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Pedro Calafate
Doutor e Mestre em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL); Licenciado em História
pela FLUL; Professor Catedrático de Filosofia da FLUL; Diretor do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.
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Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, v. 13, n. 13, 2013.
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subordinação da política à ética e do poder das que ensinou na Universidade de Évora entre 1574
armas às regras do direito. e 1583, e Francisco Suárez, natural de Granada e
A Escola Peninsular da Paz, em síntese, reuniu discípulo de Salamanca, que produziu suas obras
uma corrente doutrinária formada por teólogos mais importantes, nesta esfera jurídico-política,
e juristas hispânicos que, utilizando o método como catedrático na Universidade de Coimbra,
escolástico, debateram e aprofundaram temas entre 1594 e 1616.
essenciais para seu tempo, buscando a construção É importante mencionar também os escritos
de uma verdade universal e objetiva assente na dos mestres de Coimbra Martinho de Ledesma
recta razão. As fontes compartilhadas pelos autores (1540-1563) e Antônio de São Domingos (1573-
peninsulares eram aquelas de conhecimento 1593), bem como dos mestres da Universidade
comum pela cultura ocidental cristã, tais como a de Évora, Pedro Simões (1569-1570), Fernão
filosofia greco-romana (principalmente Aristóteles Pérez (1559-1572) e Fernão Rebelo (1586-1596).
e Cícero), o direito romano e suas glosas medievais, Outras figuras que merecem igual destaque são os
os trabalhos dos Doutores da Igreja (sobretudo Santo jesuítas Manuel da Nóbrega e Antônio Vieira, que
Agostinho e São Tomás de Aquino), os documentos executaram o projeto colonial brasileiro inspirados
eclesiásticos e, naturalmente, a Bíblia, justamente pelo pensamento peninsular da época.
considerada como fonte da cultura cristã. É justamente sobre os textos desses autores
Dentre os principais tópicos de preocupação que pretendemos nos debruçar nas seções
comum aos jus-teólogos peninsulares estão: a) as subsequentes, trazendo a público os ecos de textos
relações entre os poderes espiritual e temporal; que, em boa medida, permanecem desconhecidos,
b) a origem popular do poder e a legitimidade porquanto muitos figuram em sua versão original
do direito de resistência contra a tirania; c) as de manuscritos latinos, tendo sido objeto de
condições de legitimidade do império universal; transcrição paleográfica e tradução, no âmbito de
d) o direito da guerra e sua drástica limitação em projeto específico ainda em curso, levado a cabo
função da paz; e) a discussão do domínio sobre pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa,
as terras da América e a ética no processo de tendo como pesquisador responsável o Prof. Pedro
colonização. Calafate.25 Na realidade, se os textos de Suárez e
É nesta última questão que se insere, mais Molina foram já objeto de edição impressa e, em
especificamente, a dúvida sobre a legitimidade da muitos casos de tradução espanhola e portuguesa,
presença hispânica na América, a qual é discutida o mesmo não sucede com os manuscritos latinos
no quadro dos princípios e valores desenvolvidos de Fernão Pérez, Pedro Simões e Antônio de São
na discussão dos temas a) a d) anteriores. Domingos, que aqui são trazidos a público pela
primeira vez.
Contudo, apesar dos laços identitários acima
mencionados, a Escola Peninsular da Paz em Por sua vez, entre as obras impressas,
Portugal foi além da mera repetição das lições muitas permanecem nas suas edições latinas do
salmantinas. Tanto os catedráticos de Évora e século XVI e, portanto, dificilmente acessíveis ao
Coimbra quanto os missionários jesuítas foram leitor de hoje. Referimo-nos a textos de autoria
confrontados com realidades distintas daquelas de Fernão Rebelo, Martín de Azpilcueta e de
vividas na conquista e colonização da América Martinho de Ledesma, cuja tradução portuguesa
espanhola. O ramo lusitano da Escola Peninsular empreendemos também no âmbito deste projeto
da Paz, formado em boa medida por mestres de e de que damos primeiro testemunho público
origem espanhola, testou a hipótese vitoriana, nas nestas páginas da Revista do Instituto Brasileiro
universidades portuguesas, em toda a extensão de Direitos Humanos.
do Império português no Brasil, África e Ásia,
somando suas próprias experiências ao trabalho 2. A PARIDADE NATURAL ENTRE OS HO-
coletivo da Escola, sobretudo no que concerne à MENS E ENTRE OS POVOS
condenação do tráfico negreiro nas duas Guinés,
ou do tráfico de escravos japoneses e chineses. Começaremos por analisar a universalidade
dos fundamentos do poder político nas
Entre as figuras mais conhecidas desta Escola comunidades humanas, traduzida na paridade
que lecionaram nas universidades portuguesas natural entre a “coroa de penas” e a “coroa de ouro”,
contam-se Martín de Azpilcueta, natural da cidade entre o “arco” e o “ceptro”, como estabeleceu o
espanhola de Navarra, que se tornou célebre como Padre Antônio Vieira, em 1694, no seu voto sobre
catedrático na Universidade de Coimbra entre as dúvidas dos moradores de S. Paulo:
1538 e 1552; Luís de Molina, nascido em Cuenca,
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3. A LIBERDADE DE CELEBRAR PACTOS pois não constava de forma clara nos textos
bíblicos uma tal doação ou concessão. Então, só por
CONSTITUTIVOS E TRANSLATIVOS vontade dos homens, expressa de forma clara, livre
DO PODER CIVIL e responsável, poderíamos esperar a constituição
Outro dos princípios fundamentais da de um grande império.
Escola Peninsular da Paz, fortemente estimulado É o que ensinava em Coimbra o Doutor
pela experiência da conquista e colonização Martín de Azpilcueta, em 1548:
da América, ditava que a celebração de pactos Erra a opinião corrente […], na medida em
desiguais não constitui norma aceitável na relação que pensa que por direito divino é necessário
entre os homens e entre os povos nem configura que exista uma única soberania laica sobre o
título legítimo de transmissão do poder civil. mundo inteiro, da mesma maneira que existe
De fato, tendo em vista a fundamentação uma única soberania eclesiástica. Porque em
jusnaturalista do poder político, enunciado primeiro lugar tal não se prova por nenhum
no item supra, ficava claro que este radicava direito divino sobrenaturalmente dado ou
na comunidade que, na base de um pacto ou revelado […]. Em segundo lugar tal não pode
contrato, a poderia transmitir a quem julgasse concluir-se por nenhuma razão natural […].
por bem, para que zelasse pelo bem comum, Igualmente erra um grande número que pensa
sendo também claro que o principal título de que o imperador dos Romanos é senhor e
aquisição do poder civil era o consenso popular, a rei do mundo e da terra porque o imperador
que acrescia a guerra justa, a doação e a legítima Antonino dissera: “Eu sou senhor do mundo”
herança. Suárez entende que, nesse sentido, a […], pois não é de presumir que o imperador
comunidade humana: Antonino de tal modo carecesse de senso
que com aquelas palavras significasse a sua
Porque sendo regida diretamente por Deus convicção de que era senhor da terra inteira,
mediante o direito natural, é livre e dona de si. que, nem mesmo dividida ao meio, jamais se
Esta liberdade não exclui o poder de governar- submeteu nem a ele nem a nenhum dos seus
se a si mesma e de mandar em seus membros, predecessores […].
senão que a inclui. Mas exclui a sujeição a
outro homem enquanto dependa apenas Conquanto que seja verdade que se todas as
do direito natural. Pois a nenhum homem cidades da terra e os governantes delas, aos
Deus outorgou imediatamente semelhante quais interessasse, acordassem em que um
poder, enquanto não seja transladado a um só fosse eleito governante, rei ou imperador
indivíduo por meio de uma instituição e de todos, seria verdadeiro governante, rei
eleição humanas.31 ou imperador aquele a quem a maior parte
escolhesse […], porque é da mesma natureza
Logo, quando o rei adquire o poder de forma
e espécie o poder com que os reis reinam e o
ilegítima (tirano por título de aquisição) ou quando
poder com que a si mesmas se governam as
governa em desfavor do bem comum (tirano por
cidades livres.33
administração), a comunidade pode avocar o poder,
num ato de resistência ativa, transferindo-o ou Por conseguinte, se o poder civil brota da
conferindo-o a quem entender, ou então conservá- necessidade natural de reunião em comunidade,
lo em seu poder, como originariamente, por ser não há ninguém que, por Direito Natural, tenha
a democracia a forma mais natural de exercício o senhorio universal de todo o orbe, consoante a
do poder, no sentido em que não precisa de ser lição de Suárez:
positivamente instituída32. Em todo o orbe não existe uma só república
A partir daqui, a consequência será a da ou um só reino temporal, senão vários e
concepção do império como uma expectativa muitos que não formam entre si um só
jurídica, dependente de um verdadeiro pacto corpo político, pois não foi conveniente que
constitucional. A esta luz, entendiam os juristas houvesse um só monarca, nem (falando em
portugueses e espanhóis desta Escola que o termos mais comuns) um só governo, ou um
imperador não era senhor do mundo, pois nunca só tribunal supremo, político e humano, para
fora eleito por todos os povos da terra, nem sequer todo o universo. Mais ainda, nem moral nem
pela maior parte, e também não conquistara o humanamente tal foi possível.34
poder universal em guerra justa, por se tratar de
Dito isto, trata-se agora de interpretar os
uma hipótese totalmente inverosímil, acrescendo
supostos contratos ou pactos de transmissão
que tampouco se poderia invocar o direito divino,
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da soberania entre os povos americanos e os tem poder espiritual ou temporal sobre aqueles que
Espanhóis, no início da colonização da América. estão fora da Igreja, isto é, sobre os infiéis36.
