cooperação Internacional –
vai o constitucionalista José Afonso da Silva Análise do Protal – Programa Piloto de Proteção
ao ensinar que a posse indígena “extrapola da das Terras Indígenas da Amazônia Legal, Juruá
órbita puramente privada porque não é nem Editora, Curitiba, 2013, p. 105.
nunca foi uma simples ocupação da terra 16. RULLI JÚNIOR, Antônio, “O Indigenato e
para explorá-la, mas base do seu habitat, no os índios Guarani de São Paulo. Exceção ao
sentido ecológico de interação do conjunto de Princípio da Isonomia”, in Boletim Jurídico da
elementos naturais e culturais que propiciam o Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1986, nº 5/6,
desenvolvimento equilibrado da vida humana” p. 36.
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito
17. Idem, p. 36.
Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, São
Paulo, 23ª edição, 2004, p. 836 18. Idem, p. 36.
6. As expressões entre aspas fazem parte do 19. Idem, p. 37
Acordão do Ministro Carlos Aires Brito 20. Processo nº 2002.80.00.0049260 (RCCR477/
Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, AL) Justiça Pública. Luciano Mariz Maia
Petição 3.388 Roraima, 19-03-2009, parágrafo (Procurador).
4, p. 4.
21. CAVALCANTI, Temístocles Brandão, A
7. Voto da Ministra Carmen Lúcia, Supremo Constituição Federal Comentada, ed. José
Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Petição 3.388 Konfino, Rio de Janeiro, 1959, V, IV, p. 242. O
Roraima, 19-03-2009 parágrafo 30.3, p. 476.

277
Pedro Calafate

comentário citado incide sobre o artigo 5º, inc. Ribeiro dos Santos, Imprensa Nacional-Casa da
XV, al. r e 216 da Constituição Federal de 1946. Moeda, Lisboa, 1983, pp. 202-204.
22. BARBOSA, Marco António, Direito 39. InBoletim Jurídico da Comissão Pró-Índio de
Antropológico e Terras Indígenas no Brasil, São Paulo, nº 5/6, 1986, p. 30.
Fapesp, São Paulo, 2001, p. 66. 40. Veja-se CALAFATE, Pedro e MANDADO,
23. VITORIA, Francisco de, Relectio de Indis Ramon, Escuela Ibérica de la Paz. La conciencia
(1538) I, 8, Corpus Hispanorum de Pace, dir. crítica de la conquista y colonización de
Luciano Pereña e J.M Perez Prendes, CSIC, América, Ed. Universidad de Cantabria,
Madrid, volume V, 1967, p. 11. Santander, 2014.
24 Lei de 6 de Junho de 1755, in Leda Maria 41. SOTO, Domingo, Relectio De Dominio,
Cardoso Naud, “Documentos sobre o Índio 1535, 21, 15ª edição de Jaime BrufauPrats,
Brasileiro (1500 a 1822), 2ª Parte” in Revista Relecciones y Opusculos, Editorial San Esteban,
de Informação Legislativa, nº 8, 1971, p. 256. Salamanca, vol. I, 1995, p. 141.
25. Alvará de 1 de abril de 1680, in Ibid., p. 257 42. Ibid., 21, 20-23.
26. Lei de 10 de Novembro de 1647,inIbid.,p. 258. 43. VITORIA, Francisco de, Comentários a la
27. Carta Régia de 30 de Julho de 1609, in José Justino Secunda Secundae de Santo Tomás de Aquino,
de Andrade e Silva, CollecçãoChronológica de in Jesus Cordero Pando, Francisco de Vitoria,
Legislação Portuguesa, 1603-1612, Imprensa Relectio de Potestate Civili, Estudios sobre su
de J.J A. Silva, Lisboa, 1854, pp. 271-272. Filosofía Política, Antología de Otros Textos
Políticos, Edição Crítica, Corpus Hispanorum
28. Alvará e Regimento sobre a Liberdade dos de Pace, Segunda Serie, Volumen 15, CSIC,
Índios, de 26/07/1596, in Serafim Leite, Madrid, 2008, p. 159.
História da Companhia de Jesus no Brasil,
Lisboa/Rio de Janeiro, Portugália/Civilização 44. Idem, p. 155.
Brasileira, 1938-50, vol. 2, pp. 623-624. 45. VIEIRA, António, “Voto sobre as dúvidas
29. Alvará de 6 de Junho de 1655, in Leda Maria dos moradores de São Paulo” (1694), inObra
Cardoso Naud, Op. cit., p. 258 Completa do Padre António Vieira, 30 volumes,
Direção de José Eduardo Franco e Pedro
30. Alvará de 1 de Abril de 1680, inIbid., p. 257. Calafate, Círculo de Leitores, Lisboa, 2014,
31. MOISÉS, Beatriz Perrone, “Terras Indígenas na Tomo IV, vol. III, p. 276.
Legislação Colonial”, in Revista da Faculdade 46. AZPILCUETA, Martín de, Relectio c. Novit de
de Direito da USP, vol. 95, p. 114 iudiciis, Coimbra. 1548, p. 74.
32. Alvará de 1 de Abril de 1680, in Leda Maria 47. MOLINA, Luis de, De justitiaetiure, Cuenca,
Cardoso Naud, Op. cit., p. 257. 1691, tomo I, liv II, disp. XXVII.
33. Lei de 6 de Junho de 1755, in Ibid., p. 257. 48. Francisco Suárez, De Legibus, Coimbra, 1612,
34. Directório, que se deve observar nas povoações Liv. III, V, 1,
dos índios do Pará e Maranhão, 1757, in Leda 49. Idem, XII,9.
Maria Cardoso Naud, Op. cit., p. 264.
50. No De Legibus, Cícero fala-nos de “uma
35. LOCKE, John, Segundo Tratado do Governo verdadeira lei, a reta razão, conforme à natureza,
(1681), Fundação CaloustGulbenkian, 2007, universal, eterna e imutável e a mesma para
cap. V, parágrafo 34, p. 61. todos os povos e lugares” (De legibus, 1.7).
36 VATTEL, Emer de, Le Droitdes Gens ou 51. PANDO, Jesús Cordero, Francisco de Vitoria,
Principes de laLoiNaturelle, Paris, J. P. Aillaud Relectio de Potestate Civili-Estudios Sobre su
(1758), 1835, Liv. I, Chap. VII, parágrafo 81, p. Filosofia Política, in Corpus Hispanorum de
161. Pace, Segunda Serie, CSIC, Madrid, 2008, vol.
37. Idem. Liv. I, Chap. VII, parágrafo 81, p. 161 15, p. 479.
38. SANTOS, António Ribeiro dos, (1745-1818), 52. SUÁREZ, Francisco, De Legibus, liv. II, XVII,
Princípios de Direito Natural acerca do Domínio 9, in Corpus Hispanorum de Pace, dir. Luciano
e Uso do Mar, Lisboa, s.d. Sobre o tema em Pereña, vol. XIV, CSIC, Madrid. 1973, p. 110.
análise cf. José Esteves Pereira, O Pensamento 53. LEDESMA, Martín de, Secunda Quartae,
Político em Portugal no Século XVIII: António Coimbra,150, fol. 223r-v.

278
Raízes Jusnaturalistas do Conceito de Direitos Originários dos Índios na Tradição Constitucional Brasileira:
Sobre o Conceito de Indigenato
54. Alvará de 1 de abril de 1680, parágrafo 40, Op. reconhecidos, e não simplesmente outorgados,
cit. com o que o ato de demarcação se torna de
55. MOLINA, Luis de, De IustitiaetIure, Cuenca, natureza declaratória, e não propriamente
1691, tomo I, livro III, disp. CV. constitutiva. Ato declaratório de uma situação
jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a
56. MOISÉS, Beatriz Perrone, “Terras Indígenas na Carta Magna havê-los chamado de “originários”,
Legislação Colonial”, in Revista da Faculdade a traduzir um direito mais antigo do que
de Direito da USP, vol. 95, p. 110. qualquer outro, de maneira a preponderar
57. Idem, p. 111. sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo
os materializados em escrituras públicas ou
58. Supremo Tribunal Federal-Brasília; Órgão
títulos de legitimação de posse em favor de não-
Julgador: Tribunal Pleno; Pet 3388/RR-
índios. Atos, estes, que a própria Constituição
Roraima Petição; Julgamento em 19/03/2009;
declarou como ‘nulos e extintos’ (§ 6º do art.
Relator: Ministro Carlos Britto, Acórdão – “12.
231 da CF)”.
DIREITOS ORIGINÁRIOS. Os direitos dos
índios sobre as terras que tradicionalmente 59. Ibid., Voto da Ministra Carmen Lúcia, parágrafo
ocupam foram constitucionalmente 11.

279
HUMANISMO E OS DIREITOS HUMANOS DE INDÍGENAS
E NEGROS E A CONTRIBUIÇÃO DE FRANCISCO
DE VITÓRIA DESDE SALAMANCA-ES

Racquel Valério Martins


Doutoranda em Educação e Mestre em Antropologia de Iberoamérica pela Universidad de Salamanca - USAL;
Membro da ABS (Asociación de la Comunidad Brasileña en Salamanca) e do IBDH (Instituto Brasileiro de Direitos
Humanos); Investigadora do ANTUR - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Turismo - UFS/CNPQ e do GEPE - Grupo
de Estudos e Pesquisas em Etnicidade - UFC/CNPQ; Professora Conteudista da Faculdade ATENEU-Ce.

RESUMO parallel between Human Rights in general and


the minorities of Indians and Blacks, observing
No presente artigo partimos do whether or not there are differences. And finally
entendimento do humanismo acerca de suas we will highlight the figure of Francisco de Vitoria
distintas fases, bem como do surgimento dos and his contribution as founder of International
Direitos Humanos a partir das necessidades Human and Environmental Rights, being a
oriundas das transformações sociais, ainda na characteristic symbol of the city of Salamanca
Grécia Antiga e passando pelo surgimento do – and as well as a role model not only for the
cristianismo, quando o ser humano pelo simples indigenous peoples of America, scenery for the
fato de ser humano é dotado de valor, e ainda defense of the rights of these peoples, but for all
levando em consideração os fatos históricos human beings.
até um passado recente. Traçaremos um
paralelo entre Direitos Humanos em geral e das Keywords
minorias índios e negros, observando se há ou
não diferenças. E por fim, destacaremos a figura Humanism; human rights; Francisco de
de Francisco de Vitoria, e sua contribuição como Vitoria.
fundador dos Direitos Internacional, Humanos
e Ambiental, sendo um símbolo característico 1. HUMANISMO: SUAS FASES E
da cidade de Salamanca - Es, além de um modelo UBIQUAÇÃO DO RENASCIMENTO À
de mestre não só para os povos indígenas da CONTEMPORANEIDADE
américa, seu cenário para a defesa dos direitos
desses povos, mas para todos os seres humanos. Segundo Abbagnano (2003), humanismo
significa “qualquer tendência filosófica que leve
Palavras chave em consideração as possibilidades e, portanto,
as limitações do homem, e que, com base
Humanismo; direitos humanos; Francisco nisso, redimensione os problemas filosóficos”.
de Vitoria. Conforme ensina o autor, o Humanismo foi
um aspecto fundamental do Renascimento, no
ABSTRACT qual se reconhece o valor do homem em sua
In the present article we focus on totalidade e a tentativa de compreendê-lo em seu
understanding of humanism about its different mundo, que é o da natureza e da história.
phases as well as the emergence of Human Rights Segundo o mesmo autor, é possível
from the needs of social transformations, still identificar três fases distintas do movimento
in Ancient Greece and through the emergence humanista, a saber: entre os anos de 1304 a
of Christianity, when the human being by 1374 houve a fase precedente, que prenunciava
the simple fact of being Human was endowed o Humanismo na sua versão mais primitiva e
with value, and still taking historical facts into pouco pragmática. Entre os anos de 1374 a 1494
account until the recent past. We will draw a houve a fase intermediária marcada pela queda

281
Racquel Valério Martins

de Constantinopla e pela morte do filósofo Pico virtudes, que lhes são próprias enquanto filho de
della Mirândola (1463-1494), que se distinguiu Deus.
pelo seu saber enciclopédico. E entre os anos
de 1494 a 1564 tem-se o período áureo do 2. SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DOS
Humanismo. Marca seu término o Concílio DIREITOS HUMANOS
de Trento, que dá ensejo à Contrarreforma. O
Humanismo, sobretudo no seu aspecto literário, Ao longo do tempo, a sociedade deparou-se
caracterizou-se pela ênfase dada à cultura antiga com a necessidade de proteção de alguns direitos
em contraposição à escolástica da Idade Média. inerentes ao ser humano, compreendendo que
sem a proteção destes direitos, jamais haveria
Na primeira fase, na Itália, viveu Francesco
uma sociedade, justa, que pudesse perdurar ao
Petrarca (1304-1374). Considerado o “Pai
longo dos anos, entendendo-se que, dever-se-
do Humanismo”. Na fase intermediária o
ia proteger um bem que deveria estar acima
humanista italiano Pico della Mirândola
de todos os outros, o qual deveria ser a base
defendeu dezenas de teses na área filosófica e
de todos os demais direitos constantes do
teológica, sempre na busca de conhecimento
ordenamento jurídico, e o denominado bem da
sobre todos os ramos das ciências humanas. Na
vida, foi o que deu destaque para a dignidade da
terceira fase, quando a literatura foi marcada
pessoa humana, necessidade das transformações
pelo culto ao classicismo dos tempos da antiga
sociais, e das exigências de uma sociedade que
Grécia e de Roma, em diversos países destacam-
clamou tal proteção.
se os movimentos humanistas.
Conforme as transformações da civilização
Na Holanda, merece destacar o filósofo
humana, foram surgindo os chamados direitos
Erasmo de Roterdam (1466-1536), o “príncipe
humanos. Bases para o reconhecimento desses
do humanismo”, como era chamado, e que,
foram lançadas na Grécia Antiga, sendo que
sem dúvida, contribuiu para o ensejo da
sua primeira colaboração foi no sentido de
Reforma Protestante. Na Alemanha, onde o
colocar a pessoa humana como centro da
movimento humanista promoveu a valorização
questão filosófica, passou-se, portanto, de uma
do homem e de sua liberdade de consciência,
explicação mitológica da realidade para uma
o livre-arbítrio, em oposição ao determinismo,
explicação antropocentrista (MARTINS, 2003,
era defendido por muitos pensadores. A Bíblia
p. 21) o que permitiu se refletir sobre a vida
passou a ser interpretada de forma diversa
humana. Além dessa, uma outra contribuição
daquela tradicionalmente imposta pela Igreja
dos povos gregos, foi a possibilidade de limitação
Católica. Isso representava uma tentativa de
do poder através da democracia que se funda na
restabelecer contato com as fontes originárias do
participação do cidadão nas funções do governo
cristianismo. A renovação religiosa trazida pelo
e na superioridade da lei (COMPARATO, 2003,
Renascimento impôs a existência de um Homo
p. 41), ideia surgida a partir da afirmação de
religiosus livre e consciente.
Aristóteles de ser o homem um animal político
A história contemporânea evidencia a (ARISTÓTELES, 2004, p. 146).
existência de humanistas oriundos das mais
O surgimento do cristianismo também
diversas vertentes filosóficas. Como nosso
lançou bases para os reconhecimentos dos
objetivo é tratar da contribuição de Francisco
direitos humanos ao limitar o poder político,
de Vitoria aos Direitos Humanos, e da vertente
através da distinção entre o que é de “César” e
filosófica conhecida como Humanismo,
o que é de “Deus”, e do fato da salvação através
movimento intelectual que o atraiu a partir
de Jesus Cristo ser possível a todas as pessoas
das ideias inovadoras do humanista holandês
sem distinção, não fazia diferença ser Judeu ou
Erasmo de Roterdam, com quem teve contato
Grego, escravo ou livre, homem ou mulher, pois
muito cedo, nos surge interesse pelos valores
todos são um em Cristo.
e pelos direitos humanos, e portanto, merece
que seja referenciado Jacques Maritain, um O autor Jorge Miranda (2000, p. 17) afirma
dos mentores da “Declaração Universal dos que
Direitos Humanos”, que descrevia o verdadeiro É com o cristianismo que todos os seres
humanismo como aquele sistema capaz de fazer humanos, só por o serem e sem acepção
florescer no âmago do ser humano todas as suas de condições, são considerados pessoas
dotadas de um eminente valor. Criados

282
Humanismo e os Direitos Humanos de Indígenas e Negros e a Contribuição de Francisco de Vitória desde Salamanca-ES

a imagem e semelhança de Deus, todos Edito de Nantes, que mesmo sendo uma mera
os homens e mulheres são chamados à concessão real, foi onde o Rei Enrique IV da
salvação através de Jesus, que, por eles, França proclamou a liberdade religiosa, num
verteu o Seu sangue. Criados à imagem claro reconhecimento do direito que cada pessoa
e semelhança de Deus, todos têm uma
tem de participar, de acreditar em uma religião,
liberdade irrenunciável que nenhuma
sujeição política ou social pode destruir. ou também de não acreditar ou não participar de
(MIRANDA,2000). nenhuma. Tal documento, foi revogado por Luis
XIV (RUBIO, 1998, p. 73).
Muito embora possamos considerar No século XVI, época da colonização
as inúmeras contribuições da antiguidade espanhola, o continente que parecia ser o paraíso
ao reconhecimento de direitos relativos à na terra, descoberto pelos europeus quando
pessoa humana, práticas como a escravidão, pretendiam chegar às Índias, passou a ser o
diferenciação por sexo ou classe social eram cenário de Francisco de Vitoria para a defesa
bastante comuns nesse período, o que é ainda dos povos indígenas que ali viviam e de seu
mais revelador sobre a questão de que tais direitos patrimônio cultural (fundamentos dos Direitos
nascem acompanhando o próprio caminhar internacionais, humanos e de meio ambiente).
da civilização humana, e aqui vale comentar
Considerando os fatos históricos, não se
Aristóteles (2004, p. 150), que sustenta em
pode negar a importância das Revoluções inglesa,
“A política” a liberdade de alguns homens por
americana e francesa para o reconhecimento de
natureza, enquanto outros são escravos, e que
direitos inerentes a pessoa humana, cada uma é
para estes a escravidão é conveniente e justa. E
claro contribuindo da sua maneira, sendo as duas
ainda, (p. 151) “do mesmo modo, o homem é
últimas as que influenciaram as constituições
superior e a mulher inferior, o primeiro manda e a
do século XIX (RUBIO, 1998, p. 82). E tais
segunda obedece; este princípio, necessariamente
contribuições podem ser resumidas nas palavras
estende-se a toda a humanidade”.
de Maurizio Fioravanti (2003, p. 83):
Na idade Média foi de fundamental
importância, no campo teórico os escritos de Em poucas palavras, se pode afirmar que
São Tomás de Aquino ressaltando a dignidade a revolução francesa confia os direitos e
e igualdade do ser humano por ter sido criado a liberdades à obra de um legislador virtuoso,
que é tal porque é altamente representativo
imagem e semelhança de Deus e distinguindo
do povo ou nação, mais além das facções ou
quatro classes de lei, a lei eterna, a lei natural, a dos interesses particulares; enquanto que a
lei divina e a lei humana, esta última, fruto da revolução americana desconfia das virtudes
vontade do soberano, entretanto devendo estar de todo legislador – também do elegido
de acordo com a razão e limitada pela vontade de democraticamente... e, assim, confia os
Deus (MAGALHÃES, 2000, pp. 18 e 19). direitos e liberdades à constituição, é dizer,
Dalmo Dallari (2000, p. 54) afirma que: à possibilidade de limitar ao legislador
com uma norma de ordem superior.
No final da Idade Média, no século XIII, (FIORAVANTI, 2003). Tradução nossa.
aparece a grande figura de Santo Tomás de
Aquino, que, tomando a vontade de Deus Tanto a Declaração Francesa quanto
como fundamento dos direitos humanos, as americanas são tidas como contribuições
condenou as violências e discriminações, relevantes para o surgimento do Estado de
dizendo que o ser humano tem direitos Direito e para a constitucionalização dos direitos
naturais que devem ser sempre respeitados, inerentes à pessoa humana.
chegando a afirmar o direito de rebelião
Em continuidade, podemos comentar sobre
dos que forem submetidos a condições
indignas. (DALLARI,2000). a importância da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, datada de 10 de dezembro
Um ponto importante na Modernidade de 1948, quando aprovada pela Assembleia Geral
para o reconhecimento de direitos inerentes a das Nações Unidas em Paris, período em que
pessoa humana foi a Reforma Protestante que destacou-se a internacionalização dos direitos
contestou a uniformidade da Igreja Católica, humanos. A fixação dos direitos fundamentais
dando importância a interpretação pessoal em um contexto internacional, naturalmente
das Sagradas Escrituras, através da razão ensejaria uma maior prevalência destes no
(LALAGUNA, 1993, p. 15). Merece destaque o contexto do ordenamento jurídico interno. Foi,

283
Racquel Valério Martins

portanto, quando os direitos fundamentais, política, ao desenvolvimento econômico,


passaram a ganhar relevo. à cultura, ao meio ambiente e aos direitos
Ao serem proclamados pela ONU, tais das minorias, com o anúncio dos princípios
direitos passam a ser enxergados sob uma ótica da referentes aos direitos de todos os povos, com
necessidade, a isonomia passou a estar presente a preocupação de construir uma nova ordem
sempre ladeando esses direitos, e a previsão dos internacional, mais solidária e cooperativa.
mesmos sempre buscando a limitação do poder Ainda no continente africano foi instituída a
estatal, para que pudesse prevalecer a liberdade Organização de Unidade Africana e assinada a
individual. Se evidencia que a existência dos “Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
mesmos independe de qualquer vontade ou Povos”, em 1981. Cerca de dez anos depois, nos
formalidade uma vez que eles são inerentes a anos 90 é assinada a “Carta de Paris”, no âmbito
pessoa humana, nenhum indivíduo, entidade, da Conferência sobre a Segurança e a Cooperação
governo ou Estado tem legitimidade para retirá- na Europa, estabelecendo-se normas precisas
los ou restringi-los. sobre os direitos do homem e das minorias, além
do conhecido “Pacto de São José da Costa Rica”
Num passado mais recente, a União
que uniu inúmeras nações em torno do ideal de
Europeia tem seu sistema de Direitos Humanos
fortalecimento da defesa dos Direitos Humanos
fundado na “Convenção Europeia para a
na América Latina.
Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais”, adotada em 1950, na cidade de Sendo o Brasil signatário de diversas
Roma, Itália. Posteriormente, no ano de 1961, Convenções realizadas no decorrer da história,
foi assinada a Carta Social Europeia que trata verificamos que foi um longo caminho, que se
dos direitos econômicos e sociais. iniciou timidamente até atingir o momento
atual. Há muito o que se fazer, na tentativa de se
Na Espanha, especificamente, as pessoas
efetivar estes direitos e não nos resta dúvida que
de Fray Bartolomé de las Casas1 e o já
está longe de ser o que almejamos e de que temos
mencionado Francisco de Vitória2, sobre quem
um longo e árduo caminho a percorrer. Podemos
aprofundaremos a respeito de sua contribuição
evidenciar, no período colonial, os portugueses
para os Direitos Humanos, ambos se apresentam
Padre Vieira3, de quem nos fala muito a autora
nas obras de (García, 2003) como ligados a teoria
Bueno (2004), e também Manoel Ribeiro, que
e prática dos referidos direitos. Foram grandes
em conformidade com Bosi apud Filgueira, os
defensores dos indígenas e, portanto, defensores
dois eram defensores dos índios e dos africanos
dos oprimidos, defendendo seus direitos como
respectivamente, embora não colocassem em
seres humanos, racionais e livres. Lutando
cheque a existência da escravidão, como a maioria
por conseguir para eles dignidade, liberdade e
das pessoas da época, ambos denunciavam
justiça, na busca por preservar suas culturas,
“casos” de escravidão considerados ilegais. Um
suas terras e seus bens. Bartolomé de Las Casas,
pouco mais tarde, Thomaz Davatz, um colono
particularmente em seus estudos da antropologia
suíço, começa a preocupar-se com o futuro com
filosófica e a caracterização dos direitos naturais
a situação que vivenciou ele próprio, repudiando
do ser humano, seria a formulação da época
que seus compatriotas, fossem submetidos a
do que posteriormente se desenvolveria como
infelicidade e a escravidão.
direitos humanos.
Por tratarmos nesse artigo especificamente 3. O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS
de Direitos Humanos de negros e indígenas, ao
mesmo tempo que corroboramos com a ideia de DE INDÍGENAS E NEGROS? HÁ
MELLO (2001), de que de modo geral os Direitos DISTINÇÃO?
Humanos são concebidos de forma a incluir Para se entender os direitos humanos, é
aquelas reivindicações morais e políticas que no necessário reconhecer sua dimensão histórica,
consenso contemporâneo, todo ser humano tem reconhecer o fato que eles não foram uma
o dever de ter perante sua sociedade ou governo, revelação para a humanidade, mas sim que
reconhecidas realmente como de direito, não foram construídos ao longo da história humana,
podemos deixar de fazer menção à “Declaração a partir das evoluções, das modificações nas
Universal dos Direitos dos Povos”, aprovada realidades social, política, industrial, econômica,
no continente africano, em 1977 que expressa enfim em todos os campos da atuação humana.
a necessidade de garantia à autodeterminação

284
Humanismo e os Direitos Humanos de Indígenas e Negros e a Contribuição de Francisco de Vitória desde Salamanca-ES

Los derechos humanos aparecen como aos povos indígenas, aos negros e às mulheres
un conjunto de facultades e instituciones foram materializados de forma desigual. No
que, en cada momento histórico, concretan que se refere aos índios, a própria Carta Magna
las exigencias de la dignidad, la libertad de 1988 estabelece proteção especial à cultura
y la igualdad humana, las cuales deben
indígena para impedir a imposição de regras e
ser reconocidas positivamente por los
ordenamientos jurídicos a nivel nacional e comportamentos estranhos à sua organização
internacional. (Luño, 1999, p. 48). social e cultural, ao mesmo tempo em que cria
certas barreiras à elegibilidade e ao direito de
Se tivéssemos que elencar alguns critérios votar. E os negros, em razão da sua condição
para se reconhecer um direito humano, jurídica de escravizados, não eram considerados
poderíamos dizer que o direito deve ser cidadãos, sendo a eles vedada, portanto, a
fundamental, o que significa que por um lado é participação nos processos políticos formais. Isso
uma prerrogativa própria à qualidade humana, ocorreu em todo o período colonial e imperial
em razão da exigência de dignidade, e por outro até a abolição da escravatura.
é consagrado e por instrumentos internacionais Não nos resta dúvida que indígenas e negros
e pelas constituições que o garantem; deve correspondem a uma parcela da população
ser universal, e suscetível de uma formulação brasileira em desigualdade. Segundo as
suficientemente precisa para dar lugar a estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia
obrigações da parte do Estado e não apenas para e Estatística (IBGE), a população brasileira
estabelecer um padrão. alcançou em 2011 o número de 195,2 milhões
Podemos considerar, portanto, de acordo de habitantes, com existência de 896,9 mil
com Antunes (2005, p.340), os direitos indígenas em todo território nacional, somando
humanos como aqueles direitos que buscam a população residente tanto em terras indígenas
a proteção da pessoa humana tanto em seu (63,8%) quanto nas cidades (36,2%).
aspecto individual como em seu convívio social, Entre as regiões, o maior contingente está na
em caráter universal, onde não se considere as região Norte (342,8 mil indígenas), e o menor na
fronteiras políticas que existem em decorrência região Sul (78,8 mil). Considerando a população
de conquistas históricas e independentes de indígena residente fora de terras indígenas, a
positivação em uma ordem específica. maior concentração está no Nordeste, 126,6 mil.
Não existem distinções, ou ao menos Vale ressaltar que a população indígena,
não é para existir no contexto dos Direitos apesar de se constituir na menor categoria
Humanos. Se levarmos em conta por exemplo populacional de cor/raça, apresentou a maior
a formação do povo brasileiro, não resta dúvida taxa de crescimento dentre todas as categorias
que esse corresponde a uma mescla de três desde 1990. Segundo o IBGE (2005), algumas
matizes: índio, negro e branco, porém devemos possibilidades não excludentes podem explicar
atentar que no contexto dos Direitos Humanos o fenômeno, como: o crescimento vegetativo
a descendência da sociedade brasileira não é dos indígenas, ainda que numa magnitude
indígena, nem tampouco afrodescendente. insuficiente para justificar o expressivo aumento;
Somos, nós brasileiros, descendentes de Seres a imigração internacional originária dos países
Humanos que foram chamados e classificados limítrofes que têm alto contingente de população
como índios durante os primeiros contatos dos indígena, como Bolívia, Equador, Paraguai e
Europeus. Ou somos descendentes de Seres Peru; e o aumento da proporção de indígenas
Humanos que em um determinado ponto da urbanizados que optaram por se declararem
História foram escravizados e que alguns fugiram indígenas e que antes se classificavam em outras
e formaram quilombos. Todos, sejam índios categorias, que pode ser verificado comparando-
ou negros, Seres Humanos que convivem com se o crescimento para as categorias de cor ou raça
diversos problemas que também são comuns aos nos dois períodos, 1991/2000 e 2000/2010, o que
“brancos”, desemprego, preconceitos, drogas, nos permite detectar mudanças significativas
alcoolismo, violência, descaso, expulsão de nas quantidades de pessoas que se declararam
suas terras e ausência de direitos mínimos de indígenas entre os Censos Demográficos. Em
cidadania, onde destacamos a Educação. 2000, as declarações indígenas aumentaram
Porém, até o final do Século XX, os substancialmente em relação a 1991, enquanto,
conceitos de direitos humanos, se aplicados em 2010, mantiveram-se em patamares

285
Racquel Valério Martins

similares a 2000. Do total, como já mencionado a maior taxa de evasão escolar do Mercosul
anteriormente, 817,9 mil se autodeclararam (3,2% para o ensino fundamental e 10% para o
índios no quesito cor ou raça e 78,9 mil, ensino médio), segundo a Síntese de Indicadores
embora se declarassem de outra cor ou raça, Sociais (IBGE, 2010). Tal realidade leva a que
principalmente parda (67,5%), se consideram pouco mais da metade dos alunos que entram
indígenas pelas tradições e costumes. no ensino fundamental consigam chegar ao final
Existem também no Brasil 96,7 milhões de do ensino médio. Problema que se agrava nas
negros. E a Secretaria Especial de Promoção da regiões mais pobres, entre a população negra e
Igualdade Racial (SEPPIR) estima a existência entre as comunidades que vivem nas áreas rurais
de 3.900 comunidades quilombolas em todo do país. Na maioria dos estados do Nordeste,
o país, acrescentando a esta estimativa a de o índice de conclusão do ensino fundamental
que tais comunidades corresponderiam a 325 é inferior a 40%. Para todas as regiões, quanto
mil famílias, numa razão de pouco mais de 80 maior a série frequentada, maior a defasagem
famílias por comunidade. média dos alunos (Haddad, 2008).
De acordo com o censo 2010, 8,5% Entre os fortes diferenciais de escolarização
da população brasileira é extremamente da população segundo situação de domicílio,
pobre. Neste grupo incluem-se famílias sem destaca-se que a média de anos de estudo
rendimento ou aquelas que vivem com renda da população urbana é de 8,7 anos, contra
per capita de até R$ 70,00 (setenta reais), das 5 anos de estudo da população rural. Outro
quais 70,8% são negras, 50,9% moram na área elemento importante a ser observado, entre
rural, 60% concentram-se na região Nordeste, as desigualdades de cor/raça na educação, é a
características que coincidem com a população forte seletividade na educação básica, na qual
quilombola e também com a indígena que vimos os meninos negros são os mais atingidos pela
investigando. exclusão escolar. No ensino superior, enquanto
entre a população geral há aproximadamente
Verificamos que de maneira geral, a
10% de pessoas com mais de 15 anos de estudo,
proporção de pessoas abaixo da linha da pobreza
esse percentual cai para 4,11% em relação à
diminuiu entre 2001 e 2008 para todos os
população negra e é de apenas 0,5% entre o total
grupos cor/raça. Vale comentar que sendo um
da população indígena.
país marcado por profundas desigualdades
sociais, econômicas, políticas e educacionais, o Como demonstram os dados transpostos
Brasil viveu nas últimas décadas o crescimento acima, a expansão do acesso à educação
do acesso ao ensino fundamental, mas ainda infelizmente não veio acompanhada de uma
insuficiente para garantir a universalização educação de qualidade, fazendo com que
da escola obrigatória. Houve também um grande parte das crianças e jovens que passam
incremento no número de anos obrigatórios, pela escola não consigam alcançar os níveis
passando de quatro (antigo ensino primário) mínimos de aprendizagem em leitura, escrita e
para oito anos (antigo ensino fundamental), matemática, o que é apontado por institutos de
depois para nove anos (ensino fundamental pesquisa nacionais e por pesquisas internacionais
de 6 a 14 anos) e, por fim, para treze anos (4 comparativas. Isso explica por que 20,3% da
a 17 anos). Esta última mudança, presente na população brasileira é considerada analfabeta
emenda constitucional 59, promulgada em funcional – ou seja, há cerca de 30 milhões
2009, definiu o ano de 2016 como prazo para de pessoas que não conseguem interpretar
que todas as crianças e jovens da faixa etária textos simples (PNAD/IBGE/2011). Na região
de 4 a 17 anos estejam dentro da escola. Mas a Nordeste, o problema atinge mais de 30% da
universalização do atendimento escolar, mesmo população, enquanto que na região Sudeste o
para a antiga faixa de ensino obrigatória (7 a 14 percentual fica em 15%.
anos), não ocorreu, mantendo cerca de 821 mil Conforme pode ser observado, 3,1% das
crianças e adolescentes fora da escola. Na faixa crianças de 6 a 14 anos – faixa etária referente
etária de 4 a 17 anos, são mais de 4 milhões de à etapa obrigatória do ensino fundamental –
crianças e jovens fora da escola. estão fora da escola, segundo o Censo 2010. São
O País apresentava em 2010 a maior taxa 821.126 crianças de 6 a 14 anos: a maioria delas
de repetência na educação básica da América negras, indígenas, quilombolas, deficientes,
Latina (18,7%), segundo a Unesco (2010), e pobres, sob risco de violência e exploração.

286
Humanismo e os Direitos Humanos de Indígenas e Negros e a Contribuição de Francisco de Vitória desde Salamanca-ES

Desse total, cerca de 512.402 são negras, o que e outro que surge da imigração individual e
explicita, mais uma vez, o desafio da desigualdade familiar (grupos étnicos).
racial na educação (IBGE/Censo 2010). Tratamos aqui, especificamente de grupos
Apesar da melhoria dos indicadores nos culturais étnicos, cada um com seus próprios
últimos anos, o analfabetismo entre jovens traços culturais. Daí podemos dizer que são
negros de 15 a 29 anos é quase duas vezes multiculturais na opinião de Will Kymlicka,
maior do que entre brancos – taxa que era três pois representam dois casos com diferenças
vezes maior no início da década (Unicef/2009). nacionais e étnicas, cujo a fonte da diversidade
A brecha aumentou entre brancos e negros nas cultural é a incorporação no caso indígena, posto
faixas etárias superiores. De acordo com dados que no exemplo daqueles do Brasil Colonial
do IBGE, apenas 26 em cada 100 alunos das uma mescla etnocultural contribuiu para que
universidades do país são negros. Apesar de o índio tenha sido um elemento que estivesse
ainda muito inferior, o aumento do acesso da fora do contexto social, e no caso do negro é a
população negra ao ensino superior foi de 232% imigração, haja visto que são afrodescendentes.
na comparação entre 2000 e 2010. (MARTINS, 2014).
O aumento no acesso à formação O autor Rosinaldo Silva Sousa (2001),
universitária reflete as políticas afirmativas afirma que a maneira como é trabalhada a
implementadas pelo governo nos últimos igualdade entre os homens pelos princípios dos
anos, em resposta às reivindicações históricas direitos humanos, tem uma base totalmente
do movimento negro no país, mas os dados etnocêntrica. Diz ele:
apontam uma enorme defasagem, visto que, de
É justamente partindo do reconhecimento
cada cem formados, menos de três, ou 2,66%,
da diferença como constituinte de uma
são pretos, pardos ou negros. subjetividade inalienável dos sujeitos
É importante observar que nos documentos sociais que a antropologia pode contribuir
oficiais não se nega a existência de grandes para a elaboração de contra discursos,
desafios com relação às minorias na efetivação capazes de se contrapor ao discurso
de seus mais variados direitos, mas na educação, universalista ocidental. (SOUSA, 2001).
apesar de ser considerada como a estratégia para
A partir desse princípio, as causas indígena
o enfrentamento das diversas desigualdades,
e negra tomam por base a diferença, para garantir
discriminações e violências de gênero presentes
a luta com os Direitos Humanos, que ao mesmo
no cotidiano e para o acesso das mulheres e
tempo se consegue mostrar ao mundo suas lutas
homens a outros direitos humanos é ainda
e reafirmar suas identidades.
bastante lenta a propositura em prática da
legislação conquistada com os movimentos Uma corrente importante da concepção
negro e também indígena nesse âmbito. antropológica se expressa no relativismo
Falar de minorias étnicas é, na maioria das cultural. Não se dá uma apreciação de
homens ou povos “cultos” ou “incultos”;
vezes, falar da pertença de determinados grupos
não há culturas “melhores”, nem “piores”;
que adquirem certa relevância no plano das nem “inferiores” ou “superiores”. Há
desigualdades sociais, das identidades culturais culturas diferentes. Sem embargo, este
e das formas de ação coletiva. As minorias relativismo cultural não leva a um
indígenas e de negros que nos referimos, relativismo ético que não é aceitável para
aparecem geralmente associadas a uma condição a convivência humana. Nem tudo vale,
social desprivilegiada, a um padrão de valores e nem se pode eludir a responsabilidade
costumes contrastantes com as demais culturas. moral de cada ser humano (…) tem uma
responsabilidade para algo; esse algo é o
Para melhor entendimento dessas minorias bem-estar e a dignidade do outro. Todas
que consideramos, fazemos referência ao as formas de existência humana, qualquer
que defende Will Kymlicka (1996) sobre dois que seja seu grau de desenvolvimento,
modelos de diversidade cultural, uma que surge expressam formas de cultura que são
da incorporação de culturas que estão dentro diferentes respostas ao problema da vida.
de um mesmo território (minorias nacionais) (Ander-Egg, 2009). Tradução nossa.

287
Racquel Valério Martins

4. FRANCISCO DE VITORIA E SEU de Francisco de Vitoria, das quais escolhemos


algumas nos dois parágrafos que seguem.
HUMANISMO. SUA CÁTEDRA EM
O primeiro destino na península foi o de
SALAMANCA E SUA REVELAÇÃO professor de teologia no Colégio de San Gregorio
COMO FUNDADOR DO DIREITO de Valladolid, um centro dominicano, onde não
INTERNACIONAL E DEFENSOR DOS houve oposição e começa seu ensino no curso
1523-1524. Como reconhecimento a seus
POVOS méritos no professorado, em 1525 a Ordem
O Frade Francisco de Vitoria, nasceu dominicana lhe concedeu o título de Mestre em
em Burgos-ES em 1483, e era ainda criança, Sagrada Teologia, temática que já havia logrado
de acordo com Javier Alejo, na descoberta da a licenciatura e o Doutorado em Paris no ano
América, um novo continente que parecia ser o 1522.
paraíso na terra e que depois passaria a ser seu Em 1526 Francisco de Vitoria é destinado
cenário de defesa dos povos indígenas que ali à docência em Salamanca. Exerceu a Cátedra
viviam e de seu patrimônio cultural, a partir do de Prima Theología na Universidade de
qual podemos encontrar, os fundamentos dos Salamanca e considerado o maior renovador
Direitos internacionais, humanos e ambientais. da teologia de Espanha no século XVI, aportou
Francisco de Vitoria na sua juventude importantíssimas contribuições também no
ingressou no convento dominicano de São campo do Direito. Fez história na identidade
Paulo, em Burgos, onde completou sua de Salamanca, especialmente por trazer duas
formação humanística cristã e estudou também novidades metodológicas às aulas salmantinas7.
filosofia. Terminou seus estudos e completou Viveu em Salamanca até o fim de sua vida, tendo
sua formação em Paris, no Estudo Geral sido enterrado na sala capitular do convento,
Dominicano de Santiago, sendo incorporado hoje “Panteón de los Teólogos”.
à universidade. (Hernández, 1983). O mesmo Resumindo esse trecho onde pretendíamos
autor afirma que, durante o período que chegou falar um pouco sobre quem foi Francisco de
Francisco de Vitoria à Universidade de Paris, os Vitoria, acrescentamos algo mais sobre o grande
três movimentos intelectuais que tinham mais mestre, interessante a descrição da personalidade
força na capital francesa eram: o humanismo4, o que ressalta o autor Camilo Barcia Trelles, que
nominalismo5 e o tomismo6. acaba por resumir a imagem mental do frade
Segundo Javier Alejo (2010), o frade dominicano e que queremos dar a conhecer aos
entra em contato muito cedo com o círculo de leitores de nosso texto.
Erasmo de Rotterdam e se sente atraído pelas
Tudo em Vitoria é força espiritual[…]; não
ideias renovadoras do humanista holandês. E,
resta do mesmo uma efigie; passou entre
Francisco de Vitoria em sua etapa parisiense
nós como um espírito; como se pressentisse
irá tornando-se cada vez mais perfeccionista ao que a estrela luminosa que traçou sua
estilo dos humanistas. vida, cheia de generosidade, bastasse a
Como dito anteriormente, a terceira imortalizar sua lembrança, foi uma alma
corrente intelectual de importância em Paris era grande, uma consciência impecável; mais
o tomismo com sua visão de realismo moderado que entre as pequenezes dos homens, viveu
no mundo diáfano das ideias […] passou
do cosmos. Esse foi o sistema de preferências
silenciosamente pela vida, prolongando
de Francisco de Vitoria, ao que incorporará aquela mais além da morte, alargamento
os logros das outras tendências. Conseguiu específico dos espíritos predestinados à
compenetrar-se com o sistema e a doutrina eternidade. (CAMILO,1950). Tradução
tomista, e desenvolveu um fecundo trabalho na nossa.
educação. Em Paris os domínicos desde o final
do século XV, tinham como texto teológico a Sua doutrina teológica-filosófica-jurista se
Suma de Teologia de Santo Tomás de Aquino, o encontra principalmente em suas Relecciones8
que introduziu Francisco de Vitoria em Espanha. e é através destas que fica conhecido
internacionalmente. Daí os títulos que lhe são
Com relação ao período da ida do frade
conferidos de Fundador da Escola Teológico-
dominicano à Espanha, a obra de Frei Ramón
Jurídica de Salamanca e Fundador do Direito
Hernández destaca as datas importantes na vida

288
Humanismo e os Direitos Humanos de Indígenas e Negros e a Contribuição de Francisco de Vitória desde Salamanca-ES

Internacional Moderno. Vitoria é ao mesmo plenitude, como exemplo podemos citar a defesa
tempo filósofo e teólogo. dos povos indígenas.
Foi com Francisco de Vitoria que a Cantarelli (2005) comenta que Francisco
Faculdade de Teologia da Universidade de de Vitoria põe os fundamentos de sua doutrina
Salamanca se fez importante. A doutrina do jurídica na natureza humana e nos objetivos
referido mestre na qual se abordam os direitos da finais do homem, que é a felicidade. Pôs em
Coroa na conquista de América e os direitos dos evidencia que a comunidade internacional
indígenas teve maior amplitude e compreensão estava fundada no Direito Natural, do mesmo
do que tinham e muito rapidamente. Surge à modo que estava a comunidade política que o
época a famosa Escola de Salamanca na qual um Estado representava. A legitimidade do poder,
grupo importante de seguidores de sua doutrina que inclui tanto o poder civil como a propriedade
se dedicam a investigar sobre a conquista privada, era independente de um título religioso.
da América. Cabe ressaltar que a doutrina De acordo com a referida autora, na
de Vitoria entra violentamente nas outras concepção de Francisco de Vitoria, o Direito
Universidades espanholas, enquanto que nas Natural reconhecia que a comunidade
universidades hispano americanas se começa a internacional resultaria da sociabilidade inerente
adequá-la à realidade indiana. Nas palavras de à natureza humana, que se estendia a todo o
Javier Alejo, surge aí um verdadeiro pensamento gênero humano ao que chamou de Conjunto
especificamente americano em colaboração de Estados, povos e nações (orbis). Ademais o
eficaz com a Universidade de Salamanca. Direito das Gentes estaria concebido por Vitoria
Podemos dizer que em Castilla y León, com duplo sentido: como Direito Universal
mais especificamente em Salamanca, o do gênero humano, por um lado, na tradição
Renascimento está representado entre outros romana; e por outro, como direito dos povos, das
importantes personagens, por Francisco de nações, em suas relações recíprocas. Portanto,
Vitoria. E fundamentalmente desde então, defende que claro está que, para ele, apesar do
na América se pode falar também de um Direito das Gentes ser parte do Direito Natural,
Renascimento humanista. Foi a partir de Vitoria a vontade humana, expressada ou tácita, daria
quando Espanha levou seu legado cultural às origem a positivação de um Direito de Gentes,
Índias: suas leis, seus costumes, sua cultura, sua dado que o já referido conjunto de Estados, povos
religião e sua Educação, passando a Universidade e nações teriam o poder de decretar “leyes justas
de Salamanca, de acordo com Lamberto de y a todos convenientes.” (CANTARELLI, 2002)
Echeverría, (1985), por uma expansão de uma
Universidade nunca vista na história. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ademais, a Universidade de Salamanca que Houve o destaque da filosofia do
era privilegiada da Monarquia, é levada a Hispano Humanismo, sobretudo no seu aspecto literário,
América onde inspirou distintas instituições e a consolidação da noção de dignidade da pessoa
universitárias, das quais citamos a primeira humana, a partir do século XVI, época em que
que foi a Universidade de Santo Domingo, na ocorreu a expansão colonial espanhola. Acerca
República Dominicana, em 1538, fundada pelos disso, Francisco de Vitoria ratificou a exploração
domínicos e por antigos alunos da Universidade e escravidão dos índios e, tendo em vista o
de Salamanca, defensores dos índios, anterior à pensamento cristão, que aqueles com base
Relección De Indis9 de Francisco de Vitoria, mas no direito natural, bem como na sua natureza
que lhe servirão de base para o desenvolvimento humana, e não em uma opção religiosa, eram
de sua doutrina. detentores de liberdade e igualdade. Portanto,
Como vimos, as posições defendidas por para o frade domínico, os índios deveriam ser
Francisco de Vitoria há cinco séculos, podiam respeitados enquanto sujeitos da história e
aparecer em modernas obras, não só de Direito possuidores de bens e na condição de signatários
Internacional, mas especificamente de Direitos dos contratos firmados com a coroa espanhola.
Humanos e de Direito Ambiental. Pois caso Francisco de Vitoria, enquanto um dos
não se exiba as datas de concepção das mesmas, principais fundadores do Direito Internacional,
não destoariam das teses que atualmente se muito contribuiu para a consolidação do
debatem, mas que não são concretizadas em sua conhecimento jurídico, especialmente nessa

289
Racquel Valério Martins

área, mas também na dos Direitos Humanos e humanismo, pela fidelidade à tradição tomista,
Ambientais. pelo desenvolvimento de seus princípios, por
Francisco de Vitoria foi um mestre digno de sua coragem de contestar teóricos de sua época,
admiração, e concluímos este artigo fazendo uma especialmente sobre a temática do domínio
homenagem a ele que por vinte anos exerceu a e a exploração dos índios americanos, foi um
Cátedra de Prima Theología na Universidade de mestre merecedor de agradecimento por parte
Salamanca, onde para mim é uma honra, hoje da humanidade por expor caminhos que dão
fazer parte de seu corpo discente. base à prática das relações internacionais,
muito presente no cenário internacional
Considerado o maior renovador da
contemporâneo.
Teologia de Espanha no século XVI, suas
argumentações concretas, por sua atração pelo

290
Humanismo e os Direitos Humanos de Indígenas e Negros e a Contribuição de Francisco de Vitória desde Salamanca-ES

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. um Decênio do Direito Internacional. Revista


São Paulo: Martins Fontes, 2003. Acadêmica, v. 2 anos 2001/2002 – Recife:
ALEJO, F.J.M. De la utopía humanista de Universidade Federal de Pernambuco / Centro
Francisco de Vitoria a la educación indígena. de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do
In Hernández, J. M. D. & Ramos, I.R. (eds.) Recife, coordenador Aurélio A. Boa Viagem:
Historia de la Educación en américa. Once Editora Universitária da UFPE, v. anual
estudios. Salamanca, Editorial Globalia Artes LXXVIII, pp. 49 e seguintes.
Gráficas, 2010. CANTARELLI, Margarida. Poder, política y
ANDER-EGG, E. Aproximaciones al problema de derechos humanos. In (Ed.) BARRIO, Ángel B.
la cultura, como respuesta al problema de la Espina. Poder, Política y Cultura Antropología
vida. Buenos Aires-México: Lumen Hymanitas, en Castilla y León e Iberoamérica VII. Los
2009. autores. Editorial Massangana, 2005.

ANTUNES, Ruy Barbedo. Direitos Fundamentais Censo, I. B. G. E. (2010). Disponível em:< http://
e Direitos Humanos: a questão relacional. Rev. www. censo2010.ibge.gov.br/>.
Esc. Direito, Pelotas, v. 6, n. 1, pp. 331-356, COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação
jan./dez, 2005. Histórica dos Direitos Humanos. 3ª ed. São
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Nova Paulo: Saraiva, 2003.
Cultura, 2004. DALLARI, Dalmo de Abreu. A Luta pelos Direitos
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Humanos. In LOURENÇO, Maria Cecília
Campus, 1992. França. Direitos Humanos em Dissertações
e Teses da USP: 1934-1999. São Paulo:
BUENO, E. P. O Padre Antônio Vieira e a escravidão Universidade de São, 1999.
negra no Brasil. Revista Espaço Acadêmico,
ano III, maio/2004. Disponível em: < http:// Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
www.espacoacademico.com. br/036/36ebueno. dos Povos Indígenas e Tribais, 2006.
htm> Acesso em: 20.01-10. 2004. DE ECHEVERRÍA, Lamberto. Presentación de la
BRASIL. Lei nº 9.394/1996: Lei de Diretrizes e Universidad de Salamanca. Caja de Ahorros y
Bases da Educação Nacional. Brasília. 20 de Monte de Piedad de Salamanca, 1985.
dezembro de 1996. FERREIRA F°, Manoel Gonçalves. A democracia
BRASIL. Estatuto do Índio. Lei nº 6001, de 19 de no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva,
dezembro de 1973. Brasília. 1973. 2001.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: FIORAVANTI, Maurizio. Los Derechos


Senado Federal, 1988. Fundamentales. 4ª ed. Madrid: Trotta, 2003.

