Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Dialnet OFilosofarNaArteDeEducarEntreOCorpoEAInfancia 5013896 PDF
Dialnet OFilosofarNaArteDeEducarEntreOCorpoEAInfancia 5013896 PDF
Resumo:
Nos últimos anos se observa uma crescente instrumentalização do ensino, que
pode ser percebida na busca desenfreada dos professores por novos métodos e
técnicas de ensino, produzidos pelo mercado editorial ou instituídos pelas políticas
oficiais. Pode ser observada também na matriz curricular dos cursos de formação
de professores que, pelo menos no Brasil, privilegia o técnico em detrimento das
disciplinas relacionadas às Ciências Humanas e à Filosofia. Tentando contribuir
para a reflexão acerca dessas questões este artigo se propõe a discutir
possibilidades de conceber a educação como uma arte e compreender a poética
como uma das dimensões do ensino, contrapondo-se à tendência de cientifização
da educação e de instrumentalização do ensino observada no presente.
Particularmente, este artigo interroga o lugar ou não-lugar da filosofia e do
filosofar nessa arte da educação e nessa poética do ensino, tendo em vista a forma
como ela é concebida no e pelo pensamento filosófico contemporâneo. E, com isso,
saber quais seriam os principais problemas e temas dessa filosofia e desse filosofar,
e como poderiam ser oferecidos não apenas um conjunto de questões para refletir,
como também abrir algumas perspectivas para que os educadores possam
enfrentar os desafios dessa atividade, reconhecendo os seus limites e as suas
possibilidades atuais. Escolheu-se recobrar neste artigo, para tanto, o pensamento
dos frankfurtianos e, particularmente, o de Adorno. Mesmo que haja divergências
entre o pensamento de Adorno e o de Lyotard – a começar por não terem vivido
em um mesmo contexto histórico–, ele elucidará algumas afinidades sobre o tema
em foco, isto é, sobre as possibilidades da educação ser concebida como arte e da
constituição de uma poética no ensino, vislumbrando a postulação de ambos por
uma política da resistência por intermédio dessa atividade.
Resumen:
En los últimos años, observase una creciente instrumentalización de la enseñanza,
que puede ser percibida en la frenética búsqueda, por parte de los profesores, de
nuevos métodos y técnicas de enseñanza, producidos por la industria editorial o
establecidos por las políticas oficiales. También se puede observar que, al menos
en Brasil, la matriz curricular de los cursos de formación para profesores privilegia
el técnico en detrimento de las disciplinas relacionadas con las Ciencias Humanas
y la Filosofía. En el intento de contribuir para la reflexión sobre estas cuestiones,
este artículo tiene como objetivo discutir posibilidades de concebir la educación
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 125
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
Abstract:
In recent years, one can observe an increasing instrumentalization of education,
evident in the frantic search by teachers for new methods and techniques offered
by the publishing industry or established by government policies. It can also be
observed that, at least in Brazil, the curricular matrix of teacher training courses
privileges a technical perspective at the expense of human sciences and philosophy
disciplines. In an attempt to contribute to a reflection on these issues, this article
aims to discuss some possibilities of conceiving education as an art, and of
understanding poetics as a dimension of teaching, in opposition to the tendency
toward scientifization and instrumentalization of teaching. In particular, this article
inquires into the place--or no-place--of philosophy and philosophizing in the art of
education, and on the poetics of this kind of teaching, considering the way it is
conceived in and by contemporary philosophical thought. In this way, I hope to
identify the main problems and issues of this form of philosophy and of
philosophizing, and to offer, not only a set of questions to reflect on, but also to
suggest some perspectives through which educators might deal with the
challenges of this activity. In order to achieve this, I have revisited the thought of
the Frankfurt school--particularly that of Theodore Adorno. Although there are
divergences between the thought of Adorno and Jean-Francois Lyotard--beginning
with the fact that they did not live in the same historical context—this paper
identifies some of their affinities that are relevant to considering education as an art,
and to the constitution of a poetical education based on a policy of active resistance
to instrumentalization.
Keywords: Philosophy, Poetical Education; Adorno; Lyotard, Resistance
126 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 127
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
128 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
1Jean François Lyotard, juntamente com Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida,
foram considerados por alguns intérpretes como integrantes de um movimento intelectual,
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 129
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
130 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 131
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
experiência social.
Numa instituição, como a universidade, em que a produção e a
transmissão do saber, na atualidade, estariam definidas por regras bastante
rígidas e por cânones produzidos pelas disputas correntes (dentro e fora
dessa instituição), em torno das quais se conseguiu o consenso relativo da
comunidade de cientistas e se proibiu falar desse outro constitutivo que as
compreende, Lyotard (2000, p. 32) questiona se esse novo lance poderia
ocorrer por meio do jogo de experimentação sobre a linguagem, isto é, por
meio de uma poética, presente tanto no processo de produção quanto no de
transmissão de saberes. A sua resposta a essa pergunta é afirmativa, desde
que as universidades abrissem suas oficinas de criação e, juntamente com
outras instituições, ultrapassassem os seus limites atuais, decorrentes de
uma incidência do passado sobre o presente.