De um modo geral, os mestres de Salamanca, Ao examinar a posição do Papa em relação
Coimbra e Évora negaram de forma muito clara àqueles que estavam fora do grêmio da Igreja,
a validade de tais pactos, considerados desiguais e Luis de Molina trilhava em Évora o mesmo
assimétricos, por neles intervirem a ignorância e pensamento de Vitória em Salamanca, afirmando
o medo. É o que nos diz o Doutor Fernão Pérez no que a infidelidade não é causa legítima para a
seu manuscrito latino sobre a guerra: perda do domínio:
Não constitui título legítimo de aquisição Não tem maior poder o Sumo Pontífice nas
de domínio o acto de subjugar os Índios por, coisas temporais que nas espirituais; é por
persuadidos pelos Espanhóis, responderem que isso que não tem nenhum poder espiritual
lhes apraz serem súbditos do rei de Espanha: sobre os infiéis – pois disse São Paulo na
parece que respondem assim por medo, por Ep. I ad Cor. 5: ‘Porventura, compete-me
a medrosa multidão ver à sua volta homens julgar os que estão fora?’ –pois tem apenas
armados, por serem ignorantes e não saberem o direito de propor-lhes e explicar-lhes o
o que fazem e talvez nem o que os Espanhóis Evangelho, convidando-os a abraçar a Fé, logo
querem deles. Todavia, se sem ignorância e não é tampouco seu senhor temporal; nem,
medo, se fizer escolha de um príncipe cristão, portanto, senhor universal.37
com consentimento do príncipe infiel (se o
tiverem), a escolha não é inválida ou ilícita. Se Se o papa não era senhor do mundo no
o príncipe infiel discordar, essa eleição só pode temporal e no espiritual, consoante entendiam
ser válida se ele for tirano, pois neste caso a os autores peninsulares, três consequências
república pode repudiá-lo.35 imediatas eram deduzidas: primeiramente, o
poder espiritual do papa restringia-se aos cristãos,
Este texto, que pela primeira vez vem a nenhum poder detendo sobre os infiéis do Novo
público, do fundo dos seus quatrocentos e vinte Mundo; em segundo lugar, o poder do papa sobre
cinco anos de idade, estabelece de forma muito os assuntos temporais relativos à predicação
clara um conjunto de regras jurídicas, fundando universal era indireto e exercia-se apenas sobre os
em bases éticas as relações internacionais, na cristãos e sobre os já batizados: para evangelizar
altura baseadas num jus gentium que respeitava a os povos gentios e pagãos poderia preferir, aos
liberdade e dignidade das comunidades humanas demais príncipes cristãos, os reis peninsulares,
e dos indivíduos que as constituíam. Repare-se em ordem à execução desta missão espiritual,
que no final do texto, o professor da Universidade ou seja, tratava-se de um poder indireto sobre as
de Évora afirma que se o príncipe pagão for tirano coisas temporais, sobretudo no que se refere ao
pode ser repudiado pelo seu povo, sendo neste monopólio do comércio, que se exercia sobre os
caso legítima uma translatio imperii, e voltaremos príncipes cristãos, em virtude da obediência que
a esta questão no item 6 infra, porquanto se estes deviam à autoridade espiritual do papa; em
inscreve na tese do direito de resistência ativa terceiro lugar, portanto, a infidelidade não poderia
contra a tirania. ser título legítimo para a guerra justa, escravidão e
desrespeito pelas soberanias indígenas38.
4. O JUS PRAEDICANDI NO QUADRO DO Era neste contexto que se equacionava o
PODER INDIRETO DO PAPA direito de predicar (jus praedicandi) que, na visão
Para os escolásticos peninsulares, as relações dos escolásticos peninsulares, era o único direito
entre os poderes temporal e espiritual obrigavam à que o papa detinha sobre os povos gentios e
definição de esferas distintas de jurisdição. O poder estranhos à Cristandade.
do Sumo Pontífice era somente o espiritual sobre os Este direito-dever de pregar pacificamente
cristãos, possuindo embora poder temporal direto o Evangelho em todas as nações não assentava
sobre os Estados da Igreja. Fora desse âmbito, o diretamente no direito natural, fundado na
Papa, não tendo poder temporal, tinha poder racionalidade humana, mas emanava do preceito
indireto sobre as coisas temporais dos príncipes dado por Cristo aos Apóstolos, expresso no
cristãos, desde que considerado em ordem ao fim Evangelho de S. Mateus “Ide e pregai a todas as
espiritual, como era o caso dos meios temporais nações” (Mt 28,19) e de S. Marcos “Ide por todo
necessários à evangelização, pelos cristãos, dos o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc
povos do Novo Mundo. Sendo assim, o Papa não 16,15).
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Nas disputas sobre os problemas americanos, como sendo um documento jurídico normativo
essas teses colidiam frontalmente com a doutrina geral, que fixava uma prática já utilizada desde
defendida pelos teocratas, que fundamentavam a ocupação das Ilhas Canárias e, posteriormente,
a conquista dos territórios indígenas na doação por Colombo na tomada de posse das ilhas que
pontifícia de Alexandre VI aos reis católicos para ia descobrindo em nome da rainha Isabel41. Sua
que estes procedessem a guerra justa contra os fórmula teocrática consistia, como seu próprio
infiéis que não quisessem submeter-se ao senhorio nome indica, em um requerimento formal para
universal do Papa nem prestar vassalagem aos reis que os índios se convertessem à fé católica e se
da Espanha, conforme o texto do “Requerimiento”. submetessem como vassalos dos reis de Espanha,
É necessário esclarecer, como destaca Carlos caso contrário, como castigo, seria justa a guerra
E. Castañeda, que a força desta interpretação das contra eles declarada. Nesse sentido, Isacio
bulas de Alexandre VI derivava de um conceito Fernández afirma que:
medieval, estabelecido muito tempo antes dos O “Requerimento”, portanto, não foi um
reis da Espanha requererem a confirmação ente pedido pelos dominicanos, senão pelos
de seu título de domínio sobre as Índias, já partidários de que continuassem as conquistas.
inquestionavelmente estabelecido pela preempção Foi uma solução engenhosa com a qual se tentou
da primeira descoberta. O citado autor cataloga fazer parecer honestas e legítimas as ações
muitos exemplos, desde 1016, de bulas papais que bélicas; mas de condição utópica, quer dizer,
um texto oficial apto para ser lido na mesa de
garantiram territórios aos reis da cristandade sob
estudo, mas não para ser lido nas ocasiões e
a condição de que eles instruíssem os nativos na lugares que no mesmo documento se mandam.
fé cristã e os convertessem ao cristianismo. Até De fato, na prática, desde o primeiro momento,
a chegada de Colombo na América e a edição da se transformou em uma farsa.42
Bula Inter Caetera, em 1493, nenhum protesto por
parte de outros reis cristãos tinha sido levantado Assim sendo, os teólogos e missionários
até aqueles dias contra a autoridade e o poder do cristãos estavam de acordo quanto ao direito-dever
Papa para fazer tais doações.39 de predicar, afinal, era sob este título que os reis
católicos haviam recebido as doações de Alexandre
O “Requerimiento”, por sua vez, foi
VI. Como afirma Gustavo Gutiérrez, “ao menos
influenciado pela exposição feita por Martin
formalmente, no século XVI, todos estavam
Fernández de Enciso na Junta celebrada no convento
de acordo em relação ao dever de anunciar o
dominicano de San Pablo, de Valladolid, no final
Evangelho nas Índias, convertendo seus habitantes
de Julho de 1513. Enciso era um célebre advogado
ao cristianismo”43. Todavia, as divergências
e cosmógrafo, membro da expedição de Pedrarias,
surgiam quanto a escolha de um dos três caminhos
que fora atrasada por ordem do rei Fernando II
ou métodos a seguir para o cumprimento deste
de Aragão, até que fosse encontrada uma solução
mandato de Cristo.
que legitimasse a ocupação espanhola da América.
