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LI COES
HERTZBERGER
DÉ ARQUITETURA
Traducão
CARLÓS EDUARDO LIMA MACHADO
·'-
Martins Fontes
São Paulo I 999
C U I OE B E M DESTE LIVRO
ELE SERÁ. !)TI! \H.!TR~~~.ZES
A capacidade para descobrir uma solução
PREFÁCIO fundamentalmente diferente para um problema, i.e., para
criar "um mecanismo" diferente, depende da riqueza de
nossa experiência, assim como o potencial expressivo de
linguagem de uma pessoa não pode transcender o que é
exprimível em seu vocabulário. Éimpossível dar receitas de
"Les choses ne sont pas difficiles à faire, ce qui est difficile, como pro;etar, como todo o mundo sabe. Não tentei fazer
c'est de nous mettre en état deles faire." isto, e a questão de saber se, de algum modo, é possível
(Brancusi) aprender a fazer um pro;eto não é tratada aqui.
O ob;etivo de minhas "lições" sempre foi estimular os
Éinevitável que a obra que construímos como arquitetos estudantes, despertar neles uma mentalidade arquitetônica
sirva de ponto de partida para o nosso ensino, e que pudesse capacitá-los a fazer seu próprio trabalho; meu
obviamente o melhor caminho para explicar o que se tem a ob;etivo neste livro continua o mesmo.
dizer é fazê-lo com base na experiência prática: este é, na
verdade, o fio condutor deste livro. Em vez de apresentar Herman Hertzberger
separadamente cada obra individual e explicar em seguida
todos os seus aspectos característicos, os diversos
componentes textuais foram organizados de tal modo que,
como um todo, oferecem algo semelhante a uma teoria; é a
maneira como os elementos são organizados que
transforma a prática em teoria.
1 Público e Privado 12
2 Demarcações Territoriais 14
3 Diferenciação Territorial 20
4 Zoneamento Territorial 22
5 De Usuário a Morador 28
6 O "Intervalo" 32
9 A Rua 48
9 Incentivos 164
10 llÇÕES DE ARQUITETURA
1 Público e Privado 72 9 A Rua 48
Moradias Haarlemmer Houttuinen, Amsterdam
2 Demarcações Territoriais 74 Conjunto Habitacional Spangen, Rotterdam /
Ruas e Residências, Bali M. Brinkman
Edifícios Públicos Alojamento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam
Aldeia de Morbisch, Áustria Princípios de Assentamento
Biblioteca Nacional, Paris / H. Labrouste Royal Crescents, Bath, Inglaterra / J. Wood, J. Nash
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn Romerstadt, Frankfurt, Alemanha / E. May
Het Gein, Moradias, Amersfoort
3 Diferenciação Territorial 20 Acesso aos Apartamentos
Familistere, Guise, França
4 Zoneamento Territorial 22 De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn Escola Montessori, Delft
Faculdade de Arquitetura do MIT, Cambridge, USA Kasbah, Hengelo / P. Blom
Escola Montessori, Delft
Centro Musical Vredenburg, Utrecht 1O O Domínio Público 64
Palais Royal, Paris
5 De Usuário a Morador 28 Praça Pública, Vence, França
Escola Montessori, Delft Rockefeller Plaza, Nova York
Escolas Apollo, Amsterdam Piazza dei Campo, Siena, Itália
Plaza Mayor, Chinchón, Espanha
6 O "Intervalo" 32 Fonte Dionne, Tonnerre, França
Escola Montessori, Delft
De Overloop, Lar para Idosos, Almere 11 O Espaço Público como Ambiente Construído 68
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam Vichy, França
Residências Documenta Urbana, Kassel, Alemanha Les Halles, Paris / V. Baltard
Cité Napoléon, Paris / M. H. Veugny Centros Comunitários / F. van Klingeren
Torre Eiffel, Paris / G. Eiffel
7 Demarcações Privadàs no Espaço Público 40 Pavilhões de Exposição
De Drie Hoven, Lar para idosos, Amsterdam Lojas de Departamentos, Paris
Residências Diagoon, Delft · Estações Ferroviárias
Moradias LiMa, Berlim Estações Ferroviárias Subterrâneas
·DOMÍNIO PÚBLICO li
"Se, porém, o individualismo compreende apenas parte da Os conceitos de "público" e "privado" podem ser
humanidade, o coletivismo só compreende a humanidade vistos e compreendidos em termos relativos como uma
como parte; nenhum deles apreende o todo da série de qualidades espaciais que, diferindo
humanidade, a humanidade como um todo. gradualmente, referem-se ao acesso, à
O individualismo vê a humanidade apenas na relação responsabilidade, à relação entre a propriedade
consigo mesmo, mas o coletivismo não vê o homem de privada e a supervisão de unidades espaciais
maneira nenhuma, vê apenas a 'sociedade'. Ambas as específicas.
visões de mundo são produtos ou expressões da mesma
condição humana.
Esta condição caracteriza-se pela confluência de um
desamparo cósmico e social, de uma angústia diante do
mundo e da vida, por um estado existencial de solidão, que
provavelmente nunca se manifestaram antes nesse nível.
Na tentativa de fugir do desespero trazido pelo isolamento,
o homem, como escapatória, procura glorificá-lo.
O individualismo moderno possui um fundamento
imaginário. Neste aspecto, ele fracassa, pois a imaginação
é incapaz de lidar factualmente com uma situação dada.
O coletivismo moderno é a última barreira que o homem
construiu para evitar o encontro consigo mesmo [ ...]; no
coletivismo, com a renúncia à imediaticidade da decisão e
da responsabilidade pessoal, ela se rende. Em ambos os
casos é incapaz de efetuar uma abertura para o outro: só
entre pessoas reais pode haver uma relação real.
Não há alternativa, neste caso, a não ser a rebelião do
indivíduo em favor da libertação do relacionamento. Vejo
surgir no horizonte, com a lentidão de todos os processos
da história humana, um grande descontentamento.
As pessoas não mais se levantarão como fizeram no
passado contra certa tendência predominante e a favor de
uma tendência diferente, mas contra a falsa realização de
um grande anseio, o anseio pelo comunitário, em nome da
verdadeira realização.
As pessoas lutarão contra a distorção e pela pureza.
O primeiro passo deve ser a destruição de uma falsa
escolha, a escolha: 'individualismo ou coletivismo'." .
DOMÍNIO PÚB ll CO 13
2 DEMARCACÕES I
TERRITORIAIS
Uma área aberta, um quarto ou um espaço podem ser
concebidos como um lugar mais ou menos privado ou
como uma área pública, dependendo do grau de
acesso, da forma de supervisão, de quem o utiliza, de
quem toma conta dele e de suas respectivas
responsabilidades.
O seu quarto, por exemplo, é um espaço privado em
comparação com a sala de estar e a cozinha da casa
em que mora. Você tem a chave do seu quarto, do
qual você mesmo cuida. O cuidado e a manutenção da
sala de estar e da cozinha são basicamente uma
responsabilidade compartilhada por todos os que
moram na casa, que têm a chave da porta de entrada.
Numa escola, cada sala de aula é privada em
comparação com o ha/1 comunitário. Este ha/1, por sua
vez, é, como a escola em sua totalidade, privado em
comparação com a rua.
DOMÍNIO PÚBLICO
GAlPÕES
ALDEIA DE MôRBISCH, ÁUSTRIA (6·8) públicos e até mesmo no meio-fio das estradas de
As ruas na aldeia austríaca de Mõrbisch, perto da fronteira macadame, onde permanece intocado pelos veículos e
húngara (publicado em Forum 9-1959), têm portões largos, pelos pedestres, pois todos estão conscientes da
como os que dão acesso a fazendas - mas aqui dão acesso importância da contribuição de cada membro da
a ruas laterais ao longo das quais se situam residências, comunidade para a colheita de arroz. (9)
estábulos, celeiros e hortas. Um outro exemplo de mistura do público com o privado é a
roupa pendurada para secar nas ruas estreitas de cidades
Estes exemplos mostram como são inadequados os do sul da Europa: uma expressão coletiva de simpatia pela
termos público e privado, enquanto as áreas lavagem de roupa de cada família, que fica pendurada
chamadas semiprivadas ou semipúblicas, que muitas numa rede de cabos que atravessa a rua de uma casa a
vezes estão espremidas na zona intermediária, são outra.
equívocas demais para acomodar as sutilezas que
dE1vE1m ser levadas em conta ao projetar cada espaço
7 ª
e cada área.
• Onde quer que indivíduos ou grupos tenham a
10 oportunidade de usar partes do espaço público para
seus próprios interesses, e apenas indiretamente no
interesse dos outros, o caráter público do espaço é
temporária ou permanentemente colocado em questão
por meio do uso. Exemplos desse tipo podem ser
encontrados em qualquer parte do mundo.
3 GAVETAS PEQUENAS
SUPEAFietE OE TA.'.BALHO
ESPAÇO PAAAABOLSA
13
12 14
DOMÍN IO PÚBllCO 17
15 16
17 18
19
18 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Quando, ao projetar cada espaço e segmento, temos
consciência do grau de relevância da demarcação
territorial e das formas concomitantes das j
possibilidades de "acesso" aos espaços vizinhos,
podemos expressar essas diferenças pela articulação
de forma, material, luz e cor, e introduzir certo
ordenamento no projeto como um todo. Isto, por sua
vez, pode aumentar a consciência dos moradores e
visitantes quanto à composição do edifício, formado
por ambientes diferentes no que diz respeito ao
acesso. O grau de acesso de espaços e lugares fornece
padrões para o projeto. A escolha de motivos .
arquitetônicos, sua articulação, forma e material são
\ determinados, em parte, pelo grau de acesso exigido
' por um espaço.
DOMÍNIO PÚBllCO 19
3 DIFERENCIACAO
'
TERRITORIAL
20
21 22 23
24
20 llÇÕES DE ARQUITETURA
Hotel Solvay, Bruxelas, 1896/V. Horta
{ver também página 84)
25 26
27 28
29
DOMÍNIO PÚBLICO 21
O caráter de cada área dependerá em grande parte
4 ZONEAMENTO de quem determina o guarnecimento e o ordenamento
do espaço, de quem está encarregado, de quem zela e
TERRITORIAL de quem é ou se sente responsável por ele.
30
24 l l ÇÕE S DE ARQUITETURA
essa providência foi tomada, a situação tornou-se
permanente, e o ambiente, se é que ainda existe, pode ser
visto como um monumento ao entusiasmo de um grupo de
estudantes de arquitetura. Mas não devemos nos
surpreender se tudo já não foi eliminado (ou venha a sê-lo)
- a burocracia da administração centralizadora voltou a
assumir o controle.
DOMÍN IO PÚ Sl I CO 25
domínio, dando-lhe um toque pessoal. Estes balcões de café
já foram removidos, e bancos e máquinas de café foram
instalados em seu lugar. Todo o edifício está passando por
uma renovação e uma limpeza, e durante este processo um
grande número de ajustes será feito para atender aos
requisitos de um local de trabalho contemporâneo.
26 llÇÕES DE ARQUITETURA
O mesmo não pode ser dito, por exemplo, dos vagões de 41
refeição das ferrovias holandesas: os garçons 42
constantemente trocam de trem. Seu único compromisso 43
consiste em deixar o vagão limpo e asseado para o turno
seguinte. Imagine como as coisas seriam diferentes se o
mesmo garçom trabalhasse sempre no mesmo trem. Embora
o vagão-restaurante tenha desaparecido - dos trens
holandeses pelo menos -, uma nova forma de serviço
surgiu nas viagens aéreas. Mas as refeições servidas nos
aviões são mais uma imposição ao passageiro do que um
serviço; são servidas em horas que convêm mais à
companhia do que ao passageiro (além de serem muito
caras, pois estão incluídas no preço já bastante alto da Do Lufthansa
passagem). Bordbuch, 6/88
28 LIÇÕES DE ARQUITETURA
45
30 LIÇÕES DE ARQUITETURA
ESCOLAS APOLLO (48-50)
Se o espaço entre as salas de aula foi usado para criar
áreas semelhantes a alpendres, como na escola Montessori
de Amsterdam, essas áreas podem servir como lugares de
trabalho adequados onde se pode estudar sozinho, i.e.,
sem estar na sala de aula mas também sem ficar isolado
desta. Esses lugares consistem numa superfície de trabalho
com iluminação própria e num banco encostado a uma
parede baixa. Para regular o contato entre a sala de aula e
o ha/1 da maneira mais sutil possível, foram instaladas
meias-portas, cuja ambigüidade pode gerar o grau
adequado de abertura para o ha/1 e, ao mesmo tempo,
oferecer o isolamento necessário a cada situação.
Aqui encontramos mais uma vez (como na escola de Delft)
o mostruário de vidro contendo o museu-miniatura e a
exposição da sala de aula .
48 49
50
DOMÍNIO PÚBllCO 31
O valor deste conceito é mais explícito na soleira par
6 O"INTERVALO" exce//ence, a entrada de uma casa. Estamos lidando
aqui com o encontro e a reconciliação entre a rua, de
o
um lado, e domínio privado, de outro.
32 llÇÕES DE ARQUITETURA
52 54
53 55
56
DOMÍNIO PÚBLICO 33
RESIDÊNCIAS DOCUMENTA URBANA (61 -70)
O edifício em forma de meandro, denominado "serpente",
é composto de segmentos, cada um deles projetado por
arquitetos diferentes. As escadas comunitárias foram
colocadas numa situação de ampla luminosidade, bem
maior que a do espaço residual costumeiro, em geral de
pouca luminosidade.
Numa residência para várias famílias, a ênfase não deve
recair exclusivamente sobre medidas arquitetônicas
destinadas a prevenir o barulho excessivo e a
inconveniência dos vizinhos; uma atenção especial deve ser
dada em particular à disposição espacial, que pode
conduzir aos contatos sociais esperados entre os vários
ocupantes de um mesmo edifício. Por conseguinte,
atribuímos às escadas mais importância do que de costume.
As escadas comunitárias não devem ser apenas uma fonte
de aborrecimento no que diz respeito ao acúmulo de
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (60) sujeira e à limpeza - devem servir também, por exemplo,
Em situações nas quais possa ser necessário um contato como um playground para as crianças de famílias vizinhas.
entre o interior e o exterior - num lar para idosos, por Por este motivo, foram projetadas com o máximo de luz e
exemplo, alguns dos moradores passam boa parte de seu abertura, como ruas com telhado de vidro, e podem ser
empo na solidão de seus próprios quartos por causa da avistadas das cozinhas. Os alpendres de entrada abertos,
mobilidade reduzida, esperando que alguém vá visitá-los, com duas portas, uma após a outra, expõem ao território
enquanto outros moradores que ficam do lado de fora comunitário um pouco mais de seus moradores do que as
ambém gostariam de algum contato-, em tais situações, portas fechadas tradicionais. 60
uma boa idéia é instalar portas com duas seções, de Embora, naturalmente, tenha-se tomado cuidado para
maneira que a parte de cima possa ser mantida aberta e a _ assegurar a privacidade adequada nos terraços, as famílias 61
parte de baixo fechada . Essas "meia-portas" constituem um vizinhas não estão de todo isoladas umas das outras.
claro gesto de convite: a porta está aberta e fechada ao Procuramos projetar os espaços exteriores de tal modo que
mesmo tempo, i.e., suficientemente fechada para evitar que a vedação necessária roube o mínimo possível das
os intenções dos que estão lá dentro fiquem
demasiadamente explícitas, mas aberta o bastante para
facilitar a conversa casual com quem está passando, o que
pode levar a um contato mais íntimo.
DOMÍNIO PÚ BLICO 35
62 63
64 65
66 67
38 LIÇÕ ES DE ARQUITETURA
CiTÉ NAPOLÉON, PARIS, 1849 / M. H. VEUGNY (71-74)
A Cité Napoléon, em Paris, foi uma das primeiras
tentativas, e certamente a mais notável, de solução razoável
para o problema da distância entre a rua e a porta da
frente num prédio residencial de muitos andares. Este
espaço interior, com suas escadas e passarelas, evoca as
71 72
edificações de vários andares de uma aldeia nas
73
montanhas. Uma razoável quantidade de luz alcança os
74
andares mais altos através do telhado de vidro.
Os moradores dos andares de cima abrem suas janelas
para este espaço interior, e a presença de vasos de plantas
mostra, pelo menos, que as pessoas dão valor a esse
detalhe. Embora não tenha sido possível - em que pesem as
boas intenções dos construtores - transformar esse espaço
interior (fechado como é em relação à rua lá fora) numa
rua interna verdadeiramente funcional segundo nossos
padrões, não há dúvida de que este exemplo se destaca de
maneira brilhante, sobretudo quando se pensa em todas
aquelas sombrias escadarias construídas desde 1849.
O 5 10
íLflJ
39
BIBLIOTECA UNI-BH DOMÍN IO PÚBLICO
;2{,lt ~u
7 DEMARCACÕES
, PRIVADAS
NO ESPACO
, PÚBLICO
O conceito de intervalo é a chave para eliminar a
divisão rígida entre áreas com diferentes demarcações
territoriais. A questão está, portanto, em criar espaços
intermediários que, embora do ponto de vista
administrativo possam pertencer quer ao domínio
público quer ao privado, sejam igualmente acessíveis
para ambos os lados, isto é, quando é inteiramente
aceitável, para ambos os lados, que o "outro" também
possa usá-lo.
40 LIÇÕ ES DE ARQUITETURA
Usando pedaços de tapete, os moradores se apropriam do
pequeno espaço assim criado e o equipam, estendendo desta
maneira os limites de sua casa além da porta da frente.