Desta perspectiva, vários campos do saber acadêmico, sobretudo os
das ciências humanas, poderiam reflexionar sobre as suas próprias
produções, sobre os objetos e os problemas que elegeram para análise,
vendo neles um processo de subjetivação e de estetização do conhecimento
similares ao da arte. Ao mesmo tempo em que vários professores,
responsáveis pela transmissão desses saberes na universidade, e não apenas
nela, poderiam vislumbrar na educação e no ensino que a caracterizam, por
tal atitude reflexionante, respectivamente, suas proximidades com a arte e
com a poética. Afinal, tanto esses processos constitutivos da produção do
conhecimento quanto o núcleo artístico da educação e do ensino poderiam
oferecer ao pensamento um outro critério, senão racional, ao menos mais
justo e mais sublime ao seu desenvolvimento, capaz de se contrapor ao
princípio de desempenho e à performatividade inscritas nessa atividade,
polemizando com o instituído e abrindo outras possibilidades de
pensamento e de criação, de pensamento da criação e de criação de
pensamento, em cada comunidade de cientistas.
132 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 133
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
134 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 135
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
136 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 137
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
138 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 139
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
seja alimentada pelo pensamento", que por sua vez assume o papel de
focalizar nela aquilo que é de outra ordem e que pode ser pensada
criticamente, evitando que a sua indeterminação concorra para a produção
da violência. O frankfurtiano procura, com isso, chegar àquilo que a
experiência por si só não alcança e, por sua vez, por intermédio dessa
experiência indecifrável, fruto da aísthesis, explicitar os limites do
pensamento.
É como se Adorno, a partir dessa reflexão, procurasse articular, pela
dialética negativa, experiência estética e pensamento filosófico, em busca de
um lugar para a arte e para a filosofia no processo de produção e
transmissão dos saberes acadêmicos na universidade, e em outras
instituições de pesquisa e de ensino, do qual foram destituídas. Nesse
sentido, compreende que à filosofia caberia promover a conceitualização
necessária à estética, elevando a experiência sensível ao conceito e ao
pensamento, deixando à vista o que o conceito não esgotaria: o medo, o
terror, os sentimentos de beleza, de prazer e as emoções sublimes suscitadas
pela relação do indivíduo com o mundo. Seriam justamente esses
sentimentos e emoções que a linguagem não consegue captar e que a arte
suscitaria, tanto em seu processo de produção quanto no de recepção,
propiciando um lugar-tempo para ocorrência dessa experiência estética em
que o pensamento se defronta com o seu derradeiro limite e, por seu
intermédio, com as possibilidades de criação de outros modos de ser, de
sentir e de agir no mundo. A articulação entre filosofia e arte se daria,
respectivamente, pelo reconhecimento dos limites do pensamento diante
dessa experiência estética e pelas possibilidades de experienciá-la, no
presente, trazendo à luz aquilo que difere do pensamento e que o faz,
constantemente, recomeçar a sua busca pelo enigma da existência, da vida e
da morte.
Mais do que restabelecer um lugar para filosofia e para a arte no
140 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 141
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
142 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 143
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
144 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 145
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
146 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 147
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
148 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 149
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
150 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 151
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
a sua morte. É por esse reconhecimento e por essa percepção que é possível
ao indivíduo vislumbrar aquilo que foi e ainda pode ser encontrando em si
mesmo – essa natureza infantil, rebelde e reativa –, ao mesmo tempo em que
evita projetá-la sobre um outro semelhante para justificar aquilo que quer
recalcar em si mesmo, mas nunca consegue fazê-lo por completo.
Se, na relação do indivíduo consigo mesmo, o corpo traz os sinais
daquilo que a consciência e o pensamento negaram até então, delineando os
primórdios de uma linguagem indecifrável sob a qual incide todo
pensamento crítico, o nascimento e a infância representam a potencialidade
do desenvolvimento deste último, caracterizada por essa busca constante de
resistir ao existente e firmar-se enquanto ser, ainda que seja pelo
reconhecimento de sua finitude, de sua não identidade e de sua
incompletude, o que implicaria também na possibilidade da construção do
novo.
Embora não busque uma consciência mínima sobre esses objetos,
produtos e produtores da auto-reflexão crítica pressuposta por Adorno, o
filósofo francês também compreende o corpo e a infância como objetos
privilegiados da filosofia e do filosofar.