Em seu memorial, Enciso fundamentou sua O primeiro caminho, fincado na doutrina
argumentação a favor do prosseguimento das teocrática supra referida, advogava a conquista
expedições de conquista, na bula de doação de por meio das armas como prévia condição para
Alexandre VI e no Velho Testamento. a eficácia da evangelização. O segundo defendia
a realização da ação missionária sob a proteção
Em seu memorial, Enciso sustentava que, do
militar. O terceiro, por fim, renunciava ao emprego
mesmo modo que Deus havia dado aos Judeus a
de qualquer tipo de violência ou uso da força na
Terra Prometida, atribuiu aos Espanhóis o Novo
missão evangelizadora.
Mundo, através do Papa. Por esta razão, tal como
Josué reconquistara Canaã pela força, os Espanhóis O segundo caminho era o mais aceito entre
tinham legitimidade para declarar guerra justa os autores peninsulares, espanhóis e portugueses,
contra os indígenas que não aceitassem a conversão pois, em nome do direito de predicar, a Igreja
depois de requeridos pacificamente. Como razão podia pedir o auxílio do braço armado dos reis
última invocava-se o combate à idolatria dos cristãos, caso tal direito fosse violentamente
povos indígenas americanos, considerada motivo obstruído. Em qualquer caso, este direito-dever
suficiente para mover a guerra, para apoderar-se deveria ser exercido por meios pacíficos, sendo
de seus bens e reduzi-los à servidão, tal qual fizera apenas legítimo o recurso à força quando se
Josué na Terra Prometida.40 tornasse necessário remover obstáculos violentos
ao seu livre exercício, ou seja, se os outros povos
Segundo a lição do teólogo espanhol Isacio
o impedissem pela força e pela guerra. Mesmo
Fernández, podemos definir o “Requerimiento”
assim, desde as lições de Francisco de Vitória em
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Salamanca, alertava-se para o recurso abusivo ao de tão graves consequências. Assim, Frei Antônio
jus praedicandi nas guerras de conquista: de São Domingos afastava, nas suas lições de
Coimbra, o elemento confessional das regras
Se os Índios impedirem pela força os
que deveriam presidir à relação entre os povos e
Espanhóis de pregarem livremente o
Evangelho […] podem os cristãos declarar-
as nações, remetendo-as para a esfera estrita da
lhes guerra. […]. Mas nem tudo o que é lícito racionalidade humana, como faria mais tarde
é conveniente, pois pode ocorrer que tais Hugo Grócio. Neste sentido antecipa muito do
guerras, extermínios e saques sejam ainda que está em Grócio, ao mesmo tempo que supera
maior obstáculo à conversão dos Índios […] e Vitória, Suárez e os demais autores desta Escola.
temo que tenhamos ido além do que o direito O texto de Antônio de São Domingos inicia-
e a moral permitiam.44 se, como era característica do método escolástico,
pela referência aos posicionamentos em contrário,
Seguindo essa linha de argumentação,
nomeadamente os de Francisco de Victória,
os escritos de Pedro Simões, que permanecem
fundador da Escola:
inéditos, adicionam ainda que o jus praedicandi
não legitima a ocupação das terras indígenas e Diz-se que se os bárbaros embaraçam os
nem a destituição de suas autoridades pelo uso pregadores do Evangelho proibindo-os de
da força: pregarem entre eles, esta é uma justa causa para
fazer-se-lhes guerra, pois podemos, através da
Se os bárbaros, tanto os príncipes como a força e das armas, compeli-los a que permitam
população, impedem os Hispanos de anunciar que livremente se pregue o Evangelho. Victoria
livremente o Evangelho, os Hispanos podem e os restantes defendem esta opinião e provam
pregá-lo mesmo contra a vontade daqueles isto porque Cristo nos deu o poder de pregar
[…]. E, se for necessário, podem declarar a o Evangelho: Mt 28. 19.: “Ide e ensinai todas
guerra por esta causa […]. Idêntica resolução as gentes” etc; e Mc 16. 15.:”Ide por todo o
se aplica se os bárbaros que permitem a mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura”
predicação impedirem a conversão, matando etc. Logo, se alguém quiser privar-nos do nosso
ou punindo de outra maneira aqueles que direito, temos motivo de justa guerra contra
se convertem à fé […]. Sobre esta questão, esses, respeitando-se aquilo que deve respeitar-
admite-se que antes de entrar em guerra se. E isto se confirma porque aqui se trata
por esta causa, deve apresentar-se a razão do proveito deles mesmos; logo, podemos ir
que permite provar aos bárbaros que nós empós disto, mesmo contra a vontade deles.
temos o direito para lhes pregar o Evangelho, E prova-se, em último lugar, porque de outro
para que não se revoltem; em seguida, deve modo eles já ficariam sem remédio.
agir-se com a máxima moderação nesta
guerra. De facto, não será permitido ocupar E a seguir, o autor expõe seu posicionamento:
imediatamente as suas terras nem destituir Todavia, e salva melhor opinião, esta causa
os seus príncipes.45 não parece suficientemente justa, e prova-se
Em que pese a prevalência do segundo porque o Senhor quer que o Evangelho seja
caminho de evangelização, uma importante voz pregado com mansidão, e não pela força das
se posicionou claramente em sentido contrário. armas, como provámos atrás. Em segundo
Trata-se de Antônio de São Domingos, professor lugar, porque eles teriam em relação a nós um
da Universidade de Coimbra entre os anos justo motivo de escândalo, porquanto não
de 1573-93, cuja obra permanece totalmente podemos provar-lhes que Cristo pôde conceder
inédita, manuscrita e em latim. A Antônio de este direito. E, em relação aos argumentos,
São Domingos se deve a oposição clara à tão nego que o Senhor tenha dado mediante
invocada legitimidade da guerra contra os povos aquelas palavras um tal poder, e unicamente
que obstruissem pela força o dever de predicar o ordenou aos apóstolos que pregassem pelo
Evangelho. mundo inteiro; que isto poderia fazer-se,
deixou à virtude divina fazê-lo e assim se fez,
O seu argumento é de peso: na verdade, não como diz S. Paulo: a vós se prega o Evangelho
era possível demonstrar, no estrito plano da razão tal como no mundo inteiro se encontra.46
natural, a legitimidade de tal direito. E se era no
plano da razão natural que se estabelecia a nossa Em síntese, era uníssono o jus praedicandi,
primeira relação com os outros povos, não era todavia, para os autores peninsulares em estudo,
aceitável que em nome de um direito estabelecido havia certas limitações ao recurso à guerra para
com base noutro plano se iniciasse uma guerra remover a resistência oposta pelos gentios.
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Muitos defendiam o uso de armas apenas como do professor da Universidade de Évora, Pedro
meio de defesa da agressão ao direito-dever Simões, intitulado Annotationes in materiam de
de predicar. Já quanto a Frei Antônio de São bello, datado de 1575
Domingos, levou às últimas consequências a Não constitui causa justa para combater uma
Escola peninsular da Paz47. nação o facto de ser bárbara, rude e mais
apta para ser dirigida do que para se dirigir,
5. A RUDEZA DOS POVOS NÃO LHES […] porque os bárbaros não renunciam à
TOLHE NEM A LIBERDADE E NEM O liberdade nem ao domínio das suas coisas,
nem são servos por título legal ou civil, como
DOMÍNIO são os escravos. Contudo, diz-se que eles
Partindo dos princípios jusnaturalista participam da mesma natureza de um servo,
e democrático até aqui expostos, uma das isto é, são mais aptos para obedecer e servir
formas de os contornar, subvertendo a noção do que para mandar; mas mesmo assim
de igualdade e universalidade entre os homens permanece o princípio de que são verdadeiros
e entre comunidades por eles formadas, era a de senhores das suas coisas.48
evidenciar a rudeza de alguns povos, afastando-os Tenhamos presente que nesta época a
o mais possível do plano de racionalidade em que escravatura era uma realidade admitida pela
se baseava a legitimidade das soberanias, ainda que generalidade dos juristas e teólogos. Aristóteles
embrionárias. dividira-a em natural e legal. Os mestres
Nestes casos, invocavam os defensores peninsulares afastaram-se da noção de escravatura
da conquista para a (nossa) civilização, as teses natural ou, pelo menos tentaram interpretá-la em
aristotélicas sobre a escravatura natural, expressas termos que a eliminavam, mas não se afastaram
no Livro I da Política, de modo a legitimar a da noção de escravatura legal, cujos principais
escravatura a que haviam sido submetidos os títulos emergiam do direito bélico, ou da alienação
povos africanos e americanos, considerados voluntária da liberdade em caso de necessidade
amentes, isto é, desprovidos de princípios básicos extrema.