DOMÍNIO PÚBLICO 41
84 MOR/IDIAS LIMA (84-89) Construir nesta ilha triangular implica manter a igreja à
O conjunto de moradias LiMa está localizado na ponta de parte como uma estrutura destacada e autônoma. O pátio é
85 86 uma área triangular, cuja esquina é ocupada por uma bastante diferente do tradicional e muitas vezes deprimente
igreja. Os volumes desta igreja não se relacionam pátio berlinense, e sua concepção é a de um espaço
claramente com o alinhamento arquitetônico geral. público com seis caminhos de acesso para os pedestres,
incluindo conexões com a rua e com o pátio vizinho. Estes
caminhos para pedestres constituem parte das escadarias
comunitárias. No centro do pátio há um amplo tanque de
areia dividido em segmentos, cujas laterais foram
decoradas com mosaicos pelas próprias famílias dos
moradores.
42 ll ÇÕ ES DE ARQUITET URA
Nenhum arquiteto hoje seria capaz de dedicar tanta 87 88
atenção a um tanque de areia, nem isto seria necessário, 89
porque é algo que pode ser deixado para os próprios
moradores. É difícil imaginar uma maneira melhor de
responder ao incentivo oferecido. Mas ainda mais
importante é o fato de que o tanque de areia se tornou
algo que pertencia a eles e um objeto de seus cuidados: se
um fragmento do mosaico cai ou revela ser pontudo
demais, por exemplo, algo será feito sem que haja
necessidade de reuniões especiais, cartas oficiais ou
processos contra o arquiteto.
DOMÍNIO PÚBllCO 43
8 CONCEITO DE
OBRA PÚBLICA
Proieto residencial Familistere, Guise, França
Coniunto residencial
Biilmermeer,
Amsterdam
90 91
92
Fotomontagem
44 LIÇÕES DE ARQUITETURA
95 DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS 195) esperar que o setor de Obras Públicas vá cuidar de animais
O espaço cercado contendo animais, que deve sua por toda a cidade. Para isso, seria necessário um novo
existência à iniciativa de um membro da equipe do "De departamento com funcionários especializados, para não
Drie Hoven", desenvolveu-se até tornar-se um zoológico em falar dos milhares de avisos dizendo "Não dê comida aos
miniatura, com um faisão, um pavão, galinhas, cabras, animais".
uma porção de patos num lago cheio de peixes. Para os A distribuição dos espaços e os animais no "De Drie
idosos que moram no Lar, os animais compõem uma vista Hoven" constituem um fator de indução natural para o
agradável e interessante, e os quartos com vista para a contato social entre os seus idosos moradores e a
menagerie são os mais procurados. população local - dois grupos com limitações diferentes.
Abrigos de fabricação caseira para os animais passarem a Os moradores do Lar são forçados pelas circunstâncias a
noite foram providenciados por entusiastas, mas, logo que ser estranhos na cidade, mas graças a "seu" jardim podem
esse esquema popular virou um sucesso e a expansão se oferecer alguma compensação para os outros - os quais,
tornou necessária, o Departamento de Inspeção de por sua vez, são estranhos na área do "De Drie Hoven".
Moradias decidiu que as coisas não podiam mais continuar
assim; estipularam então que era preciso submeter à Estes exemplos servem para ilustrar como as melhores
aprovação de autoridades e comissões competentes uma intenções podem levar à desilusão e à indiferença.
planta de construção elaborada por profissionais. As coisas começam a dar errado quando as escalas se
Para a população local, a menagerie representa um convite tornam grandes demais, quando a conservação e a
ao envolvimento nos cuidados com os animais ou administração de uma área comunitária não podem
simplesmente um passeio para ver como eles estão. Quando mais ser entregues àqueles que estão diretamente
é que as crianças da cidade vêem animais? Os únicos que envolvidos e se torna necessária uma organização
a maioria delas vê em seu ambiente são animais domésticos especial, com sua equipe especializada, com interesses
de estimação, cachorros presos em coleiras, já que parece e preocupações próprios quanto à sua continuidade e,
impossível organizar formas de posse coletiva de animais possivelmente, à sua expansão. Quando se atinge o
com divisão de responsabilidades pela sua manutenção. ponto em que a principal preocupação de uma
Uma idéia dessa natureza nem sequer é sugerida - os organização é assegurar a continuidade de sua
moradores locais, afinal, normalmente não exercem existência - independente dos objetivos para as quais
nenhuma influência na maneira como seus espaços foi criada, ou seja, fazer pelos outros o que não se
comunitários são organizados e usados. Mas não podemos pode esperar que eles mesmos façam-, neste
46 LIÇÕES DE ARQUITETURA
momento a burocracia assume o controle. As regras quantificável, de modo que permitisse um controle total
tornam-se uma camisa-de-força de regulamentos. e criasse as condições para que o sistema repressivo
O sentido de responsabilidade pessoal perde-se numa da ordem nos torne locatários em vez de
burocracia sufocante de responsabilidades para com co-proprietários, subordinados em vez de participantes.
superiores. Embora não exista nada de errado com as Assim, o próprio sistema cria a alienação e, embora
intenções do elo individual nesta interminável cadeia afirme representar o povo, na verdade impede o
de interdependências, elas se tornam virtualmente desenvolvimento de condições que poderiam resultar
irrelevantes porque estão demasiado afastadas num ambiente mais hospitaleiro.
daqueles em cujo benefício todo o sistema foi
inventado. A razão pela qual os habitantes da cidade • O arquiteto pode contribuir para criar um ambiente
se tornam estranhos em seu próprio ambiente de vida que ofereça muito mais oportunidades para que as ~
é porque o potencial da iniciativa coletiva foi pessoas deixem suas marcas e identificações pessoais,
grosseiramente superestimado ou porque a que possa ser apropriado e anexado por todos como
participação e o envolvimento foram subestimados. um lugar que realmente lhes "pertença". O mundo que
Os moradores de uma casa não estão de fato é controlado e administrado por todos e para todos
preocupados com o espaço fora de seus lares, mas terá de ser construído com entidades pequenas e
também não podem ignorá-lo. Esta oposição conduz à funcionais, não maiores do que as capacidades de
alienação diante de seu ambiente e - na medida em cada um para mantê-las. Cada componente espacial
que suas relações com os outros são influenciadas por será usado mais intensamente (o que valoriza o
ele - conduz também à alienação diante dos espaço), ao mesmo tempo em que se espera que os
moradores vizinhos. usuários demonstrem suas intenções. Mais
O crescimento do nível de controle imposto de cima emancipação gera mais motivação, e deste modo
para baixo está tornando o mundo à ~ossa volta cada pode-se liberar a energia represada pelo sistema de
vez mais inexorável: e isso abre caminho para a decisões centralizadas. Isto constitui um apelo em
agressividade que, por sua vez, conduz a um favor da descentralização das responsabilidades, de 96
enrijecimento ainda maior da teia de regulamentos. sua restituição onde for possível, e em favor da
O resultado é um círculo vicioso, a falta de delegação de responsabilidade a quem de direito -
comprometimento e o medo exagerado do caos para que possam ser tomadas medidas eficazes, para
alimentando-se mutuamente. resolver os problemas da inevitável alienação diante
A incrível destruição da propriedade pública, do "deserto urbano".
destruição que está aumentando nas principais cidades
do mundo, pode ser provavelmente imputada à
alienação diante do ambiente de vida. O fato de que
os abrigos de transporte público e os telefones
públicos venham sendo, semana após semana,
completamente destruídos é na verdade uma
alarmante acusação à nossa sociedade como um todo.
Quase tão alarmante, no entanto, é que essa tendência
- e sua escala - é enfrentada como se fosse um mero
problema de organização: por meio do expediente de
reparos periódicos, como se tudo não passasse de uma
questão rotineira de manutenção, e da aplicação de
reforços-extras ("à prova de vândalos"). Desta
maneira, a situação parece estar sendo aceita como
"apenas mais uma dessas coisas". Todo o sistema
repressivo da ordem estabelecida é gerado para evitar
conflitos, para proteger os membros individuais da
comunidade das incursões de outros membros da
mesma comunidade, sem o envolvimento direto dos
indivíduos em questão. Isso explica por que há um
medo profundo da desordem, do caos e do
inesperado, e por que os regulamentos impessoais,
"objetivos", são sempre preferidos ao envolvimento
pessoal. É como se tudo devesse ser regulamentado e
DOMÍNIO PÚBllCO 47
Para além de nossa porta ou do portão do jardim,
9 A RUA começa um mundo com o qual pouco temos a ver, um
mundo sobre o qual praticamente não conseguimos
exercer influência. Há um sentimento crescente de que
o mundo para além de nossa porta é um mundo hostil,
de vandalismo e agressão, onde nos sentimos
Amsterdam, bairro ameaçados, nunca em casa. No entanto, tomar esse
operário, a vida nas
ruas: bem diferente de sentimento generalizado como ponto de partida para o
hoje, mas lembre-se planejamento urbano seria fatal.
de como as moradias Certamente seria bem melhor voltar ao conceito otimista
eram apertadas e
e utópico da "rua reconquistada", que podíamos ver tão
inadequadas naquele
tempo claramente diante de nós há menos de duas décadas.
Nesta visão, inspirada pelo prazer existencialista diante
da vida no pós-guerra (especialmente o Provo, no caso
da Holanda), ~ de novo concebida como o que
deve ter sido originalmente, ou seja, um lugar onde o
fOntato social entre os moradores ode ser estabel~~
como uma sala de estar comunitária. E o conceito de
que as relações sociais podem até ser estimuladas pela
aplicação eficiente de recursos arquitetônicos pode ser
encontrado em Team X e especialmente em Forum,
onde, como um tema central, esta questão era
repetidamente levantada.
A desvalorização desse conceito de rua pode ser
atribuído aos seguintes fatores:
97
98
48 l I ÇÕES DE ARQUITETURA
• o aumento do tráfego motorizado e a prioridade que permite que o coletivismo assuma proporções além da
recebe; nossa compreensão.
• a organização sem critérios de áreas de acesso às Devemos tentar lidar com esses fatores - ainda que o
Je moradias, em particular as portas da frente, por causa arquiteto seja incapaz de fazer mais do que exercer
til, de vias indiretas e impessoais de acesso, tais como uma influência incidental nos aspectos fundamentais _)!:'...
galerias, elevadores, passagens cobertas (os de mudança social mencionados acima - criando
inevitáveis subprodutos de construções muito altas) que condições para uma área mais viável de rua onde quer
diminuem o contato com o nível da rua;
'o que seja possível. O que significa que isto deve ser
• a anulação da rua como espaço comunitário por feito no âmbito da organização espacial, isto é, por
causa do assentamento dos blocos; meios arquitetônicos.
• densidades reduzidas de moradias, enquanto o
número de moradores por unidade também diminui • Situações em que a rua serve como uma extensão
e acentuadamente. Assim, a queda da densidade comunitária das moradias são familiares a todos nós.
populacional vem acompanhada por um acréscimo no Dependendo do clima, as partes ensolaradas ou as
espaço de habitações por moradores e na largura das partes com sombra são as mais populares, mas o
ruas. A conseqüência inevitável é que as ruas de hoje tráfego motorizado está sempre ausente ou pelo menos
o: estão bem mais vazias do que as do passado; além longe o bastante para não impedir que os moradores
disso, a melhoria no tamanho e na qualidade das vejam uns aos outros e possam ser ouvidos.
moradias significa que as pessoas passam mais tempo As ruas de convivência, que não servem mais
dentro de casa e menos na rua; exclusivamente como via de tráfego e que estão
• quanto melhores as condições econômicas das organizadas de tal modo que há também espaço para
pessoas, menos ela necessitam dos vizinhos, e tendem as crianças brincarem, estão se tornando uma
a fazer menos coisas juntas. presença cada vez mais familiar tanto nos novos
A prosperidade crescente parece, por um lado, ter conjuntos habitacionais quanto nos projetos de
estimulado o individualismo, enquanto, por outro lado, renovação - pelo menos na Holanda. Os interesses do
99
Moradias Spangen.
Rotterdam, 1919 /
M. Brinkman. Rua de
convivência, sem
trânsito. Procurando
um lugar ao sol
DO MÍNI O PÚBLICO 49
pedestre estão sendo finalmente levados em
consideração, e com a instituição da woonerf (área
residencial com severas restrições ao tráfego e
prioridade total para os pedestres) com base jurídica,
.nl:~1tfra-unqu15l'bnal:r smnLgar ou, pe1b menos, não
é mais tratado como um fora-da-lei. No entanto, ainda
que os motoristas sejam obrigados a se comportar de
modo mais disciplinado, seus veículos ainda constituem
um embaraço, pois são tão grandes e, em especial, tão
numerosos, que ocupam cada vez mais o espaço
público.
50 llÇÕES DE ARQUITETURA
melhores se fossem maiores. Como oferecem bem menos
privacidade do que as sacadas, podemos nos perguntar se
os moradores do andar térreo não ficam em desvantagem,
mas, por outro lado, o contato imediato com os transeuntes
e com as atividades gerais da rua parece ser atraente para
muitas pessoas, especialmente quando a rua readquire algo
de sua antiga qualidade comunitária. Foram deixadas
faixas em aberto ao lado dos espaços privados externos;
deliberadamente, ficou indefinida a organização dessas
faixas. O departamento de obras públicas não resistiu à
oportunidade de pavimentar esses espaços. Os moradores,
por sua vez, estão colocando plantas ali, apropriando-se
obstruir a passagem de qualquer tráfego adicional. Foram gradativamente dessa área basicamente pública.
olantadas árvores para formar um centro a meio-caminho A construção civil na Holanda tem a tradição de dedicar
entre as duas seções da rua. As estruturas que se projetam muita atenção aos problemas de acesso aos andares mais
a partir das fachadas - as escadas externas e as varandas altos, e uma grande variedade de soluções foi desenvolvida
- articulam o perfil da rua, fazendo-a parecer menos no país - todas com o objetivo de dar a cada residência
ampla do que os sete metros da frente de uma casa até a uma porta de entrada com o máximo de acesso possível
Írente de outra. A conseqüência é uma zona que pela rua. Na verdade, a solução que adotamos é apenas
oroporciona espaço para os terraços das residências uma outra variação de um tema essencialmente antigo: a
103
•érreas. Estes canteiros com muros baixos não são maiores escadaria externa de ferro conduz a um patamar no
do que as varandas do primeiro andar; é claro que não primeiro andar, onde fica a porta da frente da moradia do
oodiam ser menores, mas a questão é saber se ficariam 104
andar de cima; daí a escadaria continua por dentro do
Andar térreo
52 LIÇÕES DE ARQUITETURA
DOMÍNIO PÚBLICO 53
si, há o perigo de um excesso de "controle social", é determinado em grande parte pelo planejamento e
': eles argumentam. pelo detalhamento do layout da vizinhança.
Na verdade, quanto mais isoladas e alienadas as
pessoas se tornarem em seu ambiente diário, mais -CONJUNTO HABITACIONAL SPANGEN, RomRDAM, 1919 /
fácil será controlá-las com decisões autoritárias. M. BRINKMAN (11 O, 111)
Embora o "controle social" não tenha de ser negativo As galerias de acesso no conjunto habitacional Spangen d
por definição, ele sem dúvida existe e seus efeitos Rotterdam (1919) ainda não foram superadas no que diz
negativos são sentidos quando não podemos fazer respeito ao que oferecem aos moradores. Como só existem
nada sem que sejamos julgados e vigiados pelos portas da frente em um lado dessa "rua de convivência", o
outros, como em toda comunidade muito concentrada, moradores têm como companhia apenas seus vizinhos
uma vila, por exemplo. imediatos. Isso é uma desvantagem em comparação com
Devemos aproveitar todas as oportunidades possíveis uma rua normal, onde naturalmente encontramos os
para evitar uma separação rígida entre habitações vizinhos também do outro lado da rua. No entanto, em
e para estimular o que restou do sentimento de Spangen, o contato entre vizinhos é excepcionalmente
participar de algo que nos é comum. intenso, o que mostra como é importante a ausência do
Em primeiro lugar, esse sentimento de comunidade está trânsito. Ainda assim, a interação que ocorre nos acessos
presente em qualquer interação social do cotidiano, tal da galeria não se estende à rua abaixo, onde ficam os
como nas brincadeiras das crianças, no hábito de fundos das residências. Não se pode estar em dois lugares
revezar-se para tomar conta das crianças, na ao mesmo tempo.
preocupação em manter-se informado sobre a saúde
do outro, em suma, em todos esses cuidados e alegrias ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (112-115)
que talvez pareçam tão evidentes que tendemos a As unidades de habitação para os estudantes casados no
subestimar sua importância. quarto andar induziram à construção de uma rua-galeria,
que poderia ser vista como um protótipo para uma rua de
110 111 • As unidades de habitação funcionam melhor quando convivência, livre do trânsito e com vista para os telhados
as ruas em que estão localizadas funcionam bem como da cidade velha. É um lugar seguro mesmo para as
espaços de convivência, o que por sua vez depende crianças pequenas, que podem brincar ali enquanto seus
particularmente de verificar o quanto são receptivas, pais podem ficar sentados em frente às suas casas.
i.e., em que medida a atmosfera dentro das casas pode O exemplo em que esse projeto se baseou foi, na verdade,
se integrar à atmosfera comunitária da rua lá fora. Isto o complexo Spangen de 45 anos atrás.
54 LIÇÕES DE ARQUITETURA
~ dos problemas nas ruas-galerias é a colocação das
=elas dos quartos de dormir: se se abrem para a galeria,
• rge a desvantagem de uma privacidade insuficiente. Essa
• ação pode ser melhorada ao se erguer o nível do chão
: quarto de dormir, de modo que os que estão dentro
- ssam olhar pela janela com sua visão acima das cabeças
: s pessoas que estão do lado de fora , ao mesmo tempo
,~,,1]
:: que a janela é alta demais para que os que estão do
~ o de fora possam olhar para dentro do quarto.
edifício como um todo acabou se tornando muito menos
:rerio, e, em conseqüência, a rua-galeria não é mais
: essível ao público.
