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HERMAN

-
LI COES
HERTZBERGER
DÉ ARQUITETURA

Traducão
CARLÓS EDUARDO LIMA MACHADO

·'-

Martins Fontes
São Paulo I 999
C U I OE B E M DESTE LIVRO
ELE SERÁ. !)TI! \H.!TR~~~.ZES
A capacidade para descobrir uma solução
PREFÁCIO fundamentalmente diferente para um problema, i.e., para
criar "um mecanismo" diferente, depende da riqueza de
nossa experiência, assim como o potencial expressivo de
linguagem de uma pessoa não pode transcender o que é
exprimível em seu vocabulário. Éimpossível dar receitas de
"Les choses ne sont pas difficiles à faire, ce qui est difficile, como pro;etar, como todo o mundo sabe. Não tentei fazer
c'est de nous mettre en état deles faire." isto, e a questão de saber se, de algum modo, é possível
(Brancusi) aprender a fazer um pro;eto não é tratada aqui.
O ob;etivo de minhas "lições" sempre foi estimular os
Éinevitável que a obra que construímos como arquitetos estudantes, despertar neles uma mentalidade arquitetônica
sirva de ponto de partida para o nosso ensino, e que pudesse capacitá-los a fazer seu próprio trabalho; meu
obviamente o melhor caminho para explicar o que se tem a ob;etivo neste livro continua o mesmo.
dizer é fazê-lo com base na experiência prática: este é, na
verdade, o fio condutor deste livro. Em vez de apresentar Herman Hertzberger
separadamente cada obra individual e explicar em seguida
todos os seus aspectos característicos, os diversos
componentes textuais foram organizados de tal modo que,
como um todo, oferecem algo semelhante a uma teoria; é a
maneira como os elementos são organizados que
transforma a prática em teoria.

Quando discutimos nosso próprio trabalho, temos de nos


. perguntar o que adquirimos de quem. Pois tudo o que
descobrimos vem de algum lugar. A fonte não foi nossa
própria mente, mas a cultura a que pertencemos. Eé por
isso que a obra dos outros está presente aqui de maneira
tão patente à guisa de contexto. Seria possível dizer que
este livro contém lições, lições dadas por Bramante, Cerdà,
Chareau, Le Corbusier, Duiker & Biivoet, Van Eyck, Gaudí &
Ju;of, Horta, Labrouste, Pai/adio, Peruzzi, Rietvefd, Van der
Vlugt & Brinkman, e por todos os outros que me
emprestaram seus olhos para que eu pudesse ver e
selecionar exatamente o que eu precisava para levar
adiante o meu trabalho. Os arquitetos (e não apenas eles}
têm o hábito de ocultar suas fontes de inspiração e até
mesmo de tentar sublimá-las - como se isto fosse possível.
Mas, ao fazê-lo, o processo de pro;etar se torna nebuloso,
ao passo que, ao revelarmos o que nos moveu e estimulou
em primeiro lugar, podemos nos explicar a nós mesmos e
motivar nossas decisões.
Os exemplos e influências que abundam neste livro
constituem o contexto cultural dentro do qual um arquiteto
trabalha e oferecem uma idéia do alcance dos conceitos e
imagens mentais que devem servir como instrumentos {será
que o output de idéias de uma pessoa pode ser maior que
o input?).
Tudo o que é absorvido e registrado por nossa mente
soma-se à coleção de idéias armazenadas na memória:
uma espécie de biblioteca que podemos consultar toda vez
que surge um problema. Assim, essencialmente, quanto
mais tivermos visto, experimentado e absorvido, mais
pontos de referência teremos para nos a;udar a decidir que
direção tomar: nosso quadro de referência se expande.
A Domínio Público
ÍNDICE

1 Público e Privado 12

2 Demarcações Territoriais 14

3 Diferenciação Territorial 20

4 Zoneamento Territorial 22

5 De Usuário a Morador 28

6 O "Intervalo" 32

7 Demarcações Privadas no Espaço Público 4

8 Conceito de Obra Pública 44

9 A Rua 48

1OO Domínio Público 64

11 O Espaço Público como Ambiente Construído

12 O Acesso Público ao Espaço Privado 74


B Criando Espaço, Deixando Espaço C Forma Convidativa

1 Estrutura e Interpretação 92 1 O Espaço Habitável entre as Coisas 176

2 Forma e Interpretação 94 2 Lugar e Articulação 190

3 A Estrutura como Espinha Dorsal Gerativa: Urdidura e 3 Visão 1202


Trama 108
4 Visão li 216
4 Grelha 122
5 Visão Ili 226
5 Ordenamento da Construção 126
6 Equivalência 246
6 Funcionalidade, Flexibilidade e Polivalência 146

7 Forma e Usuários: o Espaço da Forma 150

8 Criando Espaço, Deixando Espaço 152

9 Incentivos 164

1OA Forma como Instrumento 170

Biografia, Projetos e Referências 268


A DOMÍNIO PÚBLICO

10 llÇÕES DE ARQUITETURA
1 Público e Privado 72 9 A Rua 48
Moradias Haarlemmer Houttuinen, Amsterdam
2 Demarcações Territoriais 74 Conjunto Habitacional Spangen, Rotterdam /
Ruas e Residências, Bali M. Brinkman
Edifícios Públicos Alojamento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam
Aldeia de Morbisch, Áustria Princípios de Assentamento
Biblioteca Nacional, Paris / H. Labrouste Royal Crescents, Bath, Inglaterra / J. Wood, J. Nash
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn Romerstadt, Frankfurt, Alemanha / E. May
Het Gein, Moradias, Amersfoort
3 Diferenciação Territorial 20 Acesso aos Apartamentos
Familistere, Guise, França
4 Zoneamento Territorial 22 De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn Escola Montessori, Delft
Faculdade de Arquitetura do MIT, Cambridge, USA Kasbah, Hengelo / P. Blom
Escola Montessori, Delft
Centro Musical Vredenburg, Utrecht 1O O Domínio Público 64
Palais Royal, Paris
5 De Usuário a Morador 28 Praça Pública, Vence, França
Escola Montessori, Delft Rockefeller Plaza, Nova York
Escolas Apollo, Amsterdam Piazza dei Campo, Siena, Itália
Plaza Mayor, Chinchón, Espanha
6 O "Intervalo" 32 Fonte Dionne, Tonnerre, França
Escola Montessori, Delft
De Overloop, Lar para Idosos, Almere 11 O Espaço Público como Ambiente Construído 68
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam Vichy, França
Residências Documenta Urbana, Kassel, Alemanha Les Halles, Paris / V. Baltard
Cité Napoléon, Paris / M. H. Veugny Centros Comunitários / F. van Klingeren
Torre Eiffel, Paris / G. Eiffel
7 Demarcações Privadàs no Espaço Público 40 Pavilhões de Exposição
De Drie Hoven, Lar para idosos, Amsterdam Lojas de Departamentos, Paris
Residências Diagoon, Delft · Estações Ferroviárias
Moradias LiMa, Berlim Estações Ferroviárias Subterrâneas

8 Conceito de Obra Pública 44 12 O Acesso Público ao Espaço Privado 74


Moradias Vroesenlaan, Rotterdam / J. H. van den Broek Passage du Caire, Paris
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam Galerias de Lojas
Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro /
Le Corbusier
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
Cinema Cineac, Amsterdam / J. Duiker
Hotel Solvay, Bruxelas / V. Horta
Passage Pommeraye, Nantes, França
• "A Carta" / Pieter de Hoogh

·DOMÍNIO PÚBLICO li
"Se, porém, o individualismo compreende apenas parte da Os conceitos de "público" e "privado" podem ser
humanidade, o coletivismo só compreende a humanidade vistos e compreendidos em termos relativos como uma
como parte; nenhum deles apreende o todo da série de qualidades espaciais que, diferindo
humanidade, a humanidade como um todo. gradualmente, referem-se ao acesso, à
O individualismo vê a humanidade apenas na relação responsabilidade, à relação entre a propriedade
consigo mesmo, mas o coletivismo não vê o homem de privada e a supervisão de unidades espaciais
maneira nenhuma, vê apenas a 'sociedade'. Ambas as específicas.
visões de mundo são produtos ou expressões da mesma
condição humana.
Esta condição caracteriza-se pela confluência de um
desamparo cósmico e social, de uma angústia diante do
mundo e da vida, por um estado existencial de solidão, que
provavelmente nunca se manifestaram antes nesse nível.
Na tentativa de fugir do desespero trazido pelo isolamento,
o homem, como escapatória, procura glorificá-lo.
O individualismo moderno possui um fundamento
imaginário. Neste aspecto, ele fracassa, pois a imaginação
é incapaz de lidar factualmente com uma situação dada.
O coletivismo moderno é a última barreira que o homem
construiu para evitar o encontro consigo mesmo [ ...]; no
coletivismo, com a renúncia à imediaticidade da decisão e
da responsabilidade pessoal, ela se rende. Em ambos os
casos é incapaz de efetuar uma abertura para o outro: só
entre pessoas reais pode haver uma relação real.
Não há alternativa, neste caso, a não ser a rebelião do
indivíduo em favor da libertação do relacionamento. Vejo
surgir no horizonte, com a lentidão de todos os processos
da história humana, um grande descontentamento.
As pessoas não mais se levantarão como fizeram no
passado contra certa tendência predominante e a favor de
uma tendência diferente, mas contra a falsa realização de
um grande anseio, o anseio pelo comunitário, em nome da
verdadeira realização.
As pessoas lutarão contra a distorção e pela pureza.
O primeiro passo deve ser a destruição de uma falsa
escolha, a escolha: 'individualismo ou coletivismo'." .

DOMÍNIO PÚB ll CO 13
2 DEMARCACÕES I

TERRITORIAIS
Uma área aberta, um quarto ou um espaço podem ser
concebidos como um lugar mais ou menos privado ou
como uma área pública, dependendo do grau de
acesso, da forma de supervisão, de quem o utiliza, de
quem toma conta dele e de suas respectivas
responsabilidades.
O seu quarto, por exemplo, é um espaço privado em
comparação com a sala de estar e a cozinha da casa
em que mora. Você tem a chave do seu quarto, do
qual você mesmo cuida. O cuidado e a manutenção da
sala de estar e da cozinha são basicamente uma
responsabilidade compartilhada por todos os que
moram na casa, que têm a chave da porta de entrada.
Numa escola, cada sala de aula é privada em
comparação com o ha/1 comunitário. Este ha/1, por sua
vez, é, como a escola em sua totalidade, privado em
comparação com a rua.

RUAS E RESIDÊNCIAS, BALI (1 ·4)


Os quartos de várias habitações em Bali são mu itas vezes
pequenas casas construídas separadamente, agrupadas em
volta de uma espécie de pátio interno, no qual se entra por
um portão. Depois que atravessamos o portão, não temos a
sensação de que estamos entrando numa residência,
embora isso seja o que acontece de fato . As unidades
separadas da residência - área de cozinha, dormitórios e,
às vezes, uma câmara mortuária e um berçário - possuem
uma intimidade maior e são, certamente, de acesso menos
fácil para um estranho. Deste modo, a casa abrange uma
seqüência de gradações distintas de acesso.

1. Dormitório para os pais 5. Dormitório


2. Altar 6. Cozinha
3. Templo fam iliar 7. Depósito de arroz
4. Área de estar/convidados 8. Eira

14 llÇÕ ES DE ARQUI TET URA


Muitas ruas em Bali constituem o território de uma família de acesso. Às vezes o grau de acesso é uma questão Estação Central,
extensa. Nessas ruas estão situadas as casas das diversas de legislação, mas, em geral, é exclusivamente uma Haarlem, Holanda
unidades familiares, que juntas compõem a família extensa. questão de convenção, que é respeitada por todos.
Essas ruas têm um portão de entrada, que é muitas vezes
tP
provido de uma pequena cerca de bambu encarregada de EDIFÍCIOS PÚBLICOS C
manter as crianças e os animais do lado de dentro, e, Os chamados edifícios públicos, tais como o ha/1 do correio
embora sejam basicamente acessíveis a qualquer um, -gintral ou uma estação ferroviária, podem (pelo menos
tendemos a nos sentir como intrusos ou, no máximo, como durante as horas em que ficam abertos) ser vistos como um
visitantes. espaço de rua no sentido territorial. Outros exemplos de
Além das diversas nuances nas demarcações territoriais, os graus diferenciados de acesso ao público estão listados
balineses fazem uma distinção dentro do espaço público: a abaixo, mas a lista, naturalmente, pode ser ampliada para
área do templo, que compreende uma série de recintos incluir outras experiências pessoais:
sucessivos com entradas claramente marcadas, aberturas • os pátios quadrangulares das universidades na Inglaterra,
nas cercas ou portões de pedra (conhecidos como t;andi como em Oxford e Cambridge; são acessíveis a todos pelos
bentar). Esta área do templo serve como rua e como pórticos, formando uma espécie de subsistema de caminhos
playground para as crianças. Para o visitante também é para pedestres que atravessa todo o centro da cidade.
acessível como rua - pelo menos quando não estão • edifícios públicos, como, por exemplo, o ha/1 do correio,
acontecendo manifestações religiosas-, mas, mesmo assim, a estação ferroviária, etc.
o visitante sente certa relutância. Como alguém estranho ao • os pátios de blocos de moradia em Paris, onde a
lugar, sente-se honrado por ter permissão de entrar. concierge em geral reina suprema.
• ruas "fechadas", encontradas em grande variedade por
No mundo inteiro encontramos gradações de todo o mundo, às vezes patrulhadas por guardas de
demarcações territoriais, acompanhadas pela sensação segurança privada.

DOMÍNIO PÚBLICO
GAlPÕES

ALDEIA DE MôRBISCH, ÁUSTRIA (6·8) públicos e até mesmo no meio-fio das estradas de
As ruas na aldeia austríaca de Mõrbisch, perto da fronteira macadame, onde permanece intocado pelos veículos e
húngara (publicado em Forum 9-1959), têm portões largos, pelos pedestres, pois todos estão conscientes da
como os que dão acesso a fazendas - mas aqui dão acesso importância da contribuição de cada membro da
a ruas laterais ao longo das quais se situam residências, comunidade para a colheita de arroz. (9)
estábulos, celeiros e hortas. Um outro exemplo de mistura do público com o privado é a
roupa pendurada para secar nas ruas estreitas de cidades
Estes exemplos mostram como são inadequados os do sul da Europa: uma expressão coletiva de simpatia pela
termos público e privado, enquanto as áreas lavagem de roupa de cada família, que fica pendurada
chamadas semiprivadas ou semipúblicas, que muitas numa rede de cabos que atravessa a rua de uma casa a
vezes estão espremidas na zona intermediária, são outra.
equívocas demais para acomodar as sutilezas que
dE1vE1m ser levadas em conta ao projetar cada espaço
7 ª
e cada área.
• Onde quer que indivíduos ou grupos tenham a
10 oportunidade de usar partes do espaço público para
seus próprios interesses, e apenas indiretamente no
interesse dos outros, o caráter público do espaço é
temporária ou permanentemente colocado em questão
por meio do uso. Exemplos desse tipo podem ser
encontrados em qualquer parte do mundo.

Em Bali - mais uma vez usada como exemplo - o arroz é


Rua holandesa,
século XIX
espalhado para secar em amplas áreas dos caminhos

16 LIÇÕES DE ARQUITETURA Nápoles


r Outros exemplos são as redes e navios sendo reparados EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (13-19)
nos cais de aldeias e portos pesqueiros, e o Dogon: a lã Há muitos anos, antes de se estabelecer a moda de
estirada na praça da aldeia. "escrivaninha lisa", as escrivaninhas dos escritórios eram
providas de pranchas que, quando as escrivaninhas eram
O uso do espaço público por residentes, como se fosse colocadas uma contra a outra, formavam uma zona central
"privado", fortalece a demarcação por parte do semelhante às que dividem as mesas de leitura da
usuário desta área aos olhos dos outros. A dimensão Biblioteca Nacional em Paris. Por meio dessa articulação,
extra dada ao espaço público por essa demarcação reserva-se um lugar para os objetos compartilhados por
sob a forma de uso para objetivos privados será diversos usuários, tais como telefones e vasos. O espaço
discutida detalhadamente mais adiante, mas antes sob as pranchas cria uma área maior de armazenamento
devemos procurar saber quais as conseqüências que privado para cada usuário individual. A articulação em
traz para o arquiteto. termos de maior ou menor acesso (público) também pode
revelar sua utilidade nos detalhes.
BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, 1862-1868 / H. lABROUSTE (12)
Na principal sala de leitura da Biblioteca Nacional em
Paris, os espaços de trabalho individual, dispostos um em
frente ao outro, são separados por uma "zona" média mais
. elevada; as lâmpadas no centro dessa prancha fornecem
luz para as quatro superfícies de trabalho diretamente
adjacentes. Esta zona central é mais acessível do que os
espaços de trabalho individual, mais baixos, e tem como
claro objetivo o uso compartilhado por aqueles que se
sentam de ambos os lados.

3 GAVETAS PEQUENAS

SUPEAFietE OE TA.'.BALHO

ESPAÇO PAAAABOLSA

TAMPO LATERAL E TAMPO TRASEIRO

13
12 14

DOMÍN IO PÚBllCO 17
15 16
17 18
19

Portas de vidro entre espaços igualmente públicos e


portanto igualmente acessíveis, por exemplo, proporcionam
ampla visibilidade de ambos os lados, de modo que as
colisões podem ser facilmente evitadas. Portas sem painéis
transparentes têm de dar acesso a espaços mais privados,
menos acessíveis. Quando um código desse tipo é adotado
coerentemente em todo o edifício, é entendido racional ou
intuitivamente por todos os usuários do prédio e assim pode
contribuir para esclarecer os conceitos subjacentes à
organização do acesso. Uma classificação adicional pode
ser obtida mediante a forma dos painéis de vidro, o tipo do
vidro empregado: semitransparente ou opaco, ou a
meia-porta.

18 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Quando, ao projetar cada espaço e segmento, temos
consciência do grau de relevância da demarcação
territorial e das formas concomitantes das j
possibilidades de "acesso" aos espaços vizinhos,
podemos expressar essas diferenças pela articulação
de forma, material, luz e cor, e introduzir certo
ordenamento no projeto como um todo. Isto, por sua
vez, pode aumentar a consciência dos moradores e
visitantes quanto à composição do edifício, formado
por ambientes diferentes no que diz respeito ao
acesso. O grau de acesso de espaços e lugares fornece
padrões para o projeto. A escolha de motivos .
arquitetônicos, sua articulação, forma e material são
\ determinados, em parte, pelo grau de acesso exigido
' por um espaço.

DOMÍNIO PÚBllCO 19
3 DIFERENCIACAO
'
TERRITORIAL

20
21 22 23
24

Escolo Montessori, Delft

20 llÇÕES DE ARQUITETURA
Hotel Solvay, Bruxelas, 1896/V. Horta
{ver também página 84)

25 26
27 28
29

Ao marcar as gradações de acesso público às


diferentes áreas e partes de um edifício em uma
planta, obtemos uma espécie de mapa mostrando a
"diferenciação territorial". Este mapa mostrará
claramente que aspectos de acesso existem na
arquitetura, quais são as demarcações de áreas
específicas e a quem se destinam, e que espécie de
divisão de responsabilidades pode ser esperada no
que diz respeito aos cuidados e à manutenção dos
diferentes espaços, de modo que essas forças possam
ser intensificadas (ou atenuadas) na elaboração
posterior da planta.

DOMÍNIO PÚBLICO 21
O caráter de cada área dependerá em grande parte
4 ZONEAMENTO de quem determina o guarnecimento e o ordenamento
do espaço, de quem está encarregado, de quem zela e
TERRITORIAL de quem é ou se sente responsável por ele.

30

22 li ÇÕE S DE ARQ UI TETU RA


conseqüências muito maiores do que se pode pensar à
primeira vista. Pois a questão fundamental é saber quanta
responsabilidade a alta direção está disposta a delegar, isto
é, quanta responsabilidade será dada aos usuários
individuais dos escalões mais baixos.
É importante ter em mente que, neste caso, um empenho tão
excepcional para investir amor e cuidado no ambiente de
trabalho só se tornou possível porque a responsabilidade de
ordenamento e acabamento dos espaços foi deixada aos
usuários, de maneira muito explícita. Foi graças a isso que as
oportunidades oferecidas pelo arquiteto foram efetivamente
aproveitadas, gerando um resultado de êxito surpreendente.
Mas, se este edifício foi originalmente construído como uma
expressão espacial da necessidade de um ambiente mais
humano (embora muitos suspeitassem que isso teria sido
motivado por considerações relativas ao recrutamento de
pessoal), há no momento uma tendência para a
desumanização, em grande parte decorrente de cortes nos
custos, que afetam particularmente o quadro de funcionários.
óbvio para que os usuários dêem os toques de acabamento Mas pelo menos pode-se dizer que o edifício oferece uma
ao espaço de acordo com seus gostos pessoais, isto, por si só, resistência louvável a essa tendência, e que, com um pouco
não é garantia de que irão fazê-lo. de sorte, conseguirão conservar o seu estilo. O que desaponta
Épreciso algo mais para que isso aconteça: para começar, a é que o que pensávamos ser um passo inicial rumo a uma
própria forma do espaço deve oferecer as oportunidades, responsabilidade maior para com os usuários revelou ser
32 incluindo os acessórios básicos, etc., para que os usuários apenas o último passo que pode ser dado no momento.
preencham os espaços de acordo com suas necessidades e Hoje, isto é, em 1990, restou muito pouco da decoração
33 desejos pessoais. Mas, além disso, é essencial que a expressiva e colorida dos ambientes de trabalho. O apogeu
liberdade de tomar iniciativas pessoais esteja presente na da expressividade pessoal da década de 1970 deu lugar à
estrutura organizacional da instituição, e este aspecto tem limpeza e à ordem. Parece que o impulso de expressão
pessoal desapareceu e que neste momento as pessoas tendem
mais ao conformismo. Talvez em razão do medo diante do
crescente desemprego da década de 1980, considera-se mais
sensato assumir uma posição menos extrovertida, e os efeitos
dessa situação já podem ser vistos na atmosfera fria e
impessoal da maioria dos escritórios de hoje.

FACULDADE DE ARQUITETURA DO MIT, CAMBRIDGE, USA


OFICINA DE TRABALHO 1967 (32, 33)
O grau de influência que os usuários podem exercer, em
casos extremos, sobre seu ambiente de trabalho ou de
moradia é claramente demonstrado nos ajustes feitos à
arquitetura existente pelos estudantes de arquitetura do Mil
Os estudantes opuseram-se a ter de trabalhar em
pranchetas de desenho arrumadas em filas longas e
rígidas, todas voltadas na mesma direção. Usando restos de
material de construção, eles construíram o tipo de espaço
que queriam - no qual podiam trabalhar, comer, dormir e
receber seus orientadores.
Seria de esperar que cada novo grupo de estudantes
desejasse fazer seu próprio ajuste, mas a situação evoluiu
de outra maneira. O resultado da feroz disputa com as
autoridades locais de prevenção a incêndios foi que todas
as estruturas teriam de ser derrubadas, a menos que um
sistema completo de sprinklers fosse instalado. Depois que

24 l l ÇÕE S DE ARQUITETURA
essa providência foi tomada, a situação tornou-se
permanente, e o ambiente, se é que ainda existe, pode ser
visto como um monumento ao entusiasmo de um grupo de
estudantes de arquitetura. Mas não devemos nos
surpreender se tudo já não foi eliminado (ou venha a sê-lo)
- a burocracia da administração centralizadora voltou a
assumir o controle.

A influência dos usuários pode ser estimulada, pelo


menos nos lugares certos, i.e., onde se pode esperar o
envolvimento necessário; e como isto depende do grau
de acesso, das demarcações territoriais, da
organização da manutenção e da divisão de
responsabilidades, é essencial que o projetista esteja
plenamente consciente desses fatores nas suas
gradações adequadas. Nos casos em que a estrutura
organizacional impede os usuários de exercerem
qualquer influência pessoal em seu ambiente, ou
quando a natureza de determinado espaço é tão
pública que ninguém se sente inclinado a exercerem ESCOLA MONTESSORI, DELFT (34, 35)
influência nele, não há motivo para que o arquiteto Uma prancha de madeira acima da porta, com uma
tente fazer uma contribuição nesse sentido. largura extra para que sobre ela possam ser colocados
No entanto, o arquiteto ainda assim pode tirar objetos - como neste caso entre a sala de aula e o ha/1-,
vantagem da reorganização que o ato de ocupar um presta-se mais a ser usada se for acessível pelo lado
novo edifício sempre requer e tentar exercer alguma adequado, i.e., pelo lado de dentro da sala de aula. A 3,1 35
influência na reavaliação da divisão de estante acima pode criar um efeito estético agradável se a 36 37
responsabilidades, pelo menos no que diz respeito ao vidraça for recuada, mas é improvável que seja usada .
ambiente físico. Uma coisa pode levar à outra. Pelo
simples fato de apresentar argumentos capazes de EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (36-39)
assegurar à alta direção de que delegar Embora o cuidado pelos espaços dos escritórios no edifício
responsabilidades pelo ambiente aos usuários não Centraal Beheer, nos quais cada funcionário tem sua
resulta necessariamente em caos, o arquiteto coloca-se própria ilha particular para trabalhar, seja da
em posição de contribuir para melhorar as coisas, e responsabilidade dos usuários, nenhum membro do quadro
certamente é seu dever fazer pelo menos uma tentativa de funcionários sente-se diretamente responsável pelo
nesse sentido. espaço central do edifício. A área verde neste espaço
central é mantida por uma equipe especial (cf. Obras

DOMÍN IO PÚ Sl I CO 25
domínio, dando-lhe um toque pessoal. Estes balcões de café
já foram removidos, e bancos e máquinas de café foram
instalados em seu lugar. Todo o edifício está passando por
uma renovação e uma limpeza, e durante este processo um
grande número de ajustes será feito para atender aos
requisitos de um local de trabalho contemporâneo.