de racionalidade, impedindo-os tanto do exercício Ainda assim, acerca da alienação voluntária
individual da liberdade como do domínio de em caso de necessidade extrema, notamos
jurisdição e propiedade. que o Padre Manuel da Nóbrega em polêmica
Se a natureza e a racionalidade impunham estabelecida com o Padre Quirício Caxa, elaborou
um plano de universalidade e igualdade, tratava-se um estudo aprofundado, na segunda metade
então de lhes retirar essa mesma universalidade, do século XVI, que pode ser considerado, nas
estabelecendo distinções hierarquicas e palavras de Serafim Leite, como “o primeiro
qualitativas, de modo a fazer imperar as aspirações trabalho jurídico-moral escrito no Brasil em favor
de domínio, subvertendo a igualdade de direitos da liberdade humana em geral e dos Índios em
naturais entre os homens, ou como era expressão particular”, defendendo que na costa brasileira
de Martín de Azpilcueta aqui citada, subvertendo era muito improvável a ocorrência de situações de
as “providências naturais” pelas “leis imperiais”. necessidade extrema, como a fome e a miséria, a
É importante sublinhar que os autores da ponto de legitimarem a venda de escravos:
Escola Peninsular da Paz, sendo escolásticos de [...] que todos os que nesta Bahia e por toda
filiação tomista, eram, por definição, também a costa dizem vender os pais (se pai algum
aristotélicos, na medida em que Aristóteles fora vendeu filho verdadeiro), desde o ano de 60,
por eles eleito como mais universal e consistente em que esta desaventura mais reinou, até
em todos os domínios da filosofia. Então, este de 67, mui poucos podem ser escravos,
qualquer tentativa de distanciamento perante porque é notório a todos poucas vezes terem
os textos de Aristóteles revestia-se de extremo fomes, nem necessidade extrema, para
melindre, exigindo sempre um aturado esforço venderem seus filhos; em todo este tempo
de fundamentação, de modo a não afrontar nem me satisfaz dizer que a necessidade do
directamente o aristotelismo escolástico. resgate, com que fazem seus mantimentos,
É por isso interessante verificarmos o esforço é grande, pois esse podem eles haver sem
empreendido por estes professores e missionários venderem os filhos, como sempre houveram,
para porem em causa a tese aristotélica da com servir certo tempo, ou suas criações ou
escravatura natural. Vejamos alguns textos por de seus mantimentos, e por grande necessidade
mais significativos, começando pelo manuscrito que tenham, raramente chega em extrema,
como seria necessário para a venda valer.49
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vingar injúrias próprias, mas para defender Ainda no que diz respeito a este título,
os inocentes enquanto pertencem ao género admite-se que aqueles que combatem nesta
humano, não sendo lícito a quem declara a guerra em defesa dos inocentes não podem
guerra apoderar-se dos bens do adversário.59 usurpar para si todos os bens dos bárbaros,
porque eles não lutam para recuperar as suas
A última parte do texto de Molina constitui
coisas nem para vingar a própria injúria.61
um verdadeiro entrave aos objetivos de domínio
ilegítimo com base no argumento da defesa dos Frei Antônio de São Domingos, por fim,
direitos humanos. Não menos notável é o texto enfatiza dentre os demais argumentos já deduzidos
de outro mestre da Universidade de Évora, Fernão em favor da defesa dos inocentes, a condição de
Pérez, que pelo seu significado e por permanecer próximo, isto é, de homens.
ainda inédito, aqui transcrevemos: Se os infiéis oprimem os inocentes, quer
É contra o Direito Natural matar inocentes, sacrificando-os quer matando-os, devem
quer indígenas quer estrangeiros, ou para primeiro ser admoestados a absterem-se
comê-los ou para sacrificá-los aos ídolos. Pelo de fazerem isto e, se não o quiserem fazer,
que, se se objetar que todos estes bárbaros podem ser reduzidos pelas armas só por
consentem voluntária e livremente naquele este motivo. Isto prova-se com Sir 17. 14.:
ritual, e não se pratica injustiça contra quem “Deus impôs a cada um deveres para com o
anui, responde-se […] que eles não têm por próximo”, e com Pr 24.11.: “Tira do perigo
si direito para poderem entregar-se a si ou os aqueles que são levados à morte” etc. Ora,
seus à morte. Em segundo lugar, responde- aqueles homens padecem inocentemente;
se que eles praticam uma gravíssima injúria logo, se comodamente podemos fazê-lo,
contra todo o género humano e, enquanto somos obrigados a libertá-los.62
agressores da humanidade, podem ser
Tanto em Molina como em Pérez, tanto em
castigados, mesmo pelas armas, por todos
Simões como em Antônio de São Domingos, na
nós, pois fazemos parte do género humano.60
sequência das lições de Francisco de Vitória, a
Pedro Simões, no seu manuscrito sobre agressão aos direitos naturais de um indivíduo,
a guerra, acrescenta ainda o argumento sobre mesmo praticado pelos “Estados”, constitui
a natureza tirânica da prática dos sacrifícios uma agressão intolerável a toda a Humanidade,
humanos e da morte tirânica de inocentes configurando a tirania e legitimando o direito de
defendendo que: resistência, seja dos próprios seja dos estrangeiros,
enquanto membros do género humano,
O quinto título <de guerra justa> radica
prevalecendo sempre a Razão da Humanidade,
na tirania dos senhores dos bárbaros e nas
leis tirânicas para injúria dos inocentes
mesmo contra a vontade das vítimas e dos
como o sacrifício de homens inocentes ou o injustiçados.
assassínio de homens isentos de culpa, a fim Realçamos, no entanto, que estes autores se
de se alimentarem das suas carnes. Em defesa acautelaram quanto à possibilidade de substituir
dos inocentes, os Hispanos podem proibir a tirania pela tirania. Não se tratava de combater
aos bárbaros aquele costume hediondo, o terror com o terror, mas de impedir um crime
por meio das armas e da guerra. Aliás, são nos estritos limites do direito ou da consciência
obrigados a isto, porque Deus mandou a jurídica universal, usando a força apenas quando,
cada um ajudar o seu próximo. Ora se os depois de admoestados e devidamente requeridos,
bárbaros recusassem desistir daquela injúria os autores do crime persistirem no seu acto63,
feita aos inocentes, os Hispanos poderiam agredindo a humanidade e configurando o que
demandar todos os direitos de guerra, depor hoje, com toda a propriedade, chamaríamos
os príncipes e criar outros, se assim fosse “terrorismo de Estado”.
necessário para a libertação dos inocentes. Um dos casos mais paradigmáticos a este
Mas se alguém objectar que todos os bárbaros respeito foi o do jesuíta José de Acosta, missionário
querem ter estas leis e sacrifícios, responda-se no Peru e no México, no século XVI, que conhecia
que, neste caso, não têm o direito de entregar- bem os intoleráveis abusos associados à invocação
se a si nem os seus filhos à morte injusta deste título jurídico de guerra:
[…], da mesma maneira que aquele que se Segundo penso, todos estarão de acordo que
quer degolar ou atirar-se ao mar pode sem defender um inocente, sobretudo se estiver
injúria ser impedido e atado. em questão a sua morte, (pois mesmo que ele
274
A Escola Peninsular da Paz: A Contribuição da Vertente Portuguesa em Prol da Construção de um Novo Direito das Gentes para o Século XXI
se cale [e aceite] será a própria natureza que outro lado, a prevalência da “razão da humanidade”
nos é a todos comum a gritar) é tarefa que é nas relações internacionais.
exigida a todo aquele que esteja em posição Julgamos que estas teses podem ser
capaz de prestar auxílio. Resulta pois que a consideradas como preparando, em boa medida,
defesa dos inocentes é causa de guerra justa o tema de garantia coletiva de direitos, no quadro
contra os bárbaros homicidas64 […] Mas esta de normas imperativas de direito internacional (o
tese, ainda que subtilmente discutida, se for jus cogens)67 que, na falta de instituições que as
confrontada com a realidade [da conquista do supervisionassem, não podiam deixar de remeter,
México e do Peru], revela falta de adequação.
nesta época, para a recta razão, identificada com a
Porque por um lado, deve prestar-se auxílio
razão da humanidade.
<aos inocentes> com o menor dano do
agressor e, portanto, não será lícito despojar Em última análise, estava em causa a
os bárbaros do domínio ou da vida sempre que consciência universal, bem como a própria condição
possam ser reprimidos por meio do temor ou de existência da comunidade internacional como
com alguma sujeição; por outro lado é absurdo modernamente a conhecemos, pois, como escreve
querer defender alguém, e causar-lhe uma Antônio A. Cançado Trindade, em seu estudo
mortandade ainda maior com essa defesa. E sobre a Humanização do Direito Internacional, o
consta por infinidade de testemunhos que conceito de comunidade internacional pressupõe
morreram muito mais índios nestas guerras o reconhecimento “de interesses comuns e
que lhes movemos do que com a tirania dos superiores, e de deveres emanados diretamente do
bárbaros. Que quantidade de sacrifícios e direito internacional (o direito das gentes) que a
carnificina de índios não foram cometidos todos vinculam, – os Estados, os povos e os seres
por causa dos estragos provocados pela espada humanos.”68
dos espanhóis?65
A questão do repúdio da tirania era válida,
7. O CUMPRIMENTO DE ORDENS SUPE-
como vimos em Acosta, no plano da relação RIORES NÃO ESCUSA OS SOLDADOS
de um indivíduo com os poderes nacionais DE CULPA POR CRIMES CONTRA O
instituídos, mas também podia ser invocada
na relação de cada Estado com a comunidade
GÉNERO HUMANO.
internacional, no sentido em que os interesses Outro princípio jurídico fundamental fixado
particulares de um Estado não constituíam causa pelos mestres hispânicos do renascimento foi o da
legítima de guerra se a mesma fosse prejudicial não aceitação do argumento de que ao cumprirem
à Humanidade. Apresentava-se, nestes termos, ordens superiores os soldados se isentam de culpa
uma clara subalternização da “razão de Estado” de crimes contra o género humano, pois a ninguém
sobre a “razão da humanidade”. era lícito agir contra a consciência clara da justiça.