A procura por mais espaço e luz solar para todas as 112
:. CÍPIOS DE ASSENTAMENTO (116) unidades habitacionais conduziu, no planejamento urbano 113
=:ide-se ver como isto funciona, de uma forma elementar, do século XX, ao abandono do até então habitual 114 115
s princípios de assentamento adotados de um modo ou assentamento de quadras dentro do perímetro.
:e outro em todos os projetos de moradia recentemente O resultado foi a perda do contraste entre a reclusão
: struídos. tranqüila dos pátios cercados e a agitação e o barulho do
1985
DOMÍNIO PÚBLICO S]
(as ruas) num pedaço de pano constitui uma estrutura forte instalar alpendres cobertos, estufas, toldos e outros
(ainda que sem cores se for necessário), a trama dá cor ao confortos individuais. Estes acréscimos foram fornecidos por
tecido. Um requisito importante, porém, é que as ruas de nós logo no início para uma série de moradias, o que pode
convivência sejam mantidas livres do trânsito tanto quanto estimular os ocupantes de moradias semelhantes a seguir
possível. Deu-se muita atenção aos perfis das ruas; eles não estes exemplos, se tiverem os recursos para isso. A maneira
apenas são essenciais para a qualidade de cada moradia como esta zona vier a ser usada por todos os envolvidos
individual, como também para a maneira como estas se constituirá a principal fonte de diversidade - não como
inter-relacionam. As fachadas e, por conseguinte, também resultado do projeto, mas sim como expressão de escolhas
as portas das moradias ficam uma defronte da outra, duas individuais. Algumas dessas habitações possuem extensões
a duas, nos dois lados da rua . As ruas têm orientação de no telhado, também existe a garantia de que no futuro
sudeste para noroeste, o que significa que um lado recebe serão permitidos mais acréscimos numa zona especialmente
mais sol do que o outro. É por isso que as ruas estão designada para isso. Os galpões dos jardins estão
assimetricamente organizadas: os espaços de localizados perto da casa ou no jardim, dependendo das
124 125 estacionamento ficaram num único lado da rua - o lado da condições de luminosidade. Nos jardins parcialmente
,ombro. O oulro, o \ado do ,o\, \em uma ampla área coberlo, pela ,omba, i»o ainda po»ibi\ila a criação de
127 verde. As habitações com as portas da frente para o lado um lugar ensolarado com alguma proteção. Os loteamentos
126 128 do sol e, por conseqüência, com jardins do lado com mais com uma orientação mais favorável têm o galpão perto da
sombra foram compensadas com um espaço extra (1,80 m casa, de modo que se torna atraente construir algum tipo
de largura) ao longo da fachada, que pode ser usado para de conexão no espaço entre os dois.
S8 LIÇÕES DE ARQUIT[TURA
r ACESSO AOS APARTAMENTOS
As moradias devem ser tão diretamente acessíveis quanto
possível e, de preferência, não muito afastadas da rua,
Rua da convivência,
Hamburgo, entre a
Liiwenstrasse e a
Falkenried, Alemanha.
como em geral acontece nos edifícios de muitos andares.
Sempre que, como no caso dos apartamentos, você só pode
chegar à sua casa indiretamente, através dos halls
comunitários, elevadores, escadarias, ou galerias, há o
risco de que estes espaços comunitários sejam tão anônimos
que desencorajem os contatos informais entre os moradores
e acabem degenerando numa vasta terra-de-ninguém .
Ainda que se leve em consideração a necessidade de certo
grau de privacidade para cada unidade nos edifícios de
muitos andares, as pessoas que moram ao lado, acima ou
e abaixo, têm muito a ver umas com as outras, embora faltem
condições espaciais para isso. Além disso, num bloco de
a apartamentos, é difícil saber onde receber os amigos e
onde se despedir deles. Devemos acompanhá-los até a
porta da frente e deixá-los descer sozinhos as escadas ou
devemos ir com eles até onde o carro ficou estacionado?
E quanta trabalheira na hora de colocar a bagagem no
carro quando estamos saindo num feriado! Se as crianças
te ainda são pequenas demais para brincar sozinhas do lado
de fora, a situação é verdadeiramente problemática.
1 aprontando o carro e
o trailer. " Do Guia
Turístico ANWB
A rua também pode ser o lugar para atividades Rua residencial, Saxmundham, Inglaterra, 1881. "Celebrando o Jubileu da 130
comunitárias, tais como a celebração de ocasiões Rainha Vitória. Na década de 1880, a popularidade da rainha Vitória 131
havia sobrepuiado as primeiras ondas de republicanismo, e atingiu seu
especiais que dizem respeito a todos os moradores 129 132
clímax nos Jubileus de 1887 e 1897, época em que foi amada e
locais. É impossível projetar a área da rua de tal modo reverenciada como nenhum outro monarca britânico. Observe que um
que as pessoas resolvam subitamente fazer juntas as policial, no centro da fotografia , com a iarra na mão direita, está entre os
funcionários que aiudam a servir a população. O dia está bem quente pois
refeições do lado de fora. muitas senhoras na mesa do lado direito abriram suas sombrinhas para se
proteger do sol. Um rosto queimado de sol em uma mulher era,
Mesmo assim, é uma boa idéia guardar este tipo de naturalmente, uma coisa a ser evitada a qualquer custo caso quisesse
manter algum tipo de posição social." {Gordon Winter, Acountry comera,
imagem no fundo da mente como uma espécie de 1844-1914, Penguin, Londres)
padrão ao qual o projeto deve, em princípio, ser
capaz de corresponder. Embora as pessoas nos países
DOMÍNIO PÚB LI CO 59
• 1, nórdicos não tenham o hábito de fazer refeições do
..
~ ti
lado de fora, isto acontece de vez em quando, e, deste
modo, deveríamos zelar para que isto não se tornasse
impossível a priori pela organização espacial do lugar.
Talvez as pessoas se sintam até mais inclinadas a dar
novos usos aos espaços públicos se as oportunidades
para fazê-lo forem oferecidas explicitamente.
Tõo importante quanto a disposição relativa das
unidades residenciais umas em relação às outras é a
colocação das janelas, das sacadas, das varandas,
terraços, patamares, degraus das portas, alpendres -
para verificar se têm as dimensões corretas e como
estão espacialmente organizadas, i.e., separadas
adequadamente, mas não de modo excessivo.
É sempre uma questão de achar o ponto de equilíbrio
capaz de fazer com que os moradores possam
refugiar-se na privacidade quando o quiserem, mas
que possam também procurar contato com os outros.
A esse respeito, têm uma importância crucial o espaço
em volta da porta da frente, o lugar onde a casa
termina e onde começa o espaço da rua de
convivência. O que a moradia e a rua de convivência
têm a se oferecer mutuamente é que determina o bom
ou mau funcionamento de ambos.
133
134 FAMILISTÊRE, GUISE, FRANÇA 1859-83 (133-136)
135 O Familistere de Guise, no norte da França, constitui um
136 conjunto de moradias criado pela fábrica de fogões Godin
de acordo com as idéias utópicas de Fourier. O complexo
compreende 475 unidades de moradia, divididas em três
blocos contíguos com pátios internos, assim como uma série
de instalações como creche, escola e lavanderia. Nos
amplos pátios cobertos do Familistere de Guise, as moradias
à sua volta constituem literalmente os muros. Embota a
forma do pátio e a maneira como as portas da frente estão
situadas ao longo das galerias lembrem um presídio e nos
impressionem hoje como algo primitivo, este antigo "bloco
de apartamentos" é ainda exemplo proeminente de como
rua e moradia podem ser complementares. Além disso, o
fato de que esses pátios estejam cobertos com um telhado os
torna extremamente convidativos para atividades
comunitárias tais como aquelas que aparentemente foram
exercidas aqui no passado, quando o complexo de
moradias ainda funcionava como uma forma autenticamente
coletiva de habitação.
•' "Qualquer tentativa de reformar as relações de trabalho
u
está condenada ao fracasso, a menos que seja
acompanhada por uma reforma da construção com o
objetivo de criar um ambiente confortável para os
trabalhadores, que esteja completamente sintonizado com
suas necessidades práticas e também com o fim de fornecer
acesso aos prazeres da vida em comunidade, que todo ser
humano merece desfrutar."
(A. Godin, Solutions Sociales, Paris, 1984)
60 llÇÕES DE ARQUITETURA
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (137-140)
Nos hospitais, lares para idosos e grandes comunidades de
teor semelhante, a mobilidade restrita dos moradores torna
imperativo conceber o plano quase literalmente como uma
cidade em escala reduzida. No caso do De Drie Hoven,
tudo tinha de ser acessível em uma distância relativamente
curta sob o mesmo teto, porque quase ninguém é capaz de específica. Este padrão é dominado pelo "pátio" central,
deixar o lugar sem ajuda. Graças às grandes dimensões do que os próprios moradores chamam de "praça da aldeia" .
Lar, foi possível realizar um programa abrangente de Esta "praça da aldeia" não é, estritamente falando,
serviços de tal ordem que a instituição pôde aproximar-se bordejada pelas unidades de moradia, como acontece por
da natureza de uma cidade também neste sentido. exemplo com os pátios cobertos no Familistere de Gu'ise,
Os moradores acomodaram-se a seu ambiente como se ele mas, na medida em que o uso e as relações sociais estão
fosse uma comunidade de aldeia. envolvidas, constitui o foco do conjunto. Éonde acontecem 137 138
DOMÍNIO PÚBllCO 61
ESCOLA MONTESSORI , DELFT (141 , 142) comunitárias e eventos. No entanto, só se faz um uso
Na Escola Montessori, o ha/1 comunitário foi concebido de tal incidental das excepcionais oportunidades de espaço que
modo que se relaciona com as salas de aula como uma rua se são oferecidas aqui.
relaciona com as casas. A relação espacial entre as salas de Há uma boa lição para ser aprendida aqui. As moradias
aula e o ha/1, assim como a forma do ha/1, foram concebidas estão isoladas demais da rua embaixo - estão, por assim
como a "sala de estar comunitária" da escola. A experiência dizer, removidas para longe dela, voltadas para cima, e
141 142 de como isso funciona na escola, por sua vez, pode servir não se pode ver bem a rua das janelas, e até mesmo as
como modelo para o que poderia ser feito numa rua. entradas estão posicionadas indiretamente à rua. Nesse
143 144 sentido, a forma do espaço da rua, como uma espécie de
l<ASBAH, HENGELO 1973 / P. BLOM (143, 144) contraforma das moradias, não cria as condições para o
Ninguém esteve mais ativamente engajado na busca de uso diário. Além disso, esse espaço é provavelmente amplo
reciprocidade entre moradia e espaço da rua do que Piei demais para ser preenchido, porque não há diversões
Blom. Enquanto o projeto Kasbah (ver forum, 7, 1959 e Forum, 5, suficientes para tal - diversões que poderiam existir de fato
1960-61) estava preocupado especialmente com o que a numa vila autônoma do mesmo tamanho.
própria disposição das moradias podia gerar, na "área Mas tente imaginar um esquema assim no coração de
urbana" criada em Hengelo as moradias não formam os Amsterdam, com um mercado movimentado na rua
II
muros da rua mas sim o telhado da cidade", deixando o embaixo! Este deve ter sido o tipo de situação que Piei Blom
grande espaço ao nível do chão para todas as atividades imaginou quando concebeu este projeto.
62 l lÇÕ ES DE ARQUITETURA
Ao abandonar o princípio do assentamento tradicional
dos blocos, os arquitetos tentaram, inspirados
especialmente por Team X e Forum, inventar uma
tendência de novas formas de moradia. Essa tentativa
conduziu muitas vezes a resultados espetaculares, mas
a questão de que venham a funcionar de maneira
adequada é algo que só parcialmente irá depender da
qualidade das próprias moradias. Um aspecto pelo
menos tão importante quanto esse está na
possibilidade de o arquiteto descobrir um caminho,
usando as moradias como seu material de construção,
para fazer uma rua que funcione adequadamente.
A qualidade de uma depende da qualidade da outra:
casas e ruas são complementares!
DO MÍNI O PÚBl l CO 63
organizado com tanto cuidado que possa criar uma
10 ODOMÍNIO PÚBLICO situação na qual a rua possa servir a outros objetivos
além do trânsito motorizado. Se a rua como uma
coleção de blocos de edifícios é basicamente a
expressão da pluralidade de componentes individuais,
na maior parte privados, a seqüência de ruas e praças
como um todo constitui potencialmente o espaço em
que deve tornar-se possível um diálogo entre os
moradores.
A rua foi, originalmente, o espaço para ações,
revoluções, celebrações, e ao longo de toda a história
podemos ver como, de um período para o outro, os
arquitetos projetaram o espaço público no interesse da
comunidade a que de fato serviam.
Este, portanto, é um apelo para se dar mais ênfase ao
tratamento do domínio público, para que este possa
funcionar não só para estimular a interação social
como também para refleti-la. Quanto a todo espaço
público, devemos nos perguntar como ele funciona:
para quem, por quem e para qual objetivo.
Estamos apenas impressionados por suas proporções
ou será que ele talvez sirva para estimular melhores
relações entre as pessoas?
Quando uma rua ou praça nos impressiona como bela,
não é somente por causa das dimensões e proporções
Passeata estudantil na Galleria Vittorio Emanuele, Milão.
"Com a revolta dos estudantes, a educação retornou à cidade e às ruas e, assim, encontrou um campo agradáveis, mas também pela maneira como ela
de experiência rico e diversificado, mais formador que o oferecido pelo antigo sistema escolar. Talvez funciona dentro da cidade como um todo. Este aspecto
esteiamos entrando em uma era em que educação e experiência total coincidirão novamente, em que não precisa depender apenas das condições espaciais,
a escola como instituição estabelecida e codificada não terá mais motivo para existir."
(do artigo "Architecture and Education", Giancarlo de Cario, Harvard Education Review, 1969)
embora estas muitas vezes ajudem, e estes casos
obviamente são exemplos interessantes para o
arquiteto e para o planejador urbana.
Se as casas são domínios privados, a rua é o domínio
público. Dar igual atençã.o à moradia e à rua significa PALAIS ROYAL, PARIS, 1780 / J. V. Lu1s (148·150)
148 149 Em 1780, foram construídas filas de casas com galerias de
tratar a rua não apenas como o espaço residual entre
quadras residenciais, mas sim como um elemento lojas nos três lados do que antes fora o jardim do Palais
fundamentalmente complementar, especialmente Royal em Paris. Hoje é um dos espaços públicos mais
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64 llÇÕES DE ARQUITETURA
\
ºgodos" da cidade, ao mesmo tempo em que serve
m importante atalho da área do Louvre até a
teca Nacional. O pequeno parque oblongo extrai sua
- ade espacial e sua atmosfera agradável não apenas
• oroporções seguras dos edifícios regularmente
dos à sua volta, mas também do layout
rs"Sificado, com áreas de grama, cadeiras, bancos,
.,es de areia e um café ao ar livre para os moradores
.. ade escolherem à vontade.
DOMÍNIO PÚ BLICO 65
153 154
155
66 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Até o século XIX havia poucos edifícios públicos, e
11 OESPACO PÚBLICO COMO
1
mesmo estes não o eram de maneira integral.
O acesso público a edifícios como igrejas,
AMB IENTE CONSTRUÍDO templos, mesquitas, spas, bazares, (anfi-)teatros,
universidades, etc. sofria certas restrições, impostas
pelos encarregados de sua manutenção ou pelos
proprietários. Os verdadeiros espaços públicos
estavam quase sempre ao ar livre. O século XIX foi
a época de ouro do edifício público, em princípio
159 construído com os recursos fornecidos pela
160 comunidade. Os tipos de edifício que foram
desenvolvidos nesse período formaram os blocos de
construção para a cidade, e nós ainda podemos
aprender com estes exemplos quais meios
arquitetônicos e espaciais podem ser mais bem
aproveitados para tornar um edifício mais convidativo
e hospitaleiro.
: 1
A (r)evolução industrial abriu um novo mercado de
• 1 massa. A aceleração e a massificação dos sistemas de
j I
produção e distribuição conduziram à criação de lojas
de departamento, exposições (mundiais), mercados
cobertos e à construção de redes de transporte
público, com estações ferroviárias e de metrô, e,
conseqüentemente, ao crescimento do turismo.
DOMÍNIO PÚBLICO 69
sejam mais usados hoje em dia. O barulho das atividades
que ocorrem nos espaços ao lado revelou-se
particularmente perturbador, e logo as pessoas começarw
,I a erigir paredes e outros tipos de divisórias, eliminando
' assim a unidade espacial que era fundamental para o
projeto.
70 llÇÕES DE ARQUITETURA
PAVILHÕES DE EXPOSIÇÃO origem também a novos métodos de construção: a introdução
As exposições mundiais - aqueles mostruários internacionais do aço como material de construção tornou possível erigir em
da produção em massa, para a qual era preciso criar ou pouco tempo estruturas com enormes vãos. Além disso,
encontrar novos mercados - requeriam a construção de painéis de vidro podiam agora ser inseridos nas molduras de
enormes salões de exposição como o Palácio de Cristal em aço do telhado, e a transparência resultante dava aos vastos
Londres (1851) (167, 168), o Grand Palais (1900) (169) e o salões uma atmosfera arejada, leve. Na verdade, as novas
Petit Pelais em Paris, ambos ainda de pé. Estes vastos salões estruturas pareciam mais redomas fechando o espaço e 167 168
de aço e vidro foram os primeiros palácios para o oferecendo abrigo contra as variações climáticas. Deste
consumidor, que rege e é regido pela sociedade de consumo modo, lembravam mais gigantescas estufas (como aquelas 169
(os consumidores consomem e concomitantemente são que ainda existem em Laken, perto de Bruxelas, e nos Kew
consumidos numa sociedade de consumo) . Gardens de Londres) do que os habituais edifícios sólidos.