CENTRO MUSICAL VREDENBURG (40)


A idéia subjacente que teve êxito no Centraal Beheer não
se aplica aos balcões de lanches do Centro Musical em
Utrecht. Ali a situação varia consideravelmente de um
concerto para outro, com diferentes balcões e diferentes
balconistas servindo o público. Já que, no caso, não se
esperava uma afinidade especial entre os empregados e os
espaços específicos de trabalho, havia motivo suficiente
para que as áreas de lanches fossem completadas e
inteiramente mobiliadas pelo arquiteto.
Em ambos os edifícios - no Centraal Beheer e no Centro
Musical - as paredes dos fundos são providas de espelhos.
Públicas), e os quadros nas paredes são colocados por uma No primeiro, porém, eles foram instalados pelos
equipe de profissionais. funcionários e no segundo foram escolhidos pelo arquiteto
Estes empregados também fazem seu trabalho com grande de acordo com os mesmos princípios gerais que regem todo
dedicação e cuidado, mas há uma diferença de atmosfera o edifício. Os espelhos da parede dos fundos permitem que
marcante entre a área comunitária e os espaços individuais se possa ver quem está à frente, atrás e perto de nós.
38 de trabalho com toda a sua diversidade. Eles evocam as pinturas de teatro de Manel (41 ), que usou
Nos balcões de lanches deste espaço central, o serviço é espelhos para desenhar o espaço dentro do plano do
39 40 feito pela mesma moça todo dia; o serviço de lanches foi quadro e, assim, definir o espaço mostrando as pessoas e
organizado de tal modo que cada garçonete foi alocada como estão agrupadas.
num balcão específico. Ela se sentia responsável por aquele O Centro Musical tem um quadro de funcionários
balcão e, com o tempo, acabou por considerá-lo seu competente e dedicado que cuida do lugar.

26 llÇÕES DE ARQUITETURA
O mesmo não pode ser dito, por exemplo, dos vagões de 41
refeição das ferrovias holandesas: os garçons 42
constantemente trocam de trem. Seu único compromisso 43
consiste em deixar o vagão limpo e asseado para o turno
seguinte. Imagine como as coisas seriam diferentes se o
mesmo garçom trabalhasse sempre no mesmo trem. Embora
o vagão-restaurante tenha desaparecido - dos trens
holandeses pelo menos -, uma nova forma de serviço
surgiu nas viagens aéreas. Mas as refeições servidas nos
aviões são mais uma imposição ao passageiro do que um
serviço; são servidas em horas que convêm mais à
companhia do que ao passageiro (além de serem muito
caras, pois estão incluídas no preço já bastante alto da Do Lufthansa
passagem). Bordbuch, 6/88

DOM ÍNIO PÚBL ICO 27


contribuiria para aprimorar o sentido de responsabilidade da
S DE USUÁRIO criança (a proposta foi rejeitada pelas autoridades
educacionais sob o pretexto de que seriam necessários
AMORADOR banheiros separados para meninos e meninas - como se fosse
assim na casa deles -, o que exigiria o dobro de banheiros).
A tradução dos conceitos de "público" e "privado" à Éperfeitamente concebível que as crianças de cada sala
luz de responsabilidades diferenciadas torna mais fácil mantenham seu "lar" limpo, como os pássaros fazem com seu
para o arquiteto decidir onde devem ser tomadas ninho, dando deste modo expressão à ligação emocional com
-Í,' medidas para que os usuários/habitantes possam dar seu ambiente diário.
l suas contribuições ao projeto do ambiente e onde isto A idéia Montessori, na verdade, compreende os chamados
é menos relevante. Na organização de um projeto em deveres domésticos como parte do programa diário para
função de plantas-baixas e de cortes, e também de todas as crianças. Assim, dá-se muita ênfase ao cuidado com
acordo com o princípio das instalações, podem-se criar f. o ambiente, fortalecendo com isso a afinidade emocional das
as condições para um maior senso de responsabilidade crianças com o espaço à sua volta. -
e, conseqüentemente, também um maior envolvimento Cada criança também pode trazer sua própria planta para a
no arranjo e no mobiliamento de uma área. Deste sala de aula e cuidar dela. (A consciência do ambiente e a
modo os usuários tornam-se moradores. necessidade de cuidar dele ocupam um lugar proeminente no
conceito de Montessori. Exemplos típicos são a tradição de
ESCOLA MONTESSORI, DELFT (44-47) trabalhar no assoalho sobre tapetes especiais - pequenas
As salas de aula desta escola são concebidas como unidades áreas temporárias de trabalho que são respeitadas pelos
autônomas, pequenos lares, por assim dizer, já que todas outros - e a importância atribuída ao hábito de arrumar as
estão situadas ao longo do ha/1 da escola, como uma rua coisas em armários abertos.) Um passo à frente, no sentido de
comunitária. A professora, a "tia", de cada casa decide, junto uma abordagem mais pessoal para os espaços que circundam
com as crianças, que aparência terá o lugar e, portanto, qual diariamente as crianças, incluiria a possibilidade de regular o
será o seu tipo de atmosfera. aquecimento central de cada sala. Isso aumentaria a
Cada sala de aula também tem seu pequeno vestíbulo, em vez consciência das crianças quanto ao fenômeno do calor e ao
do usual espaço comunitário para toda a escola, que em cuidado que temos de tomar para nos mantermos aquecidos,
geral significa a ocupação total do espaço por filas de ao mesmo tempo em que as tornaria mais conscientes dos
cabides e sua inutilização para qualquer outro fim. E, se cada usos da energia.
sala de aula tivesse seu próprio banheiro, isto também
Um "ninho seguro" - um espaço conhecido à nossa
volta, onde sabemos que nossas coisas estão seguras e
onde podemos nos concentrar sem sermos perturbados
pelos outros - é algo de que cada indivíduo precisa
tanto quanto o grupo.
Sem isso, não pode haver colaboração com os outros.
Se você não tem um lugar que possa chamar seu, você
não sabe onde está!
Não pode haver aventura sem uma base para onde
retornar: todo mundo precisa de alguma espécie de
ninho para pousar.

O domínio de um grupo particular de pessoas deveria ser


respeitado tanto quanto possível pelos "estranhos". Por esta
razão, há certos riscos ligados ao chamado uso
multifuncional. Vamos tomar como exemplo uma sala de
aula: se é usada para outras finalidades fora do horário
escolar, por exemplo, para atividades da vizinhança, toda
a mobília tem de ser deslocada temporariamente e, claro,
nem sempre é colocada de volta a seu lugar adequado. Em
tais circunstâncias, figuras de barro modelado deixadas
para secar, por exemplo, podem ser quebradas
"acidentalmente" com facilidade, ou então o apontador de
lápis de alguém pode desaparecer.

28 LIÇÕES DE ARQUITETURA
45

BIBLIOTECA UNI-BH DOMÍNIO PÚBllCO 29


U, z,~ 3
46 É importante que as crianças possam exibir as coisas que alguém sentir-se perdido em seu próprio espaço na manhã
fizeram, digamos, na aula de trabalhos manuais, sem medo seguinte.
47 de que possam ser destruídas, e que possam também deixar Uma sala de aula, concebida como o domínio de um
trabalhos inacabados sem que haja o perigo de serem grupo, pode mostrar sua própria identidade ao resto da
retirados ou "arrumados" por "estranhos". Afinal de contas, escola se lhe for dada a oportunidade de fazer uma
uma faxina completa feita por outra pessoa pode fazer exposição das coisas com as quais o grupo está
especialmente envolvido (coisas que as crianças fizeram
dentro ou fora da sala de aula). Isto pode ser executado de
modo informal usando-se a divisória entre o ha/1 e a sala
de aula como espaço de exposição e abrindo-se muitas
janelas com peitoris generosos na divisória.

Um pequeno mostruário (neste caso, até iluminado) é um


desafio para o grupo apresentar-se de maneira mais
formal. O exterior da sala de aula pode então funcionar
como uma espécie de "vitrine" que mostra o que o grupo
tem a "oferecer".
Desse modo, cada turma pode apresentar uma imagem com
que os outros podem se relacionar e que marca a transição
entre cada sala de aula e o espaço comunitário do ha/1.

30 LIÇÕES DE ARQUITETURA
ESCOLAS APOLLO (48-50)
Se o espaço entre as salas de aula foi usado para criar
áreas semelhantes a alpendres, como na escola Montessori
de Amsterdam, essas áreas podem servir como lugares de
trabalho adequados onde se pode estudar sozinho, i.e.,
sem estar na sala de aula mas também sem ficar isolado
desta. Esses lugares consistem numa superfície de trabalho
com iluminação própria e num banco encostado a uma
parede baixa. Para regular o contato entre a sala de aula e
o ha/1 da maneira mais sutil possível, foram instaladas
meias-portas, cuja ambigüidade pode gerar o grau
adequado de abertura para o ha/1 e, ao mesmo tempo,
oferecer o isolamento necessário a cada situação.
Aqui encontramos mais uma vez (como na escola de Delft)
o mostruário de vidro contendo o museu-miniatura e a
exposição da sala de aula .

48 49
50

DOMÍNIO PÚBllCO 31
O valor deste conceito é mais explícito na soleira par
6 O"INTERVALO" exce//ence, a entrada de uma casa. Estamos lidando
aqui com o encontro e a reconciliação entre a rua, de
o
um lado, e domínio privado, de outro.

A criança sentada no degrau em frente à sua casa está


suficientemente longe da mãe para se sentir independente,
O significado mais amplo do conceito de intervalo foi para sentir a excitação e a aventura do grande
introduzido em Forum 7, 1959 (La plus grande réalité desconhecido.
du seuil) e em Forum 8, 1959 (Das Gestalt gewordene Mas, ao mesmo tempo, sentada ali no degrau, que é parte
Zwischen: the concretization of the in-between) da rua assim como da casa, ela se sente segura, pois sabe
que sua mãe está por perto. A criança se sente em casa e
51 A soleira fornece a chave para a transição e a conexão ao mesmo tempo no mundo exterior. Esta dualidade existe
entre áreas com demarcações territoriais divergentes e, graças à qualidade espacial da soleira como uma
na qualidade de um lugar por direito próprio, constitui, plataforma, um lugar em que os dois mundos se superpõem
essencialmente, a condição espacial para o encontro e em vez de estarem rigidamente demarcados.
o diálogo entre áreas de ordens diferentes.

32 llÇÕES DE ARQUITETURA
52 54
53 55
56

ESCOLA MONTESSORI, DELFT (52·56)


A entrada de uma escola primária devia ser mais do que
uma mera abertura através da qual as crianças são
engolidas quando as aulas começam e expelidas quando
elas terminam. Deveria ser um lugar que oferecesse algum
tipo de conforto para as crianças que chegam cedo e para
os alunos que não querem ir logo para casa depois das
aulas.
As crianças também têm seus encontros e compromissos.
Muros baixos em que se possa sentar são o mínimo a se
oferecer; um canto bem abrigado é melhor, mas o melhor
mesmo seria uma área coberta para quando chove.
A entrada de um jardim-de-infância é freqüentada pelos
pais - ali eles se despedem de seus filhos e esperam por
eles quando as aulas terminam. Os pais que esperam os
filhos têm assim uma bela oportunidade para se conhecer e
para combinar visitas das crianças às casas dos colegas.
Em suma, este pequeno espaço público, como local de
encontro para pessoas com interesses comuns, cumpre uma
importante função social. Como resultado da mais recente
transformação, em 1981 (56), esta entrada não mais existe.

DOMÍNIO PÚBLICO 33
RESIDÊNCIAS DOCUMENTA URBANA (61 -70)
O edifício em forma de meandro, denominado "serpente",
é composto de segmentos, cada um deles projetado por
arquitetos diferentes. As escadas comunitárias foram
colocadas numa situação de ampla luminosidade, bem
maior que a do espaço residual costumeiro, em geral de
pouca luminosidade.
Numa residência para várias famílias, a ênfase não deve
recair exclusivamente sobre medidas arquitetônicas
destinadas a prevenir o barulho excessivo e a
inconveniência dos vizinhos; uma atenção especial deve ser
dada em particular à disposição espacial, que pode
conduzir aos contatos sociais esperados entre os vários
ocupantes de um mesmo edifício. Por conseguinte,
atribuímos às escadas mais importância do que de costume.
As escadas comunitárias não devem ser apenas uma fonte
de aborrecimento no que diz respeito ao acúmulo de
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (60) sujeira e à limpeza - devem servir também, por exemplo,
Em situações nas quais possa ser necessário um contato como um playground para as crianças de famílias vizinhas.
entre o interior e o exterior - num lar para idosos, por Por este motivo, foram projetadas com o máximo de luz e
exemplo, alguns dos moradores passam boa parte de seu abertura, como ruas com telhado de vidro, e podem ser
empo na solidão de seus próprios quartos por causa da avistadas das cozinhas. Os alpendres de entrada abertos,
mobilidade reduzida, esperando que alguém vá visitá-los, com duas portas, uma após a outra, expõem ao território
enquanto outros moradores que ficam do lado de fora comunitário um pouco mais de seus moradores do que as
ambém gostariam de algum contato-, em tais situações, portas fechadas tradicionais. 60
uma boa idéia é instalar portas com duas seções, de Embora, naturalmente, tenha-se tomado cuidado para
maneira que a parte de cima possa ser mantida aberta e a _ assegurar a privacidade adequada nos terraços, as famílias 61
parte de baixo fechada . Essas "meia-portas" constituem um vizinhas não estão de todo isoladas umas das outras.
claro gesto de convite: a porta está aberta e fechada ao Procuramos projetar os espaços exteriores de tal modo que
mesmo tempo, i.e., suficientemente fechada para evitar que a vedação necessária roube o mínimo possível das
os intenções dos que estão lá dentro fiquem
demasiadamente explícitas, mas aberta o bastante para
facilitar a conversa casual com quem está passando, o que
pode levar a um contato mais íntimo.

A concretização da soleira como intervalo significa, em


primeiro lugar e acima de tudo, criar um espaço para
as boas-vindas e as despedidas, e, portanto, é a
tradução em termos arquitetônicos da hospitalidade.
Além disso, a soleira é tão importante para o contato
social quanto as paredes grossas para a privàcidade.
Condições para a privacidade e condições para manter
os contatos sociais com os outros são igualmente
necessárias. Entradas, alpendres e muitas outras
formas de espaços de intervalo fornecem uma
oportunidade para a "acomodação" entre mundos
contíguos. Esta espécie de dispositivo dá margem a
certa articulação do edifício em foco, o que requer
espaço e dinheiro, sem que sua função possa ser
facilmente demonstrável - e ainda menos quantificável -,
e, por esse motivo, torna-se muitas vezes difícil de
realizar, exigindo esforço e trabalho de persuasão
constante durante a fase de planejamento.

DOMÍNIO PÚ BLICO 35
62 63
64 65
66 67

condições espaciais para contatos entre os vizinhos. Tal


expansão do espaço mínimo requerido para "finalidades de
circulação" mostrou-se capaz não apenas de atrair as
crianças - serve também como um lugar em que os vizinhos
podem se sentar e conversar. Neste caso os moradores
também providenciaram os equipamentos.

1Rl tI-1~ ff[J ~ ~~~


1Jo ~º ~~D
~

Edifício à direita: O. Steid/e, arquiteto. DOMÍNIO PÚBllCO 37


68
Além da tradicional porta da frente, as moradias têm uma
69
segunda porta de vidro que também pode ser trancada e
70
que conduz à escada, obtendo-se assim um espaço de
entrada aberto. Uma vez que esse espaço intermediário
entre a escada e a porta da frente é interpretado de
maneira diferente por pessoas diferentes - i.e., não apenas
como parte das escadas mas também como uma extensão
da casa -, é usado por alguns como um ha/1 aberto, no
qual a atmosfera da casa pode penetrar. Deste modo,
dependendo de qual das duas portas é considerada como a
verdadeira porta da frente, os moradores podem expor sua

individualidade, em geral restrita à intimidade do lar, ao


mesmo tempo em que a escadaria perde algo de sua
característica de terra-de-ninguém e pode até adquirir uma
atmosfera autenticamente comunitária. O princípio do
caminho vertical para o pedestre, tal como aplicado no
projeto habitacional de Kassel, foi posteriormente
elaborado no conjunto habitacional LiMa em Berlim.
As escadas desse conjunto conduzem a terraços
comunitários nos telhados. No final, decidiu-se que não
seria necessário incorporar as varandas para lazer
previstas no projeto de Kassel, já que o pátio isolado
oferecia o espaço de lazer adequado, especialmente para
as crianças mais novas.

38 LIÇÕ ES DE ARQUITETURA
CiTÉ NAPOLÉON, PARIS, 1849 / M. H. VEUGNY (71-74)
A Cité Napoléon, em Paris, foi uma das primeiras
tentativas, e certamente a mais notável, de solução razoável
para o problema da distância entre a rua e a porta da
frente num prédio residencial de muitos andares. Este
espaço interior, com suas escadas e passarelas, evoca as
71 72
edificações de vários andares de uma aldeia nas
73
montanhas. Uma razoável quantidade de luz alcança os
74
andares mais altos através do telhado de vidro.
Os moradores dos andares de cima abrem suas janelas
para este espaço interior, e a presença de vasos de plantas
mostra, pelo menos, que as pessoas dão valor a esse
detalhe. Embora não tenha sido possível - em que pesem as
boas intenções dos construtores - transformar esse espaço
interior (fechado como é em relação à rua lá fora) numa
rua interna verdadeiramente funcional segundo nossos
padrões, não há dúvida de que este exemplo se destaca de
maneira brilhante, sobretudo quando se pensa em todas
aquelas sombrias escadarias construídas desde 1849.

O 5 10
íLflJ
39
BIBLIOTECA UNI-BH DOMÍN IO PÚBLICO

;2{,lt ~u
7 DEMARCACÕES
, PRIVADAS
NO ESPACO
, PÚBLICO
O conceito de intervalo é a chave para eliminar a
divisão rígida entre áreas com diferentes demarcações
territoriais. A questão está, portanto, em criar espaços
intermediários que, embora do ponto de vista
administrativo possam pertencer quer ao domínio
público quer ao privado, sejam igualmente acessíveis
para ambos os lados, isto é, quando é inteiramente
aceitável, para ambos os lados, que o "outro" também
possa usá-lo.

DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (75-77)


Os corredores servem como ruas num edifício que deve
funcionar como uma cidade para seus moradores, afetados
por sérias limitações, já que a maior parte deles é incapaz
de deixar a área sem ajuda. As unidades de habitação
situadas ao longo desta "rua" têm, aos pares, áreas
semelhantes a alpendres, que, por um lado, pertencem às
habitações, mas, por outro, também fazem parte da "rua".
75 Os moradores colocam suas coisas ali, cuidam deste espaço
e com freqüência criam plantas e flores ali, como se este do ponto de vista administrativo, como uma redução
76 77 fosse parte de sua própria casa, uma espécie de varanda indevida do tamanho da unidade domiciliar, ou como uma
no nível da rua . Embora a área do alpendre seja expansão indevida do corredor: a funcionalidade de cada
completamente acessível aos transeuntes, permanece como metro quadrado é, afinal, medida de acordo com a
parte da rua . utilidade quantificável. O amor e o cuidado que os
É extremamente difícil reservar os poucos metros quadrados moradores investem neste espaço, que, estritamente, não é
necessários a um objetivo como esse dentro da infinita rede parte do apartamento, dependem de um detalhe
de regulamentos e normas que se referem às dimensões aparentemente menor, ou seja, a janela que lhes permite
mínimas e máximas que governam cada um dos aspectos vigiar os objetos que foram colocados lá fora, não só como
do projeto arquitetônico. uma precaução contra o roubo, mas simplesmente porque é
No caso dos abrigos sociais, esse aspecto é considerado, agradável poder ver as próprias coisas ou verificar como as
plantas vão indo. O arquiteto precisa de uma dose
incomum de engenhosidade para que esta idéia consiga
passar pela vigilância cuidadosa das autoridades
responsáveis pela prevenção de incêndios.
Os quadros de luz no "De Drie Hoven" perto das portas da
frente foram instalados em pequenas muretas salientes, de
tal modo que se pode colocar facilmente um tapete ao lado.

40 LIÇÕ ES DE ARQUITETURA
Usando pedaços de tapete, os moradores se apropriam do
pequeno espaço assim criado e o equipam, estendendo desta
maneira os limites de sua casa além da porta da frente.

Se incorporamos as sugestões espaciais adequadas em


nosso projeto, os moradores sentem-se mais inclinados
a expandir sua esfera de influência em direção à área
pública. Até mesmo UIJ! pequeno ajustamento, na
forma de uma articulação espacial da entrada, pode
ser o bastante para estimular a expansão da esfera de
influência pessoal, e, deste modo, a qualidade do
espaço público será consideravelmente aprimorada no ~
interesse comum.

RESIDÊNCIAS DIAGOON (78·83)


O que poderia ser feito com as calçadas nas "ruas
residenciais", se coubesse aos moradores a
responsabilidade pelo espaço, pode ser imaginado com
base na experiência com as calçadas em frente às
residências Diagoon, em Delft. A área em frente às
moradias não foi projetada como jardim; foi simplesmente
pavimentada como uma calçada comum e,
conseqüentemente, como parte do domínio público,
embora, de modo estrito, não o seja.
irreversivelmente abrupta entre o espaço público e o 79 80
privado, em vez da zona intermediária que foi criada, uma 81 82

fusão do território estritamente privado das casas e da área 78


pública da rua. ~esta_ár..e.0-d.e.inler..'l®.,_entJ'.e._0---pttb~ro-a_o-Y 83
__e_rivado, demarcações individuais e coletivas podem
superpor-se e os conflitos resultantes devem ser resolvidos
mediante um acordo entre as partes. Éaqui que cada
morador desempenha o papel que revela o tipo de pessoa
que quer ser e, por conseguinte, como deseja que os outros
o vejam. Aqui se decide também o que o indivíduo e a
coletividade podem oferecer um ao outro.

As áreas pertencentes às diversas casas não foram


demarcadas, e o layout não contém nenhuma sugestão de
demarcação privada. A pavimentação foi feita com blocos de
concreto comum, o que desperta automaticamente associações
com uma rua pública porque as calçadas em geral são
pavimentadas com o mesmo material. Os moradores então
começaram a remover alguns dos blocos de concreto para
colocar plantas no lugar. "Dessous les pavés la plage."
O resto dos blocos foi deixado intacto para proporcionar um
caminho até a porta ou um espaço para estacionar o carro
da família perto da casa. Cada morador usa a área em frente
à sua casa de acordo com suas necessidades e desejos,
incorporando a parte da área de que necessita e deixando o
resto acessível para o uso público.
Se o layout tivesse partido da idéia de áreas separadas,
privadas, então sem dúvida todos iriam usá-las ao máximo
em seu próprio benefício, mas surgiria uma divisão

DOMÍNIO PÚBLICO 41
84 MOR/IDIAS LIMA (84-89) Construir nesta ilha triangular implica manter a igreja à
O conjunto de moradias LiMa está localizado na ponta de parte como uma estrutura destacada e autônoma. O pátio é
85 86 uma área triangular, cuja esquina é ocupada por uma bastante diferente do tradicional e muitas vezes deprimente
igreja. Os volumes desta igreja não se relacionam pátio berlinense, e sua concepção é a de um espaço
claramente com o alinhamento arquitetônico geral. público com seis caminhos de acesso para os pedestres,
incluindo conexões com a rua e com o pátio vizinho. Estes
caminhos para pedestres constituem parte das escadarias
comunitárias. No centro do pátio há um amplo tanque de
areia dividido em segmentos, cujas laterais foram
decoradas com mosaicos pelas próprias famílias dos
moradores.

Não foi difícil despertar o entusiasmo dos moradores - os


quais já estavam profundamente interessados no projeto do
pátio - especialmente depois que eles viram as fotografias
do parque de Gaudí e as Torres Watt. A ajuda técnica e
organizacional foi fornecida por Akelei Hertzberger, que
empreendeu vários projetos semelhantes no passado com
resultados igualmente bem-sucedidos.
No começo, foram principalmente as crianças que
contribuíram com seus "ladrilhos", mas logo em seguida os
adultos aderiram, trazendo qualquer pedaço de cerâmica
que pudessem obter.