Com efeito, ao replicar a tese vitoriana Nos termos do direito bélico, era fundamental
acerca da universalidade e autoridade de todo o que o combatente, mesmo o de mais baixo posto,
orbe, o Doutor Martinho de Ledesma, professor examinasse, em caso de dúvida, as causas da
em Coimbra, assegurava, em 1560, que: guerra, e caso concluísse que a mesma era injusta,
Sendo uma república parte de todo o orbe estava proibido de combater, tanto no foro externo
e, maximamente, sendo uma província dos como no foro interno da consciência.
cristãos parte de toda a república cristã, se a É o que ensina o Doutor Fernão Pérez na
guerra for útil a uma república ou reino em Universidade de Évora, no seu manuscrito sobre a
detrimento e com prejuízo de todo o orbe ou guerra de 1588:
da Cristandade, eu considero que por isso Podem ser tão claros os indícios da injustiça
mesmo ela é injusta.66 de uma guerra que, de acordo com a usança
Em suma, a autoridade universal do orbe humana, se segue que deve presumir-se a
impunha limitações não só a atuação arbitrária certeza da injustiça da guerra, e que no foro
dos tiranos, em defesa do direito dos inocentes, exterior os soldados, mesmo os de mais baixa
mas também proibia que o interesse particular graduação, não devem ser escusados, como
de um Estado se sobrepusesse, injustamente, ao tão-pouco no foro íntimo ou sacramental, se
interesse de todo o orbe, evidenciando-se assim, a ignorância da injustiça, depois de conhecida
por um lado a proeminência da dignidade das toda a situação, tiver sido totalmente
vítimas de violações de direitos humanos e, por grosseira,69
275
Pedro Calafate e Sílvia Maria da Silveira Loureiro
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A Escola Peninsular da Paz: A Contribuição da Vertente Portuguesa em Prol da Construção de um Novo Direito das Gentes para o Século XXI
de Indis, considerando que era de direito natural honesto sustento, incorporando naturalmente
a possibilidade de qualquer homem se estabelecer custos e riscos de transporte, armazenamento,
ou viajar por qualquer lugar da terra, desde que perdas anteriores, transformação introduzida nos
não prejudicasse os seus naturais. Não se tratava produtos, estabelecimentos etc., razão por que se
portanto de um direito de passagem destruidor, nem entendia a atividade comercial, nas palavras do
de um direito ao comércio predador, explorando os filósofo português do renascimento João Sobrinho,
legítimos recursos dos povos. como: “um certo hábito na vontade, regulado pela
Nesse sentido, considerava Francisco de inteligência, mediante a qual alguém troca uma
Vitória que assim como era legítimo aos Espanhóis coisa por outra sem fraude usurária, guardando
estabelecerem-se ou residirem em França se tal não sempre a condição de se observar a igualdade de
prejudicasse os Franceses, também era legítimo valor nas coisas trocadas, conforme a recta razão.”77
aos Espanhóis estabelecerem-se e residirem na No fundo, o direito de peregrinar, o direito
América, na condição de daí não advir nenhum de residir em qualquer lugar da terra e o direito de
prejuízo aos Índios, ou seja, na condição de tais estabelecer relações de comércio justo com todos os
práticas serem conduzidas no quadro do jus povos, radicava no mais basilar preceito da moral
amicitiae. cristã, o princípio mais universal da lei natural, que
Para bem se entender este preceito, teremos o próprio Vitória cita no seu texto: “Não faças aos
de nos distanciar de interpretações anacrónicas outros o que não gostarias que te fizessem a ti”.78
do conceito de comércio que, longe de ser o É na lição de Antônio de São Domingos
atual, ancorava-se em sólidos princípios éticos, que vemos estes preceitos vitorianos novamente
no quadro mais vasto da justiça comutativa, expostos e claramente posicionados no quadro do
no mesmo sentido em que o conceito cristão direito natural e das gentes:
e católico de propriedade acentuava a ideia de
Segue-se que, sempre que os infiéis nos
responsabilidade social, não podendo exceder-se
impedem ou negam algo que consta do Direito
em detrimento do bem comum. das Gentes, podemos justamente declarar-
Francisco de Vitória entendia o direito de lhes guerra. Por exemplo, faz parte do Direito
viajar e a liberdade de comércio não no quadro das Gentes poder qualquer pessoa viajar
da assimetria entre os lobos e as ovelhas, mas no por terra alheia e negociar entre quaisquer
contexto da sua afirmação basilar: “Não é lobo o povos, e também se quer ser cidadão em
homem para o homem, senão homem!”.76 Trata-se alguma cidade, contanto isto se faça sem
portanto de uma comunicação e de um comércio qualquer dano ou simulação, e desde que os
no quadro de um conceito de natureza humana mesmos não sejam inimigos, porque faz parte
distinto daquele desenvolvido pelos filósofos do Direito Natural evitarmos os inimigos.
ingleses, que como Thomas Hobbes proclamaram Finalmente, que a nós se conceda o que se
exactamente o contrário, reabilitando a frase de concede a outros estrangeiros. Logo, se os
Plauto, segundo a qual o homem é lobo do homem. infiéis nos negam isto, estão de facto a inferir-
Deve ter-se presente que na cultura cristã, nos [vº] uma injustiça e, por consequência,
de que estes mestres peninsulares eram herdeiros, podemos reduzi-los pelas armas, desde que,
sempre existiu uma forte desconfiança perante a depois de expostos os motivos, eles não
atividade comercial, marcada pelo episódio bíblico queiram concordar. E prova-se de acordo com
em que Cristo expulsou os mercadores do templo. o princípio: “é licito repelir a violência com
Não se partia daí para a sua condenação absoluta, a violência.” Ora, eles cometem violência
contra nós, negando o que nos é concedido por
mas para a necessidade de uma regulamentação
Direito Natural e das Gentes. Logo, podemos
ética que impedisse a cobiça e a acumulação do lucro,
repelir essa violência com a violência.79
baseada na fraude e no engano. O ius commercii
de que falavam Vitória e os mestres peninsulares Pedro Simões segue a mesma linha
desta Escola, não admitia a usura, o encarecimento argumentativa, acrescentando:
injustificado dos produtos, ou a exploração
Os Hispanos que são proibidos pelos bárbaros
impiedosa do próximo, pois quem seguisse apenas a
<de se dedicarem ao comércio legítimo>
sede do lucro e da riqueza, estimulada pela avareza,
não podem mover imediatamente uma
não encontraria nunca satisfação plena. Não era guerra ofensiva, porque os bárbaros, ao
esse o modelo de homem seguido por esta Escola. verem homens estrangeiros armados e mais
O acréscimo do preço relativamente ao valor que poderosos, com razão podem ter medo, e em
o comerciante pagou, deveria ter em vista o seu consequência no princípio poderiam sem
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Pedro Calafate e Sílvia Maria da Silveira Loureiro
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A Escola Peninsular da Paz: A Contribuição da Vertente Portuguesa em Prol da Construção de um Novo Direito das Gentes para o Século XXI
que celebrizou tão justamente esses mestres competência reservada dos Estados, incorporados
pode e deve ser alargada e complementada, em em textos constitucionais positivados, o Direito
vários planos. Internacional, que vinha sendo gestado como
Primeiramente, aqueles estudos autorais um sistema jurídico universal, foi reduzido
tendem por vezes a isolar o pensamento do mestre à regulamentação das relações entre Estados
escolhido relativamente ao conjunto de escritores concebidos como entes abstratos e dotados de
que na mesma época e lugar debatiam os mesmos vontade. Como resultado, o Direito Internacional
temas, com fundamento em um acervo de fontes (antigo direito das gentes) foi desumanizado, pois,
comuns de conhecimento. Em segundo lugar, por como afirma Cançado Trindade:
consequência, não é dado o mesmo valor a muitos Três séculos de um ordenamento internacional
pensadores de idêntica importância acadêmica, cristalizado, a partir dos tratados de paz de
como Domingo de Soto, Melchor Cano, Diego Westphália (1648), com base na coordenação
de Covarrubias, Martin de Azpilcueta e Luís de de Estados-nações independentes, na
Molina, apenas para citar alguns exemplos, Em justaposição de soberanias absolutas, levaram à
terceiro lugar, enfim, outro grupo de autores é exclusão daquele ordenamento dos indivíduos
completamente esquecido, relegado para o fundo como sujeitos de direitos. Três séculos de um
dos arquivos das bibliotecas como é o caso de ordenamento internacional marcado pelo
Pedro Simões, Fernão Rebelo, Fernão Pérez e predomínio de soberanias estatais e exclusão
Antônio de São Domingos, soterrados por três dos indivíduos foram incapazes de evitar as
séculos de iluminismo, liberalismo e positivismo violações maciças dos direitos humanos,
jurídico, permanecendo os seus textos na versão perpetradas em todas as regiões do mundo,
original manuscrita e latina. e as sucessivas atrocidades de nosso século,
Com o intuito de contribuir para um mais inclusive as contemporâneas.86
alargado conhecimento desta tradição filosófico- Somente no final da Segunda Guerra Mundial,
jurídica, o presente artigo demonstrou, na sua no marco da Declaração Universal dos Direitos
seção preliminar, a existência de uma corrente Humanos de 1948, a sociedade internacional,
doutrinária de origem peninsular, espanhola e impactada pela experiência da aniquilação do
portuguesa, durante os séculos XVI e XVII, que
ser humano sob o primado da lei, retomou o
desenvolveu suas bases teóricas através de fontes
processo de universalização e humanização do
comuns.