Esta época de novos métodos e sistemas de produção dá (Incidentalmente, o Palácio de Cristal foi um produto direto
da tradicional estufo.) Os grandes vãos contribuem também,
sem dúvida, para a sensação de não estarmos dentro de um
edifício no sentido convencional. Mas se o uso de estruturas
de aço tornou possíveis estes grandes vãos, e se as novas
possibilidades oferecidas pelos novos métodos de construção
foram avidamente exploradas, permanece em aberto a
questão de saber se eram verdadeiramente funcionais. Talvez
não, porque, embora o vasto telhado de vidro fornecesse
uma excelente iluminação para grandes espaços, algumas
colunas a mais não representariam uma diferença tão grande
assim de um ponto de vista funcional. Mais uma vez, a mera
factibilidade parece ter criado a necessidade, do mesmo
modo que a necessidade exigiu novas técnicas e
possibilidades. Assim como a Torre Eiffel demonstrava
claramente uma maneira de pensar, esta maneira de pensar,
por sua vez, era indubitavelmente inspirada pelas novas
possibilidades de construção; deste modo, a procura gera a
oferta e vice-versa (o que veio primeiro, o ovo ou a
galinha?). É, na verdade, muito difícil deixar de associar os
grandes vãos dos telhados e a maneira como evoluíram,
assim como a articulação espacial mínima que exigiam, com
o surgimento de uma maneira de pensar que conduziu à
expansão em grande escala e à conseqüente centralização
de hoje.
DOMÍNIO PÚBllCO 71
Magasin du Au Ban Marché, Paris
Printemps, Paris 1876/ L. C. Boileau
1881-1889/
P. Sedille
Galerie Lafayette,
Paris, 1900
72 li ÇÕES DE ARQUITETURA
ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS
A construção de uma crescente rede ferroviária abriu o
mundo às viagens e à troca de produtos, tornando-o menor
e maior ao mesmo tempo. As estações que foram
construídas nas cidades e nas vilas constituíam as pedras
fundamentais do sistema. Geralmente situadas num lugar
proeminente no centro, as estações ferroviárias não apenas
introduziram um novo tipo de edifício nas cidades como
trouxeram também toda uma nova gama de instalações e
atividades urbanas com elas relacionadas, tais como hotéis,
lugares para comer e beber e, invariavelmente, lojas.
Tornaram-se ainda, com freqüência, um mercado próprio,
que só parcialmente dependia do consumo dos passageiros
dos trens. Os salões de muitas estações ferroviárias
transformaram-se gradualmente em espaços públicos,
trechos cobertos da cidade, onde ainda se pode fazer
compras quando todas as outras lojas estão fechadas, onde
se pode trocar dinheiro, telefonar, comprar revistas, usar o
toalete, tirar fotos numa cabine, obter informações, pegar
um táxi ou fazer uma refeição rápida (ou então uma
bastante refinada - muitas estações ferroviárias tornaram-se
famosas por causa de seus restaurantes). Esta concentração
expande-se pela vizinhança imediata, com cafés,
restaurantes e hotéis. Na Grã-Bretanha, muitas vezes são
parte da estação. Em suma, a agitação e a atividade que Estação Central, Glasgow, Grã-Bretanha 173
cercam a chegada e a partida dos trens levam a uma 174
concentração de serviços na área em torno da estação
ferroviária maior do que em qualquer outro lugar da
cidade.
DOMÍNIO PÚBLICO 73
12 OACESSO PÚBLICO
AO ESPACO
'
PRIVADO
Embora os grandes edifícios que têm como objetivo ser
acessíveis para o maior número possível de pessoas
não fiquem permanentemente abertos e ainda que os
períodos em que estão abertos sejam de fato impostos
de cima, tais edifícios realmente implicam uma
expansão fundamental e considerável do mundo
público.
Os exemplos mais característicos desta mudança de
ênfase são sem dúvida as galerias: ruas internas de
comércio cobertas de vidro, tais como as construídas
no sécu)o XJX, e dos quais muitos exempJos marcantes
ainda sobrevivem em todo o mundo. As galerias
serviram em primeiro lugar para explorar os espaços
interiores abertos, e eram empreendimentos comerciais
afinados com a tendência de abrir áreas de venda
para um novo público de compradores. Deste modo,
surgiram circuitos de pedestres no núcleo das áreas de
lojas. A ausência de trânsito permite que o caminho
seja bastante estreito para dar ao comprador potencial PASSAGE DU (AIRE, PARIS, 1779 (175-178)
175
uma boa visão das vitrines dos dois lados . Um exemplo interessante do conceito de galeria pode ser
..IJó
v1st6, numa t6rma elementórl na râssage atl ú11re, em
Paris. A construção completa de um espaço interior
177 178 excepcionalmente modelado foi concebida juntamente com
a parte exterior segundo um princípio racional de
74 LIÇÕES DE ARQUITETURA
ordenamento que, até certo ponto e submetido a certas
regras, permitiu a livre disposição dos elementos
arquitetônicos. Muitos dos negócios localizados aqui estão
ligados às dependências periféricas, permitindo o
desenvolvimento de uma rede informal de passagens entre
os pontos-de-venda, somando-se às entradas oficiais.
GALERIAS DE LOJAS
Em Paris, onde a galeria de lojas foi inventada e floresceu
(ainda existem muitas galerias, especialmente no primeiro e
no segundo Arrondissement), há três quadras consecutivas
·, com passagens internas de ligação: Passage Verdeau,
Passage Jouffroy, e Passage des Panoramas. Juntas formam
uma pequena cadeia que cruza o Boulevard Montmartre e, se
tivessem continuado, seria fácil imaginar como uma rede de
caminhos cobertos para pedestres poderia ter se desenvolvido
independentemente do padrão dos ruas à suo volta.
As galerias de lojas existem em todo o mundo, em formas e
dimensões diversas que dependem das condições locais -
mas muitas vezes já perderam seu encanto original como
conjunto de lojas caras, embora em vários lugares ainda
acomodem as lojas mais luxuosas, como por exemplo a
Galerie St. Hubert, em Bruxelas, e a Galleria Vittorio
Paris, 2º distrito
Passoge des
Panoramas, Paris
Galerie Vivienne,
Paris
179 181
180 182
DOMÍNIO PÚBLICO 75
Strand Arcade, Emanuele, em Milão, que todos identificam como o coração
Sidney
da cidade.
(Para um levantamento, análise e história da galeria ver: J. F. Geist,
Passagen, ein Baulyp des 19.Jahrhunderts, Munique, 1969)
76 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Esquerda: Galerie
St. Hubert, Bruxelas
Galleria dell'lndustria
Suba/pino, Turim
ao outro que não se pode dizer quando estamos O abandono do assentamento de quadras num
dentro de um edifício ou quando estamos no espaço perímetro fechado, no urbanismo do século XX,
que liga dois edifícios separados. Na medida em que a significou a desintegração da definição espacial nítida
oposição entre as massas dos edifícios e o espaço da dada pelo padrão da rua. À medida que crescia a
rua serve para distinguir - grosso modo - o mundo autonomia dos edifícios, seu inter-relacionamento
privado do público, o domínio privado circunscrito é diminuía, e hoje eles se erguem destituídos de
transcendido pela inclusão de galerias. O espaço alinhamento, por assim dizer, como um monte de
interior se torna mais acessível, enquanto o tecido das megálitos irregularmente espalhados, afastados entre
ruas se torna mais unido. A cidade é virada pelo si, num espaço aberto excessivamente amplo.
avesso, tanto espacialmente quanto no que concerne O "corredor de rua" degenerou em "corredor de
ao princípio do acesso. espaço".
O conceito de galeria contém o princípio de um novo Este novo tipo de assentamento aberto, tão inovador
sistema de acesso no qual a fronteira entre o público e para as condições "físicas" da construção de casas em 189 190
o privado é deslocada e, portanto, parcialmente particular, teve um efeito desastroso sobre a coesão do
abolida; em que, pelo menos do ponto de vista todo - um destino que prejudicou a maioria das 187 188
espacial, o domínio privado se torna publicamente cidades. Quanto mais os edifícios se afastam uns dos
mais acessível. outros como volumes autônomos com fachadas
184-188:
Galleria Vittorio
Emanuele, Milão
DOMÍNIO PÚBLICO 77
natural das coisas, seria inacessível, já que faz parte do
domínio privado, é, graças à possibilidade de acesso, uma
contribuição à cidade como um todo.
Éimportante ter em vista, no entanto, que essa solução
perderia muito de sua qualidade se os blocos circundantes
fossem projetados de acordo com o mesmo princípio.
Neste caso, a área como um todo iria apresentar a
imagem padrão de uma cidade moderna. Éjustamente a
surpresa do contraste que torna o princípio tão claro neste
caso.
DOMÍNIO PÚBLICO 79
EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (197-200)
O plano urbano, integralmente ajustado à "tradicional"
construção aberta da primeira metade deste século, i.e.,
sem um alinhamento estrito dos edifícios e sem muros de
rua dentro dos quais o edifício tinha de estar situado,
197 198
exigiu portanto um projeto arquitetônico autocentrado, ser-
199
referências aos edifícios na vizinhança imediata.
200
Em vez de um volume construído colossal e único, ergueu-:
um conglomerado mais transparente de numerosos
componentes menores, graças à diferenciação em blocos
pequenos, relativamente independentes, separados por
passagens semelhantes às galerias (i.e., um espaço
essencialmente acessível ao público).
E, como há saídas e entradas por todo o complexo, ele
parece mais um trecho de uma cidade do que um edifício -
lembra sobretudo um pequeno povoado.
O projeto foi concebido visando permitir não só que os
funcionários possam deixar seus espaços de trabalho para
fazer uma pausa, conversar e tomar um cafezinho num dos
vários balcões do espaço central do complexo - como se
estivessem dando uma volta no centro da cidade -, mas
também para que a área possa ser literalmente pública.
Esta oportunidade de acesso público seria integralmente
explorada se o plano original tivesse sido executado: a
saber, situando a nova estação ferroviária de Apeldoorn
bem ao lado do complexo, de modo que se. pudesse chegar
até as plataformas através do Centraal Beheer (foram
"'• : desenvolvidos planos em consulta com as ferrovias
holandesas para instalar pontos-de-venda de passagens
dentro do complexo). Enquanto o edifício, como uma
entidade autônoma, é colocado em perspectiva no nível
formal por sua articulação de um grande número de
componentes arquitetônicos menores, no nível prático uma
articulação similar é conseguida pelo princípio de acesso
80 LIÇÕES DE ARQUITETURA
í
adotado - isto é, pelo fato de que podemos entrar no CENTRO MUSICAL VREDENBURG (201-203) 201 203
edifício a partir de qualquer direção gradualmente e em Aqui foi feita uma tentativa para evitar a forma tradicional 202
menos imediatamente legível desde a contração dos dois conduz a muitas entradas (como se estivéssemos numa loja
prédios em um só volume. de departamentosL para depois se chegar aos foyers do
Centro Musical e daí seguir até o auditório. O grande
número de entradas ao longo do corredor (ou galeria) e
também ao longo da praça - quando todas estão abertas -
faz com que o edifício se torne temporariamente parte da
rua. E na verdade é assim que o edifício funciona durante
1 1
DOMÍNIO PÚBLICO 81
n
1,
I• ,
204
205
os concertos semanais gratuitos na hora do almoço. Nesses CINEMA CINEAC, AMSTERDAM, 1933 / J. DUIKER 1204, 205)
dias, vemos os compradores passeando pelo edifício, Duiker não só alcançou um êxito maravilhoso ao ajustar o
muitas vezes demonstrando surpresa, outras vezes ouvindo programa arquitetônico inteiro diagonalmente ao espaço
atentamente, embora não tenham vindo para ouvi r o minúsculo do edifício (em que cada centímetro teve de ser
concerto, e às vezes apenas tomando um atalho até a usado), como conseguiu também deixar aberta a esquina
próxima rua . onde se localiza a entrada, de modo que a esquina
continua funcionando como um espaço público. Deste
modo, podemos atravessar a esquina por trás da coluna
alta e, guiados pela marquise curva de vidro, sentir-nos
1
1
1
tentados a comprar um bilhete para uma sessão contínua
1
1 de cinema . (Esta marquise foi revestida com madeira em
\
1 1980; o anúncio luminoso também foi retirado,
1
1
\
desfigurando assim a última das grandes obras de Duiker.)
\
O espaço que foi devolvido à rua é um componente integra
da arquitetura, em parte por causa de sua localização
específica numa esquina e em parte por causa dos
1
1
materiais empregados (o mesmo tipo de azulejos no chão e
- --------- ---- - -~ no resto do edifício, a marquise de vidro) . Deste modo, é
0 1 5
~1 ambivalente: privado, mas também público.
82 LIÇÕ ES DE ARQUITETURA
Embora a expressão da relatividade dos conceitos de
interior e exterior seja antes de tudo uma questão de
organização espacial, o fato de uma área tender para
uma atmosfera mais parecida com a da rua ou mais
parecida com a de um interior depende especialmente
da qualidade do espaço.
Além disso, se as pessoas reconhecerão a área em
questão como interior ou exterior, ou como alguma
forma intermediária, depende em grande parte das
dimensões, da forma e da escolha dos materiais.
DOMÍNIO PÚBLICO 83
HOTEL SOLVAY, BRUXELAS, 1896 / V. HORTA (208-211)
Embora as portas da fachada formem de modo inequ
a entrada principal do edifício, descobrimos ao entrar_
elas não levam a um ha/1 convencional, mas dão acesse ::
um corredor que passa diretamente através do prédio ~
um outro par de portas que dá para um pátio nos fu n ....
Este corredor foi concebido para permitir o ingresso de
carruagens, para que as pessoas pudessem descer na
verdadeira entrada do prédio sem se molhar.
A verdadeira porta de entrada está situada, portanto, er
ângulo reto com a fachada, e marca o começo de uma
seqüência espacial que compreende o ha/1 de entrada e :
escadaria conduzindo ao primeiro andar, enquanto os
quartos principais estão localizados ao longo de toda a
fachada e dos muros do fundo, com o uso, característiço
Horta, de divisórias de vidro para criar uma conexão
aberta com o poço da escada.
208
209 210
211
212
213
DOMÍNIO PÚBLICO 8S
Assim como a aplicação ao interior do tipo de
organização espacial e do material referentes ao
mundo exterior faz com que o interior pareça menos
íntimo, as referências espaciais ao mundo interior
fazem com que o exterior pareça mais íntimo.
Portanto, é a união em perspectiva de interior e
exterior e a conseqüente ambigüidade que
intensificam a percepção de acesso espacial e de
intimidade. 'Uma seqüência gradual de indicações
mediante recursos arquitetônicos assegura uma
entrada e uma saída graduais. O complexo inteiro de
experiências evocadas pelos recursos arquitetônicos
contribui para este processo: gradações de altura,
largura, grau de iluminação (natural e artificial),
materiais, diferentes níveis do chão. As diversas
sensações desta seqüência evocam toda uma
variedade de associações, cada uma delas
correspondendo a uma gradação específica de
"interioridade e exterioridade" que se baseia no
reconhecimento de experiências prévias semelhantes.
Não só cada sensação se refere a uma gradação
específica de exterioridade e interioridade, como se
refere por extensão a um uso correspondente. Eu já
havia sublinhado antes que o uso de uma área, o.
214 sentido de responsabilidade por ela e o cuidado
"A (ARTA"/ PIETER DE HOOGH (1629-1684) (215) dispensado a ela encontram-se todos ligados às
O quadro de Pieter de Hoogh demonstra a relatividade das demarcações territoriais e à administração. Mas a
noções de exterior e interior, pela maneira como elas são arquitetura, graças às qualidades evocativas de todas
evocadas não só por meio de recursos de distinções as imagens explicitamente espaciais, formas e
espaciais, mas também, e principalmente, por meio da materiais, possui a capacidade de estimular
expressão dos materiais e de suas temperaturas sob determinado tipo de uso. Conceitos como o de público
gradações variáveis de luz. O interior, com seus azulejos e privado restringem-se, portanto, a meras entidades
brilhantes e frios e as janelas severas no fundo, possui uma administrativas.
temperatura exterior que contrasta com o brilho quente da , i, Ao selecionar os meios arquitetônicos adequados, o
fachada exterior iluminada pelo sol. A porta de entrada 11 domínio privado pode se tornar menos parecido com
aberta e sem degrau cria uma transição suave entre a uma fortaleza e ficar mais acessível, ao passo que, por
habitação e a rua com sua superfície semelhante a um sua vez, o domínio público, desde que se torne mais
tapete. As funções do exterior e do interior parecem estar sensível às responsabilidades individuais e à proteção
invertidas, criando um conjunto espacialmente coeso que pessoal daqueles que estão diretamente envolvidos,
expressa, acima de tudo, acesso. pode se tornar mais intensamente usado e portanto
mais rico. /Enquanto a tendência no fim dos anos 60
parecia levar a uma abertura maior da sociedade em
geral e dos edifícios em particular, assim como a uma
revivescência da rua - o domínio público por
excelência -, há atualmente um movimento crescente
para restringir este acesso e buscar refúgio em sua
própria "fortaleza", longe da agressividade, na
segurança da própria casa. Mas, na medida em que o
equilíbrio entre a abertura e o fechamento é um
reflexo de nossa sociedade bastante aberta, nós nos
Países Baixos, com nossa sólida tradição, podemos
ter as melhores condições para a construção de
/edifícios fundamentalmente mais acessíveis e de ruas
fundamentalmente mais convidativas. r
86 LIÇÕES DE ARQUITETURA
e
215
DOMÍNIO PÚBLICO 87
B CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO
11
'Der Gegenpad von lwang ist nicht Freiheit, sondem 0 oposto da compulsão não é a liberdade, mas a
Verbundenheit. lwang ist eine negative Wirklichkeit, und integração. A compulsão é uma realidade negativa,
Verbundenheit ist die positive; Freiheit ist eine Mõglichkeit, a integração é a positiva; a liberdade é uma possibilidade
die wiedergewonnene Mõglichkeit. Vom Schicksaf, von der a possibilidade reconquistada. Ser compelido pelo destino
Natur, von den Menschen gezwungen werden: der pela natureza, pelas pessoas: o oposto não é libertar-se
Gegenpol is nicht, vom Schicksaf, von der Natur, von den do destino, da natureza e das pessoas, mas aliar-se e
Menschen frei, sondem mil ihm, mil ihr, mil ihnen integrar-se a eles; para que isso aconteça é preciso antes
verbunden und verbündet sein; um dies zu werden, muss ser independente, mas a independência é um caminho, n-.
man freilich erst unabhéingig geworden sein, aber die um espaço."