Analisando a obra 1984 de Owell, Lyotard (1993, p. 111-12) aborda
duas linhas de pensar o corpo. Uma das linhas, a fenomenológica, tenta
ligar aquilo que sente com o que é sentido, enunciando o nó que envolve
essa compreensão, já que os elementos sensíveis que atingem os nossos
órgãos jamais são transferíveis para o espaço tempo e próprios às nossas
existências e experiências singulares. Mesmo que essas existências e
experiências sejam partilháveis em sua intransitividade, o ponto de escuta,
de tato, de olfato, de visão e de gosto do outro nunca seria o meu, sendo tais
singularidades o enigma ofuscante do mundo e se apresentando sempre a
ele no plural. O mesmo nó se verificaria quando em tal concepção de corpo
se procura tomar o amor como uma exceção a isso, justificando que ele
152 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 153
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
154 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
maravilha que acontece, o respeito pelo acontecimento. Afinal, diz ele: ―Não
te esqueças de que foste e és, tu próprio, isso, a maravilha acolhida, o
acontecimento respeitado, a infância misturada dos teus pais.‖ (LYOTARD,
1993, p. 116)
Isso quer dizer que, para ele, essa experiência profunda nos faria
enfrentar o que fomos e somos enquanto acontecimentos do e no mundo,
onde o corpo não seria apenas um receptor de seus sinais, de seus códigos e
de suas normas, nem o esconderijo de seus fantasmas, mas um móvel
pulsante e irrefreável que, em continuidade com a arte, poderia testemunhar
os horrores vividos e partilhar uma sensibilidade comum, como aquela
experimentada na infância, graças ao amor e à proteção de nossos pais.
Vislumbrando nessa experiência vivida na infância o começo de
tudo, e refutando todo e qualquer princípio como superior ou transcendente
à vida, Lyotard parece valorizá-la como um acontecimento em que esse
móvel pulsional se encontra em menor estado de circunscrição ou de
refreamento pelo mundo, em plena potência, pronto para se converter em
ato, graças a um aconchego originário, a um respeito aos sentimentos que
compartilha com e que são compartilhados pelos seus pais. A infância
parece ser o começo do balbuciar uma linguagem que ainda não é a dos
adultos, mas que envolve uma relação com eles e com o mundo, numa
mistura em que a escritura é forjada, em continuidade com o corpo psíquico,
e onde a arte do viver torna imprescindível o compartilhamento de uma
sensibilidade comum aos amantes. O encontro com a infância pode
significar, desse modo, a busca desse início e da origem de si mesmo
enquanto acontecimento no mundo, desenvolvida pelo pensamento,
tentando encontrar aí aquilo que não consegue expressar racionalmente e
que lhe é constitutivo, reconhecendo por esse meio a sua incompletude, a
sua falha e a sua carência.
Mesmo que o corpo e a infância fossem objetos de subjugação e de
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 155
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
156 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 157
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
158 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 159
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
desse mesmo presente, a sua morte, em grande medida acentuada pelo fato
de o presente vivo estar sempre ausente e de o que chega à vida, o instante
do acontecimento, estar já condenado a não chegar a lugar algum: ao nada.
Isso porque, desde Platão, a melancolia se reencontra com todo pensamento
quando este se depara com o seu fracasso, que é a passividade, a
temporalidade e a modalidade. Esta teria sido uma forma do pensamento
não trair a presença, relutar a todo ente e manter-se em melancolia.
Contudo, a melancolia omite a relação da alma com o não ser, com o enigma
da aparição e com o acontecimento. Há o ser de entes, de instantes e de
objetos. A melancolia os omite, e é justamente essa recusa que interessa, já
que há algo, ainda que seja indecifrável, o que seria melhor que o nada. E
interessa porque, dessa forma, poder-se-ia refutar antes o niilismo que a
própria melancolia.
O resultado disso não seria nenhum cinismo, o que seria incorrer no
equívoco do niilismo do qual é tributário e persevera por meio do ativismo,
na melancolia que nada vale. Também não significaria nenhum ludismo
nem uma metafísica do artista. Ao contrário, o seu resultado é, segundo
Lyotard (1997, p. 69):
160 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 161
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
162 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
incompletude, da insatisfação que ela gera e que nos faz buscar a criação do
novo. Isto implicaria no compartilhamento de um desejo de sabedoria
comum e no reconhecimento de uma menoridade intelectual que, ao invés
de gerar imobilização, levaria a uma atitude de resistência ao existente e de
ruptura com ele, por meio da criação de outros modos de pensar e de agir
sobre e no mundo.