42 ll ÇÕ ES DE ARQUITET URA
Nenhum arquiteto hoje seria capaz de dedicar tanta 87 88
atenção a um tanque de areia, nem isto seria necessário, 89
porque é algo que pode ser deixado para os próprios
moradores. É difícil imaginar uma maneira melhor de
responder ao incentivo oferecido. Mas ainda mais
importante é o fato de que o tanque de areia se tornou
algo que pertencia a eles e um objeto de seus cuidados: se
um fragmento do mosaico cai ou revela ser pontudo
demais, por exemplo, algo será feito sem que haja
necessidade de reuniões especiais, cartas oficiais ou
processos contra o arquiteto.

Uma área de rua com a qual os mora.dores estão


envolvidos, onde marcas individuais são criadas por
eles próprios, é apropriada conjuntamente e
transformada num espaço comunitário.

DOMÍNIO PÚBllCO 43
8 CONCEITO DE
OBRA PÚBLICA
Proieto residencial Familistere, Guise, França

Coniunto residencial
Biilmermeer,
Amsterdam

90 91
92

Fotomontagem

44 LIÇÕES DE ARQUITETURA
95 DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS 195) esperar que o setor de Obras Públicas vá cuidar de animais
O espaço cercado contendo animais, que deve sua por toda a cidade. Para isso, seria necessário um novo
existência à iniciativa de um membro da equipe do "De departamento com funcionários especializados, para não
Drie Hoven", desenvolveu-se até tornar-se um zoológico em falar dos milhares de avisos dizendo "Não dê comida aos
miniatura, com um faisão, um pavão, galinhas, cabras, animais".
uma porção de patos num lago cheio de peixes. Para os A distribuição dos espaços e os animais no "De Drie
idosos que moram no Lar, os animais compõem uma vista Hoven" constituem um fator de indução natural para o
agradável e interessante, e os quartos com vista para a contato social entre os seus idosos moradores e a
menagerie são os mais procurados. população local - dois grupos com limitações diferentes.
Abrigos de fabricação caseira para os animais passarem a Os moradores do Lar são forçados pelas circunstâncias a
noite foram providenciados por entusiastas, mas, logo que ser estranhos na cidade, mas graças a "seu" jardim podem
esse esquema popular virou um sucesso e a expansão se oferecer alguma compensação para os outros - os quais,
tornou necessária, o Departamento de Inspeção de por sua vez, são estranhos na área do "De Drie Hoven".
Moradias decidiu que as coisas não podiam mais continuar
assim; estipularam então que era preciso submeter à Estes exemplos servem para ilustrar como as melhores
aprovação de autoridades e comissões competentes uma intenções podem levar à desilusão e à indiferença.
planta de construção elaborada por profissionais. As coisas começam a dar errado quando as escalas se
Para a população local, a menagerie representa um convite tornam grandes demais, quando a conservação e a
ao envolvimento nos cuidados com os animais ou administração de uma área comunitária não podem
simplesmente um passeio para ver como eles estão. Quando mais ser entregues àqueles que estão diretamente
é que as crianças da cidade vêem animais? Os únicos que envolvidos e se torna necessária uma organização
a maioria delas vê em seu ambiente são animais domésticos especial, com sua equipe especializada, com interesses
de estimação, cachorros presos em coleiras, já que parece e preocupações próprios quanto à sua continuidade e,
impossível organizar formas de posse coletiva de animais possivelmente, à sua expansão. Quando se atinge o
com divisão de responsabilidades pela sua manutenção. ponto em que a principal preocupação de uma
Uma idéia dessa natureza nem sequer é sugerida - os organização é assegurar a continuidade de sua
moradores locais, afinal, normalmente não exercem existência - independente dos objetivos para as quais
nenhuma influência na maneira como seus espaços foi criada, ou seja, fazer pelos outros o que não se
comunitários são organizados e usados. Mas não podemos pode esperar que eles mesmos façam-, neste

46 LIÇÕES DE ARQUITETURA
momento a burocracia assume o controle. As regras quantificável, de modo que permitisse um controle total
tornam-se uma camisa-de-força de regulamentos. e criasse as condições para que o sistema repressivo
O sentido de responsabilidade pessoal perde-se numa da ordem nos torne locatários em vez de
burocracia sufocante de responsabilidades para com co-proprietários, subordinados em vez de participantes.
superiores. Embora não exista nada de errado com as Assim, o próprio sistema cria a alienação e, embora
intenções do elo individual nesta interminável cadeia afirme representar o povo, na verdade impede o
de interdependências, elas se tornam virtualmente desenvolvimento de condições que poderiam resultar
irrelevantes porque estão demasiado afastadas num ambiente mais hospitaleiro.
daqueles em cujo benefício todo o sistema foi
inventado. A razão pela qual os habitantes da cidade • O arquiteto pode contribuir para criar um ambiente
se tornam estranhos em seu próprio ambiente de vida que ofereça muito mais oportunidades para que as ~
é porque o potencial da iniciativa coletiva foi pessoas deixem suas marcas e identificações pessoais,
grosseiramente superestimado ou porque a que possa ser apropriado e anexado por todos como
participação e o envolvimento foram subestimados. um lugar que realmente lhes "pertença". O mundo que
Os moradores de uma casa não estão de fato é controlado e administrado por todos e para todos
preocupados com o espaço fora de seus lares, mas terá de ser construído com entidades pequenas e
também não podem ignorá-lo. Esta oposição conduz à funcionais, não maiores do que as capacidades de
alienação diante de seu ambiente e - na medida em cada um para mantê-las. Cada componente espacial
que suas relações com os outros são influenciadas por será usado mais intensamente (o que valoriza o
ele - conduz também à alienação diante dos espaço), ao mesmo tempo em que se espera que os
moradores vizinhos. usuários demonstrem suas intenções. Mais
O crescimento do nível de controle imposto de cima emancipação gera mais motivação, e deste modo
para baixo está tornando o mundo à ~ossa volta cada pode-se liberar a energia represada pelo sistema de
vez mais inexorável: e isso abre caminho para a decisões centralizadas. Isto constitui um apelo em
agressividade que, por sua vez, conduz a um favor da descentralização das responsabilidades, de 96
enrijecimento ainda maior da teia de regulamentos. sua restituição onde for possível, e em favor da
O resultado é um círculo vicioso, a falta de delegação de responsabilidade a quem de direito -
comprometimento e o medo exagerado do caos para que possam ser tomadas medidas eficazes, para
alimentando-se mutuamente. resolver os problemas da inevitável alienação diante
A incrível destruição da propriedade pública, do "deserto urbano".
destruição que está aumentando nas principais cidades
do mundo, pode ser provavelmente imputada à
alienação diante do ambiente de vida. O fato de que
os abrigos de transporte público e os telefones
públicos venham sendo, semana após semana,
completamente destruídos é na verdade uma
alarmante acusação à nossa sociedade como um todo.
Quase tão alarmante, no entanto, é que essa tendência
- e sua escala - é enfrentada como se fosse um mero
problema de organização: por meio do expediente de
reparos periódicos, como se tudo não passasse de uma
questão rotineira de manutenção, e da aplicação de
reforços-extras ("à prova de vândalos"). Desta
maneira, a situação parece estar sendo aceita como
"apenas mais uma dessas coisas". Todo o sistema
repressivo da ordem estabelecida é gerado para evitar
conflitos, para proteger os membros individuais da
comunidade das incursões de outros membros da
mesma comunidade, sem o envolvimento direto dos
indivíduos em questão. Isso explica por que há um
medo profundo da desordem, do caos e do
inesperado, e por que os regulamentos impessoais,
"objetivos", são sempre preferidos ao envolvimento
pessoal. É como se tudo devesse ser regulamentado e

DOMÍNIO PÚBllCO 47
Para além de nossa porta ou do portão do jardim,
9 A RUA começa um mundo com o qual pouco temos a ver, um
mundo sobre o qual praticamente não conseguimos
exercer influência. Há um sentimento crescente de que
o mundo para além de nossa porta é um mundo hostil,
de vandalismo e agressão, onde nos sentimos
Amsterdam, bairro ameaçados, nunca em casa. No entanto, tomar esse
operário, a vida nas
ruas: bem diferente de sentimento generalizado como ponto de partida para o
hoje, mas lembre-se planejamento urbano seria fatal.
de como as moradias Certamente seria bem melhor voltar ao conceito otimista
eram apertadas e
e utópico da "rua reconquistada", que podíamos ver tão
inadequadas naquele
tempo claramente diante de nós há menos de duas décadas.
Nesta visão, inspirada pelo prazer existencialista diante
da vida no pós-guerra (especialmente o Provo, no caso
da Holanda), ~ de novo concebida como o que
deve ter sido originalmente, ou seja, um lugar onde o
fOntato social entre os moradores ode ser estabel~~
como uma sala de estar comunitária. E o conceito de
que as relações sociais podem até ser estimuladas pela
aplicação eficiente de recursos arquitetônicos pode ser
encontrado em Team X e especialmente em Forum,
onde, como um tema central, esta questão era
repetidamente levantada.
A desvalorização desse conceito de rua pode ser
atribuído aos seguintes fatores:

97
98

Gioggia, Itália. Rua


de convivência, sem
trânsito. Procurando
um lugar na sombra

48 l I ÇÕES DE ARQUITETURA
• o aumento do tráfego motorizado e a prioridade que permite que o coletivismo assuma proporções além da
recebe; nossa compreensão.
• a organização sem critérios de áreas de acesso às Devemos tentar lidar com esses fatores - ainda que o
Je moradias, em particular as portas da frente, por causa arquiteto seja incapaz de fazer mais do que exercer
til, de vias indiretas e impessoais de acesso, tais como uma influência incidental nos aspectos fundamentais _)!:'...
galerias, elevadores, passagens cobertas (os de mudança social mencionados acima - criando
inevitáveis subprodutos de construções muito altas) que condições para uma área mais viável de rua onde quer
diminuem o contato com o nível da rua;
'o que seja possível. O que significa que isto deve ser
• a anulação da rua como espaço comunitário por feito no âmbito da organização espacial, isto é, por
causa do assentamento dos blocos; meios arquitetônicos.
• densidades reduzidas de moradias, enquanto o
número de moradores por unidade também diminui • Situações em que a rua serve como uma extensão
e acentuadamente. Assim, a queda da densidade comunitária das moradias são familiares a todos nós.
populacional vem acompanhada por um acréscimo no Dependendo do clima, as partes ensolaradas ou as
espaço de habitações por moradores e na largura das partes com sombra são as mais populares, mas o
ruas. A conseqüência inevitável é que as ruas de hoje tráfego motorizado está sempre ausente ou pelo menos
o: estão bem mais vazias do que as do passado; além longe o bastante para não impedir que os moradores
disso, a melhoria no tamanho e na qualidade das vejam uns aos outros e possam ser ouvidos.
moradias significa que as pessoas passam mais tempo As ruas de convivência, que não servem mais
dentro de casa e menos na rua; exclusivamente como via de tráfego e que estão
• quanto melhores as condições econômicas das organizadas de tal modo que há também espaço para
pessoas, menos ela necessitam dos vizinhos, e tendem as crianças brincarem, estão se tornando uma
a fazer menos coisas juntas. presença cada vez mais familiar tanto nos novos
A prosperidade crescente parece, por um lado, ter conjuntos habitacionais quanto nos projetos de
estimulado o individualismo, enquanto, por outro lado, renovação - pelo menos na Holanda. Os interesses do

99

Moradias Spangen.
Rotterdam, 1919 /
M. Brinkman. Rua de
convivência, sem
trânsito. Procurando
um lugar ao sol

DO MÍNI O PÚBLICO 49
pedestre estão sendo finalmente levados em
consideração, e com a instituição da woonerf (área
residencial com severas restrições ao tráfego e
prioridade total para os pedestres) com base jurídica,
.nl:~1tfra-unqu15l'bnal:r smnLgar ou, pe1b menos, não
é mais tratado como um fora-da-lei. No entanto, ainda
que os motoristas sejam obrigados a se comportar de
modo mais disciplinado, seus veículos ainda constituem
um embaraço, pois são tão grandes e, em especial, tão
numerosos, que ocupam cada vez mais o espaço
público.

MORADIAS HAARLEMMER HOUITUINEN (100-109)


O tema central no Haarlemmer Houttuinen é a rua como
espaço de convivência, elaborada em associação com Van
Herk e Nagelkerke. A decisão de reservar uma área de
27 metros para o trânsito - mais relacionada com política
do que com planejamento urbano - obrigou-nos a construir
dentro desse limite de alinhamento imposto; como
resultado, não sobrou espaço para jardins nos fundos (que,
101
de qualquer modo, ficariam permanentemente na sombra).
100 102
Em suma, essas circunstâncias desfavoráveis - i.e.,
orientação indesejável e ruído de trânsito - deixavam claro

que o lado norte deveria acomodar a parede de fundo, e,


deste modo, toda a ênfase recaiu automaticamente na rua
de convivência do lado sul. Esta rua de convivência é
acessível apenas para os carros dos próprios moradores e
para os veículos de entregas; o fato de estar fechada ao
tráfego motorizado em geral e também a sua largura de
sete metros - um perfil inusitadamente estreito pelos
padrões modernos - criaram uma situação capaz de evocar
a antiga cidade. Os equipamentos necessários à rua, tais
como luzes, estacionamentos de bicicletas, cercas baixas e
bancos públicos, estão distribuídos de tal modo que apenas
uns poucos carros estacionados já são o bastante para

50 llÇÕES DE ARQUITETURA
melhores se fossem maiores. Como oferecem bem menos
privacidade do que as sacadas, podemos nos perguntar se
os moradores do andar térreo não ficam em desvantagem,
mas, por outro lado, o contato imediato com os transeuntes
e com as atividades gerais da rua parece ser atraente para
muitas pessoas, especialmente quando a rua readquire algo
de sua antiga qualidade comunitária. Foram deixadas
faixas em aberto ao lado dos espaços privados externos;
deliberadamente, ficou indefinida a organização dessas
faixas. O departamento de obras públicas não resistiu à
oportunidade de pavimentar esses espaços. Os moradores,
por sua vez, estão colocando plantas ali, apropriando-se
obstruir a passagem de qualquer tráfego adicional. Foram gradativamente dessa área basicamente pública.
olantadas árvores para formar um centro a meio-caminho A construção civil na Holanda tem a tradição de dedicar
entre as duas seções da rua. As estruturas que se projetam muita atenção aos problemas de acesso aos andares mais
a partir das fachadas - as escadas externas e as varandas altos, e uma grande variedade de soluções foi desenvolvida
- articulam o perfil da rua, fazendo-a parecer menos no país - todas com o objetivo de dar a cada residência
ampla do que os sete metros da frente de uma casa até a uma porta de entrada com o máximo de acesso possível
Írente de outra. A conseqüência é uma zona que pela rua. Na verdade, a solução que adotamos é apenas
oroporciona espaço para os terraços das residências uma outra variação de um tema essencialmente antigo: a
103
•érreas. Estes canteiros com muros baixos não são maiores escadaria externa de ferro conduz a um patamar no
do que as varandas do primeiro andar; é claro que não primeiro andar, onde fica a porta da frente da moradia do
oodiam ser menores, mas a questão é saber se ficariam 104
andar de cima; daí a escadaria continua por dentro do

BIBLIOTECA UNI-BH DOMÍNIO PÚBLICO 51


Reijnier Vinke/eskade, edifício, passando pelos dormitórios da moradia do andar
Amsterdam, 1924 / térreo até a moradia do andar de cima.
J. C. van Epen

As entradas para as moradias dos andares de cima,


localizadas em "varandas públicas" com vista para a rua,
não constituem obstáculo para as moradias do andar térreo,
mas dão a estas uma espécie de abrigo para suas próprias
indi entradas. Como as escadas são leves e transparentes, o
espaço que fica embaixo delas pode ser totalmente usado
para caixas de correio, bicicletas e para as brincadeiras das
crianças. Houve um esforço considerável para separar as
áreas de acesso às habitações dos andares de cima e os
105 106 espaços de jardim em frente das habitações do andar
107a térreo. Isso se reflete na definição clara das
107b responsabilidades dos moradores quanto à limpeza de suas
108 107c 109 áreas de acesso. A ausência de uma definição assim tão
clara resultaria sem dúvida numa utilização menos intensa
Segunda andar
do espaço disponível para cada morador.

O conceito da ruo de convivência está baseado na


idéia de que os moradores têm algo em comum, que
têm expectativas mútuas, mesmo que seja apenas
porque estão conscientes de que necessitam um do
outro. Este sentimento, no entanto, parece estar
desaparecendo rapidamente de nossas vidas.
A afinidade entre os moradores parece diminuir à
X'.' medida que aumenta a independência proporcionada
pela prosperidade. Tal anonimato chega mesmo a ser
elogiado pelos adeptos do coletivismo e da
centralização: se as pessoas se relacionam muito entre Primeira andar

Andar térreo

52 LIÇÕES DE ARQUITETURA
DOMÍNIO PÚBLICO 53
si, há o perigo de um excesso de "controle social", é determinado em grande parte pelo planejamento e
': eles argumentam. pelo detalhamento do layout da vizinhança.
Na verdade, quanto mais isoladas e alienadas as
pessoas se tornarem em seu ambiente diário, mais -CONJUNTO HABITACIONAL SPANGEN, RomRDAM, 1919 /
fácil será controlá-las com decisões autoritárias. M. BRINKMAN (11 O, 111)
Embora o "controle social" não tenha de ser negativo As galerias de acesso no conjunto habitacional Spangen d
por definição, ele sem dúvida existe e seus efeitos Rotterdam (1919) ainda não foram superadas no que diz
negativos são sentidos quando não podemos fazer respeito ao que oferecem aos moradores. Como só existem
nada sem que sejamos julgados e vigiados pelos portas da frente em um lado dessa "rua de convivência", o
outros, como em toda comunidade muito concentrada, moradores têm como companhia apenas seus vizinhos
uma vila, por exemplo. imediatos. Isso é uma desvantagem em comparação com
Devemos aproveitar todas as oportunidades possíveis uma rua normal, onde naturalmente encontramos os
para evitar uma separação rígida entre habitações vizinhos também do outro lado da rua. No entanto, em
e para estimular o que restou do sentimento de Spangen, o contato entre vizinhos é excepcionalmente
participar de algo que nos é comum. intenso, o que mostra como é importante a ausência do
Em primeiro lugar, esse sentimento de comunidade está trânsito. Ainda assim, a interação que ocorre nos acessos
presente em qualquer interação social do cotidiano, tal da galeria não se estende à rua abaixo, onde ficam os
como nas brincadeiras das crianças, no hábito de fundos das residências. Não se pode estar em dois lugares
revezar-se para tomar conta das crianças, na ao mesmo tempo.
preocupação em manter-se informado sobre a saúde
do outro, em suma, em todos esses cuidados e alegrias ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (112-115)
que talvez pareçam tão evidentes que tendemos a As unidades de habitação para os estudantes casados no
subestimar sua importância. quarto andar induziram à construção de uma rua-galeria,
que poderia ser vista como um protótipo para uma rua de
110 111 • As unidades de habitação funcionam melhor quando convivência, livre do trânsito e com vista para os telhados
as ruas em que estão localizadas funcionam bem como da cidade velha. É um lugar seguro mesmo para as
espaços de convivência, o que por sua vez depende crianças pequenas, que podem brincar ali enquanto seus
particularmente de verificar o quanto são receptivas, pais podem ficar sentados em frente às suas casas.
i.e., em que medida a atmosfera dentro das casas pode O exemplo em que esse projeto se baseou foi, na verdade,
se integrar à atmosfera comunitária da rua lá fora. Isto o complexo Spangen de 45 anos atrás.

54 LIÇÕES DE ARQUITETURA
~ dos problemas nas ruas-galerias é a colocação das
=elas dos quartos de dormir: se se abrem para a galeria,
• rge a desvantagem de uma privacidade insuficiente. Essa
• ação pode ser melhorada ao se erguer o nível do chão
: quarto de dormir, de modo que os que estão dentro
- ssam olhar pela janela com sua visão acima das cabeças
: s pessoas que estão do lado de fora , ao mesmo tempo
,~,,1]
:: que a janela é alta demais para que os que estão do
~ o de fora possam olhar para dentro do quarto.
edifício como um todo acabou se tornando muito menos
:rerio, e, em conseqüência, a rua-galeria não é mais
: essível ao público.
A procura por mais espaço e luz solar para todas as 112
:. CÍPIOS DE ASSENTAMENTO (116) unidades habitacionais conduziu, no planejamento urbano 113
=:ide-se ver como isto funciona, de uma forma elementar, do século XX, ao abandono do até então habitual 114 115
s princípios de assentamento adotados de um modo ou assentamento de quadras dentro do perímetro.
:e outro em todos os projetos de moradia recentemente O resultado foi a perda do contraste entre a reclusão
: struídos. tranqüila dos pátios cercados e a agitação e o barulho do

DOM ÍNI O PÚBLI CO 55


ÕMERSTADT, FRANKFURT, ALEMANHA, 1927-28 / E. MAY (120-123)
: rnst Moy, como seu colega mais famoso, Bruno Tout, está
entre os mais importantes pioneiros do construção de
orodios no Alemanha. Os numerosos complexos
obitocionois que construiu em Frankfurt no período
926-1930 mostram como tinha uma percepção aguçado
os detalhes urbanos que podem melhorar os condições de
'do. A lição que ele ensino é que plantas muito monótonos
e loteamento, que em geral resultam dos orçamentos
limitados poro o habitação social, podem ser transformados
um excelente ambiente de moradio, apesar dos meios
limitados, no medido em que os plantas sejam
desenvolvidos com um sentido adequado de orientação e
de proporção.
oturolmente, é importante compreender que o arquitetura
dos moradias e o projeto do ambiente à suo volto foram
18.00 8.95
entregues à responsabilidade do.mesmo homem, que, além
SEÇÃO NORTE-SUL
disso, não fez nenhuma distinção entre o arquitetura e o 1934
planejamento urbano, conseguindo assim ajustar moradias
e ambiente de tal modo que se tornaram portes
complementares de um todo único.
O conjunto habitacional Romerstodt está situado num suave
declive às margens do rio Niddo. As ruas paralelos seguem
o direção do vale. Embora pudesse parecer evidente, neste
coso, com ruas em terraço, planejar coerentemente os
jardins no encosto do vale, decidiu-se colocar os portos de
entrado dos fileiras de casos uma diante do outro de ambos
os lodos do cominho. A desigualdade entre os dois lodos
de entrado, resultado do orientação e de uma (leve)
diferenço de nível, foi compensado pelo organização do
espaço do ruo de tal modo que os casos que ficavam do
ado com jardins situados menos favoravelmente tinham
uma área verde no frente.
Um detalhe característico é que o pavimentação do calçado
•ermino um pouco antes do fachada, deixando uma estreito
faixo nua bem ao lodo do parede do lodo norte. Este é um
espaço óbvio poro os plantas, e os trepadeiras podem subir
pelo fachada, amenizando o suo rigidez.

HET GEIN, MORADIAS (124-128)


O layout do conjunto habitacional "Hei Gein" em Amersfoort
é de tal ordem que a ênfase recai especialmente sobre o
qualidade das ruas de convi'lêncio. O terreno foi dividido,
na medida do possível, em blocos retos e longos e ruas
paralelas. À primeira vista, isto oferece menos, e não mais
variedade que o fayout convencional, mas a idéia é que
ruas retas e tranqüilas constituem um ponto de partida mais
adequado paro as variações dentro dos loteamentos. É
como um sistema de urdidura e trama: enquanto o urdidura

1985

DOMÍNIO PÚBLICO S]
(as ruas) num pedaço de pano constitui uma estrutura forte instalar alpendres cobertos, estufas, toldos e outros
(ainda que sem cores se for necessário), a trama dá cor ao confortos individuais. Estes acréscimos foram fornecidos por
tecido. Um requisito importante, porém, é que as ruas de nós logo no início para uma série de moradias, o que pode
convivência sejam mantidas livres do trânsito tanto quanto estimular os ocupantes de moradias semelhantes a seguir
possível. Deu-se muita atenção aos perfis das ruas; eles não estes exemplos, se tiverem os recursos para isso. A maneira
apenas são essenciais para a qualidade de cada moradia como esta zona vier a ser usada por todos os envolvidos
individual, como também para a maneira como estas se constituirá a principal fonte de diversidade - não como
inter-relacionam. As fachadas e, por conseguinte, também resultado do projeto, mas sim como expressão de escolhas
as portas das moradias ficam uma defronte da outra, duas individuais. Algumas dessas habitações possuem extensões
a duas, nos dois lados da rua . As ruas têm orientação de no telhado, também existe a garantia de que no futuro
sudeste para noroeste, o que significa que um lado recebe serão permitidos mais acréscimos numa zona especialmente
mais sol do que o outro. É por isso que as ruas estão designada para isso. Os galpões dos jardins estão
assimetricamente organizadas: os espaços de localizados perto da casa ou no jardim, dependendo das
124 125 estacionamento ficaram num único lado da rua - o lado da condições de luminosidade. Nos jardins parcialmente
,ombro. O oulro, o \ado do ,o\, \em uma ampla área coberlo, pela ,omba, i»o ainda po»ibi\ila a criação de
127 verde. As habitações com as portas da frente para o lado um lugar ensolarado com alguma proteção. Os loteamentos
126 128 do sol e, por conseqüência, com jardins do lado com mais com uma orientação mais favorável têm o galpão perto da
sombra foram compensadas com um espaço extra (1,80 m casa, de modo que se torna atraente construir algum tipo
de largura) ao longo da fachada, que pode ser usado para de conexão no espaço entre os dois.