Unabhéingigkeit ist ein Steg und kein Wohnraum.' (Martin Buber, Reden über Erziehung, Heidelberg, 1953)
90 LIÇÕES DE ARQUITETURA
1 Estrutura e Interpretação 92 9 Incentivos 764
Colunas
2 Forma e Interpretação 94 Pilastras
Canais, Amsterdam Moradias, Berlim / B. Taut
Mexcaltitàn, México Blocos Perfurados para Construção
Estagel, França
Oude Gracht, Utrecht 10 A Forma como Instrumento 770
Viaduto Rue Rambouillet, Paris
Palácio de Diocleciano, Split, Iugoslávia
Os Anfiteatros de Arles e Lucca
Templos, Bali
Rockefeller Plaza, Novo York
Universidade de Colúmbia, Nova York
4 Grelha 122
Ensanche, Barcelona / 1. Cerdá
Manhattan, Nova York
94
do final do verão transformam as ruas temporariamente em crianças do lugar um playground especial. Uma valeta q :
canais, de modo que todo o lugar sofre uma verdadeira passa no centro do leito do rio coleta a água da chuva dm
metamorfose. A vida na aldeia é inteiramente determinada ruas: este dreno é para o rio o que o rio é para a cidade
por estas condições naturais. As ruas continuam a servir de sua versão em miniatura, em termos de tamanho e de
modo igualmente eficiente ao trânsito e ao transporte, ainda tempo, com períodos de seca que se alternam com perío~
222 223 que 'agregadas' em diferentes situações, cada uma delas de água abundante. Para as crianças, é um enriquecimen ~
explorando integralmente o uso potencial específico." [4] do playground- poro elos é um rio normal, com toda a
224 225
excitação e às vezes com os problemas que um rio traz
ESTAGEL, FRANÇA (224, 225) consigo." [4]
"Muitos rios que deságuam no Mediterrâneo mudam
consideravelmente seu volume durante o ano, dependendo
da estação. Em Estagel, perto de Perpignan, o rio Agly
surge e desaparece dependendo da estação: ou não existe
ou corre ao longo de seu velho leito. Mesmo quando está
seco, porém, o rio domina a pequena cidade. Durante os
períodos de seca, o leito do rio na cidade - uma vala
cimentada - se torna parte do espaço público e oferece às
'I'
li :
""'
JI I
H'
96 li ÇÕ ES DE ARQ UI TETU RA
ÜUDE GRACHT, UTRECHT (226-233) Quando o velho prático de transportes por água foi
Em Utrecht, a diferença natural de nível entre o ruo e o interrompido, esses cais perderam suo função original, até
canal resultou num perfil extraordinário e muito eficiente. que em época recente começaram o servir como terraços
Desde o século XIV as mercadorias eram transportados paro cafés e restaurantes localizados nos antigos depósitos,
pelos canais em barcaças; eram carregados e os quais, em suo maioria, foram separados das lojas que
descarregados no beiro dos cais em frente aos espaços de ficaram acima deles quando o transporte fluvial das
armazenamento abaixo do nível do ruo. Estes espaços mercadorias chegou ao fim e os cais deixaram de ser
de armazenamento, ou depósitos, continuam por baixo do usados.
ruo e formam os porões dos lojas situados nos ruas acima. Assim, hoje, os velhos cais voltaram o ser usados, embora
Deste modo, o mercadoria podia ser facilmente erguido ou de maneira diferente, e quando o tempo está bom eles
abaixado por uma simples conexão vertical com o cais. novamente ficam cheios de gente. Na verdade, são
Em certo ponto, havia um túnel oblíquo através do qual os excepcionalmente bem localizados, ao longo dos canais,
carruagens puxadas o cavalo podiam ir do ruo até o cais e onde os altas paredes dos armazéns dos cais oferecem
vice-verso, fazendo o transporte poro qualquer lugar no proteção contra o vento e o barulho do trânsito. Também o
cidade. distância entre os paredes de cada lodo do canal, com os
cais abaixo do nível do rua, ao longo do água, contribui
poro formar um logradouro de proporções agradáveis.
A curvo neste ponto do canal apenas reoiço o espaço, 226ab 227
fechando-o de maneiro agradável sem obstruir o visão.
Finalmente (e quem poderio ter projetado isso?), há belos 228
árvores no nível mais baixo, o que contribui mais do que 229 230 231
qualquer outro coiso poro criar a atmosfera único e
agradável dessa porte do centro antigo do cidade. Embora
este perfil tenho sido projetado poro objetivos urbanos
específicos, hoje, um século mais tarde, ele se tornou um
lugar inteiramente indiferente, sem que nenhuma mudança
fundamental tenho sido necessário. Éfácil imaginar o cena
quando o água dos canais se congela, proporcionando um
rinque natural de patinação. A beiro do cais então se torna
o lugar perfeito poro calçar os patins, enquanto o ruo
acima se transformo no domínio dos espectadores. Essa
transformação fornece ainda mais uma prova de quanto
esse tipo de formo urbano pode acomodar, o fim de
adequar-se o cada novo situação que surge. E, embora o
escalo seja muito maior, os margens do Sena, em Paris,
234 (234·243)
235a O viaduto foi construído para a estrada de ferro, como em
236 237 238
tantas outras cidades onde as artérias de trânsito entram
conglomerado urbano. Os 72 arcos foram sendo ocupado!.
pelo que ia aparecendo. O viaduto servia como uma
espécie de moldura, uma seqüência de compartimentos berr-
definidos, que podiam ser preenchidos à vontade.
O viaduto permanece em boa parte intacto, sem grandes
modificações - uma estrutura permanente sempre pronta
para acomodar novos objetivos que, por sua vez,
'í \J
98 llÇÕES DE ARQUITETURA
acrescentam novos significados às redondezas. É notável
verificar como as ocupações pouco levaram em conta a
'orma semicircular da moldura - uma forma pouco
conveniente para construções e aparentemente sem oferecer
enhum incentivo para que se criasse uma contraforma
específica. Como se fosse a coisa mais óbvia do mundo,
•odes os arcos foram preenchidos por edificações
construídas segundo os mesmos princípios de uma casa
um espaço livre. O próprio viaduto não serviu como ponto
de partida ou fonte de inspiração, mas também não foi
oercebido como um obstáculo; até mesmo as ruas laterais
estreitas prosseguiram em seu curso através do comprido
obstáculo de pedra, que ao mesmo tempo penetra e é
penetrado pelo tecido urbano. Agora que não é mais usado
oara trens, tornou-se um passeio público, conduzindo até o
ovo edifício da Ópera, no lugar da antiga Gare de
~incennes. Há um plano para preencher as arcadas com
~achadas idênticas, de acordo com as idéias civilizadas e
·nteiramente convencionais de hoje em dia sobre ordem.
'-leste caso, um monumento urbano único teria de dar lugar
a uma solução padronizada.
239
240 241
235b
242 243
Vista do viaduto
sobre a rue
Rambouillet com a
antiga Gare de la
Bastille (1859); ali
ergue-se hoje o novo
edifício da Ópera
252
por ele, e o ambiente por sua vez também foi colorido pela Os exemplos anteriores, assim como os seguintes, dão
antiga estrutura em seu centro. Os anfiteatros não só foram margem a uma série de conclusões:
·aceitos em sua nova forma como parte integral do tecido • Em todos estes exemplos, os objetivos múltiplos que
urbano, como também forneceram uma identidade a esse a estrutura original permitiu não foram deliberada ou
tecido. A estrutura oval e seus arredores mostraram-se intencionalmente inseridos na estrutura. É antes sua
capazes, em ambos os casos, de se modificar mutuamente. "competência" intrínseca que faz com que se tornem
Estes espaços ovais representam uma forma arquetípica capazes de desempenhar funções diferentes sob
- nesse caso, a do espaço cercado, um interior, um quarto circunstâncias diferentes, e de cumprir deste modo um
amplo que pode servir como local de trabalho, playground, papel diferente dentro da cidade como um todo.
praça pública e lugar para morar. A função original foi
esquecida, mas a forma de anfiteatro mantém sua • Não é certamente verdade que há sempre uma
relevância porque é tão sugestiva que pode oferecer forma específica que se ajusta a um objetivo específico.
oportunidades para uma renovação constante." [l] Há formas que não só permitem várias interpretações
Estes anfiteatros conseguiram manter sua identidade como como ainda suscitam efetivamente essas interpretações
espaços cercados, ao mesmo tempo em que seu conteúdo quando as circunstâncias mudam. Assim, seria possível
se submeteu à mudança. A mesma forma pode, portanto, dizer que a variedade de soluções deve estar contida
assumir aparências diferentes sob circunstâncias novas, sem na forma como uma proposta inerente.
253
254
Anfiteatro, Lucca,
Itália
255
f ,,
1
l 04 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Naturalmente, isto é uma simplificação da situação real,
tos porque também encontramos templos que contêm vários
templos menores, que por sua vez contêm outros ainda
menores - estruturas dentro de estruturas-, o que pode
•o muito bem indicar diferenças na relação com um ancestral
específico entre os indivíduos ante a comunidade.
Ecomo se tudo isso não fosse bastante, longas filas de
s, e mulheres surgem de repente, vindas de todos os lados e
re carregando fardos multicoloridos sobre suas cabeças:
oferendas de arroz, coco e açúcar numa incrível variedade
de formas e cores. Todas as oferendas são colocadas nos
pequenos templos como um toque final e comestível: o mais
transitório e suave componente numa seqüência de 256
atributos. 257 258
or Quando a cerimônia termina e os deuses já receberam suas 259
o oferendas, as oferendas de alimento são levadas de volta
para casa, onde são consumidas, e os restos que ficaram
Voici ]e,• \erra ins orti6ciels • • Jeo Ctés-janl"n, en hauteur. Tc,ut y eH ra...,m~l· la •ue.
l'e,pace. le to!e"I. )e, commun"c•t"ont ·n,1an ta n "eo, vert"col .. el hoizontal ... t.. al'mentat"on.,
économesd 'ea1.>,de gu. etc .• !a voirieparfaite et fac ile - érouts.poul>elle,,dc.L'upect•...,hi-
Le<:lural prodig ieux: une saioi ..ante appui1ion! La diveni1é la plu, totale dan• runité. Si l'on
,eu!, cha,iue arc h"tecte con,au"ra •• v"lla e1 qu'.mporte · 1:cn.. mhle, , · le 1tyle maure""lu• On crie d·ol,ord le, lerrain• ortiliciel,: 1utostrodc+pl1nchen de• ,ubotruct u,.,. ou-des..m 1
,oisÍIN: avec le Louis XVI w la Renai ... n<:e italienne. Le raccord anr le !Ol accidcnté, ..11.1 Etl'nmeten·•entetn\err.. n•pourv"ll•• • ••cjud"netvue"ffm"t'e.Pu"oo11confnue
dépenH. aiot'meot. Lu promenadeo i, pied déambulent •u lon, dn oceidenll violo1111 du ool pud.. 1r1neh .. suee..1"veodesuperotructure.
\...: 1 1 .
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1·~:art_•:.·~: d~,::·
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1933 / Le Carbusier ;.,.çcc.. iblo de Fort,!'Empere ur, •na. ~au ce plon. réiutau,.. le, priacipe• fondaJDenllU" du judin cldtuNi de hau\1 mur,,: la vuc our la me,. Ça c·c,t du bon ,,,;rionoli,mc!
,-1- ,- 1- ,-1-1-,- ,
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Explicação com
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uiteto. Em outras palavras, a grade é capaz de gerar À parte a qualidade excepcional dos planos de Woods
até mesmo de provocar soluções. As limitações de e Wewerka como idéias, o que podemos aprender em
bolhar com o tema proposto não têm um efeito especial com eles é que não devemos concentrar nossa
restritivo mas, como agentes catalisadores, possuem na atenção na mudança a ponto de excluir o resto, mas
verdade um efeito estimulante. Assim, as limitações do sim na estrutura que, em sua constância, é capaz de
lef11a resultam em mais liberdade (é um paradoxo que absorver a mudança.
herdade e limitação gerem um ao outro?) .
rojetistas diferentes trabalhando independentemente No exemplo dado acima, a imagem da urdidura e da
ionte
oodem usar a grade como um "plano diretor", que eles trama, a estrutura coletiva é portanto a urdidura, na
podem complementar com suas próprias soluções qual as interpretações individuais são tecidas como a
específicas. Do mesmo modo, uma grande variedade de trama. Foi a estrutura coletiva, que, em si, pouco ou
orogramas pode ser implementada. No layout, os
vez
componentes podem ser desenvolvidos de acordo com 299 300
seus próprios critérios. O plano permite uma tal
variedade de interpretações que, a despeito do que é 301
substituído e por quem, o complexo como um todo
sempre terá certa ordem.
O essencial é que a grade pode ser interpretada em
odos os níveis - já que fornece apenas o padrão
objetivo, o padrão subjacente, por assim dizer, a
protoforma, que adquire sua verdadeira identidade em
vi rtude das próprias interpretações que recebe,
especialmente pelos programas inseridos e a maneira
específica como é realizado. Seja lá o que for inserido,
sempre estará di retamente ordenado, o que não
significa ordenação no sentido de "subserviência", mas
antes no sentido de "tendência". A grade funciona c9mo
uma estrutura gerativa que contém dentro de si a
tendência básica que é transmitida a cada solução.
E, uma vez que a grade confere aos componentes
individuais a tendência comum, não só as partes
determinam a identidade do todo, mas o todo contribui
para a identidade das partes. A identidade das partes e
do todo será reciprocamente gerativa ." [3] Le Palais Jdéal,
1879-1912 /
Facteur Cheval
322ab
O espaço de trabalho que foi construído no telhado de uma
323
fábrica do começo deste século teve como primeiro objetivo
ampliar as instalações. Nessa época, a expectativa era de
que, à medida que os diversos departamentos da fábrica se
expandissem, fosse necessário realizar uma série de
ampliações: permitiam apenas que um número limitado de -
fossem construídas simultaneamente;
1. a impossibilidade de prever que departamentos iriam 3. a qualidade das instalações existentes era
precisar de expansão e quando; suficientemente boa para justificar sua conserva -
2. a natureza e o potencial de investimento da companhia embora um tanto sombrio e disposto de maneira -
o edifício ainda serviria após alterações pouco i
. •,
:: I~]; i
fato de que as diagonais dos três pátios formam ·- _
reios). Uma boa dose de energia foi gasta com es
procedimentos, já que estávamos confiantes no pr _
tr11 ,I
de requisitos. No entanto, logo ocorreram mudanc
,Jl!f" influência de um súbito desenvolvimento nas idéias =
n •11
,h11 abordagens quanto à assistência aos mais velhos.
Embora muitas das novas propostas pudessem ser
adaptadas por meio de uma série de modificações
implicavam alterações fundamentais no plano orig·-
lornou·se evidente, após certo tempo, que o circui
fechado de acordo com o qual o plano fora orga
=-
I li----:]
' ,b i,
' 1··
' ª"
::::.,.._
't!f.
',-·
',-· µ -,_
' - i-· ·
11 1 li
1-:)
tanta dedicação acabaram por desaparecer o _
alterados até a desfiguração por outras pessoas
• ]ii consulta prévia, por outro lado também é uma
\ t '"
J'll I triunfo verificar que sua idéia, como conceito g
I u,, permanece de pé. A estrutura pode ser compor;
nu
'
árvore que todo ano perde suas folhas . A árvor:
'li o o o o o o permanece a mesma, mas as folhas se renova :
o o o o o o primavera . O uso varia de acordo com a época =
o o o o usuários exigem que o edifício se adapte à ev _ -
o o o o seus insights. Às vezes isto implica um passo
o o o o o o
qualidade espacial, mas às vezes, também, sig .. :
o o o o o o
passo à frente, um aprimoramento da situação
/
340
,, , 341
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"ri: .
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~,, ,. 1
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132
ção e
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342
E:: FÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (342-353) diferentes unidades espaciais podem, se necessário, assumir
idéia proposta anteriormente em dois concursos de outros papéis - e esta é a chave para a capacidade de
ojetos paro prefeituras em Valkenswaard (343-344) e absorver mudança .
sterdam (345-346), respectivamente, e que, finalmente, Projetar um edifício de escritórios pode ser bastante simples
t'E!io a se materializar no edifício de escritórios Centraal em princípio, mas foi esta mesma necessidade de
Beheer, é a de um edifício concebido como uma espécie de adaptabilidade que conduziu ao resultado. Constantemente
povoado, composto por um grande número de unidades surgem mudanças dentro da organização, requerendo por
espaciais iguais, como um grupo de ilhas. Essas conseguinte ajustamentos freqüentes no tamanho dos diversos
nidades espaciais constituem o bloco básico do edifício; departamentos. A construção deve ser capaz de acomodar
sõo relativamente pequenas e podem acomodar os diversos essas forças internas, enquanto o edifício como um todo deve
componentes do programa (ou "funções", se preferirem), continuar a funcionar em todos os aspectos durante o tempo
porque suas dimensões, assim como sua forma e todo. Isto significa que a adaptabilidade permanente é uma
organização espacial, se ajustam a essa proposta. Elas são, pré-condição do projeto. Em cada situação nova, para
portanto, polivalentes. assegurar o equilíbrio do sistema como um todo, i.e., para
Enquanto o De Drie Hoven envolvia um programa com uma que ele continue a funcionar, os componentes devem ser
grande diversidade de dimensões e de requisitos espaciais capazes de servir a objetivos diferentes.