BRASIL. Lei nº 10.678, de 23 de maio de 2003. GARCÍA, E. G. Bartolomé de las Casas y los
Brasília, 2003. Derechos Humanos. En M. M. Mendez, Los
Derechos Humanos en su origen. La República
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Dominicana y Antón de Montesinos (pp. 81-
Brasília, 2008. 114). Salamanca: San Esteban, 2003.
BRASIL. Decreto nº 6.861, de 27 de maio de 2009. HADDAD, S. Educação e exclusão no Brasil. Ação
Brasília, 2009. Educativa. In Le Monde Diplomatique, 2008.
BRASIL. Lei 12.711 de 29 de agosto de 2012. HERNÁNDEZ, J. M. D. & Ramos, I.R. (eds.)
Brasília, 2012. Historia de la Educación en américa. Once
BRASIL. Lei 13.005 do Plano Nacional de Educação estudios. Salamanca: Editorial Globalia Artes
– PNE, de 25 de junho de 2014. Brasília, 2014. Gráficas, 2010.
CAMILO, Barcia Trelles. Francisco de Vitoria, HERNÁNDEZ, R. FRANCISCO DE VITORIA,
Fundador del Derecho Internacional Moderno. OP. Síntesis de su vida y pensamiento. Editorial
Madrid, 1950. San Esteban, 1983.
CANTARELLI, Margarida. A doutrina colonial LALAGUNA, Paloma Durán. Manual de Derechos
para o novo mundo: Francisco de Vitoria – Humanos. Granada: Comares, 1993.

291
Racquel Valério Martins

LUÑO, Antonio Enrique Pérez Luño. Derechos MIRANDA, Jorge. Manual de Direito
Humanos, Estado de Derecho y Constitución. Constitucional. Tomo IV. 3ª ed. Coimbra:
6ª ed. Madrid: Tecnos, 1999. Coimbra editora, 2000.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos RUBIO, Valle Labrada. Introducción a la Teoría de
Humanos (sua história, sua garantia e a los Derechos Humanos: Fundamento. Historia.
questão da indivisibilidade). São Paulo: Editora Declaración Universal de 10 de diciembre de
Juarez, 2000. 1948. Madrid: Civitas, 1998.
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade SARLET, Ing. Wolfgang. A eficácia dos direitos
da Pessoa Humana: Princípio Constitucional fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Fundamental. Curitiba: Juruá Editora, 2003. Advogado, 2001.
MARTINS, R. V. Aquiraz-BR: Uma cidade SOUSA, R. S. Direitos Humanos através
multicultural rumo à interculturalidade. O da História recente em uma perspectiva
Caso de duas minorias étnicas. (Dissertação antropológica. En R. R. Novaes, & R. K. Lima,
de Mestrado). Salamanca- ES – Universidad de Antropologia e Direitos Humanos (pp. 47-61).
Salamanca – USAL, 2014. Niterói: Eduff,2001.
MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito
internacional público, 13ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001.

292
Humanismo e os Direitos Humanos de Indígenas e Negros e a Contribuição de Francisco de Vitória desde Salamanca-ES

NOTAS

1. Bartolomé de Las Casas (1484-1566), fraile 5. Nominalismo es la doctrina que niega


dominico español, cronista, historiador, la existencia objetiva de los universales,
filósofo, teólogo, jurista, obispo de Chiapas, considerándolos como meras convenciones o
es reconocido como el gran defensor de los nombres, en oposición al realismo y al idealismo.
indígenas americanos. Nació en Sevilla, donde (Real Academia Española - www.rae.es )
cursó estudios de latín y humanidades. El 6. Tomismo es el sistema escolástico contenido
curriculum de la época era el trilingüe (latín, en las obras de santo Tomás de Aquino, teólogo
griego y hebreo), el trivium, (gramática, retórica italiano del siglo XIII, y de sus discípulos. (Real
y dialéctica) y el cuatrivium (aritmética, Academia Española - www.rae.es )
geometría, astronomía y música). A los nueve
años, el 31 de marzo de 1493, vivió un suceso 7. A primeira foi mudar o livro de texto. Como
memorable: el regreso a Sevilla de Colón que comentamos anteriormente, em Paris os
volvía del descubrimiento de América con “gran domínicos ao final do século XV optaram pela
alarde de indígenas, loros y papagayos”. Meses Suma da Teologia de Santo Tomás de Aquino
después, el 25 de septiembre, su padre, Pedro como livro de texto. Vitoria deu continuidade
de las Casas y el tío, Francisco de Peñalosa, à prática que havia trabalhado tanto em
embarcaron en el segundo viaje de Colón. Paris como em Valladolid com os melhores
En 1494, regresó su padre con un indio taíno resultados.
esclavo, que estuvo con Bartolomé hasta 1500 A segunda novidade imposta por Vitoria em
cuando, por orden de Isabel la Católica, fue suas aulas de Salamanca foi o ditado das lições.
devuelto a América, junto con los otros indios Também aqui a universidade opôs resistência,
traídos a España) (García, 2003). mas naquele tempo em que os estudantes
tinham que fazer tudo a mão, este método era
2. Resumidamente, até porque fazê-lo conhecido é o mais acessível para eles. Podia cometer-se o
parte do desenvolvimento desse nosso trabalho, abuso de não explicar toda a matéria, como
podemos iniciar dizendo que Francisco de ordenava a legislação. Para evitar isso, Vitoria
Vitória foi um teólogo espanhol, histórico por dedicava parte da hora e meia que durava a aula
sua dedicação à defesa dos direitos dos índios “de prima”, ou de primeira hora da manhã,
do Novo Mundo e à limitação das causas que a ditar o mais substancial da lição, e dava o
justificam a guerra. Sua obra foi constituída na resto com maior agilidade, recorrendo disto os
afirmação de princípios éticos universais e de estudantes somente o conceito.
igualdade entre os povos.
8. Relecciones Era um método didático usado
3. O Padre Antônio Vieira nasceu em Portugal nas universidades europeias da época, mais
em 1608. É considerado um dos homens mais além dos métodos da lição ou leitura e as
extraordinários do século XVII, por sua atuação disputas ou conclusões. Na Universidade de
política e religiosa no Brasil e em Portugal, e Salamanca a partir de 1422, as relecciones
por sua influência na vida cultural e literária eram obrigadas aos catedráticos de propriedade
em outros países. Vieira veio ao Brasil aos que deviam pronunciar uma vez ao ano uma
sete anos de idade, e em 1623 entrou para a releitura ou repetição, isto é, estavam obrigados
Companhia de Jesus. Depois de ordenado, a pronunciar conferências solenes e magistrais
trabalhou em vários lugares no Brasil, mas a toda a Universidade sobre algum tema
sua atuação mais conhecida desta época se interessante e de atualidade de sua faculdade
deve a seu trabalho com os escravos e índios correspondente. (Sublinhado nosso).
do Amazonas, os quais ele defendeu contra os
colonizadores portugueses. (Bueno, 2004). 9. As duas releituras mais famosas, a primeira
sobre os índios, de princípios de janeiro de
4. Humanismo corresponde a la doctrina o actitud 1539, e a segunda sobre o direito da guerra, de
vital basada en una concepción integradora de junho do mesmo ano.
los valores humanos. (Real Academia Española
- www.rae.es )

293
EL COMPROMISO DEL MAGISTRADO ANTÔNIO
AUGUSTO CANÇADO TRINDADE CON LOS DERECHOS
HUMANOS. SUS OPINIONES DISIDENTES EN LA CORTE
INTERNACIONAL DE JUSTICIA

Rocío Abellán Bordallo


Abogada Trainee en el Tribunal Europeo de Derechos Humanos; Máster en Derecho y Práctica Jurídica en la
Universidad de Valencia, Ilustre Colegio de Abogados de Valencia

RESUMEN Palabras clave


Es sabido que cada uno de los jueces Iusnaturalismo; dignidad; derecho a la vida;
de la Corte Internacional de Justicia puede minorías vulnerables; reparación; víctimas.
exponer sus votos particulares cuando no están
totalmente de acuerdo con la sentencia emitida ABSTRACT
por la Corte. Estas opiniones individuales
It is known that each judge of the
reciben el nombre de “Opinión separada” u
International Court of Justice can present an
“Opinión Disidente” dependiendo de si el juez
individual opinion when she or she does not
está de acuerdo o no, en parte o en su totalidad,
totally agree with the final judgement of the
con la mayoría de la Corte. El presente artículo
court. These opinions are called “Separate
analiza las cinco opiniones disidentes que el
Opinion” or “Dissenting Opinion” depending on
Juez Cançado Trindade ha escrito desde que
whether the judge agrees or not, totally or partly,
comenzó a trabajar en la Corte en 2009.
with the majority of the Court. The present
Dichas opiniones, expuestas por orden article analyses the five dissenting opinions
cronológico, son las relativas a los siguientes Judge Cançado Trindade has written since 2009,
fallos: Fallo de 1 de abril de 2011 sobre la which was the year of his incorporation as a
Aplicación de la Convención Internacional Judge of the International Court of Justice
sobre la Eliminación de Todas las Formas
Those dissenting opinions, exposed in
de Discriminación Racial (Georgia contra la
chronological order, are concerned the following
federación rusa); fallo de 4 de mayo de 2011 sobre
judgements of the ICJ: Judgment of 1 April
la disputa territorial y de delimitación marítima
2011 on the case concerning application of the
(República de Nicaragua contra la república de
International Convention on the Elimination of
Colombia [solicitud de Costa Rica de permiso
all Forms of Racial Discrimination
para intervenir]); fallo de 3 de febrero de 2012
concerniente a las inmunidades jurisdiccionales (Georgia v. Russian Federation); judgment
de Alemania contra Italia: intervención de of 4 may 2011 concerning the territorial and
Grecia.; fallo de 3 de febrero de 2015 relativo a la maritime dispute (Nicaragua v. Colombia)
aplicación de la Convención para la Prevención application by Costa Rica for permission to
y la Sanción del Delito de Genocidio de 1948 intervene; judgment of 3 February 2012 on the
(Croacia contra Serbia), y los fallos de 2 de case concerning Jurisdictional Immunities of
octubre de 2016 concernientes a las obligaciones the State (Germany v. Italy: Greece intervening);
relativas a las negociaciones sobre el cese de la judgment of 3 February 2015 on the case
carrera de armas nucleares y al desarme nuclear concerning Application of the Convention on
(Islas Marshall contra Paquistán, India y Reino the Prevention and Punishment of the Crime
Unido). of Genocide (Croatia v. Serbia); Judgments of
5 October 2016 on the cases of Obligations
concerning Negotiations relating to Cessation

295
Rocío Abellán Bordallo

of the Nuclear Arms Race and to Nuclear Derecho Internacional a través de la Universidad
Disarmament (Marshall Islands v. United de Cambridge, y, en la misma universidad, se
Kingdom, India and Pakistan). doctoró en 1978 en Derecho Internacional con
la tesis Developments in the Rule of Exhaustion
Keywords of Local Remedies in International Law, la cual
fue galardonada con el premio York Prize.
Jusnaturalism; dignity; right to life;
vulnerable minorities; reparation; victims. Los ejes centrales de la actividad pública
de Antônio A. Cançado Trindade son la
1. INTRODUCCIÓN confianza en el Derecho como factor de
transformación social y la preocupación por el
Justicia, vulnerabilidad, derecho, sufrimiento humano que causa el poder y la
humanidad, restauración, compromiso o violencia cuando ganan la partida. Su línea de
espíritu son sin duda algunos de los términos pensamiento busca la conciencia jurídica del
que ayudan a describir la trayectoria y el papel juez y la acerca a la naturaleza del hombre, de
que Cançado Trindade ha tenido y seguirá la humanidad, afirmando que “la reacción de la
teniendo en el mundo del Derecho. Siendo uno conciencia jurídica universal constituye la fuente
de los juristas más relevantes y reconocidos del material última del derecho internacional y en
panorama mundial, es un claro referente del que definitiva de todo el Derecho”1. Se aleja así de la
aprender, e investigar su pensamiento ha sido percepción positivista del Derecho e impulsa el
tan enriquecedor como alentador. Enriquecedor iusnaturalismo, tanto el razonamiento como los
por la calidad y cantidad de información que valores intrínsecos del ser humano. La Justicia
proporciona en sus planteamientos, y alentador Internacional, las Cortes y los Tribunales,
porque los valores que utiliza y su persistencia los Derechos Humanos y las Organizaciones
son admirables. Alivia saber qué casos tan Internacionales son algunos de los numerosos
importantes como los que se tratan en la Corte temas que abarca en sus publicaciones.
Internacional de Justicia están, en parte, en sus
Otorga especial importancia a la expansión
manos.
de la Jurisdicción Internacional y su importancia
El estudio de los casos, la lectura de los para la realización de la Justicia. Por ello critica
fallos y el análisis de las opiniones disidentes y rechaza la supremacía entre tribunales, el
de Cançado, junto con la lectura de sus libros, monopolio y la subordinación, pues son ideas
informes, entrevistas y publicaciones, han sido que frenan el alcance de la justicia, y defiende
los instrumentos que utilizados para intentar la cooperación de los tribunales internacionales
reflejar su pensamiento y el ideal de justicia que apoyándose en el artículo 95 de la Carta de las
marca su actividad profesional. Este trabajo, que Naciones Unidas de 1945, según el cual ninguna
intenta ser objetivo en la descripción de los casos, de las disposiciones de esta Carta impedirá a los
y reflexivo en la descripción del pensamiento, Miembros de las Naciones Unidas encomendar
pretende ser útil para quien busque un modelo la solución de sus diferencias a otros tribunales
de quien aprender, tanto en el ámbito jurídico, en virtud de acuerdos ya existentes o que
como en el humano y espiritual. puedan concertarse en el futuro. Sostiene que
conseguir que la justicia se desarrolle en una
2. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO red policéntrica, lejos de fragmentar el derecho
TRINDADE internacional contemporáneo, lo enriquece
pues afirma y confirma la aptitud del Derecho
Antônio Augusto Cançado Trindade,
Internacional para resolver las controversias
nacido el 17 de septiembre de 1947 en Belo
en los planos interestatal e intraestatal. La
Horizonte, Brasil, es, desde el 6 de febrero de
arquitectura judicial a nivel internacional está
2009, Magistrado de la Corte Internacional de
formada actualmente por el Tribunal Penal
Justicia, con sede en La Haya. Fue juez de la Corte
Internacional, la Corte Internacional de Justicia,
Interamericana de los Derechos Humanos (electo
los dos Tribunales ad hoc para la Ex Yugoslavia
en 1994 y reelegido en 2000) y su presidente
y Ruanda, el Tribunal Especial para el Líbano,
desde el año 1999 al 2001 y reelegido en 2002
el Tribunal Especial para Sierra Leona, el
hasta 2004. En 1969 se graduó en Derecho por
Tribunal Internacional del Derecho del Mar,
la Universidad Federal de Minas Gerais, UFMG,
y los 3 tribunales de derechos humanos que
Brasil; en 1973 recibió la titulación de Máster en

296
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
operan a nivel regional pero en el marco de la Derecho hasta las bases de la competencia de
universalidad y que son la Corte Europea de la Corte en materia tanto contenciosa como
Derechos Humanos, la Corte Interamericana consultiva, desde la personalidad y capacidad
de Derechos Humanos y la Corte Africana de jurídica internacionales de la persona humana
Derechos Humanos y de los Pueblos. Compara hasta la justiciabilidad de todos los derechos
este fenómeno de la multiplicidad de los humanos, desde los más distintos aspectos de
tribunales internacionales defendiéndolo frente la responsabilidad internacional de los Estados
al modelo de tiempos pasados cuando había un hasta la garantía colectiva de las obligaciones
mayor acercamiento entre el poder ejecutivo convencionales y el ordre public internacional,
y los Estados, o el acercamiento entre los desde el acceso directo (latu sensu) del ser
poderes legislativos de los estados con la unión humano a la justicia internacional hasta las
interparlamentaria2. convergencias entre el Derecho Internacional de
Tal y como él indica en su libro los Derechos Humanos, el Derecho Internacional
International Law for Humankind: Towards a Humanitario y el Derecho Internacional de los
new Jus Gentium. General Course on Public Refugiados, desde el crimen de Estado hasta el
International Law “Más que una época de sentido y las formas de reparatio”4.
transformación, vivimos en la transformación de Asimismo, durante toda su trayectoria
la época. El ciclo de conferencias mundiales de la no ha dejado de ser profesor en prestigiosas
ONU ha conducido a un diálogo a nivel universal, instituciones al igual que tampoco ha dejado
ha encaminado la atención hacia las condiciones de escribir decenas de libros y cientos de
de vida de todas las personas en todos los lugares, publicaciones, siempre mostrando un claro
y a las especiales necesidades de protección de mensaje de compromiso con los derechos
grupos vulnerables y los segmentos pobres de humanos y a favor de la humanización y
la población. Ha identificado las necesidades universalización del derecho internacional.
y aspiraciones de la comunidad internacional Por todo ello ha recibido multitud de
como un todo (comprendiendo a los Estados reconocimientos, premios y títulos, los cuales
y a otros sujetos de Derecho Internacional, reflejan la importante labor que Cançado
incluyendo la humanidad en sí misma). Ha Trindade ha ejercido y ejerce en la Justicia, tanto
colocado a las personas y a los derechos humanos a nivel global como a nivel individual.
en el centro de la conciencia internacional, no
solo para conocer sus necesidades básicas, sino 3. CASO CONCERNIENTE A LA
también para fomentar su fortalecimiento.
Este contemporáneo diálogo universal ha sido
APLICACIÓN DE LA CONVENCIÓN
llevado a cabo en medio de la profunda crisis de INTERNACIONAL SOBRE LA
valores en la que vivimos, demostrando que hay ELIMINACIÓN DE TODAS LAS
razón para la esperanza en el futuro del Derecho
Internacional, movido últimamente por la
FORMAS DE DISCRIMINACIÓN
conciencia jurídica universal3.” RACIAL (GEORGIA CONTRA LA
Es importante hacer referencia a sus Votos FEDERACIÓN RUSA). FALLO DE 1 DE
emitidos en su calidad de Presidente de la Corte ABRIL DE 2011
Interamericana de Derechos Humanos y ahora
como miembro de la Corte Internacional de A. PRESENTACIÓN DEL CONFLICTO
Justicia, los cuales reflejan su sólida formación,
sus largas horas de trabajo y su infatigable El 8 de agosto de 2008 Georgia fue invadida
voluntad de agotar todos los resortes posibles por tropas rusas en respuesta a la intención
y abrir nuevos caminos para la protección de georgiana de parar los intentos secesionistas de
los derechos de todos los seres humanos y, en las regiones pro-rusas de Abjazia y Osetia del
particular, de los más vulnerables. Sur. Este conflicto puso de manifiesto la difícil
relación existente entre Rusia y Georgia, cuyos
Tal y como explica en varias de sus
intereses eran muy diferentes: Rusia pretendía
publicaciones, sus Votos “abordan la totalidad
mantenerse en las repúblicas soviéticas, mientras
de las cuestiones esenciales del Derecho
que Georgia pretendía integrarse en organismos
Internacional de los Derechos Humanos en la
internacionales para actuar con independencia
actualidad, desde los principios generales del
de Rusia.

297
Rocío Abellán Bordallo

En el conflicto hubo bombardeos tanto como base para el ejercicio de la competencia


de aviones rusos como georgianos, disparos de obligatoria por parte de la Corte de la Haya.
tanques y artillería con las consecuentes muertes La cláusula facultativa de competencia
de miles de personas, tanto de civiles, como de obligatoria: de una declaración ideal a una
soldados de paz y miembros de ambos ejércitos. práctica distorsionada. Cançado Trindade
Las reacciones de la comunidad internacional continúa su exposición lamentando cómo
no tardaron en llegar. Estados Unidos (EEUU), una práctica distorsionada llegó a dar
a través de su Secretaria de Estado, Condolezza importancia al consentimiento individual del
Rice, comunicó a los dirigentes rusos que no Estado, colocándolo incluso por encima de los
toleraría ataques a estados soberanos, y el imperativos de la realización de la justicia a
presidente francés de la Unión Europea (UE), nivel internacional.
Nicolás Sarkozy, sirvió de intermediario entre
El antiguo ideal de automatismo de la
Rusia y Georgia para conseguir el alto el fuego
competencia obligatoria de la Corte de la Haya.
del 16 de agosto, exigiendo la vuelta al status
Hace referencia al periodo entre 1950 y 1980
quo anterior a los combates.
cuando hubo esfuerzos de la doctrina jurídica
internacional por superar las vicisitudes de
B. OPINIÓN DISIDENTE DEL MAGISTRADO
la “voluntad” de los Estados, ampliando así
CANÇADO TRINDADE5 la aceptación de la competencia obligatoria
Conviene comenzar diciendo que el de la Corte. Siguiendo el hilo cronológico,
magistrado Cançado Trindade disiente con Cançado Trindade habla sobre la tendencia que,
respecto a la totalidad del razonamiento de la más lúcidamente, siguió la doctrina jurídica
Corte; con sus conclusiones acerca de la segunda internacional: procuró realizar el mismo antiguo
excepción preliminar y la competencia, y con su ideal, al relacionar las cláusulas compromisorias
tratamiento de las cuestiones de sustancia y de con la naturaleza y la sustancia de los tratados
procedimiento planteadas ante la Corte. correspondientes. Ese pensamiento jurídico
Prolegómeno. Ya en su primer párrafo, se benefició de la gradual acumulación de
el magistrado Cançado Trindade resalta que experiencias en la interpretación y la aplicación
la solución del conflicto está directamente de los tratados de DDHH, tales como la
relacionada con la realización de la justicia Convención a que se refiere la presente causa.
en base a la Convención Internacional Relaciones entre la cláusula facultativa/
sobre la Eliminación de Todas las Formas las cláusulas compromisorias y la naturaleza
de Discriminación Racial y matiza desde el y la sustancia de los tratados correspondientes
principio que no está de acuerdo con la totalidad en los que están consagradas. En esta quinta
de lo decidido por la Corte. parte, Cançado Trindade sostiene que, a pesar
La Corte Permanente de Justicia de que los tratados de derechos humanos están
Internacional y la Corte Internacional de orientados hacia las víctimas, en la esfera
Justicia: competencia obligatoria revisada. A de las relaciones interestatales los progresos
juicio del Magistrado Cançado Trindade, las realizados por la competencia obligatoria
cláusulas compromisorias tales como la que en los últimos decenios han sido bastante
figura en la Convención (artículo 22) sólo pueden modestos. Tras esto, el Magistrado expone la
considerarse adecuadamente en el ámbito de los metodología de interpretación de los tratados
esfuerzos por lograr la competencia obligatoria de derechos humanos: esta metodología, por
de la Corte. A tal fin realiza un examen de la un lado, asigna un peso mayor a la realización
historia legislativa, aludiendo finalmente al de su objeto y su fin, asegurando la protección
entendimiento al que se llegó entre el Comité de los seres humanos, y, por otro lado, abarca
Consultivo de Juristas sobre el Estatuto de la Corte todas las disposiciones, tanto sustantivas como
Permanente de Justicia Internacional (CPJI) y procesales, de dichos tratados.
la Sociedad de las Naciones. Este avenimiento En la interpretación de los tratados de los
desembocó en la cláusula enmendada de derechos humanos hay una primacía de las
competencia (la cláusula facultativa), y la consideraciones de orden público, de la garantía
posterior coexistencia de la cláusula facultativa colectiva ejercida por todos los Estados parte y
y las cláusulas compromisorias de diversos tipos del logro de un objetivo común, superior a los
intereses individuales de cada parte contratante.

298
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
Las dos partes en litigio, en sus respuestas Hacia el acuerdo pacífico con la realización
a una pregunta que el Magistrado consideró de justicia bajo los tratados de derechos humanos.
adecuado plantearles en la audiencia pública de A continuación, lamenta que lo escrito en
17.09.2010, han tenido debidamente en cuenta el párrafo anterior haya sufrido un cambio y
la naturaleza del tratado sobre derechos humano que, en el caso que nos ocupa, se establezca
en cuestión (la Convención); sólo la Corte no ha un umbral muy elevado respecto al requisito
tenido en cuenta este importante punto. de negociaciones previas para el ejercicio de
El principio ut res magis valeat quam competencia.
perea o principio de efecto útil. En este La ley y los sufrimientos y necesidades
apartado Cançado Trindade es muy claro de protección de la población. Summus Jus,
al exponer que este principio se aplica en Summa Injuria: Summum ius, summa injuria
relación tanto con las normas sustantivas es un aforismo latino que se puede traducir
como con las normas procesales, tales como por “sumo derecho, suma injusticia”, “a mayor
la aceptación de la competencia obligatoria en justicia, mayor daño” o “suma justicia, suma
asuntos contenciosos de los órganos judiciales injusticia”, en el sentido de que la aplicación de
internacionales de protección. En consecuencia, la ley al pie de la letra a veces puede convertirse
las consideraciones de orden superior en el orden en la mayor forma de injusticia. El Magistrado
público internacional tienen primacía sobre el Cançado Trindade lamenta que el enfoque de la
voluntarismo estatal. Corte no fuera el mismo que el suyo. Para él,
La cláusula compromisoria (artículo 22) los sufrimientos y necesidades de la población
de la Convención de las Naciones Unidas deberían asumir una posición central en la
sobre la Eliminación de Todas las Formas de consideración de la presente causa. Únicamente
Discriminación Racial. Elementos para su apreciándolo así es como se conseguiría
adecuada interpretación y aplicación: En palabras realmente una realización de la justicia. No
de Cançado Trindade, la jurisprudencia de la obstante, muy a su pesar, la Corte presenta un
Corte y la historia legislativa de la Convención enfoque centrado en las relaciones diplomáticas
no están en conexión con, y con lo cual no entre Georgia y la Federación de Rusia. En
respaldan, la opinión de la Corte en la presente palabras de Cançado Trindade, es necesario ir
causa. Esta opinión se basa en que el artículo más allá del enfoque interestatal (diplomático)
22 de la Convención establece “precondiciones” del derecho internacional tradicional, pues es
que debe cumplir un Estado Parte antes de que algo generalmente reconocido que el jus gentium
pueda recurrir ante esta Corte, lo que hace que contemporáneo no es para nada insensible al
el acceso a la CIJ sea particularmente difícil. Y destino de las poblaciones. El reconocimiento
como prueba evidente de esto es que aparece judicial de la victimización de los seres humanos
un conflicto con el enfoque previamente es un imperativo de la justicia, que viene por
adoptado por la Corte misma en su providencia lo menos a aliviar sus sufrimientos. Advierte
de 15.10.2008 en la presente causa. Además, también que, con arreglo a los tratados de
en la presente causa no se da el peso debido derechos humanos, los individuos afectados
al preámbulo de la Convención, según el cual en estas situaciones necesitan un nivel más
uno de los propósitos es “promover y estimular alto de protección; sin embargo, la Corte ha
el respeto universal y efectivo de los derechos aplicado un criterio más elevado en materia de
humanos”. consentimiento del Estado para el ejercicio de su
competencia, con el consecuente resultado.
Hacia el acuerdo pacífico y la realización
de justicia: verificación de anteriores intentos o Los tratados de Derechos Humanos como
esfuerzos de negociación. Es muy claro en este instrumentos vivientes. En este apartado, el
apartado al hacer un examen de la jurisprudencia Magistrado lamenta que el fallo se base en un
de la Corte de la Haya (CPJI y CIJ) resaltando razonamiento estrictamente textual o gramatical
que ambas determinaron claramente que un del artículo 22 de la Convención. Echa en falta
intento de negociación es suficiente, y que no consideraciones de naturaleza contextual e
hay ninguna “precondición” preceptiva de que intentos de vincular ese artículo con el objeto
haya negociaciones resolutorias para que una u y fin de la Convención. Cançado Trindade
otra ejerciesen competencia. entiende que el fallo revela que, a pesar de
todos los avances logrados a favor de la dignidad

299
Rocío Abellán Bordallo

humana con arreglo a la Convención, todavía y el derecho internacional de los refugiados).


queda mucho camino por andar. Principio fundamental es, además, el de la
Observaciones finales. Su conclusión es dignidad de la persona humana (que establece
una opinión disidente fundada no sólo en la un fundamento del derecho internacional de los
evaluación de las pruebas obtenidas, sino también derechos humanos). Principios fundamentales
y sobre todo, en cuestiones de principio. Añade del derecho internacional son, además, los
que la jurisprudencia internacional en materia de enunciados en el Artículo 2 en la Carta de las
derechos humanos ha destacado constantemente Naciones Unidas.
que las disposiciones de los tratados de derechos
humanos deben interpretarse de manera que la 4. CASO CONCERNIENTE A LA
salvaguardia de esos derechos sea efectiva; a este DISPUTA TERRITORIAL Y DE
respecto, el artículo 22 no establece ninguna DELIMITACIÓN MARÍTIMA ENTRE
“precondición” preceptiva para el recurso de la
Corte. Establecer “precondiciones” de esa índole LA REPÚBLICA DE NICARAGUA
donde no existen equivale a erigir un obstáculo Y LA REPÚBLICA DE COLOMBIA
indebido e infundado al acceso a la justicia con [SOLICITUD DE COSTA RICA DE
arreglo a un tratado sobre derechos humanos.
PERMISO PARA INTERVENIR]. FALLO
Epílogo: Revisión de un antiguo dilema, en el
marco del jus gentium contemporáneo. Con este DE 4 DE MAYO DE 2011
fallo, la Corte se ha privado de poder determinar,
en una posible etapa posterior sobre el fondo, A. PRESENTACIÓN DEL CONFLICTO
si los sucesos mencionados en la demanda El motivo de la controversia territorial y
están comprendidos o no en las dos posiciones de delimitación marítima entre Colombia y
pertinentes de la Convención. En su opinión, la Nicaragua era la soberanía de ciertas islas y la
presente decisión socava los efectos apropiados de delimitación marítima entre ambos países en el
la Convención y la propia competencia obligatoria mar Caribe occidental.
de la Corte con arreglo a ella. Continúa su
Colombia sostenía que los territorios en
disidencia centrándose en el consentimiento del
disputa le habían pertenecido históricamente.
Estado que tanto reclama la Corte. Bajo el punto
Además, sostuvo que en 1928 se formó el
de vista del Magistrado, el consentimiento del
Tratado Esguerra-Bárces firmado en 1928 que
Estado no es un elemento de interpretación de los
no fijaba los límites marítimos entre Colombia
tratados; si lo fuera, se convertiría indebidamente
y Nicaragua. Nicaragua por su parte alegaba
al tratado en letra muerta. El momento en que
que el tratado era inválido, apoyándose en el
se manifiesta el consentimiento del Estado es
argumento de que había sido celebrado cuando el
cuando el Estado de que se trata decide pasar a
país estaba ocupado por Estado Unidos. Señaló
ser parte de un tratado.
también que en aquella época no había surgido
Tras esto, trata de explicar que hay que evitar aun el Derecho del mar, y que por lo tanto se
limitarse a las “precondiciones” que se establecen violaban los derechos de exclusividad marítima
en la cláusula compromisoria del artículo 22. En que actualmente se reconoce a los Estados.
su opinión, dichas “precondiciones” preceptivas
El 6 de diciembre de 2001, Nicaragua
de negociaciones previas para el ejercicio de la
presentó ante la Corte Internacional de Justicia
competencia de la Corte equivalen a erigir un
el “Caso de la República de Nicaragua contra
infundado y sumamente lamentable obstáculo a
la República de Colombia” con respecto a
la justicia.
los “aspectos legales subsistentes” entre los
Para el Magistrado Cançado Trindade, dos Estados “en relación con el título sobre el
principios fundamentales son los de pacta sunt territorio y la delimitación marítima” en el Caribe
servanda, de igualdad y no discriminación (a occidental. En 2007, la Corte Internacional de
nivel del derecho sustantivo), de igualdad de Justicia falló a favor de Colombia, dando lugar
armas (égalité des armes —a nivel del derecho a las excepciones preliminares invocadas por
procesal). Principio fundamental es, además, este país, en contra de la demanda presentada
el de humanidad (que permea todo el corpus por Nicaragua, reconociendo la soberanía
juris del derecho internacional de los derechos colombiana sobre las islas de San Andrés,
humanos, el derecho internacional humanitario, Providencia y Santa Catalina; sin embargo,

300
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
dicho tribunal no definió la frontera marítima razonablemente su desacuerdo con la Corte
entre ambos países, dejándola pendiente para la cuando ésta se presenta como posible sustituta
sentencia sobre el fondo. El 19 de noviembre de de quienes desean intervenir sin calidad de
2012 se dio a conocer la sentencia de fondo de parte. Esto haría que el objeto de la intervención
la Corte Internacional de Justicia, que fijó los de cualquier Estado que solicitara intervenir
límites marítimos entre Nicaragua y Colombia. perdiese toda importancia. Sin dar audiencia a
Fue entre tanto, el 25 de febrero de 2010, terceros Estados, ¿cómo se entenderían cuáles
cuando Costa Rica presentó una petición de son las zonas en las que pueden tener intereses
permiso para intervenir en la causa. En la de orden jurídico?
solicitud decía que su intervención tendría Cançado Trindade y Yusuf observan que un
la finalidad limitada de informar a la Corte “interés de orden jurídico” constituye un medio
de la naturaleza de los derechos e intereses legítimo por el cual un tercero puede pedir
jurídicos de Costa Rica y de tratar de asegurar permiso para procurar protección frente a un
que la decisión de la Corte acerca de la frontera futuro fallo que, en ausencia de su intervención,
marítima entre Nicaragua y Colombia no pueda afectar a sus pretensiones y señalan que
afectara a tales derechos e intereses. Este es el la Corte: 1) caracterizó erróneamente el interés
caso que nos ocupa y es su trayectoria lo que se de orden jurídico de Costa Rica; 2) introdujo un
va a desarrollar y a explicar a continuación. nuevo criterio de prueba, según el cual Costa
Rica debería demostrar que “su interés de
B. OPINIÓN DISIDENTE CONJUNTA DE LOS orden jurídico necesita una protección que no
MAGISTRADOS ANTÔNIO AUGUSTO proporciona el efecto relativo de las decisiones de
CANÇADO TRINDADE Y ABDULQAWI la Corte con arreglo al artículo 59 del Estatuto”,
que recordemos cita que “La decisión de la Corte
AHMED YUSUF6 no es obligatoria sino para las partes en litigio
En contraposición al fallo de la Corte, los y respecto del caso que ha sido decidido.”, y 3)
magistrados Cançado Trindade y Yusuf estiman basó su decisión únicamente en consideraciones
que Costa Rica ha satisfecho las condiciones de oportunidad
para la intervención que figuran en el Artículo La Corte debe apreciar si los fundamentos
62 del Estatuto, que, recordemos, establece que invocados por Costa Rica son suficientemente
si un Estado considerare que tiene un interés convincentes para determinar si procede o no
de orden jurídico que puede ser afectado por la la petición de intervenir. No obstante, los dos
decisión del litigio, podrá pedir a la Corte que le magistrados opinan que la Corte ha optado por
permita intervenir. Y que la Corte decidirá con una decisión fundada en consideraciones de
respecto a dicha petición. oportunidad. Ante la supuesta especial relación
Ambos opinan que el motivo de la Corte entre los artículos 59 y 62 del Estatuto de la
para rechazar la petición es el fundamento de Corte, ambos coinciden en que el primero tiene
oportunidad según el cual como cuestión de un alcance específico y estrecho y se aplica
principio, la Corte protegerá el interés de un a todas las decisiones de la Corte, y que, sin
tercer Estado sin definir de manera específica los embargo, el Artículo 62 tiene el objetivo de
límites geográficos de una zona en la cual pueda una correcta administración de justicia, a fin
entrar en juego ese interés. Tampoco apoyan de funcionar antes de que la Corte dicte una
a la Corte cuando opina que los objetivos para decisión definitiva, y por lo tanto antes de que el
cuyo logro se estableció el Artículo 62 pueden Artículo 59 entre a funcionar.
obtenerse mediante el ejercicio de alguna forma Como conclusión, los Magistrados Cançado
de “debida diligencia judicial” referente a los Trindade y Yusuf identifican el comportamiento
intereses de orden jurídico de terceros sin dar de la Corte con los tradicionales procedimientos
al Estado que desea intervenir una audiencia arbitrales en los que podía considerarse deseable
en el procedimiento sobre el fondo. Respecto que hubiera una barrera contra la intervención
del alcance y el objetivo del artículo 62 del de terceros.
Estatuto, ambos magistrados argumentan

301
Rocío Abellán Bordallo

5 CASO CONCERNIENTE A LAS INMUNI- espera de que la Corte Internacional de Justicia


DADES JURISDICICCIONALES DEL decidiera sobre el caso que nos ocupa.
ESTADO ALEMANIA CONTRA ITALIA: B. OPINIÓN DISIDENTE DEL
INTERVENCIÓN DE GRECIA. Fallo de 3
MAGISTRADO CANÇADO TRINDADE7
de febrero de 2012
Estructura. La opinión disidente del
magistrado Cançado Trindade expone por qué
A. PRESENTACIÓN DEL CONFLICTO
no apoya la decisión de la Corte, abarcando
El 23 de septiembre de 1998, el italiano la metodología y el enfoque adoptado; el
Luigi Ferrini presentó en Italia una demanda razonamiento general en el examen de las
contra Alemania, motivada, explicándolo de cuestiones sustantivas, y las conclusiones del
forma resumida, por los daños que el ejército fallo. Durante toda su exposición no deja de
alemán había provocado en Italia durante la II insistir en que el marco de todo debe ser la
Guerra Mundial. La Corte de Arezzo declaró la realización de la justicia, esto es lo que debe
demanda inadmisible debido a que Alemania enmarcar la solución de las controversias.
estaba protegida por la inmunidad jurisdiccional, Revisión de la evolución de la doctrina. A
la cual implica que el Estado extranjero no puede su juicio, las inmunidades son un privilegio,
ser demandado ni sometido a juicio ante los y no pueden seguir haciendo abstracción de la
tribunales de otros Estados. Pero en el 2004, evolución del derecho internacional. La tensión
la Corte de Casación Italiana declaró que las existente entre la inmunidad del Estado y el
cortes italianas sí tenían jurisdicción en estos derecho de acceso a la justicia debe resolverse
casos. Sus razones fueron que la inmunidad a favor de éste último. Es evidente que al
de jurisdicción no era absoluta, que ante un magistrado Cançado Trindade le preocupa la
crimen internacional no se aplicaba. Este fallo, necesidad de cumplir con los imperativos de la
conocido como el “Fallo Ferrini”, condujo a que justicia y evitar la impunidad en los casos de
seguidamente se presentara una importante comisión de crímenes internacionales con miras
cantidad de demandas ante tribunales italianos a evitar su repetición en el futuro. Recalca esto
en contra de Alemania por crímenes cometidos defendiendo que las políticas criminales del
entre 1943 y 1945. Por otro lado, en 2008, a raíz Estado y la ulterior perpetración de atrocidades
también del caso Ferrini, la Corte de Casación por el Estado no se deben amparar tras el escudo
de Italia condenaba a cadena perpetua al alemán de la inmunidad del Estado.
Max Josef Milde, quien había sido acusado por
Continúa su opinión disidente dejando clara
participar en varias masacres, y ordenaba el
su filosofía al decir que las pretendidas renuncias
pago de dicha reparación por parte del acusado
entre Estados de los derechos inherentes a la
y de Alemania a los sucesores de las víctimas.
persona son inadmisibles; se oponen al orden
Por su parte, los parientes de las víctimas de
público internacional y deben ser privadas de
la masacre de Distomo, en Grecia, iniciaron
todo efecto jurídico. Esto está profundamente
demandas contra Alemania. Si bien las cortes
gravado en la conciencia jurídica universal, la
griegas decidieron a favor de las víctimas, era
fuente sustantiva última de todo el Derecho.
competencia del ministro de Justicia autorizar la
del fallo, por tratarse de un Estado extranjero. La En opinión del Magistrado Cançado
autorización no fue concedida, y los fallos de las Trindade, lo que desestabiliza el ordenamiento
cortes permanecieron sin ejecución. Tampoco se jurídico internacional no son las peticiones de
reconocieron las decisiones griegas en las cortes reparación de los particulares, sino los crímenes
alemanas en base al principio de la inmunidad internacionales y el encubrimiento de esos
del Estado Alemán. crímenes internacionales, acompañado por la
impunidad de los perpetradores.
Tras esto, fue en Italia donde se presentó
la siguiente acción de los demandantes. El Cuando un Estado lleva a cabo una política
resultado fue favorable y los demandantes criminal de asesinar a segmentos de su propia
griegos iniciaron un procedimiento legal de población y de la población de otros Estados,
ejecución sobre Villa Vigoni, una propiedad del no puede luego escudarse en las inmunidades
Estado alemán cerca al lago Como, en territorio soberanas, ya que estas últimas jamás fueron
italiano. Este procedimiento fue suspendido a la concebidas para ese fin.

302
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
Examen de todas las respuestas dadas por A su entender, las infracciones graves de los
Alemania, Italia y Grecia a las preguntas que derechos humanos y del derecho internacional
formuló la Corte al fin de las audiencias orales el humanitario equivalen a violaciones del jus
16 de septiembre de 2011. Analiza en profundad cogens, lo que entraña la responsabilidad del
la tensión entre la inmunidad del Estado y el Estado y el derecho de las víctimas a la reparación.
derecho de acceso a la justicia de las victimas En este apartado, y recordando lo que
individuales. A su entender, y con respecto a mencionábamos sobre Simone Weil en la
este caso, los crímenes cometidos por el Tercer introducción, al hablar de la prevalencia del
Reich durante la Segunda Guerra Mundial no derecho individual de acceso a la justicia,
son actos jure gestionis ni tampoco actos jure Casado Trindade expone que “la tragedia, a
imperii, sino que son delitos, delict imperii, para diferencia del mero desastre, es debida a “errores
los que no hay inmunidad. humanos evitables”, algunos con devastadoras
Analiza la entrada del término “inmunidad” consecuencias. Al final, nos quedamos con
en el léxico del derecho internacional y explica un regreso constante a la idea de una justicia
que con éste término se quería hacer referencia “objetiva”, a unos principios universales- en
a algo muy excepcional, una exención de la línea del pensamiento del derecho natural,
la competencia o la ejecución. Nunca hubo prohibiendo el enfoque de derechos humanos
intención de exceptuar la competencia sobre “como medios para el fin”. Respecto a esto,
los crímenes internacionales y las violaciones otra gran pensadora del siglo XX, Simone Weil,
graves de los derechos humanos y del derecho apuntó, en una iluminada disertación ( de 1934,
internacional humanitario y de encubrirlos. desde entonces publicada en distintos países
No hay inmunidad para los crímenes de e idiomas)8, que, desde tiempos de “Ilíada” de
lesa humanidad. La inmunidad del Estado no se Homero hasta la actualidad, la influencia de la
puede oponer en el ámbito de la reparación de guerra sobre los derechos humanos ha estado
violaciones graves de los derechos fundamentales constantemente revelando el “mal esencial” de
del ser humano. Por ello, lo irrenunciable no la humanidad, a saber, “la sustitución de los
es la inmunidad del Estado, sino el derecho extremos por los medios”; la búsqueda de poder
individual de acceso a la justicia. Las personas toma el lugar de los extremos, y transforma
son sujetos de derecho internacional, y toda la vida humana en un medio, que puede ser
vez que la doctrina jurídica se apartó de este sacrificada9.”
criterio, las consecuencias y los resultados Derecho a la reparación. Violación y
fueron catastróficos. La realización de la justicia reparación es un todo indisoluble que está
es en sí misma una forma de reparación, que reconocido en la jurisprudencia constante de
da satisfacción a la víctima. De esta manera, se la Corte de La Haya (Corte Permanente de
vindica debidamente el derecho al derecho de las Justicia Internacional y Corte Internacional de
víctimas de la opresión. Justicia). La errónea aceptación de la inmunidad
Califica de absurdo el hecho de que, por del Estado no puede desmantelar ese todo
un lado, se insista en admitir la supresión de indisoluble. Hay víctimas de violaciones graves
la inmunidad de Estado en el ámbito de las por la Alemania nazi de los derechos humanos y
relaciones comerciales, o en caso de actos ilícitos del derecho internacional humanitario que han
personales internos (por ejemplo, en accidentes quedado privadas de reparación.
de tráfico) y, por otro lado, se insista en amparar En contra de esto, el Magistrado recalca
a los Estados con la inmunidad en los casos de que el objetivo de la inmunidad del Estado no
crímenes internacionales en virtud de la políticas es de servir de impedimento a la competencia
del Estado. Lo que él defiende es que el deber del en este caso. Es decir, no debe oponerse a la
Estado de proporcionar reparación a las víctimas realización de la justicia. Asegurar justicia a las
de violaciones graves de los derechos humanos víctimas significa, entre otras cosas, ponerlas en
y del derecho internacional humanitario es una condiciones de demandar y obtener reparación
obligación en virtud del derecho internacional por los crímenes de que fueron víctimas. Por
consuetudinario que está en conformidad con medio de la reparación, el Derecho interviene
un principio general del derecho de carácter para hacer cesar los efectos de sus violaciones
fundamental. y para garantizar que no se repitan los actos
lesivos.

303
Rocío Abellán Bordallo

Primacía del jus cogens y conclusión final. En 1992, tras las llamadas Guerras Yugoslavas,
En sus últimas reflexiones, en Magistrado esta república se disolvió y fue sucedida por la
Cançado Trindade sostiene la primacía del República Federal de Yugoslavia. Esta república,
jus cogens y presenta una refutación de su no que duró hasta 2003, estaba integrada por las
fundada deconstrucción: no puede haber ninguna repúblicas federadas de Montenegro y Serbia.
prerrogativa o privilegio de inmunidad del En medio de estos cambios, tuvo lugar la
Estado en los casos de crímenes internacionales, “Guerra de Croacia” o la “Guerra Croata de
como las matanzas de la población civil y la Independencia”, la cual duró desde 1991 hasta
deportación de civiles y prisioneros de guerra 1995. La guerra se inició entre Croacia y el
para someterlos a trabajo esclavo: se trata de Ejército Popular Yugoslavo (JNA) dominado
violaciones graves de las prohibiciones absolutas por los serbios. Seguidamente, el conflicto pasó
del jus cogens, para las cuales no puede haber a ser una lucha entre las tropas de la recién
inmunidades. independizada Croacia y las fuerzas rebeldes de
Asimismo, critica la metodología del la minoría serbia, que proclamó la República
positivismo jurídico, diciendo que ésta presta Serbia de Krajina. El ejército Popular Yugoslavo
excesiva atención a los hechos y se olvida de apoyó a los serbios. Mientras que los serbios
los valores, además de no aceptar la inevitable querían quedarse en Yugoslavia, buscando
unión del derecho y de la ética. De esta forma, los nuevos límites en partes de Croacia con mayoría
ejercicios positivistas conducen a la fosilización étnica serbia o con una minoría serbia influyente,
del derecho internacional y ponen de manifiesto el bando croata apuntaba a establecer soberanía
su persistente subdesarrollo. para la República de Croacia. La guerra resultó
La deconstrucción del jus cogens obra particularmente impactante por su brutalidad
en detrimento de las víctimas individuales de en una sociedad relativamente desarrollada en
violaciones graves de los derechos humanos y Europa y en los tiempos modernos.
del derecho internacional humanitario, y del
derecho internacional contemporáneo mismo. B. OPINIÓN DISIDENTE DEL MAGISTRADO
En definitiva su opinión es que, en el fallo CANÇADO TRINDADE10
que estamos tratando, la Corte Internacional de Cansado Trindade, tras votar en contra de
Justicia debería haber decidido que el jus cogens no estimar la demanda de Croacia, desarrolla su
está por encima de la prerrogativa o el privilegio opinión disidente de la siguiente manera:
de la inmunidad del Estado, con todas las Introducción. El Magistrado Cançado
consecuencias que de ello se deriven, evitando Trindade expresa una opinión disidente
así la denegación de justicia y la impunidad. concerniente a la metodología adoptada por la
No hay inmunidad del Estado por los crímenes Corte, el enfoque perseguido y el razonamiento
internacionales y las violaciones graves de los y la conclusión que la Corte presenta. Comienza
derechos humano y del derecho internacional resaltado que el caso que nos ocupa, que
humanitario. ha dado lugar a graves violaciones de los
derechos humanos y del Derecho Internacional
6. CASO RELATIVO A LA APLICACIÓN Humanitario, amparados en la Convención
DE LA CONVENCIÓN PARA LA PRE- contra el Genocidio, debe estar protegido por la
VENCIÓN Y LA SANCIÓN DEL DELI- Corte y por la realización de la justicia. Lamenta
aquí la lentitud con la que se imparte dicha
TO DE GENOCIDIO DE 1948 (CROA- realización de la justicia. Los 16 años de retraso
CIA CONTRA SERBIA). Fallo de 3 de dejan en evidencia que cuanto más grave es la
febrero de 2015 violación de la ley, más difícil es impartir justicia
(justitia longa, vita brevis).
A. PRESENTACIÓN DEL CONFLICTO Cuando la protección es lo más necesario,
como en el caso que nos ocupa, no puede haber
Las siete repúblicas federales menores,
una fractura en la protección ofrecida por la
Eslovenia, Bosnia y Herzegovina, Croacia,
Convención. La responsabilidad no puede darse
Serbia, Macedonia y Montenegro, formaron
a un Estado extinguido.
desde el final de la II Guerra Mundial hasta 1992
la República Federal Socialista de Yugoslavia.