S8 LIÇÕES DE ARQUIT[TURA
r ACESSO AOS APARTAMENTOS
As moradias devem ser tão diretamente acessíveis quanto
possível e, de preferência, não muito afastadas da rua,
Rua da convivência,
Hamburgo, entre a
Liiwenstrasse e a
Falkenried, Alemanha.
como em geral acontece nos edifícios de muitos andares.
Sempre que, como no caso dos apartamentos, você só pode
chegar à sua casa indiretamente, através dos halls
comunitários, elevadores, escadarias, ou galerias, há o
risco de que estes espaços comunitários sejam tão anônimos
que desencorajem os contatos informais entre os moradores
e acabem degenerando numa vasta terra-de-ninguém .
Ainda que se leve em consideração a necessidade de certo
grau de privacidade para cada unidade nos edifícios de
muitos andares, as pessoas que moram ao lado, acima ou
e abaixo, têm muito a ver umas com as outras, embora faltem
condições espaciais para isso. Além disso, num bloco de
a apartamentos, é difícil saber onde receber os amigos e
onde se despedir deles. Devemos acompanhá-los até a
porta da frente e deixá-los descer sozinhos as escadas ou
devemos ir com eles até onde o carro ficou estacionado?
E quanta trabalheira na hora de colocar a bagagem no
carro quando estamos saindo num feriado! Se as crianças
te ainda são pequenas demais para brincar sozinhas do lado
de fora, a situação é verdadeiramente problemática.

Em bairros residenciais devemos dar à rua a qualidade


de uma sala de estar, não só para a interação
cotidiana como também para as ocasiões especiais, de
modo que as atividades comunitárias e as atividades
importantes para a comunidade local possam ser
realizadas ali.

"A diversão começa,

1 aprontando o carro e
o trailer. " Do Guia
Turístico ANWB

A rua também pode ser o lugar para atividades Rua residencial, Saxmundham, Inglaterra, 1881. "Celebrando o Jubileu da 130
comunitárias, tais como a celebração de ocasiões Rainha Vitória. Na década de 1880, a popularidade da rainha Vitória 131
havia sobrepuiado as primeiras ondas de republicanismo, e atingiu seu
especiais que dizem respeito a todos os moradores 129 132
clímax nos Jubileus de 1887 e 1897, época em que foi amada e
locais. É impossível projetar a área da rua de tal modo reverenciada como nenhum outro monarca britânico. Observe que um
que as pessoas resolvam subitamente fazer juntas as policial, no centro da fotografia , com a iarra na mão direita, está entre os
funcionários que aiudam a servir a população. O dia está bem quente pois
refeições do lado de fora. muitas senhoras na mesa do lado direito abriram suas sombrinhas para se
proteger do sol. Um rosto queimado de sol em uma mulher era,
Mesmo assim, é uma boa idéia guardar este tipo de naturalmente, uma coisa a ser evitada a qualquer custo caso quisesse
manter algum tipo de posição social." {Gordon Winter, Acountry comera,
imagem no fundo da mente como uma espécie de 1844-1914, Penguin, Londres)
padrão ao qual o projeto deve, em princípio, ser
capaz de corresponder. Embora as pessoas nos países

DOMÍNIO PÚB LI CO 59
• 1, nórdicos não tenham o hábito de fazer refeições do
..
~ ti
lado de fora, isto acontece de vez em quando, e, deste
modo, deveríamos zelar para que isto não se tornasse
impossível a priori pela organização espacial do lugar.
Talvez as pessoas se sintam até mais inclinadas a dar
novos usos aos espaços públicos se as oportunidades
para fazê-lo forem oferecidas explicitamente.
Tõo importante quanto a disposição relativa das
unidades residenciais umas em relação às outras é a
colocação das janelas, das sacadas, das varandas,
terraços, patamares, degraus das portas, alpendres -
para verificar se têm as dimensões corretas e como
estão espacialmente organizadas, i.e., separadas
adequadamente, mas não de modo excessivo.
É sempre uma questão de achar o ponto de equilíbrio
capaz de fazer com que os moradores possam
refugiar-se na privacidade quando o quiserem, mas
que possam também procurar contato com os outros.
A esse respeito, têm uma importância crucial o espaço
em volta da porta da frente, o lugar onde a casa
termina e onde começa o espaço da rua de
convivência. O que a moradia e a rua de convivência
têm a se oferecer mutuamente é que determina o bom
ou mau funcionamento de ambos.
133
134 FAMILISTÊRE, GUISE, FRANÇA 1859-83 (133-136)
135 O Familistere de Guise, no norte da França, constitui um
136 conjunto de moradias criado pela fábrica de fogões Godin
de acordo com as idéias utópicas de Fourier. O complexo
compreende 475 unidades de moradia, divididas em três
blocos contíguos com pátios internos, assim como uma série
de instalações como creche, escola e lavanderia. Nos
amplos pátios cobertos do Familistere de Guise, as moradias
à sua volta constituem literalmente os muros. Embota a
forma do pátio e a maneira como as portas da frente estão
situadas ao longo das galerias lembrem um presídio e nos
impressionem hoje como algo primitivo, este antigo "bloco
de apartamentos" é ainda exemplo proeminente de como
rua e moradia podem ser complementares. Além disso, o
fato de que esses pátios estejam cobertos com um telhado os
torna extremamente convidativos para atividades
comunitárias tais como aquelas que aparentemente foram
exercidas aqui no passado, quando o complexo de
moradias ainda funcionava como uma forma autenticamente
coletiva de habitação.
•' "Qualquer tentativa de reformar as relações de trabalho
u
está condenada ao fracasso, a menos que seja
acompanhada por uma reforma da construção com o
objetivo de criar um ambiente confortável para os
trabalhadores, que esteja completamente sintonizado com
suas necessidades práticas e também com o fim de fornecer
acesso aos prazeres da vida em comunidade, que todo ser
humano merece desfrutar."
(A. Godin, Solutions Sociales, Paris, 1984)

60 llÇÕES DE ARQUITETURA
DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (137-140)
Nos hospitais, lares para idosos e grandes comunidades de
teor semelhante, a mobilidade restrita dos moradores torna
imperativo conceber o plano quase literalmente como uma
cidade em escala reduzida. No caso do De Drie Hoven,
tudo tinha de ser acessível em uma distância relativamente
curta sob o mesmo teto, porque quase ninguém é capaz de específica. Este padrão é dominado pelo "pátio" central,
deixar o lugar sem ajuda. Graças às grandes dimensões do que os próprios moradores chamam de "praça da aldeia" .
Lar, foi possível realizar um programa abrangente de Esta "praça da aldeia" não é, estritamente falando,
serviços de tal ordem que a instituição pôde aproximar-se bordejada pelas unidades de moradia, como acontece por
da natureza de uma cidade também neste sentido. exemplo com os pátios cobertos no Familistere de Gu'ise,
Os moradores acomodaram-se a seu ambiente como se ele mas, na medida em que o uso e as relações sociais estão
fosse uma comunidade de aldeia. envolvidas, constitui o foco do conjunto. Éonde acontecem 137 138

todas as atividades que são organizadas pela e para a


Fortemente influenciado pela noção de restituição da comunidade de moradores: festas, concertos, espetáculos de 139 140
organização, o complexo foi dividido em um determinado dança e de teatro, desfiles de moda, feiras, apresentação
número de "alas", cada uma com seu próprio "centro". de corais, noites de jogos de cartas, exposições e refeições
Os diversos departamentos desembocam numa "sala festivas em eventos especiais! Algo especial acontece ali
comum" central. Esta disposição dos espaços gerou uma quase que diariamente. Esta "praça da aldeia" é uma
seqüência de áreas abertas que, do ponto de vista espacial, interpretação bastante livre do auditório convencional para
reflete a seqüência: centro de vizinhança, centro de eventos especiais, que poderia ficar sem uso metade do
comunidade, centro de cidade - um todo compósito dentro tempo, se fosse uma sala separada, de localização menos
do qual cada "clareira" ou área aberta possui uma função central.

DOMÍNIO PÚBllCO 61
ESCOLA MONTESSORI , DELFT (141 , 142) comunitárias e eventos. No entanto, só se faz um uso
Na Escola Montessori, o ha/1 comunitário foi concebido de tal incidental das excepcionais oportunidades de espaço que
modo que se relaciona com as salas de aula como uma rua se são oferecidas aqui.
relaciona com as casas. A relação espacial entre as salas de Há uma boa lição para ser aprendida aqui. As moradias
aula e o ha/1, assim como a forma do ha/1, foram concebidas estão isoladas demais da rua embaixo - estão, por assim
como a "sala de estar comunitária" da escola. A experiência dizer, removidas para longe dela, voltadas para cima, e
141 142 de como isso funciona na escola, por sua vez, pode servir não se pode ver bem a rua das janelas, e até mesmo as
como modelo para o que poderia ser feito numa rua. entradas estão posicionadas indiretamente à rua. Nesse
143 144 sentido, a forma do espaço da rua, como uma espécie de
l<ASBAH, HENGELO 1973 / P. BLOM (143, 144) contraforma das moradias, não cria as condições para o
Ninguém esteve mais ativamente engajado na busca de uso diário. Além disso, esse espaço é provavelmente amplo
reciprocidade entre moradia e espaço da rua do que Piei demais para ser preenchido, porque não há diversões
Blom. Enquanto o projeto Kasbah (ver forum, 7, 1959 e Forum, 5, suficientes para tal - diversões que poderiam existir de fato
1960-61) estava preocupado especialmente com o que a numa vila autônoma do mesmo tamanho.
própria disposição das moradias podia gerar, na "área Mas tente imaginar um esquema assim no coração de
urbana" criada em Hengelo as moradias não formam os Amsterdam, com um mercado movimentado na rua
II
muros da rua mas sim o telhado da cidade", deixando o embaixo! Este deve ter sido o tipo de situação que Piei Blom
grande espaço ao nível do chão para todas as atividades imaginou quando concebeu este projeto.

62 l lÇÕ ES DE ARQUITETURA
Ao abandonar o princípio do assentamento tradicional
dos blocos, os arquitetos tentaram, inspirados
especialmente por Team X e Forum, inventar uma
tendência de novas formas de moradia. Essa tentativa
conduziu muitas vezes a resultados espetaculares, mas
a questão de que venham a funcionar de maneira
adequada é algo que só parcialmente irá depender da
qualidade das próprias moradias. Um aspecto pelo
menos tão importante quanto esse está na
possibilidade de o arquiteto descobrir um caminho,
usando as moradias como seu material de construção,
para fazer uma rua que funcione adequadamente.
A qualidade de uma depende da qualidade da outra:
casas e ruas são complementares!

Que o resultado destas construções seja com


145
freqüência desapontador, deve-se muitas vezes às
146
idéias equivocadas dos arquitetos a respeito do modo
como o espaço real das ruas será vivenciado e usado.
Além da tendência que eles têm em confiar
excessivamente na eficácia de medidas específicas (o
que muitas vezes se mostra menos viável do que se
pensava), o erro mais comum consiste no cálculo Via Mazzanfi,
Verona, Itália
errado da proporção entre a dimensão do lugar
público e o número esperado de usuários.
Se a área da rua é ampla demais, pouca coisa
acontece em poucos lugares, e, apesar de todas as
boas intenções em sentido contrário, o resultado são
vastos espaços transformados em "desertos"
simplesmente por ficarem vazios demais. Muitos
projetos - ainda que bem concebidos - funcionariam
satisfatoriamente se ao menos uma feira funcionasse
ali num sábado ensolarado: o tipo de feira que se
pode imaginar facilmente, mas que na realidade existe
apenas na proporção de uma para cem mil moradias.
Devemos testar continuamente a planta no que diz
respeito à densidade da população, indicando grosso
modo no projeto o número esperado de pessoas a
fazer uso das diferentes áreas em diversas situações.
Ao fazê-lo, podemos pelo menos verificar se existe um
excesso de espaço para recreação, por exemplo.
Embora os vastos espaços estimulem a imaginação do
arquiteto por terem certa atmosfera de serenidade,
não é certo que a população local sinta o mesmo. Para
moradias e edifícios enl"~ral pode ser formulada uma
grande variedade de formC1S~ntanto que o espaço
da rua seja criado de maneira q~ sirva como um
agente catalisador entre os moradóres locais em
situações cotidianas, para que, pelo ~nos, não
aumente a distância entre 05 moradorer, tantas vezes
encerrados em moradias hermeticamente fechadas.
. - espac1a
A orgamzaçao · 1deve, em vez dl1sso, servir
·
para estimular a interação e a co~são / ocial.

DO MÍNI O PÚBl l CO 63
organizado com tanto cuidado que possa criar uma
10 ODOMÍNIO PÚBLICO situação na qual a rua possa servir a outros objetivos
além do trânsito motorizado. Se a rua como uma
coleção de blocos de edifícios é basicamente a
expressão da pluralidade de componentes individuais,
na maior parte privados, a seqüência de ruas e praças
como um todo constitui potencialmente o espaço em
que deve tornar-se possível um diálogo entre os
moradores.
A rua foi, originalmente, o espaço para ações,
revoluções, celebrações, e ao longo de toda a história
podemos ver como, de um período para o outro, os
arquitetos projetaram o espaço público no interesse da
comunidade a que de fato serviam.
Este, portanto, é um apelo para se dar mais ênfase ao
tratamento do domínio público, para que este possa
funcionar não só para estimular a interação social
como também para refleti-la. Quanto a todo espaço
público, devemos nos perguntar como ele funciona:
para quem, por quem e para qual objetivo.
Estamos apenas impressionados por suas proporções
ou será que ele talvez sirva para estimular melhores
relações entre as pessoas?
Quando uma rua ou praça nos impressiona como bela,
não é somente por causa das dimensões e proporções
Passeata estudantil na Galleria Vittorio Emanuele, Milão.
"Com a revolta dos estudantes, a educação retornou à cidade e às ruas e, assim, encontrou um campo agradáveis, mas também pela maneira como ela
de experiência rico e diversificado, mais formador que o oferecido pelo antigo sistema escolar. Talvez funciona dentro da cidade como um todo. Este aspecto
esteiamos entrando em uma era em que educação e experiência total coincidirão novamente, em que não precisa depender apenas das condições espaciais,
a escola como instituição estabelecida e codificada não terá mais motivo para existir."
(do artigo "Architecture and Education", Giancarlo de Cario, Harvard Education Review, 1969)
embora estas muitas vezes ajudem, e estes casos
obviamente são exemplos interessantes para o
arquiteto e para o planejador urbana.
Se as casas são domínios privados, a rua é o domínio
público. Dar igual atençã.o à moradia e à rua significa PALAIS ROYAL, PARIS, 1780 / J. V. Lu1s (148·150)
148 149 Em 1780, foram construídas filas de casas com galerias de
tratar a rua não apenas como o espaço residual entre
quadras residenciais, mas sim como um elemento lojas nos três lados do que antes fora o jardim do Palais
fundamentalmente complementar, especialmente Royal em Paris. Hoje é um dos espaços públicos mais

omrn
00
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ºº
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ººº gg
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00 00
00 00

64 llÇÕES DE ARQUITETURA
\
ºgodos" da cidade, ao mesmo tempo em que serve
m importante atalho da área do Louvre até a
teca Nacional. O pequeno parque oblongo extrai sua
- ade espacial e sua atmosfera agradável não apenas
• oroporções seguras dos edifícios regularmente
dos à sua volta, mas também do layout
rs"Sificado, com áreas de grama, cadeiras, bancos,
.,es de areia e um café ao ar livre para os moradores
.. ade escolherem à vontade.

_::,,. ' sucA, VENCE, FRANÇA (151)


::- :x:iíses de clima quente, a rua adquire naturalmente
mais importância na vida das pessoas do que nos
·ses de clima frio. Praças públicas como as de Vence são
.:.--: Iradas em todas as aldeias e cidades dos países
-o:e -errôneos. Em muitos lugares o turismo deteriorou
;.;.s ·comente o estilo de vida e, como conseqüência,
oém a função dos espaços públicos, mas, apesar de
. esses espaços ainda são extremamente adequados
_C"O as atividades comunitárias - e talvez ainda mais

tempos de mudança, como demonstram, por


=- - pio, os concertos ao ar livre organizados para os

-XXEfELLER PLAZA, NOVA YORK (152)


- ockefeller Plaza, no coração de Nova York, funciona até
-esmo no inverno como uma espécie de sala de estar
::iona, em que pessoas de toda parte vêm patinar no gelo.
:. pati nadores mostram suas proezas para os
:...oectadores, e, embora não haja muita coisa acontecendo,
~ seuntes podem experimentar certo sentimento de
:~ panheirismo, o tipo de sentimento que se pode esperar
- _ teatro, numa igreja ou em qualquer outro lugar onde
::s pessoas se reúnam, e que aqui surge espontaneamente,
e- parte graças às condições espaciais que foram criadas.

DOMÍNIO PÚ BLICO 65
153 154
155

A situação muda completamente quando é realizado o


Palio deli Contrade, uma corrida de cavalos cujos
competidores representam os vários bairros da região. Este
evento anual, que é ao mesmo tempo uma cerimônia e uma
disputa, lança um feitiço em toda a cidade e em sua
população, e este adorável espaço em formato de concha
se enche com uma multidão que ocupa as partes laterais da
praça e desfruta uma boa visão da corrida disputada no
centro.
Em tais ocasiões, os cafés ao ar livre dão lugar às tribunas,
e as janelas de cada residência ficam apinhadas seja de
espectadores pagantes, seja de amigos da família. E, na
véspera da competição, 15 mil pessoas jantam nas ruas de
todos os bairros.

PLAZA MAYOR, CHINCHÓN, ESPANHA (156, 157)


Em Chinchón, uma pequena cidade ao sul de Madri, a
praça do mercado central se transforma numa arena por
ocasião da corrida de touros anual. Esta plaza, com a
PlAZZA DEL CAMPO, SIENA, ITÁLIA (153-155) forma de um anfiteatro grego e situada na depressão da
Se há algum espaço público cuja forma fechada e encosta de uma colina, está inteiramente cercada por
localização excepcional dão a impressão de uma sala de edifícios, com lojas e cafés nas galerias e moradias na
estar urbana, a Piazza dei Campo, em Siena, é este lugar. parte alta.
Embora um tanto centrada no seu interior, com seus edifícios Todas estas moradias têm varandas de madeira que vão de
algo austeros dominados pelo Pallazzo Communale, sua um lado da fachada até o outro, unindo-se para formar um
cavidade em forma de pires irradiando-se em becos círculo contínuo de fileiras, dando de frente para a praça.
íngremes cria uma atmosfera de abertura e luz. O lado Quando há uma tourada, as varandas se transformam em
ensolarado da piazza está cheio de cafés ao ar livre que tribunas, com filas de assentos que os moradores vendem
são freqüentados o ano inteiro, especialmente por turistas. para ganhar um dinheiro extra. Estas moradias

66 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Até o século XIX havia poucos edifícios públicos, e
11 OESPACO PÚBLICO COMO
1
mesmo estes não o eram de maneira integral.
O acesso público a edifícios como igrejas,
AMB IENTE CONSTRUÍDO templos, mesquitas, spas, bazares, (anfi-)teatros,
universidades, etc. sofria certas restrições, impostas
pelos encarregados de sua manutenção ou pelos
proprietários. Os verdadeiros espaços públicos
estavam quase sempre ao ar livre. O século XIX foi
a época de ouro do edifício público, em princípio
159 construído com os recursos fornecidos pela
160 comunidade. Os tipos de edifício que foram
desenvolvidos nesse período formaram os blocos de
construção para a cidade, e nós ainda podemos
aprender com estes exemplos quais meios
arquitetônicos e espaciais podem ser mais bem
aproveitados para tornar um edifício mais convidativo
e hospitaleiro.
: 1
A (r)evolução industrial abriu um novo mercado de
• 1 massa. A aceleração e a massificação dos sistemas de
j I
produção e distribuição conduziram à criação de lojas
de departamento, exposições (mundiais), mercados
cobertos e à construção de redes de transporte
público, com estações ferroviárias e de metrô, e,
conseqüentemente, ao crescimento do turismo.

VICHY, FRANÇA (159, 160)


Um exemplo particularmente interessante é a "estação de
águas" com fontes naturais, como Vichy, na França.
As esperanças e expectativas quanto às qualidades medicinais
da água são um dos temas prediletos na conversa de todos os
visitantes. Os tratamentos que foram prescritos para eles levam
algum tempo, o que significa que seus caminhos se cruzam
regularmente no parque no centro da cidade, onde as fontes
estão localizadas. As principais passagens do parque são
cobertas por leves estruturas de metal, o que dá ao transeunte
a sensação de estar ao mesmo tempo dentro e fora.
A atmosfera geral é a de um interminável café ao ar livre,
com inúmeros bancos e cadeiras para que todos aqueles
que vieram em busca de uma cura para seus males possam
se sentar e tomar a água medicinal do lugar. A corrente
permanente de visitantes é um fator determinante da vida
urbana como um todo: há muitas lojas, restaurantes, um
cassino e todo o tipo de conforto para os visitantes, os
quais constituem para os moradores uma importante fonte
de renda. Deste modo, uma precoce forma de turismo se
desenvolveu aqui.

A razão mais importante para o intercâmbio social


sempre foi o comércio, que em todas as formas de
vida comunitária sempre ocorre em certa medida nas
ruas. Cidade e campo se encontram quando o
fazendeiro vai para a cidade vender seus produtos e
gastar o que recebeu em outros produtos. Enquanto
isso, há troca de notícias.
l.Es HALLES, PARIS, 1854-66 / V. BALTARD (162· 164)
Os salões do mercado de Paris constituíam um elo
indispensável na cadeia de distribuição de bens na cidade
- uma estação de abastecimento, por assim dizer, dentro de
um sistema gigantesco, em que produtor e consumidor não
mantêm mais contato direto um com o outro. Os salões do
mercado eram compostos de vastas áreas com telhados de
duas águas e uma área coberta para carga e descarga.
Todo essa atividade não deixou de marcar a vizinhança à
sua volta: havia, por exemplo, muitos restaurantes abertos

durante toda a noite, alguns dos quais ainda existem, como


uma lembrança dos velhos dias.
A expansão contínua, especialmente no transporte de
estoques de alimentos, impôs a necessidade de mudar todo
o centro para outro lugar (Rungis). Os vastos pavilhões de
aço, uma vez vagos, foram demolidos em 1971, apesar das
intensas campanhas para impedir que isto acontecesse.
Ésempre difícil encontrar terrenos para acomodar
espetáculos teatrais, manifestações esportivas e outros
eventos para grandes públicos, e estes salões teriam servido
muito bem para essas finalidades. A demolição das salas e
sua substituição podem na verdade ser vistas como um
símbolo da destruição do espaço público das ruas como 161 163
"arena" da vida urbana. 162 164

DOMÍNIO PÚBLICO 69
sejam mais usados hoje em dia. O barulho das atividades
que ocorrem nos espaços ao lado revelou-se
particularmente perturbador, e logo as pessoas começarw
,I a erigir paredes e outros tipos de divisórias, eliminando
' assim a unidade espacial que era fundamental para o
projeto.

TORRE EIFFEL, PARIS, 1889 / G. EIFFEL (166)


A Torre Eiffel, que foi construída para a Exposição Mundi
não é apenas o símbolo turístico de Paris, mas também,
segundo sua concepção original, um monumento às nova-
idéias que surgiram durante o século XIX. Aqui vemos,
numa forma mais sugestiva do que qualquer outra anteri ~
a expansão concreta da mudança social tal como
manifestada no crescimento e na centralização do poder.
Uma construção como a Torre Eiffel demonstra o que se
torna possível quando inúmeros pequenos componentes,
cada um com sua função e lugar específico, são
combinados para formar uma entidade concebida como
CENTROS COMUNITÁRIOS/ f. VAN KLINGEREN (165) central, na qual o todo excede amplamente a soma das
Os centros comunitários projetados por Van Klingeren (ele partes. A sutileza desta proeza de engenharia se torna
os chamava de ágoras) tais como os de Dronten e mais tangível quando se compreende que um modelo em
Eindhoven foram tentativas de reunir sob um único teto escala da estrutura com 30 centímetros de altura só pes _
todas as atividades que ocorrem no centro de uma cidade. 7 gramas (Guia Michelin) . Quanto maior o controle das
165 Éesse tipo de lugar que gera novos papéis sociais e novas forças ativas, maior a expansão que pode ser obtida.
trocas - que não podem surgir nas novas áreas e A Torre Eiffel é uma corporificação do princípio de
166obc vizinhanças urbanas simplesmente porque ninguém pensou centralização - que pode produzir uma força capaz de
em tomar as medidas necessárias. inspirar admiração a partir de pequenas forças
Por causa do planejamento em termos de "caixas" isoladas, subordinadas. Éuma demonstração da realização
com entradas separadas, mais do que em termos de um orgulhosa de um plano audacioso empreendido com todc
tecido urbano integrado, as "caixas" tendem a produzir um inocência, sem nenhuma preocupação com as forças
efeito adverso sobre a viabilidade do ambiente como um monstruosas e avassaladoras que acabariam por ser
todo e, paradoxalmente, quanto melhor funcionam, mais desencadeadas. O tour de force do sistema de distribuic-
diminuem a qualidade de vida na rua. Portanto, não passam, em que os bens produzidos por uma massa de indivídu s
na verdade, de centros urbanos "artificiais", que devem sua são distribuídos através de um labirinto de canais
existência à inadequação das condições urbanas e à falta de intermediários até a massa dos consumidores, está baseo
uma visão abrangente da correlação necessária entre os em uma complexa estrutura de divisão do trabalho,
novos bairros residenciais e o núcleo urbano existente. especialização e contratos eficientes. Eé sem dúvida ess:
Por mais interessantes que esses centros comunitários tipo de técnica organizacional que alimenta o Moloch
tenham sido como experimento social nos anos 60, não autopropagador da expansão em grande escala e a
surpreende que, sob as condições sociais presentes, com diminuição da influência do indivíduo no processo come
muito menos tolerância e espírito comunitário, eles não todo.