- o que necessariamente resultou num ordenamento de A construção foi projetada como uma extensão ordenada,
construção único, capaz de gerar uma grande variedade-, composta por uma estrutura básica, que se manifesta como
no caso deste edifício de escritórios, o programa, análogo uma zona essencialmente fixa e permanente por todo o
ao princípio básico escolhido do quadrado como unidade edifício, e por uma zona complementar variável e
espacial, ainda que simples no sentido elementar, interpretável.
mostrava-se capaz de responder virtualmente a todos os A estrutura básica é o sustentáculo, por assim dizer, de
requisitos espaciais. Graças à sua polivalência, as todo o conjunto. Éa construção principal, abrangendo o
~ l'QJ~
ÁREA OE ESCRITÓRIO ÁREA DE REUNIÃO GRUPO DE TOALETES
Mi~~
ÁREA OE ESPERA ÁREA OE RESTAURANTE
351
352 353
1,1
:: '.
li
l i
1.
1 1
1
necessidades futuras.
/ A estrutura serve para introduzir ordem e nõo _
/
/ efetivamente a liberdade de preenchimento
.Jef contrário, irá ampliá-la . A estrutura é o fio c
arquitetônico que perpassa o conjunto inteiro
legíveis seus diversos componentes e desse
368
369
370
378 379 ESCOlAS APOLLO (380-388) semelhanças entre elas. Mas há também um s=
Estas duas escolas resultaram do mesmo programa espacial diferenças importantes entre os dois edifícios =-
380 381 de requisitos estabelecidos pelo Ministério de Educação e, assentamento diferente e, conseqüentemente f::'
como se desenvolveram a partir do mesmo ordenamento de orientação diferente das janelas das salas de _
construção, como um projeto comum, há muitas também como resultado dos diferentes princí :
388
podem ser classificados de acordo com o maneiro como parentesco, algo que resultou dos consider -
são interpretados, por exemplo, dentro-foro; esqueleto ou fase de projeto, sobre os implicações de c -
aplicação consistente de tijolos, peitoris, componentes de todos os outros pontos, de maneiro que e
aço; normal ou muito grande; vigas cruzados ou conexões subseqüente remete ao primeiro.
em T. Todos os elementos são ligados por uma espécie de
A unidade de meios inerente a um ord
construção pode nos lembrar a classific -
arquitetônicos, de acordo com a qual o
estilo classicista vai ao encontro, de m
dos critérios que estabelecemos para
da construção.
Num estilo arquitetônico cada elemento
fixa e se deixa combinar com outros de
regras específicas. Neste sentido, um
arquitetônico representa uma espécie de
formal por meio da qual podemos e
determinadas coisas mas não outras, · ·
elemento e cada co.mbinação de elem
inevitavelmente a certo significado fixo
assim pouca ou nenhuma margem para
interpretação. Mas, além disso, as limi1"11Xim.•
do "kit de construção" determinam seo
espacial. Por exemplo, não se pode fazer
cantiléver - quando se aplicam princí ·
por conseguinte, não pode haver nenh
sem uma coluna (como nos prédios de
Rietveld) -, pois os meios para fazê-los -
não são proporcionados pelo kit de coa:5á111i•
Na verdade, se a história da arquite
389
/
O texto acima e todos os exemplos que citamos até em princípio, também devemos ser capazes
agora constituem um apelo para que passemos a a forma. Não é preciso dizer que a eficácia
projetar de tal modo que os edifícios e as cidades sempre vir em primeiro lugar, já que é o ún'
possam ter a capacidade de se adaptar à diversidade além de qualquer controvérsia - embora se'
e à mudança e também conservar a sua identidade. máxima importância estabelecer o que se
O que estamos procurando é uma maneira de pensar e exatamente com o termo. Sem dúvida, exi
de agir que possa conduzir a um "mecanismo" e formas que não têm mais de um único o
diferente (em termos lingüísticos poderíamos falar de geral instrumentos técnicos, e que devem si
um paradigma), que seja menos fixo, menos estático, e funcionar, fazer o seu trabalho, nem mais
que seja, portanto, mais bem equipado para Mas a maior parte dos objetos e das formas
responder ao desafio que a sociedade do século XX, além do objetivo para o qual foram projeta
com toda a sua complexidade, propõe ao arquiteto. qual geralmente devem seu nome, um valor
O essencial, portanto, é chegar a uma arquitetura que, e potencial e, portanto, maior eficácia. Esta
quando os usuários decidirem dar-lhe um uso diferente eficácia, que chamamos polivalência e que se
do que foi originalmente concebido pelo arquiteto, não aproxima da "competência", é a caracterís ·
seja perturbada a ponto de perder sua identidade. desejo enfatizar como um critério do projeta.
Para dizê-lo de modo mais contundente: a arquitetura O excerto seguinte, de um texto de 1963,
deveria oferecer um incentivo para que os usuários a mesmos princípios básicos. Serve também c
influenciassem sempre que possível, não apenas para introdução ao próximo capítulo.
reforçar sua identidade, mas especialmente para
realçar e afirmar a identidade de seus usuários.
O estruturalismo mostrou como este processo é eficaz
na língua, e minha referência insistente a ele é porque
encontramos aí uma direção para a arquitetura.
Embora a arquitetura seja concebida freqüentemente
como um sistema de comunicação, ela não é apenas
uma língua, apesar de uma série de analogias, tais
como os conceitos de "competência" e "desempenho",
que não se aplicam exclusivamente à língua, mas são
igualmente adequados ao uso da forma - e dos quais,
390 391
151
BIBLIOTECA UNI-BH CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO
8 CRIANDO ESPAÇO, ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (392-394)
A rua de convivência no quarto andar é iluminada
meio de grandes blocos de concreto com luz. Estes
DEIXANDO ESPACO
, ficam rente ao chão, para que a luz não incomode
moradores, e, ao mesmo tempo, sua visão das jane •
alto também não sofre obstrução. A função primord'
Deveríamos fazer projetos de tal modo que o resultado desses blocos é a iluminação, mas em virtude de sue •
não se referisse abertamente a uma meta inequívoca, e colocação oferecem a oportunidade para uma vari
mas que ainda admitisse a interpretação, para assumir de outros usos.
sua identidade pelo uso. O que fazemos deve constituir "No que se refere à forma e à posição, esses blocos ·
uma oferta, deve ter a capacidade de provocar, condicionados, por assim dizer, a exercer uma varieo
sempre, reações específicas adequadas a situações de papéis, e, de fato, são interpretados como bancos
específicas; assim, não deve ser apenas neutro e superfícies de trabalho, e - em tempo de calor - co
flexível - e, portanto, não-específico-, mas deve mesas de piquenique. Estes blocos de luz foram col
possuir aquela eficácia mais ampla que chamamos num ponto tão central que agem como pontos focais e-
polivalência. qualquer circunstância . São como magnetos aos quais
,,
~·
418
PRAÇA VREDENBURG [418-422)
Quando se decidiu reorganizar o espaço da praça
419 421 Vredenburg, em Utrecht, para alojar a feira
420 422 tradicionalmente realizada ali, foi proposto o plantio de
árvores.
li
Casa para a
Exposição de
Construção de Berlim
/ Mies van der Rohe
"Plan libre" /
Le Corbusier
J •
quando chegar a hora de tomar a decisão.
164 li ÇÕ ES DE ARQUITETURA
05
que
COLUNAS
Para levantar paredes ou divisórias, as colunas retangulares
não são necessariamente melhores como ponto de partida,
mas sem dúvida são mais fáceis para trabalhar do que as
cilíndricas. Éimportante ter isto em mente, sobretudo nos
casos em que as colunas constituem as pedras angulares da
organização do espaço. Pois, na verdade, esse é quase
sempre o caso - exceto no antigo plan libre, onde colunas
livres definem seu próprio espaço sem levar em conta as
paredes divisórias. As colunas no edifício de escritórios
Centraal Beheer, assim como no De Drie Hoven, receberam
um perfil com capacidade máxima para acomodar paredes
adjacentes e divisórias baixas. Suas proporções também
foram ajustadas para tais objetivos. No Centro Musical (que
pode ser caracterizado como uma seqüência de amplos
espaços que se misturaram com um número relativamente
pequeno de divisórias), as colunas são cilíndricas (448, 449).
Colunas livres e cilíndricas, num espaço amplo em que se
juntam muitas pessoas, funcionam de modo mais
satisfatório para multidões, pois não ficam no meio do
caminho. Nas escolas Apollo, colunas retangulares foram
usadas nas junções de paredes, enquanto as quatro colunas
ou
livres do ha/1 são cilíndricas (450). Elas se erguem,
indiferentes, no meio de toda a agitação, onde podem ser
lidas como intersecções da construção espacial.
1stir 448 449
do 450
Não só a forma como também a dimensão das partes
componentes e, naturalmente, a dimensão dos espaços
entre as diversas partes determinam sua capacidade
•to
de acomodação, que, por sua vez, tem forte influência
sobre a gama de possibilidades quanto à disposição
da mobília. Como conseqüência, muitas vezes·é melhor
fazer uma coluna um pouco maior do que o
estritamente necessário, se isto produzir uma
"superfície de ligação" maior e, portanto, com mais
possibilidades de utilização.
:: 1.-·
Moradias Diagoon PILASTRAS Se você tiver bom olho para essas coisas, perce
Além das colunas, as pilastras, que ocorrem em todas as em toda a parte exemplos de casas com alteroç-
construções em várias formas , podem servir a vários acréscimos, feitos ao longo do tempo pelos pró
objetivos, dependendo de onde estejam localizadas e do moradores, provavelmente sem autorização das
espaço que deixam aberto. Tomemos, por exemplo, uma autoridades ou dos proprietários, e, em geral, m
lareira, do tipo que interrompe uma das longas paredes em bem sucedidos.
.\51 .\52 tantas casas antigas, e que não se pode ignorar ao É provável que tais acréscimos tenham sido feitos
mobiliar o quarto: na verdade, a pilastra marca o espaço e lugares que ofereciam incentivos nesse sentido,
.\55 fornece um ponto de partida, já que o espaço dos dois como varandas que "pediam" para ser cobertas, e
.\53 .\54 lados afeta fortemente as possibilidades e limitações do particulamente em galerias, que podiam ser faci
fechadas.
De Drie Hoven,
Lar para Idosos
Centraal Beheer,
Edifício de Escritórios
459 460
466
470 471 ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (470-472) reivindicações iguais sabendo que a retirada é po
472 "Um parapeito comprido, largo, deve parecer a qualquer momento.
razoavelmente discreto à primeira vista, um lugar onde se Aqui também, as associações despertadas em nós
possa fazer uma pausa, recostar-se ou sentar-se, apenas pelas imagens que armazenamos em nossa consci·
por um momento ou para uma conversa mais longa - associações coletivas, pode-se dizer - desempen
conforme o caso. Às vezes serve como um espaço para a um papel decisivo. Basta pensar num casal de
refeição quando o restaurante está cheio, e foi usado para namorados, para logo imaginá-lo sentado num ba
o bufê de uma ceia de Natal." [4] com todas as associações concomitantes de vínculos
futuros." [4]
"Para que o contato possa se estabelecer
espontaneamente é indispensável certa informalidade, LA (APELLE, FRANÇA (473)
certo descompromisso. É a certeza de que podemos "Não é preciso muito para que as coisas sirvam como u _
interromper o contato ou nos retirarmos quando espécie de estrutura à qual a vida cotidiana pode ligar-~
quisermos que nos encoraja a prosseguir. O simples corrimão em que pessoas idosas podem se
483
481 482
""!-~r~~--~-Y"""·
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1
•j i'
- DE SÃO PEDRO, ROMA, DESDE 1656 / G. H. BERNINI
495)
~ a uma das inumeráveis colunas da quádrupla colunata
raça de São Pedro, de Bernini, em Roma, tem uma
quadrada suficientemente larga para que as pessoas
serrrem corrfonuvei'merrre, e a, cdomrs são l'ãu grossas
proporcionam sombra aos que se sentam ali. Estes
'pios 'assentos' rodeando o espaço oval, onde a
sibilidade de isolamento é maior, oferecem uma
italidade informal para todos, mesmo quando o resto
praça está deserto. Quantas colunas entre as que estão
o projetadas hoje em dia em todo o mundo oferecem
qualidade adicional semelhante aos que no futuro
:o de viver com elas?" [6]
494
495
185
DE EVENAAR, ESCOlA (496-498)
Parapeitos ao lado de escadas são geralmente inc. -
paralelos ao corrimão. Esta é, de fato, a solução
em muitos casos, indicando de maneira lógica a p
escada. Mas quando é colocado numa posição em ~
oferece vista de algo, como no caso da escola "De E,_
ele convida a pessoa a debruçar-se, ou até mesmo
sentar-se. Quando alguma coisa está acontecendo,
pessoas querem parar um pouco e observar - e isto :
razão suficiente para que a arquitetura contribua pa-:
uma capacidade potencial de assentos. Nesse caso '
boa idéia colocar, em vez do costumeiro parapeito i -
um parapeito dividido em degraus largos o suficien y
504
505
506 507
,;1
li
"Cité industriei/e",
1901-4 / T. Garnier
..
,u
I· 11
~
'I
190
urbanos e os arquitetos não estão tentando que oferecem uma visão do que está se passando.
constantemente, sob pressão política ou não, reservar O arranjo estimula o contato informal entre a equº:o:
Place C/emenceau, cada vez mais e mais espaços separados para bondes, hospital, mesmo quando em serviço, e os residen~
Vence, France &
Rockefeller Plaza, bicicletas e outras formas de trânsito - esse serviço As pessoas que ficam ali sentados têm uma visão
Nova York resultando no fato de as casas terem de ser ainda poro o corredor. As janelos dos quartos de dormir
podem ficar abertos, permitindo algum contato.
Estes nichos, contrabandeados através do barreiro
padrões estritos dos metros quadrados, podem ac
facilmente quatro pessoas (no máximo seis). É um __
poro receber visitas, fazer uma refeição, e freqüer _
há uma televisão ou um rádio. A parede dos fund •
tantos prateleiras quantos é possível, oferecendo es_
poro que os pessoas guardem seus pertences mais
queridos, poro os quais não há lugar no quarto de
O tamanho destes espaços e a maneiro como são
mobiliados criam impressão de uma saio de estar
sob medido para as pessoas que estão morando a
fossem mais largos, certamente seriam menos funci
A área é a mesma
-=
pequenos grupos, não individualmen:e
Um estudo da situação demonstrou q e :_
em A, B, C e D
componentes do programa podiam se· .==:::::A..
espaços, ou lugares, de 3 x 3 metros
E, como na prática as coisas não tê esse
numérica, foram levadas em conta as -
para absorver excessos nas áreas de e·
único grupo central, ou, inversamente, um espaço possível dizer que este edifício tem po'e _
amplo inarticulado não deixa necessariamente de criar absorver mudanças internas de longo -
as condições para vários usos ao mesmo tempo. também para dar a impressão de que
Na verdade, é possível articular um espaço de tal objetivos diferentes, isto se deve à sua
modo que seja adequado tanto para o uso por exemplo, quando uma exposição e
centralizado como para o uso descentralizado, caso prédio (como acontece regularmente), o =±~.ii
em que podemos adotar tanto o conceito de grande simples e rapidamente transformado n
escala como o conceito de pequena escala, qualidades de uma galeria.
dependendo de como queremos interpretar o espaço. Contudo, o sonho de um espaço constru'~- -
Mas estamos falando simplesmente do princípio: não é com qualquer programa de uso possível -::
preciso dizer que é a natureza da articulação - o seu integralmente realizado aqui, embora pa
"comprimento de onda", a sua qualidade, isto é, como nosso alcance.
521 o princípio será posto em p.rática - que determina o O segredo da articulação de uma varied
'1, potencial do espaço. na verdade, que este sonho jamais podera -
1.,
,, ,1 522 523ob realizado. Pois o tamanho das unidades es_:
1 ' "Devemos articular as coisas para torná-las menores, chamamos lugares está baseado nas neces: -
524
isto é, não fazê-las maiores do que o necessário, e do que poderíamos chamar os padrões de
mais administráveis. E, como a articulação aumenta a
aplicabilidade, o espaço se expande simultaneamente.
Portanto, o que fazemos tem de se tornar menor e
ao mesmo tempo maior; suficientemente pequeno para
que possa ser usado e suficientemente grande para
que ofereça o máximo de uso potencial. A articulação
conduz, portanto, à "expansão da capacidade" e,
assim, a um rendimento maior do material disponível.
Necessita-se desta maneira de menos material, graças
à sua maior intensidade.
•Todas as coisas deveriam receber dimensões corretas,
e as dimensões corretas são aquelas que as tornam
tão manuseáveis quanto possível. Se decidirmos parar
de fazer coisas do tamanho errado, logo se tornará
claro que q-uase tudo deve ser feito um pouco menor.