304
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
Derecho a la Convención por el Principio los ataques en Croacia, como en los informes
de Humanidad. La sucesión automática a hechos por la Comisión de las Naciones Unidas
la Convención contra el Genocidio es un para los Derechos Humanos (1992-1993), por la
imperativo de la humanidad para asegurar la Comisión de Expertos del Consejo de Seguridad
protección de grupos humanos cuando están (1993-1994) o la Segunda Conferencia Mundial
más necesitados. El principio de humanidad de Las Naciones Unidas para los Derechos
impregna en plenitud la Convención contra el Humanos (1993).
Genocidio, la cual está esencialmente orientada El magistrado examina detalladamente el
hacia las víctimas. El principio de humanidad extendido y sistemático modelo de destrucción,
tiene una clara incidencia sobre la protección de el cual abarca ataques indiscriminados contra la
los seres humanos, en particular en situaciones población civil, con asesinatos masivos; torturas
de vulnerabilidad o indefensión. Además, este y peleas; expulsiones sistemáticas de casas;
principio se ha encontrado con reconocimiento destrucción de grupos culturales y violaciones;
judicial, por la parte de los derechos humanos y otros violentos crímenes sexuales, que revelan
contemporáneos, así como por los tribunales la necesidad e importancia de un análisis de
penales internacionales. Graves violaciones de género. Continúa mencionando el panorama
los derechos humanos y actos de genocidio, entre de las desapariciones. Esto es un continuo
otras atrocidades, infringen las prohibiciones quebrantamiento de los derechos humanos y
absolutas del jus cogens. de la Ley Internacional Humanitaria. Con sus
La responsabilidad del Estado y la carga destructivos efectos, esto da testimonio de la
de la prueba. Advierte que tratar de hacer de extensión de víctimas, comprendiendo no sólo
la Convención contra el Genocidio una tarea las personas desaparecidas, sino también sus
imposible, la dejará carente de significado, casi familiares cercanos, quienes no saben el paradero
como una carta muerta. Hace referencia a la de aquellos.
jurisprudencia de los tribunales internacionales Añade que, bajo su punto de vista, la
de derechos humanos (Corte Interamericana evidencia presentada ante la Corte en el
de Derechos Humanos y el Tribunal Europeo presente caso establece claramente la ocurrencia
de Derechos Humanos), los cuales no han de asesinatos masivos de la población civil
perseguido un estricto y alto umbral de prueba croata durante los conflictos armados en
en casos de violaciones de los derechos del ser Croacia, en medio de un sistemático patrón de
humano. Han recurrido a presunciones fácticas violencia extrema, incluyendo también tortura,
e interferencias, así como a cambios de la carga detenciones arbitrarias, palizas, agresiones
de la prueba. Cançado Trindade lamenta que sexuales, expulsiones de casas y saqueos,
este desarrollo jurisprudencial no haya sido desplazamientos y traslados, deportación y
tenido en cuenta por la CIJ en el presente caso. humillación. No fue exactamente una guerra, fue
En palabras del Magistrado, “los intentos un devastador ataque a civiles. No fue sólo una
de imponer un alto umbral para probar el pluralidad de crímenes comunes que no pueden,
genocidio, y para desacreditar la producción de por sí mismo, constituir un genocidio. Añade
evidencias, son más que desafortunados. Esto que las infracciones graves mencionadas de
acabará reduciendo el genocidio a prácticamente derechos humanos y del Derecho Internacional
un crimen imposible de determinar, y a la Humanitario equivalen a las infracciones de
Convención contra el Genocidio a una carta jus cogens, e implican la responsabilidad del
casi muerta. Lo único que puede conseguirse Estado y la reparación a las víctimas. Esto está
así es la impunidad de los perpetradores del en consonancia con la idea de la rectitud que
genocidio y hacer que cualquier esperanza de subyace a la concepción de la Ley en su conjunto.
acceso a la justicia por parte de las víctimas se Asaltos, no guerra. Las pruebas aportadas
desvanezca. La Injusticia remplazaría a la norma ante el Tribunal, en relación con el mencionado
del derecho.” patrón generalizado y sistemático de la
El patrón de destrucción. Cançado Trindade destrucción, muestran que los asaltos armados
observa que la investigación de los hechos en Croacia no eran exactamente una guerra, sino
asumida por las Naciones Unidas contiene más bien un ataque; una de sus manifestaciones
importantes elementos respecto del modelo fue la práctica de marcar croatas con cintas
sistemático y generalizado de destrucción en blancas, o brazaletes, o de colocar sábanas blancas

305
Rocío Abellán Bordallo

en las puertas de sus casas. Otra manifestación Weil, una de las grandes pensadoras del pasado
fue el maltrato por parte de las fuerzas serbias siglo, llamó a la atención de las demandas
de los restos mortales de los fallecidos, croatas completamente injustas por la lucha de poder,
y otros hallazgos sucesivos en numerosas fosas las cuales terminaban victimizando a todos.
comunes. Manifestaciones aclaradas por testigos Desde la Ilíada de Homero hasta la fecha, los
en el interrogatorio de la Corte. Este ataque individuos, no adoctrinados y condicionados por
también supuso la destrucción de patrimonio la guerra y la destrucción, se han convertido en
cultural y religioso (monumentos, iglesias, objetos para la lucha del dominio. Allí ocurre
capillas, muros de la ciudad, entre otros). “the substitution of the ends by the means”,
Actus reus y mens rea. Las pruebas transformando la vida de los humanos en un
aportadas ante el Tribunal en relación con los simple medio, el cual puede ser sacrificado;
pueblos devastados seleccionados, tales como los individuos se abandonan a la “colectividad
Lovas, Ilok, Bogdanovci y Vukovar (en la región ciega”, luchando por el poder (el final)11.”
de Eslavonia Oriental), y Saborsko (en la región de Observaciones. Contrariamente a lo que
Lika), muestran que el actus reus (acto criminal) los discípulos contemporáneos de Jean Bodin y
de genocidio se ha establecido. Además, la Thomas Hobbes probablemente deseen creer, el
intención de destruir (mens rea o dolo directo) Palacio de la Paz de la Haya no se creó para seguir
los grupos propuestos, en su totalidad o en parte, siendo un santuario de la soberanía del Estado.
se pueden deducir de las pruebas presentadas. La Su destino era convertirse en un santuario de
extrema violencia en la comisión de atrocidades la justicia internacional. La Convención contra
da testimonio de esa intención de destruir. el Genocidio está centrada en las personas, y
En conexión con el principio de libre aquí está la necesidad de centrar la atención en
convencimiento de un juez, los valores humanos la preocupación del pueblo, en cumplimiento
han de estar (y están) siempre presentes. Hechos de una perspectiva humanista, a la luz del
y valores van de la mano. La deducción del principio de humanidad. Al interpretar y aplicar
mens rea/dolus specialis, para la determinación la Convención contra el Genocidio, la atención
de responsabilidad por genocidio, comienza debe estar enfocada a las víctimas, en lugar de a
tanto por el libre convencimiento como por la las susceptibilidades interestatales.
conciencia humana. En última instancia, la En opinión del juez Cançado Trindade,
conciencia está por encima, y habla más alto que la evaluación probatoria del Tribunal y la
cualquier decreto. Las pruebas aportadas ante la determinación de los hechos del cas d’espèce
Corte Internacional de Justicia se refieren a la tiene que ser integral y no atomizados. Todas las
conducta general del Estado de que se trate, y no a atrocidades, presentadas a la Corte, conforme
la conducta sólo de los individuos, en cada delito el patrón antes mencionado de la destrucción,
examinado de manera aislada. El expediente han de tenerse en cuenta para la determinación
del presente caso contiene pruebas irrefutables de la responsabilidad del Estado en virtud de
de un patrón generalizado y sistemático de la la Convención sobre el Genocidio. Crímenes a
violencia y la destrucción extrema. gran escala, como la violación y otros delitos de
Reparación y reconciliación. El difícil violencia sexual, la expulsión de los hogares (y la
camino hacia la reconciliación comienza con el falta de vivienda), los desplazamientos forzados,
reconocimiento de que el patrón generalizado y privación de alimentos y atención médica, no
sistemático de destrucción acaba convirtiendo pueden ser minimizados.
en víctimas a ambas partes. El siguiente paso Recuerda que la Convención sobre el
hacia la reconciliación se basa en la provisión Genocidio, que está orientado a las víctimas,
de reparaciones (en todas sus formas). La no se puede abordar de una manera estática, ya
reconciliación también llama a las adecuadas que es un “instrumento vivo”. El Juez Cançado
disculpas, honrando la memoria de las víctimas. Trindade sostiene que el derecho internacional
Otro paso en la misma dirección se encuentra en humanitario consuetudinario y el convencional
la identificación y restitución de todos los restos han de estar en interacción, y no han de
mortales de la otra parte. mantenerse separado el uno del otro. Una
En este apartado vuelve a apoyarse en el violación de las disposiciones sustantivas de la
pensamiento de Simone Weil cuando menciona Convención sobre el Genocidio está destinada
que “en un profundo ensaño (de 1934), Simone a ser una violación del derecho internacional

306
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
consuetudinario en la materia. Agrega que 7. CASOS CONCERNIENTES A LAS
los tratados de derechos humanos (como la
Convención sobre el Genocidio) tienen una
OBLIGACIONES RELATIVAS A LAS
hermenéutica, que aboga por un enfoque integral NEGOCIACIONES SOBRE EL CESE
en cuanto a los hechos y en cuanto a la ley, y no DE LAS ARMAS NUCLEARES Y AL
una atomizada o fragmentada, como persigue la
DESARME NUCLEAR (Islas Marshall
mayoría de la Corte.
El Juez Cançado Trindade se posiciona en
contra Paquistán, India y Reino
contra de la postura de la Corte Internacional de Unido). Fallos de 5 de octubre de
Justicia en la presente Sentencia al atribuir una 2016
importancia general al consentimiento del Estado
individual, lamentablemente, poniéndolo muy A. PRESENTACÓN CONFLICTO
por encima de los imperativos de la realización
de la justicia a nivel internacional. En una esfera La demanda presentada en abril de
como la de los tratados de derechos humanos en 2014 por las Islas Marshall fue inicialmente
general, y de la Convención sobre el Genocidio interpuesta contra nueve potencias nucleares
en particular, el derecho internacional aparece del mundo (Corea del Norte, China, Estados
como necesario, y los derechos protegidos y Unidos, Francia, India, Israel, Pakistán, Reino
los valores humanos fundamentales están Unido y Rusia). Estos países fueron acusados
por encima de los intereses del Estado o de su de no cesar en su carrera armamentística. Dado
“voluntad”. que únicamente Reino Unido, Pakistán e India
habían reconocido la jurisdicción de la CIJ,
El imperativo de la realización de la justicia
fueron los únicos estados que quedaron sujetos
reconoce que la conciencia (recta ratio) está
a la demanda.
por encima de la “voluntad”. El Juez Cançado
Trindade reitera que la Convención sobre el Reino Unido, Estado firmante del Tratado
Genocidio se refiere a los grupos humanos en de No Proliferación Nuclear desde 1968 fue
situación de vulnerabilidad o indefensión; exige acusado de incumplir dicho tratado. India y
una perspectiva centrada en las personas, en las Pakistán, por su lado, no lo habían firmado,
víctimas. Advierte además que la perspectiva motivo por el cual las Islas Marshall invocaron
integral que sustenta a la Convención sobre el el Derecho internacional consuetudinario.
Genocidio es tomar en cuenta “todo el contexto La CIJ se declaró incompetente para juzgar
fáctico del presente caso, y no sólo una muestra de los casos en base a que no existía disputa entre
los sucesos seleccionados en algunos municipios, las partes, por lo que no procedía entrar al
como la mayoría del Tribunal hace”. Su posición examen del fondo del asunto.
disidente se basa no sólo en la evaluación de los
argumentos presentados ante la Corte por las B. OPINIONES DISIDENTES DEL
partes contendientes (Croacia y Serbia), sino MAGISTRADO CANÇADO TRINDADE121314
sobre todo en cuestiones de principio y en los
Prolegómeno. El Juez Cançado Trindade
valores fundamentales, a los que hay que otorgar
presenta los fundamentos de su posición
una importancia aún mayor.
disidente, abarcando tanto razonamiento como
El Juez Cançado Trindade concluye que en los puntos resolutorios, distanciándose así todo
la interpretación y aplicación de la Convención lo posible de la posición mayoritaria de la Corte.
contra el Genocidio, los principios fundamentales
Al analizar, en primer lugar, la cuestión
y los valores humanos ejercen un papel relevante.
de la existencia de una controversia ante el
Existe aquí la primacía de la preocupación por
Tribunal de la Haya, el Juez Cançado Trindade
las víctimas ante la crueldad humana. Después
examina detalladamente la jurisprudencia de
de todo, la razón de humanidad prevalece sobre
la CPJI y CIJ, según la cual hay una disputa
la razón de Estado. En su entender, esto es lo que
cuando hay “un desacuerdo en un punto de
la Corte Internacional de Justicia debería haber
hecho o de derecho, un conflicto de opiniones
decidido en la presente Sentencia en el caso
jurídicas o de intereses entre dos personas”. La
relativo a la Aplicación de la Convención para
existencia de una controversia es una cuestión
la Prevención y la Sanción contra el Genocidio.
de “determinación objetiva” por parte de la

307
Rocío Abellán Bordallo

Corte y la mera negación de la existencia de una fecha para determinar la existencia del conflicto
controversia no prueba su inexistencia. es la fecha de presentación de la demanda
Controversia. El Juez Cançado Trindade (caso de Violaciones Alegadas de Derechos
advierte que el nuevo requisito de la CIJ, por el Soberanos y Espacios Marítimos en el Mar
cual el Estado demandante debe haber notificado Caribe, Excepciones Preliminares, Sentencia
su demanda al Estado demandado y éste debe de 17.03.2016). Como ya se ha visto en su
haberse opuesto, “no es consistente con la jurisprudencia, la CIJ ha tenido en cuenta
constante jurisprudencia de la CPJI y la CIJ hechos posteriores a esa fecha crítica.
sobre la determinación de la existencia de una En palabras del Juez Cançado Trindade,
disputa”. todo esto “genera indebidamente una dificultad
Puesto que los tres Estados demandados para acceder a la justicia (por parte de los
tratan de basarse en un requisito de notificación demandantes) a nivel internacional, en unos
previa o en la prueba de conocimiento previo casos que preocupan a toda la Humanidad. Esto
de la demanda para que exista una controversia es muy lamentable”.
en virtud del Estatuto de la CIJ o del derecho Resoluciones. Se continúa haciendo
internacional general, el Juez Cançado Trindade referencia a la siguiente serie de distintas
añade que “la finalidad de la necesidad de resoluciones de la Asamblea General de la
determinación de la existencia de una disputa ONU sobre armas nucleares y opinio juris: a)
(y su objeto) ante la Corte es permitir que ésta Resoluciones de la Asamblea General de la
ejerza debidamente su jurisdicción: no tiene por ONU sobre Armas Nucleares (1961-1981);
objeto proteger al Estado demandado, sino más b) Resoluciones de la Asamblea General de la
bien y precisamente salvaguardar el ejercicio ONU en Congelar Armas Nucleares (1982-
adecuado de la función judicial de la Corte”. 1992); c) Resoluciones de la Asamblea General
En los presentes casos de las Obligaciones de la ONU Condenado las Armas Nucleares
Relativas a las Negociaciones Sobre el Cese de (1982-2015); d) Resoluciones de la Asamblea
la Carrera de Armas Nucleares y al Desarme General de la ONU Siguiendo la Opinión
Nuclear (Islas Marshall contra Paquistán/ Consultiva de 1996 de la CIJ (1996-2015). Al
India/Reino Unido), la mayoría de la Corte ha respecto el Juez Cançado Trindade recuerda que
establecido el requisito de “conocimiento”, las partes en litigio abordaron las resoluciones
aparentemente “socavando su propia capacidad de la Asamblea General de la ONU referentes al
para deducir la existencia de una disputa por desarme nuclear.
los conflictivos cursos de conducta de las partes Las resoluciones de seguimiento de la
litigantes”. Asamblea General contienen párrafos que hacen
El Juez Cançado Trindade entiende que referencia a la obligación de proseguir y concluir,
la opinión tomada por la mayoría de la Corte de buena fe, las negociaciones conducentes al
en los presentes casos “contradice la propia desarme nuclear, sin hacer referencia al TNP ni
jurisprudencia del Tribunal de la Haya (CPJI y a los Estados Partes en él. Se refieren más bien
CIJ)”, la cual ha adoptado un enfoque mucho a esa obligación como una obligación general,
menos formalista para establecer la existencia sin fundamento en ninguna disposición del
de una disputa. tratado. Todos los Estados, y no sólo los Estados
Partes en el TNP, están llamados a cumplir con
En los casos de Timor Oriental (1995)
prontitud esa obligación que incumbe a todos los
sobre la Aplicación de la Convención contra el
Estados de informar (al Secretario General) sobre
Genocidio (1996) y de Determinados Bienes
el cumplimiento de las resoluciones en cuestión.
(2005), la CIJ ha considerado que posponer
En resumen, “las referencias a todos los Estados
la fecha crítica apoya la constatación de la
son deliberadas y, en ausencia de referencias
existencia de una controversia entre las partes.
a un tratado u otra obligación internacional
A la luz de este planteamiento adoptado por
específicamente impuesta, esto apunta hacia
la propia CIJ en su jurisprudencia anterior, es
una obligación del derecho consuetudinario de
evidente que existe una controversia en el cas
negociar y lograr el desarme nuclear”
d’especie.
Continuando con las resoluciones de
Además, la mayoría de la Corte hace tabula
las Naciones Unidas, destaca su larga saga en
rasa de la exigencia de que “en principio” la
la condena de las armas nucleares, haciendo

308
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia
especial mención a la histórica “Declaración infundada con un componente suicida. Defiende
sobre la Prohibición del Uso de las Armas la existencia de una opinio juris communis en
Nucleares y Termonucleares (24 de noviembre lo que respecta a la ilegalidad y la prohibición
de 1961). Hace también referencia a que las armas de las armas nucleares, y la supervivencia de la
de destrucción masiva has sido ilegalizadas pero, humanidad no puede depender de la “voluntad”
sin embargo, las armas nucleares, mucho más y la insistencia en los “intereses de seguridad
destructivas, no han sido prohibidas todavía, lo nacional” de un puñado de Estados privilegiados.
cual califica de absurdidad jurídica que nutre la La conciencia jurídica universal, concluye, está
miopía positivista. muy por encima de la “voluntad” de los Estados.
Vuelta al Libro del Génesis. Al igual que su Desarme Nuclear y Iusnaturalismo
Opinión Disidente (paras. 488-489) en el caso Respecto a sus consideraciones sobre la ilegalidad
relativo a la Aplicación de la Convención contra de las armas nucleares y la obligación del desame
el Genocidio (Croacia versus Serbia, Sentencia nuclear, abarca y desarrolla puntos como la
de 03.02.2015), el Juez Cançado Trindade condena de todas las armas de destrucción
reflexiona al respecto de que “[l]a presencia del masiva; la prohibición de armas nucleares;
mal ha acompañado y marcado la existencia de las prohibiciones absolutas de jus cogens y la
la humanidad a lo largo de los siglos”, con el humanización del derecho internacional, y los
“creciente desprecio por la vida humana”. Bajo obstáculos del positivismo jurídico. Con esto,
su percepción, “el trágico mensaje del Libro del recalca la necesidad de un enfoque centrado
Génesis parece perenne […] en la actual era en las personas, teniendo en cuenta el derecho
nuclear”. fundamental a la vida.
La Atención de la Carta de las Naciones Advierte que, en el camino hacia el desarme
Unidas a los Pueblos. A continuación otorga nuclear, los pueblos del mundo no pueden
una especial atención a la Carta del as permanecer como rehenes del consentimiento
Naciones Unidas a los Pueblos, al exponer que individual del Estado. Las prohibiciones absolutas
existe una nueva visión que tiene incidencia de la privación arbitraria de la vida humana,
sobre la solución judicial de las controversias la imposición de tratos crueles, inhumanos o
internacionales. Por lo tanto, el hecho de que degradantes y la imposición de sufrimientos
el mecanismo de la CIJ para tramitar los casos innecesarios son prohibiciones del jus cogens,
contenciosos sea interestatal, no significa que tienen incidencia en el DIDH, DIH, DIR y
que su razonamiento también deba perseguir DPI, fomentando el actual proceso histórico de
una dimensión estrictamente interestatal. humanización del derecho internacional.
Dependerá, expone, de la naturaleza y del fondo La opinión disidente del Juez Cançado
de los casos presentados. Este razonamiento, Trindade continúa con un análisis de
más allá de la dimensión interestatal es fiel a pensamiento Iusnaturalista, el cual defiende
la Carta de los Naciones Unidas, siendo la CIJ que la ética no puede separarse del derecho.
“el órgano judicial principal de las Naciones La producción de armas nucleares es una
Unidas”. Concluye diciendo que los presentes ilustración del divorcio entre consideraciones
casos relativos a la obligación del desarme éticas y el progreso científico y tecnológico. Si
nuclear requieren que la atención se centre en los no, las armas que pueden destruir millones de
pueblos, en aras de una perspectiva humanista, civiles inocentes no habrían sido concebidas. Las
más que en las susceptibles interestatales. armas nucleares están en una flagrante brecha
El “Principio” del oro amonedado y con los principios fundamentales del droit de
la Infundada Estrategia de “Disuasión”. A gens, con los del DIH y DIDH así como con el
continuación hace referencia al llamado derecho de las Naciones Unidas.
“principio” del Oro Amonedado, el cual no tiene Asimismo, respecto al principio de
lugar en los presentes casos pues no pertenece humanidad y el enfoque universalista,
al ámbito de la “prima principia”, ya que no recuerda que la perspectiva interestatal provocó
es más que una concesión al consentimiento desastrosas consecuencias durante todo el
estatal, dentro de un marco voluntarista estatal siglo XX. En la actual era nuclear, que abarca
anticuado. las últimas siete décadas, la humanidad en su
El Juez Cançado Trindade habla la conjunto está amenazada.
“Disuasión” pretendida como una estrategia

309
Rocío Abellán Bordallo

La creación de Zonas Libres de Armas conciencia”. Agrega también que los fundamentos
Nucleares. Con un mensaje más esperanzador, del orden jurídico pasaron a ser considerados
menciona con especial detalle los tratados que independientes y trascendentes de la “voluntad”
han ido creando zonas libres de armas nucleares de cada Estado; opinio juris communis llegó a dar
desde la adopción en 1966 del Tratado para la expresión a la “conciencia jurídica”. Este derecho
Proscripción de las Armas Nucleares en América internacional de conciencia es el que gira hacia
Latina y en el Caribe (Tlatelolco), una iniciativa el desarme nuclear, en aras de la supervivencia
que claramente sigue ganando terreno. Todo de la humanidad.
ello refleja una creciente desaprobación, por la
comunidad internacional en su conjunto, de 8. CONCLUSIONES FINALES
las armas nucleares, las cuales constituyen un
Sin duda, las reminiscencias del Juez
agravio a la recta ratio.
Cançado Trindade sirven de ilustración a
Conferencias sobre el Impacto Humanitario estudiosos del Derecho Internacional de los
de las Armas Nucleares. El Juez Cançado Derechos Humanos de las nuevas generaciones.
Trindade examina las recientes Conferencias Tal y como él dice, rescatar la protección
sobre el Impacto Humanitario de las Armas internacional de la persona humana atiende a
Nucleares (en Oslo en marzo de 2013, en una necesidad personal, la de “intentar salvar lo
Nayarit en Febrero de 2014 y en Viena en que para uno es precioso de la tormentosa erosión
diciembre de 2014) y explica que han llamado del tiempo”15. En palabras del magistrado, es
la atención sobre los efectos humanitarios de las necesario seguir impulsando las aproximaciones
armas nucleares, restaurando la posición central entre los complementarios regímenes de
de la preocupación por los seres humanos y protección. Este impulso contribuye a una
los pueblos. Asimismo, estas conferencias han búsqueda de soluciones efectivas y a la mejora
contribuido a una comprensión más profunda de y fortalecimiento de la protección internacional
las consecuencias y riesgos de una detonación de la persona en cualquier situación o
nuclear, y han demostrado su devastadora circunstancia16.
inmediatez, los efectos a medio y largo plazo por
Resultaría conveniente terminar este
el uso y los ensayos de armas nucleares.
artículo destacando la referencia que el Juez
Las iniciativas analizadas en sus Opiniones Cançado Trindade hace en su exposición La
Disidentes van más allá de la perspectiva expansión de la jurisdicción internacional y su
interestatal. En opinión del juez Cançado importancia para la realización de la justicia17, a
Trindade, “existe una gran necesidad de seguir Piero Calamandrei. En esta conferencia rescata
mirando más allá de los Estados para contemplar un escrito de hace casi medio siglo donde
la búsqueda de los pueblos y de la humanidad Calamandrei observa que el término sentencia
para sobrevivir a nuestros tiempos. deriva de la misma raíz etimológica que
Consideraciones finales. En sus “sentimiento”. Es decir, la sentencia no es obra
consideraciones finales, el Juez Cançado sólo del intelecto y de la ciencia, consistente
Trindade entiende que la opinio juris communis en declarar algo que ya existe, sino también
tiene una dimensión mucho más amplia que el es un producto de creación incluso cuando el
elemento subjetivo de la costumbre, siento un juez busca la solución de un trabajo particular
elemento clave en la formación de un derecho guiándose por premisas de orden general y
de conciencia, a fin de librar al mundo de la también por el reconocimiento de ciertos valores
amenaza inhumana de las armas nucleares. superiores. Lo escrito por Calamandrei es la base
Tal y como expone, “opino juris se de las opiniones disidentes de Cançado Trindade
convirtió en un elemento clave en la formación y, consecuentemente, también de este artículo.
misma del derecho internacional, un derecho de

310
El Compromiso del Magistrado Antônio Augusto Cançado Trindade con los Derechos Humanos.
Sus Opiniones Disidentes en la Corte Internacional de Justicia

NOTAS

1. BEA PÉREZ, E., Conversación con Antônio Augusto 10. Opinión Disidente del Juez Cançado Trindade
Cançado Trindade. Reflexiones sobre la Justicia respecto al fallo de la CIJ de 3 de abril de
Internacional, Tirant lo Blanch, Valencia, 2015 disponible en: www.icj-cij.org/docket/
2013, p.11. files/118/18432.pdf.
2. CANÇADO TRINDADE, A. A., La expansión 11. S. Weil, Reflexiones sobre las Causas de la
de la jurisdicción internacional y su importancia Libertad y de la Opresión Social, Barcelona.
para la realización de la justicia, United 12. Opinión Disidente del Juez Cançado Trindade
Nations: Audiovisual Library of International respecto al fallo de la CIJ de 5 de octubre de
Law, The Hage, 2010. 2016 disponible en: http://www.icj-cij.org/
3. CANÇADO TRINDADE, A. A., International docket/files/158/19146.pdf.
Law for Humankind: towards a new Jus 13. Opinión Disidente del Juez Cançado Trindade
Gentium. General Course on Public respecto al fallo de la CIJ de 5 de octubre de
International Law, Martinus Nijhoff 2016 disponible en: http://www.icj-cij.org/
Publishers, 2006, p. 281. docket/files/159/19178.pdf.
4. BEA PÉREZ, E., Conversación con Antônio 14. Opinión Disidente del Juez Cançado Trindade
Augusto Cançado Trindade. Reflexiones sobre respecto al fallo de la CIJ de 5 de octubre de
la Justicia Internacional, Tirant lo Blanch, 2016 disponible en: http://www.icj-cij.org/
Valencia, 2013, p.12. docket/files/160/19210.pdf.
5. Opinión Disidente del Juez Cançado Trindade 15. CANÇADO TRINDADE, A. A., El ejercicio
respecto al fallo de la CIJ de 1 de abril de de la función judicial internacional. Memorias
2011 disponible en: www.icj-cij.org/docket/ de la Corte Interamericana de Derechos
files/140/16414.pdf. Humanos, Del Rey, Belo Horizonte 2011, p. 2.
6. Opinión Disidente Conjunta del Juez Cançado 16. CANÇADO TRINDADE, A. A.,
Trindade y Abdulqawi Ahmed Yusuf respecto al “Aproximaciones y Convergencias Revisitadas:
fallo de la CIJ de 4 de mayo de 2011 disponible Diez Años de Interacción entre el Derecho
en: www.icj-cij.org/docket/files/124/16490.pdf Internacional de los Derechos Humanos, el
7. Opinión Disidente del Juez Cançado Trindade Derecho Internacional de los Refugiados, y el
respecto al fallo de la CIJ de 3 de febrero de Derecho Internacional Humanitario.
2012 disponible en: http://www.icj-cij.org/ 17. CANÇADO TRINDADE, A. A., La expansión
docket/files/143/16891.pdf. de la jurisdicción internacional y su importancia
8. S. Weil, “Réflexions sur les causes de la liberté para la realización de la justicia, United
et de l’oppression sociale”, (Euvres, Paris, Nations: Audiovisual Library of International
Quarto Gallimard, 1999, pp. 273-347. Law.
9. S. Weil, Reflexiones sobre las Causas de la
Libertad y de la Opresión Social, Barcelona, Ed.

311
OS LIMITES DA JURISDIÇÃO PENAL BRASILEIRA
E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INTANGIBILIDADE
DA COISA JULGADA FACE AOS DESAFIOS DA PRÁTICA
DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Silvia Maria da Silveira Loureiro


Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Puc-RJ;
Professora do curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas.

Caio Henrique Faustino da Silva


Acadêmico do curso de Direito pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA;
Bolsista do Programa de Iniciação Científica – Paic/UEA.

Marcello Philippe Martins Aguiar


Mestrando do Programa de Pós-graduação Mestrado em Direito Ambiental
pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA.

RESUMO complexa concertação em nível internacional.


Ademais, evidenciam-se os desafios impostos ao
É sabido que a relação entre o Direito Tribunal e sua aparente periclitação.
Internacional e os ordenamentos jurídicos dos
Estados nacionais é permeada pela constante Palavras chave
tensão entre as forças de ambos os lados,
fenômeno que se manifesta no histórico Direito internacional penal; coisa julgada;
de avanços e retrocessos nas experiências Tribunal Penal Internacional.
normativas em nível internacional. Diante
disso, a presente investigação se constituiu a ABSTRACT
partir de uma revisão bibliográfica e documental, It is well known that the relationship
objetivando analisar o papel da jurisdição between international law and the national
do Tribunal Penal Internacional em face do states legal systems is permeated by the
princípio da coisa julgada no ordenamento constant tension between both sides forces, a
jurídico brasileiro. Para tanto, revisitaram-se phenomenon that is manifested in the history
as bases do Direito Internacional Penal, com of advances and setbacks in international level
especial relevo ao movimento constitutivo do normative experiences. Therefore, the present
Estatuto de Roma e de implementação do TPI. investigation was based on a bibliographical
Em seguida, compreendeu-se a relação entre o and documentary review, aiming to analyze
ordenamento jurídico brasileiro e a jurisdição the role of the International Criminal Court
do TPI na perspectiva do princípio da coisa jurisdiction facing the principle of res judicata
julgada. Por seu turno, verificou-se o papel da in the Brazilian legal system. Thus, the bases of
coisa julgada no quadro do Tribunal Penal International Criminal Law were revisited, with
Internacional. Finalmente, resta considerar special emphasis on the constitutive movement
o complexo movimento de articulação em of the Rome Statute and the implementation
nível internacional para o desenvolvimento do of the ICC. Next, it was comprehended the
Estatuto de Roma e, consequentemente, a criação relationship between the Brazilian legal system
do TPI. Em igual medida, tem-se no princípio da and the jurisdiction of the ICC in the perspective
subsidiariedade da jurisdição do TPI um ponto of res judicata. In turn, the role of res judicata
de inflexão entre uma perspectiva estatocêntrica within the International Criminal Court
e outra internacionalista, manifestação direta da framework was verified. Finally, remains to

313
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

consider the complex movement of articulation de maior gravidade, que afetam a comunidade
at the international level for the Rome Statute internacional no seu conjunto”5, promovendo
development and, consequently, the creation o devido julgamento dos acusados. De outro
of the ICC. To the same extent, the principle lado, o Tribunal Penal Internacional estaria
of subsidiarity in the ICC’s jurisdiction is apto a romper com a seletividade dos tribunais
a point of inflection between a statocentric ad hoc, tais como, o Tribunal Penal para a Ex-
and an internationalist perspective, a direct Iugoslávia6 e Ruanda7, além da Corte Especial
manifestation of the complex concertation at the para Serra Leoa8, das Câmaras Extraordinárias
international level. In addition, the challenges nas Cortes do Camboja9 e do Tribunal Especial
imposed on the Court and its apparent risks are para o Líbano10, constituídos estes três últimos
evidenced. em cooperação com a Organização das Nações
Unidas (ONU).
Keywords Nesse contexto, o presente artigo objetiva
International criminal Law; res judicata; discutir o instituto da coisa julgada em matéria
International Criminal Court. de Direito Processual Penal brasileiro frente a sua
aparente flexibilização no Estatuto de Roma e,
INTRODUÇÃO consequentemente, as limitações supostamente
aplicadas à esta garantia constitucional diante
O exame do Estatuto de Roma e do Tribunal da necessidade de efetividade da jurisdição do
Penal Internacional (TPI) exige uma revisitação Tribunal Penal Internacional.
à recente história do Direito Internacional,
Para tanto, empreendeu-se uma revisão
mais especificamente, deve-se retornar
bibliográfica e documental a fim de compreender
aos dois conflitos globais que modificaram
o Estatuto de Roma, enquanto tratado de
profundamente a forma como a vida em
Direito Internacional Penal, e o Tribunal
sociedade – quer seja ela local ou internacional1–
Penal Internacional, como instituição dotada
passou a ser compreendida a partir da segunda
de mecanismos de aplicação, desenvolvimento
metade do século XX.
e efetivação das normas do Estatuto. Em
Assim, a Segunda Grande Guerra Mundial igual medida, buscou-se verificar a posição
e os fatos seguintes, constituem um verdadeiro da República Federativa do Brasil, no plano
marco para o recente desenvolvimento do Direito internacional, enquanto Estado-parte do
Internacional Humanitário e, conseqüentemente, Estatuto de Roma, subordinado à jurisdição
do Direito Internacional Penal, na medida em que do Tribunal, e, simultaneamente, no plano
não basta reconhecer determinada conduta como nacional, enquanto Estado constitucional
crime e ilegalizá-lo internacionalmente. É preciso compromissado com o respeito às garantias
preveni-lo e puni-lo2. Era preciso caminhar para fundamentais previstas na Carta de 1988. Em
superação da ideia de inimputabilidade dos específico, fora analisado o tratamento dado
governantes, a qual só viria a ser mudada na pelo Direito Processual brasileiro ao instituto da
segunda metade do século XX3. coisa julgada em face da jurisdição do TPI.
E, indo mais além da responsabilização Enfim, a investigação se justifica em
internacional do Estado em matéria de face da imperiosidade da defesa dos direitos
Direito Internacional dos Direitos Humanos, humanos e sua estreita relação com o recente
tem-se erigido um novo marco para o desenvolvimento do Direito Internacional Penal,
Direito Internacional Penal: assegurar a materializado na jurisdição do Tribunal Penal
responsabilização do indivíduo perpetrador Internacional. Em particular, a relevância da
de “atrocidades inimagináveis que chocam presente pesquisa se funda no fato de que o tema
profundamente a consciência da humanidade”4, da intangibilidade da garantia da coisa julgada
através da instituição de uma jurisdição ainda é delicado para a doutrina, - a qual foi
internacional penal permanente e independente. erigida à categoria de princípio do direito penal
Para tanto, instituiu-se um tribunal e processual penal -, mas tem sido desafiada
internacional capaz de superar de um lado, pela atuação da jurisdição do Tribunal Penal
o sentimento de impunidade frente a não Internacional.
responsabilização dos autores de tais “crimes

314
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional

2. O LONGO CAMINHO PARA ROMA in cases in genocide over which the jurisdiction
of the proposed court was automatic”.16
A versão final e a consequente aprovação
Diante da importância do referido
do Estatuto de Roma compreendem mais de um
documento, a Assembleia geral estabeleceu
século de relações diplomáticas, reviravoltas,
um Comitê de Preparação para desenvolver
avanços e retrocessos que culminaram em um
um estatuto capaz de ser aceito pelos Estados
surpreendente desenlace. Ao reconstruir as
membros e pela sociedade civil internacional.
bases dos processos negociais que deram origem
Entre os anos de 1996 e 1998 o referido comitê
ao referido Estatuto e instituíram o Tribunal
estabeleceu uma complexa rede de diálogos e
Penal Internacional, percebe-se o inegável legado
sessões de trabalho e consulta que culminaram
trágico deixado pelos dois maiores conflitos
na versão final do Estatuto apresentada na
armados em escala global.11 Isto é, a violência
Conferência Diplomática de 15 de junho de
e a selvageria das ações cometidas no curso
1998.
da Primeira e da Segunda Grandes Guerras
Mundiais, as quais incitaram os países e suas Sediada no prédio da Organização das
lideranças a se mobilizarem a fim de concertarem Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
interesses e esforços capazes de minorar o – FAO na cidade de Roma, a conferência de
recente e radical histórico do século XX.12 Plenipotenciários congregou uma série de
fatores que levaram ao improvável resultado,
Neste cenário, considerando o contributo
o consenso acerca do Estatuto. Segundo
experiencial deixado pelo Tribunal Internacional
Sadat17, quatro foram os fatores principais que
Militar de Nuremberg e pelo Tribunal
contribuíram para a concertação: primeiro, a
Internacional Militar para o Extremo Oriente
colaboração de um considerável bloco de Estados
(nomeadamente o Tribunal de Tóquio); a
que, desde 1994, militavam pelo Tribunal;
Assembleia Geral da ONU convidou a Comissão
segundo, a construção de uma poderosa rede
de Direito Internacional (CDI) para estudar
de ONGs – conhecida como The Coalition for
a possibilidade de se estabelecer um órgão
the International Criminal Court – imbuída em
jurisdicional internacional competente para
informar e convencer as pequenas delegações
julgar indivíduos acusados de genocídio e outros
que participaram da Conferência; terceiro, o
graves crimes de repercussão internacional.
forte compromisso e atuação dos líderes da
Assim, a referida comissão embarcaria em
ONU à época; quarto, as recentes experiências
uma fifty-tear long odyssey.13 Em 1989, a
dos tribunais ad hoc os quais mostraram a
questão proposta pela Assembleia à Comissão
possibilidade em se instituir um tribunal para
de estudos retorna a agenda internacional,
tal matéria.
sendo apresentado em 1994 um esboço final
do Estatuto o qual serviria como texto-base Os trabalhos iniciados no dia 15 de junho
para o estabelecimento do Tribunal Penal de 1998 se arrastariam até 17 de julho daquele
Internacional.14 ano, tendo o texto do Estatuto resistido às
diversas escaramuças – capitaneadas pelos
No referido documento, constavam as
Estados Unidos da América (EUA). Presentes
cinco categorias de crimes sobre as quais
162 Estados, 120 votaram favoravelmente, 07
recairia a competência do tribunal, bem como
contra (EUA, Índia, China, Sri Lanka, Israel,
foram evidenciados os contornos do principio
Filipinas e Turquia) e 21 Estados se abstiveram.
norteador da atividade jurisdicional do TPI, isto
Contudo, a despeito de sua aprovação, o Estatuto
é, o princípio da complementaridade.15
só entrou em vigor em 2002 após o depósito
Contudo, além dos desafios inerentes ao do sexagésimo instrumento de ratificação
ambicioso projeto – estabelecer um tribunal junto à secretaria geral da ONU. O papel do
internacional competente para processar e Estatuto de Roma e, consequentemente, do
julgar indivíduos acusados de graves crimes Tribunal Penal Internacional ainda é tema
com repercussão internacional – restava definir de certa controvérsia. Isto é, de um lado, o
o funcionamento e a forma de recepção das Tribunal é visto como um importante passo
denúncias submetidas ao TPI. No texto-base rumo à consolidação e ampliação de um
apresentado em 1994, todos os casos estariam sistema global de reconhecimento, afirmação
condicionados “either the consent of the e proteção dos Direitos Humanos na medida
implicated State or the Security Council, except em que supera a perspectiva estatocêntrica das

315
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

relações internacionais, passando a considerar competência em razão do local de cometimento


a responsabilidade individual nos crimes de sua dos crimes. No bojo das discussões iniciais do
competência, devendo, ainda, ser observado Estatuto, foram levantados também outros
como a Constituição de uma instituição.18 Por pontos: Quais as condições de procedibilidade
outro lado, chega a ser considerado “uma falácia e de admissibilidade necessárias para que o
chamada Tribunal Penal Internacional”19 e um Tribunal exercesse sua jurisdição? Qual o órgão
mecanismo de perseguição dos Estados em competente para instar a ação do Tribunal?24
posição de vulnerabilidade. Diante disso, restaria imperativo definir os
Para além de tais divergências, deve- limites e balizas para a ambiciosa empreitada,
se considerar o Tribunal Penal Internacional nomeadamente a criação de um tribunal
como órgão associado às Nações Unidas, ambos permanente em matéria de direito penal
norteados por objetivos comuns constantes competente para julgar indivíduos nacionais dos
no preâmbulo da Carta das Nações Unidas, e países que se submeteram a sua jurisdição.
compartilhados pelo preâmbulo do Estatuto É sobre essas questões que se debruçará a
de Roma, nomeadamente a paz, a segurança e presente seção.
a justiça20; sendo o Tribunal órgão integrante
do sistema de segurança coletivo das Nações 3.1 O Tribunal Penal Internacional e
Unidas.21 A relação supracitada se confirmou a
partir do estabelecimento do Acordo de Relação
sua competência
celebrado entre o Tribunal e as Nações Unidas Frente ao audacioso plano de instituir o dito
cujo objeto envolve cooperação interinstitucional Tribunal, seria necessário, dentre outras questões
e intercambio de informações.22 Finalmente, de fundo, responder aos questionamentos supra
cumpre salientar a independência e permanência evidenciados. Para tanto, a missão ficaria sob
do Tribunal Penal Internacional, sem olvidar a sua a responsabilidade do Comitê de Preparo que,
estreita relação com o sistema ONU de proteção durante grande parte dos trabalhos, buscou
dos Direitos Humanos. Ademais, quando construir um caminho de consenso em matéria
compreendido o quadro das transformações de competência25.
sociais, politicas, econômicas e jurisdicionais Para que seja possível revisitar as bases
internacionais, o Tribunal Penal Internacional fundamentais para a competência do Tribunal,
figura como importante manifestação da noção é necessário considerar o caráter das disposições
de justiça internacional de transição, guardando contidas no Estatuto de Roma. Segundo
estreita relação com seus princípios norteadores, Urquiaga26, o Estatuto possui normas de natureza
especialmente os Princípios de Chicago.23 distinta, a saber: a) normas substantivas cujo
conteúdo é a descrição penal dos crimes sobre
3. O ESTATUTO DE ROMA E O os quais o TPI poderá exercer competência; b)
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: normas procedimentais que regulam de forma
UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O geral o procedimento penal ante o TPI; c)
normas orgânicas relativas ao estabelecimento,
DIREITO INTERNACIONAL PENAL organização e funções do Tribunal; d) normas
Nas determinações do artigo 1º do Estatuto, gerais que estabelecem regras que regerão a
o Tribunal Penal Internacional é criado como interpretação e aplicação do Estatuto como
uma instituição permanente, com sede na cidade tratado internacional.
da Haia (Holanda) e jurisdição sobre as pessoas Assim, o caminho para a definição da
responsáveis pelos crimes de maior gravidade competência ratione materiae do Tribunal passa,
com alcance internacional, sendo sua atuação preliminarmente, pela definição do conjunto de
complementar às jurisdições penais nacionais. core-crimes definidos como objeto de sua ação.
Quando da elaboração do Estatuto de Roma Destarte, a despeito dos esforços do comitê para
e, consequentemente, da instalação do Tribunal a construção de um rol mais amplo assentado
Penal Internacional, surgiram questões sobre a não apenas nos tipos contidos no Estatuto, mas
competência em razão da matéria a ser apreciada contemplando crimes presentes em demais
pelo Tribunal, sobre a delimitação temporal de tratados; restou definido – frente à crescente
sua competência, sobre as pessoas que estariam resistência dos Estados – que o Tribunal
sujeitas à sua jurisdição, ou ainda sobre sua seria competente para tratar de situações

316
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
que envolvessem apenas as categorias/crime TPI poderá exercer sua jurisdição será o mesmo
contidas no Estatuto27. Logo, ficaria definida dos estados membros, sendo reconhecida as
no artigo 5º do Estatuto que a competência do mesmas regras referentes a extraterritorialidade
Tribunal estaria limitada aos crimes mais graves da lei penal, nomeadamente abrangendo os
de transcendência internacional definidos no atos perpetrados a bordo de navios e aeronaves
corpo do próprio estatuto, quais sejam, o crime nacionais respeitando o espaço aéreo e as águas
de genocídio, os crimes contra a humanidade, os territoriais sobre as quais o Estado exerça
crimes de guerra e o crime de agressão28. jurisdição30.
E, no que tange a competência em razão da
pessoa, o Estatuto define nos artigos 1º, 27 e 28 3.2 A Jurisdição do Tribunal Penal Inter-
que os réus a serem submetidos a sua jurisdição nacional e o Princípio da Comple-
não são aqueles delinquentes ordinários, pois a mentaridade
competência do TPI se exerce sobre os ocupantes
de altos cargos de governo e comando, tais como Vistos os aspectos fundamentais de
os chefes de Estado ou de Governo, os membros sua competência, passa-se ao estudo do
de Governo ou do Parlamento, os representantes funcionamento da jurisdição do TPI, partindo-
eleitos ou funcionários públicos, bem como se da disposição do artigo 4º. do Estatuto que
os chefes militares ou outros superiores determina que o Tribunal é uma pessoa jurídica
hierárquicos, desde que maiores de dezoito anos de Direito Público Internacional possuindo
no momento do cometimento dos crimes. capacidade plena para o desempenho de suas
Por conseguinte, para que haja efetividade atividades e função precípua. Ademais, a
de suas normas sobre tais classes de pessoas, jurisdição do Tribunal não pode ser considerada
o TPI precisou romper com a tradição do estrangeira, mas sim internacional, podendo
direito interno e internacional, no que se afetar todo e qualquer Estado membro da sua
refere à outorga de privilégios e imunidades Assembleia de Estados ou da Organização das
a tais pessoas em razão do cargo que ocupam. Nações Unidas, dada à especial relação que
Nesse sentido, o Estatuto é claro ao determinar mantém com esta última (artigo 2º.)31. Logo,
sua aplicação isonômica a todas as pessoas, uma vez reconhecida a personalidade jurídica
independentemente de sua qualidade oficial, a do Tribunal e sua jurisdição internacional,
qual não a eximirá de responsabilidade criminal, quais seriam os fundamentos, limites e normas
nem constituirá de per se motivo de redução da capazes de balizar a atuação do TPI?
pena. Apesar da atenção dada pelo comitê de
No que concerne a competência em razão preparação e seus efeitos na versão final do
do tempo, a competência do Tribunal Penal Estatuto de Roma, à temática da delimitação da
Internacional é, em regra, irretroativa, estando competência do Tribunal Penal Internacional,
limitada ao tempo da entrada em vigor do fez surgir certo desacordo quando da análise
Estatuto enquanto tratado internacional - após do Estatuto e de seu processo de ratificação
cumpridas as 60 assinaturas necessárias – em 1º pelos Estados partes. Com o fito de reduzir
de julho de 2002, ou, posteriormente, nos casos as resistências dos Estados nacionais, o
em que os Estados tenham ratificado o Estatuo Estatuto elege como principio fundamental
após sua entrada em vigor internacionalmente. a complementaridade da sua atividade
Dessa forma, o TPI não poderá conhecer jurisdicional. Assim, o dito princípio poderia ser
sobre nenhum crime cometido anteriormente entendido como:
a entrada em vigor do Estatuto. Contudo, La complémentarité de la CPI est à notre
devem-se considerar as determinações contidas avis au coeur de l’architecture du Statut de
nos artigos 11 e 12 e a capacidade do Estado – Rome puisqu’elle met en relation la Cour
quando da ratificação – submeter ao tribunal en tant qu’institution internationale et les
crimes ocorridos antes da ratificação pelo próprio États parties et non parties Le Statut de Rome
Estado, estando a declaração limitada pela semble être un équilibre ou un compromis
data da entrada em vigor do próprio Estatuto acceptable pour les États qui l’ont ratifié,
entre le espect de leur souveraineté et le
enquanto tratado internacional29.
développement d’une institution judiciaire
Por seu turno, o Estatuto define no artigo autonome et indépendante32.
12 que, em princípio, o território sobre o qual o