Direito Internacional, razão pela qual a redenção
Pela coesão de temáticas debatidas e fontes dos textos justeológicos peninsulares significa,
de reflexão, Pedro Calafate, co-autor deste artigo, em análise última, o substrato para pensarmos
mobilizou na Universidade de Lisboa uma um novo direito das gentes, no qual prevaleça a
vasta equipe de investigadores luso-brasileiros, ética sobre a política, a justiça sobre a força e o ser
composta por juristas, filósofos, teólogos, humano sobre o Estado.
paleógrafos e latinistas, que tem permitido alargar
Terminamos, pois, com as palavras de um
o âmbito do que designou como Escola Peninsular
dos mestres brasileiros que mais tem chamado a
da Paz, promovendo, desse modo, o resgate
atenção para a importância da tradição filosófica
dos textos da vertente portuguesa há muito
e jurídica aqui estudada: “Parece-me de todo
esquecidos. Retoma-se, através desse trabalho
apropriado resgatar os ensinamentos de um
ainda em curso, no qual participa também a
direito impessoal que é o mesmo para todos –
co-autora deste artigo conjunto, uma sublime
não obstante as disparidades de poder – e que
tradição humanista interrompida por um longo
situa a solidariedade acima da soberania, e que
ciclo, marcado pela separação entre as questões
submete os diferendos ao juízo da recta ractio. O
morais e o Direito, nos mesmos termos em que
renascimento – que sustento firmemente – em
se dinamiza a cooperação entre a Universidade do
nossos tempos, desses ensinamentos clássicos,
Estado do Amazonas e a Universidade de Lisboa.
que ademais propugnam uma ampla concepção da
Como é sabido, neste longo trajeto histórico, personalidade jurídica internacional (incluindo os
entre o Medievo e a segunda metade do século seres humanos e a humanidade como um todo),
XX, essa tradição humanista, que teve seu ápice pode certamente ajudar-nos a enfrentar mais
durante o renascimento cristão nos séculos adequadamente os problemas com que se defronta
XVI e XVII, esfacelou-se, pouco a pouco, dando o Direito Internacional contemporâneo, movendo
origem a ramificações do Direito, distintas e rumo a um novo jus gentium do século XXI, o
incomunicáveis. Enquanto os direitos naturais Direito Internacional para a humanidade.”87
subjetivos do Homem passaram a ser matéria de
279
Pedro Calafate e Sílvia Maria da Silveira Loureiro
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Humanos: Um diálogo com o pensamento
280
A Escola Peninsular da Paz: A Contribuição da Vertente Portuguesa em Prol da Construção de um Novo Direito das Gentes para o Século XXI
NOTAS
1. Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto 11. O termo “domínio” tinha uma dupla acepção
Corpus Lusitanorum de Pace: A Contribuição de jurisdição e propriedade.
das Universidades Portuguesas para a Escola 12. Para Antônio Augusto Cançado Trindade, o
Peninsular da Paz (séculos XVI e XVII) - FCT: Direito Internacional dos Direitos Humanos
PTDC/FIL – ETI/119182/2010CFUL/Centro pode ser compreendido “como um ramo
de Filosofia da Universidade de Lisboa (CFUL)/ autônomo da ciência jurídica contemporânea,
Investigador Responsável (IR): Pedro Calafate. dotado de especificidade própria. Trata-se
2. Observamos que nos séculos XV e XVI os essencialmente de um direito de proteção,
habitantes da Península Ibérica costumavam marcado por uma lógica-própria, e voltado à
se autodenominar como hispânicos. Cfr.: salvaguarda dos direitos dos seres humanos
WEFFORT, F. C. Espada, Cobiça e Fé. 2012. e não dos Estados. Neste propósito se mostra
Os. 19-20. constituído por um corpus juris dotado de uma
3. SOTO, Domingo de, Relectio an liceat multiplicidade de instrumentos internacionais
ciuitates infidelium seu gentilium expugnare de proteção, de natureza e efeitos jurídicos
ob idololatriam, Salmanticae, 1555, f. 420r, variáveis (tratados e resoluções), operando
excerto traduzido por Pedro Calafate. nos âmbitos tanto global (Nações Unidas)
como regional. Tal corpus juris abriga, no
4. À luz dessa tradição, escreve São Tomás de plano substantivo, um conjunto de normas
Aquino, no Artigo 1 da Questão 40, na Segunda que requerem uma interpretação, de modo a
Seção da Segunda Parte da Suma Teológica: lograr a realização do objeto e propósito dos
“para uma guerra ser justa, são necessárias três instrumentos de proteção que as consagram,
condições, a saber: a autoridade do príncipe, e, no plano operacional, uma série de
sob cuja ordem deve se fazer a guerra; uma mecanismos (essencialmente, de petições
causa justa e uma reta intenção naqueles que ou denúncias, relatórios e investigações) de
fazem a guerra.” supervisão ou controle que lhe são próprios.
5. VITÓRIA, Francisco de, Relectio de Indis, A conformação deste novo e vasto corpus juris
Salamanca, 1539, I, 2, 9, excerto traduzido por vem atender uma das grandes preocupações
Miguel Sena Monteiro. de nossos tempos: assegurar a proteção do ser
humano, nos planos nacional e internacional,
6. SOTO, Domingo de, Relectio de dominio,
em toda e qualquer circunstância”.
Salmanticae, 1535, tradução Pedro Calafate,
(CANÇADO TRINDADE, A. A.Tratado de
p. 34.
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
7. TIERNEY, Brian. The Idea of Natural Rights: Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997. V.
studies on natural rights, natural law and 1, pp. 20-21. Ver também v. 3. pp. 406-407.)
Church law 1150-1625. Atlanta: Emory
13. Esta é a idéia de um novo direito das gentes
University Press, 1997, p. 316.
defendida por Antônio Augusto Cançado
8. DIAS, José Sebastião da Silva. Os Trindade em suas inúmeras intervenções
Descobrimentos e a Problemática Cultural do como jurista e magistrado, ao invocar
Século XVI, Presença, Lisboa, 1982, p. 172. as bases teóricas dos pais fundadores do
9. Segundo a tradição tomista, seguida pelos direito internacional para fundamentar a
pensadores da Escola Peninsular da Paz, a universalidade e racionalidade do Direito
lei natural é a “participação da lei eterna na Internacional dos Direitos Humanos, que vem
criatura racional”, ou seja, a impressão da luz sendo construído como ramo autônomo desde
de Deus no coração dos homens, que permite a segunda metade do século XX, impulsionado
a distinção entre o bem e o mal. Nesse sentido pela consciência jurídica universal perante as
confira a Questão 91, Artigo 2 e a Questão 94, atrocidades cometidas na II Guerra Mundial.
Artigo 5 da Primeira Seção da Segunda Parte da 14. Para uma análise detalhada deste debate
Suma Teológica. consulte-se as obras de Lewis Hanke: All
10. VITÓRIA, Francisco de, Relectio de potestate Mankind is One: a study of the disputation
civili, Salmanticae, 1528, p. 21, tradução nossa. between Bartolomé de las Casas and Juan
Ginés de Sepúlveda in 1550 on the intelllectual
281
Pedro Calafate e Sílvia Maria da Silveira Loureiro
and religious capacity of the American Indians más, advertiremos cómo el enfoque teológico
(1974) e Aristotle and the American Indians: a se traduce, en concreto, en un necesario
study in race prejudice (1970). planteamiento o dimensión ética de la política,
15. VITÓRIA, Francisco de. Sobre El Poder Civil. en el sentido de que ésta es cuestionada por la
Estudo preliminar, tradução e notas de Jesús ética.” (VITÓRIA, Francisco de. ob. cit. p. 31).