As coisas só devem ser grandes quando forem
compostas de um conjunto.de unidades pequenas, pois
dimensões excessivas criam imediatamente distância e
separação, e, ao insistirem em projetar numa escala
demasiado ampla, grandiosa e vazia, os arquitetos se
tornaram produtores em grande escala de distância e
alienação. A grandeza baseada em multiplicidade
implica complexidade maior, e esta complexidade
aumenta o potencial interpretativo graças à maior
diversidade de relações e à interação dos componentes
individuais que juntos formam o todo." [4]
i'"'
1·::'1
1
REFORMA DE RESIDÊNCIA
A reforma em pequena escala, sem n :i:
uma residência comum, tinha como o ·;;· _
térreo a um uso mais diferenciado, par _ -
abrigar mais atividades independentes. '"'
pavimento seguia o padrão trad iciona a
jantar e sala de estar; depois de ser aj
O edifício, portanto, pode servir como uma estrutura básica com ocupações mais diferenciadas, o o...,.;_,:-_••,.__
528
apenas para objetivos que se adaptem a ele. A gama de pelo menos mais três espaços de trabo -
possibilidades de um edifício é determinada pela densidade mesa extra e cadeiras na cozinha. O es _-
529 530
de sua estrutura e da articulação dela derivada . Embora cantos esquecidos foi usado para aumer
funcione muito bem como um edifício de escritórios, oferece lugares e, deste modo, a capacidade do
um ambiente bastante insatisfatório para uma festa da comunitário como um todo.
empresa com toda a equipe, por exemplo. Deste modo, não
1
lugar
definitivo chega a surpreender que para tais eventos se use o espaço A "capacidade de lugar" é uma qual"
do saguão do edifício ao lado. Este saguão é parte integral pavimento que não é necessária à passc1g111• ••
lugar
do conjunto como um todo e é, portanto, de fácil acesso. lugar para outro. Um critério decisivo
possível qualidade da planta de um pavimento e
Pode-se medir um pavimento de acordo com sua de pavimento disponível seja usado da
capacidade para criar lugares, obtendo-se deste modo eficiente possível, que não haja mais · ~-~,.
uma impressão do potencial do pavimento para circulação do que o estritamente nec
acomodar atividades mais ou menos separadas. espaço seja organizado de tal modo
O pavimento tradicional na arquitetura holandesa máxima capacidade de lugar. É fácil
compreende dois quartos interligados, separados por capacidade de lugar da planta de um pcrill••
armários embutidos com portas corrediças. Ao longo conferindo quais áreas são essenciais c
dos anos, muitas pessoas decidiram remover estes circulação ou quais áreas serão, com
Moradia, Amsterdam
obstáculos para obter um espaço único, amplo. probabilidade, usadas para esse fim, e
subseqüentemente estabelecendo quais ·
A: original
CJ
remanescentes atendem às exigências mi:.:ã--MI
"lugar". Em seguida, deve-se considerar se
:·I dimensões dos lugares e o grau de a
l'f fechamento realmente correspondem ao -
que se dará a esses lugares. Avaliando e
a planta de um pavimento por meio desse
mapeamento, aumentar a capacidade de
B: depois da nosso espaço torna-se um procedimento
reforma
Giulian'o Da Sangalo
Peruzzi {à direita)
Michelangelo
Bramante {à direita)
531 532
533 534
li111
:'11(111
r::·'
!·Ili
r 11
OMA, DESDE 1452 (531-534) essencialmente a mesma em princípio, mas as medidas 'Esta planto foi
provavelmente
=ominamos uma das primeiras plantas atribuídas foram alteradas. Isso criou proporções diferentes, fazendo elaborada em
re Peruzzi*, anterior à planta de Michelangelo com que o espaço central se tornasse dominante. Os outros colaboração com
Bramante. As vários
:: uai a igreja acabou sendo construída, ficamos espaços receberam um papel subordinado e suas plantas para São Pedro
dos com a articulação intricada e imaginativa, demarcações foram reduzidas a tal ponto que se torna foram atribuídas a
arquitetos diferentes, e
o planta não passe de um diagrama. Vemos uma extremamente improvável a idéia de usá-los é impossível dizer
ços que produzem um padrão independentemente do espaço principal. A área principal exatamente quem
projetou determinada
temente rico sem que as linhas gerais se parece absorver o resto, e esse efeito sem dúvida seria planta, como mostram
Jece que estamos lidando com uma escalp aumentado se levássemos em consideração também o corte, os informações de
diversas fontes.
te diferente daquela da planta de Michelangelo. comparando a altura da planta de Michelangelo com uma Fontes: L. Benevolo,
e seríamos inicialmente inclinados a chamar outra, imaginária, com a mesma proporção de altura e Storio dei/o Ciffà /
Norberg Schulz,
ipal não difere, em sua articulação e largura da planta de Peruzzi. Meoning in Western
dos espaços situados junto a ele. Como Aqui podemos verificar o que uma mudança de articulação Architecture / Pevsner,
An Outline oi Europeon
·a, não se pode realmente falar em espaço faz ao espaço, como algumas mudanças de medida podem Architecture / Van
em espaços secundários. Nenhuma parte alterar um espaço a tal ponto que ele perde sua Rovesteyn, ' De
ina qualquer outra. doorbrook noar de St.
capacidade de demarcação no que diz respeito a pequenos Pieter te Rome
11
in
1
536
localizadas simetricamente nos quatro cantos do volume
537
central. Em vez de umas poucas escadas grandes, opfamos
mais uma vez por várias escadas pequenas suficientemente 538 539
- arranjo dos assentos consiste em compartimentos que envolve o auditório principal como uma película tênue,
a balcões intercalados com um grande número usaram-se ao máximo as possibilidades oferecidas por
ens e escadas que seguem a forma do anfiteatro cada local, tais como uma vista para a praça, para a
a baixo; as saídas estão localizadas em vários galeria interna ou, por outro lado, completo isolamento.
és dos quais os visitantes são naturalmente Nos estágios iniciais da planta, parecia que o espaço em
s aos foyers em todos os níveis. torno do auditório principal apenas circundaria o auditório
~ de número de balcões de bufê nos vários do maneira convencional. Mas, ao longo do processo,
ra que as pessoas possam ser servidas sem transformou-se gradualmente numa sucessão de unidades
~ _ronte os intervalos. Além das escadas no espaciais com uma grande variedade de qualidades, em
1á ligações entre os diferentes níveis e os foyers que se alternam luz do dia e luz artificial, tetos altos e
• itório, por meio de pares de escadas baixos, ocasionalmente côncavos, e, ao longo do caminho,
,j
:: ·1i· fi
,)
f ORMA CONVIDATIVA 203 ,1
1
PAVILLON SUISSE, PARIS, 1932 / LE (ORBUSIER (553-558) desse tipo tenha um número respeitáve -=
O patamar semelhante a uma passagem depois dos seis quadrados adicionais na sacada, não'"::
degraus da escada - que faz recuar a escada - fornece um com um espaço tão longo e tão estrei
espaço de onde se pode ver por cima da parede da sala de uma forma diferente - mais para um '-=··-.....u..
estar comunitária, e de onde também se pode ser visto. exemplo -, poderia abrigar uma mesa
Assim, a visão de quem esteja subindo ou descendo a pessoas pudessem fazer uma refeição
escada se abre, ao mesmo tempo em que oferece certo quadrado da sacada oferece ainda
grau de privacidade aos que estão na sala de estar, causa de sua profundidade, e pode
protegendo-os do olhar dos que estão entrando pelo ha/1. parcialmente protegido. Além disso,
vem juntar-se diretamente à fachada
SACADAS assim num espaço cheio de luz e do
As sacadas são freqüentemente construídas ao longo da sem ter de ir à sacada.
553 554 largura de um edifício, e esta não é uma má idéia do ponto
de vista do custo e da conveniência de construção. Uma
559 desvantagem, porém, é que essas sacadas não podem ser
555 556
557 558
muito largas porque roubam a luz dos andares que ficam
embaixo. Embora um apartamento desse tipo num prédio
• 1
PAVILLON DE L ESPRIT NOUVEAU, PARIS,
(560-564)
1
Pavillon de l'Esprit
Nouveau,
reconstruído em
Bolonha, Itália
567
568 570
569 MORADIAS DOCUMENTA URBANA (567-.:
Nesta parte do projeto de moradºcs :
escada como "rua vertical" foi cor-:: -
da varanda como cômodo exterior --
espaçosas estão justapostas em c .:
que se projetam alternadamente ~ :
lado, para que o espaço vertical~--
varanda do andar de cima.
! Assim estas varandas compreen e _
',,'\.___________ •J semelhante a uma galeria aberta e
mais aberta e extrovertida, seme
Usando os princípios elementares da organização um vão livre vertical de dois andares .-._- ,_,..,...._
espacial, é possível introduzir muitas gradações de isolada é protegida de um lado
abertura e isolamento. O grau de isolamento, como o Este projeto faz com que seja poss .
grau de abertura, deve ser cuidadosamente dosado, fora sem ser observado e sem ser -
para que sejam criadas as condições para uma grande conhecimento dos vizinhos, ou, se ~
variedade de contatos, indo desde a decisão de uma posição mais "expostaª, c
ignorar os que estão à sua volta até o desejo de varandas e inteiramente à vista a
juntar-se a eles, de modo que as pessoas possam, pelo estamos livres para decidir se va.... • · -
menos em termos espaciais, escolher como querem se conversar com os vizinhos - n
colocar diante dos outros. Também a individualidade emprestado um pouco de açúcar
de todos deve naturalmente ser respeitada tanto respeito do tempo.
ARCELONA, 1972-75 / MARTORELL, BOHIGAS & escada. O layout de cada andar é claro à primeira vista; 580
-.: 3) há contato constante entre as pessoas que sobem e descem
: ncipal desta escola de vários andares eleva-se as escadas e as que estão paradas (sentadas ou 581
fachada, dando acesso aos sucessivos andares debruçadas) . Em vez da superposição convencional das 582 583 ! 11.;,
:x>ntos do edifício: as entradas não estão unidades espaciais, temos aqui um todo unificado, com a 11,11111, 1111
• a acima da outra verticalmente. Como a escada servindo como um meio para unir os andares; é
nde por toda a fachada, o espaço acima é uma ilustração de como se pode oferecer suporte espacial
oase da escada. Como os vários andares para o que as crianças das várias turmas têm em comum.
frente para as escadas, cada andar tem uma Aqui, ir e vir se torna uma atividade comunitária cotidiana,
_ do espaço do lado de fora através da fachada com uma chance razoável para que cada um possa
=oortanto também das pessoas que estão na entrever um amigo de uma turma diferente." [9]
!!111111
600 601
602
603
216
às opiniões dos outros. Se a Holanda é um
rtura e de dimensões pequenas, então esta
ão, em termos de forma e espaço, da
orno nos relacionamos uns com os outros,
como tratamos o outro e de como
os, dentro e fora, manter um ambiente social
ente harmonioso, na soma e nas partes!" [7]
AN NELLE, RomRDAM, 1927-29 / M. BRINKMAN, circular do teto, que lembra a ponte de comando de um ' ' A caixa de chocolates
no alto da fábrica foi
DER VLUGT (603-609) navio. Mas este ponto mais alto, com sua vista impressionante projetada e desenhada
por mim, muito a
s mais lúcidos exemplos do Nieuwe Bouwen (corno das instalações do porto, no horizonte, não se descortina contragosto. Também
ado o Movimento Moderno na Holanda) e apenas para os que estão no comando, mas também para não concordei muito
te o maior neste país, é a fábrica Van Nelle, em todos os operários da fábrica. O edifício corno um todo,
com a parede côncava
da seção de escritórios
!li
rn. Suas grandes dimensões jamais são originando-se de urna espécie de abordagem racional e - mas Van der Vlugt
estava no comando.'
doras, e o edifício não só mostra o que está aberta, significou urna clara ruptura com o passado e (Carta de Bakema, l O
ofereceu o vislumbre de um novo mundo, com melhores de junho de 1964, in
endo lá dentro, corno também é projetado para dar J B. Bakema, L C van
trabalham dentro dele a visão mais ampla possível, relações entre as pessoas. O que torna esse edifício tão der Vfugt, Amsterdam,
196B)
do mundo exterior, mas em particular dos espetacular, além do fato de que parece urna grande máquina
heiros de trabalho. O exterior curvado da seção de transparente, é que ele insere o princípio de relações
'os não se deve apenas à via de trânsito ao lado, não-hierarquizadas na organização arquitetônica racional." [7]
· o layout dos volumes do edifício o fator 604 605
inante para esta solução particular. O que levou Van
gt a optar por essa magnífica curva - indo contra as 606 607
cões de seu colaborador Mart Starn - não pode ser Ili
1
222
literalmente o caso - em virtude do deslocamento do foco 623
de atenção, dirigindo o olho para cima ou para baixo ou 624
para a rua lá fora . A qualidade da luz que entra pela 625
janela também muda: quando ela entra pelo alto sem
reflexos, traz consigo a qualidade do exterior, que é
1
e, portanto, também o espaço da arquitetura.
S VISÃO Ili II
A verdade" não existe mais. Dependendo de
posição e de nossos objetivos, experimentamos
realidade estratificada, e assim cabe à arqui
"revelar" mais, tornar transparentes, por ass·
os diferentes níveis da experiência e, por con,>e!,i;;a-r..
lançar mais luz sobre o funcionamento e a inter:69111111•
das coisas. Seja qual for o significado atribuído
experiência do espaço, no século XX, ela certa
compreende mais do que uma percepção pur
visual. O desvendamento pela arte e pela ciê
século XX de camadas de significado nunca
suspeitadas mudou nossa maneira de ver e, ,,,.,.,, _ __.
também a nossa maneira de sentir. O mundo
porque agora vemos as coisas de um modo que -
víamos antes, ou melhor, de um modo de ver
percebíamos antes. Em nossa época, somos ca
ver tanto que não podemos nos contentar com
aparências superficialmente agradáveis e com
arquitetura decorativa. O espaço da arquitetura
também compreende uma resposta aos outros
fenômenos e camadas de significado presentes
nossa consciência pluralista.
228
:: qualidade das gravações modernas permite que visão dos outros companheiros de platéia, e isso, em
ouçam na intimidade de suas próprias salas de combinação com o arranjo das cadeiras e o articulação do
ões que raramente são igualadas nas espaço, torno possível uma atmosfera de unidade, até
ões ao vivo, é a experiência compartilhada que mesmo de comunhão, o qual seria impensável numa sala de
ao concerto uma experiência especial. Além concerto projetado convencionalmente, com uma fila de
sala de concerto que se podem ver os heróis e assentos atrás da outro, todos voltados na mesma direção.
s discos. Desta maneiro, o edifício se adapto à natureza específica
mais próximo de um teatro de arena do que do evento, não só tornando o próprio auditório adaptável
::e concertos tradicional, torna este auditório (flexível, no equivocado jargão arquitetônico), mos
para os numerosos gêneros de música com que a dando-lhe também polivalência: não só fornece um
ão em si tem um papel mais central do que na ambiente adequado paro espetáculos de músico clássico de
'.llúsica clássica. Além disso, a plataforma pode orquestra e de câmara, jazz, espetáculos de variedades, o
~da para incluir os assentos no nível do solo, circo (com leões vivos!), além de espetáculos experimentais
oossível assim a performance num palco circular. com os diversos seções da orquestro posicionadas nos
io está equipado com toda a gama de serviços cantos, como ainda confere ao próprio espaço o papel de
ação teatral e seus controles - visíveis nas barras um instrumento com o qual todos esses diferentes eventos
no alto. Além de ser adequado para um amplo podem ser executados." 15]
espetáculos musicais, a sala de concertos deveria,
:e, contribuir de fato para a qualidade do que • Nossa arquitetura deve ser capaz de acomodar todas
ali dentro, melhorando a atmosfera geral e as essas diversas situações que afetam a maneira como
- de trabalho. um edifício é entendido e usado. Ela não só deve ser
oferecer possibilidades de ajustamento de tamanho capaz de adaptar-se às condições mutáveis do tempo e
- da plataforma, assim como de disposição e às diversas estações, como deve também adequar-se
e dos assentos, i.e., flexibilidade técnica e para ser usada tanto durante o dia quanto durante a
cional, o espaço deve ter a capacidade de se noite; deve ser deliberadamente projetada para 641
ao grau de abertura ou intimidade exigido por responder a todos esses fenômenos.
táculo particular, ou seja, de promover o O arquiteto deve levar em conta todos esses diversos
ento dos espectadores entre si e com os músicos. tipos de usos, assim como os sentimentos e os desejos
em anfiteatro do auditório não só oferece a todos dos vários tipos de pessoas, cada uma com seu padrão
visão dos músicos, como também oferece uma boa específico de expectativas, suas próprias possibilidades
111
.,,
11111
e restrições. O projeto definitivo deve estar mostrar o que não é realmente visível, e despe
harmonizado com todos os dados intelectuais e associações de que não tínhamos consciência a
emocionais que o arquiteto possa imaginar, e deve Se conseguirmos produzir uma arquitetura que
relacionar-se com todas as percepções sensoriais do capaz de incorporar diferentes níveis, de tal m
espaço. As percepções do espaço consistem não só no as diversas realidades, tal como encontradas nas
que vemos, como também no que ouvimos, sentimos, e diversas camadas da consciência, possam ser re
até mesmo no que cheiramos - assim como nas no projeto, então o ambiente arquitetônico pode
associações que despertam. visualizar essas realidades e dizer algo "sobre o
Desta maneira, a arquitetura também é capaz de mundo" aos usuários.
- -
643
644
.-
230
_ POISSY, FRANÇA, 1929-1932 / LE (ORBUSIER
j j! I I
se preocupou com os mecanismos daquilo que
:.:1111
te dele; ele podia alterar o leito de uma corrente
r a direção da água, de modo que a água
sível aquele novo curso e se transformasse num
- :gua diferente; assim, a água se tornaria mais
- - is fiel a si mesma, ao mesmo tempo em que a
~mbém se tornaria mais clara e verdadeira .