317
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

Diante disso, teria o principio da as condições de admissibilidade do processo


complementaridade uma dupla finalidade: perante o TPI (artigos 17 a 19), e c) o princípio
por um lado, garantir a jurisdição originária do non bis in idem (artigo 20).
dos Estados partes e, por outra via, assegurar
o julgamento dos casos nos quais faltam a) Condições de Procedibilidade
instrumentos jurídicos (aqui entendidos como Sob a epígrafe de “exercício da jurisdição”,
um arcabouço jurídico-normativo) e/ou a falta de o artigo 13 do Estatuto de Roma estabelece as
agir do Estado33. O referido principio se encontra hipóteses de submissão de um caso à apreciação
em consonância com o conteúdo do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Observada sua
uma vez que “That provision specifies that a competência material, o referido dispositivo
case is ‘inadmissible’ before the ICC if there franqueia o exercício da jurisdição do Tribunal
are national investigations and/or prosecutions, se um Estado Parte ou o Conselho de Segurança
unless the state demonstrates an unwillingness da ONU apresentarem uma denúncia, ou ainda
or inability to investigate or prosecute the case”34. se o Procurador do TPI iniciar a investigação de
Assim, o principio da Complementariedade um crime de sua competência.
assumiria um papel fulcral para a validade, Nessa etapa de exame preliminar, em
legitimidade e efetivação de um tribunal que uma situação na qual crimes relevantes
internacional permanente em matéria penal de competência do Tribunal parecem ter
uma vez que “ensures that the ICC is nothing sido cometidos e sendo os fatos informados
more and nothing less than an international ao Procurador, este pode tomar as seguintes
court of “last resort, supposedly stepping back providências: No caso de denúncia feita por
where the States themselves can and want to um Estado ou pelo Conselho de Segurança da
deal with international crimes”35. O princípio ONU, se considerar as informações recebidas
dacomplementaridade, igualmente entendido suficientes, o Procurador pode abrir o inquérito.
como sistema, funcionaria como “a system to No segundo caso, em que o Procurador toma
encourage and facilitate the compliance of states conhecimento das informações e decide abrir
with their responsibility to investigate and um inquérito por iniciativa própria deve pedir
prosecute international core crimes”36. autorização ao Juízo de Instrução do TPI.
O exame do principio da complementaridade
– quer seja entendido como elemento b) Condições de Admissibilidade
principiológico em matéria de Direito Processual
Com fulcro no princípio da
ou norma geral – pode ser compreendido
complementaridade, o artigo 17 do Estatuto de
como um imperativo de admissibilidade de
Roma estabelece as condições de admissibilidade
determinado caso; o que não afetaria, quando
dos casos levados ao conhecimento do Tribunal
do caso concreto, a existência da jurisdição
Penal Internacional, decidindo que um caso não
do Tribunal37. Contudo, uma vez revisitadas
será admissível se:
as bases fundamentais do Tribunal Penal
Internacional, surge o seguinte questionamento: a) O caso for objeto de inquérito ou de
Qual a posição ocupada pelo instituto da Coisa procedimento criminal por parte de um
Julgada – elevada na maioria das vezes a categoria Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo,
de princípio – oriunda da atividade jurisdicional salvo se este não tiver vontade de levar a
de um tribunal nacional signatário do Estatuto -, cabo o inquérito ou o procedimento ou, não
tenha capacidade para o fazer;
quando da submissão do caso ao Tribunal Penal
Internacional? b) O caso tiver sido objeto de inquérito por
Para que se possa iniciar a resposta a estes um Estado com jurisdição sobre ele e tal
questionamentos, é mister examinar três temas Estado tenha decidido não dar seguimento
entrelaçados à jurisdição e ao princípio da ao procedimento criminal contra a pessoa
em causa, a menos que esta decisão resulte
complementaridade, disciplinados pelo Estatuto
do fato de esse Estado não ter vontade
de Roma que bem entendidos, demarcam as de proceder criminalmente ou da sua
fronteiras entre a atuação da jurisdição nacional incapacidade real para o fazer;
e o funcionamento da jurisdição do TPI, quais
sejam, a) as condições de procedibilidade de c) A pessoa em causa já tiver sido julgada
um caso perante o TPI (artigos 13 a 16); b) pela conduta a que se refere a denúncia,

318
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
e não puder ser julgada pelo Tribunal em (...) o Tribunal verificará se o Estado,
virtude do disposto no parágrafo 3o do por colapso total ou substancial da
artigo 20; respectiva administração da justiça ou por
indisponibilidade desta, não estará em
d) O caso não for suficientemente grave condições de fazer comparecer o acusado,
para justificar a ulterior intervenção do de reunir os meios de prova e depoimentos
Tribunal. necessários ou não estará, por outros
motivos, em condições de concluir o
Sintetizando, pelo princípio da processo.
complementaridade, o TPI não é a jurisdição
originária para julgamento dos graves crimes Corroborando com a sistemática até aqui
de sua competência, devendo esperar, examinada, o artigo 18 do Estatuto prevê que,
primeiramente, a atuação séria e efetiva do se a denúncia tiver sido formulada por um
Estado onde o crime ocorreu ou do Estado Estado parte ou o inquérito tenha se iniciado por
de nacionalidade do réu. Porém, se o Estado iniciativa do Procurador, este deverá notificar
não tiver “vontade” ou “capacidade real” para todos os Estados que tenham jurisdição sobre tais
proceder ao inquérito, julgamento e sanção do crimes, para que os Estados notificados, dentro
réu, o TPI admitirá o caso. Ademais, o TPI não de um mês tomem a seguinte providência:
admitirá o caso em que o réu esteja protegido
(...) qualquer Estado poderá informar o
pela garantia da coisa julgada (princípio do ne bis
Tribunal de que está procedendo, ou já
in idem) ou que o crime não tenha a gravidade
procedeu, a um inquérito sobre nacionais
suficiente para justificar a atuação do Tribunal. seus ou outras pessoas sob a sua jurisdição,
Em seguida, para tornar a avaliação do por atos que possam constituir crimes a
Tribunal o mais objetiva possível, o item 2 que se refere o artigo 5o e digam respeito
do artigo 17 elenca os critérios que devem ser à informação constante na respectiva
examinados a fim de se determinar se há ou não notificação. A pedido desse Estado, o
Procurador transferirá para ele o inquérito
“vontade” de agir por parte de um Estado num
sobre essas pessoas, a menos que, a pedido
determinado caso, com base nas garantias de do Procurador, o Juízo de Instrução decida
um processo equitativo reconhecidas pelo direito autorizar o inquérito.
internacional, a saber:
Note-se, por um lado, que, mesmo após
a) O processo ter sido instaurado ou estar
a transferência do inquérito, o Procurador
pendente ou a decisão ter sido proferida no
Estado com o propósito de subtrair a pessoa
continuará a vigilância sobre as condições de
em causa à sua responsabilidade criminal “vontade” e “capacidade” do Estado para levar
por crimes da competência do Tribunal, a cabo o processo internamente. Por outro lado,
nos termos do disposto no artigo 5o; nos termos do artigo 19, é facultado não apenas
ao acusado impugnar a jurisdição do Tribunal
b) Ter havido demora injustificada ou a admissibilidade do caso, mas também
no processamento, a qual, dadas as
um Estado que detenha o poder de jurisdição
circunstâncias, se mostra incompatível
com a intenção de fazer responder a pessoa
sobre um caso, pelo fato de o estar investigando
em causa perante a justiça; ou julgando, ou por já o ter feito antes” pode
proceder a esta impugnação.
c) O processo não ter sido ou não estar A referida impugnação deve ser feita, de
sendo conduzido de maneira independente
regra, uma única vez, antes do julgamento ou
ou imparcial, e ter estado ou estar sendo
conduzido de uma maneira que, dadas as no seu início, salvo autorização em contrário do
circunstâncias, seja incompatível com a Tribunal e pode estar fundamentada na alegação
intenção de levar a pessoa em causa perante de que a pessoa em causa já foi julgada pela
a justiça; conduta a que se refere a denúncia, não podendo,
por conseguinte, ser julgada pelo Tribunal em
O item 3 do mesmo artigo 17, por sua vez, virtude do princípio do ne bis in idem.
oferece critérios para a avaliação da “capacidade”
de agir do Estado em um determinado caso, para c) Princípio do Non Bis In Idem
proceder à investigação, julgamento e sanção
dos responsáveis pelos crimes cometidos: Aliado às questões de procedibilidade e
admissibilidade, está o princípio do ne bis in

319
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

idem, insculpido no artigo 20 do Estatuto. a partir do princípio The law of the land: o
Este princípio pode ser visto sob três aspectos princípio da lei da terra. Com base no referido
diferentes: Primeiramente, como uma garantia princípio, ninguém poderia ser processado ou
do réu sob a jurisdição do TPI, O item 1 julgado senão de acordo com a lei da terra, ou
determina que “salvo disposição contrária do seja, se um indivíduo pratica um ato que o fará
presente Estatuto, nenhuma pessoa poderá ser ser levado a julgamento, é necessário que antes
julgada pelo Tribunal por atos constitutivos de da prática do ato haja uma lei definindo-o como
crimes pelos quais este já a tenha condenado infração. Seu desenvolvimento nos Estados
ou absolvido”. Em segundo lugar, o Estatuto Unidos da América, séculos mais tarde, se
também prevê, no item 2, sob o manto deste manifesta na quinta emenda, nomeadamente
mesmo princípio, que nenhuma pessoa poderá através do due process of law. No Brasil, a ideia é
ser julgada por outro tribunal por um crime a que vista tanto no princípio do devido processo legal,
já tenha sido condenado ou absolvido pelo TPI. como no princípio do direito penal que exige
Por fim, em terceiro lugar, o item 3 assevera que lei penal anterior para configurar um ato como
o TPI não poderá julgar uma pessoa que já tenha infração penal punível (princípio da legalidade),
sido julgada por outro tribunal por atos punidos bem como no respeito à coisa julgada.
também como crimes previstos no Estatuto. E, revisitando a Magna Carta, extrai-se a
Contudo, a regra do item 3 do artigo 20 tem ideia de que “nenhum homem livre será detido
exceções que se coadunam com as condições ou preso, nem privado de seus bens, banido
de admissibilidade de um caso perante o TPI, ou exilado, ou de algum modo, prejudicado,
nos moldes do artigo 17 supracitado. Em outras nem ou se agirá ou se mandará agir contra ele,
palavras, o TPI poderá julgar uma pessoa, mesmo senão mediante um juízo legal de seus pares ou
que ela já tenha sido julgada por outro tribunal, se: segundo a lei da terra”38.
a) este julgamento tenha tido por objetivo subtrair Assim, resta interessante a lição de
o acusado à sua responsabilidade criminal por Carnelutti que assevera o nascimento da coisa
crimes da competência do Tribunal; ou b) este julgada a partir do encerramento da ação a qual
julgamento não tenha sido conduzido de forma “se dá por esgotamento, não pelo cumprimento
independente ou imparcial, em conformidade da sua finalidade, e o seu final mais pode ser
com as garantias de um processo equitativo comparado com uma morte, do que com um
reconhecidas pelo direito internacional, ou c) tal encerramento cabal; é preciso resignar-se e
processo tenha sido conduzido de uma maneira conformar-se com isso”39.
que, no caso concreto, se revele incompatível
No Brasil, a proibição de ofensa à coisa
com a intenção de submeter a pessoa à ação da
julgada penal está inserida na Constituição da
justiça.
República como direito fundamental de toda e
Postas todas essas questões, como se qualquer pessoa, não sendo lícito que o estado,
deve conciliar então a garantia da coisa julgada através dos seus agentes, possa violá-la40. E,
prevista no ordenamento jurídico brasileiro, com em nível regional, o Pacto de San José da Costa
envergadura constitucional, com as condições Rica41 também veda que alguém seja processado,
de procedibilidade e admissibilidade de um caso duas vezes, pelo mesmo fato.
perante o TPI, bem como com as exceções ao
O fundamento da autoridade da coisa
princípio do ne bis in idem previstas no Estatuto
julgada está na necessidade de se aplicar e
de Roma a bem da efetividade da jurisdição
assegurar o respeito ao ordenamento jurídico
internacional penal?
estatal e, sobretudo, o funcionamento deste
como instrumento de garantia dos direitos
4. A COISA JULGADA NO PROCESSO fundamentais dos indivíduos42.
PENAL E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Assim, no Processo penal a coisa julgada
DE 1988: UMA GARANTIA DO pode ser compreendida como um sistema
RÉU composto por dois estágios distintos entre si: no
primeiro, relativamente julgado, o conteúdo da
A coisa julgada tem sua origem histórica
sentença goza de uma proteção parcial, podendo
consolidada na Magna Carta Libertatum – 1215
ser modificado, através da revisão criminal em
(ou a Grande Carta das Liberdades). Assim,
razão de se constituir sentença condenatória
identifica-se a coisa julgada na referida carta
(art. 621 do CPP); no segundo, soberanamente

320
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
julgado, quando se tratar de sentença Por seu turno, a Coisa Julgada é considerada
absolutória (ou de extinção da punibilidade), material quando não se pode mais avaliar aquilo
estará protegido soberanamente. Não podendo, que foi objeto da sentença em qualquer outro
exemplificativamente, ser desfeita por revisão processo. Abarca, pois, a proteção da coisa
criminal, por não se permitir, no Brasil, revisão julgada material a sentença em relação a qualquer
criminal pro societate43. juízo, enquanto a formal se dirige ao processo
Dessa forma, boa parte da doutrina nacional específico em que foi prolatada. E, segundo
propugna que a possibilidade de se submeter Pacelli, nenhum outro órgão do Judiciário
os fatos a novo julgamento iria produzir como poderá rever aquela decisão, se já transitada em
consequência a incerteza perpétua dos direitos, julgado, diante da impossibilidade de se proceder
não obstante tornar irretratável uma decisão a qualquer alteração na nova ação penal, no que
injusta seria colocar o império da lei a serviço diz respeito ao fato narrado50, estar-se-ia diante
de uma injustiça para oprimir a justiça44. E, da coisa julgada material.
segundo Renato Brasileiro, deve-se considerar A distinção entre coisa julgada material e
que “a partir do momento em que uma decisão formal pode ser clarificada no seguinte trecho:
judicial é proferida, temos que, em determinado
Esse impedimento de modificação da
momento, ela tornar-se-á imutável e indiscutível
decisão por qualquer meio processual
dentro do processo em que foi proferida, seja dentro do processo em que foi proferida
porque não houve a interposição de recursos é chamado de coisa julgada formal, ou
contra a decisão, seja porque todos os recursos ainda, de preclusão máxima [...] A coisa
cabíveis foram interpostos e decididos”45. julgada material projeta-se para fora do
Diante disso, com acuidade, compreende- processo, tornando-se a decisão imutável e
se “a Coisa Julgada, não como um efeito, mas indiscutível além dos limites do processo
em que foi proferida. Como se percebe, a
como uma qualidade da decisão judicial da
coisa julgada material pressupõe a coisa
qual não caiba mais recurso. É a imutabilidade julgada formal, mas o inverso não ocorre51.
da sentença, de modo a impedir a reabertura
de novas indagações acerca da matéria nela Ainda na análise da coisa julgada, é
contida”46. imperioso evidenciar os limites da coisa julgada
Segundo Hélio Bastos, Coisa julgada, em relação ao seu conteúdo, ou ainda, o caráter
portanto, é a própria matéria discutida, depois de suas determinações. Isto é, caso uma pessoa
que o Juiz se pronuncia, sem mais qualquer seja absolvida por decisão judicial transitada
possibilidade de recurso ou de mudança de em julgado em virtude da prática de um crime,
decisão”47. Em virtude disso, quando o juiz não se admite a instauração de novo processo
reconhece o direito de uma das partes, resta penal em relação a mesma imputação, ainda que
dizer que a coisa está julgada, significa afirmar a a capitulação formulada na segunda denúncia
intangibilidade desse direito, nos termos em que se refira ao mesmo crime. Assim, por força do
a sentença o definiu. Com isso a sentença passa princípio do ne bis in idem processual, ninguém
a vigorar como a “força de lei”48. pode ser processado duas vezes pela mesma
Vale salientar, acompanhando o imputação52, verifica-se o viés/limite objetivo do
entendimento doutrinário brasileiro, que a referido instituto jurídico.
coisa julgada pode ser formal ou material. É tida E, no que se refere ao limite subjetivo da
como formal quando impossibilita a rediscussão coisa julgada, de nada adianta a delimitação
de uma matéria unicamente em relação ao fática que está protegida pela coisa julgada se
procedimento em que foi proferida, por exemplo, tais limites objetivos não estiverem vinculados
decisão que inadmita o assistente, por força do à determinada pessoa. Dessa forma, “os
art. 273 do Código de Processo Penal. Neste limites subjetivos são dados pela identidade
sentido, Pacelli Oliveira assevera que há, com do imputado ou imputados, fixando-se, assim,
efeito, decisões judiciais que, quando passadas a impossibilidade de novo processamento em
em julgado, impedem rediscussão da matéria relação à mesma imputação e mesmo acusado”53.
unicamente em relação ao contexto em que foi E, para que a regra da coisa julgada possa
proferida e especificamente no processo em cujo produzir seus efeitos impeditivos à instauração
curso foi prolatada. Fala-se, então, em coisa de um novo processo penal, a imputação deve
julgada formal49. ser idêntica, o que somente é possível quando

321
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

tiver por objeto a mesma conduta atribuída a Por seu turno, o parágrafo 4º do artigo 5º
igual pessoa. supracitado favorece a importância do exercício
Portanto, percebe-se que, quando da jurisdição complementar e subsidiária do TPI,
determinada decisão judicial em matéria penal sendo possível identificar os mesmos princípios
faz coisa julgada, o entendimento é que se torna norteadores da legislação penal e processual
muito difícil modificá-la, exceto em uma revisão penal brasileira esculpidos no Estatuto de Roma.
criminal, esta, no entanto, não pode ser feita Assim, deve ser afastado, de pronto, qualquer
em prejuízo do réu. Diante disso, questiona-se: discurso relativo à antinomias e/ou violação da
deve-se tomar a coisa julgada como princípio soberania brasileira.
e, consequentemente, elemento indiscutível, No que tange particularmente ao supracitado
apoiada na ideia de que “não há justiça inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição
perfeita, nem decisão judicial sagrada”54 tendo Federal, pode-se afirmar que o incauto exegeta
a “falibilidade humana” na administração da lei pode crer que está diante do fundamento
penal como uma “faca de dois gumes”, ou seja, constitucional que afastaria a tutela jurisdicional
que pode existir para condenar ou absolver55? do TPI quando da existência de coisa julgada
Indaga-se, assim, e quando determinado emanada dos Tribunais brasileiros. Todavia, o
país realiza o julgamento de determinadas princípio da complementaridade da jurisdição
autoridades com a intenção de camuflar a do TPI, aliado à previsão constitucional expressa
aplicação da lei penal, de forma a não permitir na Constituição Federal acerca da submissão do
um novo julgamento por outro tribunal, no caso Estado brasileiro à jurisdição do TPI, afastam,
o TPI? E, sabendo que nem mesmo os princípios pelo menos do ponto de vista formal, o conflito
constitucionais são absolutos, poder-se-ia aparente entre a garantia constitucional da coisa
empreender um novo julgamento pelo TPI, para julgada e a possibilidade de o Tribunal Penal
suprir a falta de legitimidade da coisa julgada? Internacional proceder a novos julgamentos de
pessoas já processadas no Brasil.
5. A COISA JULGADA E SUA APARENTE Dessa forma, uma vez reconhecida, por
FLEXIBILIZAÇÃO NO ESTATUTO parte do Estado, a jurisdição do TPI e o caráter
DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL complementar desta frente àquela, estar-se-á
diante de uma possível superação do voluntarismo
INTERNACIONAL: UMA GARANTIA estatal em matéria de Direito Internacional e
DE JUSTIÇA em matéria de Direito Humanitário capaz de
elevar os direitos humanos - não sendo discutido
No Brasil, assinado em 2000, o Estatuto de
aqui o seu viés eminentemente universalista
Roma só foi aprovado pelo Congresso Nacional
– a categoria novelo de Ariadne capaz de
em 06 de junho de 2002 (Decreto Legislativo
entretecer uma teia de proteção aos direitos
nº. 112), sendo, em seguida, promulgado pelo
internacionalmente reconhecidos e afirmados
Decreto presidencial nº 4388 de 25 de setembro
pelos Estados Democráticos de Direito.
de 2002.
Finalmente, apregoa-se a inexistência
Assim, o reconhecimento da jurisdição do
de qualquer conflito de normas ou
Tribunal Penal Internacional – cuja finalidade
inconstitucionalidade do Estatuto de Roma
nasce da igualmente imperiosa defesa dos direitos
e, consequentemente, do Tribunal Penal
humanos por meio da responsabilização direta de
Internacional frente ao ordenamento jurídico
seus violadores – por parte do Brasil, se insere na
brasileiro. Verifica-se verdadeiramente a
emergência de um novo paradigma jurídico que
complementaridade da jurisdição do TPI à
deixa para trás a hermética pirâmide centrada no
atividade jurisdicional da República Federativa
State approach e parte rumo à permeabilidade do
do Brasil no que tange a responsabilização dos
trapézio centrado no Human rights approach56.
perpetradores de graves violações de direitos
E, ao examinar a Constituição Federal é possível
humanos e sua efetiva punição.
extrair, na dicção do artigo 4º. II, VI, VIII e IX,
bem como do artigo 5º, §4º, respectivamente, os Ademais, o respeito à coisa julgada, ainda
princípios que regem o Brasil em suas relações que erigida a categoria de princípio, não deve
internacionais e o comando constitucional para ser considerada absoluta frente as possíveis
subordinação do Brasil à jurisdição do TPI57. violações de direitos universalmente protegidos,
sobretudo quando a coisa julgada for produto

322
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
de um processo que padeça de instrumentos 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A
normativos e estrutura institucional capazes de
assegurar a plena tutela estatal frente ao caso
JURISDIÇÃO NACIONAL E O
concreto. ESVAZIAMENTO DO TPI: O CASO
Logo, propugna-se pelo afastamento do DA COSTA DO MARFIM E OUTRAS
entendimento do princípio da complementaridade FRAGILIDADES REGIONAIS
da jurisdição do TPI enquanto requisito formal
absoluto para atuação do Tribunal. Defende-se, No bojo da discussão trazida pela presente
em contrapartida, uma leitura mais profunda do investigação – a mitigação da coisa julgada
referido princípio alicerçada no reconhecimento exarada por tribunal nacional de Estado
e garantia real dos direitos humanos signatário do Estatuto de Roma, enquanto
internacionalmente reconhecidos a qual seria produto de ação penal frente à competência
capaz de alargar a compreensão do próprio do Tribunal Penal Internacional tem evidente
principio em tela e, assim, assegurar a ação do relevância e viço como é exemplar o Caso
Tribunal nos casos em que o Estado Parte preste Simone Gbagbo60, que tem materializado um
insuficientemente uma tutela jurisdicional que possível choque de competência jurisdicional ao
acarrete em impunidade sob o manto de coisa ter um Estado tentado afastar a competência do
julgada. Tribunal sob a justificativa de que já teria sido
iniciado um processo pela justiça nacional em
A referida insuficiência da tutela jurisdicional
face de nacional. O caso divide opiniões dentro
poderia ocorrer quando o Estado, tendo meios
e fora do país ao pôr em questão a atuação do
para assegurar o julgamento imparcial e efetivo,
Tribunal, a validade e legitimidade do Estatuto
age com o claro fito de impossibilitar, postergar
frente à possíveis manobras dos Estados partes
ou escusar o julgamento envolvendo individuo
do Estatuto de Roma61.
responsável pela prática dos crimes previstos
no Estatuto. Assim, aliado à inexistência de Em linhas gerais, Simone Gbagbo nacional
meios jurisdicionais e/ou a falta de interesse de da Costa do Marfim e ex-primeira dama do país,
agir do Estado membro – requisitos derivados foi acusada do cometimento de quatro crimes
do princípio da complementaridade – erigir- contra a humanidade no contexto pós-eleitoral
se-ia um requisito adicional, nomeadamente a marfinense entre 16 de dezembro de 2010 e 12
insuficiência da tutela jurisdicional. de abril de 2011. Dentre os crimes constantes
na denúncia oferecida pelo Procurador perante
O referido requisito adicional aqui proposto
o TPI constam: assassinato, estupro e outras
funcionaria como exceção ao principio da coisa
violências sexuais, perseguição e outros atos
julgada, uma vez que “diz respeito a situações
desumanos.
em que a coisa julgada ocorrida no Brasil estaria
viciada pelo fato de o processo-crime ter sido A Costa do Marfim assinou o Estatuto de
realizado no intuito de fraudar a aplicação do Roma em 30 de novembro de 1998 e depositou
Estatuto em relação ao réu”58. E, corroborando o instrumento de ratificação em 15 de fevereiro
para o entendimento aqui propugnado, de 2013, submetendo-se à jurisdição do TPI de
considera-se não haver qualquer ofensa ao acordo com o artigo 12.3 do Estatuto.
instituto da coisa julgada quando o nacional é Em 03 de outubro de 2011, o Juízo de
submetido a julgamento no Brasil e absolvido, Instrução aceitou o pedido do Promotor para
sendo, a posteriori, levado à julgamento pelo abrir uma investigação a respeito dos referidos
TPI e condenado: entende-se tratar de esferas crimes. No dia 29 de fevereiro foi expedido o
de jurisdição diferentes, uma interna (nacional) mandado de prisão em face de Simone Gbagbo, o
e outra externa (internacional), não existindo, qual fora contestado pela Costa do Marfim no dia
em tais casos de burla ou incapacidade real, o 1º. de outubro de 2013, tendo como argumento
reconhecimento mútuo da ocorrência da coisa o fato de que a ré estava sendo processada
julgada59 pelos mesmos crimes na justiça nacional. Em
11 de dezembro de 2014, o Juízo de Instrução

323
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

rejeitou a exceção apresentada pelo Estado, cumprir os termos do Estatuto de Roma e,


reafirmando a obrigação do país em cumprir o consequentemente, da jurisdição do TPI. O
mandado expedido pelo Tribunal e entregar a ré presente caso guarda meandros ainda mais
à sua jurisdição. Diante do exposto, o Juízo de delicados. Representa o inicio de um movimento
Instrução conclui que “Côte d’Ivoire’s domestic de enfraquecimento dos mecanismos de
authorities were not taking tangible, concrete and efetivação da proteção dos direitos humanos,
progressive steps aimed at ascertaining whether isto é, o prelúdio de um êxodo que anos mais
Simone Gbagbo is criminally responsible for the tarde atingiria o Estatuto de Roma e o TPI. Nos
same conduct that is alleged in the case before últimos dois anos a comunidade internacional
the Court”62. viu um movimento de esvaziamento do TPI
No caso em tela, argumenta-se, por parte capitaneado por nações africanas. Tem-se
da defesa de Simone Gbagbo, a violação do o anuncio do Burundi acompanhado pelas
direito da Costa do Marfim e de seus nacionais declarações de África do Sul e Gambia, isto não
em submeter ao ordenamento jurídico nacional significa dizer que o movimento tenha membros
situações a eles concernentes. O referido exclusivamente africanos. No último ano, a
argumento se confirma quando da análise da Rússia retirou a assinatura do Estatuto de Roma
entrevista da principal advogada responsável (tratado que não havia sido ratificado pelo país).
pela defesa da ré, que afirma ser – a confirmação Nesta seara, os países africanos têm
da admissibilidade do caso pelo TPI – um caso desempenhado um papel central. Isto é, da
de grande desapontamento para a ré e para o mesma forma que, quando da instituição do
povo de boa-fé da Costa do Marfim, sendo um TPI, os países do continente manifestaram
atentado contra todos os Estados soberanos, um crescente apoio e adesão; atualmente,
especialmente geopoliticamente desprovidos de verifica-se um movimento de estremecimento
poder ou influência; erodindo, portanto, destes de tais Estados na medida em que crescem
Estados e de seus cidadãos em submeterem à as demonstrações de descontentamento com
sua própria jurisdição63. a atividade do Tribunal em nível nacional e
O caso Simone Gbagbo coloca em questão regional. Dentre os argumentos apresentados
todo o aparato do Direito Internacional Penal pelos países do continente africano insatisfeitos,
e, sobretudo, do Direito Internacional dos emerge o discurso de que o Tribunal serviria
Direitos Humanos; na medida em que, fica clara como uma espécie de longa manus das nações
a mobilização do Estado da Costa do Marfim e mais poderosas do globo sobre os Estados
imiscuir a ré ao avocar para o aparato jurisdicional do continente, afastando-se de seu genótipo
nacional todas as causas relativas ao período jurisdicional e se transformando em uma
de crise pós-eleitoral.64 No curso dos anos, o dimensão de disputa e afirmação do poder político
ex-presidente e a ex-primeira dama chegaram em nível internacional. Ademais, apregoa-se
a apresentar denúncia em face do Estado da a seletividade do TPI diante do considerável
Costa do Marfim por violações aos direitos numero de casos envolvendo nacionais dos
consignados na Carta Africana de Direitos do estados africanos levados ao referido tribunal.
Homem e dos Povos, na Declaração Universal Contudo, tais alegações parecem desconsiderar
dos Direitos Humanos e na constituição da o importante papel desempenhado pelo Tribunal
República do Marfim. Em sentença publicada na luta contra a impunidade oriunda das graves
em 22 de fevereiro de 2013, La Cour de Justice violações aos direitos humanos ainda presentes
de la Communauté Economique des Etats de no continente.66
l`Afrique de l`Ouest – CDEAO ordenou “la Dessa forma, o Tribunal Penal Internacional
suspension de l’instance à l’égard de Madame vive um inegável teste de resistência67 e, por
SimoneGbagbo jusqu’à la fin de l’instance dans que não dizer, de sobrevivência. Contudo, a
laquelle elle est engagée devant la Cour Pénale despeito das críticas sofridas pelo Estatuto de
Internationale”65. Roma, como foi visto ao longo deste estudo,
Portanto, resta reconhecida, em nível sustenta-se em suas próprias normas, o
internacional e regional, a competência do reconhecimento e a garantia da soberania
Tribunal Penal Internacional para processar do Estado Democrático de Direito através
o referido caso; o que acaba evidenciando do princípio da complementaridade. Alias, o
a indisposição do Estado africano em verdadeiro Estado Democrático de Direito tem

324
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
seus alicerces em garantias constitucionais que consubstanciada na diminuição das garantias
estão umbilicalmente ligadas a um duplo grau individuais penais e processuais penais68 em prol
de legitimação: por um lado, aos compromissos da expansão e efetivação em nível internacional
internacionalmente assumidos pelo Estado de novos sistemas punitivos, nomeadamente o
enquanto sujeito de destaque no cenário mundial Tribunal Penal Internacional. Em consonância
e, por outra via, os compromissos esculpidos com o exposto, propugna-se, apoiado na
no arcabouço jurídico normativo interno e jurisprudência dos valores69, uma abordagem das
assumidos junto a seus nacionais. normas – especialmente a norma penal fruto da
Ademais, afasta-se a compreensão de que atividade do legislador nacional ou internacional
o Estatuto de Roma e a própria instituição – e do Direito como produto de uma série de
do Tribunal Penal Internacional seriam a valorações, significações e ressignificações que,
materialização de um novo momento de ao lado de questões formais como a ordenação
expansão do direito penal máximo que, apoiado e competência do aparato judicial, conferem
no neopunitivismo, violaria normas e tratados sentido e valor ao direito, e, sobretudo, aos
internacionais de proteção dos direitos humanos direitos humanos.

325
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Lois. Ideologia e aparelhos DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Ed. 1º,
ideológicos do estado. São Paulo: Martins São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Fontes, 1980. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas
BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e interpretes: jurídicas. Rio de Janeiro: NAU editora, 2002.
sobre modernidade, pós-modernidade e GOUVEIA, André Antunes. Tribunal Penal
intelectuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. Internacional: a complementaridade da
BENZING, Markus. The complementarity jurisdição penal internacional em face do estado
regime of the International Criminal Court: ineficaz na proteção de direitos humanos.
International Criminal justice between state Orientador: prof. Dr. Jayme Benvenuto.
sovereignty and fight against impunity. In Universidade Católica de Pernambuco.
BOGDANDY, A; WOLFRUM, R. (orgs.) Max Programa de Mestrado em Direito.
Planck Yearbook of United Nations Law. Vol. GOMES, Luiz Flávio. As aparentes antinomias
7, 2003. entre O TPI (Tribunal Penal Internacional) e a
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. São CF/88.Disponível em: &lt;http://www.lfg.com.
Paulo: Edipro, 2001. br/artigo/20070529180222887_as-aparentes-
BRASIL. Decreto nº 4.388 de 25 de setembro de antinomias-entre- o -tpi-tribunal-penal-
2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal internacional-e- a-cf- 88.html&gt. Acesso em:
Penal Internacional. Disponível em: http:// 05 jun. 2016.
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/ HÄRBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional:
D4388.htm. Acesso em 24 abr. 2016. a sociedade aberta dos intérpretes da
BRASIL, Decreto nº 7.030 de 14 de dezembro de Constituição: Contribuição para interpretação
2009. Promulga a Convenção de Viena sobre pluralista e procedimental da constituição.
o Direito dos Tratados. Disponível em: http:// DPU Assunto especial – textos clássicos, n. 60
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- nov./dez.
2010/2009/decreto/d7030.htm Acesso em: 20 HELLER, Agnes. Progress, Regress and Human
mai., 2016. Rights, proferida na Universidade do Estado do
BRASIL. Decreto nº 678 de 6 de novembro de Amazonas – UEA em 12 de maio de 2016.
1992. Promulga a Convenção Americana sobre JAPIASSÚ, Carlos E. A; ADRIANO, Alexandra R.
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa O Tribunal Penal Internacional: Dificuldades
Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível para sua Implementação no Brasil. Revista da
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Faculdade de Direito Candido Mendes, vol. 10.
decreto/D0678.htm Acesso em: 10 jun. 2016. JURDI, Nidal N. Some lessons on complementarity
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo for the International Criminal Court review
penal. Tradução, José Antonio Cardinalli, conference. South African Year Book of
1995, CONAN, 2010. International Law. vol. 15, n. 2.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do
histórica dos direitos humanos. 7ª ed. rev. e Direito. Edição 3ª Lisboa: Fundação Calouste
ampl. São Paulo: Saraiva, 2010. Gulbenkian, 1997.
COURT, International Criminal. Situation in LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O Tribunal
the republic of Côte D’ivore in the case of Penal Internacional: de uma cultura
The prosecutor v. Simone Gbagbo. Pre-trial de impunidade para uma cultura de
Chamber III. responsabilidade. Estudos avançados, vol. 16,
_______. Situation in Côte d’Ivore. The Prosecutor n. 45, 2002.
v. Simone Gbagbo. Case Information Sheet. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo
DEYRA, Michel. Direito Internacional Penal. Juspodivm, 2ª edição, 2015.
Humanitário. Comissão Nacional para MAIA, Catherine; HAMA, Kadidiatou. La Cour
as Comemorações do 50º Aniversário da Pénale Internationale vue D’Afrique: Organe
Declaração Universal dos Direitos do Homem, Jurisdictionnel ou Organe Politique? Revista
Lisboa, 2001.

326
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos. Roma. Belo Horizonte: L. Konrad Adenauer
Vol.13, n. 13, 2013. Stiftung, CEDIN, Del Rey, 2016.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e diálogo STUDIES, Institute for Security. The case of
entre jurisdições. Revista Brasileira de Direito Simone Gbagbo: a test for domestic jurisdiction.
Constitucional, n. 19 jan./jun. African Network on International Criminal
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Justice.
Penal Internacional e sua integração ao direito URQUIAGA, Ximena M; ESTÉVEZ, Juan C;
brasileiro. Anuario de Derecho Constitucional GUEVARA, José. Manual básico sobre a Corte
Latinoamericano, pp. 1417-1443, México, Penal Internacional. México: Konrad Adenauer
2006. Disponível em: http://juridicas.unam. Stiftung, 2009.
mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20062/pr/ TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo
pr35.pdf. Acesso em: 25 abr. 2016. Penal. V.1. 2ª ed., atual. São Paulo: Saraiva,
NETO, Martinho Otto G. O direito Penal das 1981.
velocidades. Revista Faef. Disponível em TOUSIGNANT, Maxime C. L’instrumentalisation
http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/ Du príncipe de complementarité de La CPI:
arquivos_destaque/9QAl6cjrm4CBn une question d’actualité. Société québecoise
EH_2014-12-15-19-0-56.pdf. Acesso em: 02 de droit international, n. 25 vol. 2, 2012.
jun. 2016. Disponível em: http://www.sqdi.org/wp-
NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Processo content/uploads/RQDI_25-2_3_CTousignant.
Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos pdf Acesso em: 17 mai 2016.
Tribunais, 2013. TRAHAN, Jennifer. Is complementarity the right
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo approach for the International Criminal Court’s
penal. 10ª ed. atual. Rio de Janeiro, Lumen crime of agression? Considering the problem
Juris Editora, 2008 of “overzealous” national courts prosecutions.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e diálogo Cornell International Law Journal, vol. 45.
entre jurisdições. Revista Brasileira de Direito KRINGS, Britta L. The principles of
Constitucional, n. 19 jan./jun. ‘complementarity’ and universal jurisdiction
RANGEL, Paulo Nascimento. Entrevista sobre in International Criminal Law: antagonists
a coisa julgada no Processo penal. 2012. or perfect match? Goettingen Journal of
Disponível em http://www.cartaforense.com. International Law, vol. 4, n. 3, 2012.
br/conteudo/entrevistas/coisa-julgada-no - KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros
processo-penal/9350. Acesso em 09/062/016. opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa:
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção Edições 70, 1988.
multicultural de direitos humanos. Revista Lua ZIMMERMANN, Andreas. The creation of a
Nova. Nº 39 vol.. 76 vol. 97, pp.105-201. permanent International Criminal Court In
_______. Reconhecer para libertar: os caminhos do FROWEIN, Jochen; WOLFRUM, Rudiger
cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: (Orgs). Max Planck Yearbook of United Nations
Civilização Brasileira, 2003. Law. London: Kluwer Law International, 1998.

STEINER, Sylvia Helena, BRANT, Leonardo


Nemer Caldeira (Coords.). O Tribunal Penal
Internacional: Comentários ao Estatuto de

327
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

NOTAS

1. KANT, Immanuel. À paz perpétua e outros GRECO, Luís; LOBATO, Danilo. Temas de
opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa: direito penal – Parte Geral. Rio de Janeiro:
Edições 70, 1988. Renovar, 2008, pp. 65-90.
2. DEYRA, Michel. Direito Internacional 12. SADAT, Leila Nadya. The International
Humanitário. Comissão Nacional para Criminal Court: Past, Present and Future.
as Comemorações do 50º Aniversário da Cambridge Compendium of International
Declaração Universal dos Direitos do Homem, Criminal Law. Disponível em: https://
Lisboa, 2001. l a w. w u s t l . e d u / h a r r i s / d o c u m e n t s / I C C -
3. LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O PastPresentFuture4-16-14.pdf. Acesso em: 09
Tribunal Penal Internacional: de uma mai. 2017.
cultura de impunidade para uma cultura de 13. Idem.
responsabilidade. Estudos avançados, vol. 16, 14. Pode-se inferir que a razão política para esta
n. 45, 2002. longa espera, do final dos anos de 1940 até o
4. Excerto do segundo Considerando do Preâmbulo final da década de 1990, até que finalmente
do Estatuto de Roma. se convocasse a Conferência de Roma, foi a
5. Excerto do quarto Considerando do Preâmbulo Guerra Fria. Tão logo se consumou a dissolução
do Estatuo de Roma. da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) e o subsequente fim da Guerra Fria,
6. Criado pela Resolução 827 do Conselho de o tema da criação de um órgão jurisdicional
Segurança da ONU, de 25 de maio de 1993. internacional penal volta à agenda da ONU.
7. Criado pela Resolução 955 do Conselho de Some-se a isso a eclosão de conflitos étnicos
Segurança da ONU, de 08 de novembro de durante a década de 1990, como são destaques
1994. os conflitos na ex-Iugoslávia e Ruanda, que
impactaram a opinião pública internacional e
8. Criada por meio de um acordo internacional
exigiram uma tomada de posição efetiva por
firmado em 16 de janeiro de 2002, entre o
parte das Nações Unidas. A complexidade fática
Governo de Serra Leoa e as Nações Unidas,
e o elevado custo financeiro do estabelecimento
na esteira da Resolução 1315 do Conselho
de tribunais ad hoc para estas situações e
de Segurança, de 14 de agosto de 2000, para
outras que vinham despontando (Serra Leoa,
o julgamento dos graves crimes contra os
Líbia, Camboja) foi outro motivo decisivo
direitos humanos ocorridos no país após 30 de
para a retomada do projeto da criação de uma
novembro de 1996.
jurisdição internacional permanente.
9. Criadas por meio de um acordo internacional
15. Idem.
firmado em 06 de junho de 2003, entre o
Governo do Camboja e as Nações Unidas, na 16. Idem.
esteira da Resolução 57/228 da Assembleia 17. Idem.
Geral das Nações Unidas, de 18 de dezembro de
2002, para o julgamento dos crimes cometidos 18. CARDONA, Yvette Borg. A critical analysis of
durante o regime dos Khmer Vermelhos. the Rome Statute of the International Criminal
Court. Faculty of Law. University of Malta,
10. Criado pela Resolução 1757 do Conselho de 2013.
Segurança das Nações Unidas, de 30 de maio
de 2007, para julgar os responsáveis pelos 19. PECEGUEIRO, Carolina Guimarães. Uma
ataques ocorridos em Beirute, no dia 14 de Falácia Chamada Tribunal Penal Internacional:
fevereiro de 2005, que resultou na morte do das promessas não cumpridas à reprodução
Primeiro Ministro Rafiq Hariri e outras 22 de desigualdades. Dissertação apresentada na
pessoas, e atos terroristas posteriores, dado que Pós-graduação em Direito da Universidade
o acordo firmado em 23 de janeiro de 2007, Federal de Santa Catarina. Orientadora: Profa.
entre o Governo do Líbano e as Nações Unidas Dra. Vera Regina Pereira de Andrade. UFSC,
não foi aprovado pelo Parlamento libanês. Florianópolis, 2007.

11. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo. O direito penal 20. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo. O direito penal
internacional e os crimes internacionais. In: internacional e os crimes internacionais. In:

328
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
GRECO, Luís; LOBATO, Danilo. Temas de de Roma, uma vez que ela relaciona a Corte,
direito penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: enquanto instituição internacional, e os Estados
Renovar, 2008, pp. 65-90. partes e não partes. O Estatuto de Roma parece
21. CARDONA, Yvette Borg. A critical analysis of ser um equilíbrio ou um compromisso aceitável
the Rome Statute of the International Criminal para os Estados que o ratificaram, entre o respeito
Court. Faculty of Law. University of Malta, de suas soberanias e o desenvolvimento de uma
2013. instituição jurídica autônoma e independente.”
(Tradução livre) TOUSIGNANT, Maxime
22. Idem. C. L’instrumentalisation Du príncipe de
23. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; MIGUENS, complementarité de La CPI: une question
Marcela Siqueira. Justiça de transição: uma d’actualité. Société québecoise de droit
aplicação dos princípios de Chicago à realidade International, n. 25, vol. 2, 2012. Disponível
brasileira. Revista Eletrônica de Direito Penal. em: http://www.sqdi.org/wp-content/uploads/
Ano 1. Vol. 1 Num. 1 Junho 2013. Disponível RQDI_25-2_3_CTousignant.pdf Acesso em: 17
em:<https://jornalggn.com.br/sites/default/ mai. 2016.
files/documentos/7141-25325-1-sm.pdf> 33. Ibidem.
Acesso em 09 mai. 2017.
34. “Esta disposição especifica que um caso é
24. ZIMMERMANN, Andreas. The creation of ‘inadmissível’ perante o TPI se existirem
a permanent International Criminal Court investigações e/ou processos nacionais, a
In: FROWEIN, Jochen; WOLFRUM, Rudiger menos que o Estado demonstre uma falta
(Orgs). Max Planck Yearbook of United Nations de vontade ou incapacidade de investigar ou
Law. London: Kluwer Law International, 1998. processar o caso.” (Tradução livre). TRAHAN,
25. Ibidem. Jennifer. Is complementarity the right approach
for the International Criminal Court’s crime
26. URQUIAGA, Ximena M; ESTÉVEZ, Juan C;
of agression? Considering the problem of
GUEVARA, José. Manual básico sobre a Corte
“overzealous” national courts prosecutions.
Penal Internacional. México: Konrad Adenauer
Cornell International Law Journal. vol. 45.
Stiftung, 2009.
35. Garante que TPI é nada mais e nada menos que
27. ZIMMERMANN, Andreas. The creation of
um tribunal internacional de “ultimo recurso”,
a permanent International Criminal Court
supostamente se afastando, do limite imposto
In: FROWEIN, Jochen; WOLFRUM, Rudiger
pela ação dos Estados que podem e querem
(Orgs). Max Planck Yearbook of United Nations
lidar com crimes internacionais (tradução
Law. London: Kluwer Law International, 1998.
livre). KRINGS, Britta L. The principles of
28. URQUIAGA, Ximena M; ESTÉVEZ, Juan C; ‘complementarity’ and universal jurisdiction
GUEVARA, José. Manual básico sobre a Corte in International Criminal Law: antagonists
Penal Internacional. México: Konrad Adenauer or perfect match? Goettingen Journal of
Stiftung, 2009. International Law. Vol. 4, n. 3, 2012.
29. Ibidem. 36. Um sistema para encorajar e facilitar
30. BRASIL. Decreto nº 4. 388 de 25 de setembro o cumprimento dos estados com a sua
de 2002. Promulga o Estatuto de Roma de responsabilidade de investigar e julgar crimes
Tribunal Penal Internacional. Disponível internacionais fundamentais (tradução
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ livre). JURDI, Nidal N. Some lessons on
decreto/2002/D4388.htm Acesso em 24 abr. complementarity for the International
2016. Criminal Court review conference. South
African Year Book of International Law. vol. 15
31. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal
n. 2.
Penal Internacional e sua integração ao
direito brasileiro. Anuário... op. cit., pp. 1417- 37. BENZING, Markus. The complementarity
1443, México, 2006. Disponível em: http:// regime of the International Criminal Court:
juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/ International Criminal justice between state
cont/20062/pr/pr35.pdf. Acesso em: 25 abr. sovereignty and fight against impunity. In:
2016. BOGDANDY, A; WOLFRUM, R. (orgs.) Max
Planck Yearbook of United Nations Law. Vol.
32. “A complementaridade do TPI está, em nossa
7, 2003.
opinião, no centro da arquitetura do Estatuto

329
Silvia Maria da Silveira Loureiro, Caio Henrique Faustino da Silva e Marcello Philippe Martins Aguiar

38. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/


histórica dos direitos humanos. 7ª ed. São constituicao.htm. Acesso em: 10 dez. 2016.
Paulo: Saraiva, 2010. 58. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação
39. CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do histórica dos direitos humanos. 7ª ed. São
Processo Penal. 2.ed. Campinas: Bookseller, Paulo: Saraiva, 2010.
2002. 59. GOMES, Luiz Flávio. As aparentes antinomias
40. Vide artigo 5º, XXXVI: “a lei não prejudicará entre O TPI (Tribunal Penal Internacional) e a
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a CF/88.Disponível em: &lt;http://www.lfg.com.
coisa julgada.” br/artigo/20070529180222887_as-aparentes-
41. O artigo 8º em seu parágrafo 4º determina: antinomias-entre- o-tpi-tribunal-penal-
O acusado absolvido por sentença passada internacional-e- a-cf- 88.html&gt. Acesso em:
em julgado não poderá ser submetido a novo 05 jun. 2016.
processo pelos mesmos fatos. 60. COURT, International Criminal. Situation
42. BRASIL. Constituição da República Federativa in Côte d’Ivore. The Prosecutor v. Simone
do Brasil de 1988. Disponível em: http:// Gbagbo. Case Information Sheet. Disponível
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ em: https://www.icc-cpi.int/cdi/simone-gbagbo/
constituicao.htm. Acesso em: 10 dez. 2016. Documents/SimoneGbagboEng.pdf Acesso em:
10 dez. 2016.
43. RANGEL, Paulo Nascimento. Entrevista
sobre a coisa julgada no Processo penal. 2012. 61. STUDIES, Institute for Security. The case of
Disponível em http://www.cartaforense.com. Simone Gbagbo: a test for domestic jurisdiction.
br/conteudo/entrevistas/coisa-julgada-no - African Network on International Criminal
processo-penal/9350. Acesso em 09/062/016. Justice. Disponível em: https://issafrica.org/
iss-today/the-case-of-simone-gbagbo-a-test-for-
44. Ibidem. domestic-jurisdiction Acesso em: 10 dez. 2016.
45. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo 62. Ibidem.
penal. Juspodivm, 2ª edição, 2015.
63. SANCHIZ, Clara. Sylvia Geraghty, the woman
46. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de who is trying hard to prevent Simone Gbagbo
processo penal. 10ª ed. atual. Rio de Janeiro, from going to The Hague. Disponível em:
Lumen Juris Editora, 2008. https://ivoirejustice.net/sites/justicehub.net/
47. TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo files/interview_syliva_geraghty.pdf Acesso em
Penal. V.1. 2ª ed., atual. São Paulo: Saraiva, 22 dez. 2016.
1981. 64. WATCH, human Rights. Côte d`Ivoire:
48. Ibidem. Simone Gbagbo trial begins. Needs to be
fair, followed by trials of Pro-Ouattara
49. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de
Commanders. Disponível em: https://www.
processo penal. 10ª ed. atual. Rio de Janeiro,
hrw.org/news/2016/05/30/cote-divoire-simone-
Lumen Juris Editora, 2008.
gbagbo-trial-begins Acesso em 28 dez. 2016.
50. Ibidem.
65. “A suspensão do processo em relação a Madame
51. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo Simone Gbagbo até o fim dos processos em que
penal. Juspodivm, 2ª edição, 2015. está envolvida a o Tribunal Penal Internacional”
52. Ibidem. (tradução livre). CEDEAO. Case Simone
Ehivet et Michel Gbagbo Vs. Republique de
53. Ibidem.
Côte d`Ivoire. Disponível em: http://www.
54. NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de courtecowas.org/site2012/pdf_files/decisions/
Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: judgements/2013/SIMONE_MICHEL_
Revista dos Tribunais, 2013. GBAGBO_c_COTE_D_IVOIRE.pdf Acesso em
55. Ibidem. 21 dez. 2016.
56. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e 66. MAIA, Catherine; HAMA, Kadidiatou. La Cour
diálogo entre jurisdições. Revista Brasileira de Pénale Internationale vue D`AFrique: Organe
Direito Constitucional, n. 19, jan./jun. 2012. Jurisdictionnel ou Organe Politique? Revista
do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos.
57. BRASIL. Constituição da República Federativa Vol.13, n. 13, 2013.
do Brasil de 1988. Disponível em: http://

330
Os Limites da Jurisdição Penal Brasileira e o Princípio Constitucional da Intangibilidade da Coisa Julgada
Face aos Desafios da Prática do Tribunal Penal Internacional
67. KOWALSKI, Mateus. O Tribunal Penal http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/
Internacional: reflexes para um teste de arquivos_destaque/9QAl6cjrm4CBn
Resistencia aos seus fundamentos. Observare. EH_2014-12-15-19-0-56.pdf Acesso em: 02
Vol. 2, n. 2, pp 119-134. Disponivel em: http:// jun. 2016.
observare.ual.pt/janus.net/images/stories/PDF/ 69. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do
vol2_n2/pt/pt_vol2_n2_art6.pdf Acesso em 22 Direito. Edição 3ª. Lisboa: Fundação Calouste
dez. 2016. Gulbenkian. 1997.
68. NETO, Martinho Otto G. O direito Penal
das velocidades. Revista Faef. Disponível em

331
ANEXOS
DISCURSO - BREVES RECORDAÇÕES DE MINHA
TRAJETÓRIA INTERNACIONAL(*)

Antônio Augusto Cançado Trindade


Juiz da Corte Internacional de Justiça (Haia); Ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos;
Professor Emérito de Direito Internacional da Universidade de Brasília; Doutor Honoris Causa de diversas
Universidades na América Latina e na Europa; Membro Titular do Curatorium da Academia de Direito Internacional
da Haia, e do Institut de Droit International.