Considerações Finais
Lyotard parece abrir uma outra perspectiva para a filosofia e para o
filosofar sobre a e na arte de educar, num contexto que demanda não apenas
trazer à baila a recordação do holocausto, nos termos propostos por Adorno,
como também sair do estado imobilizante ou mesmo da repetição do
mesmo provocada pela presença do passado no existente. Além disso,
parece oferecer a essa arte elementos para uma melhor compreensão de sua
estética, nos termos antes assinalados a partir de Adorno, e para o
desenvolvimento de uma poética no ensino. Contudo, o filosofar na arte de
educar, tanto para um quanto para o outro, acabam por propor uma
experiência educativa não determinada, que dependem da disposição dos
agentes envolvidos numa relação de troca entre educador e educando e que
não se resume à transmissão do saber de um para o outro. Ao contrário, essa
relação para ser efetiva pressupõe um vínculo, afetos, entre os agentes, que
implicam em uma dimensão estética dessa experiência educativa ou, melhor
seria, auto-educativa, onde não se aprende do outro, mas com o outro.
Mesmo quando supõem a indeterminação e a impossibilidade dessa afecção
em virtude da imersão desses agentes nas formas de vida social e nas redes
de comunicação existentes, esses filósofos contemporâneos consideram
necessário pensar sobre a aísthesis que compreende a experiência no e com o
mundo e que também está presente na arte de educar, e de ser educado. Por
intermédio desse pensamento, eles buscam comunicar o diferenciado, o não
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 163
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
164 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987
pedro angelo pagni
no seu curso. Do mesmo modo que aquilo que o corpo abriga e vive deveria
ser objeto do toque da comunicação do diferenciado – trazendo à luz àquilo
que o passado faz repercutir no presente em virtude da não elaboração – no
presente, para eles, a infância poderia significar a possibilidade de um outro
recomeço para o pensamento, que se contraporia à racionalidade em que se
pautou até então, à identidade que almejou em relação ao mundo e ao
totalitarismo que resultou no presente. Apontado para o outro que denegou,
para aquilo que se diferencia dele e que não pode abarcar, na experiência da
e com a infância eles buscam o confronto do pensamento com a sua finitude,
com a sua incompletude e, consequentemente, o redefinem como o processo
de constante recomeçar, que segue trilhas abandonadas ou que cria novos
caminhos para o e no mundo.
As possibilidades do filosofar na arte de educar ficariam, assim,
compreendidas em torno de sua dimensão estética e auto-reflexiva da
experiência educativa: entre aquilo que é sentido pelo corpo e a experiência
da infância com o pensamento. Diante de tais considerações esboçadas a
partir dos paralelos entre Adorno e Lyotard, esperamos que este artigo
auxilie os educadores a pensarem nessa dimensão estética de sua atividade,
nos problemas e nos temas que a perpassam, compreendendo-a como uma
arte e percebendo a necessidade de uma poética no ensino. E esperamos
também que por intermédio dessas reflexões outras formas de filosofar na
arte de educar possam ser criadas, distinguindo-se das formas habituais de
pensar e instrumentais de agir, implicando numa perspectiva de resistência
ao instrumentalismo no ensino, à ausência de trabalho reflexivo por parte
dos educadores e ao conformismo existente.
childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987 165
o filosofar na arte de educar entre o corpo e a infância:
considerações a partir de adorno e lyotard
Bibliografia
ADORNO, T.W. Educação e Emancipação. (Tradução de Wolfgang Leo
Maar) São Paulo: Paz & Terra, 1995.
__________.Minima moralia: reflexões a partir da vida danificada.
(Tradução de Luiz Eduardo Bicca) São Paulo: Editora Ática, 1992.
__________. Para qué aún ka filosofia? In: ____. Intervenciones.
(Versão castelhana de Roberto J. Vernengo) Caracas: Monte Ávila, 1969, p.
09-24.
__________. Teoria Estética.(Tradução de Artur Morão) Lisboa/São
Paulo: Edições 70/Martins Fontes, 1982.
__________. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento.
(Tradução de Guido Antônio de Almeida) 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1986.
HONNETH, A. Foucault and Adorno: Two forms of the critique of
Modernity. In: ____. The fragmented world of the social: essays in social and
political philosophy. New York: State University of New York, 1996, p. 121-
134.
LYOTARD, J.F. A condição Pós-moderna. (Tradução de Ricardo Corrêa
Barbosa) 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2000.
__________. Lecturas de infancia. Buenos Aires: Editora Universitária
de Buenos Aires, 1997.
__________. O Pós-moderno explicado às crianças: correspondência 1982-
1985. (Tradução de Tereza Coelho) 2.ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
1993.
___________. O saber já não é um meio de emancipação. Os Filósofos e
a educação. s.d., p. 49-53.
PETERS, M. Pós-estruturalismo: uma introdução. (Tradução de
Thomaz Tadeu da Silva) Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
166 childhood & philosophy, rio de janeiro, v.1, n.1, jan./jun. 2005 issn 1984-5987