: edifício nos diz algo sobre a água que passa
-:- ado, e a água nos diz algo sobre o edifício; e,
, tanto a água como a superfície coberta pela
am-se mutuamente, contando-nos algo sobre o
re si mesmas." [2]
660
661
236
as da escada: em vez de termos de atravessar
res que levam a salas separadas, a própria escada
duz às diversas áreas da casa. Os degraus são bem
'10 andar térreo, e se tornam mais estreitos à medida
m. Parece bastante lógico que os degraus para as
-ais privadas nos andares de cima não precisem ser
gos, e uma vantagem adicional da maior abertura quando não funciona. O aspecto mais impressionante das 662 663
da escada no alto da casa é permitir que a luz que lâmpadas que Horta desenhou para a área do ha/1 de sua
:,ela clarabóia atinja uma extensão maior da casa. casa é naturalmente sua semelhança com flores. Mas, para 664
.oorções da escadaria nos tornam conscientes em o próprio Horta, a forma semelhante a plantas representava
: dar da altura do prédio, dando com isso, ao prédio mais do que um ornamento: era uma maneira de organizar
m todo, coerência espacial e unidade." [9] as exigências de energia de uma maneira funcional, em
que a estrutura de sustentação do edifício se combina com
s acostumados a ter eletricidade em cada quarto, um sistema distinto de condutos para luz de gás e para o
: fiação escondida da vista em algum lugar nas aquecimento. Cada componente neste sistema integrado
s, mas isto reduz o fenômeno da eletricidade a algo funciona independentemente dos outros, e pode ser visto
eiro e em que nunca pensamos. Eo aquecimento, realizando sua função dentro do todo.
regulado automaticamente, é algo que só notamos
com base em princípios inteiramente novos. Era sonho, os componentes arquitetônicos produzidos 670abc
imaginávamos uma arquitetura feita com industrialmente não se assemelham a eles, e não têm o 671 672
tes estruturais pré-fabricados. O sonho de que sentimento de Chareau, Eames ou Piano. Os interesses da
ueza de soluções poderia estar ao alcance de indústria de construção e os caminhos que ela trilha na 673
ia finalmente estar se tornando verdade. prática não coincidem. A indústria da construção prefere
com que a casa foi projetada e construída em produzir lixo com obsolescência embutida, ou então se
es evoca em nossa mente a perfeição simbólica prostituir com elementos perfeitos de concreto pré-fabricado
s Royce, e hoje, mais de cinqüenta anos depois, que se escondem por trás de uma máscara ridícula de
ai nda funcionando suavemente, ainda somos modelagem vagamente classicista: somos capazes de tanta
:iela admiração. E isto de fato tampouco chega a coisa - e, portanto, também de vulgaridade. Não, a
"Maison de Verre" permanece um sonho, e o novo mundo
er, pois suas delícias repousam não apenas na
da produção industrial ainda não aprendeu a fabricar
cada solução como tal, mas derivam da
- de que seria possível repeti-las.
· o parece mais a forma de uma técnica do que a
:a uma forma. E ainda podemos imaginar que a
• :: de nossa época será capaz de produzir uma
em que cada elemento dentro do todo
possa ser compreendido pelo que é e por que foi
• a determinada maneira. Mas por que o
menta da indústria deu tão pouca atenção ao
essa técnica?
=- ·stam muitos edifícios com implicações industriais
formal e que, desse modo, perpetuam nosso
l:lli
705
706
707 708
'i"'
alquer direção, a forma principal do edifício é vista • Quando partimos de uma ordem formal, é
uma composição simétrica, agrupada em torno de importante evitar forçar todos os elementos nesta
área central que é mais alta do que o resto e para ordem, porque inevitavelmente os tornaremos
as diversas alas convergem. O aspecto simétrico do subservientes ao todo, isto é, o valor dado às partes
o não se deve tanto a uma planta preconcebida como será ditado pela ordem que governa o todo. Só
partindo de cada elemento individual, e fazendo-o
contribuir por si próprio para o todo, é que se, pode
obter um ordenamento em que cada componente,
pequeno ou grande, pesado ou leve, tenha seu lugar
apropriado de acordo com o papel específico que
desempenha dentro do todo.
em em relação com as que estão embaixo. Até as condições espaciais estão igualmente distribuídas e
as pessoas que são apenas mais altas do que a se, deliberada ou acidentalmente, nossas soluções
estão em vantagem, e se há uma escolha entre o correm o risco de confirmar, no âmbito espacial, aquilo
de cima e o de baixo, os de cima são sempre os que já é dúbio no âmbito social. Mesmo que a
dos. Na linguagem cotidiana, também as pessoas arquitetura como tal exerça talvez apenas uma
as outras "de cima" ou "de baixo", e as implicações influência secundária nas relações hierárquicas dentro
uicas destas expressões se referem diretamente ao da sociedade, podemos pelo menos tentar evitar que
tipo de precondições espaciais da arquitetura . essa hierarquia seja reforçada e propor condições
re necessário considerar se uma posição elevada é espaciais que se contraponham a ela. Em que medida
.: te funcional, como no caso da casa de leme no a arquitetura pode ter uma implicação política? Existe
:>u da plataforma do diretor de cena no teatro, e mesmo algo a que se possa chamar arquitetura
:uidado para que as pessoas com maior poder de totalitária ou arquitetura democrática, ou esses termos
· não sejam automaticamente conduzidas a dominar são apenas interpretações fantasiosas baseadas num
de trabalho também no âmbito da organização sentimento pessoal e portanto sem nenhuma validade
1. Num edifício de escritórios, os gerentes e os geral? Todos tendem a considerar opressivos edifícios
de departamento reivindicam imediatamente as salas de escala excessivamente grande, que diminuem os
724 727
725 728
726 729
Place Stanilas e Place de la Carriere, Nancy, 1151-55 / H. E. Heré Royal Crescent, Bath, 1161-14 / J. Wood, J. Nash
ººººººº
ººººººº O exemplo mais extremo de abuso de condições espaciais é
]~:D= ÜlC~ a insistência de Hitler em sentar-se a uma mesa sobre uma
ººººººº
ººººººº
00000000
00000000 plataforma alta no fim de uma sala comprida e alta, para
que os visitantes tivessem de atravessar uma distância
considerável enquanto ele os olhava do alto: um esforço
calculado para fazer com que o visitante se sentisse
pequeno e inseguro. Há muitos outros exemplos menos
extremados de uso indevido do espaço, nem sempre
intencionais, talvez, mas devidos à falta de previdência.
Soluções funcionais que parecem bastante inocentes podem
servir para reiterar o exercício do poder. Basta pensar no
arranjo "estrelado" das estantes em muitas bibliotecas, com
o supervisor no meio para que ele ou ela possam vigiar
tudo - como numa prisão. Ea persistência dessas ridículas
pequenas sacadas na frente de edifícios públicos
"importantes" que, por mais agradável que seja o efeito
escultórico sobre a fachada, só servem para alguém
"dirigir-se de cima" a um grupo de pessoas.
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734 735
736 737
SÃO PEDRO, ROMA (741·752) aula poderiam ter seu próprio espaço separado nas torres,
A comparação de alguns momentos da história de São enquanto o espaço em sua totalidade oferece aos grupos a
Pedro nos ajuda a esclarecer muito sobre a postura e as maior oportunidade imaginável para encontrar um lugar
idéias dos arquitetos envolvidos, exatamente porque o com as proporções, intimidade e ligação com os outros,
prédio é um símbolo poderoso de hierarquia. Até mesmo requeridas nesta época particular. Quanto mais chegamos
quando a história é obscura a esse respeito, as próprias perto do centro, mais ele se torna aberto, o que dá mais
plantas, vistas como projeções das consciências dos espaço para a atividade comunitária.
arquitetos, são capazes de contar sua própria história sobre A planta é organizada como uma sucessão de lugares, em
os pontos de vista e os sentimentos das pessoas que as que cada um deles forma um centro em relação com os que
projetaram. estão em volta, mas em que nenhum espaço domina o
Parece-me que a planta de Peruzzi, que estimulou essas outro. Assim, o espaço no meio não tem de ser
741 742 743
considerações, é difícil de ser superada em riqueza. Como necessariamente o espaço principal, mas também pode ser
planta esquemática não passa de um diagrama, mas como visto como caminho para os centros situados ao seu redor.
744
arquétipo também poderia servir de base para muitas Esta planta é, portanto, um exemplo perfeito do princípio
outras coisas, bem diferentes talvez de uma igreja. de igualdade expressado na organização espacial. Além
Consideremos, por exemplo, uma escola, onde as salas de disso, suas excepcionais qualidades espaciais fazem com
que cada parte possa ser interpretada separadamente,
embora essa interpretação venha a sofrer a influência das
partes ao seu redor, e vice-versa, em virtude da
organização aberta.
Por conseguinte, esta polivalência é, em princípio,
anti-hierárquica: podemos ir mais além e dizer que é um
modelo espacial de liberdade de opinião e de escolha, em
que várias opiniões podem influenciar-se mutuamente, sem
exercer domínio, em virtude da "transparência" do todo.
Imaginemos o que poderia ter acontecido se essa planta
tivesse sido desenvolvida e construída em vez da igreja que
existe hoje, com seus relacionamentos unilaterais que já
poderiam ter sido detectados no estágio de planejamento.
As proporções, a articulação, a relação do fechamento com
a penetração de espaços, consideradas em si mesmas nas
suas relações recíprocas, a concavidade e a convexidade
das paredes, as direções, as entradas e suas posições, tudo
se combina para formar a organização espacial que
determina se uma planta serve para promover a dominação
ou a igualdade. Deste modo, as relações espaciais exercem
influência sobre os relacionamentos entre as pessoas. Outra
diferença igualmente vital entre as plantas de Bramante e
Peruzzi, e a de Michelangelo, pode ser encontrada no
princípio do acesso. A simetria consistente, assim como a
O
uía a postura correta e o sentimento correto para levar --; <-
ante o que devem ter sido seus objetivos, de modo tão
--; <-
ente que se torna fácil discerni-los também em suas t t
es. A colunata quádrupla, não apenas uma mera
sória, mas uma construção substancial em si mesma,
a uma fronteira visual que é suficiente para causar às
s metades da parte oval um efeito de fechamento.
iQndo através desse espaço cercado, podemos ver as
s vizinhas, que se tornam uma presença constante.
·-im, os dois mundos, ambos modulados de acordo com
lógica própria, um de maneira informal, o outro
posto de maneira inteiramente escultórica, se
plementam através dos contrastes. Além disso, resulta contraponto à igreja e que seria mais difícil de romper. Da esquerda para a
criação de belos espaços no intervalo. Só quando visto Naturalmente, aqueles que desejavam dar ainda maior direita:
1. Bramante
- centros dos segmentos ovais, onde as quatro fileiras de expressão ao poder da Igreja sempre reivindicaram que ela 2. Michelangelo
,mas são, por assim dizer, 'conjugadas', é que o espaço fosse rompida, ao mesmo tempo em que a grade da rua 3. Moderno
de seu efeito de fechamento e torna-se transparente. também ajudava a promover esse rompimento. No entanto, 4. Bernini
5. Piacentini e
á que Bernini fez tudo isto deliberadamente? Se o fez, foi Mussolini quem pessoalmente deu ordens em 1934 para
Spaccarelli
I é a importância? Afinal de contas, sua solução demolir a 'Spina'! Foi assim que os arquitetos Piacentini e
rpreendentemente original funciona, e isto é o que vale! Spacarelli substituíram o célebre bairro pela lúgubre Via
~-rante quase três séculos, continuou a existir uma espécie Della Consolazione. O fascismo e a Igreja chegaram a um
equilíbrio arquitetônico entre a igreja e a praça de acordo no campo do planejamento urbano, e é difícil
nini, mesmo sem o braço final que consolidaria seu imaginar uma expressão mais literal de suas intenções
sociais. O eixo que se originou da entrada principal única
de Michelangelo foi extrapolado e aumentado na escala da 751
cidade. Isto colocou a igreja no campo visual, expressando
assim sua dominação no contexto do planejamento 752
urbano." [6]
- -·~-··--"";"
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264 llÇÕES DE ARQUITETURA
variedade de traços cotidianos que seriam rejeitados que ele conseguiu também evitar essa armadilha. Arquitetos
maioria dos arquitetos como burgueses, que, como ele que jamais tinham visto algo semelhante olharam esse novo
reendeu muito bem, iriam modelar a realidade da mundo de formas como uma novidade exclusiva, mas,
·ncia cotidiana tão logo o edifício estivesse concluído. apesar de sua originalidade, os grandes blocos brutos de
do Le Corbusier usou o termo "máquina de morar", concreto que parecem rochas artificiais encontram-se tão
a se referindo não tanto à perfeição e à automação, integrados no ambiente que parecem fundir-se à paisagem
a uma atenção especial a como uma moradia funciona e, nesse sentido, possuem certa familiaridade com os
rtanto, como esta deveria ser projetada com isto em habitantes locais.
te. Pois as estruturas brutas e inacabadas de concreto, tão
últimas obras de Le Corbusier (depois da Segunda diferentes da leveza e da suavidade dos estereotipados
a Mundial) e particularmente nos edifícios que edifícios modernos, não estão assim tão afastadas das
etou na Índia, parece, a princípio, que as pessoas residências tradicionais que a população local constrói para
oom uma posição subsidiária como resultado de um si. Épor causa de suas vastas proporções e de sua solidez
amento da ênfase para uma forma escultural sem que os edifícios de Le Corbusier dominam os arredores,
edentes. Ele decidiu concentrar sua atenção na sede do certamente não por causa de ecos autoritários da
rno em Chandigarh, a nova capital do Punjab, para a arquitetura! E não há nenhum traço de referência às forma_s
forneceu o plano urbano; o projeto das moradias foi classicistas, nem, na verdade, a quaisquer outras formas que
ado para outros. Este novo conjunto administrativo possam despertar associações com o exercício do poder.
a exprimir a esperança e o otimismo com os quais o Assim, podemos nos aproximar desses edifícios tanto
ontinente tragicamente empobrecido procurava se montando um jumento quanto dirigindo uma limusine, e as
volver e se tornar um estado novo, moderno - um pessoas parecem as mesmas, estejam dentro ou fora,
o no qual a arquitetura oferece às pessoas uma saída usando roupas caras ou vestidas com farrapos. Aqui,
sua triste situação. evidentemente, faz muito pouca diferença quem você é e o
numental poder escultórico da forma que Le Corbusier que você representa.
761
surgir diante dos nossos olhos é assombroso e
' stico. Mas não é assim mais para os arquitetos do EDIFÍCIO DO PARLAMENTO, (HANDIGARH, ÍNDIA, 1962 /
para as pessoas daquela cidade? Mais para os que LE (ORBUSIER (761 -762)
- no poder do que para o eleitorado? Sim e não. O ha/1 principal em volta da assembléia é, em particular,
ºmeira vista parece que sim, mas o extraordinário é singularmente espaçoso. Grande como uma catedral, cheio
das mais altas colunas que jamais vimos, este espaço nos RESERVATÓRIO DE ÁGUA, 5URKEJ, ÍNDIA, 1446-51 (763)
dá a sensação de que existe há milhares de anos. Poderia Este grande reservatório, com vários similares nos
facilmente ter sido usado como um mercado, ou como um arredores de Ahmedabad, na Índia, foi concebido como um
lugar de culto, ou para grandes festividades: podemos ambiente para o descanso real, mas também como um
imaginar esse espaço como o cenário para um amplo leque reservatório de água em períodos de seca. Como em todas
de eventos, durante um grande período de tempo. as partes da Índia, as pessoas afluem todos os dias para as
Estes últimos projetos de Le Corbusier poderiam ser margens dos rios para lavar e enxaguar os tecidos
facilmente mudados, poderíamos até mesmo preenchê-los coloridos e brilhantes com que se vestem. O grande espaço
com o que quiséssemos - não que esta fosse a intenção de com degraus assegura acesso permanente à água, seja
Le Corbusier - sem que isto afetasse a identidade dos qual for o seu nível, ao mesmo tempo em que a articulação
edifícios. Isso poderia até ser-lhes favorável algum dia. Eles horizontal fornece a cada um o seu próprio "canto" e,
conservarão sua beleza, quando se tornarem velhos e portanto, um território temporário.
decadentes, como uma paisagem essencialmente habitável.
266 li ÇÕ ES DE ARQUITETURA
uma vez um ambiente arquitetônico já extraordinário, i.e., que devem trazer o excepcional
strou como um gesto generoso pode oferecer até o nível do comum em vez de tornar extraordinário
o para acomodar a vida diária de inúmeras o ordinário.
s, este é o caso desses degraus na Índia. Eles Em nosso trabalho, devemos sempre procurar atingir a
am claramente que não há necessidade de existir qualidade em tantos níveis quantos se fizerem
"ato intransponível entre uma ordem arquitetônica necessários, para criar um ambiente que não sirva
1 (de que os arquitetos são tão ciosos), por um exclusivamente a um grupo particular de pessoas, mas
, e, por outro lado, a resposta aos requisitos das a todos. A arquitetura deve ser generosa e convidativa
ções informais do cotidiano (que os arquitetos para todos, sem distinção. A arquitetura pode ser
com menosprezo). Acreditamos que esse hiato descrita como convidativa se seu projeto for tão
é intransponível se os arquitetos envolvidos forem acessível aos marginalizados pela sociedade quanto
"entes em qualidade e competência. aos membros do sistema, e se pudermos imaginá-la
gesto nobre ou grandioso não precisa, portanto, existindo em qualquer contexto cultural imaginável. 763
ir automaticamente a vida cotidiana; pelo O arquiteto é como o médico - não há espaço para a
ário, pode emprestar-lhe um toque de nobreza e discriminação de valores em seu pensamento; ele deve
deza: o ordinário se torna extraordinário. Uma dedicar sua atenção a todos os valores igualmente e
epção errônea amplamente difundida entre os deve simplesmente providenciar para que aquilo que
itetos é que eles devem se preocupar com o pratica faça com que alguém se sinta melhor.