Cordero Pando. Salamanca. Editorial San 21. PEREÑA, L. ‘La Escuela de Salamanca’, in:
Esteban, 2009, pp. 21-22 (tradução nossa) PEREÑA, L. ed. La Etica em la Conquista de
16. VITÓRIA, Francisco de. Sobre El Poder Civil, América: Francisco de Vitória y la Escuela de
ob. cit., pp. 22-23. (tradução nossa). Salamanca. Madrid: CSIC, 1984, p. 307.
17. VITÓRIA, Francisco de. Sobre El Poder Civil, 22. PEREÑA, L. ‘La Escuela de Salamanca’, in: ob.
ob. cit. p. 23. (tradução nossa). cit., p. 308.
18. Na lição sobre o poder civil, disse Vitória: “El 23. PEREÑA, L. ‘La Escuela de Salamanca’, in: ob.
oficio y cometido del teólogo abarca tanto que cit., pp. 312-313.
ningún argumento, ninguna controversia, 24. Esse termo foi cunhado pelo Professor Dr.
ningún asunto parecen quedar fuera de la Pedro José Calafate Villa Simões no âmbito
profesión y objeto de atención del teólogo. do projeto de pesquisa Corpus Lusitanorum
Ésta tal vez sea la causa, como del orador decía de Pace: A Contribuição das Universidades
Cicerón, de que sea tan grande -por no decir Portuguesas para a Escola Peninsular da
mayor– la escasez de buenos y sólidos teólogos, Paz (séculos XVI e XVII) - FCT: PTDC/FIL –
dado que hay tan pocos varones preclaros y ETI/119182/2010CFUL/Centro de Filosofia da
excelentes en todo género de disciplinas y en Universidade de Lisboa (CFUL), atualmente
todas las artes. Pues, ciertamente, la teología em curso, sob sua coordenação científica, com
es la primera de todas las disciplinas y estudios o financiamento da Fundação para a Ciência
del mundo, aquélla a la que los griegos e Tecnologia do Ministério da Educação e
llamaban Tratado de Dios. Por lo cual no debe Ciência de Portugal, no qual participa como
parecer nada extraño que no haya muchos investigadora a co-autora deste artigo.
del todo competentes en materia tan difícil.” 25. Os manuscritos aqui citados foram transcritos
(VITÓRIA, Francisco de. ob. cit., p. 55). e traduzidos do latim para o português no
19. Na lição sobre os Índios, ao introduzir o âmbito do projeto Corpus Lusitanorum de
problema, Vitória afirma: “E n s e g u n d o Pace: A Contribuição das Universidades
l u g a r , he de observar que esta discusión Portuguesas para a Escola Peninsular da
no pertenece a los juristas, al menos Paz (séculos XVI e XVII) - FCT: PTDC/FIL –
exclusivamente. Porque aquellos bárbaros ETI/119182/2010CFUL/Centro de Filosofia da
no están sometidos, como diré enseguida, al Universidade de Lisboa (CFUL)/ Investigador
derecho positivo, y por tanto sus cosas no deben Responsável (IR): Pedro Calafate.
ser examinadas por las leyes humanas, sino 26. VIEIRA, Antônio, Voto sobre as Dúvidas dos
por las divinas, en las cuales los juristas no son Moradores de S. Paulo acerca da Administração
bastante competentes para poder definir por sí dos Índios (1694). in: Antônio Sergio e Hernâni
mismos semejantes cuestiones.” ((VITÓRIA, Cidade (org.). Obras Escolhidas do Pe. Antônio
Francisco de. Relectio de Indis: o libertad de los Vieira. Lisboa: v. III, pp. 341-342.
indios. Coleção Corpus Hispanorum de Pace.
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones 27. MOLINA, Luís de. De Justitia et Jure, livro I,
Cientificas, 1967, pp. XIII-XIV. v. V., p. 13.). tradução de Manuel Fraga Iribarne, Madrid,
1946, p. 408.
20. Em termos atuais, Jesús Cordero Pando
afirma: “No hay una filosofía política sin que 28. SUÁREZ, Francisco, De Legibus, Liv. III, v, 1.,
detrás, por presencia o por ausencia, se halle XII, 9.
una Teología Política. Tal vez sea significativo 29. AZPILCUETA, Martín de, Relectio C. Nouit
remitirse hoy a los variados fundamentalismos de iudiciis, Coinimbricae, 1548, p. 74, excerto
o incluso a la “Teología de la liberación” de traduzido por Antônio Guimarães Pinto.
los pueblos. Tal vez pudiera “forzarse” en este
30. SUÁREZ, Francisco, De Legibus, Liv. III, v, 1,
sentido la resistencia de Vitoria a aceptar, sin
excerto traduzido por Pedro Calafate.
más, la dicotomía entre “cosas teologales”
y “asuntos de gobernación”, que le exigía el 31. SUÁREZ, Francisco. Defensio Fidei III:
Emperador. Si queremos avanzar un poco Principatus Politicus o La soberania popular,
V, II, Coleção Corpus Hispanorum de Pace.
282
A Escola Peninsular da Paz: A Contribuição da Vertente Portuguesa em Prol da Construção de um Novo Direito das Gentes para o Século XXI
Madrid: Consejo Superior de Investigación vos receber, nem escutar as vossas palavras,
Científica, 1965. p. 25. saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos
32. Cfr. CALAFATE, Pedro. Da Origem Popular do vossos pés” (Mt 10:14) e “Eis que vos envio
Poder ao Direito de Resistência, Lisboa, Esfera como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede
do Caos, 2012. prudentes como as serpentes e inofensivos
como as pombas” (Mt 10:16). Lê-se o mesmo
33. AZPILCUETA, Martín de. Relectio C. Nouit de em Lc 10; 3 e 11.
iudiciis, Coinimbricae, 1548, excerto traduzido
por Antônio Guimarães Pinto, p. 98. 48. SIMÕES, Pedro, Annotationes in materiam de
bello, ob. cit. quaestio i, f. 306v, transcrição
34 SUÁREZ, Francisco de. Defensio fidei, ob. cit. paleográfica deste excerto de Joana Serafim
VI, 10-11, excerto traduzido por Pedro Calafate. e tradução de Marina Costa Castanho e Ana
35 PÉREZ, Fernão, De bello, ms. 3299 da Biblioteca Maria Tarrío (no prelo).
Nacional de Portugal (BNP), Conimbricae, 49. Polémica de Manuel da Nóbrega com Quirício
1588, transcrição paleográfica de Filipa Roldão, Caxa sobre a escravidão dos indígenas da
tradução de Antônio Guimarães Pinto f. 231v costa brasileira in: Serafim Leite. História da
(edição no prelo) Companhia de Jesus no Brasil. T. II. Século
36. VITORIA, Francisco de. Relectio de Indis, ob. XVI: A Obra. Lisboa/Rio de Janeiro: Editora
cit. pp. 43-54. Portugalia/Civilização Brasileira, 1938. p.
202-203.
37. MOLINA, Luís de. De Iustitia et Iure. Libro
Primero de la Justitia. Madrid: 1946, p. 435 50. REBELO, Fernando, Opus de obligationibus
justitiae, religionis et caritatis, Lugudni, 1608,
38. CALAFATE, Pedro. Ob. cit., p. 193.
quaestio IX, p. 67, excerto traduzido por
39. CASTAÑEDA. C. E. “Spanish Medieval Antônio Guimarães Pinto.
Institutions in Overseas Administration:
51. SIMÕES, Pedro. Anotationes in materiam de
the prevalence of medieval concepts. In: The
bello, ob. cit. quaestio I, f. 306v (no prelo).
American. Ano 1954. v. 11. n. 02, p. 117.
52. MOLINA, Luís de. De Justitia et Jure, ob. cit.
40. HANKE, Lewis. The Spanish Struggle
tomoI, livro III, disp. CV, excerto traduzido por
for Justice in the Conquest of America,
Pedro Calafate.
Philadelphia University of Pensilvania Press:
1959, pp. 30-32. 53. PÉREZ, Fernão. De Bello, ob. cit., f. 230,
excerto transcrito por Filipa Roldão e traduzido
41. FERNÁNDEZ, Isacio Pérez. El Derecho
por Antônio Guimarães Pinto (no prelo).
Hispano-Indiano: dinâmica social de su proceso
histórico constituyente. Salamanca: Editorial 54. LEDESMA, Martinho de. Secvnda Qvartae,
San Esteban, 2001, p. 130. Conimbricae, 1560, excerto traduzido por
Leonel Ribeiro dos Santos, f. 225v.