É esta uma ocasião para mim muito tenho mantido relações de estreita amizade
especial, em que retorno brevemente a meu país, com acadêmicos que nela conheci. Da parte da
o Brasil; à cidade onde nasci, Belo Horizonte; e à Faculdade, também ela sempre acompanhou
Faculdade de onde saí, há mais de quatro décadas minha trajetória, desde o início da década de 70
e meia, a Faculdade de Direito da UFMG, para até o presente.
atender ao honroso convite para discorrer, pela Por exemplo, na segunda metade na década
primeira vez, sobre minha própria trajetória de 80, quando emiti alguns Pareceres históricos
internacional, em cerimônia em comemoração como Consultor Jurídico do Itamaraty, hoje
do 125º. aniversário da Faculdade de Direito. por ele publicados (como, e.g., os Pareceres,
Parafraseando Jorge Luis Borges, em seu conto entre 1985 e 1989, em que suscitei e apresentei
“O Outro”, integrante de seu El Libro de Arena os fundamentos para a decisão de adesão do
(1975), é como se aqui viesse reencontrar-me Brasil aos tratados gerais de direitos humanos
com o jovem que aqui estava, há quase meio e para sua aceitação da competência da Corte
século. Como dizia J.L. Borges, “meio século não Interamericana de Direitos Humanos (CtIADH)
passa em vão”; no entanto, não experimento a em matéria contenciosa. Sou efetivamente o
angústia de J.L. Borges, que chegou a também responsável pela fundamentação jurídica da
dizer, invocando “algum grego”, que “o homem decisão do Brasil de inserção no corpus juris do
de ontem não é o homem de hoje”. Direito Internacional dos Direitos Humanos de
Distintamente do encontro do velho com o nossos tempos.
jovem J. L. Borges, constato que, ao me encontrar Em seguida, na primeira década dos anos
com o jovem que outrora fui, aqui na Casa de 90, quando participei do ciclo das Conferências
Afonso Pena, reconheço-me perfeitamente, o Mundiais das Nações Unidas, e inclusive como
que me enche de paz e serenidade. Meu longo membro do Comitê de Redação da II Conferência
percurso, em diferentes recantos do mundo, Mundial de Direitos Humanos em Viena em
em todos os continentes, não me dispersou de 1993 (de onde emana meu Tratado de Direito
modo a desorientar-me a ponto de não mais Internacional dos Direitos Humanos, 2ª ed., em
reconhecer o jovem que fui. Para mim, o homem 3 tomos). Em sequência, de meados da década
de ontem, por se manter fiel a seus ideais, é o de 90 até meados da década passada, durante
mesmo homem de hoje, enriquecido pela busca minha era na Corte Interamericana de Direitos
incessante do conhecimento e pela experiência Humanos (CtIADH); e, na última década,
de vida, e que permanece jovem de espírito. durante minha atual era na Corte Internacional
Nesta projeção no tempo, minha relação de Justiça (CIJ) da Haia. Em todas estas ocasiões,
com a Faculdade de Direito da UFMG tem a Faculdade de Direito se mostrou interessada
sido sempre algo realmente especial. O passar em recolher meus testemunhos desta trajetória.
do tempo é, em minha percepção, o maior Tudo isto torna nossa relação muito especial,
enigma da existência humana. De minha uma relação de verdadeiro afeto.
parte, tenho sempre recordado a época em que Aqui, nesta Faculdade, publiquei minha
nesta Faculdade estive, e, ao longo dos anos, primeira monografia (ganhadora de um

335
Antônio Augusto Cançado Trindade

concurso), em 1968, intitulada Fundamentos pertenço à geração do mundo convulsionado da


Jurídicos dos Direitos Humanos, prefaciada época da tragédia de Biafra, hoje quase esquecida,
pelo então Diretor em exercício da Faculdade, meio século depois, apesar de seus 3 milhões de
Professor Raul Machado Horta; jamais poderia vítimas. Naquela época, na UFMG, abundavam
imaginar que, três décadas depois, viria a os cursos de extensão que eu frequentava, sobre,
integrar e presidir um tribunal internacional de e.g., “Existencialismo Hoje”, “Personalismo
direitos humanos. E tampouco jamais poderia Jurídico”, “Cinema Novo”, e tantos outros
imaginar que, transcorrida outra década mais, temas então cultivados.
seria eu eleito, no Rio de Janeiro em 2005, por Era a maneira de nos encapsular para nos
unanimidade, membro da Academia Brasileira proteger da tragédia que afetou nosso próprio
de Letras Jurídicas, para suceder precisamente país, com a instauração de um regime ditatorial
o prefaciador de meu primeiro livreto aqui em e suas consequências. Para solidificar ainda
Belo Horizonte, na mesma cadeira da Academia mais a cápsula em que me abrigava, da Vida
Brasileira. Intelectual de A.D. Sertillanges, no meio do
Um ano antes, em 2004, ao receber da curso de Direito concluí paralelamente minha
mesma Academia Brasileira o Prêmio “Pontes de Licenciatura em Letras (também na UFMG),
Miranda” por meu livro O Direito Internacional tamanha era a necessidade que sentia de juntar
em um Mundo em Transformação (Rio de o Direito à Literatura, à Filosofia e mesmo à
Janeiro, Edit. Renovar, 2002), fui lá saudado Teologia, dentre outros ramos do conhecimento,
por outro ex-Professor meu nesta Faculdade, como anos depois passei a revelar, em numerosos
o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que Votos que tenho emitido, nas três últimas
me presenteou na ocasião com o exemplar de décadas, sucessivamente em duas jurisdições
um trabalho que eu fizera em sua disciplina, e internacionais, sobretudo na adjudicação de
que ele guardara com carinho por todos estes casos que revelam a dimensão assustadora da
anos. E os exemplos se multiplicam, como os crueldade humana.
diálogos que mantinha, na década de sessenta, Em 1972, ao deixar o Brasil (sem pressa
nas bibliotecas pessoais nas residências de meus de voltar) para continuar e concluir o mestrado
ex-Professores, como os antes mencionados, e o doutorado na Universidade de Cambridge,
ademais de outros, como os Professores Antônio já me havia tornado amigo, para toda a vida,
Augusto Mello Cançado, Orlando de Carvalho, dos Professores Washington Peluso Albino de
Edgard de Godoy da Mata Machado, Gerson Souza, Antonio Álvares da Silva e Artur José
Boson, Antônio Álvares da Silva, Artur J.A. Almeida Diniz, entre outros, que se mantiveram
Diniz, sempre tão solícitos. sempre em contato comigo. Durante esta época
Recordo-me em particular da casa- dividi meu tempo entre Cambridge, Haia e
biblioteca do Professor Washington P. Albino de Estrasburgo (onde recebi o Diploma do Instituto
Souza, que passei a frequentar, repleta de obras Internacional de Direitos Humanos em 1974
barrocas, em particular réplicas das estátuas do das mãos de René Cassin, um dos redatores da
Aleijadinho. Recordo-me dos livros manuscritos Declaração Universal de Direitos Humanos de
do Professor Lydio Machado Bandeira de Mello, 1948). Desde então, vim a conhecer pessoalmente
da obra de Caio Mário da Silva Pereira, entre Juízes de sucessivas gerações, tanto da CIJ como
outros tantos. Cada um tinha sua obra, em da CtEDH. Com tudo isto, me acostumei com o
uma época em que o professor era socialmente modo de pensar dos jusinternacionalistas tanto
valorizado. Na atualidade, a educação como bem do common law como do droit civil, o que me foi
público foi praticamente destruída em nosso de grande valia ao meu trabalho, duas décadas
país (gradualmente a partir de meados dos anos depois, como magistrado, na CtIADH, seguida,
90), e hoje são socialmente valorizadas outras depois de outra década, na CIJ.
profissões, sobretudo as ligadas a atividades Ao regressar ao Brasil em 1978 depois do
repressivas, como a dos delegados de polícia. doutorado (que angariou o Prêmio Yorke) em
Pertenço à geração de 1968, do mundo Cambridge, e passar por um período instrutivo
convulsionado da época da guerra do Vietnã de trabalho nas Nações Unidas em Genebra
(que tive a ocasião de visitar ano passado, e ser (em sua antiga Divisão de Direitos Humanos),
recebido com pompa na Chancelaria em Hanói, assumi minhas novas funções em Brasília,
quando me recordei de minha juventude); na Universidade de Brasília e no Instituto Rio

336
Discurso - Breves Recordações de Minha Trajetória Internacional

Branco, dos quais tão gratas lembranças guardo. Mundial da Haia decisões nos três casos do
Em Brasília passei a encontrar-me regularmente Desarmamento Nuclear (2016), seguidas pela
com meus ex-Professores e amigos, o Professor convocatória, em janeiro passado, pelas Nações
Sálvio de Figueiredo Teixeira (no STJ) e Unidas, da Conferência em curso sobre a
o Professor Washington Peluso Albino de Proibição das Armas Nucleares (algo impensável
Souza (em ocasiões de reuniões do CNPq há anos atrás). E, na semana passada, viemos
e da CAPES), que participaram de muitos de emitir outra decisão de grande dimensão, no
seminários e conferências que organizei em caso Ucrânia versus Federação Russa (2017). Fiel
grande escala, inclusive no Congresso Nacional, à postura humanista que sempre sustentei, nos
e que acompanharam de perto meu percurso - casos da Convenção contra o Genocídio, assim
e o caminho que ia abrindo - como Consultor como do Desarmamento Nuclear, face à posição
Jurídico do Itamaraty (1985-1990); ambos restritiva das decisões da CIJ, emiti quatro
fizeram questão de me visitar, para minha extensos e contundentes Votos Dissidentes,
alegria, na sede da Corte Interamericana de que vêm tendo ampla repercussão nos círculos
Direitos Humanos, em São José da Costa Rica, jurídicos internacionais.
quando nela trabalhava (a partir de 1995), vindo Voltando a esta Faculdade, venho de
a presidi-la (1999-2004), - depois de haver completar agora precisamente 40 anos de
dirigido o Instituto Interamericano de Direitos colaboração constante com a Revista da
Humanos (1994-1996). Faculdade de Direito da UFMG, desde que nela
Ao longo das décadas de 80 e 90, e na publiquei meu primeiro artigo em 1976. Tanto
década passada, e até o presente, tenho visitado na sede da CtIADH, como atualmente na da CIJ,
regularmente a Faculdade de Direito da UFMG, tenho tido a satisfação de receber as visitas de
para proferir conferências ocasionais e participar integrantes de sucessivas gerações de estudiosos
de bancas de doutorado. Aqui transmiti do direito internacional (inclusive alguns aqui
em palestras as lições que extraí de minha presentes na Casa de Afonso Pena), e de ajudar
experiência na solução de importantes questões de algum modo na orientação de suas teses.
internacionais (como, inter alia, o ciclo dos Do mesmo modo, estimados Professores desta
casos de massacres adjudicados pela CtIADH, o Faculdade têm igualmente me visitado na Haia
caso da independência do Timor-Leste, em que para acompanhar audiências da CIJ em casos
emiti um Parecer para as negociações tripartites históricos, a exemplo do Professor Fernando
Nações Unidas/Portugal/Indonésia, em 1999, Jayme, Diretor da Faculdade (em dois destes
em favor da independência do Timor-Leste; casos), aqui presente.
o caso da crise institucional da Nicarágua, de É esta, em minha percepção, a verdadeira
1993-1994, em que emiti um Parecer para a Universitas, em sua ampla dimensão, tanto
OEA como membro integrante de sua Comissão espacial como temporal. É o que tive a honra
de Fact-Finding; o caso do ingresso da Federação de ressaltar, em 2012, como representante da
Russa no Conselho da Europa como Estado Parte CIJ, em conferência de abertura que proferi na II
na Convenção Europeia de Direitos Humanos, Conferência Mundial sobre o Direito à Educação,
em que emiti outro Parecer, em 1995, para o realizada em Bruxelas. Quanto ao espaço, a
Conselho da Europa; as consultas decenais - em Universitas tem uma vocação verdadeiramente
que atuei como Consultor Jurídico ad honorem universal, como senti, por exemplo, ao ministrar
do ACNUR - na América Latina e Caribe, de em 2004 uma conferência na Universidade de
1994 a 2014). Hiroshima sobre “A Ilegalidade de Todas as
Aqui nesta Faculdade estive, mais Armas de Destruição em Massa”. Quanto ao
recentemente há dois anos (além do ano passado tempo, a Universitas se constitui, em última
para uma banca doutoral), para discorrer análise, das pessoas que nela operam e que nela
criticamente, em uma conferência, sobre o conhecemos, que compartilham os mesmos
encerramento da adjudicação dos casos das valores e ideais, em uma escala verdadeiramente
guerras nos Bálcãs, mediante a Sentença da inter-generacional. Em suma, temos e trazemos
CIJ no caso da Aplicação da Convenção contra a Universitas dentro de cada um de nós.
o Genocídio (2015), - de que alguns dos aqui Há tanto o que recordar de minha trajetória
presentes se recordam. Desde então, nestes internacional que me vejo na impossibilidade
dois últimos anos, viemos a emitir na Corte de resumir mais de quatro décadas da mesma

337
Antônio Augusto Cançado Trindade

em 40 minutos, ou seja, 10 minutos para cada indivíduos à justiça internacional, inclusive com
década, um minuto para cada ano. Precisamente um concreto Projeto de Protocolo Adicional à
por isso, tenho deixado constância da mesma Convenção Americana sobre Direitos Humanos
em minhas obras, - incluindo cerca de 60 livros que preparei para a CtIADH e apresentei na OEA,
e 720 artigos publicados em numerosos países que passou a figurar durante anos nas agendas
e em diversos idiomas, - quatro das quais aqui da sua Assembleia Geral e de seu Conselho
apresentadas hoje. Minhas Memórias da Corte Permanente. No entanto, até o presente tem
Interamericana de Direitos Humanos alcançam infelizmente prevalecido a força da inércia.
hoje sua 4ª edição (Belo Horizonte, Edit. Del Em outro livro, Direito das Organizações
Rey, 2017). Aí se encontra o relato de uma Internacionais, em sua 6ª edição (Belo Horizonte,
época de histórica e memorável construção Edit. Del Rey, 2014), além de sistematizar toda
jurisprudencial. a matéria, abordo, inter alia, o diálogo entre os
Tal construção, realizada em meus tribunais internacionais, sobretudo em suas
anos na CtIADH, é hoje internacionalmente poucas reuniões conjuntas até o presente (como
reconhecida, particularmente por sua valiosa as de 2001 e 2007, das quais participei). E no
contribuição a temas como os das medidas outro livro, Os Tribunais Internacionais e a
provisórias de proteção, das formas de reparação, Realização da Justiça, em sua 2ª edição (Belo
da conceitualização do dano ao projeto de vida Horizonte, Edit. Del Rey, 2017), me aprofundo
(mais além do dano moral) e ao projeto de pós- neste ponto, no âmbito da jurisdicionalização
vida (dano espiritual), e da determinação da do direito internacional contemporâneo. As
incompatibilidade das leis de auto-anistia com edições de todas estas obras estão hoje por mim
a normativa de proteção internacional da pessoa confiadas, para minha grata satisfação, à Editora
humana (cujo caráter pioneiro - a partir do caso Del Rey, daqui de Belo Horizonte. O local e
Barrios Altos de 2001 - veio a ser reconhecido o universal encontram-se ineludivelmente
inclusive na jurisprudência de outros tribunais interligados.
internacionais). Voltando a meu tomo de minhas Memórias
Meu outro livro, A Humanização do da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
Direito Internacional, em sua 2ª edição (Belo nele abordo, inter alia, o esquema que criei, em
Horizonte, Edit. Del Rey, 2015), contém, entre 1999, e que tem funcionado até o presente, de
seus 37 capítulos, inter alia, uma análise das reuniões anuais de diálogo entre a CtIADH e a
três décadas das mencionadas Consultas do Corte Europeia de Direitos Humanos (CtEDH),
ACNUR na América Latina e no Caribe (1994- alternativamente na sede de uma e outra. Logo
2014), a partir dos Pareceres que preparei para depois de nossa reunião conjunta de 2000 em
o ACNUR para a proteção de migrantes, - em Estrasburgo, os colegas Juízes da CtEDH fizeram
relação à qual nossa região assumiu uma posição questão de minha presença, como Presidente da
de vanguarda em todo o mundo. O livro, como CtIADH, na Conferência do Cinquentenário
um todo, contém os fundamentos de minha da Convenção Europeia de Direitos Humanos
posição jusnaturalista na construção de um novo realizada em Roma, na qual fiz minha
jus gentium humanizado, a mesma que tenho intervenção. Logo após a Conferência, tiveram
sempre sustentado, inclusive no Curso Geral de a amabilidade de incluir-me em sua Delegação,
Direito Internacional Público que ministrei na para uma visita ao Papa João Paulo II.
Academia de Direito Internacional da Haia em No Vaticano, o Papa nos recebeu na Sala
2005, também reeditado pela Nijhoff/Brill; sou o Clementina, e conversou por cerca de dois
único jurista brasileiro a ter ministrado um Curso minutos com cada um de nós. Interessou-se ao
Geral em toda a história da Academia da Haia, saber que eu era brasileiro, e me felicitou em
em cujo Curatorium tenho a honra de representar português pelo labor da CtIADH sob minha
hoje toda a América Latina, desde 2004. presidência. A admiração que, por ele, eu já
Meu legado na CtIADH foi o tema de outro nutria decorria sobretudo do fato, tal como
Curso Geral que ministrei, em 2008, desta feita relato em meu referido livro de Memórias, de
no Instituto Europeu de Direito Internacional ter ele sido o primeiro Papa na história a ter
em Florença, curso geral hoje publicado em livro tido a coragem de pedir perdão publicamente,
pela Oxford University Press: nele examino a em documento histórico daquele ano intitulado
bandeira que sempre portei do acesso direto dos Memoria e Riconciliazione - La Chiesa e le Colpe

338
Discurso - Breves Recordações de Minha Trajetória Internacional

del Passato, pelas culpas da Igreja no passado (nas o acesso à justiça internacional de pessoas na
cruzadas, na inquisição, e em outras ocasiões). mais completa vulnerabilidade. Pouco antes,
Hoje é um Santo, que contribuiu à mudança da a CtIADH, no caso Blake versus Guatemala
história contemporânea, e que tive a satisfação (1997-1999), considerou os familiares próximos
de conhecer pessoalmente. de desaparecidos como vítimas diretas, para os
Em muitos de meus Votos Individuais, efeitos de reparações. E os exemplos de casos
tanto na CIJ como anteriormente na CtIADH, inesquecíveis, que abriram caminho do direito
abordo a relação entre o tempo e o Direito, internacional contemporâneo, se multiplicam.
distinguindo o tempo cronológico do tempo Não poderia haver algo mais gratificante
biológico, dado o imperativo da pronta realização para mim do que constatar o interesse geral
da justiça. Em casos particularmente dramáticos, despertado, nos círculos jurídicos internacionais,
tanto na CIJ como na CtIADH, ressaltei a por meus Votos Individuais apresentados ao
projeção do sofrimento humano no tempo. longo dos anos em dois tribunais internacionais
Em um de meus últimos Votos Arrazoados na (a CtIADH e a CIJ), - tal como refletido nas duas
CtIADH, no caso da Prisão de Castro Castro coletâneas dos mesmos recentemente editadas
(2006), voltei a debruçar-me na relação entre o (uma delas reeditada), em três tomos cada uma1,
tempo e o Direito (e a vindicação dos direitos), em inglês e em espanhol, em países distintos
e, ao sentir a gradual aproximação do término de (Holanda e México). Uma nova coletânea, em
minha era naquele tribunal, evoquei passagens francês, que se encontra no prelo, deverá ser
do Eclesiastes, particularmente aquelas em que lançada (na França) até o fim deste ano de 2017.
o Predicador assinala que A primeira delas é a Série “Juízes” da Editora
Nijhoff/Brill: sou o sexto Juiz a ser nela incluído,
Neste mundo tudo tem sua hora;
de 1945 até o presente, o único latino-americano
há um momento para tudo o que ocorre:
um momento para nascer,
e o único com mais de um tomo de Votos (três).
e um momento para morrer, Uma grande honra para mim.
um momento para plantar, Meu trabalho é hoje muito mais conhecido
e um momento para arrancar o plantado. e reconhecido no exterior do que em nosso
Há casos, tanto na CIJ como na CtIADH, próprio país, o que não é de surpreender, pois
dos quais jamais me esquecerei. Por exemplo, santo de casa não faz milagre. Confio em que
na CIJ, tomemos o caso do Templo de Préah minha contribuição à humanização do direito
Vihéar (Camboja versus Tailândia): quando internacional contemporâneo virá a ser mais
estudei a Sentença original de 1962 neste caso, conhecida também em nosso país, talvez dentro
aqui nesta Faculdade de Direito em fins dos de algumas décadas, - se o mundo ainda existir.
anos 60, jamais poderia imaginar que, meio Afinal, não sou e nunca fui notícia, mas tenho
século depois, estaria eu adjudicando como feito e faço história, - e como bom mineiro,
Juiz da CIJ a Interpretação de Sentença (2011- discreta e silenciosamente.
2013) no mesmo caso. Participei, ademais, na Se me perguntarem como lográ-lo, minha
CIJ, da decisão do caso da Obrigação de Julgar resposta se encontra na poesia de Antonio
ou Extraditar (Bélgica versus Senegal, 2009- Machado:
2012), relativo ao “processo Hissene Habrè”, em
Caminante son tus huellas
que, pela primeira vez na história, um tribunal El camino y nada más; caminante no hay
internacional veio a determinar a aplicação do camino,
princípio da jurisdição universal. Se hace camino al andar.
Ademais, ainda na CIJ, no caso da Al andar se hace camino, y al volver la vista
Disputa Fronteiriça entre Burkina Faso e Níger atrás
(2013), participei de sua decisão em que, pela se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
primeira vez, a demarcação de fronteira tomou
em devida conta - tal como assinalei em meu Já nos anos 60, aqui nesta Faculdade, havia
Voto Arrazoado - as condições de vida das eu me identificado com uma causa. Na época,
populações locais nômades e seminômades. cheguei a deixar de assistir a uma ou outra aula,
Anteriormente, na passagem do século, as para poder permanecer o dia inteiro, como o
decisões da CtIADH no caso dos Meninos de fazia, dentro da Biblioteca (que na época ficava
Rua versus Guatemala (1999-2001), assegurou

339
Antônio Augusto Cançado Trindade

perto da entrada de cima da Faculdade), onde da Memória, agradeci as autoridades de ambas


preparava meu próprio fichário de numerosos as comunidades pela gentileza dos convites que
cursos publicados na longa série do Recueil des me estenderam, e me emocionei quando me
Cours de l’Académie de Droit International. Não disseram que, no referido caso decidido pela CIJ,
podia antever nada, mas já estava traçando o tinham elas encontrado justiça tão só em meu
meu caminho. Se faz o caminho ao andar, e ao Voto Dissidente2.
olhar para trás, como hoje aqui faço na mesma Guardarei estes momentos em minha
Faculdade, me dou conta do caminho percorrido, memória para o resto da vida. Confirmaram
em minha trajetória internacional. Caminhante minha convicção de que o direito internacional
não há caminho, se faz o caminho ao andar. encontra-se orientado aos justiciables. Não
Enfim, há um ponto que não poderia deixar há controvérsia que possa ser resolvida pelo
passar aqui despercebido. Em aula magna que summum jus, summa injuria. Situações de
proferi, em 04.09.2015, na secular Universidade continuada injustiça são insustentáveis. Direito
de Vilnius (Lituânia), expressei minha satisfação e justiça são, em meu entender, indissociáveis. É
pelo interesse manifestado e pela boa-acolhida nesse sentido que tenho atuado, nas três últimas
pelo auditório repleto, de meu Voto Dissidente décadas, sucessivamente em duas jurisdições
na CIJ, no caso das Imunidades Jurisdicionais internacionais.
do Estado (Alemanha versus Itália, e Grécia Não poderia concluir este breve relato
interveniente; mérito, Sentença de 03.02.2012), sem deixar constância das expressões de minha
no qual sustentei o primado do direito de acesso à gratidão àqueles que me ensinaram e já partiram;
justiça sobre a invocação indevida de imunidades às pessoas que me têm acompanhado ao longo
do Estado face a crimes internacionais (como as da vida, algumas das quais aqui presentes;
atrocidades nazistas perpetuadas na Itália e na a todos os que têm seguido minha trajetória
Grécia, em 1943-1945). internacional, inclusive daqui da Faculdade de
Referi-me em seguida aos desenvolvimentos Direito da UFMG, sempre presente em minha
subsequentes à decisão da CIJ (no sentido memória. Muito obrigado a todos pela fina
de minha dissidência, por parte da Corte atenção com que me distinguiram.
Constitucional na Itália em 2014, e da Comissão
Parlamentar sobre reparações na Grécia em 2015)
Belo Horizonte, 25.04.2017.
nos dois países dos vitimados pelos massacres
nazistas em 1943-1945. Relatei que, ao ser
recebido, como convidado, em 01.07.2014 em __________________________
Distomo (Grécia), e em 12.06.2015 em Civitella
(Itália), onde visitei os dois respectivos Museus

340
Discurso - Breves Recordações de Minha Trajetória Internacional

NOTAS

(*) Discurso proferido pelo Autor, em Belo y Transcendencia del Derecho Internacional
Horizonte, no auditório da Faculdade de de los Derechos Humanos (Votos en la Corte
Direito da UFMG, em 25 de abril de 2017, por Interamericana de Derechos Humanos, 1991-
ocasião da comemoração do 125º aniversário 2008), vols. I-III, 2ª ed. rev., México D.F., Ed.
da Faculdade de Direito. Cámara de Diputados, 2015, vol. I, pp. 3-687;
1 [Série The Judges:], Judge A.A. Cançado vol. II, pp. 3-439; vol. III, pp. 3-421.
Trindade - The Construction of a Humanized 2 A.A. Cançado Trindade, “Reflections on a
International Law - A Collection of Individual Century of International Justice: Developments,
Opinions (1991-2013), vol. I (Inter-American Current State and Perspectives”, 97 Teisé -
Court of Human Rights), Leiden, Brill/Nijhoff, Vilniaus Universitetas - Lituania (2015) pp.
2014, pp. 9-852; vol. II (International Court 228-229; e in 68 Revista da Faculdade de
of Justice), Leiden, Brill/Nijhoff, 2014, pp. Direito da UFMG (2016) pp. 151-152.
853-1876; A.A Cançado Trindade, Esencia

341
HUMAN RIGHTS IN EUROPE: AN INSIDER’S VIEWS

Andrew Drzemczewski
Visiting Professor, Middlesex University School of Law, London1; formerly Head of the Legal Affairs
& Human Rights Department, Parliamentary Assembly of the Council of Europe, Strasbourg.

1. INTRODUCTORY REMARKS austerity measures - needs to absorb a major


inflow of migrants, refugees and asylum-seekers;
Ladies & gentlemen, there is an unhealthy upsurge of populism,
It is somewhat strange to find myself in intolerance, and Islamophobia; the rule of law
Hendon, this evening. As some of you are aware, has been undermined in countries like Hungary
my parents, both Polish, bought a house, here and Poland, and certain parts of Europe are
in Hendon, back in 1947, on Audley Road, after becoming increasingly unstable, reminding us of
demobilization - having spent the War Years in the 1930s and developments which led to the
Siberia and then in the Middle East. Most of my atrocities of the Second World War.
childhood years were spent in Hendon, with a ... And here I am, not to speak about these
stint, as of the age of 10, at a Polish boarding major challenges confronting us, but rather to
school near Henley-on-Thames… Later on, provide you with an in-house view of a selected
when studying at the LSE, I often hid myself number of issues I have been involved in: I had
away - over the Christmas and Easter holidays the privilege of being intricately involved in the
- at the Hendon municipal library, next to the drafting of Protocol 11 to the ECHR (which led
Town Hall at the Burroughs, a stone-throw away to the creation of a full-time European Court of
from where we are right now. Today, I am at Human Rights (Court or ECtHR) in Strasbourg);4
Middlesex University, in Hendon, within a few I helped set-up a confidential Committee of
minutes walking distance of the primary school Ministers’ (CM) monitoring mechanism, which
I attended as of the age of 5 and that was over an informed insider has recently called a ‘failed
60 years ago! enterprise’; and, since 2005, until my departure
The title of my talk is “Human Rights in from the organisation last year, I was in charge of
Europe: an insider’s views.” I am to speak to the Legal Affairs and Human Rights Department
you about specific, selected, human rights issues of the Parliamentary Assembly (the Assembly or
dealt with by the Council of Europe. When I PACE). It is principally this in-house experience,
left the U.K. to start my career as a ‘Eurocrat’ or at least certain aspects of it, which I will speak
in Strasbourg - over 31 years ago - the world to you about this evening.
was so different. Those were exciting times. We
lived through an optimistic, indeed a ‘euphoric’ 2. THE COUNCIL OF EUROPE, NEW
decade, subsequent to the rise of the SolidarnoĞþ
DEMOCRACIES AND THE DRAMATIC
movement and the fall of the Berlin Wall.2 The
situation is very different today: major human RESIGNATION – IN JUNE 1997 – OF
rights violations still occur in a number of THE DEPUTY SECRETARY GENERAL
member states, for example, with respect to the
Let us be honest and accept the premise that
situation in Ukraine and in the North Caucasus.
the Council of Europe is no longer a privileged
There is a terrorist threat which has led to
club of relatively sophisticated and economically
abusive use - by state authorities - of Article 15
– more or less – comfortable states which
of the European Convention on Human Rights
reflect liberal-democratic (Western) European
(ECHR); look at what is happening in Turkey
standards and achievements of the early 1980s,
right now.3 We are also confronted with renewed
when there were just over 20 member states.
challenges: Europe - the cohesion of which was
After the initial euphoria of the late 1980s and
already weakened by the financial crisis and

343
Andrew Drzemczewski

early 1990s we witnessed – on the perimeters of door must definitely not be slammed in the face
the organisation – the tragedies of Bosnia and of countries wishing to join a democratic club.
Kosovo. And even within the Council of Europe, But we were also of the view that ratification
major human rights violations had occurred in of the ECHR ought not be taken too hastily.7
South East Turkey, and several years later in Why? Simply because major legislative and
Chechnya, compounded by conflicts principally, administrative changes take time. There is a
but not exclusively, in the countries of the need to train law enforcement officials and the
former Soviet Union. legal profession. To change a law or two can
We have not rid ourselves of barbarities often be a relatively simple matter, but to ensure
which, back in the 1950s and 1960s, we that ECHR standards, and the case-law of the
considered to be confined to the annals of history Strasbourg Court are actually impregnated into
of our ‘civilised’ European continent. ‘legal thinking’ and daily practice may be another
Yet the Council of Europe is the moral matter. Changes must often be thoroughly
guardian of human rights in Europe. We have thought through, implemented carefully, and
our cherished Court of Human Rights, the take root in the very fabric of society and not be
Committee for the Prevention of Torture (CPT), simply cosmetic.8
the European Commission against Racism and We were in the minority. This is now
Intolerance (ECRI), an effective, independent history. Decision-makers in member State
Human Rights Commissioner, the European capitals thought otherwise, with the result that
Social Charter with its collective complaints today the ECHR has been ratified by all 47
mechanism, and well over 200 conventions, member states.
many of which reinforce and consolidate the That said, permit me to recall that – after
three pillars upon which the organisation is having set-up the Committee of Ministers’
based: genuine pluralistic democracy, rule of law confidential monitoring mechanism – Peter
and the protection of human rights.5 Leuprecht, then Deputy Secretary General,
When countries, principally from Central resigned from the Council of Europe in June
and Eastern Europe, the so-called ‘new 1997 as Nº. 2 in the organisation, having
democracies,’ indicated their desire to join found as unacceptable the Committee of
the Council of Europe, the decision to include Ministers’ decision to invite Russia (during the
them could not be refused. In this respect, key war in Chechnya) and Croatia (with President
roles were played not only by the Committee of Tudjman’s refusal to co-operate with the Ex-
Ministers, but also the Parliamentary Assembly Yugoslavia Tribunal). His logic: yes, states should
which, at the time, invented ‘special guest be welcome to the Council of Europe, but only
status’ for parliaments of the applicant states, if they ‘have clean hands’ and are really willing
and whose ‘Opinions’ were essential for the and able to abide by the principles upon which
Committee of Ministers to take into account the organisation is based. Leuprecht thought
before inviting a state to join the organisation. that these states fell woefully short of the mark
Many of us also remember the ‘safety net’ as concerns the three Council of Europe basic
– set-up by the European Community – with its pillars “…values were being watered down.
so-called 1993 Copenhagen Criteria,6 resulting That’s why I left. I don’t believe you can be a
in EU enlargement, with ten new member dissident and stay in government.”9
states, as of May 2004. You may or may not agree with Leuprecht’s
Were these decisions taken too stand, but his resignation was a dramatic event
precipitously? I obviously cannot speak for the which had a profound impact in Strasbourg
EU. However, as a staff member of the Council and beyond. It also confirmed, to me, that
of Europe, working closely with Peter Leuprecht, enlargement to the East – from just over 20 to
the then Director of Human Rights and later now 47 states – may have been too precipitate
Deputy Secretary General, we were of the view but appeared, at the time, to be politically
that the ‘new democracies’ certainly ought to be inevitable.
invited to join the democratic club of ‘Western It was recognized by political leaders at the
European states’ possessing a long, and hopefully time, in State capitals, that ‘monitoring’ par
strongly-anchored rule of law traditions. The excellence, by a newly created full-time Human
Rights Court in Strasbourg, supplemented

344
Human Rights in Europe: An Insider’s Views

by other key (human rights) monitoring as the 30-year rule of secrecy still applies to
mechanisms, would not suffice. Hence the need documents issued at the time, and with my
to ensure serious political monitoring so that ‘devoir de reserve’, I cannot – as frustrating as
basic values and standards of the organisation it may be – provide you with a detailed overview
not be diluted.10 of how the system functioned, and in the eyes
of some informed observers, has now apparently
3. THE COMMITTEE OF MINISTERS’ ground to a halt.
CONFIDENTIAL POLITICAL MONI- I nevertheless wish to make a few comments
TORING on this subject. The first relates to the manner
in which the ‘secret’ secretariat documents were
As a detailed overview of the organisation’s issued: they initially – before the introduction of
core monitoring mechanisms, including that thematic monitoring – took the form of ‘factual
of the Parliamentary Assembly, will shortly overviews’ in which ‘areas of concern’ were
be published by Oxford University Press in a highlighted in respect of specific countries. In my
book entitled The Council of Europe. Its Laws view – and with all due respect to the incumbent
and Policies,11 I will limit my observations to Secretary General and his excellent staff – when
the less known monitoring carried out by the one compares those ‘old’ reports with the recent
Committee of Ministers, the executive organ set of annual reports by the Secretary General,
of the organisation – in effect, the Foreign the last one issued in May 2016, entitled State of
Ministers of member states, represented by their democracy, human rights and the rule of law. A
ambassadors based in Strasbourg. security imperative for Europe,14 the latter is a far
States, principally the ‘new democracies’ cry from what was done back in the late 1990s!
“willing and able” to abide by Council of Europe In the old monitoring CM documents, ‘areas
standards – to quote from Article 4 of the 1949 of concern’ were clearly pinpointed in specific
Statute – became members of the Organisation countries, indicating exactly what the problem
on the understanding that they remedy was in country X or country Y. Hence, to say,
shortcomings in their legal orders as part of the as is written in the Secretary General’s report
membership package. This would be overseen, of May of last year, that in nearly 20 countries
in particular, by the Committee of Ministers’ ‘judicial independence is unsatisfactory due to
confidential, non-discriminatory, consensus- corruption, political interference and inadequate
based monitoring procedure based on its 1994 funding,’ without indicating in which countries
Declaration on Compliance with Commitments this is happening, may leave one somewhat
accepted by member states of the Council of perplexed.15
Europe.12 Unlike the monitoring work of the The contemporary reports of the Secretary
Parliamentary Assembly, which is made public, General are obviously of a different nature,
the Committee of Ministers’ procedures – based and do not concern Committee of Ministers’
on the Declaration – was and has remained monitoring. But should the Committee of
confidential, and has relied on persuasion, peer Ministers not undertake some form of more
pressure and diplomatic negotiation.13 pro-active ‘state-specific’ political monitoring,
When I moved from the then Directorate with the help of the Secretary General, or to
of Human Rights and was requisitioned to take revert back to the procedure in which ‘areas
charge of the Secretary General’s Monitoring of concern,’ in specific countries, are actually
Unit, I was convinced that this confidential clearly, unequivocally specified?16
monitoring was an artificial mechanism, a In this respect, it may be worth recalling
mere ‘fig leaf’ created to justify, retroactively, a rare positive example of solid, effective
the precipitated decision to invite a number of monitoring on the subject of ‘freedom of
countries with suspect democratic credentials to expression’, based on work undertaken by two
join the Council of Europe. But was it a mere ‘fig teams of experts in 1997-2000 and 2001-2002.
leaf’? The fact that this confidential procedure The latter group of seven independent experts,
was taken seriously by the organisation’s nominated by the then Secretary General,
executive, and the fact that it started functioning undertook in situ fact-finding monitoring
in very tense and difficult circumstances, back in missions on the theme of freedom of expression
1996, might suggest that I was wrong. However, prior to determining “very serious concern”

345
Andrew Drzemczewski

with respect to the situation in Moldova, Yet, when questioning or criticizing the utility
Russia, Turkey and Ukraine, as well as “serious of such political monitoring, one must take into
concern” with respect to the situation in five account realpolitik – what can realistically be
‘new democracies’ (Albania, Azerbaijan, Bosnia- achieved. Permit me to use the analogy of an
Herzegovina, Georgia and Romania) concerning, elastic band to suggest that political monitoring
at that time, 44 member states of the Council does have its rightful place in the Council of
of Europe.17 These ‘confidential’ Committee of Europe – be it in the Committee of Ministers
Ministers documents have now found their way or in the Assembly. The opportunity must be
into the public domain but are still little known seized to ‘stretch’ a member state to the limits
to persons outside the organisation, despite the of what is possible at a given moment of time,
devastatingly negative conclusions reached by so as to ensure compliance with its human
the experts, based on conclusions drawn up in a rights commitments, without the elastic band
key document issued in 1997 – in which it was snapping! In other words, if the elastic band
specified that: “Where, according to this report, snaps, and a state is excluded from the democratic
a situation gives rise to very serious concern club, the state concerned will no longer have
under Article 10 of the [ECHR], it is difficult an interest in abiding by the Council’s human
to confirm that the freedom of expression of rights standards. If you had been one of the
the press really exists in any meaningful sense persons freed by the Azerbaijani authorities,
[and that …] it cannot be said that a democratic or a family member of a person released from
system is fully established in these countries.”18 prison, would you complain? If, for different
One of the distinguished experts who had reasons, Azerbaijan or Russia were suspended
taken part in the in situ fact-finding missions, from membership of the organisation, would
David Anderson, has honoured me with such a step be beneficial or detrimental to the
his presence today. The other experts were populations of the countries concerned?
Denis Barrelet, Jochen Frowein, the late Karol Food for thought.
Jakubowicz, Marie McGonagle, Monica Macovei Just let me add a post scriptum to my
and Andrzej RzepliĔski. comments about Azerbaijan: many of you are
Permit me to provide you with another good aware of the ‘Caviar Diplomacy’ publications
example of how the Committee of Ministers’ of the European Stability Initiative.21 But not
monitoring worked, when the Committee necessarily of the Azerbaijani Foreign Minister’s
accepted the setting-up of an ad hoc monitoring inaccurate, not to say devious, reply to a question
procedure – with the appointment of three about political prisoners in his country which he
independent experts, Stefan Trechsel, Evert made before the Parliamentary Assembly back
Alkema and Alexander Arabadjev – in respect to on 2 October 2014, when he said “When the
a promise made by the Azerbaijani authorities to Parliamentary Assembly of the Council of Europe
the Parliamentary Assembly: that, upon joining creates criteria to define political prisoners, I
the organisation, they would release or re-try can respond to your question, otherwise it is
those prisoners regarded as ‘political prisoners’ very hypothetical.” His answer was, of course,
by human rights protection organisations.19 completely wrong, as such a definition had
This initiative set in motion, in February 2001, already been adopted by the Assembly two years
an incredibly complex and protracted procedure earlier.22
that consisted in assessing two separate lists But what makes matters worse, is the
of 716 and 212 alleged political prisoners – position taken by the Committee of Ministers:
which took over three years of intensive work to when the CM was asked to ensure that its, at
complete. More importantly, it resulted in the the time, Azerbaijani chairperson provide a
release and re-trial of very many persons.20 full answer to a written question posed in this
Those of us with a legal background may connection, the reply of the organisation’s
find political monitoring – including ‘naming executive organ was that “owing to a lack of
and shaming’, as the Parliamentary Assembly consensus” the Assembly would not get a reply
often does – as not the most appropriate to the question posed. In other words: as we
bedfellow in an Organisation which credits have no unanimity – the question will simply
itself with sophisticated legal mechanisms to remain unanswered!23
prevent or determine human rights violations.

346
Human Rights in Europe: An Insider’s Views

Let me summarise what I have said so far. Another example is the 2007 report relating
The Council of Europe effectively doubled after to UN and EU Terrorist Blacklists.28 UN Security
the end of the Cold War. There were hesitations Council Chapter VII measures, including the
as regards some candidates, but in the end use of ‘smart sanctions,’ are obviously effective
the political choice was made to admit all.24 and important tools in combatting international
In order to make up for the potential dilution terrorism. Yes, but what if, by imposing such
of Council of Europe standards, new forms of measures on individuals, ECHR standards are
monitoring were created. Some of these were infringed? Is it acceptable for persons to remain
quite successful, but one cannot deny that it has on terrorist blacklists for more than 10 years,
been an uphill struggle and the result, in certain in a situation in which prosecuting authorities
cases, is still far from satisfactory. have not found a shred of evidence against them?
This is where we stand today. If indeed this happens, how can one call
into question Security Council resolutions
4. THE PARLIAMENTARY ASSEMBLY that appear to flout basic human rights norms,
in the light of Article 103 of the UN Charter
The Assembly, composed of national
which clearly specifies that in the event of
parliamentarians, elects judges to the European
a conflict between Charter obligations and
Court of Human Rights and the Council’s
other international agreements, the Charter
Commissioner for Human Rights. Apart from
obligations must prevail?.29
these important tasks, as one of the principal
organs of the organisation, it is nevertheless This is an issue which has been litigated
often perceived as a deliberative body of little in a number of fora: suffice for me to cite the
relevance: from time to time, it ‘names and Luxembourg Court’s Kadi case of 2008,30 as well
shames’ states which violate human rights; as the Strasbourg Court’s judgments in Nada31
but it lacks the backbone to undertake serious, and Al-Dulimi.32
thorough investigations. This is a simplistic and But what you may not be aware of is the
erroneous perception of the way it functions. Strasbourg Court’s President’s refusal, back in
Actually, its reports can, and often do have 2010, to permit the Assembly’s Committee on
a profound effect on human rights standards in Legal Affairs and Human Rights to make a Third
Europe. Suffice to recall its work – over the years Party Intervention in the Nada case. We were
– on the implementation of Strasbourg Court rather puzzled by this refusal, but this did not
judgments (the effectiveness of which Alice prevent us from putting into the public domain
Donald and Philip Leach have recently analysed a letter, addressed by the Swiss authorities to
in their excellent book: Parliaments and the the Chairperson of the Security Council’s Al-
European Court of Human Rights25). In addition, Qaida’s Sanctions Committee, announcing the
to illustrate the Assembly’s potential impact, I’d Swiss Parliament’s decision not to apply the
like to provide you with examples of a number relevant Security Council sanctions if, after a
of outstanding inquiries led by Dick Marty, the three-year period, an individual concerned has
Swiss Senator. not been brought before a judicial or independent
authority.33 Just before coming here to Hendon
Take, for example, the Assembly’s
this evening, I checked the website of the Swiss
Resolution of January 2011 on inhuman
Parliament to see what follow-up was given to
treatment of people and illicit trafficking in
this decision: the decision was to “prorogé d’un
human organs in Kosovo,26 which led directly
an” (defer by a year) the said decision.34 So it
to a four-year in-depth criminal investigation
appears that the Swiss Parliament, at least,
conducted by the EU’s Special Investigative
stands firm on its decision not to be bound by
Task Force. The evidence investigated – based
Security Council decisions which flout basis
on Senator Marty’s report – was of sufficient
human right standards.
weight to permit the filing of an indictment,
and merited the recent creation of the Kosovo An astute listener to what I have just
Specialist Chambers and Prosecutor’s Office, said may, understandably, point out that I
whose Seat Agreements, at The Hague, have have completely deviated from presenting an
come into effect as of 1 January 2017.27 Assembly report to that of discussing legal
issues relating to blacklisting, and that this

347
Andrew Drzemczewski

is not a convincing example of an important committees to look into this matter. Senator
PACE initiative. After all, what we have here Marty also submitted an unsuccessful Amicus
is a failed Third Party Intervention before the Brief before the US Supreme Court in September
Strasbourg Court! Yes, but the point I make 2007.36
here is that PACE members are also national More importantly, perhaps, was the
parliamentarians, wearing a ‘double casquette’, admission, by President Bush, on 6 September
as the French say. Hence, this specific initiative 2006, that there had indeed existed such a
can be cited as an example of a principled position network of secret prisons run by the CIA – an
taken by the Swiss Parliament, to give notice to extraordinary admission that vindicated the work
the UN Security Council that the country will of Senator Marty. Indeed, when in December
not tolerate UN measures that are not human 2014 the US Senate released the Executive
rights compliant, which was initiated, within Summary undertaken by its Select Committee
Parliament, by Swiss parliamentarians from the on Intelligence – the so-called Feinstein Report
Assembly’s delegation. – it was striking to see just how many of Marty’s
One more example of a Marty report. Some findings had been accurate eight years earlier and
of you may remember “the global ‘spider’s web’ without access to the six million or so classified
of secret detentions and unlawful inter-state documents the Senate Committee relied on.
transfers” – a compelling graphic representation The European Court of Human Rights,
of CIA rendition flights that were prominently in the cases of El-Masri v The former Yugoslav
displayed in Le Monde, The Financial Times, Republic of Macedonia,37 Abu Zubaydah and
BBC News Online and several other major media Al Nashri v Poland,38 Nasr and Ghali v Italy
outlets around the world. This graphic was (relating to the abduction of Imam Abu Omar),39
taken from the first of two reports Dick Marty has developed a robust set of judicial findings
presented to the Assembly back in 2006 and against the participating European states. In
2007, addressing secret detentions of terrorist all these cases – in addition to two others still
suspects in Council of Europe member states. pending before the Strasbourg Court against
Dick Marty revealed that in at least two cases, Lithuania40 and Romania41 – the defendant states
Poland and Romania, states had hosted ‘secret had all (initially) denied their involvement in, or
prisons’ on their soil, and that the governments knowledge of, the existence of secret detentions
of these states, acting through their intelligence and illegal renditions on their territory. What
services, had been complicit in and aware of Marty prophetically called “la dynamique de la
such illegal practices.35 verité” – the dynamics of truth – has slowly but
Marty’s investigative reports on this surely caught up with them.
matter were ground-breaking, headline-making The CIA secret prisons reports have thrown
publications that have stood the test of time. light on a dark chapter in European history
They were based on an approach that Dick Marty and will, so it is hoped, ensure that European
himself described as being akin to intelligence- governments are never again complicit in
gathering – essentially taking on the CIA at torture.
their own game! Information was obtained from
Contrary to widely-held suppositions, this
Eurocontrol, the EU’s Satellite Agency, lawyers
work was not undertaken by a team comprising
representing many of the persons detained,
of 20 or more full-time lawyers and investigators.
thousands of flight records from different national
Actually, only three Secretariat staff members
and international sources, in situ investigations
worked closely with Dick Marty on these
and interviews with scores of sources – many
reports, while simultaneously juggling all their
of them confidential – in countries including
other professional duties within the Assembly’s
Belgium, Germany, Italy, Macedonia, Poland,
Department on Legal Affairs and Human Rights.
Romania, Sweden, the UK and of course the
The going was tough; we had to learn how to
US. These revelations were also followed-up by
deal with current and former secret service
an ECHR Article 52 inquiry by the Secretary
officials and intelligence agencies; we had to find
General and a report on the legal implications
ways of guaranteeing confidentiality of sources,
from the Venice Commission. The European
and to hold meetings and store highly sensitive
Parliament considered itself duty-bound, as did
information in ‘safe places’ (thankfully, we could
several national parliaments, to set-up special
rely on Dick Marty’s considerable previous