70 llÇÕES DE ARQUITETURA
PAVILHÕES DE EXPOSIÇÃO origem também a novos métodos de construção: a introdução
As exposições mundiais - aqueles mostruários internacionais do aço como material de construção tornou possível erigir em
da produção em massa, para a qual era preciso criar ou pouco tempo estruturas com enormes vãos. Além disso,
encontrar novos mercados - requeriam a construção de painéis de vidro podiam agora ser inseridos nas molduras de
enormes salões de exposição como o Palácio de Cristal em aço do telhado, e a transparência resultante dava aos vastos
Londres (1851) (167, 168), o Grand Palais (1900) (169) e o salões uma atmosfera arejada, leve. Na verdade, as novas
Petit Pelais em Paris, ambos ainda de pé. Estes vastos salões estruturas pareciam mais redomas fechando o espaço e 167 168
de aço e vidro foram os primeiros palácios para o oferecendo abrigo contra as variações climáticas. Deste
consumidor, que rege e é regido pela sociedade de consumo modo, lembravam mais gigantescas estufas (como aquelas 169
(os consumidores consomem e concomitantemente são que ainda existem em Laken, perto de Bruxelas, e nos Kew
consumidos numa sociedade de consumo) . Gardens de Londres) do que os habituais edifícios sólidos.
Esta época de novos métodos e sistemas de produção dá (Incidentalmente, o Palácio de Cristal foi um produto direto
da tradicional estufo.) Os grandes vãos contribuem também,
sem dúvida, para a sensação de não estarmos dentro de um
edifício no sentido convencional. Mas se o uso de estruturas
de aço tornou possíveis estes grandes vãos, e se as novas
possibilidades oferecidas pelos novos métodos de construção
foram avidamente exploradas, permanece em aberto a
questão de saber se eram verdadeiramente funcionais. Talvez
não, porque, embora o vasto telhado de vidro fornecesse
uma excelente iluminação para grandes espaços, algumas
colunas a mais não representariam uma diferença tão grande
assim de um ponto de vista funcional. Mais uma vez, a mera
factibilidade parece ter criado a necessidade, do mesmo
modo que a necessidade exigiu novas técnicas e
possibilidades. Assim como a Torre Eiffel demonstrava
claramente uma maneira de pensar, esta maneira de pensar,
por sua vez, era indubitavelmente inspirada pelas novas
possibilidades de construção; deste modo, a procura gera a
oferta e vice-versa (o que veio primeiro, o ovo ou a
galinha?). É, na verdade, muito difícil deixar de associar os
grandes vãos dos telhados e a maneira como evoluíram,
assim como a articulação espacial mínima que exigiam, com
o surgimento de uma maneira de pensar que conduziu à
expansão em grande escala e à conseqüente centralização
de hoje.

DOMÍNIO PÚBllCO 71
Magasin du Au Ban Marché, Paris
Printemps, Paris 1876/ L. C. Boileau
1881-1889/
P. Sedille

LOJAS DE DEPARTAMENTOS, PARIS


170 172 A expansão da escala de consumo e de mercado, que
171 encontrou sua expressão na salas de exposição de aço e
vidro do século passado, também se manifestou, num
âmbito local, nas amplas lojas de departamentos.

Ao contrário dos bazares e de outros tipos de mercados de


rua cobertos, nos quais um grande número de vendedores
individuais se reunia sob um mesmo teto para vender suas
mercadorias, a loja de departamentos é um
empreendimento único, com administração centralizada,
que afirma administrar uma loja tão grande que se pode
comprar tudo nela. É, na verdade, uma espécie de
armazém geral, mas elevado a uma proporção gigantesca
e com um estoque excepcionalmente variado.
Enquanto a mercadoria no armazém é guardada atrás do
balcão, em prateleiras que vão do chão até o teto,
acessíveis apenas ao vendedor, na loja de departamentos
os vários pavimentos é que são visíveis de todos os lados
do salão central - como as prateleiras no armazém geral,
mas com a importante diferença de estarem inteiramente
acessíveis aos compradores.
O telhado de vidro que pode ser encontrado em quase
todas as lojas de departamentos tradicionais (por exemplo,
os Grands Magasins em Paris) produz o mesmo efeito
espacial, basicamente, de uma única grande loja, embora
os espaços em volta sejam divididos em departamentos
diferentes para produtos diferentes.
A sala central da Galeria Lafayette oferece ao público uma
acolhida régia, com sua majestosa escadaria livre,
especialmente convidativa (a escadaria acabou sendo
demolida para se obter alguns metros quadrados a mais
para a área de vendas).

Galerie Lafayette,
Paris, 1900

72 li ÇÕES DE ARQUITETURA
ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS
A construção de uma crescente rede ferroviária abriu o
mundo às viagens e à troca de produtos, tornando-o menor
e maior ao mesmo tempo. As estações que foram
construídas nas cidades e nas vilas constituíam as pedras
fundamentais do sistema. Geralmente situadas num lugar
proeminente no centro, as estações ferroviárias não apenas
introduziram um novo tipo de edifício nas cidades como
trouxeram também toda uma nova gama de instalações e
atividades urbanas com elas relacionadas, tais como hotéis,
lugares para comer e beber e, invariavelmente, lojas.
Tornaram-se ainda, com freqüência, um mercado próprio,
que só parcialmente dependia do consumo dos passageiros
dos trens. Os salões de muitas estações ferroviárias
transformaram-se gradualmente em espaços públicos,
trechos cobertos da cidade, onde ainda se pode fazer
compras quando todas as outras lojas estão fechadas, onde
se pode trocar dinheiro, telefonar, comprar revistas, usar o
toalete, tirar fotos numa cabine, obter informações, pegar
um táxi ou fazer uma refeição rápida (ou então uma
bastante refinada - muitas estações ferroviárias tornaram-se
famosas por causa de seus restaurantes). Esta concentração
expande-se pela vizinhança imediata, com cafés,
restaurantes e hotéis. Na Grã-Bretanha, muitas vezes são
parte da estação. Em suma, a agitação e a atividade que Estação Central, Glasgow, Grã-Bretanha 173
cercam a chegada e a partida dos trens levam a uma 174
concentração de serviços na área em torno da estação
ferroviária maior do que em qualquer outro lugar da
cidade.

ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS SUBTERRÂNEAS


As entradas e saídas das redes subterrâneas de transporte
urbano, como os metrôs de Paris e de Londres, têm o
mesmo impacto das principais estações ferroviárias, ainda
que numa escala menor e distribuído por vários pontos da
cidade. O metrô de Paris em especial, com suas formas
distintas, é, por assim dizer, uma vasta construção que
irrompe do solo em todos os bairros da cidade como um
marco familiar e imediatamente identificável. O que a
estação ferroviária é para a cidade a entrada do metrô é
para um bairro: um lugar que atrai diversões e negócios.
As salas e passagens labirínticas das principais interseções
são o refúgio favorito dos músicos de rua, especialmente no
inverno, quando procuram abrigo nesta parte subterrânea
da cidade.

Metrô de Paris, estação do Ploce


Douphine, 1889-1901 /H. Guimord

DOMÍNIO PÚBLICO 73
12 OACESSO PÚBLICO
AO ESPACO
'
PRIVADO
Embora os grandes edifícios que têm como objetivo ser
acessíveis para o maior número possível de pessoas
não fiquem permanentemente abertos e ainda que os
períodos em que estão abertos sejam de fato impostos
de cima, tais edifícios realmente implicam uma
expansão fundamental e considerável do mundo
público.
Os exemplos mais característicos desta mudança de
ênfase são sem dúvida as galerias: ruas internas de
comércio cobertas de vidro, tais como as construídas
no sécu)o XJX, e dos quais muitos exempJos marcantes
ainda sobrevivem em todo o mundo. As galerias
serviram em primeiro lugar para explorar os espaços
interiores abertos, e eram empreendimentos comerciais
afinados com a tendência de abrir áreas de venda
para um novo público de compradores. Deste modo,
surgiram circuitos de pedestres no núcleo das áreas de
lojas. A ausência de trânsito permite que o caminho
seja bastante estreito para dar ao comprador potencial PASSAGE DU (AIRE, PARIS, 1779 (175-178)
175
uma boa visão das vitrines dos dois lados . Um exemplo interessante do conceito de galeria pode ser
..IJó
v1st6, numa t6rma elementórl na râssage atl ú11re, em
Paris. A construção completa de um espaço interior
177 178 excepcionalmente modelado foi concebida juntamente com
a parte exterior segundo um princípio racional de

74 LIÇÕES DE ARQUITETURA
ordenamento que, até certo ponto e submetido a certas
regras, permitiu a livre disposição dos elementos
arquitetônicos. Muitos dos negócios localizados aqui estão
ligados às dependências periféricas, permitindo o
desenvolvimento de uma rede informal de passagens entre
os pontos-de-venda, somando-se às entradas oficiais.

GALERIAS DE LOJAS
Em Paris, onde a galeria de lojas foi inventada e floresceu
(ainda existem muitas galerias, especialmente no primeiro e
no segundo Arrondissement), há três quadras consecutivas
·, com passagens internas de ligação: Passage Verdeau,
Passage Jouffroy, e Passage des Panoramas. Juntas formam
uma pequena cadeia que cruza o Boulevard Montmartre e, se
tivessem continuado, seria fácil imaginar como uma rede de
caminhos cobertos para pedestres poderia ter se desenvolvido
independentemente do padrão dos ruas à suo volta.
As galerias de lojas existem em todo o mundo, em formas e
dimensões diversas que dependem das condições locais -
mas muitas vezes já perderam seu encanto original como
conjunto de lojas caras, embora em vários lugares ainda
acomodem as lojas mais luxuosas, como por exemplo a
Galerie St. Hubert, em Bruxelas, e a Galleria Vittorio

Paris, 2º distrito

Passoge des
Panoramas, Paris

Galerie Vivienne,
Paris

179 181
180 182

DOMÍNIO PÚBLICO 75
Strand Arcade, Emanuele, em Milão, que todos identificam como o coração
Sidney
da cidade.
(Para um levantamento, análise e história da galeria ver: J. F. Geist,
Passagen, ein Baulyp des 19.Jahrhunderts, Munique, 1969)

O princípio da galeria voltou a adquirir relevância local


183 184 quando o volume do trânsito nas ruas do centro das
185 cidades tornou-se tão pesado que surgiu a necessidade de
186 áreas exclusivas paro pedestres, i.e., de um "sistema"
exclusivo paro os pedestres ao longo do padrão existente
das ruas. As galerias típicas do século XIX passavam
através das quadras, como atalhos, e sua proposta básica
era fazer com que as áreas internas fossem usadas.
Embora os edifícios fossem atravessados por essas
passagens, sua aparência exterior não era afetada : o
exterior, a periferia, continuava a funcionar de modo
separado e independente como uma fachada autônoma.
Em muitos projetos contemporâneos de caminhos cobertos
para pedestres, o exterior do complexo dentro do qual a
atividade está concentrada lembro as pouco convidativas
paredes de fundo de um edifício. Esta inversão - virar a
massa do edifício de dentro para fora - não passa de total
perversão do princípio orientador da galeria.

As passagens altas e compridas, iluminadas de cima


graças ao telhado de vidro, nos dão a sensação de um
interior: deste modo, estão do lado de "dentro" e de
"fora" ao mesmo tempo. O lado de dentro e o de fora
acham-se tão fortemente relativizados um em relação

76 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Esquerda: Galerie
St. Hubert, Bruxelas

Galleria dell'lndustria
Suba/pino, Turim

ao outro que não se pode dizer quando estamos O abandono do assentamento de quadras num
dentro de um edifício ou quando estamos no espaço perímetro fechado, no urbanismo do século XX,
que liga dois edifícios separados. Na medida em que a significou a desintegração da definição espacial nítida
oposição entre as massas dos edifícios e o espaço da dada pelo padrão da rua. À medida que crescia a
rua serve para distinguir - grosso modo - o mundo autonomia dos edifícios, seu inter-relacionamento
privado do público, o domínio privado circunscrito é diminuía, e hoje eles se erguem destituídos de
transcendido pela inclusão de galerias. O espaço alinhamento, por assim dizer, como um monte de
interior se torna mais acessível, enquanto o tecido das megálitos irregularmente espalhados, afastados entre
ruas se torna mais unido. A cidade é virada pelo si, num espaço aberto excessivamente amplo.
avesso, tanto espacialmente quanto no que concerne O "corredor de rua" degenerou em "corredor de
ao princípio do acesso. espaço".
O conceito de galeria contém o princípio de um novo Este novo tipo de assentamento aberto, tão inovador
sistema de acesso no qual a fronteira entre o público e para as condições "físicas" da construção de casas em 189 190
o privado é deslocada e, portanto, parcialmente particular, teve um efeito desastroso sobre a coesão do
abolida; em que, pelo menos do ponto de vista todo - um destino que prejudicou a maioria das 187 188
espacial, o domínio privado se torna publicamente cidades. Quanto mais os edifícios se afastam uns dos
mais acessível. outros como volumes autônomos com fachadas

184-188:
Galleria Vittorio
Emanuele, Milão

DOMÍNIO PÚBLICO 77
natural das coisas, seria inacessível, já que faz parte do
domínio privado, é, graças à possibilidade de acesso, uma
contribuição à cidade como um todo.
Éimportante ter em vista, no entanto, que essa solução
perderia muito de sua qualidade se os blocos circundantes
fossem projetados de acordo com o mesmo princípio.
Neste caso, a área como um todo iria apresentar a
imagem padrão de uma cidade moderna. Éjustamente a
surpresa do contraste que torna o princípio tão claro neste
caso.

Devemos considerar a qualidade do espaço das ruas e


dos edifícios relacionando-os uns aos outros. Um
mosaico de inter-relações - como imaginamos que a
vida urbana seja - requer uma organização espacial
na qual a forma construída e o espaço exterior (que
chamamos rua) não apenas sejam complementares no
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE, RIO DE JANEIRO, 1936-37 / sentido espacial e, portanto, guardem uma relação de
LE (ORBUSIER l193-196) reciprocidade, mas ainda, e de modo especial - pois é
Em seu conceito, Le Corbusier não se adaptou à ordem da com isto que estamos preocupados -, na qual a forma
quadra tradicional de edifícios, tal como estabelecida pelo construída e o espaço exterior ofereçam o máximo de
plano urbano. Em vez de uma massa sólida com fachadas acesso para que um possa penetrar no outro de tal
majestosas cercando o lugar por todos os lados, Le modo que não só as fronteiras entre o exterior e o
Corbusier projetou seu edifício como uma forma livre, uma interior se tornem menos explícitas, como também se
construção elevada sustentada por colunas, de maneira que atenue a rígida divisão entre o domínio privado e o 194
não é preciso andar em volta da quadra, mas apenas público. Quando entramos pouco a pouco num lugar, a
atravessar a distância diagonalmente por entre as colunas. porta da frente perde sua significação como algo 195 196
A altura das colunas e a distância entre elas foram singular e abrupto; ela é ampliada, por assim dizer,
selecionadas de tal modo que o espaço resultante tem um para formar uma seqüência passo-a-passo de áreas
efeito liberador. A sensação de libertação é ainda mais que ainda não são explicitamente o interior, mas ao
impressionante porque não se espera uma situação desse mesmo tempo já são menos explicitamente públicas.
tipo nas redondezas. Assim, estar ali nos traz uma A expressão mais evidente deste mecanismo de acesso
sensação estimulante e especial. deve ser vista nas galerias, e realmente não
A formulação mais importante de Le Corbusier neste surpreende, portanto, que a idéia de galeria ainda
contexto é que um espaço amplo, que, dentro da ordem sirva como um exemplo hoje.

DOMÍNIO PÚBLICO 79
EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (197-200)
O plano urbano, integralmente ajustado à "tradicional"
construção aberta da primeira metade deste século, i.e.,
sem um alinhamento estrito dos edifícios e sem muros de
rua dentro dos quais o edifício tinha de estar situado,

197 198
exigiu portanto um projeto arquitetônico autocentrado, ser-
199
referências aos edifícios na vizinhança imediata.
200
Em vez de um volume construído colossal e único, ergueu-:
um conglomerado mais transparente de numerosos
componentes menores, graças à diferenciação em blocos
pequenos, relativamente independentes, separados por
passagens semelhantes às galerias (i.e., um espaço
essencialmente acessível ao público).
E, como há saídas e entradas por todo o complexo, ele
parece mais um trecho de uma cidade do que um edifício -
lembra sobretudo um pequeno povoado.
O projeto foi concebido visando permitir não só que os
funcionários possam deixar seus espaços de trabalho para
fazer uma pausa, conversar e tomar um cafezinho num dos
vários balcões do espaço central do complexo - como se
estivessem dando uma volta no centro da cidade -, mas
também para que a área possa ser literalmente pública.
Esta oportunidade de acesso público seria integralmente
explorada se o plano original tivesse sido executado: a
saber, situando a nova estação ferroviária de Apeldoorn
bem ao lado do complexo, de modo que se. pudesse chegar
até as plataformas através do Centraal Beheer (foram
"'• : desenvolvidos planos em consulta com as ferrovias
holandesas para instalar pontos-de-venda de passagens
dentro do complexo). Enquanto o edifício, como uma
entidade autônoma, é colocado em perspectiva no nível
formal por sua articulação de um grande número de
componentes arquitetônicos menores, no nível prático uma
articulação similar é conseguida pelo princípio de acesso

80 LIÇÕES DE ARQUITETURA
í

adotado - isto é, pelo fato de que podemos entrar no CENTRO MUSICAL VREDENBURG (201-203) 201 203

edifício a partir de qualquer direção gradualmente e em Aqui foi feita uma tentativa para evitar a forma tradicional 202

diversos estágios. de sala de concerto como um 11 templo da música 11 e chegar,


Sob a influência de um risco cada vez maior para a em vez disso, a uma atmosfera menos formal, menos
segurança nos espaços públicos, o Centraal Beheer também reverente e, portanto, mais convidativa aos não-iniciados.
impôs certas restrições ao acesso público. Hoje, todas as Além de revolucionar a 11 imagem" geral 1 também o
11
entradas são vigiadas por câmeras de televisão, e sente-se mecanismo 11 de acesso foi drasticamente alterado. Não se
a necessidade cada vez maior de uma entrada única para entra por uma entrada imponente, mas sim pouco a pouco.
o complexo como um todo, o qual, além disso, tornou-se Em primeiro lugar entra-se por uma passagem coberta que
1

menos imediatamente legível desde a contração dos dois conduz a muitas entradas (como se estivéssemos numa loja
prédios em um só volume. de departamentosL para depois se chegar aos foyers do
Centro Musical e daí seguir até o auditório. O grande
número de entradas ao longo do corredor (ou galeria) e
também ao longo da praça - quando todas estão abertas -
faz com que o edifício se torne temporariamente parte da
rua. E na verdade é assim que o edifício funciona durante
1 1

DOMÍNIO PÚBLICO 81
n
1,
I• ,

204

205

os concertos semanais gratuitos na hora do almoço. Nesses CINEMA CINEAC, AMSTERDAM, 1933 / J. DUIKER 1204, 205)
dias, vemos os compradores passeando pelo edifício, Duiker não só alcançou um êxito maravilhoso ao ajustar o
muitas vezes demonstrando surpresa, outras vezes ouvindo programa arquitetônico inteiro diagonalmente ao espaço
atentamente, embora não tenham vindo para ouvi r o minúsculo do edifício (em que cada centímetro teve de ser
concerto, e às vezes apenas tomando um atalho até a usado), como conseguiu também deixar aberta a esquina
próxima rua . onde se localiza a entrada, de modo que a esquina
continua funcionando como um espaço público. Deste
modo, podemos atravessar a esquina por trás da coluna
alta e, guiados pela marquise curva de vidro, sentir-nos
1
1
1
tentados a comprar um bilhete para uma sessão contínua
1
1 de cinema . (Esta marquise foi revestida com madeira em
\
1 1980; o anúncio luminoso também foi retirado,
1
1
\
desfigurando assim a última das grandes obras de Duiker.)
\
O espaço que foi devolvido à rua é um componente integra
da arquitetura, em parte por causa de sua localização
específica numa esquina e em parte por causa dos
1

1
materiais empregados (o mesmo tipo de azulejos no chão e
- --------- ---- - -~ no resto do edifício, a marquise de vidro) . Deste modo, é
0 1 5
~1 ambivalente: privado, mas também público.

82 LIÇÕ ES DE ARQUITETURA
Embora a expressão da relatividade dos conceitos de
interior e exterior seja antes de tudo uma questão de
organização espacial, o fato de uma área tender para
uma atmosfera mais parecida com a da rua ou mais
parecida com a de um interior depende especialmente
da qualidade do espaço.
Além disso, se as pessoas reconhecerão a área em
questão como interior ou exterior, ou como alguma
forma intermediária, depende em grande parte das
dimensões, da forma e da escolha dos materiais.

No caso do Centraal Beheer (206) e do Centro Musical


Vredenburg (207), os espaços dos trechos projetados
parcialmente como áreas de ruas são especialmente altos e
estreitos, com iluminação do alto como na galeria de lojas
tradicional. Este tipo de corte tranversal evoca os becos de
cidades antigas, e esta evocação se torna ainda mais
intensificada pelo tipo de material aplicado nos assoalhos e
paredes que estamos acostumados a ver no exterior. amplos e só incidentalmente iluminados do alto. O caráter 206
À medida que penetramos no Centro Musical, esta horizontal, com iluminação predominantemente artificial, e
sensação é salientada pelo uso de madeira no assoalho e o mármore brilhante, de aparência glamourosa, faz com 207
nas paredes. A área comercial adjacente, Hoog Catharijne, que o Hoog Catharijne lembre mais uma grande loja de
é pavimentada com mármore, seus espaços são bem mais departamentos do que o espaço público que essencialmente é.

DOMÍNIO PÚBLICO 83
HOTEL SOLVAY, BRUXELAS, 1896 / V. HORTA (208-211)
Embora as portas da fachada formem de modo inequ
a entrada principal do edifício, descobrimos ao entrar_
elas não levam a um ha/1 convencional, mas dão acesse ::
um corredor que passa diretamente através do prédio ~
um outro par de portas que dá para um pátio nos fu n ....
Este corredor foi concebido para permitir o ingresso de
carruagens, para que as pessoas pudessem descer na
verdadeira entrada do prédio sem se molhar.
A verdadeira porta de entrada está situada, portanto, er
ângulo reto com a fachada, e marca o começo de uma
seqüência espacial que compreende o ha/1 de entrada e :
escadaria conduzindo ao primeiro andar, enquanto os
quartos principais estão localizados ao longo de toda a
fachada e dos muros do fundo, com o uso, característiço
Horta, de divisórias de vidro para criar uma conexão
aberta com o poço da escada.

208
209 210
211

O corredor que atravessa o prédio dá a impressão de fazer


parte da rua, embora, na verdade, seja estritamente
privado, um espaço que faz parte da casa. Esta impressão
é reforçada pelo uso, neste espaço, de materiais que se
assemelham ao da rua, em especial as pedras de
pavimentação e a borda elevada de pedra.
Um detalhe característico de Horta é a transição fluente
entre a fachada e a calçada, de modo que a fronteira entre
o edifício e a rua, entre o espaço público e o privado se
dissolve. Na verdade, nem parece existir, já que os
materiais da fachada e da calçada são os mesmos. Équase
impossível imaginar isso sendo feito em comum a~ordo com
as autoridades públicas, já que elas sempre adotam uma
separação estrita entre o espaço público e o privado.

84 llÇÕES DE ARQUITET URA


PASSAGE POMMERAYE, NANTES, FRANÇA, 1840-43 (212-214)
Embora os materiais de construção e as formas aplicadas
na maioria das galerias sejam do tipo que pertencem ao
"exterior", às vezes acontece o contrário, como na Passage
Pommeraye em Nantes. Esta conexão, atravessando uma
quadra entre duas ruas em níveis diferentes, é uma das
mais belas galerias ainda existentes, em especial porque
seus diferentes níveis são ambos visíveis do espaço central e
ligados por uma grande escadaria de madeira.
O uso de madeira, algo que não se espera encontrar numa
situação destas, enfatiza a sensação de estarmos no interior
- não apenas pelo efeito visual, mas também pelo efeito
sonoro. O interior e o exterior encontram-se duplamente
relativizados aqui, o que torna essa galeria o exemplo por
excelência de como é possível eliminar a oposição entre o
interior e o exterior.