42. FERNÁNDEZ, Isacio Pérez. Ob. Cit. p. 131.
(tradução nossa). 55. A expressão “razão de Humanidade” em
contraponto à «razão de Estado», no contexto
43. GUTIÉRRES, Gustavo. Em Busca dos Pobres
da proteção internacional dos direitos
de Jesus Cristo: o pensamento de Bartolomeu
humanos, deve-se ao Prof. Antônio Augusto
de Las Casas. S. Paulo: Paulus, 1995. p. 126.
Cançado Trindade, nomeadamente em sua
44. VITÓRIA, Francisco de. De Indis ob. cit., I, 3, obra A Humanização do Direito Internacional,
11-12, excerto traduzido por Pedro Calafate. Belo Horizonte, 2006, p. 127.
45. SIMÕES, Pedro, Annotationes in materiam 56. “É este o único caso em que os Índios podem
de bello, 1575, ms. Da Biblioteca Nacional de ser castigados por crimes contra a natureza”,
Portugal (BNP) 3858 transcrição do manuscrito diz Francisco de Vitória, in: Relectio de Indis, I,
de Joana Serafim, tradução de Marina Castanho 3, pp. 14-15.
e revisão científica de Ana Maria Tarrío.
57. Juan de la Peña, De Bello contra Insulanos,
quaestio I, f. 305 (no prelo).
Coleção Corpus Hispanorum de Pace, dir.
46. SÃO DOMINGOS, Antônio de, De bello, ms Liciano Pereña, vol. IX, Madrid, 1982, I, 2, 14.
5552 da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP),
58. L. Pereña, “Estudio Preliminar” à edição de
excerto traduzido por Antônio Guimarães
Juan de la Peña, in: De Bello Contra Insulanos:
Pinto, fol. 67vº-68 (no prelo).
intervención de España en América., Coleção
47. Como fundamentos, invocavam, por exemplo, Corpus Hispanorum de Pace, , Madrid: Consejo
o Evangelho de São Mateus: “E, se ninguém
283
Pedro Calafate e Sílvia Maria da Silveira Loureiro
Superior de Investigaciones Científicas – CSIC, existente que estiver em conflito com essa
1982, v. IX, p. 74. norma torna-se nulo e extingue-se.”
59. MOLINA, Luis de, de iustitia et iure, Cuencae, 68. CANÇADO TRINDADE, A.A., A
1591, tomo I, liv. III, disp. C, excerto traduzido Humanização do Direito Internacional, Belo
por Pedro Calafate. Horizonte, 2006, p. 405.
60. PÉREZ, Fernão, De Bello,.ob. cit. f. 228 , 69. PÉREZ, Fernão. De Bello, ob. cit., f. 236,
excerto transcrito por Filipa Roldão e traduzido excerto transcrito por Filipa Roldão e traduzido
por Antônio Guimarães Pinto (no prelo) por Antônio Guimarães Pinto (no prelo).
61. SIMÕES, Pedro. Annotationes in materiam 70. PÉREZ, Fernão. De Bello, ob. cit., f. 237v.,
de bello,, ob. cit., quaestio I, f. 305v, excerto excerto transcrito por Filipa Roldão e traduzido
transcrito por Joana Serafim e traduzido por por Antônio Guimarães Pinto (no prelo).
Ana Maria Tarrío e Marina Costa Castanho (no 71. SÃO DOMINGOS, Antônio de. De Bello, ob.
prelo) cit., f. 68, excerto transcrito por Filipa Roldão
62. SÃO DOMINGOS, Antônio de. De Bello, ob. e traduzido por Antônio Guimarães Pinto (no
cit.,f. 68vº, excerto transcrito por Filipa Roldão prelo).
e traduzido por Antônio Guimarães Pinto 72. PÉREZ, Fernão. De Bello, ob. cit., f. 237,
63. Para uma discussão contemporânea sobre o excerto transcrito por Filipa Roldão e traduzido
combate ao terror com o terror, Veja se o voto por Antônio Guimarães Pinto (no prelo).
Arrazoado do juiz Antônio Augusto Cançado 73. CANÇADO TRINDADE, A. A. Tratado de
Trindade, da Corte Interamericana de Direitos Direito Internacional dos Direitos Humanos,
Humanos, no Caso do “Masacre de Mapiripán” ob. cit. v. 3. P.479.
vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 15 de setembro de 2005. Serie C 74. Para um panorama histórico detalhado acerca
No. 134. Pars. 45 e 46, do qual transcrevemos da invocação de ordens superiores como
a seguinte passagem: “Não se combate o terror excludente de responsabilidade internacional
com o terror, senão no marco do Direito. Os que criminal, confira: CASSESE. Antonio.
acodem ao uso da força bruta se embrutecem International Criminal Law. 2 ed. NOVA
eles mesmos, criando uma espiral de violência York: Oxford University Press. 2008, pp. 270 e
generalizada que termina por vitimar os seguintes.
inocentes, inclusive crianças.” (par. 46). 75. Artigo 33 (Decisão Hierárquica e Disposições
64. ACOSTA, José de. De Procuranda Indorum Legais): 1. Quem tiver cometido um crime da
Salute, 1588, Salmanticae, II, VI, 1, excerto competência do Tribunal, em cumprimento
traduzido por Pedro Calafate de uma decisão emanada de um Governo ou
de um superior hierárquico, quer seja militar
65. ACOSTA, José de. ob. cit., II, VI, 2-3, excerto ou civil, não será isento de responsabilidade
traduzido por Pedro Calafate. criminal, a menos que: a) Estivesse obrigado
66. LEDESMA, Martinho de, Secvnda Qvartae, por lei a obedecer a decisões emanadas do
ob. cit. f. 316r-v, excerto traduzido por Leonel Governo ou superior hierárquico em questão; b)
Ribeiro dos Santos. Não tivesse conhecimento de que a decisão era
67. Dispõe o artigo 53 da Convenção de Viena de ilegal; e c) A decisão não fosse manifestamente
1969 sobre o Direito dos Tratados: “É nulo um ilegal. 2. Para os efeitos do presente artigo,
tratado que, no momento de sua conclusão, qualquer decisão de cometer genocídio ou
conflite com uma norma imperativa de Direito crimes contra a humanidade será considerada
Internacional geral. Para os fins da presente como manifestamente ilegal.
Convenção, uma norma imperativa de Direito 76. VITÓRIA, Francisco de, Relectio de Indis, ob.
Internacional geral é uma norma aceita e cit., I 3, 2-3.
reconhecida pela comunidade internacional dos 77. SOBRINHO, João, Tractatus Perutilans de
Estados como um todo, como norma da qual Iustitia Commutativa et Arte Campsoria
nenhuma derrogação é permitida e que só pode seu Cambiis ac Aelaerum Ludo, Paris, 1496,
ser modificada por norma ulterior de Direito edição portuguesa: Mozes Amzalak, Frei João
Internacional geral da mesma natureza.” Sobrinho e as Doutrinas Económicas na Idade
Já o artigo 64 da mesma Convenção dispõe: Média, Lisboa, 1945, p. 179.
“Se sobrevier uma nova norma imperativa de 78. VITÓRIA, Francisco de, Relectio de Indis, ob.
Direito Internacional geral, qualquer tratado cit., I 3, 2-3.
284
A Escola Peninsular da Paz: A Contribuição da Vertente Portuguesa em Prol da Construção de um Novo Direito das Gentes para o Século XXI
79. SÃO DOMINGOS, Antônio de. De Bello, Migrantes Indocumentados, supra nota 72,
ob. cit, fol. 67vº, excerto transcrito por Filipa par. 11.
Roldão e traduzido por Antônio Guimarães 84. Virgílio, Eneida, liv. 7, versos 229 e 230,
Pinto. traduzidos por Miguel Pinto de Meneses.
80 SIMÕES, Pedro. Anotationis in materiam 85. TOSI, Giuseppe. Raízes Teológicas dos Direitos
de bello, ob. cit., quaestio I, f. 304v, excerto Subjetivos Modernos: conceito de dominium
transcrito por Joana Serafim e traduzido por no debate sobre a questão indígena no século
Ana Maria Tarrío e Marina Costa Castanho. XVI (2005). Disponível em: http://www.ies.
81. VITÓRIA, Francisco de, Relectio de Indis, ob. ufpb.br. Acessado em 21 de julho de 2013.
cit., I 3, 2-3. 86. CANÇADO TRINDADE, A. A. Tratado de
82. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS Direito Internacional dos Direitos Humanos,
HUMANOS. Condição Jurídica e Direitos dos ob. cit. v. 3, pp. 485-486.
Migrantes Indocumentados. Opinião Consultiva 87. CANÇADO TRINDADE, A.A, A Humanização
OC-18/03 de 17 de setembro de 2003. Série do Direito Internacional, ob. cit., p. 16.
A No.18. Voto Concurrente do Juiz Antônio
Augusto Cançado Trindade, pars. 12 e 35.
83. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS. Condição Jurídica e Direitos dos
285