348
Human Rights in Europe: An Insider’s Views

experience as a prosecutor in the context of the of independence of the CIS Human Rights
Italian mafia mani pulite investigations). We Commission, the body designated to monitor
endured many sleepless nights, and regularly States Parties’ human rights obligations under
had cause to look over our shoulders, anxious the Convention. As Judge Cançado Trindade
that we might have come to know just a little wrote: “The fact that the CIS Human Rights
too much… Indeed, I was especially relieved that Commission… is composed of ‘representatives
this dossier had reached closure… after having of the Parties’, who are appointed (not even
picked-up a colleague from the airport, on his elected) … is [to me] a cause of great concern”.42
return from a fact-finding trip to Romania, to The experts’ reports had a significant
find that his flat had been broken into and that political impact: the Parliamentary Assembly was
“visitors” had been busy installing or removing alerted in time, permitting it to add appropriate
some sort of device in a cavity in the wall when ‘provisos’ into texts relating to membership
they had been disturbed by a noisy neighbour applications of countries from the ex-Soviet
… ‘Ceci n’était pas un cambriolage normale’ Union, who were also members of the CIS.43
was the comment of the somewhat baffled
As to whether the experts’ views had an
policeman who came to look into this rather
influence on the Strasbourg Court’s decision
unusual ‘burglary’ … a mysterious occurrence
to refuse, nine years later, in June 2004, the
we may possibly be able to shed more light on
Committee of Ministers’ request for an Advisory
once all the litigation on the subject has come to
Opinion to determine whether the CIS Human
a close before the Strasbourg Court.
Rights Commission can be regarded as “another
procedure of international investigation or
5. AN IN-HOUSE SUCCESS STORY settlement” within the meaning of Article 35 §
The in-house ‘success story’ is a rare example 2 (b) of the Convention, I simply do not know.44
of how two eminent human rights experts, Nowhere, as yet, have I seen comments
Antonio Cançado Trindade, former President indicating the key role these two experts played
of the Inter-American Court of Human Rights, in safeguarding the organisation’s acquis.45
and now a judge on the International Court of But one thing is certain: since the issue of
Justice at The Hague, and Jochen Frowein, at their reports back in 1995, over 20 years ago,
the time Director of the Max Planck Institute for the CIS Human Rights Commission does not
Comparative Public Law and International Law function. Mention of it has even disappeared
in Heidelberg, and previously First Vice-President from the CIS’s official website … and the Minsk
of the European Commission of Human Rights, Convention now appears to be a dead letter.46
were able to nip-in-the-bud, as it were, the newly
created Commonwealth of Independent States 6. CHALLENGES FOR THE FUTURE
(CIS) Convention on Human Rights, adopted in
Minsk on 26 May 1995 and in force since 11 I wish to complete my presentation by
August 1998. highlighting – from the perspective of an outgoing
“insider” – certain challenges which face the
This Minsk Human Rights Convention
Council of Europe and its member states.
was perceived as a surreptitious attempt to
undermine the effectiveness of the European The need to ensure the election, by the
Convention on Human Rights. Why? Because, Assembly, of judges of the highest calibre
if principally Russian-speaking individuals were onto the Court in Strasbourg is of the utmost
to bring their applications before the Minsk CIS importance. Hence the need to ensure an
Human Rights Commission, their (subsequent) appropriate procedure leading up to their
applications before the Strasbourg Court could election.47 A drafting group of experts48 within
simply be time-barred. the Council of Europe is presently looking into
this subject, and I understand that they are likely
In the summer of 1995, in less than six
to focus their work on states’ national selection
months after the adoption of the CIS Human
procedures.49 As concerns the Parliamentary
Rights Convention, the then Secretary General
Assembly, its procedures have been tightened-
of the Council of Europe, Daniel Tarschys, was
up in recent years. Here, credit must be given to
able to obtain, from the experts, two separate
its special committee on the election of judges.
highly critical analyses of the CIS Convention’s
Look at, for instance, what happened during the
control mechanism, indicating the total lack

349
Andrew Drzemczewski

Assembly’s session in October 2016: the judge in In this presentation I have not ventured into
respect of Azerbaijan was elected, but only after territory of my prédilection: the domestic status
two previous lists of inappropriate candidates of the ECHR, the supervision of the Strasbourg
had been rejected by the Assembly. At the same Court’s judgments by the Committee of
sitting, in October, the Assembly – again upon Ministers,57 and the ever-increasing role that the
the recommendation of its special committee – Parliamentary Assembly plays in this respect.
rejected lists submitted to it by the governments There already exists a substantial literature on
of Albania and Hungary since national selection these subjects.58 But I do feel obliged to mention,
procedures, in both countries, had not been fair in this connection, that repeal of the Human
and transparent.50 As you can see, the Assembly Rights Act, in this country, must be resisted; all
is taking its work very seriously. Also, as the is not yet lost.59
rules governing its procedure for the election of What must, above all, be vigorously
judges are scattered over a number of Assembly countered is gratuitous ‘Strasbourg Court-
resolutions and recommendations, these texts bashing’ as well as destructive legislative
are now to be consolidated into one single initiatives, such as those taken in Russia, which
resolution.51 have empowered the Russian Constitutional
We know that negotiations with respect to Court to determine, inter alia, whether the
EU accession to the ECHR will need to be re- findings of the Strasbourg Court are compatible
opened after the Luxembourg Court’s negative with the Russian constitution norms.60
Opinion.52 But if the EU and its member states My last comment is no longer that of
– who have other matters on their mind right an ‘insider,’ but rather one of an ‘outsider.’
now - come up with a pre-cooked made-to- It concerns the report on the human rights
measure package to ‘appease’ the Luxembourg situation in the North Caucasus adopted by the
Court’s objections – do not be surprised if, in the Parliamentary Assembly’s Committee on Legal
new set of negotiations, the Council of Europe’s Affairs and Human Rights on 18 April 2016. Yes,
non EU member states, in particular Norway, back in April 2016, nine months ago.61 Why was
Russia, Switzerland and Turkey (joined by the this report not placed on the Assembly’s plenary
UK, perhaps?), may not be as accommodating as agenda in June or October 2016? Or in January
they had been until now. 53 2017? Why has it only recently been put on the
Of interest also is an Assembly report which Assembly’s draft agenda for April 2017, a year
referred to the issue of states using international after its adoption? I am puzzled and somewhat
organisations as a tool to escape accountability worried by this development.
– which they actually have succeeded in doing
in a number of instances before the Court in 7. CONCLUDING REMARKS
Strasbourg by not being held accountable for
I wish to thank, in particular, Joshua
(alleged) human rights violations perpetrated
Castellino and Philip Leach, for the honour
while undertaking, for example, peacekeeping
bestowed upon me by my appointment as a
and military interventions; this is also tied to
Visiting Professor, and to stand before you
complex immunity issues.54 Of interest to note,
this evening and make, what has been my very
in this connection, is the Dutch Supreme Court’s
first public lecture in front of human rights
judgment of 2013, in the Stichting Mothers
personalities of the caliber of David Anderson,
of Srebrenica case, in which the Supreme
Nicolas Bratza, Bill Bowring, Philip Leach, Bill
Court retained the notion of ‘dual attribution’,
Schabas and many others.
permitting the relatives of those killed in
Srebrenica to pursue their claims against both I also wish to express my admiration to
the UN and the Dutch authorities.55 those of you in the audience, who work hard –
behind the scenes - for the European Human
Another subject worthy of special attention
Rights Advocacy Centre. The case-work and
is the European Commission’s use of its ‘Rule
litigation which you undertake, in particular
of Law Framework’ with respect to the crisis of
with respect to Russia, Georgia, Azerbaijan,
‘constitutional democracy’ in Poland, and the
Armenia and Ukraine, are having a profound
role played, in this connection, by the Council
impact – believe me! It reminds me of the
of Europe’s Venice Commission.56

350
Human Rights in Europe: An Insider’s Views

pioneering work undertaken by the late Kevin The Council of Europe is not a perfect
Boyle and Françoise Hampson, in Essex, without organisation. It does not have economic clout
whom very, very many victims of human rights or military power. But it is the moral and
violations in South East Turkey would not legal guardian of human rights standards in
have won their cases in Strasbourg. Middlesex Europe. Those of us who have had the privilege
University is playing a key, active role in the of working for the organisation – be it in its
protection of Human Rights in Europe, and I statutory bodies, in its core human rights
am truly deeply touched to be associated with monitoring mechanisms, as outside experts, or
an institution that has become an outstanding staff members – must, in my humble opinion,
center of excellence in the human rights field. defend its work vigorously, and when so doing
I have not spoken about many, many not forget the words of Pastor Martin Niemöller,
important human rights issues this evening, a German cleric:62
on the understanding that I will commence my First they came for the Jews, & I did not
‘real’ return to academia as of tomorrow, at a speak out – because I was not a Jew.
roundtable with staff and students – to discuss Then they came for the communists, &
other challenges which face the Council of I did not speak out – because I was not a
Europe. communist.
As indicated at the beginning of my Then they came for the trade-unionists, &
I did not speak out – because I was not a
presentation, there are major human rights
trade-unionist.
issues facing us today: one cannot but look Then they came for me - & there was no-
with concern, at the situation here, in the UK, a one left to speak out for me.
mature democracy, with Brexit and the possible
repeal of the Human Rights Act, including These phrases encapsulate well, in my
the dangers that a withdrawal from the ECHR view, the essential role of the Council of Europe
system may entail … which would put into and for what it stands, as the moral guardian of
jeopardy the existence of the ECHR. I cannot human rights in Europe.
but reiterate the fact that the challenges before
us are enormous, be it here in the UK or in other
parts of Europe.

351
Andrew Drzemczewski

NOTES

1. This is a slightly revised version of the which, if provided, might well have been at
author’s Inaugural Professorial Lecture given variance with decisions taken in the capitals
at the School of Law of Middlesex University of member states, I refrained from so doing.
in Hendon, London, on 17 January 2017. A Instead, when asked about the speed with
shortened version of the lecture was published which important political decisions had been
in the European Human Rights Law Review, taken, I often cited what Vaclav Havel had said
2017, issue 2, at pp. 134 -144. in October 1992 (Le Monde, 29 October 1992,
2. See D. Huber A Decade which made History. discours à l’Académie des sciences morales
The Council of Europe 1989-1999 (Council of & politiques, page 4.). My translation of the
Europe Publishing, 1999). French original: “I realized with horror that my
impatience with respect to the reestablishment
3. See, e.g., M. O’Boyle “Emergency Government of democracy had something communist in
and Derogation under the ECHR” [2016] 4 it…. I wanted History to advance in the same
E.H.R.L.R. 331 and Parliamentary Assembly manner as a child pulls at the stem of a plant
(PACE) document AS/Pol (2016)18 rev., to try and make it grow faster. I believe one
Report on fact-finding visit to Ankara (21- has to learn to wait, as one does to create. One
23 November 2016) of the Committee on has to patiently sow the grains, water the earth
Political Affairs and Democracy’s ad hoc diligently – where they have been planted –
Sub-Committee on recent developments in and give them the time that they need to grow.
Turkey, 15 December 2016 http://website-pace. One cannot fool a plant, no more than one can
net/documents/18848/2197130/20161215- fool History. But one can continue watering.
Apdoc18.pdf/35656836-5385-4f88-86bd- Patiently, every day. With comprehension, with
17dd5b8b9d8f. humility, certainly, but also with love.”
4. See, e.g., “A major overhaul of the European 9. See “Reflections on a remarkable period of eleven
Human Rights Convention control years: 1986 to 1997” in Liber Amicorum Peter
mechanism: Protocol No. 11”, in Collected Leuprecht (Bruylant, 2012, Texts collected by
Courses of the Academy of European Law, Vol. O. Delas and M. Leuprecht), pp.105-115, at pp.
VI, Book 2 (Martinus Nijhoff, 1997), pp. 121- 114-115.
244. See also Ten Years of the ‘New’ European
Court of Human Rights 1998-2008 (European 10. Obviously, the Court in itself does not carry
Court of Human Rights, 2008), testimony on out monitoring, but the term is here used
pp. 63-64 available at http://www.echr.coe.int/ generically to encompass functions entrusted
Documents/10years_NC_1998_2008_ENG. to the Committee of Ministers in supervising
pdf. the Court’s judgments: Article 46 §2 ECHR.
‘[S]erious political monitoring’ also includes
5. Article 3 of the Council of Europe’s Statute of monitoring carried out, in particular, by the
1949, ETS Nº. 1. Parliamentary Assembly, whose work in this
6. For details see EUR-Lex website: http://eur- respect merits separate and in-depth analysis.
lex.europa.eu/summary/glossary/accession_ See, in this connection, B. Haller “L’Assemblée
criteria_copenhague.html. parlementaire et les conditions d’adhésion au
Conseil de l’Europe’” in Law in Greater Europe.
7. C.f., the delay in which, for example, France,
Towards a Common Legal Area. Studies in
a founding member of the organisation, which
honour of H. Klebes (Kluwer Law International,
ratified the ECHR in 1974 and accepted the
2000, edited by B. Haller, H.-C. Krüger & H.
right of individual application (which was
Petzold), at pp. 27-79 and recent texts issued
then optional, addressed to the now defunct
on this subject by the Assembly, Resolution
European Commission of Human Rights)
2149 (2017), of 26 January 2017, based on the
only in 1981. See “Ensuring compatibility
annual report of its Monitoring Committee’s
of domestic law with the ECHR prior to
activities from September 2015 to December
ratification: The Hungarian Model’ in Vol. 16
2016, document 14213, of 6 January 2017
HRLJ (1995), pp. 241-260.
http://assembly.coe.int/nw/xml/XRef/Xref-
8. When, during the period of ‘enlargement,’ I DocDetails-en.asp?FileID=23246&lang=en.
was asked to express my views on the subject

352
Human Rights in Europe: An Insider’s Views

All Assembly documents cited in this Opinion 18. Document CM (97) 219, § 92 (cited in
can be accessed on http://assembly.coe.int Appendix II of document CM/Monitor (2002)
11. The Council of Europe. Its Laws and Policies, 25).
Oxford University Press, 2017, edited by 19. Opinion No. 222 (2000), § 14 iv b, of 28
S. Schmahl & M. Breuer. See, in particular, June 2000, available at http://assembly.coe.
chapter 7 on the Parliamentary Assembly, i n t / n w / x m l / X Re f / X r e f-X M L 2 H T M L - e n .
written by P. Leach, at pp.166-211. asp?fileid=16816&lang=en
12. Text available at https://rm.coe.int/ Azerbaijan acceded to the Council of Europe on
CoERMPublicCommonSearchServices/Display 25 January 2001 and ratified the ECHR on 15
DCTMContent?documentId=090000168053 April 2002.
661f. 20. For more details see Council of Europe
13. For further discussion on this subject see A. documents SG/Inf (2001) 34 & Addenda and
Drzemczewski “Monitoring by the Committee SG/Inf (2004) 21 and Addendum, as well as S.
of Ministers of the Council of Europe: a Useful Trechsel “The notion of ‘political prisoner’ as
‘Human Rights’ Mechanism?”, in Vol.2 Baltic defined for the purpose of identifying political
Yearbook of International Law (Kluwer Law prisoners in Armenia and Azerbaijan” in vol.
International, 2002, edited by I. Ziemele), pp. 23 HRLJ (2002), pp.169-176.
83-103, and “Le ‘monitoring’ du Comité des 21. Accessible at http://www.esiweb.org/ (two
Ministres du Conseil de l’Europe: un aperçu de reports on ‘caviar diplomacy’: http://www.
son évolution” in Libertés, Justice, Tolérance esiweb.org/pdf/esi_document_id_131.pdf, of
Mélanges en hommage au Doyen G. Cohen- 24 May 2012, and http://www.esiweb.org/
Jonathan, vol. I (Bruylant, 2004), pp.707-725. pdf/ESI%20-%20The%20Swamp%20-%20
14. An analysis based on the findings of the Caviar%20Diplomacy%20Part%20two%20-
Organisation’s monitoring mechanisms %2017%20December%202016.pdf, of 17
and bodies, presented at the 126th Session December 2016). See also the Assembly’s Bureau
of the Committee of Ministers, in Sofia, decision to set up an external independent
18 May 2016, accessible at https:// investigation to look into allegations of
s e a r c h . c o e . i n t / c m / Pa g e s / r e s u l t _ d e t a i l s . corruption within the institution, at http://
aspx?ObjectID=0900001680646af8, at p.16. assembly.coe.int/nw/xml/News/News-View-
15. See also PACE Resolution 2098 (2016) Judicial EN.asp?newsid=6514&lang=2&cat=13,
corruption: urgent need to implement the decision taken on 27 January 2017.
Assembly’s proposals, of 29 January 2016, § 22. Resolution 1900 (2012): the definition of
7, as well as comments by Rapporteur K. Sasi political prisoner, adopted on 3 October
in PACE document 13824, § 23, accessible 2012, accessible at http://assembly.coe.
at http://assembly.coe.int/nw/xml/XRef/Xref- i n t / n w / x m l / X Re f / X r e f-X M L 2 H T M L - e n .
DocDetails-EN.asp?FileID=21798&lang=EN. asp?fileid=19150&lang=en
16. This, in the eyes of certain informed observers, 23. See Assembly document 14089 “Unanswered
may be a somewhat naïve hope, indeed wishful questions by the Committee of Ministers
thinking, given the prevailing situation in on […] political prisoners in Azerbaijan,” of
Russia, Turkey and Ukraine, and taking into 18 June 2016, accessible at http://assembly.
account the difficulties the EU has with ‘Rule coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-en.
of Law monitoring’ in respect of Poland. But asp?fileid=22828&lang=en
the point I am trying to make is this: in many 24. With the exception of Belarus.
quarters the credibility of the Council of Europe
is being put into question which necessitates 25. Oxford University Press, 2016.
- now - a more focused form of political 26. Resolution 1782 (2011) Investigation of
monitoring by the Organisation’s executive allegations of inhuman treatment of people
organ. and illicit trafficking in human organs
17. Documents CM/Monitor (2002)25 and CM/ in Kosovo, of 25 January 2011, based on
Monitor(2003)8final2,availableathttps://rm.coe. document 12462, available at http://assembly.
int/CoERMPublicCommonSearchServices/Disp coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-en.
layDCTMContent?documentId=0900001680 asp?fileid=17942&lang=en
5dfa38. 27. See website https://www.scp-ks.org/en

353
Andrew Drzemczewski

28. Resolution 1597 (2008) and Recommendation in Europe, of 24 July 2016, accessible at http://
1824 (2008) United Nations Security Council assembly.coe.int/nw/xml/News/News-View-en.
and European Union Blacklists, adopted asp?newsid=5722&lang=2 (this timeline is
on 23 January 2008, based on document regularly updated).
11454, available at http://assembly.coe. 37. Grand Chamber judgment of 13 December
i n t / n w / x m l / X Re f / X r e f - D o c D e t a i l s - e n . 2012.
asp?FileID=11749&lang=en.
38. Judgments of 24 July 2014.
29. The full text reads: “In the event of a conflict
between the obligations of the Members of the 39. Judgment of 23 February 2016.
United Nations under the present Charter and 40. Abu Zubaydah v Lithuania (Nº. 46454/11).
their obligations under any other international
41. Al Nashiri v Romania, (Nº. 33234/12).
agreement, their obligations under the present
Charter shall prevail.” 42. Analyses of the Legal Implications for States
that Intend to Ratify both the European
30. Kadi and Al Barakaat v Council of the European
Convention on Human Rights and its Protocols
Union [2008] ECHR I- 6351, of 3 September
and the Convention on Human Rights of the
2008.
Commonwealth of Independent States (CIS),
31. Nada v Switzerland, Grand Chamber judgment by A.A. Cançado Trindade and J.A. Frowein,
of 12 September 2012. All judgments of the Council of Europe document SG/INF (95)
European Court of Human Rights can be 17, of 20 December 1995, § 98 of analysis of
consulted in HUDOC – http://echr.coe.int. Cançado Trindade, also published in Vol. 17
32. Al-Dulimi & Montana Management v HRLJ (1996), pp. 157- 184, at p.179.
Switzerland, Grand Chamber judgment of 21 43. See, in particular, § 11 (e) of Opinion 188
June 2016. (1995) with respect to Moldova, of 27 June
33. Assembly document AS/Jur/Inf (2010)05, of 1995; § 12 (iii) of Opinion 190 (1995) with
7 December 2010, available at http://www. respect to Ukraine, of 26 September 1995, and
assembly.coe.int/CommitteeDocs/2010/ § 10 (xv) of Opinion 193 (1996) with respect
07122010_blacklists.pdf. to Russia, of 25 January 1996 (available on
the Assembly’s website and in Vol. 17 HRLJ
34. See the Swiss Parliament’s website https:// (1996), at pp. 157-159).
www.parlament.ch/en/ratsbetrieb/suche-curia-
vista/geschaeft?AffairId=20093719 on which 44. The Court considered that it had to leave this
the text of the latest decision on this subject, matter open, as the adoption of an advisory
dated 29 September 2016, can be found. opinion might prejudice, at a future date, an
examination of an individual or inter-state
35. Resolution 1507 and Recommendation 1754 application which could entail an analysis of,
(2006), Alleged secret detentions and unlawful inter alia, the independence and impartiality
inter-state transfers of detainees involving of the CIS Commission, the nature of this
Council of Europe member states, adopted on Commission’s proceedings and the effect of its
27 June 2006, based on document 10957, and decisions. It therefore decided, on 2 June 2004,
Resolution 1562 (2007) and Recommendation that it had no competence to give an opinion
1801 (2007), Secret detentions and illegal on the matter referred to it.
transfers of detainees involving Council of
Europe member states: second report, adopted 45. The Minsk Convention had been ratified by
on 27 June 2007, based on document 11302 four Member States of the CIS: Russia, Belarus,
rev. See also Resolution 1838 (2011) and the Kyrgyz Republic and Tajikistan (Russia
Recommendation 1983(2011), Abuse of state being the only state – as a member state of the
secrecy and national security: obstacles to Council of Europe - to have ratified the ECHR).
parliamentary and judicial scrutiny of human Georgia withdrew from CIS in 2008; Ukraine
rights violations, adopted on 6 October 2011, is an Associate Member.
based on document 12714. All these texts are 46. See Article 33 of the CIS Statute of 1993, and
available on the Assembly’s website http:// Article 34 of the Minsk Convention and the
assembly.coe.int. Commission’s regulations attached thereto
36. For a comprehensive overview, with hyperlinks (English translation of the latter in Vol.17 HRLJ
to documents and most initiatives enumerated (1996), at pp.162-164). See also Assembly
in this Opinion piece, see Timeline: the Council Resolution 1249 (2001) and Recommendation
of Europe’s investigation into CIA secret prisons 1519 (2001), Coexistence of the Convention

354
Human Rights in Europe: An Insider’s Views

on Human Rights and Fundamental Freedoms of international organisations for human


of the Commonwealth of Independent States rights violations, of 31 January2014, based on
and the European document 13370 – see, in particular, footnote
Convention on Human Rights, of 23 May 25 in the latter document which specifically
2001, based on document 9075, available on refers to the Dutch Supreme Court’s judgment
the Assembly’s website http://assembly.coe.int. of 6 September 2013.

47. See Assembly website: http://website-pace. 56. See the European Commission’s website http://
net/en_GB/web/as-cdh/main. See also, A. ec.europa.eu/justice/effective-justice/rule-of-
Drzemczewski “The Parliamentary Assembly’s law/index_en.htm and that of the Council
Committee on the Election of Judges to the of Europe’s Venice Commission http://www.
European Court of Human Rights, Council of venice.coe.int/webforms/events/. See also, e.g.,
Europe” in Vol. 35 HRLJ (2015), pp.269-274. comments regularly made by specialists on
this subject on the Verfassungsblog as well as
48. Full title: Drafting Group I on the Follow-up to How to Resolve the Crisis of Constitutional
the CDDH Report on the Longer-Term Future Democracy in Central Europe? (forthcoming)
of the Convention (DH –SYSC-I). http://www.evro-pf.si/media/website/2016/11/
49. And perhaps also on the appropriateness Ljubljana-conference9-10Dec2016-jlc-1.pdf.
of updating the Committee of Ministers’ 57. Article 46, § 2, ECHR: see website http://www.
Guidelines on the selection of candidates for coe.int/en/web/execution.
the post of judge at the European Court of
Human Rights, of 29 March 2012: document 58. See A. Drzemczewski and J. Lowis “The role
CM (2012)40 addendum final. of Parliaments in relation to human rights:
the work of the Parliamentary Assembly of the
50. Non-compliance with ‘standards required by Council of Europe” in Parliaments and Human
the Assembly and the Committee of Ministers’: Rights. Redressing the Democratic Deficit
see PACE document 14150 Addendum II (Oxford University Press, 2015, edited by M.
of 5 October 2016. For more details, see the Hunt, H. Hooper and P. Yowell,), pp. 309-327,
Assembly’s website: http://website-pace.net/ and the select bibliography in Impact of the
en_GB/web/as-cdh/main. European Convention on Human Rights in
51. See, in this connection, motion for a resolution, States Parties: Selected Examples (Council of
Election of Judges to the European Court of Europe publications, 2016), also accessible, as
Human Rights, Assembly document 14250, of PACE document AS/Jur/Inf (2016) 04, at http://
25 January 2017, available at http://assembly. website-pace.net/documents/19838/2008330/
coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-en. AS-JUR-INF-2016-04-EN.pdf/12d802b0-5f09-
asp?fileid=23401&lang=en. 463f-8145-b084a095e895.
52. CJEU Opinion 2/13 of 18 December 2014. 59. See, e.g., D.Grieve ‘Can a Bill of Rights do better
than the Human Rights Act?’ (2016) Public
53. See J. Polakiewicz “Accession to the European
Law pp. 223-235.
Convention on Human Rights – an insider’s
view addressing one by one the CJEU’s 60. See Venice Commission Opinion No. 832/2015,
objections in Opinion 2/13” in Vol.36 HRLJ document CDL-AD (2016) 016, available
(2016), pp. 10-22. For background information at http://www.venice.coe.int/webforms/
consult, in particular, “EU accession to the documents/default.aspx?pdffile=CDL-
ECHR: the negotiation process” and “Election AD(2016)016-e and reactions, in PACE and
of EU judge onto the Strasbourg Court” in The elsewhere, to the Russian Constitutional
EU Accession to the ECHR (Hart Publishing, Court’s finding in the Yukos case on 19 January
2014, edited by V. Kosta, N. Skoutaris andV. 2017, http://assembly.coe.int/nw/xml/News/
Tzevelekos), at pp. 17-28 and pp. 65-72. News-View-en.asp?newsid=6484&lang=2.
54. As concerns the Strasbourg Court’s case law: 61. Assembly document 14083 Human Rights
see, e.g., Behrami and Behrami v France & in the North Caucasus: what follow-up to
Saramati v France, Germany and Norway, Resolution 1738 (2010)? - issued by the
Grand Chamber decision on admissibility of Assembly on 8 June 2016 http://assembly.
31 May 2007, and Mothers of Srebrenica v the coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-en.
Netherlands, judgment of 11 June 2013. asp?fileid=22771&lang=en.
55. See Assembly Resolution 1979 (2014) and 62. Pastor Martin Niemöller who – and many have
Recommendation 2037 (2014), Accountability forgotten this – initially welcomed Hitler’s

355
Andrew Drzemczewski

accession to power back in 1933; quotation K. English and A. Stapleton (Human Rights
taken from The Human Rights Handbook. A Centre, University of Essex, 1995), p.14.
Practical Guide to Monitoring Human Rights,

356
ÉTICA HUMANA Y ANIMALES DOMÉSTICOS
NO HUMANOS

Eugenio Raúl Zaffaroni


Jurista argentino; ex Ministro de la Suprema Corte Argentina; Juez de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos.

1. LOS DERECHOS ANIMALES AVANZAN Esta segunda vía es la que más se ha


debatido en los últimos años: la condición
POR DOS VÍAS de sujeto de derecho de la naturaleza (de la
Centraré estas reflexiones en la pregunta vida no humana) la reconoce ahora el derecho
acerca de si existe alguna obligación ética del público latinoamericano, en particular las
animal humano con respecto a los animales Constituciones de Bolivia y Ecuador. La cuestión
no humanos llamados de compañía, en socio-ambiental de la humanidad en este siglo y
especial perros, gatos y, en particular, si estas en el marco actual de poder mundial, también
obligaciones, en caso de existir, deben hacer que ha sido objeto de la juiciosa Encíclica Laudato si.
se los considere sujetos de derechos. El derecho que nos rige y la doctrina que
Muchas de las consideraciones que lo desarrolla son un producto predominante de
siguen son aplicables también a los caballos, nuestra cultura llamada occidental, y como tal
pues hasta su sustitución en el transporte y la mira aún con desconfianza el reconocimiento de
guerra, su protección era una de las principales esta personalidad jurídica, pero no puede menos
preocupaciones de las protectoras pioneras y que ir aceptándola, en particular cuando los
hay episodios reveladores de reacción ante su científicos advierten sobre el cambio climático
maltrato: Nietzsche tuvo su brote psicótico ante y el acelerado deterioro de las condiciones
la visión del maltrato a un caballo. de habitabilidad humano del planeta. El
El tema de los derechos de los animales constitucionalismo latinoamericano, por su
llamados ahora de compañía, se enmarca en parte, la incorpora retomando los valores de las
el más general de los deberes éticos y jurídicos culturas precoloniales, como la Pachamama.
respecto de las formas de vida no humana y su Pero la condición de sujetos de derechos de
posible consideración como sujetos de derecho, los llamados animales de compañía parece haber
cuestión que llegó al campo jurídico por dos vías quedado más en la penumbra, fundada sólo en
y en dos momentos diferentes. un nebuloso sentimiento de piedad humana,
(a) La primera fue a lo largo del siglo XIX, pero que se pretende en el fondo débil en cuanto
justamente planteado por las leyes de protección a su fundamento ético y jurídico.
contra la crueldad hacia los llamados animales Como los animales humanos nacemos
de compañía y de los caballos de tiro, que prematuramente y tenemos un período de
comenzaron en Gran Bretaña y se extendieron desarrolla extrauterino a ritmo fetal, estamos
por toda Europa y de allí al mundo. privados de un condicionamiento instintivo
(b) La segunda, fue a partir de los años más completo y, por ende, la condición de
setenta del siglo XX, en especial cuando, después fetos sociales nos obliga a desarrollar diferentes
de Estocolmo, comenzó a discutirse la cuestión culturas, a las que somos lanzados con nuestra
medioambiental. venida al mundo. En esas culturas crecemos e
internalizados sus valores.

357
Eugenio Raúl Zaffaroni

2. LA DEFINICIÓN EUROCÉNTRICA organizaciones protectoras de animales de


compañía y de tiro.
Y ELITISTA DE LO HUMANO: LO
A fines del siglo XVIII, en Francia, un
NO HUMANO COMO OBJETO grupo se animó a pensar que todos los animales
EXPLOTABLE humanos pertenecían a la misma especie, pero
Una de estas culturas, la llamada los otros los guillotinaron. Poco después, en las
occidental, desde el siglo XV extendió su primeras décadas del siglo XIX, las primeras
poder colonizador por el planeta en forma de protectoras extendieron su piedad a los cachorros
dominación, subordinación y aniquilamiento de de animales humanos explotados en las minas,
las otras culturas, con las que en nuestra región y algunos fueron más allá y la emprendieron
se fue sincretizando. contra el esclavismo. Estos últimos tuvieron
más éxito, porque en ese tiempo se había vuelto
Esta cultura dominante pretendió que los más rentable la esclavización de sociedades (el
animales humanos pertenecientes a ella eran colonialismo) que la de individuos.
los únicos portadores de razón y, por ende, los
únicos sujetos de derechos. Todo lo demás (lo La piedad burguesa europea no reconocía
no humano) era irracional y, por tanto, podía ser titularidad de derechos a los animales
sujeto de explotación. supuestamente irracionales, humanos y no
humanos, sino que su protección emanaba de lo
Esta frontera fue marcada por René que consideraba su propia superioridad no sólo
Descartes, que trató de convencer a la reina de racial y técnica, sino también moral. Era esta
Suecia de que el perro que tenía en brazos era una pretendida superioridad moral –derivada de su
máquina, lo que Cristina –con buen sentido- no también pretendida condición superior racional-
le creyó. Esta idea se combinó con la afirmación lo que les llevaba a condenar los actos de crueldad
de Francis Bacon acerca de la ciencia: el saber sobre los animales inferiores indefensos.
es poder. Si la naturaleza es irracional y todo
saber es poder, lo único prohibido es apoderarse Cabe observar que todas las etapas de la
y explotar a un animal humano racional, pero lucha por la igualdad entre los propios animales
no al resto de lo existente o creado, que queda humanos se iniciaron por piedad hacia el inferior
reducido a la condición de objeto de explotación. irracional indefenso, y sólo mucho más tarde
y no sin resistencias se llegó a admitir que los
Esta cultura dominante heredó también otros animales humanos son también sujetos de
la consideración de sus propias hembras derechos.
humanas como animales no del todo racionales.
Pretextando su menor inteligencia, los machos 3. EL PROGRESO DEL RECONO-
humanos las tutelaron, lo que les permitió
hacerlas objeto de apoderamiento, venta por CIMIENTO DE SUJETOS DE DERECHO
dote y explotación. - PROPULSIÓN A MIEDO
Pero como la mayor parte de los animales Los animales humanos, al nacer como
humanos del planeta no compartía los valores fetos sociales, carecemos del instinto que a los
de la cultura dominante, también fueron animales no humanos les permite olfatearse
considerados irracionales, por lo menos hasta y reconocerse como individuos de la misma
que los domesticasen. En particular, los animales especie. Por eso, demoramos milenios hasta que
humanos dominantes consideraron irracionales nuestros jefes de manadas se reunieron en 1948
a quienes tenían una mayor cantidad de melanina y declararon tímidamente que todo ser humano
y los esclavizaron. Algunos millones fueron es persona.
esclavizados individualmente. Muchos más lo
Esa declaración permanece en gran medida
fueron grupalmente, mediante la esclavización
en el campo del deber ser, pero falta muchísimo
de sus culturas, procedimiento que se llama
en la realidad para que cada individuo de la
colonialismo.
especie animal humana considere a otro como
En el silo XIX algunos de los animales un semejante (incluso respecto de las propios
humanos dominantes comenzaron a sentir hembras de animales humanos), lo que hace que
piedad por los animales no humanos y, si hoy dos tercios de la especie se encuentren en
bien los seguían considerando parte de la estado de necesidad, mientras el tercio restante
naturaleza irracional, aparecieron las primeras consume lo que no necesita y, además, para

358
Ética Humana y Animales Domésticos no Humanos

satisfacer estas necesidades suntuarias degrade Ensayamos las presentes reflexiones,


el propio habitat de la especie, poniendo en precisamente porque consideramos que esta
riesgo su conservación. perspectiva es falsa y que, por el contrario,
Pero la declaración de los jefes de manadas obran suficientes razones para considerar que
humanas de 1948 no fue producto del uso de existen deberes éticos y jurídicos respecto de
la razón, es decir que no surgió a una decisión los animales llamados de compañía y de los
racional, sino del miedo que les había provocado caballos. Lo hacemos con la advertencia de
la previa destrucción y el aniquilamiento que un desarrollo completo del tema requeriría
masivo de individuos de la misma especie e mucha mayor extensión y análisis, por lo
igualmente carentes de melanina como los que que esta exposición no pasa de ser una rápida
hasta ese momento se consideraban racionales y reflexión que lo sobrevuela.
dominantes.
En el último medio siglo los animales
4. LOS ANIMALES NO HUMANOS
humanos volvemos a sentir miedo, al tomar DOMESTICADOS
consciencia del peligro que corre nuestra Perros, gatos y caballos son animales que
supervivencia planetaria, lo que hizo que pertenecen a la categoría de animales domésticos.
en la propia cultura occidental surgiese la Puede pensarse superficialmente que por tales
preocupación por el medio ambiente, al tiempo consideramos a unos animales que los animales
que en Latinoamérica (donde se sincretizan las humanos sacamos de la vida silvestre y los
culturas marginadas) se recuperen los valores llevamos a nuestras casas, por lo que, entre otras
precoloniales y se reconociese la condición de cosas, regulamos su reproducción y, por ende,
sujeto de derecho a la naturaleza. privados de los predadores que controlaban su
Los animales humanos no tenemos volumen poblacional en la vida silvestre, somos
condicionado el instinto de conservación de la nosotros los que asumimos esa responsabilidad.
especie, pero como contrapartida sabemos que Si bien hay una base fundamental de verdad
nuestra vida terminará, o sea, que moriremos, lo en esto, el razonamiento es demasiado simplista
que, a diferencia de los animales no humanos, y en alguna medida falsa, porque pasa por alto
nos angustia. un fenómeno de fundamental importancia.
La llamada cultura occidental distrae a En efecto: el planteo sería correcto si esos
muchos animales humanos de su angustia animales no fuesen domesticados, sino sólo
ilusionándolos con la eternidad, mediante la domados, como sucede con los elefantes usados
acumulación de medios de pago (o de compra) para transporte en ciertas culturas. Pero perros,
que no podrían agotar aunque dispusiesen de gatos, caballos, vacas, ovejas, cabras, cerdos,
cientos o miles de vidas. Al mismo tiempo etc., son animales domesticados por el animal
procura tranquilizar a los asustados fantaseando humano.
con viajes interplanetarios y mágicas soluciones
Por ende, el planteo superficial oculta que
tecnológicas que darían eternidad a la especie.
los llamados animales domésticos son animales
Sin embargo, por suerte, el miedo parece
domesticados y, en consecuencia, lo que pasa
cundir y se va generalizando la consciencia de
por alto es nada menos que el importantísimo
pertenencia del animal humano a la naturaleza
fenómeno de la domesticación.
y de los deberes éticos y jurídicos a su respecto.
Los animales humanos aparecimos en
Pero perros, gatos y caballos pareciera que
el planeta hace unos seis o siete millones de
no forman parte de lo que se considera medio
años en África, hace un millón de años nos
ambiente, por lo que hasta hoy su protección
extendimos a Oriente, hace medio millón de
parece ser sólo una cuestión de buenos
años a Europa y mucho más tarde a las otras
sentimientos, o sea, de pura piedad. Da la
regiones del mundo. Hace apenas unos 15.000
impresión que a su respecto no se ha superado
años llegamos a América.
del todo el nivel de la piedad burguesa del siglo
XIX y que nuestra cultura occidental no tuviera Mientras pudimos vivir de la caza lo
razones para que nos reconozcamos obligados hicimos y cuando llegamos a algunas zonas
ética y jurídicamente hacia ellos. incluso parece que extinguimos especies,
como los grandes mamíferos, pero cuando las
condiciones ambientales hicieron que la caza

359
Eugenio Raúl Zaffaroni

no fuese abundante nos decidimos a cultivar la 5. LA EVOLUCIÓN Y LA DOMESTICACIÓN


tierra, domesticando especies vegetales.
Lo cierto, es que más allá de las razones
El sedentarismo propio de la agricultura
utilitarias que culturalmente determinaron la
también llevó a domesticar más especies
domesticación de animales no humanos, esta
animales, algunas de las cuales parece que ya
particular relación del animal humano con
habían sido domesticadas en la medida en que
algunos animales no humanos se extendió por
eran útiles para la caza. La agricultura condicionó
el planeta, siendo pocos los grupos humanos que
las concentraciones humanas y en ellas surgió
permanecen hoy en la etapa de cazadores.
también la escritura.
De toda forma, la relación del animal
Pero no todas las especies animales se
humano con el no humano se modificó por
prestaron a la domesticación, porque algunas
completo cuando se pasó de la caza del animal
eran muy agresivas y otras no ofrecían ventajas.
silvestre a la domesticación, porque ésta
Tampoco en todo el planeta existían los mismos
transforma al animal, no sólo corporalmente,
animales no humanos.
sino también en su comportamiento: a cualquiera
La domesticación del animal no humano, que ignore este fenómeno le resultará poco
por consiguiente, comenzó a practicarse en menos que increíble que un perro doméstico es
tiempos relativamente recientes. Si bien no un lobo modificado. ¿En qué se parece al lobo un
hay coincidencia en cuanto a los datos, algunos gran danés o un pequinés? Sin embargo lo es,
investigadores señalan fechas demasiado por efecto de la domesticación y, como vimos,
recientes, según las cuales la domesticación del en un tiempo muchísimo más breve que el de
perro tiene unos 12.000 años; ovejas, cabras la evolución de la vida en el planeta e incluso
y cerdos, unos 10.000; la vaca unos 8.000; el al que sus ancestros previos a la domesticación
caballo y el asno unos 6.000; la llama, el camello llevaban de existencia.
y el dromedario unos 5.000. Otros extienden
En efecto: los lobos aparecieron hace
estas fechas a tiempos más lejanos, pero, de toda
millones de años y se extendieron por todo el
forma, ningún investigador la estima en más de
hemisferio norte, Europa, Asia y América del
unos veinte o treinta mil años, aún en los casos
norte y, en un período que no supera en los
más antiguos de domesticación.
cálculos más extensos unos treinta mil años,
Como vemos, incluso tomando como tenemos como resultado un perro pequinés y un
ciertas las dataciones más lejanas en el tiempo, gran danés. Esto es obra de la interferencia del
comparadas con los largos períodos de evolución animal humano mediante la domesticación.
de la vida en el planeta y de la propia presencia del
El animal humano, a través de la
animal humano, el período de domesticación de
domesticación, opera como agente evolutivo y se
animales no humanos resulta sumamente breve.
pasa del lobo al pequinés en un tiempo brevísimo
La utilidad que en cada cultura se dio a los en comparación con los tiempos evolutivos, es
animales domesticados fue dispar y evolucionó decir, con lo que el propio Darwin imaginaba.
en el seno mismo de cada una de ellas. Así,
La biología moderna explica esto, al punto
sin duda que en un momento fueron fuentes
que la domesticación revoluciona conceptos
de proteínas, o sea, de alimento. Hoy nuestra
importantes de las teorías evolutivas y de la
cultura no admite alimentarnos de perros y
propia genética.
gatos, sino que los domesticamos como animales
de compañía. Los caballos fueron fuente de En cualquier especie, al ir seleccionando
alimentación y luego de energía y transporte, hoy individuos conforme a ciertos caracteres, sea
en mucha menor medida, debido a la tecnología en forma artificial o por condicionamientos
del transporte y de la guerra. Quizá nuestra del medio ambiente cambiante, la selección
cultura evolucione y en breve rechacemos todo por una característica provoca la selección de
alimento de carne de mamífero y optemos por otras, es decir que se verifica que los genes no
otras fuentes de proteínas, lo que sucede desde son independientes del todo, porque un único
hace siglos en algunas culturas y se extiende gen acciona también sobre otros. No por azar la
incluso en la nuestra. mayoría de los animales humanos de cabellos
rubios tiene piel blanca y ojos no marrones. Este
fenómeno se llama pleiotropía.

360
Ética Humana y Animales Domésticos no Humanos

Pero al mismo tiempo y como complemento que el gato doméstico proviene de la rama
de lo anterior, cuando a un animal no humano africana.
se lo coloca en un ambiente distinto al que está No fue el animal humano que se aproximó
condicionado por la evolución de la especie al gato para domesticarlo, sino a la inversa. Con
a lo largo de millones de años, se estresa y se la agricultura y el almacenamiento de cereales se
producen cambios corporales. difundió la rata, que representaba una fuente de
Los biólogos señalan que el haz glandular alimento importante para los gatos, o sea, que
hipotálamo-hipófisis-suprarrenal es el que la búsqueda de alimento se supone que llevó al
determina en los mamíferos la respuesta al gato a aproximarse a los lugares de acopio de
estrés que provoca los cambios celulares. Lo que cereales. Sin duda que al hacerlo venció el estrés
hasta hace poco se consideraba basura celular provocado por el temor al animal humano y esto
no es tal, sino que se trata de los utensilios que fue condicionando sus cambios.
regulan el comportamiento de los genes. Se ha hallado en Chipre una tumba de 7.500
La biología es conservadora en cuanto a años de antigüedad, con un gato sepultado junto
los genes, pero modifica su comportamiento a un humano. En Egipto se hallan otras varias,
en condiciones de estrés y la respuesta provoca pero de apenas unos 3.000 años. Es sabido que el
cambios de genoma adaptativos en el animal, gato estaba difundido en la Grecia clásica y que
que en el caso de la domesticación comienzan los romanos lo expandieron por Europa en las
por amansarlo, o sea, por hacerle perder el naves que transportaban cereales. La expansión
temor al animal humano, y de este modo se va hacia oriente dio lugar a ecotipos, como los gatos
adaptando orgánicamente a un medio creado por siamés y birmano.
éste o al que éste lo destina. El caballo actual, por su parte, proviene del
Equus ferus o caballo silvestre, que se remonta
6. LA DOMESTICACIÓN DE PERROS, a unos dos millones de años y que pobló incluso
GATOS, CABALLOS Y ANIMALES América del norte hasta hace unos diez mil
HUMANOS años. El caballo silvestre primero fue cazado y
comido como fuente de proteínas, hasta que
El caso del perro es altamente significativo, los animales humanos se dieron cuenta de su
porque se lo puede observar con mayor evidencia. utilidad como animal de tiro y de cabalgadura, lo
Tanto el lobo como el zorro forman parte de la que dio utilidad a la rueda. Esto parece que tuvo
familia canidae. Pero el lobo ofrece al parecer una lugar hace unos seis mil años en la estepa entre
mejor candidatura para la domesticación que, en el Volga y los Urales. Hace unos tres mil años,
el más lejano de los cálculos, comenzó hace unos la guerra organizada dio lugar a la caballería, con
treinta mil años, quizá en China o en Oriente mucha mayor capacidad bélica que la infantería.
Medio, donde aparecen cráneos fósiles de lobos Hace unos cuatro mil años los caballos llegaron
ya algo parecidos al perro, tal vez de lobos que a Egipto y a la China.
se arrimaron a los campamentos humanos. El Según dicen algunos investigadores,
animal humano pronto debe haberse percatado los caballos silvestres vivían en manada y la
de la utilidad del perro para la caza y la guardia. domesticación comenzó con las hembras, que era
Lo cierto es que hace algo más de diez mil años más dóciles que los machos. El caballo silvestre
aparecen tumbas humanas con perros. se ha extinguido posiblemente en el siglo XVIII,
Los cambios corporales que llevaron del lobo pero al igual que perros y gatos, la domesticación
a las diferentes razas de perros parecen provenir de los caballos dio lugar a los diferentes ecotipos
de tres condicionamientos originarios de la actuales, según la destinación cultural: el animal
domesticación, que dieron lugar a las llamadas de tiro en que se privilegia la fuerza, el de guerra
razas antiguas: los pastores en Afganistán, los en que se busca la velocidad y la inteligencia, el
perros de la zona ártica y los de China. Es obvio de competencia más nervioso, etc., hasta el pony
que las cruzas posteriores son obra más directa y el caballo enano.
del animal humano sobre los perros. Nos llevaría tiempo seguir con las
El gato pertenece al género felis y se remonta referencias a los procesos de domesticación de
al gato silvestre (Felis silvestres) que existe al otros animales, en todos los cuales hallaremos
parecer desde hace casi dos millones de años y estos ecotipos con grandes diferencias corporales
que se difundió en cinco ramas, suponiéndose y de conducta. Estos ecotipos son producto del

361
Eugenio Raúl Zaffaroni

estrés de la adaptación del animal a condiciones se tienen como compañía, no podemos dejar de
creadas por el animal humano. señalar el aporte de los animales domésticos a
En síntesis, la interferencia del animal la orgullosa cultura occidental y a la hegemonía
humano en la particular relación que entabla de los animales humanos machos que se
con el no humano mediante la domesticación, consideraron únicos racionales, esclavizando a
lo hace definitivamente responsable de las los otros, explotando culturas y extinguiéndolas,
variaciones biocorporales y de conducta de cada y que hoy acumulan capacidad de compra
animal y, por ende, de su vulnerabilidad cuando infinita para escaparse de la angustia que les
se lo priva del medio a que el animal humano lo provoca saber que tienen un límite existencial.
ha condicionado. Volveremos sobre esto. Es incuestionable que esta cultura pudo
Por otra parte, no es nuestro propósito aquí colonizar el planeta en razón de un conjunto
profundizar en las consecuencias antropológicas de factores en cuyo análisis no entramos, pero
de las investigaciones biológicas acerca de la que sin duda fueron decisivos tanto para su
domesticación, pero es bueno señalar de paso, superioridad bélica como para su verticalización
que éstas han revolucionado mucho de lo que y jerarquización política.
se creía acerca de la evolución y, por ende, se Pero su ventaja bélica no estaba sólo
discute ahora si los animales humanos actuales condicionada por la mayor tecnología (en
no somos también -en alguna forma y medida- especial pólvora y acero), sino también en gran
el producto de un proceso de autodomesticación medida por el uso de un animal doméstico: el
humana que profundizó la sociabilidad de la caballo. Basta echar un vistazo a los cuadros
manada proveniente de nuestros ancestros. y esculturas que representan las peleas entre
Se preguntan algunos investigadores si manadas de animales humanos, desde los
la pérdida de miedo del animal humano hacia romanos hasta los colonizadores de América, y
otro animal humano y el alto condicionamiento a la estatuas ecuestres de sus jefes de manada
de la cooperación, no son fenómenos que cabe (sobre todo si lograron matar más a los de la
explicar como autodomesticación. manada contraria), para verificar la importancia
bélica de este animal no humano a lo largo de
Tampoco nos aventuramos a imaginar si
miles de años y hasta la Gran Guerra de 1914-
nuestro haz glandular hipotálamo-hipófisis-
1918.
suprarrenal ha condicionado algún cambio al
perder el miedo al lobo, al montar al caballo, al Por otra parte, la extensión de los imperios
convivir con perros y gatos, al comernos a otros no podría concebirse sin la energía transportadora
mamíferos domesticados, etc., es decir, si en de los caballos, que permitió recorrer grandes
alguna medida no somos como somos también distancias en un tiempo mucho más breve que
por efecto de una domesticación del no humano el posibilitado por la simple bipedestación del
al humano. No sabemos si es sólo el animal no animal humano.
humano que pierde el miedo al humano, o si La carencia de caballos en América hizo
también es el humano que pierde el miedo al no que no fuese útil la rueda, pues los únicos
humano. Tampoco sabemos si nos estresamos animales de carga eran los camélidos y sólo en
ahora cuando vamos comprendiendo que la zona andina, animales que, como es sabido,
somos parte de la naturaleza, lo que no dejaría no sirven para tiro. El temor de los originarios a
de ser deseable para la supervivencia de la los colonizadores provenía en gran medida de la
especie. Pero todas estas son especulaciones presencia del caballo, animal que desconocían.
que es bueno apuntar, sólo para que otros las Pero además de la ventaja tecnológica,
investiguen en serio. energética y política con que contaban los
colonizadores, cabe preguntarse si les asistía
7. LOS ANIMALES DOMESTICADOS alguna otra superioridad de diferente orden.
Y LA CULTURA COLONIZADORA Por supuesto que los animales humanos con
OCCIDENTAL menos melanina inventaron una pretendida
superioridad biológica racista para legitimar la
Al margen de lo anterior, que nos pone en la esclavitud y el colonialismo, y para eso ensayaron
pista del fundamento de la responsabilidad ética las hipótesis más insólitas y descabelladas, que
y jurídica respecto de los animales domésticos hasta hoy resucitan más o menos disimuladas.
y, como parte de ellos, de los animales que hoy