212
213

DOMÍNIO PÚBLICO 8S
Assim como a aplicação ao interior do tipo de
organização espacial e do material referentes ao
mundo exterior faz com que o interior pareça menos
íntimo, as referências espaciais ao mundo interior
fazem com que o exterior pareça mais íntimo.
Portanto, é a união em perspectiva de interior e
exterior e a conseqüente ambigüidade que
intensificam a percepção de acesso espacial e de
intimidade. 'Uma seqüência gradual de indicações
mediante recursos arquitetônicos assegura uma
entrada e uma saída graduais. O complexo inteiro de
experiências evocadas pelos recursos arquitetônicos
contribui para este processo: gradações de altura,
largura, grau de iluminação (natural e artificial),
materiais, diferentes níveis do chão. As diversas
sensações desta seqüência evocam toda uma
variedade de associações, cada uma delas
correspondendo a uma gradação específica de
"interioridade e exterioridade" que se baseia no
reconhecimento de experiências prévias semelhantes.
Não só cada sensação se refere a uma gradação
específica de exterioridade e interioridade, como se
refere por extensão a um uso correspondente. Eu já
havia sublinhado antes que o uso de uma área, o.
214 sentido de responsabilidade por ela e o cuidado
"A (ARTA"/ PIETER DE HOOGH (1629-1684) (215) dispensado a ela encontram-se todos ligados às
O quadro de Pieter de Hoogh demonstra a relatividade das demarcações territoriais e à administração. Mas a
noções de exterior e interior, pela maneira como elas são arquitetura, graças às qualidades evocativas de todas
evocadas não só por meio de recursos de distinções as imagens explicitamente espaciais, formas e
espaciais, mas também, e principalmente, por meio da materiais, possui a capacidade de estimular
expressão dos materiais e de suas temperaturas sob determinado tipo de uso. Conceitos como o de público
gradações variáveis de luz. O interior, com seus azulejos e privado restringem-se, portanto, a meras entidades
brilhantes e frios e as janelas severas no fundo, possui uma administrativas.
temperatura exterior que contrasta com o brilho quente da , i, Ao selecionar os meios arquitetônicos adequados, o
fachada exterior iluminada pelo sol. A porta de entrada 11 domínio privado pode se tornar menos parecido com
aberta e sem degrau cria uma transição suave entre a uma fortaleza e ficar mais acessível, ao passo que, por
habitação e a rua com sua superfície semelhante a um sua vez, o domínio público, desde que se torne mais
tapete. As funções do exterior e do interior parecem estar sensível às responsabilidades individuais e à proteção
invertidas, criando um conjunto espacialmente coeso que pessoal daqueles que estão diretamente envolvidos,
expressa, acima de tudo, acesso. pode se tornar mais intensamente usado e portanto
mais rico. /Enquanto a tendência no fim dos anos 60
parecia levar a uma abertura maior da sociedade em
geral e dos edifícios em particular, assim como a uma
revivescência da rua - o domínio público por
excelência -, há atualmente um movimento crescente
para restringir este acesso e buscar refúgio em sua
própria "fortaleza", longe da agressividade, na
segurança da própria casa. Mas, na medida em que o
equilíbrio entre a abertura e o fechamento é um
reflexo de nossa sociedade bastante aberta, nós nos
Países Baixos, com nossa sólida tradição, podemos
ter as melhores condições para a construção de
/edifícios fundamentalmente mais acessíveis e de ruas
fundamentalmente mais convidativas. r
86 LIÇÕES DE ARQUITETURA
e

215

DOMÍNIO PÚBLICO 87
B CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO

11
'Der Gegenpad von lwang ist nicht Freiheit, sondem 0 oposto da compulsão não é a liberdade, mas a
Verbundenheit. lwang ist eine negative Wirklichkeit, und integração. A compulsão é uma realidade negativa,
Verbundenheit ist die positive; Freiheit ist eine Mõglichkeit, a integração é a positiva; a liberdade é uma possibilidade
die wiedergewonnene Mõglichkeit. Vom Schicksaf, von der a possibilidade reconquistada. Ser compelido pelo destino
Natur, von den Menschen gezwungen werden: der pela natureza, pelas pessoas: o oposto não é libertar-se
Gegenpol is nicht, vom Schicksaf, von der Natur, von den do destino, da natureza e das pessoas, mas aliar-se e
Menschen frei, sondem mil ihm, mil ihr, mil ihnen integrar-se a eles; para que isso aconteça é preciso antes
verbunden und verbündet sein; um dies zu werden, muss ser independente, mas a independência é um caminho, n-.
man freilich erst unabhéingig geworden sein, aber die um espaço."
Unabhéingigkeit ist ein Steg und kein Wohnraum.' (Martin Buber, Reden über Erziehung, Heidelberg, 1953)

90 LIÇÕES DE ARQUITETURA
1 Estrutura e Interpretação 92 9 Incentivos 764
Colunas
2 Forma e Interpretação 94 Pilastras
Canais, Amsterdam Moradias, Berlim / B. Taut
Mexcaltitàn, México Blocos Perfurados para Construção
Estagel, França
Oude Gracht, Utrecht 10 A Forma como Instrumento 770
Viaduto Rue Rambouillet, Paris
Palácio de Diocleciano, Split, Iugoslávia
Os Anfiteatros de Arles e Lucca
Templos, Bali
Rockefeller Plaza, Novo York
Universidade de Colúmbia, Nova York

3 A Estrutura como Espinha Dorsal Gerativa:


Urdidura e Trama 708
Projeto Fort l'Empereur, Argel / Le Corbusier
"As Vigas de Sustentação e o Povo: o Fim da Moradia
de Massa" / N. J. Habraken
Projeto de Casas Flutuantes
Projeto Habitacional Deventer-Steenbrugge
De Schalm, Projeto para um Centro Comunitário
Projeto para uma Passagem Subterrânea para
Pedestres, Apeldoorn
Moradias, Westbroek
Universidade Livre, Berlim / Candilis, Josic & Woods
Projeto para uma Área Residencial, Berlim /
S. Wewerka
Villa Savoye, Poissy, França / Le Corbusier

4 Grelha 122
Ensanche, Barcelona / 1. Cerdá
Manhattan, Nova York

5 Ordenamento da Construção 126


Orfanato, Amsterdam / A. van Eyck
LinMij, Amsterdam
De Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn
Centro Musical Vredenburg, Utrecht
Ministério de Assuntos Sociais, Haia
Escolas Apollo, Amsterdam

6 Funcionalidade, Flexibilidade e Polivalência 146

7 Forma e Usuários: o Espaço da Forma 150

8 Criando Espaço, Deixando Espaço 152


Alojamento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam
Escola Montessori, Delft
Praça Vredenburg, Utrecht
Moradias Diagoon, Delft

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 91


posição visual proeminente, e que se liga à repetição
1 ESTRUTURA E de componentes pré-fabricados (de concreto ou de
qualquer outro material), com grades ou molduras,
INTE RPRETACAO
'
rígidas ou frouxas ou ambos, é rotulado como
estruturalismo. O significado original e de maneira
nenhuma vazio de estrutura e estruturalismo parece ter
A Parte A deste estudo abordou a reciprocidade das submergido sob o peso do jargão da arquitetura.
esferas de influência pública e privada e o que o O estruturalismo denotava, inicialmente, um modo de
arquiteto pode fazer para contribuir para este pensar que derivava da antropologia cultural e se
equilíbrio - pelo menos se ele estiver consciente, em tornou proeminente em Paris durante os anos 60 e que,
cada situação, de quais responsabilidades específicas especialmente na forma desenvolvida por Claude
se aplicam e como elas podem ser interpretadas. Lévi-Strauss, exerceu uma forte influência sobre as
A segunda parte vai abordar a reciprocidade da forma diversas ciências sociais. O termo está intimamente
e do uso, no sentido de que a forma não apenas ligado ao nome de Lévi-Strauss: suas idéias - sobretudo
deter.mina o uso e a experiência, mas também é quando tratam das já mencionadas relações entre o
igualmente determinada pelos dois na medida em que padrão coletivo e as interpretações individuais - foram
é interpretável e, portanto, pode ser influenciada. particularmente inspiradoras para a arquitetura.
Tendo em vista que algo é projetado para todos, isto é, Lévi-Strauss, por sua vez, foi inspirado pelo lingüista
como um ponto de partida coletivo, devemos nos Ferdinand de Saussure (1857-1913), que foi o primeiro
preocupar com todas as interpretações individuais a estudar a distinção entre langue e parole, entre
possíveis - não apenas num momento específico no língua e fala. A língua é a estrutura por excelência,
tempo, mas também à medida que mudam no tempo. uma estrutura que, em princípio, contém a
possibilidade de expressar tudo o que pode ser
A relação entre uma interpretação coletiva e uma comunicado verbalmente. É na verdade um
individual tal como a que existe entre forma e uso pode pré-requisito para a capacidade de pensar. Pois uma
ser comparada à relação entre língua e fala. A língua é idéia só pode ser considerada como existente na
um instrumento coletivo, a propriedade comum de um medida em que pode ser formulada em palavras; nós
grupo de pessoas capaz de usar esse instrumento para usamos a língua não apenas para transmitir nossas
moldar seus pensamentos e comunicá-los uns aos idéias, a linguagem na verdade dá forma a estas idéias
outros, contanto que sigam as convenções da gramática quando as expressamos. A formulação e o pensamento
e da sintaxe, e contanto que usem palavras andam de mãos dadas; formulamos quando pensamos,
reconhecíveis, i.e., palavras que signifiquem alguma mas também pensamos quando formulamos. Dentro
coisa para o ouvinte. O admirável é que cada indivíduo desse sistema - um espaço de valores coerentes - as
pode ser entendido por outro mesmo quando expressa diferentes inter-relações são estabelecidas como regras,
sentimentos e preocupações muito pessoais de uma mas ainda há muita liberdade de ação no mesmo
maneira altamente pessoal. Além disso, a fala não é sistema graças, paradoxalmente, às mesmas regras
apenas uma interpretação da língua, mas a língua, por fixas que delimitam esta liberdade.
sua vez, também é influenciada pelo que se fala, e, no
devido tempo, a língua muda sob esta influência Na filosofia do estruturalismo, esta idéia é estendida
constante. Pode-se dizer então que a língua não para abranger uma imagem do homem cujas
apenas determina a fala, mas a própria língua é ao possibilidades são constantes e fixas, como um baralho
mesmo tempo determinada pela fala. A língua e a fala com o qual podemos jogar vários jogos diferentes
relacionam-se dialeticamente. dependendo da maneira com que lidamos com ele.
Culturas diferentes, sejam as chamadas primitivas,
O conceito de estrutura tende mais a obscurecer do que sejam as civilizadas, também representam uma
a esclarecer. Qualquer coisa que tenha sido agrupada, transformação do mesmo jogo, por assim dizer; as
• '1
mesmo da maneira mais precária, logo tende a ser principais direções estão fixas, enquanto a
; 1

descrita como uma estrutura. (E então surgem as interpretação difere continuamente.


associações negativas com o chamado pensamento (Lévi-Strouss, Lo Pensée Sauvage, 1962)
estrutural sobre as instituições e organizações de
negócios, e, naturalmente, também na política.) Neste Depois de estudar e comparar os mitos e lendas de
caso, "estrutura" refere-se a novas formas de opressão diversas culturas, Lévi-Strauss observou a recorrência
pelos novos mandatários do poder. Tudo na arquitetura, dos mesmos temas e, assim, chegou à conclusão de
bom ou mau, em que o aspecto construtivo ocupa uma que, por meio da aplicação de regras de

92 l l ÇÕE S DE ARQ UI TETU RA


transformação, havia um alto grau de correspondência uma pessoa tem de sua língua, enquanto desempenho
na estrutura. Todos os padrões de comportamento em se refere ao uso que ela faz deste conhecimento em
diferentes culturas, ele afirmava, eram transformações situações concretas. E é com esta reformulação mais
um do outro; por mais diferentes que fossem, a relação geral dos termos "língua" e "fala" que se pode
com seu próprio sistema, no qual exercem uma função, estabelecer uma ligação com a arquitetura. Em termos
seria, em princípio, constante. arquitetônicos, pode-se dizer que "competência" é a
"Do mesmo modo, se você comparar uma fotografia e capacidade da forma de ser interpretada, e
seu negativo - embora as duas imagens se;am «desempenho" é o modo pelo qual a forma é/foi
diferentes -, verificará que as relações entre as partes interpretada numa situação específica.
componentes permanecem as mesmas." (M. Foucault)
Falando de maneira mais simples, quando se chega ao
essencial, pessoas--diferentes em situações diferentes
fazem as mesmas coisas de maneiras diferentes e
coisas diferentes da mesma maneira.
•o homem é aquilo que fazem dele, mas o importante
é o que ele faz com o que fazem dele" (J .-P. Sartre), o
que significa o grau de liberdade que consegue criar na
restrição de suas próprias possibilidades.
O recurso mais simplificado da idéia de estrutura pode
ser oferecido com base, digamos, no jogo de xadrez.
Em um conjunto simples de regras essencialmente
infantis que governam a liberdade de movimentos de
cada peça no jogo, os bons jogadores conseguem criar
uma série infinita de possibilidades. Quanto melhor o
jogador, mais rico o jogo, e dentro do conjunto oficial
de regras surgem outras sub-regras não-oficiais,
baseadas na experiência, que se desenvolvem até se
tornarem regras oficiais nas mãos de jogadores
experientes cuja experiência influencia por sua vez o
original dado, e assim, por extensão, contribui para
regulamentá-lo. Além disso, o xadrez é um exemplo
extraordinário de como um conjunto fixo de regras não
restringe a liberdade mas, pelo contrário, cria
liberdade. Noam Chomsky, lingüista americano (que é
lembrado especialmente por sua oposição à
intervenção dos Estados Unidos no Vietnam), comparou
as línguas de modo semelhante ao modo como
Lévi-Strauss comparou os mitos - e concluiu que
deveria haver uma capacidade lingüística análoga em
todos os homens. Tomou como ponto de partida uma
"gramática gerativa", uma espécie de padrão
subjacente a todas as línguas e para o qual existe uma
capacidade inata. Neste sentido, línguas diferentes, tal
como diferentes formas de comportamento, podem ser
vistas como transformações umas das outras. De uma
maneira genérica, tudo isso não parece muito distante
dos "arquétipos" de Jung. Isso conduz ao sentimento
de que também a criação da forma e da organização
espacial de maneira análoga pode ser remetida a uma
capacidade inata a todos os homens nas mais diversas
culturas para chegar a interpretações sempre diferentes
das mesmas "arquiformas" essenciais. Além disso,
Chomsky introduziu os conceitos de "competência" e
• desempenho". Competência é o conhecimento que

CRIAN DO ESP AÇO, DEI XANDO ESPAÇO 93


2 FORMA EINTERPRETACÃO I

Grosso modo, a "estrutura" equivale ao coletivo, ao


geral, ao (mais) objetivo, e permite a interpretação
quanto ao que se espera e ao que se exige dela numa
situação específica. Poderíamos também falar de
estrutura com relação a um edifício ou a um plano
urbano: uma forma ampla que, mudando pouco ou
nada, é adequada para acomodar situações diferentes
porque oferece continuamente novas oportunidades
para novos usos.

(ANAIS, AMSTERDAM (216-220)


O padrão dos cinturões de canais em Amsterdam dá ao
centro da cidade o seu layout particular e ajuda a nos
localizarmos. Os sucessivos semicírculos concêntricos não
só permitem que nos situemos no centro da cidade, como
ainda indicam a passagem do tempo - tal como os anéis
no tronco de uma árvore. É óbvio que sua função original
como estrutura defensiva pode ser vista hoje simplesmente
216
217
218

94
do final do verão transformam as ruas temporariamente em crianças do lugar um playground especial. Uma valeta q :
canais, de modo que todo o lugar sofre uma verdadeira passa no centro do leito do rio coleta a água da chuva dm
metamorfose. A vida na aldeia é inteiramente determinada ruas: este dreno é para o rio o que o rio é para a cidade
por estas condições naturais. As ruas continuam a servir de sua versão em miniatura, em termos de tamanho e de
modo igualmente eficiente ao trânsito e ao transporte, ainda tempo, com períodos de seca que se alternam com perío~
222 223 que 'agregadas' em diferentes situações, cada uma delas de água abundante. Para as crianças, é um enriquecimen ~
explorando integralmente o uso potencial específico." [4] do playground- poro elos é um rio normal, com toda a
224 225
excitação e às vezes com os problemas que um rio traz
ESTAGEL, FRANÇA (224, 225) consigo." [4]
"Muitos rios que deságuam no Mediterrâneo mudam
consideravelmente seu volume durante o ano, dependendo
da estação. Em Estagel, perto de Perpignan, o rio Agly
surge e desaparece dependendo da estação: ou não existe
ou corre ao longo de seu velho leito. Mesmo quando está
seco, porém, o rio domina a pequena cidade. Durante os
períodos de seca, o leito do rio na cidade - uma vala
cimentada - se torna parte do espaço público e oferece às

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li :
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96 li ÇÕ ES DE ARQ UI TETU RA
ÜUDE GRACHT, UTRECHT (226-233) Quando o velho prático de transportes por água foi
Em Utrecht, a diferença natural de nível entre o ruo e o interrompido, esses cais perderam suo função original, até
canal resultou num perfil extraordinário e muito eficiente. que em época recente começaram o servir como terraços
Desde o século XIV as mercadorias eram transportados paro cafés e restaurantes localizados nos antigos depósitos,
pelos canais em barcaças; eram carregados e os quais, em suo maioria, foram separados das lojas que
descarregados no beiro dos cais em frente aos espaços de ficaram acima deles quando o transporte fluvial das
armazenamento abaixo do nível do ruo. Estes espaços mercadorias chegou ao fim e os cais deixaram de ser
de armazenamento, ou depósitos, continuam por baixo do usados.
ruo e formam os porões dos lojas situados nos ruas acima. Assim, hoje, os velhos cais voltaram o ser usados, embora
Deste modo, o mercadoria podia ser facilmente erguido ou de maneira diferente, e quando o tempo está bom eles
abaixado por uma simples conexão vertical com o cais. novamente ficam cheios de gente. Na verdade, são
Em certo ponto, havia um túnel oblíquo através do qual os excepcionalmente bem localizados, ao longo dos canais,
carruagens puxadas o cavalo podiam ir do ruo até o cais e onde os altas paredes dos armazéns dos cais oferecem
vice-verso, fazendo o transporte poro qualquer lugar no proteção contra o vento e o barulho do trânsito. Também o
cidade. distância entre os paredes de cada lodo do canal, com os
cais abaixo do nível do rua, ao longo do água, contribui
poro formar um logradouro de proporções agradáveis.
A curvo neste ponto do canal apenas reoiço o espaço, 226ab 227
fechando-o de maneiro agradável sem obstruir o visão.
Finalmente (e quem poderio ter projetado isso?), há belos 228
árvores no nível mais baixo, o que contribui mais do que 229 230 231
qualquer outro coiso poro criar a atmosfera único e
agradável dessa porte do centro antigo do cidade. Embora
este perfil tenho sido projetado poro objetivos urbanos
específicos, hoje, um século mais tarde, ele se tornou um
lugar inteiramente indiferente, sem que nenhuma mudança
fundamental tenho sido necessário. Éfácil imaginar o cena
quando o água dos canais se congela, proporcionando um
rinque natural de patinação. A beiro do cais então se torna
o lugar perfeito poro calçar os patins, enquanto o ruo
acima se transformo no domínio dos espectadores. Essa
transformação fornece ainda mais uma prova de quanto
esse tipo de formo urbano pode acomodar, o fim de
adequar-se o cada novo situação que surge. E, embora o
escalo seja muito maior, os margens do Sena, em Paris,

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 97


oferecem condições comparáveis. Os clochards tiveram que
desistir de seus tradicionais abrigos sob as pontes: uma
artéria de trânsito tomou esta zona marginal ao lado da
água.

232 233 VIADUTO DA PRAÇA DA BASTILHA - RUE RAMBOUILLET, PARIS

234 (234·243)
235a O viaduto foi construído para a estrada de ferro, como em
236 237 238
tantas outras cidades onde as artérias de trânsito entram
conglomerado urbano. Os 72 arcos foram sendo ocupado!.
pelo que ia aparecendo. O viaduto servia como uma
espécie de moldura, uma seqüência de compartimentos berr-
definidos, que podiam ser preenchidos à vontade.
O viaduto permanece em boa parte intacto, sem grandes
modificações - uma estrutura permanente sempre pronta
para acomodar novos objetivos que, por sua vez,

'í \J

98 llÇÕES DE ARQUITETURA
acrescentam novos significados às redondezas. É notável
verificar como as ocupações pouco levaram em conta a
'orma semicircular da moldura - uma forma pouco
conveniente para construções e aparentemente sem oferecer
enhum incentivo para que se criasse uma contraforma
específica. Como se fosse a coisa mais óbvia do mundo,
•odes os arcos foram preenchidos por edificações
construídas segundo os mesmos princípios de uma casa
um espaço livre. O próprio viaduto não serviu como ponto
de partida ou fonte de inspiração, mas também não foi
oercebido como um obstáculo; até mesmo as ruas laterais
estreitas prosseguiram em seu curso através do comprido
obstáculo de pedra, que ao mesmo tempo penetra e é
penetrado pelo tecido urbano. Agora que não é mais usado
oara trens, tornou-se um passeio público, conduzindo até o
ovo edifício da Ópera, no lugar da antiga Gare de
~incennes. Há um plano para preencher as arcadas com
~achadas idênticas, de acordo com as idéias civilizadas e
·nteiramente convencionais de hoje em dia sobre ordem.
'-leste caso, um monumento urbano único teria de dar lugar
a uma solução padronizada.

239
240 241
235b
242 243

Vista do viaduto
sobre a rue
Rambouillet com a
antiga Gare de la
Bastille (1859); ali
ergue-se hoje o novo
edifício da Ópera

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 99


244 245
246
247 248

PALÁCIO DE DIOCLECIANO, SPLIT, IUGOSLÁVIA, SÉCULO IV D.(


(244-251)
Sob o título de "A casa de um imperador se transforma
numa cidade para 3.000 pessoas em Split", o arquiteto
Bakema escreveu um artigo sobre as ruínas deste palácio
romano, que ainda hoje constitui o núcleo de Split (Forum,
2-1962). O que antes eram partes da estrutura do palácio
agora servem de paredes para moradias. O que antes
eram nichos agora são quartos, e o que antes eram salões
do palácio agora são moradias, e ainda podemos ver por
toda a parte fragmentos que evocam a função original das
estruturas. Este enorme edifício, ao ser completamente
absorvido pela cidade em volta, pôde servir a um novo e
diferente objetivo, com a cidade se mostrando capaz de se
adaptar inteiramente à forma oferecida. O que vemos aqui'
é uma metamorfose - a estrutura original ainda está
presente no interior, mas o modo como o velho foi engolido

100 LIÇÕES DE ARQUITETURA


Os ANFITEATROS DE ARLES E LUCCA (252-254) que a estrutura mude de modo essencial. Além disso, o
"O anfiteatro de Arles era usado como fortaleza na Idade exemplo de Arles - agora que essa arena foi restaurada =
Média; depois foi ocupado por edifícios e foi habitado seu estado original - mostra que esse tipo de processo de
como uma cidade até o século XIX. O anfiteatro de Lucca transformação é basicamente reversível. É difícil imaginar
foi absorvido pela cidade e ao mesmo tempo permaneceu um exemplo mais convincente de "competência" e
aberto como uma praça pública. Dentro do tecido urbano "desempenho" na arquitetura. E o fato de que estes dois
sem nome o espaço oval é um marco, emprestando seu anfiteatros não sejam idênticos apenas sublinha a
nome e identidade aos arredores. Os dois anfiteatros, qualidade polêmica da situação: pois, assim como a
construídos para o mesmo objetivo, assumiram papéis autonomia da forma oval é enfatizada pelo processo de
diferentes sob as novas circunstâncias. Cada um assumiu a transformação, a forma como "arquétipo" também impõe-s.:
cor do novo ambiente que o absorveu e que foi absorvido quase inevitavelmente.

252

"As arenas de Nimes e Arles, transformadas em


vi/arejas pequenas, isolados, enquanto os
remanescentes das duas cidades galo-romanas
eram abandonados aos lagartos e às cobras - isto
nos dá uma boa idéia da deterioração urbana
depois da queda de Roma. Em Nimes os visigodos
transformaram a arena numa minicidade de dois
mil habitantes, na qual se entrava por quatro
pontes situadas nos quatro portões situados nos
quatro pontos cardeais. As igrejas foram
construídas dentro da arena. O mesmo aconteceu
em Arles; as arenas transformaram-se em
fortalezas."
{Michel Ragan citando Pierre Lavedan, in Histoire
,11,
de l'urbanisme, Antiquité-Moyen Age, Paris, 1926)
11 :t
·1

por ele, e o ambiente por sua vez também foi colorido pela Os exemplos anteriores, assim como os seguintes, dão
antiga estrutura em seu centro. Os anfiteatros não só foram margem a uma série de conclusões:
·aceitos em sua nova forma como parte integral do tecido • Em todos estes exemplos, os objetivos múltiplos que
urbano, como também forneceram uma identidade a esse a estrutura original permitiu não foram deliberada ou
tecido. A estrutura oval e seus arredores mostraram-se intencionalmente inseridos na estrutura. É antes sua
capazes, em ambos os casos, de se modificar mutuamente. "competência" intrínseca que faz com que se tornem
Estes espaços ovais representam uma forma arquetípica capazes de desempenhar funções diferentes sob
- nesse caso, a do espaço cercado, um interior, um quarto circunstâncias diferentes, e de cumprir deste modo um
amplo que pode servir como local de trabalho, playground, papel diferente dentro da cidade como um todo.
praça pública e lugar para morar. A função original foi
esquecida, mas a forma de anfiteatro mantém sua • Não é certamente verdade que há sempre uma
relevância porque é tão sugestiva que pode oferecer forma específica que se ajusta a um objetivo específico.
oportunidades para uma renovação constante." [l] Há formas que não só permitem várias interpretações
Estes anfiteatros conseguiram manter sua identidade como como ainda suscitam efetivamente essas interpretações
espaços cercados, ao mesmo tempo em que seu conteúdo quando as circunstâncias mudam. Assim, seria possível
se submeteu à mudança. A mesma forma pode, portanto, dizer que a variedade de soluções deve estar contida
assumir aparências diferentes sob circunstâncias novas, sem na forma como uma proposta inerente.

102 l l ÇÕES DE ARQ UI TETU RA


• Em nenhum destes casos a estrutura concreta muda distinção entre os casos em que ajustes ou extensões
sob a influência de sua nova função - e aí está um são de fato construídos, e casos em que a "ocupação"
ponto crucial: a forma é capaz de adaptar-se a uma se relaciona exclusivamente com o uso temporário.
variedade de funções e de assumir numerosas Nos exemplos seguintes, a ênfase está mais nos
aparências, ao mesmo tempo em que permanece ajustes temporários, como aqueles que são solicitados
fundamentalmente a mesma. pelo uso diário.

• O grau com que uma forma abriga diferentes


interpretações passivamente ou suscita essas
interpretações ativamente por ser sugestiva em si (como
no caso das arenas) varia de uma situação para outra.

253
254

Anfiteatro, Lucca,
Itália

• A forma principal que chamamos estrutura é coletiva


por natureza, controlada geralmente por um órgão do
governo e é essencialmente pública. O controle de seu
uso pode ter desde o de caráter mais público até o
mais privado, dependendo dos interesses comerciais
em jogo.

• Situações mais ou menos permanentes são em geral


seguidas pela construção de extensões ou subdivisões
- muitas vezes de edifícios inteiros. Mudanças de
função podem surgir no longo prazo, em poucos anos,
em uma estação do ano, uma semana ou diariamente.
Quanto mais breve a duração de uma situação
particular, menos permanente será a natureza das
extensões ou dos ajustes, e em caso de uso diário
podem até mesmo desaparecer por completo de um
Anfiteatro, Arles,
dia para o outro. Há, portanto, uma importante França

CRIANDO ESPAÇ O, DEI XA NDO ESP AÇ O 103


TEMPLOS, BALI (255-259) pedra, mas em geral consistem numa espécie de cabana
Ao contrário da ênfase centralizadora num monumento aberta, com uma sofisticada construção de madeira e tetos
único, dominante, como no mundo cristão, o hinduísmo, tal de colmo sobre uma base de pedra . São, essencialmente,
como praticado em Bali, se cardcteriza por múltiplos altares cobertos pontilhando a paisagem. Há templos que
centros de atenção e encontra expressão naquilo que se deixaram de ser usados, dos quais resta pouco mais que o
poderia chamar descentralização dos sítios cerimoniais. esqueleto: cabanas vazias das quais uma ou mais, de
Existem milhares de templos espalhados por toda a ilha, repente, são guarnecidas e decoradas com belos
isolados ou em grupos. tapeçarias, ob jetos feitos de bambu e folhas de palmeiras, e
1 •
Há múltiplos níveis de atenção em termos de espaço e de outros atributos próprios de ocasiões específicas, e sempre
tempo, dependendo da natureza da celebração: a com oferendas. Cada templo individual portanto funciona
veneração de um ancestral, cerimônias relacionadas com como uma espécie de moldura que é elaborada e
boas colheitas e assim por diante. O uso de diferentes equipada, sempre que necessário, com os elementos
templos está ligado a ocasiões específicas, de maneira que adequados para caracterizar a ocasião particular que
nem todos os templos são usados simultaneamente, mas há requer observância. Deste modo, cada templo permite a
sempre algo acontecendo em alguns deles. Os templos, apropriação temporária para um fim específico; ele é, por
cujos tamanhos variam desde o de pequenas peças de assim dizer, "vestido" para assumir certo papel, depois do
mobília até o de pequenas casas, são às vezes feitos de que volta a seu estado passivo original.

255

f ,,
1

l 04 LIÇÕES DE ARQUITETURA
Naturalmente, isto é uma simplificação da situação real,
tos porque também encontramos templos que contêm vários
templos menores, que por sua vez contêm outros ainda
menores - estruturas dentro de estruturas-, o que pode
•o muito bem indicar diferenças na relação com um ancestral
específico entre os indivíduos ante a comunidade.
Ecomo se tudo isso não fosse bastante, longas filas de
s, e mulheres surgem de repente, vindas de todos os lados e
re carregando fardos multicoloridos sobre suas cabeças:
oferendas de arroz, coco e açúcar numa incrível variedade
de formas e cores. Todas as oferendas são colocadas nos
pequenos templos como um toque final e comestível: o mais
transitório e suave componente numa seqüência de 256
atributos. 257 258
or Quando a cerimônia termina e os deuses já receberam suas 259
o oferendas, as oferendas de alimento são levadas de volta
para casa, onde são consumidas, e os restos que ficaram

no templo são comidos pelos cães. Isto pode chocar o


racionalismo ocidental como algo contraditório - afinal, ou
damos comida aos deuses ou nós mesmos a comemos-,
mas num sentido menos literal e talvez mais inteligente é
possível fazer ambas as coisas: uma vez que a transação
religiosa já foi consumada, a oferenda é apenas um petisco
saboroso para as pessoas e para os cães. Assim, um
mesmo e único objeto pode evidentemente desempenhar
vários papéis em momentos diferentes, como neste caso,
quando recebe uma interpretação ritual em determinadas
ocasiões e, em seguida, quando a ocasião termina, é
destituído desse conteúdo e retorna do extraordinário ao

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO JOS


260 261 ordinário. Nas igrejas cristãs, todos os acessórios religiosos pessoas com dificuldade paro andar. Não estamos
mantêm suo importância sagrada em tempo integral, diante de uma biblioteca amistoso!
mesmo quando a igreja não está sendo usada. No mundo É como se alguém que desejasse compartilhar do
ocidental não se concebe que um templo possa se conhecimento devesse sentir que algo será exigid ,,,_
tornar um lugar em que as crianças brinquem de troca. Mas, por mais imponentes que as escadaric:s
esconde-esconde, como acontece em Bali, onde as crianças devessem ser, a fotografia mostra que elas tambér
transformam os templos em seu playground. Édifícil ser usadas de maneiro bastante informal quando
imaginar um altar se transformando em brinquedo de ocasião. Como uma tribuna, por exemplo, paro a =
escalar. Talvez no Ocidente os pessoas não tenham discursar. Assim, a arquitetura mostro aqui que
imaginação bastante - e também não é muito eficiente - funcionar de um modo bem diferente do que se es"-
para construir altares como brinquedos de escolar. Como se até mesmo, como neste caso, em que os estudantes -
Deus pudesse objetar a que as crianças subissem em seus costas para a biblioteca, paro servir a um objetivo
altares - não, nesta parte do mundo queremos manter tudo completamente diferente.
limpo e certinho e em seu lugar adequado, para que não se No âmbito da forma, esta escadaria extrai toda a _:
estabeleça nenhuma confusão quanto a significados. importância dos usos a que está destinada, mas es-::
mesma importância pode, sob a influência do uso
ROCKEFELLER PLAZA, NOVA YORK (260, 261) específico que se faça das escadarias, converter-se
A Rockefeller Plaza, ·a pequena praça rebaixada no meio exatamente em seu oposto, como vemos aqui.
do Rockefeller Center, em Manhattan, assume aparências
bem diferentes no verão e no inverno. No inverno há os Não seria difícil citar mais exemplos de como
patinadores, e nos meses de verão o gelo dá lugar a um forma em grande escala pode, de maneira
terraço com muitos assentos entre plantas e guarda-sóis. não-intencional, permitir interpretações diferen
Este espaço claramente definido oferece todas as No entanto, o que nos preocupa aqui são as a
oportunidades para que as circunstâncias mutáveis das potenciais do princípio estabelecido. Se um arq
diferentes estações sejam exploradas ao máximo. capaz de apreender integralmente as implicações
distinção entre estrutura e ocupação, ou, em o
UNIVERSIDADE DE COLÚMBIA, NOVA YORK (262) palavras, entre "competência" e "desempenho•,
Lances de escadaria monumentais são uma característica pode chegar a soluções com um alto valor pote
comum em edifícios que pretendem inspirar um sentimento que diz respeito à sua aplicabilidade - i.e., com
de importância e, deste modo, um sentimento de respeito e espaço para interpretação. E, uma vez que o f
reverência em todos os que entram. Neste caso, o edifício é tempo é incorporado a suas soluções, há mais
uma biblioteca, o centro nervoso da universidade, um para o tempo. Enquanto, por um lado, a estrutu
templo em que o conhecimento é guardado. E aqui a representa o coletivo, por outro, a maneira como
impressionante entrada não convida a uma visita ser interpretada representa as exigências individ
espontânea e informal, além de desencorajar firmemente reconciliando assim o individual e o coletivo.

106 LIÇÕES DE ARQUITETURA


é
262

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 107


Ao contrário dos exemplos anteriores, agora -
3 A ESTRUTURA COMO estamos preocupados primeiramente com as
interpretações ao longo do tempo, mas com a
ESPINHA DORSAL GERATIVA: diversidade de interpretações individuais que
coincidir no tempo, formando, deste modo,

URDIDURA ETRAMA graças a uma estrutura que, como um deno


comum, por assim dizer, reconcilia a diversid
formas individuais de expressão.
O mecanismo de ordenação contido nos exe
seguintes traz à nossa mente uma variedade
imagens. Tomemos a imagem de um tecido, c
pela urdidura e pela trama. Pode-se dizer que
urdidura estabelece o ordenamento básico do
ao fazê-lo, cria a oportunidade para que se c
maior variedade e colorido possíveis junto co
trama.
A urdidura deve em primeiro lugar e acima de
ser forte e possuir a tensão correta, mas, no
respeito à cor, tem apenas de servir como base. i:

trama que dá cor, padrão e textura ao tecido,


dependendo da imaginação do tecelão. Urdid
trama constituem um todo indivisível; uma não
existir sem a outra e cada uma empresta à o
objetivo.
263
PROJETO fORT t.'EMPEREUR, ARGEL, 1930 / LE (ORBU
(263-269)
264
A idéia subjacente a esta megaestrutura alongada _
segue a orla do mar como uma fita é combinar

Voici ]e,• \erra ins orti6ciels • • Jeo Ctés-janl"n, en hauteur. Tc,ut y eH ra...,m~l· la •ue.
l'e,pace. le to!e"I. )e, commun"c•t"ont ·n,1an ta n "eo, vert"col .. el hoizontal ... t.. al'mentat"on.,
économesd 'ea1.>,de gu. etc .• !a voirieparfaite et fac ile - érouts.poul>elle,,dc.L'upect•...,hi-
Le<:lural prodig ieux: une saioi ..ante appui1ion! La diveni1é la plu, totale dan• runité. Si l'on
,eu!, cha,iue arc h"tecte con,au"ra •• v"lla e1 qu'.mporte · 1:cn.. mhle, , · le 1tyle maure""lu• On crie d·ol,ord le, lerrain• ortiliciel,: 1utostrodc+pl1nchen de• ,ubotruct u,.,. ou-des..m 1
,oisÍIN: avec le Louis XVI w la Renai ... n<:e italienne. Le raccord anr le !Ol accidcnté, ..11.1 Etl'nmeten·•entetn\err.. n•pourv"ll•• • ••cjud"netvue"ffm"t'e.Pu"oo11confnue
dépenH. aiot'meot. Lu promenadeo i, pied déambulent •u lon, dn oceidenll violo1111 du ool pud.. 1r1neh .. suee..1"veodesuperotructure.

d'l'i~ .u.nniN EN HAU'l'l~tm

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~

E1 ",1e-1. ·l.dano unev"l!edumonde.unevo"r'eauso"porí01equecelJe.C.AuoS'conom"·


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1·~:art_•:.·~: d~,::·
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Página 247 de "Lc,


Vil/e Radieuse", Paris, ""' ouper·lu, e• our un paquelx>t. Moii i\ y I id quelque choso da plu, piqnonl. Sur l• sol pl•n de l'hab"tu"on maurosque le contrasta des h•uleun d"versu, lc p,ifo ouvtrl •ur un

1933 / Le Carbusier ;.,.çcc.. iblo de Fort,!'Empere ur, •na. ~au ce plon. réiutau,.. le, priacipe• fondaJDenllU" du judin cldtuNi de hau\1 mur,,: la vuc our la me,. Ça c·c,t du bon ,,,;rionoli,mc!

108 LIÇÕES DE ARQUITETURA


rodovia e um conjunto de moradias. Acima e abaixo
da rodovia ficam assoalhos superpostos que formam os
sítios artificiais de edificação. Nesses sítios, as unidades de
moradia podem ser construídas em qualquer estilo pelos
proprietários individuais.
Esta construção de sois artificieis ("chãos artificiais") pode
ser designada como sustentáculo (o próprio Le Corbusier
usou o termo superestrutura). Teria obviamente de ser
construída numa operação única como parte da rodovia, e
pelo Estado. O desenho mostra que Le Corbusier pretendia,
no papel pelo menos, a maior variedade imaginável.
Ecertamente em 1930, no auge do Movimento Moderno e
do Funcionalismo na arquitetura, isto era absolutamente
a revolucionário, ainda que ele tivesse noções algo ingênuas que não apenas torna possível tal diversidade, como 265
sobre o trânsito, como mais tarde alguns comentadores ainda torna o complexo como um todo infinitamente
apontaram. Tratava-se, porém, de uma visão mais rico do que poderia sê-lo se fosse feito por um 266
extraordinária, que, mesmo hoje, mais de cinqüenta anos único arquiteto, por mais engenhoso que fosse. Mas 267
depois, ainda se revela mais inspiradora do que os isso não é tudo - o desenho mostra que, quanto maior
arquitetos estão prontos a admitir! a diversidade das partes, melhor a qualidade do todo!
Assim, caos e ordem parecem necessitar um do outro.

O plano de Le Corbusier para Argel é a chave para


nossa linha de pensamento, uma vez que propõe
explicitamente que seja oferecida aos ocupantes
individuais a oportunidade, em virtude da força da
própria megaestrutura, de criar suas casas exatamente
como desejam, ou de acordo com as idéias de "seus
próprios" arquitetos.
Enquanto a estrutura coletiva indica apenas os limites
espaciais de cada moradia individual, o conjunto das
moradias determina a aparência do todo. Uma
•superestrutura" desse tipo cria as condições, no
âmbito coletivo, para que os moradores individuais
desfrutem de uma liberdade excepcional.
O desenho - que é, aliás, um dos mais sugestivos
feitos por Le Corbusier - mostra que os projetos e os
métodos de construção mais divergentes podem
coexistir harmoniosamente, e que é a megaestrutura

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 109


O desenho também mostra algumas moradias bem "As VIGAS DE SUSTENTAÇÃO E o Povo: o FIM DA fV'D,:.:ll.m
comuns, o tipo de habitação popular (!) que sempre DE MASSA", 1961 / N. J. HABRAKEN
aparece num sistema em que as pessoas não têm voz Gostaria de mencionar a contribuição de Habra =--
ativa no projeto e na construção das casas em que neste contexto, que, num certo sentido, conforma---
vivem. No desenho de Le Corbusier, essas moradias que Le Corbusier tinha em mente quando fez seu :
não ocupam um lugar proeminente em meio à para Argel. Habraken tentou, pelo menos em teo :
exuberância à sua volta, e parecem não ser mais do chegar a uma base a partir da qual, usando o a
que a lembrança curiosa de uma época passada. Mas industrial à nossa disposição, as pessoas pudesse.-
este tipo de moradia massificada é a realidade que mais liberdade para escolher como querem morar
encontramos continuamente e, na verdade, constitui As vigas, unidades estruturais especialmente proj
um dos problemas fundamentais que temos de e fornecidas pelo Estado completas, com os requis
enfrentar. As pessoas hoje não parecem mais ter idéia técnicos básicos, podem servir como sítios para
de como dar expressão a seu próprio estilo de vida, e edificações sobre os quais as pessoas podem erg =
268 269 no entanto sabemos que pessoas em todas as partes casas pré-fabricadas ou módulos de casas, que -=
do mundo sempre construíram o tipo de casa vendidos por numerosas firmas. O morador pode
que queriam, assim como vestiram o tipo de roupa de escolher o tipo de casa que quer a partir de uma
que gostavam, usaram seus próprios instrumentos e determinada gama de possibilidades e fazer os a· -
comeram seu próprio tipo de comida. Não há, que julgar necessários para adequá-la a seu gos
portanto, nenhum motivo para supor que a capacidade Deste modo, ele envolve-se de maneira ativa num
de expressão pessoal por meio da forma seja processo no qual normalmente não tem voz ativa.
essencialmente diferente da capacidade de expressão Contudo, os problemas surgem de imediato, já que
pessoal por meio da língua. E, se hoje parecemos também aqui as casas tornam -se totalmente
incapazes de fazê-lo, então é razoável supor que a comercializadas e, portanto, sujeitas às vicissitudes -
impotência da arquitetura hoje é causoda por uma competição e dos mecanismos de mercado. Isto sig- -
ruptura muito séria das relações sociais. A moradia de que são niveladas pelo mínimo denominador comu- -
massa, que está superficialmente de acordo com da mediocridade - , e assim voltamos ao ponto de
nossas circunstâncias industriais, deriva sua posição partida. O que torna a proposta interessante é a
dominante do mecanismo de comportamento tentativa de criar as condições para uma exploraçãc
monocultura! que governa nossa sociedade. O mínimo mais sensata e eficaz do rico potencial industrial de
que um arquiteto pode fazer numa situação como esta nossa sociedade. Cada um de nós se pergunta de ve=
é fornecer as linhas gerais das imagens que irão em quando por que as casas não podem ser produz:
mostrar maneiras de despertar as pessoas de seu como os carros e, de um ponto de vista tecnológico ;
estado de embotamento. Por mais que a proposta de muito difícil entender por que existe esse problema e
Le Corbusier (1932) nos aproxime de uma solução casas.
aparentemente óbvia, por enquanto estamos distantes A resposta é menos simples do que a pergunta, mas
dela. Até mesmo o menor passo dado nesta direção uma coisa fica bem clara: é especificamente o prob.
logo entra em conflito com as conseqüências de nossa do assentamento, com sua infinita variedade de
sociedade institucionalizada e centralizada, e não nos requisitos e regras, que entra em conflito com a
aproximamos da realização de nossos planos. Mas, repetição, que é o esteio da tecnologia moderna. Se
nas poucas vezes em que o conseguimos, podemos menos pudéssemos separar o problema da casa do
pelo menos dar-nos a oportunidade de demonstrar o problema do "sítio para edificação", que o Estado
princípio, ainda que de modo mais teórico do que poderia fornecer como uma moldura urbana sofistico -
prático. então, pelo menos do ponto de vista teórico, um dos

110 llÇÕES DE ARQUITETURA


· nhos do século XX poderia se tornar realidade. Mas
JS poucas tentativas que foram feitas para realizar esse
50nho não conseguiram sequer produzir uma fração da
agem poética que Le Corbusier nos mostrou há mais
: e cinqüenta anos.

OJETO DE (ASAS FLUTUANTES (270-273)


::asas flutuantes, geralmente atracadas em grupos por
rdem das autoridades, constituem o exemplo mais
."sível na Holanda de uma acomodação (admitidamente
::>ermanente) na qual os moradores ainda têm voz ativa.
RADIA J resultado, sobretudo em termos de aparência externa,
Foi uma situação ricamente diversificada .
.n :sta liberdade de expressão se deve, sem dúvida, à
e ao Jusência de forma e aparência tradicionais, oficiais.
plano ) esde o começo, a natureza deste fenômeno foi
a, estabelecida por soluções domésticas para o problema
rato da moradia.
ter sto não conduziu a situações caóticas nem à desordem
geral que as autoridades tanto temiam, sem dúvida
adas oorque a forma total e o tamanho das casas têm como
tos oase as barcaças sobre as quais são construídas, que
não variam muito. Além disso, elas ficam atracadas no
sentido do comprimento ao longo do cais, do qual tiram
água, gás e eletricidade. Deste modo, estas casas
representam interpretações livres e pessoais de ·
elementos essencialmente padronizados, ligados aos
stes serviços públicos por amarras permanentes.
Nos lugares onde as aglomerações de casas flutuantes
constituem bairros inteiros, em geral na periferia das
cidades, foram construídos molhes como um serviço
público: uma espinha dorsal mínima que fornece a
infra-estrutura básica, como acesso e energia. Éesta
da "espinha pública" que alinha a diversidade, por assim
ifica dizer, e, por conseguinte, introduz certa ordem .
-o

Podemos imaginar o planejamento de bairros residenciais 271 272


flutuantes em áreas com muita água, até mesmo cidades 273
inteiras na água, com uma rede de passeios de madeira 270

z em vez de ruas para fornecer a infra-estrutura.


idas As unidades de moradia num assentamento sobre a água
é seriam muito mais variadas na aparência do que seria
m possível em nossas vilas e cidades comuns sobre a terra.
E que senso de liberdade há em saber que podemos nos
mudar com nossa casa para um lugar diferente, quando,
ma por exemplo, quisermos estar em determinado bairro por
um motivo qualquer. (Esta idéia surgiu com um plano de
renovação urbana no centro de Amsterdam em 1970,
ao quando as pessoas que eram obrigadas a deixar
temporariamente suas casas por causa do programa de
renovação podiam ir para uma casa flutuante num canal
a, próximo, sem que fosse preciso abandonar contra sua
vontade o ambiente familiar.)

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 111


~·nha dorsal deve transformar o todo num caos
anentemente ordenado. Se houver necessidade de
ço para uma ocasião especial (i.e., temporária)
o, por exemplo, comemorações, feiras, exposições,
- _· as vezes o melhor a fazer é improvisar instalações
..::: o marquises, abrigos, hangares, barracas e
: ilares. Elas oferecem muito mais possibilidades do
_ e estruturas permanentes, que tendem a ser pequenas
ais ou grandes demais e eliminam o elemento·
- 'Presa. Em caso de necessidade de acomodação mais
:ermanente, pode-se fazer uso de galpões, escritórios
- hangares pré-fabricados, prontamente disponíveis no
-ercado. O essencial é que os próprios moradores
·em seus ambientes e que, nesse processo, os 276abcde
rua, :rquitetos limitem-se a proporcionar aos moradores os 277
a rua ,strumentos adequados. Este projeto, um produto típico
- início dos anos 70, levantou algumas questões, já 275abcd
~rgir e _ e o resultado não se revelou inteiramente satisfatório.
=evidente que os usuários não foram capazes de
ssa -eolizar tudo o que se esperava deles. Não foram
e de :apazes de ir além de encomendar componentes de
:onstrução inteiramente pré-fabricados, montá-los e
)S : ºntá-los. A "rua leve" converteu-se numa massa
- orme. Aparentemente, a rua com muros como motivo de maneira nenhuma no âmbito da unidade formal.
=armai não foi suficientemente forte para resistir ao O que os indivíduos conseguem em seus domínios
pacto das estruturas cruzadas (a "trama"), e ainda privados não é necessariamente conseguido por um
om enos de gerá-las como fora projetado originalmente. grupo num espaço comunitário. O projeto é um exemplo
uros =rnbora este projeto combine uma ampla variedade de do que acontece quando se dá demasiada liberdade ao
ai e e ementes e possa em muitos aspectos ser qualificado usuário. O resultado é desapontador quando se
exo :orno um sucesso do ponto de vista de uma aventura compara com a riqueza das possibilidades espaciais
;rupal da própria comunidade, isto não se evidenciou que um arquiteto poderia ter oferecido a eles.