362
Ética Humana y Animales Domésticos no Humanos

Obviamente esta superioridad biológica es de los animales humanos con los no humanos,
falsa, pero eso no significa que no haya habido producto de la domesticación de estos últimos,
otra verdadera y proveniente del contacto lo que incidió en la facilidad con que dominaron
de los animales humanos colonizadores con a una población diezmada y, en consecuencia,
los animales domésticos, lo que no puede fácilmente deprimida.
considerarse menos que una notoria contribución
de éstos últimos a la hegemonía de los animales 8. NUESTRA RESPONSABILIDAD ÉTICA
humanos con menos melanina. Y JURÍDICA
Como se sabe, hay algunas enfermedades
(a) Conforme a lo expuesto, resulta que el
infecciosas que los animales domésticos
animal humano es responsable de la creación
transmitieron con mutaciones al animal
de los ecotipos en perros, gatos y caballos.
humano: de los bovinos la tuberculosis y la
El lobo, el gato silvestre y el caballo salvaje
rubeola, del cerdo la gripe, de éstos y del perro la
fueron quitados de su medio condicionado por
tos convulsiva, etc.
millones de años de evolución e introducidos
Lo cierto es que los gérmenes de estas en un medio artificial, creado por la cultura
enfermedades se comportan del modo que más del animal humano. El estrés de este cambio
conviene a su supervivencia, o sea, que a medida brusco de medio y la selección por características
que avanzan agreden menos y las propias consideradas útiles, determinó los diferentes
enfermedades cambian y matan menos o a más ecotipos corporales y de comportamiento. Los
largo plazo, porque de lo contrario los gérmenes animales domesticados son hoy como son por
se extinguirían con sus huéspedes. A medida obra del animal humano.
que las enfermedades infecciosas se extienden,
Por ende, los perros, gatos y caballos
también van produciendo anticuerpos y, además,
actuales viven en un medio creado por el animal
sobreviven los individuos que son genéticamente
humano, y su cuerpo y comportamiento están
más resistentes.
condicionados a ese medio.
Debido a eso, los animales humanos con
Fuera del medio creado por el animal
menor melanina que dominaron el mundo
humano, o dentro de este medio sin los cuidados
y, en especial América, trajeron gérmenes
elementales, los animales domesticados son
infecciosos a los que ellos eran más inmunes a
vulnerables, porque las características actuales
causa de los anticuerpos, pero que agredieron a
de su cuerpo y comportamiento fueron
las poblaciones originarias que, por no convivir
condicionadas por el animal humano cuando los
con esos animales domésticos, no contaban
tomó a su cuidado mediante la domesticación
con los anticuerpos que les diesen resistencia
para valerse de ellos, según los destinos asignados
a las infecciones. Esto provocó una altísima
por las diferentes culturas.
mortalidad entre los originarios contagiados,
algunos de los cuales se extinguieron por (b) El animal humano ha modificado
completo, como los que recibían alegremente a animales no humanos sensibles y se ha valido
Colón en el Caribe. de esas modificaciones -y se sigue valiendo de
ellas- conforme a los destinos que le asigna en
A la inversa, la población originaria que
cada cultura. Si bien se pueden objetar estos
no había convivido con animales domesticados,
destinos como crítica cultural o civilizatoria, lo
tampoco era portadora de mayores gérmenes
cierto es que la compañía, el uso energético o
letales para los colonizadores. Al parecer, no
deportivo del caballo y otros, son beneficios que
sucedía lo mismo con la población africana, de
obtuvo y obtiene de seres arrancados a su habitat
la que provino la fiebre amarilla. Esta capacidad
ancestral y adaptados a sus medios artificiales
africana determinó que sus colonizadores se
creados conforme a la conveniencia humana.
quedasen en las costas hasta después de los
acuerdos de Berlín 1885, donde se repartieron Los animales humanos, en gran medida
el continente como un queso. No obstante, hemos tenido éxito como especie, superamos la
tampoco después transportaron población, salvo etapa de cazadores, nos hemos extendido por el
a Sudáfrica. planeta, alimentado y obtenido anticuerpos que
posibilitaron dominar a otras culturas, merced a
La superioridad biológica de la cultura
estos animales no humanos y, en particular, la
occidental colonizadora consistía, pues, en los
anticuerpos producidos por efecto del contacto

363
Eugenio Raúl Zaffaroni

cultura llamada occidental debe gran parte de su reconocimiento de los derechos de la naturaleza,
éxito global a ellos. la respuesta no puede ser más que afirmativa.
Hemos arrancado a los animales no Hay reglas jurídicas elementales que nadie
humanos domesticados del habitat condicionado discute que deben regir las relaciones entre los
por millones de años, los hemos modificado por animales humanos: (a) es responsable quien no
efecto de la domesticación, los hemos usado y evita respecto del otro sujeto un daño evitable;
los seguimos usando, en conclusión: somos (b) también cuando -fuera del puro azar- le causa
responsables de su condición de vulnerabilidad un daño a otro sujeto; (c) cuando alguna cosa de
fuera y dentro del medio artificial en que los la que se obtiene un beneficio le causa un daño
hemos introducido y para el cual los hemos al otro sujeto; (d) incluso lo es cuando toma a su
modificado. cargo el cuidado de un sujeto incapacitado; (e) y
Todo esto genera el elemental deber ético de hasta se pena como delito cuando no se atiende a
cuidado, en el sentido de evitarles toda crueldad quien se ha incapacitado, aún involuntariamente
o dolor innecesario. No se trata de una cuestión o por accidente.
de sensibilidad, sino del elemental deber de no Cuando reconocemos la condición de sujeto
producir dolor en animales no humanos que nos de derecho a la naturaleza estamos admitiendo
benefician y que son indefensos fuera del medio que hay derechos no humanos, y como los
artificial con que los hemos modificado, como animales no humanos domesticados no son
también dentro si no se le brindan los cuidados más que producto de nuestra modificación
elementales que les eviten dolor innecesario. de la naturaleza, comparten su titularidad de
(c) Por supuesto que en el extremo derechos, por cierto que no humanos, pero
individualismo que cunde en algunos segmentos derechos al fin.
de nuestras sociedades, no habrá de faltar quien En consecuencia, las anteriores reglas no
afirme que no tiene ni le gustan los animales se alteran en su esencia, sino que sólo deben
domésticos y, por ende, no tiene ningún deber adaptarse a las relaciones entre los sujetos de
ético a su respecto. derechos humanos y los sujetos de derechos no
En algún sentido le asiste razón, porque no humanos.
se trata de simples deberes individuales, sino de De esta adaptación de las reglas jurídicas
un deber de la especie misma de los animales entre diferentes sujetos de derechos resulta
no humanos, que es la que viene beneficiándose el deber de no causarles daños evitables
de ellos desde hace muchos milenios. El (innecesarios), de atenderlos cuando se los
individualista extremo no tiene ningún deber causamos incluso por imprudencia, imprevisión
ético individual respecto del animal doméstico, o negligencia; de cuidar de ellos porque al
salvo el de no producirles dolor, pero si vive en arrancarlos de su habitat sin posibilidad de
la ciudad, se viste, come en restaurantes, es devolverlos a éste, con lo cual los tomamos a
decir, no está en taparrabos cazando en la selva nuestro cargo; de cuidar que su vulnerabilidad
con lanza, si lee y usa computadora, es decir, no les provoque daños, porque al domesticarlos
si está tecnológicamente más avanzado que el los hemos incapacitado para vivir sin nuestro
descubridor de las puntas de flechas de piedra cuidado dentro o fuera del medio que les creamos
para las lanzas, en gran medida lo debe a los y para el cual los condicionamos, tanto en su
animales domésticos. cuerpo como en su conducta.
Por ende, basta con que el individualista (e) Si alguna diferencia cabe respecto de
extremo se abstenga de actos individuales de nuestros deberes jurídicos hacia la naturaleza
crueldad y pague sus impuestos, pues será con silvestre –por llamarla de alguna manera-,
ellos que el estado debe cumplir con el deber es a favor de los derechos de los animales no
ético de la especie, como deber colectivo, como humanos domesticados, pues lo que tenemos en
veremos a continuación. nuestras ciudades ya no son lobos de los bosques,
(d) ¿Este deber ético debe traducirse en un gatos silvestres africanos o caballos salvajes
deber jurídico? Para quienes aún son tributarios de las estepas, sino que en pocos milenios los
de Descartes la respuesta será negativa, pero hemos modificado para nuestro beneficio y, por
para quienes apostamos a la supervivencia de ende, hemos asumido la responsabilidad de su
la raza de animales humanos y partimos del incapacidad para otro ambiente que para el que

364
Ética Humana y Animales Domésticos no Humanos

los condicionamos y en el que no les queda otra medio humano sin protección, lo que implica
alternativa que vivir. una crueldad, dado que todo animal humano
sabe que el animal no humano domesticado no
9. DEBERES ELEMENTALÍSIMOS se puede valer por sí mismo en el medio que le
impuso y para el que lo condicionó conforme
(a) Como en toda situación conflictiva,
a sus fines humanos. Librado de los cuidados
lo primero que se piensa para resolverla es en
necesarios, el animal no humano domesticado
la solución punitiva y, por ende, en las leyes
es prácticamente un sujeto de derechos incapaz
penales. No cabe duda que es menester revisar,
de supervivencia.
actualizar y perfeccionar nuestra legislación
protectora de animales (la llamada ley Benítez), Sin duda que los refugios que los recogen y
que si bien tiene largos antecedentes (la ley albergan son una empresa digna de ser apoyada
Sarmiento), ha sido de poca eficacia práctica. y fomentada, pero que hasta el momento parece
que carece de apoyo estatal. En ocasiones
Como es sabido, la solución penal cuenta con
se choca con las protestas de vecinos o con
un nutrido material de legislación comparada. Si
los propios controladores estatales. En este
bien por la naturaleza de las cosas esta legislación
sentido está fallando la aplicación de la cláusula
no puede resolver todo el problema del maltrato
constitucional de la Ciudad.
a animales domésticos, ha sido lo que por vez
primera desconcertó a la doctrina al plantear la No obstante, la institucionalización del
cuestión acerca del verdadero sujeto pasivo de animal no humano en refugios es una solución
este delito. Los juristas agotaron prácticamente no del todo satisfactoria, dado que, como
todos sus recursos lógicos para insistir en que el toda institucionalización (incluso la de los
sujeto pasivo era el animal humano, discursos animales humanos) es deteriorante y altamente
que fueron a dar todos en callejones sin salida, estresante. Por supuesto que no por eso debe
incluso algunos peligrosos para las garantías ser descartada, como tampoco puede serlo
penales. hasta hoy la de algunos ejemplares de animales
humanos, pero debe saberse que no es ninguna
Al plantear y discutir la cuestión de la
solución ideal, sino un recurso extremo o mal
víctima, se estaba jugando la condición de sujeto
menor, que contribuye en parte a evitar mayores
de derecho del animal no humano, o sea, que se
sufrimientos.
tambaleaba nada menos que la frontera del viejo
Descartes. Los negadores de la personalidad de la No podemos dejar de observar que no
naturaleza no pueden salir muy airosos del texto faltarán quienes entiendan que esto es una
de nuestra ley vigente, que sanciona a quien exageración animalista, lo que no debe extrañar
hiciera víctima al animal no humano. Si bien lo ni menos debilitar nuestros argumentos,
subestimaron afirmando que era un mero error considerando que tampoco faltan quienes a
legislativo, lo cierto es que el tiempo verificó que regañadientes la aceptan respecto de los propios
no es tan erróneo, a medida que vamos tomando animales humanos: la extinción de poblaciones
consciencia de que somos parte de la naturaleza enteras se practicó en Centroamérica hace no
y, por ende, paulatinamente se instala la idea del más de tres décadas; hace unos sesenta años aún
reconocimiento de sus derechos. se postulaba la institucionalización masiva de
animales humanos para evitar la reproducción
(b) Soluciones más amplias que la
de los discapacitados, etc.
limitadamente penal –y en verdad muchísimo
más eficaces- corresponden al ámbito del Si entre los animales humanos esto se
derecho constitucional y administrativo. El supera primero por piedad y después por miedo,
inciso 5º del artículo 27º de la Constitución de ahora el miedo es a la destrucción de nuestro
la Ciudad Autónoma de Buenos Aires garantiza habitat planetario. Aún hay quienes no sienten
la protección de la fauna urbana y el respeto por ni una ni otra cosa, pero en breve veremos que
su vida: controla su salubridad, evita la crueldad irán siendo menos, pues apostamos a que aún
y controla su reproducción con métodos estemos a tiempo para salvar lo que hasta hoy
éticos. Esta cláusula programática es la que debe –y por mucho más- es nuestra única vivienda
desarrollarse en el plano de la realidad. cósmica.
El más importante problema a resolver En este orden de ideas, lo ideal sería que
es el de los animales domésticos librados al no hubiese animales domésticos que deban ser
institucionalizados por falta de otro cuidado. Pero

365
Eugenio Raúl Zaffaroni

para eso será menester dar eficacia al mandato Aquí hay una enorme falla del estado
del último período de la cláusula constitucional: en el cumplimiento de este mandato: no son
controlar su reproducción con métodos éticos: suficientes los esfuerzos ni las campañas de
La reproducción de los animales domésticos esterilización gratuita de animales domésticos
y, por ende, el volumen de su población, es llevadas a cabo hasta el presente. Toda omisión
responsabilidad exclusivamente humana. Estos de estas campañas –al igual que cualquier
animales se reproducen conforme a los caracteres obstáculo que se les oponga- no pasa de ser un
que les provocó el animal humano con la acto de crueldad masiva contra los animales
domesticación; no nacen en nuestras ciudades domésticos. No se trata de un acto de crueldad
cachorros de lobos ni de gatos silvestres africanos, individual, sino directamente una necropolítica
sino otros perros y gatos domesticados. animal por acción o por omisión.
Como en el medio artificial creado por el Es sabido que la tenencia responsable
animal humano no existen los predadores del de los animales domesticados sólo es posible
medio originario, no se produce el equilibrio en limitada medida, siempre adecuada a la
natural, salvo que se entienda que la crueldad dimensión de su población. La irresponsabilidad
indiferente del animal humano lo degrade a del animal humano es la que hace el resto. Si
predador artificial. alguien rechaza el delito individual de crueldad
con los animales, con mayor razón deberá
Ya bastante tiene el animal humano
repudiar la crueldad masiva y la necropolítica
cuando se convierte en lobo de sus semejantes:
animal.
Lupus est homo homini, non homo, quom
qualis sit non novit (Lobo es el hombre para el Salvando por supuesto todas las distancias,
hombre, y no hombre, cuando desconoce quién lo cierto es que en el plano humano nos
es el otro), como para convertirse ahora en el repugna el homicidio, pero más abominamos
lobo del lobo por él domesticado. Además, el el genocidio; no parece coherente que en el
predador natural, por lo regular lo hace también plano del animal domesticado prestemos
para sobrevivir, en general para alimentarse: el afecto y cuidado al animal doméstico propio y
animal humano se convertiría en un predador repudiemos cualquier crueldad, pero al mismo
artificial y gratuito, maligno por así decir, porque tiempo no hagamos nada por evitar la crueldad
no satisface ninguna necesidad de supervivencia masiva o colectiva, que se traduce directamente
al matar, envenenar, atropellar, dejar a su en una necropolítica.
suerte, librar a algún psicópata, regalar a algún En síntesis, entiendo que con todo lo
laboratorio para vivisecciones inútiles, etc., a expuesto nos aproximamos a la conclusión
animales no humanos domesticados, indefensos de que es falso que nuestros deberes respecto
e inofensivos. de los animales domesticados no tengan otro
Si el animal humano no quiere degradarse fundamento que nebulosos sentimientos de
en esta forma, debe hacer efectivas las normas piedad y análogos. Por el contrario, creo que
que demuestran su voluntad conforme a la son fuertes razones éticas emergentes de la
ética y al derecho. Como no se trata de una responsabilidad asumida por su domesticación
responsabilidad meramente individual, sino y que, además, debe ser reconocida por el
de una obligación de toda la especie humana derecho, como deber de la especie humana,
respecto de su propia obra de domesticación, que los ha condicionado a su medio para fines
debe ser asumida colectivamente, es decir, por útiles, al punto que le debe gran parte de su éxito
el estado, tal como lo prescribe la ley máxima planetario y, por ende, tiene el deber jurídico de
local. hacerse cargo de su destino.

366
DIRITTI FONDAMENTALI E DEMOCRAZIA
COSTITUZIONALE*

Luigi Ferrajoli
Giurista; filosofo; teorico del diritto; ha pubblicato più di 500 saggi, in riviste e opere collettanee;
è inoltre autore di più di 30 libri, di cui molti tradotti in diverse lingue straniere.

1. DUE PREMESSE EPISTEMOLOGICHE che enunciano principi normativi esterni al


diritto positivo oggetto d’indagine e tuttavia nei
Prima di affrontare il tema dei fondamenti confronti di questo normativi: principia iuris,
dei diritti fondamentali, desidero svolgere due quindi, ma non in iure. Ne segnalerò tre classi.
brevi premesse epistemologiche, sollecitate
Innanzitutto i principi della logica. La
entrambe dalle osservazioni intorno al mio
logica, infatti, non è del diritto ma della
approccio alla teoria del diritto svolte nella sua
teoria. L’incompatibilità tra ‘permesso’ e ‘non
lucida relazione da Paolo Comanducci 1.
permesso’, cioè tra ‘permesso’ e ‘vietato’, per
La prima premessa riguarda lo statuto esempio, è una tesi teorica, un principium iuris,
meta-teorico della teoria del diritto. È certamente sicuramente irrinunciabile. Ma non è una tesi di
utile e feconda la distinzione, proposta da diritto, cioè un principium in iure, dato che è ben
Comanducci e basilare nella filosofia gius- possibile che in un sistema di diritto positivo,
analitica, tra approcci e tesi teoriche di tipo in quanto tale nomodinamico, un medesimo
descrittivo e approcci e tesi teoriche di tipo comportamento sia da una norma permesso e da
normativo. Mi sembra però troppo rigida e in un’altra proibito: si pensi al vilipendio, proibito
ultima analisi fuorviante la contrapposizione e punito come reato d’opinione dal codice penale
da lui istituita tra teorie del diritto descrittive e italiano e permesso invece, quale esercizio del
teorie del diritto prescrittive: quasi che possano diritto di parola, dalla costituzione. È possibile,
darsi teorie del diritto, e specificamente dei in altre parole, che il diritto positivo contenga
diritti fondamentali, le cui tesi siano tutte antinomie, non ammesse ovviamente dalla teoria
puramente descrittive e teorie le cui tesi siano la quale ne evidenzia invece l’insostenibilità e
tutte puramente prescrittive. perciò la necessità di una soluzione.
Io penso invece che ogni teoria del diritto Lo stesso si dica delle relazioni tra diritti
includa inevitabilmente sia tesi assertive che fondamentali e garanzie. Se definiamo ‘diritti
tesi normative. Certamente la maggior parte fondamentali’ come diritti “universali”, cioè
delle tesi di una teoria giuridica – a parte i conferiti a tutti da norme giuridiche, e ‘diritti
postulati e le definizioni dei concetti teorici, che soggettivi’ come “aspettative” cui corrisponde
come Comanducci riconosce hanno carattere un “obbligo” (di prestazione) o un “divieto”
convenzionale e, almeno in questo senso, (di lesione), dobbiamo poi ammettere che
prescrittivo – sono tesi assertive. Si pensi alla l’implicazione tra diritti e garanzie non è di tipo
teoria dei soggetti, delle persone e degli status, assertivo ma di tipo normativo: non, di nuovo,
all’analisi della struttura dei diversi tipi di un principium in iure ma un principium iuris
norme o alla teoria e alla tipologia degli atti e tantum, esterno al diritto pur se normativo
delle situazioni giuridiche. Alcune tesi, tuttavia, nei suoi confronti. È ben possibile, infatti, che
sono inevitabilmente prescrittive. E lo sono non esistano diritti fondamentali e non esistano le
già nel senso, banale, che riproducono norme corrispondenti garanzie. Si pensi a molti diritti
o principi giuridici interni al diritto positivo – sociali e a tutti i diritti umani stabiliti dalle
ciò che del resto è compito, ben più che della Dichiarazioni e convenzioni internazionali. E
teoria del diritto, della dogmatica giuridica, ossia possono quindi esistere, nel diritto positivo,
delle discipline giuridiche particolari fondate lacune che, al pari delle antinomie, sono in
sull’interpretazione della legge; bensì nel senso

367
Luigi Ferrajoli

base alla teoria identificabili quali difetti che fondamentali’. Per quanto mi riguarda, come
richiedono di essere rimossi 2. ha ricordato Comanducci, intendo con ‘diritti
Infine c’è una terza classe di principi, che fondamentali’ tutti quei diritti che sono ascritti
potremmo chiamare principia iuris et de iure universalmente a tutti in quanto persone, o in
ma non interamente in iure, in parte interni ma quanto cittadini o in quanto capaci d’agire e
in parte esterni al diritto positivo, essendo da che sono, perciò, indisponibili e inalienabili 3. Il
questo indotti ma non in esso compiutamente fondamento di questa come di qualunque altra
formulati: per esempio il principio di legalità, definizione della teoria – per esempio di ‘diritto
quello della separazione dei poteri, l’insieme soggettivo’, o di ‘persona’, o di ‘atto giuridico’, o
delle garanzie penali e processuali, molti degli di ‘soggetto di diritto’, o di ‘norma’ o di ‘validità’
stessi diritti fondamentali e il principio di – è evidentemente una stipulazione, come tale
uguaglianza. Benché enunciati più o meno né vera né falsa ma solo più o meno adeguata
esplicitamente da norme di diritto positivo, alle finalità esplicative che, unitamente alle altre
questi principi, se in sede dogmatica devono tesi della teoria, essa è in grado di soddisfare.
essere interpretati nel contesto delle altre norme In un secondo significato, ‘fondamento
dell’ordinamento positivo di cui fanno parte, in dei diritti fondamentali’ designa la fonte o
sede di teoria del diritto non possono non essere il fondamento giuridico positivo di quelle
riformulati, indipendentemente dall’analisi dei situazioni soggettive che sono appunto i diritti
concreti ordinamenti, come connotati normativi fondamentali: in altre parole il fondamento
dei modelli teorici che sono alle loro spalle. della risposta, di tipo tendenzialmente
Non sono quindi semplicemente descrittivi descrittivo e ricognitivo, alla domanda “quali
dei significati, più o meno vaghi e variamente sono, nell’ordinamento italiano o argentino,
problematici ad esso associabili in ciascun i diritti fondamentali?”. Il fondamento di
ordinamento. Sono bensì normativi, al pari del queste risposte, di competenza della dogmatica
modello di diritto al quale appartengono e che costituzionalistica o di quella internazionalistica,
la teoria ha il compito di esplicare e rielaborare. è evidentemente il diritto positivo: per esempio,
Insomma, accanto a tesi assertive, una nell’ordinamento italiano, la Costituzione,
teoria del diritto – tanto più se riferita agli necessaria a garantire i diritti dalle violazioni
odierni ordinamenti dotati di costituzioni del legislatore, o la legge ordinaria, sufficiente
rigide – non può non contenere tesi normative. a garantirli dalle violazioni dei giudici e
L’importante è che si distingua sempre con la degli amministratori; nell’ordinamento
massima chiarezza e consapevolezza, sul piano internazionale, invece, le diverse dichiarazioni
meta-teorico, tra quelle che sono tesi assertive e e convenzioni internazionali sui diritti umani.
quelle che sono tesi prescrittive. In breve, il fondamento giuridico dei diritti
fondamentali si identifica con il principio
La seconda avvertenza di carattere
giuspositivistico di legalità.
metateorico suggeritami dai rilievi di Paolo
Comanducci riguarda i rapporti tra i diversi tipi In terzo luogo, con ‘fondamento dei diritti
di discorso che si possono fare intorno al diritto, fondamentali’ – ed è il senso più diffuso – può
e specificamente intorno ai diritti fondamentali intendersi la giustificazione etico-politica o il
e ai loro fondamenti. Io ho distinto, come ha qui fondamento assiologico di quei valori o principi
ricordato Comanducci, quattro tipi di discorsi e di giustizia che vogliamo affermare e difendere
quattro tipi di fondamenti dei discorsi sui diritti con la loro stipulazione, appunto, come diritti
fondamentali, ma anche, aggiungerò, sul diritto fondamentali: in altre parole, il fondamento
in generale. della risposta, data dalla filosofia politica,
all’interrogativo “quali diritti devono essere
In primo luogo possiamo intendere con
(ossia è giusto o giustificato che siano) garantiti
‘fondamento dei diritti fondamentali’ la ragione
come fondamentali”. Si tratta, evidentemente,
o il fondamento teorico della nozione di ‘diritti
di una risposta non già di tipo assertivo bensì di
fondamentali’, cioè dei discorsi di teoria del
tipo normativo, che suppone l’opzione, né vera
diritto che rispondono alla domanda: “che cosa
né falsa, in favore dei criteri idonei a identificarli:
sono i (o cosa intendiamo, nei nostri discorsi,
in altre parole dei valori – come i quattro da
con l’espressione) ‘diritti fondamentali’?”.
me proposti della pace, dell’uguaglianza, della
Ci riferiamo, in questo senso, al fondamento
della definizione teorica del concetto di ‘diritti

368
Diritti Fondamentali e Democrazia Costituzionale

democrazia e della tutela del più debole – che nessuna filosofia della giustizia e nessun
grazie alla loro tutela possono essere soddisfatti. discorso sull’origine e sul grado di effettività
In quarto luogo, infine, possiamo intendere dei diritti fondamentali siano, o debbano, o
con ‘fondamento dei diritti fondamentali’ addirittura possano essere, interamente ed
l’origine o il fondamento storico-sociologico esclusivamente un discorso teorico, o giuridico,
di quelle conquiste di civiltà giuridica che o filosofico o storico-sociologico. Questi diversi
sono state consacrate, appunto, come diritti approcci e i diversi tipi di tesi e di discorsi da
fondamentali: in altre parole il fondamento essi originati convivono inevitabilmente, e direi
della risposta alla domanda “quali sono e perché anche proficuamente, all’interno di qualunque
(per quali ragioni, attraverso quali processi e con discorso sul diritto e sui diritti. L’importante
quale grado di effettività) i diritti fondamentali è che essi siano presentati e riconosciuti come
storicamente affermatisi e di fatto soddisfatti?”. approcci e tesi di tipo diverso. Ma sarebbe
È questa, chiaramente, una domanda di assurdo pretendere che un discorso sui diritti
pertinenza della sociologia del diritto e per altro fondamentali debba essere unicamente teorico,
verso della storiografia giuridica, che ammette o tecnico-giuridico, o assiologico o storico-
risposte empiriche argomentabili come vere, sociologico. Se prendiamo qualunque libro sui
con riferimento però non tanto alle norme che diritti fondamentali – di Bobbio o di Peces Barba,
in un dato ordinamento conferiscono diritti di Alexy o di Haberle o di Denninger – troveremo
fondamentali, ma a quanto di fatto in esso sicuramente a) definizioni e tesi teoriche; b) tesi
accade o è accaduto: alle lotte sociali e ai processi giuridiche riferite, se non altro negli esempi, a
politici attraverso cui tali diritti sono stati determinati ordinamenti; c) tesi assiologiche
prima affermati e rivendicati e poi conquistati o etico-politiche; d) tesi di carattere storico e
e consacrati nelle leggi o nelle costituzioni; fenomenologico. Tutto questo è inevitabile e
alle condizioni economiche, sociali, politiche perfino opportuno: a condizione, ripeto, che sia
e culturali della loro implementazione; al sempre chiaro il tipo di discorso e di tesi che di
grado infine di tutela effettiva che di fatto è volta in volta stiamo formulando.
ad essi offerta dal concreto funzionamento Il discorso che qui svolgerò sui diritti
dell’ordinamento oggetto d’indagine. fondamentali e sulle loro garanzie di effettività
Ebbene, anche a proposito di questa sarà prevalentemente un discorso di tipo storico-
seconda questione metateorica, l’importante fenomenologico. Ma esso ha alle spalle una
è distinguere tra questi diversi tipi di discorsi, teoria del diritto e, in particolare, la definizione
di fondamenti e di questioni. Gran parte dei teorica già ricordata di ‘diritti fondamentali’
problemi e dei dissensi che si manifestano come diritti universali e indisponibili.
nelle nostre discussioni dipendono infatti dalla Inevitabilmente, inoltre, esso conterrà, se non
confusione tra questi quattro tipi di discorsi e altro in forma esemplificativa ed esplicativa,
di criteri di giudizio. Spesso si pretende da una tesi più propriamente giuridiche riferite al
definizione teorica, o peggio si contrabbanda diritto italiano, al diritto dell’Unione Europea
come definizione teorica, una tesi assiologica e al diritto internazionale, nonché tesi di tipo
intorno a quelli che consideriamo giusto etico-politico sull’intollerabile ingiustizia
che siano tutelati come diritti fondamentali. rappresentata dall’ineffettività e dall’assenza di
Altre volte si presenta come tesi assiologica, o garanzie dei diritti fondamentali in gran parte
peggio come tesi empirico-sociologica, quella del pianeta e sulle ragioni morali o anche solo,
che è semplicemente la ricognizione giuridica nei tempi lunghi, di semplice convenienza di
di quei diritti che come fondamentali sono una loro effettiva garanzia, a livello sia statale
sanciti nell’ordinamento di cui ci occupiamo: che internazionale, quale condizione della pace
così cadendo nel primo caso nella fallacia e della nostra stessa sicurezza.
naturalistica di contrabbandare come giusto ciò
che è semplicemente legale, e nel secondo nella 2. DUE CONQUISTE DEL NOVECENTO
fallacia idealistica di contrabbandare ciò che è Vengo dunque al tema dei fondamenti,
solo legale, cioè normativo, come effettivo. nei quattro sensi qui illustrati, dei diritti
Penso però – contrariamente, mi sembra, fondamentali, a cominciare dal fondamento
a Paolo Comanducci – che nessuna teoria del storico o fenomenologico.
diritto, nessun discorso di diritto positivo,

369
Luigi Ferrajoli

Io credo che il lascito politico più subordinata, almeno formalmente, neppure alle
importante del secolo appena trascorso sia costituzioni. Non parlo qui della Costituzione
stato la rifondazione giuridica del diritto americana, che fu rigida fin dall’inizio ma
e delle istituzioni politiche, sia statali che per ragioni e con effetti del tutto diversi dalla
internazionali, generata dalle dure lezioni rigidità delle costituzioni europee. Come stabilì
impartite dalle tragedie – i totalitarismi e le nel 1803 nella causa Marbury vs. Madison il
guerre mondiali – che ne hanno funestato la giudice Marshall, la costituzione americana
prima metà. Questa rifondazione si è espressa non è derogabile dal Congresso né dai singoli
in due grandi conquiste – entrambe oggi in crisi, Stati perché ha la forma di un trattato,
come mostrerò più oltre – che hanno investito, modificabile solo da tutti gli Stati membri. Ma
quali altrettanti rifiuti degli orrori del passato, questo comporta, in capo ai giudici, il potere
l’una la forma istituzionale degli Stati nazionali, di disapplicare le leggi ritenute incostituzionali
l’altra le forme delle relazioni tra Stati. Entrambe nel singolo caso sottoposto al loro giudizio, ma
queste conquiste si sono realizzate con una non certo quello, attribuito invece alle Corti
medesima operazione: la costituzionalizzazione costituzionali europee, di deciderne il definitivo
del principio della pace e dei diritti umani, annullamento.
inclusi quei diritti alla sopravvivenza che sono In Europa, invece, di rigidità costituzionale
i diritti sociali, quali limiti e vincoli normativi – non può parlarsi fino al breve esperimento
una sorta di solenne “mai più” agli orrori della austriaco del 1920, promosso da Kelsen,
guerra e dei fascismi – imposti alla politica, ossia e poi alla Costituzione italiana del 1948.
ai supremi poteri, sia interni che internazionali. Le Carte costituzionali erano certamente
Penso che queste due conquiste – o meglio, documenti solenni, politicamente fondativi
dovremmo forse dire, queste due promesse della convivenza civile. Ma non erano in grado
in gran parte non mantenute – non siano di limitare giuridicamente il potere legislativo.
state adeguatamente tematizzate dalla cultura All’inizio, addirittura, la Dichiarazione francese
giuridica né tanto meno da quella politica. del 1789 non fu neppure, da taluni, considerata
Certamente l’enunciazione dei diritti umani una legge positiva 4, ma solo un documento
nelle carte costituzionali risale a ben prima politico. E anche dopo che ne fu riconosciuta
che al secondo dopoguerra. Risale alle prime la natura di leggi, le costituzioni furono pur
Costituzioni e Dichiarazioni rivoluzionarie del sempre considerate per l’appunto leggi, soggette,
’700 – la Dichiarazione dei diritti della Virginia come tutte le altre, ai principi della successione
del 1776, la Costituzione americana del 1787, delle leggi nel tempo. Basti ricordare lo Statuto
la Dichiarazione francese dei diritti dell’uomo e albertino del Regno d’Italia, che fu da tutti
del cittadino del 1789 – e poi alle Costituzioni considerato una semplice legge ordinaria, sia
e agli Statuti dell’800. Non esisteva tuttavia, pure particolarmente solenne, e come tale potè
prima del 1948, una Carta internazionale dei essere travolto, senza un formale colpo di stato,
diritti umani. E c’è, d’altra parte, una novità dalle leggi fasciste di Mussolini del 1925.
nel costituzionalismo novecentesco del secondo Giacché non esisteva fino a 50 anni
dopoguerra, inaugurato dalla costituzione fa, nell’immaginario dei giuristi e nel senso
italiana del 1948 e dalla legge fondamentale comune, l’idea di una legge sulle leggi, di un
tedesca del 1949 e ripreso dalla costituzione diritto sul diritto. Ed era inconcepibile che
greca del 1975, da quella portoghese del 1976 e una legge potesse vincolare la legge, essendo la
da quella spagnola del 1978, non a caso seguite legge – questo era il paradigma giuspositivistico
tutte alla liberazione di questi paesi da regimi di della modernità giuridica – l’unica fonte, perciò
tipo fascista: la loro rigidità, ossia il loro carattere onnipotente, del diritto: sia che fosse concepita
sopraordinato alle leggi ordinarie, che vale a come il prodotto della volontà del sovrano,
garantirne il ruolo di limiti e vincoli ai supremi sia che fosse intesa come l’espressione della
poteri politici, sia di governo che legislativi. maggioranza parlamentare. Sicché il legislatore,
Si è trattato di un mutamento profondo di nella migliore delle ipotesi il Parlamento, era
paradigma, sia del diritto che dello Stato. Nel a sua volta concepito come onnipotente. E
paradigma paleopositivistico dello stato liberale onnipotente era di conseguenza la politica, di cui
la legge, qualunque ne fosse il contenuto, era il diritto è il prodotto e insieme lo strumento.
la fonte suprema e illimitata del diritto, non Con il risultato, altresì, di una concezione

370
Diritti Fondamentali e Democrazia Costituzionale

tutta formale e procedurale della democrazia, seconda metà del secolo scorso, informandone le
identificata unicamente con il potere del politiche di Welfare ed orientandone lo sviluppo
popolo, ossia con le procedure e i meccanismi economico e sociale.
rappresentativi volti ad assicurare il potere Per comprendere questo mutamento di
della maggioranza. Per non parlare del diritto paradigma della democrazia dobbiamo capire,
internazionale, giunto alla catastrofe delle guerre in tutta la sua portata, la trasformazione della
mondiali anche a causa dell’assoluta mancanza legalità prodotta dalla rigidità delle costituzioni,
di limiti e di vincoli costituzionali alla sovranità ossia dal riconoscimento della costituzione
esterna degli Stati. come norma suprema, alla quale tutte le altre
Tutto questo cambia radicalmente in sono rigidamente subordinate. Grazie a questa
quella straordinaria stagione costituente che fu il rigidità, la legalità cambia natura: non è più solo
quinquennio 1945-1949, che vide l’emanazione condizionante e disciplinante, ma è essa stessa
della Carta dell’Onu nel 1945, della Costituzione condizionata e disciplinata da vincoli giuridici
giapponese del 1946, della Costituzione italiana non più solo formali ma anche sostanziali; non
del ’48, della Dichiarazione universale dei è più semplicemente un prodotto del legislatore
diritti umani nel medesimo anno, della Legge ma è anche progettazione costituzionale del
fondamentale tedesca nel 1949. È grazie a queste diritto da produrre e dunque limite e vincolo,
carte che si realizzano le due grandi conquiste e quale diritto sul diritto, al legislatore medesimo.
le due grandi rivoluzioni istituzionali di cui ho Sicché del diritto positivo risulta positivizzato,
parlato all’inizio; le quali cambiano la natura e la da quel patto sociale che è la costituzione, non
struttura del diritto e delle istituzioni politiche più solo l’“essere”, ossia l’“esistenza”, ma anche
dissolvendo l’una la sovranità interna, tramite i il “dover essere”, ossia le condizioni di “validità”;
limiti e i vincoli costituzionali imposti al potere non più solo il “chi” e il “come” delle decisioni
legislativo, l’altra la sovranità esterna tramite il ma anche il “che cosa” non deve essere deciso,
divieto della guerra e la stipulazione dei diritti ossia la lesione dei diritti di libertà, o al contrario
fondamentali in capo ad ogni essere umano dev’essere deciso, ossia la soddisfazione dei
diritti sociali.
3. LA RIGIDITÀ DELLE COSTITUZIONI Si tratta di un mutamento rivoluzionario
DEL SECONDO DOPOGUERRA di paradigma del diritto e, insieme, della
giurisdizione e della scienza giuridica; di un
Parlerò prima, sommariamente, della
mutamento, io credo, di cui tuttora non abbiamo
prima di queste due grandi conquiste: la forma
misurato la portata. Cambiano in primo luogo le
costituzionale conferita, dalla rigidità della
condizioni di validità delle leggi, che dipendono
costituzioni, alla democrazia. Grazie ad essa la
dal rispetto non più solo delle norme procedurali
democrazia non consiste più, semplicemente,
sulla loro formazione ma anche delle norme
nel potere illimitato del popolo, e perciò
sostanziali sul loro contenuto, ossia dalla loro
della maggioranza, in grado di degenerare,
coerenza con i principi di giustizia stabiliti dalla
come mostrò l’avvento del fascismo e poi del
costituzione. Cambia in secondo luogo la natura
nazismo, in forme totalitarie. Essa è bensì
della giurisdizione e il rapporto tra il giudice e la
potere del popolo nei limiti e con i vincoli
legge: che non è più, come nel vecchio paradigma
imposti dalle costituzioni, e perciò soggezione
giuspositivistico, soggezione alla lettera della legge
al diritto, e precisamente ai diritti fondamentali
qualunque ne sia il significato, ma è soggezione
costituzionalmente stabiliti, di tutti i pubblici
anzitutto alla costituzione, che impone al
poteri incluso quello della maggioranza. Il
giudice la critica delle leggi invalide tramite la
potere politico, sia legislativo che di governo,
loro re-interpretazione in senso costituzionale o
risulta così disciplinato non più solo nelle forme
la loro denuncia per incostituzionalità. Cambia
di produzione, rappresentative appunto della
in terzo luogo il ruolo della scienza giuridica,
maggioranza, con cui devono essere prodotte le
che risulta investita di una funzione non più
decisioni, ma anche nei contenuti delle decisioni
solo descrittiva, come nel vecchio paradigma
medesime, vincolati ai principi di giustizia –
paleo-giuspositivistico, ma critica e progettuale
uguaglianza, pace e diritti fondamentali – iscritti
nei confronti del suo oggetto. Precisamente, il
nelle costituzioni. Fu questo il patto sociale
mutamento di paradigma nella struttura del
stipulato in tutte le costituzioni del secondo
diritto conferisce alla dogmatica il compito di
dopoguerra, che ha retto i paesi europei nella

371
Luigi Ferrajoli

accertare e criticare le antinomie e le lacune spazi illegittimi rappresentati dall’insieme degli


presenti della legislazione ordinaria rispetto agli atti illeciti e degli atti invalidi.
imperativi costituzionali, e alla teoria il compito Le costituzioni consistono precisamente in
di tematizzare la virtuale divaricazione tra dover questo sistema di regole, sostanziali e formali,
essere ed essere del diritto, ossia tra validità e su ciò che per i pubblici poteri è indecidibile,
vigore, e di identificare e magari progettare le ossia è vietato decidere o non decidere. Sotto
tecniche di garanzia idonee a superarla. questo aspetto esse non rappresentano solo il
Si capisce il mutamento strutturale che, di completamento dello stato di diritto attraverso
riflesso, si produce nelle forme della democrazia. l’estensione del principio di legalità a tutti i poteri,
La costituzionalizzazione rigida dei diritti incluso quello legislativo. Esse sono anche un
fondamentali – imponendo obblighi e divieti programma politico per il futuro: l’imposizione
ai pubblici poteri – ha infatti innestato nella a tutti i poteri di imperativi negativi e positivi
democrazia una “dimensione sostanziale”, in quali loro fonti non solo di legittimazione,
aggiunta alla tradizionale “dimensione politica”, ma anche di delegittimazione. Costituiscono,
meramente “formale” o “procedurale”. Se infatti per così dire, delle utopie di diritto positivo,
le norme formali della costituzione – quelle che che per quanto mai realizzabili perfettamente
disciplinano l’organizzazione dei pubblici poteri stabiliscono tuttavia, in quanto diritto sul
e che sono dettate per esempio dalla seconda diritto, il progetto di trasformazione del diritto
parte della nostra costituzione – garantiscono medesimo in direzione dell’uguaglianza nei
la dimensione formale della “democrazia diritti fondamentali.
politica” che riguarda il chi e il come delle
decisioni, le sue norme sostanziali – quelle che 4. L’ORDINE INTERNAZIONALE ISTI-
stabiliscono i principi e i diritti fondamentali e TUITO DALLA CARTA DELL’ONU
che sono di solito contenute nella prima parte
delle costituzioni – garantiscono quella che ben La seconda conquista giuridica del
possiamo chiamare la dimensione materiale secolo appena trascorso è stato il mutamento
della “democrazia sostanziale”, dato che di paradigma intervenuto nelle relazioni
riguardano il che cosa non può essere deciso o internazionali. Con l’istituzione dell’Onu il
dev’essere deciso da qualunque maggioranza, diritto internazionale si è trasformato, da sistema
vincolando la legislazione, a pena d’invalidità, di relazioni pattizie tra Stati illimitatamente
al rispetto dei diritti fondamentali e degli altri sovrani, basato sui rapporti di forza e perciò
principi assiologici da esse stabiliti. destinato, come mostrò la catasfrofe dei due
conflitti mondiali, a degenerare nella guerra, in
Ne risulta un mutamento nel rapporto
un ordinamento giuridico sovra-statale, fondato
tra la politica e il diritto. Giacché non è più il
sul divieto della guerra e sui diritti fondamentali
diritto ad essere subordinato alla politica quale
di tutti gli esseri umani stabiliti quali limiti
suo strumento, ma è la politica che diventa
e vincoli ai poteri degli Stati. Anche questo
strumento di attuazione del diritto, sottoposta ai
mutamento si è espresso nella stipulazione
vincoli ad essa imposti dai principi costituzionali:
di un patto costituzionale di convivenza: la
vincoli negativi, quali quelli generati dai diritti
Carta delle Nazioni Unite del 1945, e poi la
di libertà che non possono essere violati;
Dichiarazione universale dei diritti dell’uomo
vincoli positivi, quali quelli generati dai diritti
del 1948 e i due Patti internazionali sui diritti
sociali che devono essere soddisfatti. Politica
civili, politici, economici, sociali e culturali del
e mercato si configurano in tal modo come la
1966, che formano, nel loro insieme, una sorta
sfera del decidibile, rigidamente delimitata dai
di costituzione embrionale del mondo. Grazie
diritti fondamentali: i quali, proprio perché
ad esso la sovranità, venuta meno nella sua
garantiti a tutti e sottratti alla disponibilità sia
dimensione interna grazie alle forme dello stato
del mercato che della politica, determinano
di diritto, viene meno, quale potestas legibus
la sfera di ciò che non dev’essere o dev’essere
soluta, anche nella sua dimensione esterna,
deciso, non potendo nessuna maggioranza,
essendosi tutti gli Stati assoggettati, anche nei
neppure l’unanimità, legittimamente decidere di
loro rapporti internazionali, ai vincoli della pace
violarli o di non soddisfarli. Sono questi limiti e
e della garanzia dei diritti umani di tutti.
vincoli che definiscono gli spazi legittimi della
politica e dell’economia, in opposizione agli Purtroppo questa conquista è rimasta
in gran parte sulla carta: allo stato, appunto,

372
Diritti Fondamentali e Democrazia Costituzionale

di semplice promessa. Ma ciò non toglie che a quella dei pubblici poteri, formulandole come
essa continui ad essere la sola alternativa diritti in forma rigida e universale.
razionale alla guerra, endemica e globale, Io credo che questi due criteri assiologici
e a un futuro di violenze e di terrore. Direi di identificazione dei diritti fondamentali
anzi che il costituzionalismo internazionale in quelle aspettative vitali che, grazie al loro
prefigurato dalla Carta dell’Onu esprime nella carattere universale, assicurano la pace e la
maniera più esplicita il paradigma hobbesiano tutela dei più deboli, consentano di risolvere
di quell’artificial reason che è il diritto 5, la cui le due aporie lamentate nella dottrina dei
giustificazione razionale risiede appunto nella diritti umani dalle dottrine sociologiche e
sua funzione di garanzia della pace e perciò della tendenzialmente comunitarie della cittadinanza
vita. Tutte le carte costituzionali, si è detto, e, per altro verso, dalle teorie antropologiche del
sono contratti sociali in forma scritta, patti di multiculturalismo e del relativismo culturale:
convivenza intorno a ciò che non può essere l’idea che la legittimità dei diritti fondamentali
deciso e a ciò che deve essere deciso a garanzia supporrebbe un qualche grado di consenso
dei diritti di tutti e della pace: diritti e pace che sociale, quale solo può rilevarsi nel senso di
equivalgono alla ragione sociale, e perciò al appartenenza espresso dalla cittadinanza nei
fondamento filosofico delle istituzioni giuridiche nostri ordinamenti occidentali e non certo in
e politiche. Ma più che mai è un contratto culture diverse dalla nostra; e l’idea che, d’altro
sociale finalizzato alla pacifica convivenza la canto, il paradigma universalistico dei diritti
Carta dell’Onu: sia perché anche formalmente fondamentali, prodotto indubbiamente dalla
essa è un trattato, ossia un contratto vero e cultura occidentale, sarebbe viziato dal paradosso
proprio; sia perché nel suo preambolo, come poi della sua contraddizione con il rispetto dovuto
in quello della Dichiarazione del 1948, la pace a popoli e a soggetti di diversa cultura cui noi
e i diritti vengono indicati come i fini, tra loro pretenderemmo di imporlo.
esplicitamente connessi, dell’Organizzazione
Alla base della prima di queste due critiche c’è
sovranazionale con essa istituita. Insomma, non
una concezione organicistica delle costituzioni di
solo la pace è il primo fondamento dei diritti
segno, a mio parere, antilluministico e illiberale.
umani, ma è vero anche il contrario, esistendo
Le costituzioni, secondo questa concezione
una correlazione biunivoca tra il grado di pace,
sviluppatasi nella giuspubblicistica tedesca di
sia sociale che internazionale, e il grado di
fine Ottocento e largamente dominante anche
garanzie a sostegno di tali diritti
nella cultura giuridica italiana, sarebbero – o
C’è poi un secondo fondamento assiologico dovrebbero essere – l’espressione, come scrisse
o filosofico dei diritti umani messo in evidenza Carl Schmitt, dell’“unità di un popolo” 6, ossia
dalle Convenzioni internazionali dei diritti: di una cultura, di una volontà e di un’identità
il loro ruolo di leggi del più debole contro la collettiva rappresentate appunto dall’esistenza di
legge del più forte che è propria dello stato di un “demos”. La loro fonte di legittimità sarebbe
natura, ossia dell’assenza di diritto e di diritti. perciò il consenso popolare, che presupporrebbe
Anche qui il nesso tra forma universale dei a sua volta un qualche grado di omogeneità
diritti fondamentali e tutela del più debole è sociale e culturale dei consociati. Io credo
quello di mezzi a fini proprio del rapporto di invece che questa concezione vada rovesciata.
razionalità strumentale. Quella forma, insieme Le costituzioni non hanno lo scopo di esprimere
al rango costituzionale delle norme che la una comune volontà o identità popolare, bensì
esprimono, si configura infatti come la tecnica di garantire i diritti vitali di ciascuno e di tutti,
idonea alla tutela dei soggetti più deboli, in e perciò la convivenza pacifica, anche contro la
quanto assicura l’indisponibilità e l’inviolabilità volontà e gli interessi della maggioranza. Esse
di quelle aspettative vitali stabilite come diritti sono patti di convivenza nel senso letterale
fondamentali mettendole al riparo dai rapporti del termine, cioè patti di non aggressione,
di forza propri del mercato e della politica. In tanto più giustificati ed anzi necessari quanto
altre parole: se vogliamo che i soggetti più deboli più eterogenee e potenzialmente nemiche,
fisicamente, o politicamente, o socialmente o sul piano culturale o politico o religioso,
economicamente siano tutelati dalle leggi dei sono le soggettività di cui devono garantire la
più forti, occorre sottrarne la vita, la libertà e la convivenza. Il consenso, conseguentemente, se
sopravvivenza sia alla disponibilità privata che in una qualche misura è una condizione della loro

373
Luigi Ferrajoli

effettività, non ne rappresenta affatto la fonte di inteso con tale espressione la sfera degli interessi
legittimazione, che risiede invece nei valori della generali, a cominciare da quegli interessi di tutti
pace e dell’uguaglianza che esse, proprio grazie che sono la pace e i diritti fondamentali 7. Ma
all’universalità dei diritti fondamentali, sono in la crisi segnala altresì un’obsolescenza della
grado di garantire. politica. Giacché il principio della pace e i diritti
Altrettanto infondata, a mio parere, è fondamentali stipulati in quei patti sociali che
la critica proveniente dal multiculturalismo. sono le costituzioni rigide e le convenzioni
L’equivoco che è alla sua base è che l’universalità internazionali del Novecento sono non solo
da cui i diritti fondamentali traggono la loro limiti e vincoli giuridici, ma anche programmi
giustificazione consisterebbe nella loro pretesa politici: negazioni così del totalitarismo come
condivisione universale, presente invece della guerra, che a loro volta ne erano stati le
soltanto nei paesi occidentali nei quali essi negazioni, tramite la stipulazione di un progetto
furono elaborati. Innanzitutto non è affatto normativo volto a soddisfare bisogni vitali di
vero che, nei nostri paesi, valori come la pace tutti e perciò imposto alla politica quale fonte
e gran parte dei diritti fondamentali godano della sua legittimità democratica. E vengono
oggi di un consenso maggioritario, né tanto meno, anche senza colpi di stato o formali
meno che tale consenso sia esistito in passato. mutamenti di regime, ove si offuschino nelle
In secondo luogo, e soprattutto, l’universalità politiche istituzionali e prima ancora nel senso
dei diritti fondamentali si riferisce non già comune.
a un improbabile consenso di tutti nei loro I fattori di crisi del paradigma della
confronti, bensì alla loro titolarità, cioè al fatto democrazia costituzionale all’interno degli Stati
che essi spettano a tutti, che lo vogliano o meno nazionali sono molteplici. Sono innanzitutto
e quali che siano le opinioni o le culture di fattori oggettivi. Il primo di essi è la dislocazione
ciascuno In questo senso i diritti fondamentali di quote crescenti di poteri e di funzioni
hanno un fondamento democratico: nel senso pubbliche, tradizionalmente riservate agli Stati,
che si riferiscono al “popolo” nella totalità dei al di fuori dei loro confini nazionali. Nell’età
suoi componenti ed esprimono perciò, in capo della globalizzazione il futuro di ciascun paese,
a ciascuno, un frammento di sovranità. E in soprattutto dei paesi più poveri, dipende sempre
questo senso è democratica una costituzione: meno dalla politica interna e sempre più da
perché i suoi contenuti, cioè i diritti in essa decisioni esterne, assunte in sedi politiche
stabiliti, garantiscono tutti, e non già per la sovranazionali o da poteri economici globali,
forma della sua produzione, cioè perché essa sia sottratti sia ai vincoli della rappresentanza
(stata) voluta da tutti. politica che ai limiti e ai controlli propri dello
stato di diritto. Il caso dell’Argentina è sotto
5. LA CRISI DEL COSTITUZIONALISMO questo aspetto esemplare. Sta insomma saltando
DEMOCRATICO E DEL PRINCIPIO DI il nesso tra democrazia e popolo e quello tra
stato di diritto/stato, tradizionalmente mediati
LEGALITÀ dal principio di legalità, cioè dal primato della
Oggi queste due conquiste del secolo legge, espressione della volontà popolare e della
appena trascorso – la democrazia costituzionale politica da essa espressa.
e il progetto di un costituzionalismo mondiale, Il secondo fattore di crisi è rappresentato
quest’ultimo rimasto sempre sulla carta per dalla crisi della legalità. Innanzitutto della
l’assoluta mancanza di garanzie – sono entrambe legalità ordinaria, per effetto dell’inflazione
in crisi, insieme alle prospettive di innovazione legislativa che ha provocato, in tutti i paesi
e di progresso da esse prefigurate. La crisi si avanzati, un collasso del principio di legalità.
manifesta, essenzialmente, nell’obsolescenza dei In Italia le leggi si contano ormai in decine di
loro elementi comuni: la soggezione del potere migliaia, tanto che in materia penale la Corte
al diritto, secondo il modello dello “stato di costituzionale è stata costretta, nel 1988, a
diritto”; la sua tendenza o peggio la sua aperta quella vera e propria dichiarazione di bancarotta
aspirazione ad accumularsi e a rilegittimarsi in che è stata l’archiviazione del classico principio
forme assolute; l’aggressione in molti paesi, tra secondo cui l’ignoranza della legge penale
cui certamente l’Italia e l’Argentina, allo stato non scusa: le leggi, infatti, sono ormai tante e
sociale e, più in generale, alla “sfera pubblica”, così confuse e complesse che è ben possibile

374
Diritti Fondamentali e Democrazia Costituzionale

che la loro ignoranza sia non solo scusabile questi poteri, in contrasto con i principi dello
ma addirittura inevitabile. Si capisce come Stato costituzionale di diritto che non ammettono
una simile disfunzione della legalità finisca poteri assoluti, cioè non soggetti alla legge e
per allargare enormemente gli spazi della quindi ai controlli giurisdizionali. In Italia, poi,
discrezionalità giudiziaria ed equivalga, di fatto, si è prodotta in capo a una medesima persona
a una regressione al diritto giurisprudenziale la più alta concentrazione di poteri economici,
premoderno Ma la crisi ha investito altresì nel campo per di più dell’informazione, e del
la legalità costituzionale: si pensi solo massimo potere politico. Che è di nuovo un
all’indebolimento, per effetto dell’eclisse della fenomeno di regressione: precisamente alla
vecchia sovranità statale e della crisi dell’unità confusione premoderna tra politica ed economia,
degli ordinamenti e del sistema tradizionale tra pubblico e privato, tra mercato e Stato: cioè
delle fonti di diritto, del ruolo garantista delle tra due sfere la cui separazione segnò il trapasso
costituzioni nazionali. dai vecchi stati patrimoniali allo Stato di diritto
C’è poi un ulteriore ordine di ragioni della e rappresenta il presupposto elementare e
crisi, di carattere soggettivo e più propriamente costitutivo della civiltà giuridica moderna.
politico: la vocazione crescente all’illegalismo È questa concentrazione e insieme
di tutti i poteri, privati e pubblici, confortata questa concezione neoassolutistica dei poteri
dal trionfo delle ideologie liberiste sul terreno che sta minando alla radice la democrazia
economico e plebiscitarie e populiste su quello costituzionale. Il principale veicolo di questa
politico, le une e le altre contrarie ai limiti e ai mutazione è l’insofferenza per le regole e per i
vincoli garantisti propri del costituzionalismo controlli e l’aperta squalificazione della legalità,
democratico. Questo illegalismo professato, attraverso non più l’occultamento ma addirittura
oltre che praticato, ha in Italia e in Argentina la rivendicazione e l’esibizione della pratica
le sue manifestazioni forse più vistose. Esso dell’illegalità. C’è un elemento che accomuna,
investe sia la legalità costituzionale che la pur nella loro totale eterogeneità, tutte queste
legalità ordinaria. In Italia, per oltre un decennio rotture della legalità: dalle terribili leggi anti-
la Costituzione repubblicana è stata sottoposta terroristiche sui tribunali speciali militari e
ad attacchi concentrici e a ripetute violazioni sulla soppressione dell’habeas corpus approvate
che ne hanno minato il ruolo garantista di limite recentemente negli Stati Uniti e in Inghilterra,
e vincolo, sempre più avvertito e squalificato, fino alle grottesche leggi ad personam emanate
dai poteri politici come da quelli economici, in Italia e alle aggressioni con cui Parlamento e
come indebito intralcio alla sovranità popolare Governo hanno assediato il Tribunale di Milano,
e al libero mercato. Al tempo stesso è emersa, le une e le altre dirette a bloccare la celebrazione
come del resto nella maggior parte dei paesi del processo per corruzione contro il nostro
avanzati, una corruzione strutturale così dei presidente del consiglio. Questo elemento
poteri pubblici come di quelli economici, che in comune è l’ostentazione impudente, senza alcun
Italia ha provocato dapprima la crisi del vecchio senso del limite, del disprezzo per il diritto, volta
sistema basato sulla loro occulta collusione, e evidentemente ad affermare la superiorità al
poi la sua rifondazione e la sua rivincita basate diritto dei supremi poteri e perciò a rifondarne
sulla loro aperta confusione e concentrazione in la legittimazione sul consenso popolare, a sua
capo a un medesimo soggetto. volta basato sull’esibizione della forza. In Italia,
Ne sta risultando una mutazione dei per di più, si è aggiunta la squalificazione
sistemi politici del tutto coerente con il nuovo qualunquistica della politica, che dopo aver
credo ideologico oggi dominante: la concezione favorito l’ascesa al governo del partito-azienda
della libertà e della democrazia – in una parola, di Silvio Berlusconi rischia oggi di assecondare
della “liberal-democrazia” – come assenza di un’ulteriore deformazione del sistema politico
regole e di controlli, di limiti e vincoli, da un basata sul primato dell’economia sulla politica
lato all’autonomia privata, e quindi ai poteri e dei grandi interessi economici sugli interessi
economici del mercato, dall’altro alle decisioni pubblici.
della maggioranza e quindi ai poteri politici del
governo In breve, un neoassolutismo di entrambi

375
Luigi Ferrajoli

6. LA CRISI DELLA LEGALITÀ Palestina. Ariel Sharon ha prontamente replicato


il modello Bush della guerra in Afghanistan, così
INTERNAZIONALE. LA GLOBA- come Putin aveva replicato in Cecenia il modello
LIZZAZIONE COME VUOTO DI Clinton della guerra nel Kosovo. La guerra, con
DIRITTO PUBBLICO INTERNA- il suo carico di migliaia di vittime innocenti, è
stata così riabilitata come strumento di soluzione
ZIONALE
delle controversie internazionali o peggio è stata
Ancor più grave è la crisi in atto della proposta, come in Afghanistan e in Palestina,
legalità internazionale, e precisamente di quella quale nuova forma di intervento poliziesco e di
seconda grande conquista del Novecento che sommaria “giustizia” penale.
fu il patto di convivenza pacifica stipulato con In secondo luogo, proprio la crisi dello
l’istituzione dell’Onu e basato sul divieto della stato nazionale ha reso ancor più drammatica
guerra e sulla tutela dei diritti umani. Più che di l’assenza di una sfera pubblica internazionale
una conquista, si è detto all’inizio, si è piuttosto all’altezza dei nuovi poteri extra- e sovra-statali.
trattato di una promessa non mantenuta, dato Il principale risultato di tale crisi sul piano
che ad essa non ha fatto seguito l’introduzione internazionale è stato infatti un vuoto di diritto
di adeguate garanzie: né di quelle che ho pubblico, ossia la mancanza di regole, di limiti
chiamato “garanzie primarie”, ossia di divieti e di controlli nei confronti dei nuovi poteri
di lesione e di obblighi di prestazioni in capo transnazionali, sia pubblici che privati, che
ad appositi organismi internazionali; né di hanno spodestato i vecchi poteri statali. Penso
quelle che ho chiamato “garanzie secondarie”, anzi che la stessa globalizzazione dell’economia
ossia di un sistema adeguato di istituzioni possa essere identificata, sul piano giuridico, con
giudiziarie in grado di sanzionale le violazioni questo vuoto di un diritto pubblico internazionale
o le inadempienze dei diritti e delle relative idoneo a disciplinare i grandi poteri economici
garanzie primarie. Certamente dobbiamo transnazionali: non, si badi, un vuoto di diritto,
riconoscere l’enorme valore del raggiungimento, che non può mai esserci, ma un vuoto di diritto
proprio in questi giorni, delle sessanta ratifiche pubblico riempito, inevitabilmente, da un
previste per l’entrata in funzione, che si prevede pieno di diritto privato, cioè da un diritto di
per il prossimo 1 luglio, della Corte penale produzione contrattuale che si sostituisce alle
internazionale per i crimini contro l’umanità. Ma forme tradizionali della legge 8 e che riflette,
allo stato attuale l’ordinamento internazionale, di solito, la legge del più forte. Ne è conseguita
con tutte le sue carte e convenzioni sui diritti una generale anomia e una regressione
umani, è paragonabile a quello che sarebbe un neoassolutistica così delle grandi potenze come
ordinamento statale ove fosse composto della dei grandi poteri economici transnazionali: che
sola costituzione e di qualche debole istituzione è un neoassolutismo regressivo e di ritorno che
dotata di scarsissimi poteri. si manifesta nell’assenza di regole apertamente
E tuttavia in questi ultimi dieci anni assunta, dall’odierno capitalismo globalizzato,
dobbiamo registrare un crollo di questa pur debole come una sorta di nuova grundnorm del nuovo
legalità internazionale. È stata innanzitutto ordine economico e politico internazionale.
riesumata e messa in pratica la dottrina della Io penso che questo vuoto di diritto pubblico
“guerra giusta”. Per ben tre volte nel corso di non sia a lungo sostenibile, in una società globale
un decennio è stato infranto il divieto della sempre più fragile e interdipendente, senza
guerra, che dell’ordine internazionale istituito andare incontro a un futuro di guerre, di violenze
dalla Carta dell’Onu è la norma fondamentale: e di terrorismi che metterebbe in pericolo la
dapprima, nel 1991, con il coinvolgimento e sopravvivenza delle nostre stesse democrazie.
insieme il capovolgimento del ruolo di pace Dobbiamo infatti pur chiederci se sia realistica
dell’Onu, chiamata ad avallare la guerra del l’aspirazione alla pace e alla sicurezza in un
Golfo in contrasto con il suo statuto; poi, nella mondo in cui ottocento milioni di persone, cioè
guerra del Kosovo, con l’impiego della Nato un sesto della popolazione, possiede i cinque
e l’allargamento indefinito dei suoi poteri di sesti del reddito mondiale; in cui meno di 300
intervento; infine, nella guerra in Afghanistan, miliardari in dollari sono più ricchi di metà della
con l’assunzione diretta da parte degli Stati Uniti popolazione mondiale, ossia di 3 miliardi di
di funzioni di polizia internazionale. Per non persone; e in cui il divario di ricchezza tra paesi
parlare del collasso del diritto e della ragione in

376
Diritti Fondamentali e Democrazia Costituzionale

poveri e paesi ricchi, che era di 1 a 3 nel 1820 come un campanello d’allarme. Benché non ci
e di 1 a 11 nel 1913, è divenuto di 1 a 72 nel sia nessun nesso tra il terrorismo fanatico che
1992 9. l’ha progettata e i terribili problemi planetari
L’effetto più vistoso della globalizzazione, in della fame e della miseria, è precisamente il corto
assenza di una sfera pubblica mondiale, è infatti circuito tra terrorismo e consenso dei diseredati
una crescita esponenziale della disuguaglianza, del pianeta che dobbiamo paventare. Come ho già
segno di un nuovo razzismo che dà per scontata ricordato, è lo stesso preambolo alla Dichiarazione
la miseria, la fame, le malattie e la morte di universale dei diritti che avverte, realisticamente,
milioni di esseri umani senza valore. Siamo che c’è un nesso biunivoco tra pace e diritti, tra
di fronte allo sviluppo di una disuguaglianza violazione dei diritti umani e violenza.
che non ha precedenti nella storia. L’umanità
è oggi, nel suo insieme, incomparabilmente 7. UNA SFERA PUBBLICA INTER-
più ricca che in passato. Ma è anche, se si ha NAZIONALE
riguardo a masse sterminate e crescenti di esseri
È insomma l’assenza di una sfera pubblica
umani, incomparabilmente più povera. Gli
internazionale, all’altezza della globalizzazione
uomini sono certamente, sul piano giuridico,
in atto e dei nuovi poteri transnazionali, la
incomparabilmente più uguali che in qualunque
grande lacuna drammaticamente rivelata dalle
altra epoca, grazie alle innumerevoli carte,
tragedie di questi anni: dalle guerre, dai tanti
costituzioni e dichiarazioni dei diritti. Ma
crimini contro l’umanità, dalla crescita delle
sono anche, di fatto, incomparabilmente più
disuguaglianze, dalle devastazioni ambientali.
disuguali in concreto. L’“età dei diritti”, per
Certamente questa sfera pubblica internazionale
usare l’espressione di Norberto Bobbio, è anche
non potrà essere apprestata dal mercato. Su
l’età della loro più massiccia violazione e della
questo non possiamo farci nessuna illusione.
più profonda e intollerabile disuguaglianza.
Possiamo stigmatizzare come immorali e magari
Secondo il Rapporto annuale sullo sviluppo come criminali le scelte, per esempio, delle
umano e sulla globalizzazione, benché sia case farmaceutiche che sottraggono a milioni
enormemente aumentata la produzione pro di ammalati l’accesso ai farmaci essenziali o le
capite di cibo, circa un miliardo di persone non aggressioni all’ecosfera delle attività industriali
hanno l’accesso all’acqua e all’alimentazione inquinanti. Ma è assurdo pretendere che siano
di base, ciò che provoca 15 milioni di morti le imprese a farsi carico spontaneamente della
l’anno È stato inoltre calcolato che nonostante tutela dell’ambiente o dei diritti di tutti alla
l’incremento globale dell’assistenza sanitaria, salute. Anche a voler ammettere che i fini della
del tasso di istruzione e delle speranze di vita sfera pubblica – dalla pace alla sicurezza e alla
e la forte riduzione complessiva di combustibili tutela di beni e diritti fondamentali – siano
inquinanti, si è più che raddoppiato il numero nell’interesse vitale di tutti, e perciò anche
dei malati di Aids, 850 milioni di persone sono del mondo degli affari, è chiaro che essi non
analfabete, circa 3 milioni muoiono ogni anno possono, per loro natura, essere raggiunti con
a causa dell’inquinamento atmosferico e oltre 5 mezzi privati, ma solo con mezzi pubblici.
milioni a causa della contaminazione dell’acqua.
D’altro canto, ciò che si richiede per la
Infine – ed è il dato più spaventoso – 17 milioni
tutela della pace e dei diritti umani è non tanto il
di persone muoiono ogni anno, vittime di
rafforzamento e la democratizzazione, nelle forme
malattie infettive e ancor prima del mercato, per
improbabili di una rappresentatività politica
non poter pagare i costosi farmaci “essenziali”
planetaria, delle funzioni e delle istituzioni di
brevettati o, peggio, perché i farmaci banalissimi
governo dell’Onu, quanto piuttosto l’introduzione
che potrebbero curarli non sono più prodotti dato
di adeguate garanzie e di correlative istituzioni di
che riguardano malattie in gran parte debellate e
garanzie: in primo luogo quelle della pace imposte
scomparse nei paesi occidentali 10.
dal divieto della guerra; in secondo luogo quelle
È chiaro che porre fine a questa gigantesca dei diritti umani, in sostituzione e se necessario
omissione di soccorso non è solo un dovere anche contro gli Stati.
imposto dal diritto alla salute sancito dai Patti
La principale garanzia della pace, oltre
internazionali del 1966, ma anche una condizione
che della sicurezza interna nei confronti
indispensabile per garantire la sicurezza e la pace.
del terrorismo e della criminalità, sarebbe,
La strage dell’11 settembre dovrebbe suonare
evidentemente, l’affermazione del monopolio

377
Luigi Ferrajoli

giuridico della forza in capo a istituzioni di paradigma dello stato costituzionale di diritto
polizia internazionale: in altre parole il disarmo – in breve la costruzione di una sfera pubblica
generalizzato e la messa al bando delle armi – mondiale – sia oggi la principale sfida lanciata
della loro produzione, del loro commercio e dalla crisi dello Stato alla ragione giuridica e
della loro detenzione – quali beni illeciti, ben più alla ragione politica. Tale prospettiva, infatti, è
delle sostanze stupefacenti, perché destinate ad non soltanto implicata e perciò normativamente
uccidere. Frattanto, tuttavia, ai fini della tutela imposta, se prendiamo il diritto sul serio,
della pace e della sicurezza internazionale, dal disegno normativo della Carta dell’Onu e
basterebbe l’istituzione, finalmente, della forza delle Dichiarazioni e convenzioni sui diritti
di polizia internazionale prevista dal capo VII umani, ma rappresenta la sola alternativa
della Carta dell’Onu: la quale, se fosse stata razionale a un futuro di guerre, di violenze e di
istituita all’indomani della caduta del muro di fondamentalismi. Per quanto l’odierna anarchia
Berlino avvalendosi della cooperazione di delle internazionale equivalga di fatto al primato della
diverse polizie nazionali, sarebbe intervenuta in legge del più forte, essa non giova, nei tempi
tutte le crisi degli anni passati con ben maggior lunghi, neppure al più forte, risolvendosi in una
forza e credibilità e senza le inutili devastazioni generale insicurezza e precarietà: giacché sempre
provocate dalle guerre dal cielo dei paesi “il più debole”, come scrisse Thomas Hobbes,
occidentali. “ha forza sufficiente per uccidere il più forte o
La tutela dei diritti umani richiederebbe con una macchinazione segreta o alleandosi con
invece il rafforzamento o la creazione di altri” 12.
adeguate istituzioni internazionali di garanzia: Nulla, purtroppo, consente oggi di essere
il rafforzamento di vecchie istituzioni come la ottimisti. Ma questo non toglie il carattere
Fao e l’Organizzazione mondiale della sanità, fallace del determinismo “realista” che informa
attualmente prive di mezzi e soprattutto di buona parte del pensiero politico e giuridico
concreti poteri di erogazione e di redistribuzione; odierno Nei processi in atto non c’è nulla di
la creazione, per altro verso, oltre che della forza naturale né di necessario. Questi processi sono
di polizia a tutela della pace e della sicurezza il frutto di scelte politiche, o se si preferisce di
di cui appena si è detto, di idonee istituzioni un vuoto di politica, che è parimenti il frutto
deputate alla tutela dell’ambiente, alla garanzia di una scelta, e richiedono perciò alla politica
dell’istruzione, dell’abitazione e di altri diritti e ancor prima alla cultura giuridica e politica,
vitali attualmente insoddisfatti. Ma è chiaro se li si vuol contrastare, la progettazione delle
che il presupposto essenziale di una sfera nuove e specifiche garanzie di uno stato di
pubblica internazionale è la creazione di un diritto internazionale in grado di fronteggiarli. È
fisco mondiale, cioè di un potere sovrastatale di sempre stato così, nella storia delle istituzioni.
tassazione volto a reperire le risorse necessarie Non dobbiamo perciò confondere problemi
a finanziare le funzioni redistributive delle teorici con problemi politici, presentando
istituzioni di garanzia: l’introduzione, dunque, come irrealistiche le scelte che non vengono
della cosiddetta “Tobin tax” sulle transazioni fatte, occultando perciò le responsabilità della
internazionali proposta dai movimenti “no- politica e così legittimando ed assecondando
global”, ma anche, sulla base di principi come “inevitabile” ciò che di fatto accade. La
elementari del diritto privato, di ancor più critica dell’Onu come istituzione impotente e
giustificate tassazioni sull’uso e sull’abuso, obsoleta, priva di mezzi e di poteri, destinata
da parte delle imprese dei paesi ricchi, dei al fallimento per il carattere utopistico del suo
cosiddetti beni comuni dell’umanità – dalle disegno universalistico è sotto questo aspetto
orbite satellitari alle bande dell’etere e alle risorse emblematica. Giacché quell’impotenza e quei
minerarie dei fondi oceanici – attualmente fallimenti dipendono unicamente dalla volontà
sfruttati a titolo gratuito come fossero res politica delle grandi potenze, e in particolare
nullius anziché, secondo quanto stabilito dalle degli Stati Uniti, e verrebbero meno ove il diritto
convenzioni internazionali sul mare e sugli internazionale vigente fosse preso sul serio: se
spazi extra-atmosferici, “patrimonio comune non per ragioni morali o giuridiche, quanto
dell’umanità” 11. meno nell’interesse di tutti, ossia a tutela della
Io credo che la prospettiva di un simile comune sicurezza e sopravvivenza.
allargamento alle relazioni internazionali del

378
Diritti Fondamentali e Democrazia Costituzionale

NOTES

1. Cfr., in questo stesso volume, P. Comanducci, 8. Come ha mostrato Rosaria Ferrarese, in


Problemi di compatibilità tra diritti mancanza di istituzioni all’altezza dei nuovi
fondamentali. rapporti, il diritto della globalizzazione viene
2. Rinvio, sulla questione dei rapporti tra sempre più modellandosi, anziché nelle forme
diritti fondamentali e garanzie, al mio Diritti pubbliche, generali ed astratte della legge, in
fondamentali. Un dibattito teorico, a cura di E. quelle private del contratto (M.R. Ferrarese,
Vitale, Laterza, Roma-Bari 2001, pp. 26-33 e, Le istituzioni della globalizzazione. Diritto e
in risposta alle critiche di Riccardo Guastini, diritti nella società transnazionale, Il Mulino,
pp. 156-171. Bologna, 2000). Sul diritto nell’età della
globalizzazione, cfr. anche S. Rodotà, Diritto,
3. Cfr. L. Ferrajoli, Diritti fondamentali, cit., pp. 5 diritti, globalizzazione, in “Rivista giuridica
ss. del lavoro e della previdenza sociale”, 2000, n.
4. Si ricordi il giudizio sferzante che ne dette 4, pp. 765-777; U. Allegretti, Globalizzazione
Jeremy Bentham nel pamphlet intitolato e sovranità nazionale, in “Democrazia e
Anarchical Fallacies del 1796 (ed. fr. del 1816, a diritto”, 1995, 3-4, pp. 47 ss; Id., Costituzione
cura di É. Dumont, Sophismes anarchiques, in e diritti cosmopolitici, in G. Gozzi (a cura di),
Oeuvres de Jerémie Bentham, Société Belge de Democrazia, diritti, costituzione, Il Mulino,
Librairie, Bruxelles, 1840, vol. I, pp. 505-526), Bologna, 1997, pp. 53 ss.; Diritti e Stato nella
in cui Bentham qualifica la Dichiarazione, mondializzazione, Città Aperta Edizioni,
con i suoi principi e i suoi diritti, come una Troina, 2002.
sorta di trattatello di diritto naturale esposto 9. UNDP. Rapporto 1999 sullo sviluppo umano
in articoli, senza rendersi conto che, una volta La globalizzazione, Rosenberg e Sellier, Torino,
stipulati, quei principi avevano cambiato 1999, p. 55. Il divario di reddito tra il quinto
natura divenendo norme vincolanti di diritto della popolazione mondiale che vive nei paesi
positivo. più ricchi e il quinto che vive nei paesi più
5. Fin dalla prima pagina del Leviatano, lo Stato poveri era di 30 a 1 nel 1960, di 60 a 1 nel 1990
è chiamato da Hobbes “an artificial man” e il e di 74 a 1 nel 1997 (ivi, p. 19).
diritto (“equity and laws”) “an artificial reason” 10. Cfr. G. Tognoni I farmaci essenziali come
(T. Hobbes, Leviatano, con testo inglese del indicatori di diritto, in “Giornale italiano
1651 a fronte e testo latino del 1668 in nota, a di farmacia clinica”, 12, 2, aprile-giugno
cura di R. Santi, Bompiani, Milano, 2001, The 1998, pp. 116-122, che ricorda che nel 1977
Introduction, p. 1). l’Organizzazione mondiale della sanità
6. C. Schmitt, Verfassungslehre [1928], tr. it. a cura compilò una lista di “farmaci essenziali”,
di A. Caracciolo, Dottrina della costituzione, oggetto in quanto tali di distribuzione
Giuffrè, Milano, 1984, § 1, p. 15. E più oltre: obbligatoria, dei quali propose la seguente
“L’atto della legislazione costituzionale in definizione: “si definiscono ‘farmaci essenziali’
quanto tale non contiene determinate singole quelli che soddisfano i bisogni sanitari della
normative, ma definisce con una sola decisione maggior parte della popolazione e che devono
il complesso dell’unità politica rispetto alla quindi essere disponibili in ogni momento in
sua forma speciale di esistenza. Questo atto quantità sufficiente e nella forma farmaceutica
costituisce la forma e la specie dell’unità appropriata”. La lista contemplava
politica, la cui esistenza è presupposta” (ivi, originariamente poco più di duecento farmaci.
§ 3, p. 39). Cfr. anche, ivi, § 18, pp. 313 ss. Nel 1997 ne conteneva poco meno di trecento,
Per una critica più analitica di queste tesi, cfr. quasi tutti non costosi.
il mio Diritti fondamentali, cit., pp. 155-156, 11. L’art. 1 del Trattato sugli spazi extra-atmosferici
316-317 e 338-345. del 27 gennaio 1967 qualifica tali spazi
7. Si ricordi la classica definizione di Ulpiano: come “appannaggio dell’umanità intera”,
“Publicum jus est quod ad statum rei Romanae imponendone l’“utilizzazione per il bene
spectat, privatum quod ad singulorum e nell’interesse di tutti i paesi, quale che
utilitatem” (D 1.1.1.2). sia lo stadio del loro sviluppo economico o
scientifico”. Analogamente, gli artt. 136-140

379
Luigi Ferrajoli

della Convenzione delle Nazioni Unite sul per lo sfruttamento delle risorse minerarie
diritto del mare del 10 dicembre 1982 affermano dei fondi oceanici (cfr. D.E. Marko, A Kinder,
che “l’Area (di alto mare) e le sue risorse sono Gentler Moon Treaty: a Critical Rewiew of the
patrimonio comune dell’umanità”, che “le Treaty and Proposed Alternative, in “Journal of
attività nell’Area sono condotte a beneficio di Natural Resources and Environmental Law”,
tutta l’umanità, tenuto particolarmente conto 1992), nonché per l’uso delle orbite satellitari
degli interessi e delle necessità degli Stati in intorno alla terra e delle bande dell’etere (cfr. G.
via di sviluppo” e che va “assicurata l’equa Franzoni, Anche il cielo è di Dio. Il credito dei
ripartizione dei vantaggi che ne derivano su poveri, EdUP, Roma, 2000, pp. 91-113).
base non discriminatoria”. Su queste basi, è 12. T. Hobbes, Leviatano, cit., cap. XIII, 1, p. 203.
stata proposta una tassazione internazionale

380
SAUDAÇÃO NA ABERTURA OFICIAL DO V CURSO
BRASILEIRO INTERDISCIPLINAR EM DIREITOS
HUMANOS: O PRINCÍPIO DE HUMANIDADE E A
SALVAGUARDA DA PESSOA HUMANA (5 A 16 DE
SETEMBRO DE 2016, EM FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL)

César Oliveira de Barros Leal


Procurador do Estado do Ceará; Presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos; Doutor em Direito pela
UNAM; Pós-doutor em Estudos Latino-americanos pela UNAM; Pós-doutor em Direito pela UFSC.

Senhoras e senhores duas vezes aluna deste curso, responsável pela


Boa noite a todos e todas. Obrigado, interpretação em libras, e ao Jornal O POVO
Cynthia, nossa ex-aluna. Emoção em sua mais e seu Projeto “Somos Todos Humanos”, pela
genuína expressão é o que sentimos nesta noite de cobertura do curso e pela disponibilização diária,
deslumbramento e magia, em que inauguramos ao longo dos dias seguintes, de exemplares do
solenemente o V Curso Brasileiro Interdisciplinar jornal aos participantes.
em Direitos Humanos. Saudações aos alunos e Nunca imaginávamos, em 2012, quando
observadores, assim como aos integrantes da decidimos reproduzir em Fortaleza os cursos
mesa, já nominados pelo mestre de cerimônias, congêneres promovidos há mais de três décadas
com especial referência ao Dr. Antônio Augusto pelo Instituto Interamericano de Direitos
Cançado Trindade, Juiz da Corte Internacional Humanos, em San José, Costa Rica, que
de Justiça; Dr. Manuel Ventura, ex-Juiz da lograríamos vencer este desafio, tão imenso
Corte Interamericana de Direitos Humanos; quanto instigante, que compartilho, honrado e
Dr. Joseph Thompson, Diretor Executivo do envaidecido, com a querida e ilustre professora
Instituto Interamericano de Direitos Humanos; Soledad e um sem-número de amigos, de
Dra Soledad Garcia Muñoz, representante diferentes nacionalidades, cujo apoio está
do IIDH em Montevidéu; e, por último, the gravado a cinzel em nossa melhor memória,
last but not the least, a Dra. Flávia Piovesan, movidos que somos pelo acendrado amor àqueles
Secretária Especial de Direitos Humanos, minha direitos inerentes à natureza humana, à nossa
colega no Curso Interamericano em San José, condição de dignidade e humanidade, direitos
Costa Rica, nos idos de 1990. Às instituições que remontam à Magna Carta (imposta pelo
e pessoas que deram um apoio vigoroso para clero e pela nobreza ao Rei João sem Terra em
que pudéssemos realizar este evento, o preito 1215); à Petition of Rights, de 1628; ao Bill of
de gratidão. De igual modo agradecemos ao Rights, de 1689; à Declaração de Independência
Andreisson Quintela, aluno de quase todas as Americana, de 1776; à Declaração de Direito
edições deste curso, por sua exibição ao vivo, da Virgínia, de 1776; à Declaração (francesa)
durante duas semanas, pela TV Mamulengo, dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
Canal no Youtube, assim como ao advogado 1789; e à Declaração Universal dos Direitos
Igor Brandão, responsável pela transmissão do Homem, de 1948, a mais fascinante de
desta solenidade à Rede Latino-americana de todas as proclamações de direitos, que alargou,
Juízes, ao Instituto Interamericano de Direitos inspirada nas constituições pioneiras do México
Humanos e ao Instituto Colombiano de Direitos de 1917 e de Weimar de 1919, as anteriores
Humanos. Com igual ênfase, rendemos nosso declarações, reconhecendo não apenas os direitos
tributo à Marília Débora Lopes Carvalho, tradicionais, civis e políticos, senão também

381
César Oliveira de Barros Leal

os direitos econômicos, sociais e culturais, de uma denúncia hipotética, encaminhada ao


particularizados ulteriormente nos Pactos das sistema interamericano de direitos humanos,
Nações Unidas cujo cinquentenário estamos redigida anualmente pela professora Sílvia
a homenagear nesta data com a publicação de Loureiro), compõem uma pletora de atividades
duas preciosas obras, coordenadas por mim, pelo que fazem deste Curso uma experiência única,
Prof. Renato Zerbini Ribeiro Leão e pelo Prof. inesquecível, até porque conta com um corpo
Antônio Augusto Cançado Trindade. excepcionalmente qualificado de professores e
Este hotel, que sediou as quatro edições facilitadores, brasileiros e estrangeiros, alguns
anteriores do Curso, acolhe, desde a manhã dos quais com cadeira cativa entre nós, reféns
de hoje (o curso efetivamente começou às que somos da admiração por seu talento e pela
8h30), um grupo selecionado e heterogêneo de riqueza e densidade de suas lições.
alunos e observadores, de diversas unidades Paralelamente às obras mencionadas,
federativas e de outros países, alguns ex-alunos, cumpre referir que também estamos lançando,
que tomarão parte, durante as duas próximas neste Curso, o número 15 da revista do Instituto
semanas, do V Curso Brasileiro Interdisciplinar Brasileiro de Direitos Humanos, mais um livro
em Direitos Humanos, o qual elegeu como sua do Prof. Cançado Trindade, sob o título “A
temática central “O Princípio de Humanidade Visão Humanística da Missão dos Tribunais
e a Salvaguarda da Pessoa Humana”, objeto de Internacionais Contemporâneos” (tema de
cinco livros, em cinco línguas, coordenadas por sua conferência magna esta noite) e o quinto
mim e pelo Prof. Antônio Augusto Cançado tomo da Série “Estudios em Ciencias Penales
Trindade, em cujo prefácio assinalamos que y Derechos Humanos”, organizado por mim e
seus textos: evidenciam o alcance do princípio pela Doutora Julieta Morales Sánchez, que aqui
de humanidade, aclamado pela Declaração estará na segunda semana, em homenagem
Universal dos Direitos Humanos, e seu emprego ao Prof. Antonio Sánchez Galindo, um ilustre
em sede de direito internacional humanitário, penitenciarista, romancista e poeta mexicano.
direito internacional dos refugiados, direito Procederemos em seguida à entrega da
internacional dos direitos humanos, direito Medalha Antônio Augusto Cançado Trindade,
penal, execução das penas, vitimologia, política outorgada anualmente a pessoas ou instituições
criminal, justiça restaurativa, mediação, tráfico que se notabilizaram na promoção dos direitos
de pessoas para fins de exploração sexual, humanos: em primeiro lugar, ao Prof. Paulo
conflitos interculturais, armas químicas, Bonavides, doutor honoris causa de numerosas
Estado Democrático de Direito, entre outros, universidades nacionais e internacionais, o
os quais mostram a pertinência, o significado mais insigne de todos os constitucionalistas
e o caráter universal deste princípio tão antigo brasileiros, ausente pela primeira vez desta
quanto a própria Humanidade, e que não apenas cerimônia por razões de saúde, a quem nos
constitui uma pilastra de numerosos ramos do incumbe reverenciar ante a dimensão de sua
conhecimento, jurídico ou não, revigorando obra e a trajetória de sua vida profissional e
o sentido do humanismo e da Justiça, como acadêmica; o Prof. Paulo está aqui representado
também se associa a outros valores e princípios, por seu neto, Felipe Bonavides Eloy e, em
como o da dignidade, da tolerância, da ética e segundo lugar, ao Prof. Jaime Ruiz de Santiago,
da cooperação mútua, para realçar que, acima conferencista de renome internacional, aquém
de tudo, há de se perseguir o respeito à pessoa conheci enquanto representava o ACNUR em
humana, alfa e ômega de nossa busca contínua nosso país. Este não pôde comparecer, mas nos
por um mundo mais justo e equânime. enviou uma mensagem.
Conferências magnas, palestras, painéis, Chamamos agora a Dra. Lília Maia de
oficinas temáticas (que buscarão, por sua parte, Moraes Sales, Vice-Reitora de Pós-Graduação
enfatizar a relação do princípio de humanidade da Universidade de Fortaleza, e o Dr. Fernando
com o meio ambiente, a execução penal, o Oliveira, ex-Procurador Geral do Estado e atual
enfrentamento das desigualdades e a educação Chefe de Gabinete da Vice-Governadoria, aos
em direitos humanos, a partir das quais se quais caberá receber um reconhecimento do
formularão propostas ao nível municipal, estadual IBDH e do IIDH, como expressão de nosso
e federal, a serem encaminhadas às autoridades apreço e de nosso reconhecimento ao apoio dado
pertinentes), a par do estudo de caso (simulação à realização dos cursos interdisciplinares.

382
Saudação na Abertura Oficial do V Curso Brasileiro Interdisciplinar em Direitos Humanos

Todos os anos, em nome do Dr. Augusto Irmã Maria da Conceição Dias de Albuquerque,
Bezerra, Presidente da Academia Cearense que cuida de crianças e adolescentes vítimas de
de Letras, fazemos a entrega da medalha câncer e outras doenças severas, a quem pedimos
comemorativa dos 120 anos de nossa Academia uma salva de palmas, em louvor à grandeza de
a duas personalidades. Neste ano estamos sua obra.
outorgando esta medalha a Dra. Fides Angélica Estamos a concluir e o fazemos na
e à Dra. Danielle Annoni. expectativa de que, nestas duas semanas,
Damos ciência de que cinco alunos do possamos debater sobre o tema proposto – O
IV Curso Brasileiro, fizeram jus ao certificado Princípio da Humanidade e a Salvaguarda
acadêmico, pela apresentação de trabalhos da Pessoa Humana - e a partir das reflexões e
escritos com observância do eixo temático e dos conclusões daqui extraídas, estejamos aptos a
requisitos formais exigidos para essa finalidade. propor uma pletora de ações e políticas públicas,
São eles: Natália Brigagão Ferrer Alves Carvalho, no âmbito local e nacional, que contribuam
Roseline Dantas de Souza, Ana Rita Vieira para materializar nossos sonhos de um novo
Albuquerque e Aderbal Aguiar Júnior. tempo, em que a justiça e a humanidade deitem
Tal como em todas as edições anteriores, o raízes no coração dos que têm o poder de mover
saldo remanescente na conta bancária aberta no montanhas.
Banco Bradesco para este evento será destinado Obrigado pela atenção.
ao Lar Amigos de Jesus, sob a administração da

383
SAUDAÇÃO NO ENCERRAMENTO DO V CURSO
BRASILEIRO INTERDISCIPLINAR EM DIREITOS
HUMANOS: O PRINCÍPIO DE HUMANIDADE E A
SALVAGUARDA DA PESSOA HUMANA (5 A 16 DE
SETEMBRO DE 2016, EM FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL)

César Oliveira de Barros Leal


Procurador do Estado do Ceará; Presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos; Doutor em Direito pela
UNAM; Pós-doutor em Estudos Latino-americanos pela UNAM; Pós-doutor em Direito pela UFSC.

Boa tarde, estimados alunos e observadores especialistas, mestres e doutores, do Brasil e


do V Curso Brasileiro Interdisciplinar em do exterior, a quem colhemos a chance de lhes
Direitos Humanos. Serei breve. Falo-lhes em render o tributo de nosso respeito e de nosso
meu nome e no nome da Profa. Soledad García agradecimento, sem nominá-los, para não
Muñoz. Estamos chegando ao final deste evento claudicar em omissões indesculpáveis.
que nos absorveu de corpo e alma ao longo de Saímos todos melhores, enriquecidos, deste
duas semanas, intensas e profícuas. Temos de convívio especial, em que, desde o dia 5 deste
confessar que, neste exato instante, nos sentimos mês, entre as paredes deste hotel, mergulhamos
divididos por duas emoções diferentes: de um no estudo de um sem-número de temas, sob a
lado a percepção de que logramos, uma vez mais, ótica de um princípio que tem o rosto de nossa
materializar o sonho de reproduzir, em Fortaleza, crença e de nossa fé na humanidade, desta
o curso ministrado há mais de três décadas em humanidade que reside em cada um de nós e
San José, Costa Rica; do outro lado, a saudade deve nortear nossa busca imperecível por um
que começa a nascer desta incrível atividade, mundo mais justo, menos desigual, respeitoso
deste convívio exuberante que nos permitiu criar da essência e da dignidade da pessoa humana e a
e fortalecer amizades, amizades que pretendem Salvaguarda da Pessoa Humana.
ser eternas, por toda a vida, diria Soledad, cidadã
As exposições, as oficinas sobre múltiplos
do mundo, companheira de ideais, que junto
temas, vinculados ao eixo central (O Princípio de
comigo, há cinco anos, ousa levar a efeito este
Humanidade e a Salvaguarda da Pessoa Humana),
evento, o que fazemos desafiando os arautos
assim como as recomendações que delas
do pessimismo, do negativismo, num esforço
brotaram; o estudo de caso (que lhes permitiu
renhido e hercúleo contra os moinhos de vento
familiarizar-se com o sistema interamericano
da adversidade, da ausência onipresente de
de proteção dos direitos humanos), as visitas
recursos, da indiferença recorrente, a par do
institucionais, as apresentações musicais, as onze
menoscabo à nossa luta pelos direitos humanos,
publicações em cinco línguas, tudo integra este
vistos em regra, na visão míope de uma imensa
esforço de oferecer aos senhores uma incursão
maioria, de forma distorcida e pejorativa.
única pelos domínios de uma linguagem que não
Mal percebem os que assim pensam e se confunde com a intolerância, o preconceito,
atuam que, com essa postura, apenas acendem a parcialidade, o etnocentrismo, e toda espécie
e avigoram nossa determinação de vencer este de ofensa, individual e coletiva, ao texto e ao
desafio que assumimos anualmente, com as significado da Declaração Universal dos Direitos
armas da obstinação, da resiliência, contando Humanos.
para isso com o apoio de um sem-número de
A partir deste exato instante, começamos
instituições e pessoas, entre as quais destacamos
a pensar no VI Curso, que se realizará de 28
os professores e facilitadores deste Curso,

385
César Oliveira de Barros Leal

de agosto a 08 de setembro de 2017 e terá Pedimos a todos que fiquem de pé, junto
como tema central Direitos Humanos e Meio comigo e com a Professora Soledad García
Ambiente. Para sua realização por certo estarão Muñoz. Neste momento, 18h do dia 16 de
conosco muitas das pessoas que neste ano setembro de 2016, damos por encerrado o V
compuseram nossa equipe de apoio, a quem Curso Brasileiro Interdisciplinar em Direitos
nos incumbe expressar nosso regozijo com uma Humanos: O Princípio de Humanidade e s
salva de palmas. Salvaguarda da Pessoa Humana.

386
CONSELHO EDITORIAL
• Antônio Augusto Cançado Trindade (Presidente de Honra)
Ph.D. (Cambridge – Prêmio Yorke) em Direito Internacional; Professor Titular
da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco; Juiz e ex-Presidente da
Corte Interamericana de Direitos Humanos; ex-Consultor Jurídico do Ministério
das Relações Exteriores do Brasil; Membro do Conselho Diretor do Instituto
Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo) e da Assembleia Geral do
Instituto Interamericano de Direitos Humanos; Membro Titular do Institut de
Droit International e Juiz da Corte Internacional de Justiça (Haia).

• César Oliveira de Barros Leal (Presidente)


Pós-doutor em Estudos Latino-americanos pela Faculdade de Ciências Políticas e
Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México; Pós-doutor em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina; Doutor em
Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nacional Autônoma do México;
Procurador do Estado do Ceará; Professor aposentado da Faculdade de Direito
da UFC; Membro da Assembleia Geral do Instituto Interamericano de Direitos
Humanos, da Academia Brasileira de Direito Criminal e da Academia Cearense de
Letras.

• Paulo Bonavides (1º Vice-Presidente)


Doutor em Direito; Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Ceará; Professor Visitante nas Universidades de Colônia (1982),
Tennessee (1984) e Coimbra (1989); Presidente Emérito do Instituto Brasileiro
de Direito Constitucional; Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa;
Titular das Medalhas “Rui Barbosa”, da Ordem dos Advogados do Brasil (1996) e
“Teixeira de Freitas”, do Instituto dos Advogados Brasileiros (1999).

• Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati (2ª Vice-Presidente)


Coordenadora do Curso de Direito do Instituto Camillo Filho; Presidente da
Academia Piauiense de Letras Jurídicas; Membro da Academia Piauiense de Letras;
Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.

• Antônio Álvares da Silva


Professor Titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais; Juiz Togado do Tribunal Regional do Trabalho – TRT – da
3ª Região.

• Antônio Celso Alves Pereira


Ex-Reitor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Professor de Direito
Internacional Público da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro; Professor de Política Internacional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.

387
Conselho Editorial do IBDH

• Antônio Otávio Sá Ricarte


Professor Assistente do Instituto Rio Branco; ex-Delegado no Brasil ante o Escritório
das Nações Unidas em Genebra.

• Bleine Queiroz Caúla


Doutoranda em Direito - Área Ciências Jurídico-Políticas (Faculdade de Direito
da Universidade Clássica de Lisboa); Mestre em Administração de Empresas e
Especialista em Direito Processual Civil (Universidade de Fortaleza); Advogada
agraciada com o V Prêmio Innovare 2008; Parecerista da Procuradoria da Assembleia
Legislativa do estado do Ceará.

• Carlos Weis
Defensor Público do estado de São Paulo; Professor de Direitos Humanos da
Academia de Polícia do estado de São Paulo; ex-Membro do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária.

• Catherine Maia
Professora na Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto (Portugal);
Visiting Professor em Sciences Politics, na Universidade Católica de Lille e na ENS
Cachan (França); Investigadora na Academia Internacional de Direito Humanitário
e Direitos Humanos de Genebra; Membro do Centro de Direito Internacional
(Brasil).

• Elkin Eduardo Gallego Giraldo


Presidente do Instituto Colombiano de Direitos Humanos (ICDH); Docente da
Faculdade de Direito da Universidade Autônoma Latino-americana e Universidade
San Buenaventura, Campus Medellín; Especialista em Direito Administrativo
e Mestrando em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário da
Universidade Santo Tomás.

• Elvira Domínguez-Redondo
Doutora em Direito pela Universidade Carlos III de Madri e Professora Associada
da Middlesex University, Londres (Reino Unido).

• Emilia Segares
Secretária-Adjunta da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

• Emmanuel Teófilo Furtado


Pós-doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de Salamanca – Espanha;
Professor Visitante da Universidade de Havre - França; Professor de Direito da
Universidade Federal do Ceará; Juiz Titular da 10ª Vara do Trabalho de Fortaleza.

• Filomeno Moraes
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo; Mestre em Ciência Política pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro; Livre-docente em Ciência
Política pela Universidade Estadual do Ceará; Professor Titular do Mestrado/
Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza.

388
Conselho Editorial do IBDH

• Gonzalo Elizondo Breedy


Professor Titular da Universidade da Costa Rica; ex-Diretor da Área de Instituições
Públicas do Instituto Interamericano de Direitos Humanos.

• Juan Carlos Murillo


Representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)
para a América Central.

• Juana María Ibáñez Rivas


Advogada; Consultora em temas de Direitos Humanos e Direito internacional
Humanitário; Investigadora do Groupe d’études en Droit International et Latino-
américain de la Sorbonne, Universidade Paris I Panthéon-Sorbonne; ex-Advogada
na Área Legal da Corte Interamericana de Direitos Humanos; ex-Assessora Jurídica
da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) para
Bolívia, Equador e Peru.

• Julieta Morales Sánchez


Doutora em Direito pela Universidade Nacional Autônoma do México; Professora
da Faculdade de Direito da UNAM; Mestre em Direito com Menção Honorífica;
Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Castilla La Mancha
(Espanha).

• Lília Maia de Moraes Sales


Pós-doutora pela Universidade de Columbia (EUA); Doutora em Direito pela
UFPE; Mestre em Direito pela UFC, com formação em Mediação de Conflitos na
Universidade de Harvard; Professora Titular da Unifor; Vice-Reitora de Pesquisa e
Pós-Graduação da Unifor; Diretora-Presidente do Instituto Mediação Brasil.

• Margarida Genevois
Membro da Comissão de Justiça e Paz do Estado de São Paulo; Coordenadora da
Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos.

• Pablo Saavedra Alessandri


Secretário da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

• Philippe Couvreur
Secretário da Corte Internacional de Justiça (Haia); Professor de Direito Internacional
Público da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica.

• Renato Zerbini Ribeiro Leão


Doutor em Direito Internacional e Relações Internacionais pela Universidade
Autônoma de Madri (UAM); Representante do ACNUR no Brasil; Pesquisador
Associado na Universidade de Brasília; Professor da UniCEUB em Brasília;
Advogado.

• Ruth Villanueva Castilleja


Terceira Visitadora Geral da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do México;
Subprocuradora de Direitos Humanos e Prevenção do Delito da Procuradoria Geral
da República; Titular de Prevenção e Readaptação Social e Presidente do Conselho

389
Conselho Editorial do IBDH

de Menores da Secretaria de Governo; Catedrática da Universidade Nacional


Autônoma do México.

• Valter Moura do Carmo


Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Mestre
em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza; ex-Assessor do Centro
de Estudos e Treinamento da Procuradoria Geral do Estado do Ceará – PGE.

• Wagner Rocha D’Angelis


Mestre e Doutor em Direito; Presidente da Associação de Juristas pela Integração da
América Latina; Professor de Direito Internacional Público e Direito da Integração
da Universidade Tuiuti (Paraná).

390

Você também pode gostar