,-1- ,- 1- ,-1-1-,- ,
1 1
--,I _ I

CRIANDO ESPA ÇO, DEIXANDO ESPAÇO 113


PROJETO PARA UMA PASSAGEM SUBTERRÂNEA PARA PEDESTRES A experiência com espaços públicos cobertos :
(278-281) que não se trata de uma idéia realista e, ta l c
Uma passagem subterrânea localizada sob uma artéria acontece com o plano urbano, reside numa es ·
de trânsito pesado constituía uma parte importante da exagerada do que é factível.
rede rebaixada para pedestres que devia ligar o centro O plano era o seguinte: em vez de usar os amo -
da cidade à estação ferroviária. comumente empregados nos subterrâneos com
Era isto pelo menos o que o centro de planejamento de finalidade de restringir o número dos pontos e
Apeldoorn tinha em mente na época em que o edifício sustentação, seriam usadas várias colunas - co _
Centraal Beheer estava sendo projetado, e nessa época relativamente largas, que pudessem servir, se
havia motivo suficiente para ligar esse futuro caminho necessidade de ajustes adicionais, à demarcaç-:
para pedestres ao edifício. Surgiu então a idéia de se unidades espaciais ma is ou menos fechadas (e -
abrir uma passagem subterrânea bem ampla, com o nichos), em suma, à compartimentação que foss=
objetivo de fazer com que seu uso fosse além do trânsito julgada necessária. (Cada coluna é composta e
de pedestres. Desta maneira seria possível não só evitar colunas menores cercadas por um muro, que,
a desolação que em geral caracteriza esses túneis como vez, pode acomodar nichos adicionais ou vitri :..
ainda fazer com que essa construção, como um serviço A idéia era demonstrar que, ao adotar a dispo_ •·
público, fornecesse acomodação para instituições em linha reta de colunas maciças, alinhadas no ser·
busca de espaço mas sem possibilidade de pagar
278 279 280 aluguéis comerciais, como, por exemplo, centros de
281obc atividades para jovens, espaços de ensaio para grupos
teatrais, etc., assim como também para o comércio
informal. Mas, então, por que não considerar a
possibilidade de um mercado coberto!

114 LI ÇÕES DE ARQ UITETURA


stra _ inho dos pedestres, a sugestão para que elas fossem
• das seria evidente - em outras palavras, que o
ativa - erial de construção seria ordenado para assegurar o
axi mo de competência.
vãos
RADIAS, WESTBROEK (282-289)
: projeto estrutural desta área residencial, de escala
:equena e só parcialmente construída, não se baseia
="' princípios de construção mas sim na natureza do
e ai de construção. Séculos atrás, a área foi
,s, _ ·fi cialmente dividida por meio de um sistema
:e parcelamento que consistia em longas valas
uas raleias - uma característica tradicional da paisagem parcialmente superpostas. Graças a esta solução, foi
ua ai, que devia ser preservada a qualquer custo. possível manter no mínimo nível possível o espaço
s Países-Baixos, é uma prática comum preparar sítios requerido para a fundação de areia e para a
em adequados para a construção depositando infra-estrutura de ruas e drenas, isto é, o mais longe
do -cialmente um leito de areia com a espessura de vários possível das valas (ou, melhor dizendo, dos pequenos
-ietros com a finalidade de servir como fundação para canais) para prevenir o desabamento das margens pela
~tradas, drenas, etc.; isto naturalmente apaga todos os pressão lateral. O layout específico foi, portanto, 282
-aços da paisagem, criando uma tábula rasa, na qual inteiramente engendrado pelas restrições e 283
fi/!!il!!!iii!
:ode ser realizado um plano inteiramente abstrato sem possibilidades do sítio original.
ar em conta a natureza do terreno. Mas, neste caso, Desta maneira, as valas ou pequenos canais foram
uve um emprego feliz da articulação "natural" do mantidos no plano; as margens foram reforçadas
: io sobre o qual se baseava o plano urbano. segundo métodos variados, e nos pontos onde marcam
'"" principal objetivo do plano era construir nas faixas os limites de jardins particulares acabaram por adquirir
~treitas entre as valas, e, como as faixas não eram uma aparência variada sob a influência de sua nova
- ficientemente largas para acomodar uma rua com função. Não só a articulação existente e o parcelamento
radias e jardins em ambos os lados, os edifícios da paisagem permitiram um layout altamente específico
.:.:iram acanalados juntos, o que resultou num perfil de neste caso, como também a arquitetura resultante deu
Jas muito estreitas atravessando estruturas uma nova aparência às valas.

CR IANDO ESPAÇO, DE IXAN DO ESPAÇO 115


A estrutura básica pôde desempenhar deste -
papel crucial na disposição dos edifícios, e
estrutura básica e os edifícios influenciara,.... -
reciprocamente no âmbito da forma. Em re
poderíamos argumentar que o plano tal e ~:
realizado não revela de maneira suficiente e:
urbanísticas subjacentes. A principal razão
parte o fato de que o plano não foi comple -
ele não foi desenvolvido por mais de um a _
A escala do projeto era pequena demais par::
envolvimento de mais arquitetos, e, infelizme- =
potencial verdadeiramente gerador do mo · "
que pelo menos se manifesta nas margens ~
não pôde ser integralmente explorado em re
os próprios edifícios.

Durante a década de 1960, foram esboçados


planos, sobretudo nos círculos do Team X, no
princípio de distinção entre estrutura e comp e-
estava incluído. Estes planos, nos quais a rig· =-
funções exclusivas e a desintegração subseq-e--=:
eliminadas com sucesso, podem realmente ser
como antecipando e inspirando o que hoje
chamar estruturalismo na arquitetura.

UNIVERSIDADE LIVRE, BERLIM, 1963 / (ANDILIS, Jo -


WOODS (290·294)
Este projeto, na versão original, propunha u
para organizar espacialmente uma universida =
moderna como uma rede de inter-relações e
oportunidades para a comunicação. Em vez de _
da tradicional divisão em faculdades, cada u
como uma fortaleza em seu próprio edifício, c -
própria biblioteca, etc., o ponto de partida nes-=
edifício foi uma única estrutura contínua funci
como um conglomerado acadêmico coberto, no _
todas as partes componentes poderiam se posi
mutuamente segundo uma relação lógica. Mas.
como as idéias mudam ao longo do tempo, ta
inter-relações mudam, e com elas os diversos
componentes; propôs-se, portanto, a criação de -
que pudessem ser levantados ou desmanchados
de uma rede fixa e permanente de ruas internas
A explicação está contida nas seguintes formu lac=
Shadrach Woods :

"a) Nossa intenção, neste plano, é escolher uma


organização mínima que forneça o máximo de
oportunidades para o tipo de contato, de interc -
de feed·back que constituem a verdadeira raiso :
da universidade, sem comprometer a tranqüilida =
trabalho individual.
b) Estávamos convencidos de que era necessário ,
soluçáoulilizandoarticulaçãonaturalemWestbroek do estudo analítico das diversas faculdades ou a

116 LIÇÕES DE ARQUITETURA


- diversos prédios; imaginamos uma síntese de funções
! :epartamentos, em que todas as disciplinas pudessem
:r ::mociar e as barreiras psicológicas e administrativas
to, as separam não fossem reforçadas por meio da
cu/ação arquitetônica ou da identificação
nções _gmentária das partes à custa do todo.
isto, à teia de circulação primária e secundária e de
é que - ºços está aberta à possibilidade de modificação para
_ e possa ser usada eficientemente. No primeiro estágio
rmitir o :e planejamento, ela só existe como uma rede
~oximada de direitos de circulação. Só será construída
ICO - __'Ondo for requisitada para fornecer circulação e
las - -- iço. Não é uma megaestrutura, mas antes uma
com - ganização de estrutura mínima. Esta organização
ntém seu potencial de crescimento e mudança, dentro
- s limites do ambiente tecnológico e econômico.
tos : Nenhuma das áreas recebeu mais importância que a
IS O - tra, quer na dimensão, quer na intensidade das
to já =-·vidades ali localizadas. Um aspecto inerente ao plano
e =o fato de não ser centralizado pelo uso. A decisão
fo ra m :rbitrária de um arquiteto quanto à natureza e à
xalização de 'centros' foi substituída pela escolha real
os : s usuários do sistema."
:10drach Woods, World Architecture, Londres, 1965, pp. 113· l l 4)

, oods era certamente adepto de "crescimento e


udança", da idéia de que mudança e crescimento (e
mula :oarentemente jamais a diminuição) deveriam ser
""atados como as constantes mais importantes - e isto é
exatamente o oposto do que estamos advogando - mas
Ir : e recebeu o que merecia já que a Universidade Livre,
ioda I como foi construída, acabou por se revelar, afinal,
a ais uma estrutura rígida. ~~-----
~
~ontudo, há razões de sobra para pelo menos levar em
consideração a idéia básica, ainda relevante e de
'º negável importância, de um ordenamento mín imo neste
mi

Explicação com
m diagramas de
as S. Woods

ços
ro

de 290
291
292 293
294

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 117


Ao contrário do chamado plano de construçix
esquema de zoneamento proposto indica ape
destinações e os meios de acesso, mas não e ·
edifícios. Deste modo, pode surgir uma varieo
formas diferenciadas de moradia e de espac~.
As funções específicas de certas áreas pode
futuro, necessitando de certos ajustes que,
têm de comprometer a unidade da organiza -
um todo. Afinal, existem, espalhadas por too:; -
passarelas para pedestres sobre as rodovias
como conexões de cruzamento cobertas tan
pedestres como para veículos {a depender
exigências específicas de cada focal).
O conjunto da área construída {formada por
de moradias e estruturas de ruas) pode ser
um grande recipiente, no qual toda a velha -
existência urbana pode assumir seu curso · _
Foram feitas tentativas sérias de dar ao corre
adequado, em vez de começar pelo que é n;c.
o veículo. O trânsito foi eliminado da área, e
contribuiu bastante para simplificar o probler.=
caso, uma organização espacial necessária a um moradores do lugar pelo menos poderão ca-
intercâmbio ótimo, capaz de gerar, em princípio, a jogar, dirigir e estacionar onde quiserem, e s_
11
liberdade de escolha quanto à maneira de preencher a saberão qual é o seu lugar. (Stefan Wewerko · :
estrutura básica .
"Este projeto é, essencialmente, apenas um · _
PROJETO PARA UMA ÁREA RESIDENCIAL, BERLIM, 1965 / intensivo de loteamento do sítio de construçõc
S. WEWERKA (295-298) a construção de muros, uma grade que deve •
"A rua pode ser considerada como o mais antigo preenchida segundo uma série de possibilid _
elemento do planejamento urbano. A rua sempre foi a definida por certas regras do jogo.
safa de estar do povo. A idéia de colocar o espaço Podem ser feitas aberturas nos muros, que, p::r
295
urbano familiar novamente em uso deu origem a este também podem ser totalmente eliminados par::
projeto. O espaço público deve se tomar mais uma vez espaços públicos ou praças; a altura dos blcx:_:
296
o cenário, com uma melhor organização espacial, de variar, podem ser feitas passarelas para p
297 298
todas as atividades para as quais foi usado desde ligar os blocos, e assim por diante.
tempos imemoriais. Esta grade abre um mundo de possibilidades

,...
"'·'I

118 llÇ ÕES DE ARQ UITET URA


o Watts Towers,
as Los Angeles,
,i. • -54 / S. Rodia

omo
plano
,m
a

uturas
como
da

uiteto. Em outras palavras, a grade é capaz de gerar À parte a qualidade excepcional dos planos de Woods
até mesmo de provocar soluções. As limitações de e Wewerka como idéias, o que podemos aprender em
bolhar com o tema proposto não têm um efeito especial com eles é que não devemos concentrar nossa
restritivo mas, como agentes catalisadores, possuem na atenção na mudança a ponto de excluir o resto, mas
verdade um efeito estimulante. Assim, as limitações do sim na estrutura que, em sua constância, é capaz de
lef11a resultam em mais liberdade (é um paradoxo que absorver a mudança.
herdade e limitação gerem um ao outro?) .
rojetistas diferentes trabalhando independentemente No exemplo dado acima, a imagem da urdidura e da
ionte
oodem usar a grade como um "plano diretor", que eles trama, a estrutura coletiva é portanto a urdidura, na
podem complementar com suas próprias soluções qual as interpretações individuais são tecidas como a
específicas. Do mesmo modo, uma grande variedade de trama. Foi a estrutura coletiva, que, em si, pouco ou
orogramas pode ser implementada. No layout, os
vez
componentes podem ser desenvolvidos de acordo com 299 300
seus próprios critérios. O plano permite uma tal
variedade de interpretações que, a despeito do que é 301
substituído e por quem, o complexo como um todo
sempre terá certa ordem.
O essencial é que a grade pode ser interpretada em
odos os níveis - já que fornece apenas o padrão
objetivo, o padrão subjacente, por assim dizer, a
protoforma, que adquire sua verdadeira identidade em
vi rtude das próprias interpretações que recebe,
especialmente pelos programas inseridos e a maneira
específica como é realizado. Seja lá o que for inserido,
sempre estará di retamente ordenado, o que não
significa ordenação no sentido de "subserviência", mas
antes no sentido de "tendência". A grade funciona c9mo
uma estrutura gerativa que contém dentro de si a
tendência básica que é transmitida a cada solução.
E, uma vez que a grade confere aos componentes
individuais a tendência comum, não só as partes
determinam a identidade do todo, mas o todo contribui
para a identidade das partes. A identidade das partes e
do todo será reciprocamente gerativa ." [3] Le Palais Jdéal,
1879-1912 /
Facteur Cheval

CRIANDO ESPAÇO , DEI XANDO ESPAÇO 119


:1

nada significa, que suscitou as interpretações em termos de urdidura e trama: a urdidura


individuais, que não surgiriam se não houvesse um para manter todo o tecido unido, mas a a
contexto. Além disso, é a estrutura que indica a produto final ainda é determinada pela tra
coerência, sem a qual haveria apenas uma massa Mas estrutura e preenchimento não são ape
avassaladora de expressões - o que chamamos caos. equivalentes, são também recíprocos, e aq ui,
A consciência dos efeitos repressivos de equiparar as a idéia de urdidura e trama não mais se ap •
unidades de moradias nos edifícios de apartamentos a mesma maneira que a fala também cria a lí
sistemas de armazenamento em grande escala não só o inverso, elas se geram mutuamente, e
alcançou o clímax nos anos 60. A conseqüência foi um melhor for a qualidade de cada uma delas
repúdio radical de tudo que simplesmente se referisse importante será a distinção entre as duas c
a sistemas e· ordens impostos de cima. Ao mesmo
tempo, deu-se muita ênfase à riqueza resultante da YILLA SAVOYE, POISSY, 1929-32 / LE (ORBUSIER (302-··-
expressão individual. Basta pensar nas "Watts Towers" É difícil encontrar um exemplo melhor de um pia
de Sam Rodia, ou no "Palais ldéal" do carteiro Cheval, que a Villa Savoye de Le Corbusier em Poissy: Les
e em toda a arquitetura fantástica que pessoas levadas Claires ("As Horas Claras").
por uma educação extrema criaram com suas próprias O plan libre demonstra uma exploração coerente
mãos! E, mesmo assim, a vitória da criatividade e da possibilidades oferecidas pela aplicação da estrur:. _
dedicação individual sobre tudo que é imposto pelos concreto.
poderes estabelecidos é uma simplificação excessiva. Uma característica desses primeiros exemplos de ~
Assim como a linguagem é necessária para nos livres eram, além das colunas livres, as paredes
expressarmos coletivamente em termos de estrutura, freqüentemente curvadas, que proclamavam quase
também é necessária uma estrutura formal coletiva ostentosamente sua libertação da função de supor:::-
para que possamos nos expressar espacialmente em peso. Quando somos confrontados com uma mold --:
nosso ambiente. Se há alguma coisa que se destaca concreta desse tipo, esperamos inevitavelmente q e
entre todos estes exemplos, é certamente o paradoxo colunas estejam distribuídas segundo algum arran·
de que a restrição de um princípio estruturador governado por critérios construtivos, e, à primeira .
(urdidura, espinha dorsal, grade) aparentemente não sentimos inclinados a pensar que elas foram arran·
resulta em diminuição mas sim em expansão como está indicado na figura a, mas não é absolu
das possibilidades de adaptação e, portanto, das caso.
possibilidades individuais de expressão. O tema Épossível que Le Corbusier tenha partido de um si _
estrutura/ correto não restringe a liberdade, mas regular, mas, durante o desenvolvimento do projeto _
conduz à liberdade! Assim, a maneira como a sentido o impulso não só de adaptar as paredes às
estrutura é preenchida não é mais subserviente posições das colunas, mas também de deslocar as e
à estrutura do que a estrutura é subserviente à em relação com as paredes para obter a configurac-
maneira como é preenchida. Eu ainda estou pensando correta. Em virtude das condições oferecidas pelas

120 li ÇÕ ES DE ARQUI TET URA


e pelas colunas, os dois sistemas deram espaço um para o
outro, e assim criaram as condições de liberdade um no
outro. O edifício, como uma máquina branca, uma nave
espacial de outro planeta aterrissada no meio da natureza,
representa, mais do que qualquer outro, o mecanismo da
arquitetura do século XX. 303
304
305

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 121


Planta, Timgad, Algéria
4 GRELHA

O princípio de ordenamento mínimo da cidade por


meio de uma grelha é conhecido desde que se
inventou o planejamento urbano. Há cidades que, por
causa de uma série de acontecimentos, não evoluíram
segundo um processo gradual de crescimento. Nelas,
desenvolvidas de acordo com um plano preconcebido e
fixo, toda vez que as circunstâncias locais deixaram de
fornecer por conta própria um incentivo automático
para alguma espécie de ordenamento, sentiu-se a
necessidade de algo semelhante a uma grade: um
"projeto" para o que devia ser feito em seguida.
Qualquer que tenha sido o ponto de partida em cada
caso específico, encontramos ao longo da história
306
variações sobre o mesmo tema, isto é, as quais ENSANCHE, BARCELONA, 1859 / 1. ( - -
garantem numa fórmula única as condições de O plano de Ildefonso Cerdá para
307 308
distribuição de terra, seja em grande escala seja no metade do século XIX, teve como o
longo prazo, e o acesso a cada lote de terra. O ponto qualidade superior à oferecida por - :
de partida é quase sempre o lote retangular ou primária de ruas e quadras, dentro
quadrado: ruas cercando quadras cujas dimensões o que bem se entendesse. Ele estabe OCE:; _
correspondem ao método de construção escolhido, praças em relação à altura de certas e.....-....._..,,....,
ainda que em princípio elas possam ser preenchidas garantir condições adequadas de mo
de várias maneiras, já que a natureza do setores. Propôs também que parte da.s --
preenchimento depende das características do período sem edifícios. Nada disto foi mantido :
em que ele é exigido. como acontece freqüentemente, as exi =--:
para a moradia não conseguiram pr~
dos proprietários de terras e incorpo
Cerdá de um princípio de construção '
que podiam alternar a direção por q
simples que possa parecer, conseguia ~ ...,. ,.....,,.ai
de variação virtualmente inexauríveis,
conduzir a um padrão incrivelmente ricc :
E isso não se aplica somente aos volu . e; -
abstrato, pois há também a alternância e
constitui, por si mesma, um fator de or·Quc:..:-:::::i::::il"
defin ição e na variação do espaço. Ea·--= -
referimos à elaboração posterior das

122 llÇÕES DE ARQUITETURA


MANHATIAN, NOVA YORK (311-314) também o sejam os lugares onde surgiram as sol -
Nas grandes cidades americanas que se desenvolveram interessantes. Seria de esperar, dentro de um sister-:
rapidamente, encontramos a grelha aplicada em sua forma retangular tão rigoroso, que as extremidades pud
mais elementar e com seus resultados mais característicos. terminar de uma maneira condizente com as poss -
Édifícil imaginar melhor maneira para domar a coleção oferecidas pela grade. Mas, como com tanta freq~:.
selvagem de formas arquitetônicas, que vai desde estruturas acontece, é o confronto entre um princípio e outrc
achatadas até arranha-céus - já que é quase impossível revela a natureza de cada um. Isto se torna talvez
ii·
'. exercer controle neste mundo da inexorável livre empresa. mais evidente quando o padrão longitudinal reg
t
, •I
Manhattan é inegavelmente o exemplo ma is excitante de cortado pela Broadway, o velho caminho rural q-=
.., I
I u todos. Não apenas vemos desfilar diante de nossos olhos a permaneceu virtualmente intocado como se fosse _
••' mais fascinante gama de soluções arquitetônicas como se paisagem. A Broadway foi incorporada à grade_
'
fosse uma paisagem cheia de variações, mas ainda, graças fator inevitável, e em todos os pontos em que
à forma curiosamente alongada da península, nos faz grade provoca uma ruptura, desafiando os arqL· _
perceber dois traços contraditórios: de um lado, as ruas achar uma solução imaginativa para essa irreg -
largas ao longo do eixo longitudinal, que são tão Um exemplo célebre de uma solução desse tipo e :
compridas que se pode ver o ponto de fuga no horizonte, Flat-lron em Madison Square. Énesses lugares --=
., e, do outro lado, as ruas laterais mais estreitas cobrindo a natureza da grade se manifesta de maneira mas
distância relativamente curta de uma margem à outra. convincente.
311 312 Enquanto experimentamos a vastidão da cidade em
Manhattan, cada rua lateral proporciona a visão da água A concepção mais equivocada quanto ao si
mais adiante. Neste caso, a grade contribui de uma grelha é a idéia de que ele conduz quase
maneira muito especial para a forma como experimentamos inevitavelmente à monotonia, e que seu ef · e
o espaço urbano. opressivo. Estes perigos realmente existem,
Uma das primeiras coisas a impressionar o visitante em temos exemplos suficientes para provar que,
Manhattan é a fria e determinada regularidade com que a extensão gigantesca de edifícios, os aspectos
grade foi aplicada, até que simplesmente não pôde mais se tornam secundários. Se o ordenamento de
ser levada adiante. O resultado é que as bordas um tanto realmente expandirá as possibilidades de v,
irregulares não só parecem aleatórias como também, em vez de reduzi-las, é algo que irá depender,
certa medida, insensíveis. Mas igualmente notável é que primeiro lugar e acima de tudo, da desco ........, - ,-

124 LI ÇÕES DE AR QUITET URA


verdadeiro equilíbrio entre as regulamentações e a
liberdade de escolha.
A grade é como uma mão trabalhando a partir de
princípios extremamente simples - ela com certeza
estabelece as regras gerais, mas é por demais flexível
quanto ao detalhamento de cada sítio. Como uma base
objetiva, ela delineia o layout do espaço urbano, e
essa disposição reduz a proporções aceitáveis o efeito
inevitavelmente caótico das inúmeras decisões
isoladas. Em sua simplicidade, a grade é um meio
mais eficiente de obter algum tipo de regulamentação
do que muitos sistemas de regras mais complexas que,
embora ostensivamente mais flexíveis e abertos,
tendem a sufocar o espírito imaginativo. No que se
refere à economia de meios, parece-se muito com um
tabuleiro de xadrez - e quem pode pensar num leque
maior de possibilidades surgindo de regras simples e
diretas do que as de que o jogador de xadrez dispõe?
313
314

CRIA NDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 125


condições para todas as inserções concebíveis
S ORDENAMENTO estejam presentes. Em outras palavras, uma
que foi programada para acomodar todas as
t• DA CONSTRUCAO possíveis. Assim, é possível chegar objetiva
!ii I I
uma unidade de espaço, componentes, ma
cores, de tal forma que possa acomodar um
1:: Em termos simples, seria possível dizer que o de usos variados. Este processo de pensame
. j ii ordenamento da construção é a unidade que surge concebido sob a inspiração do estruturalismo
num edifício quando as partes tomadas em conjunto acertar contas com o esforço algo contradi ·
determinam o todo, e inversamente, quando as partes funcionalismo para descobrir uma forma es
isoladas derivam desse todo de modo igualmente uma organização espacial específica para c
lógico. A unidade resultante do projeto que emprega O projeto que procura o máximo denominad
consistentemente essa reciprocidade - partes o conjunto de todos os requisitos em discussão
determinando o todo e determinadas por ele - pode tarefa particular (i.e., o programa em seu se
num certo sentido ser vista como uma estrutura. amplo), emprega uma estratégia diferente e
O material (a informação) é escolhido deliberadamente, visão fundamentalmente diferente do arquite
adaptado aos requisitos da obra em questão, e, em
princípio, as soluções das várias situações de projeto ORFANATO, AMSTERDAM, 1955-60 /A.VAN EYCK (3" .:
(i.e., as suas inter-relações de um lugar a outro) são A primeira estrutura executada com um ordenam
permutas ou, pelo menos, derivados diretos das construção, no sentido de uma unidade na qual as
partes. O resultado será um relacionamento claro, o todo se determinam reciprocamente, é o orfana-:
pode-se dizer até mesmo familiar, entre as várias partes. van Eyck. A organização desse edifício, com suas -
Seguindo essa linha de raciocínio, vemos que há uma "praças" e unidades de construção independentes =
comparação óbvia com aquele notável exemplo de a de uma pequena cidade autônoma. Ele despem::
315 31 6 estrutura: a língua. associações ainda que não conheçamos a exortac-
Cada frase deriva seu significado das palavras que a Van Eyck: "Faça de cada coisa um lugar, faça de
compõem, ao mesmo tempo em que cada palavra e de cada cidade uma porção de lugares, pois u ::
deriva seu significado da frase como um todo. é uma cidade minúscula e uma cidade é uma caso
Naturalmente, cada edifício bem projetado tem uma enorme."
idéia coerente, uma unidade temática distinta, uma Esta identificação com uma "pequena cidade" é
unidade de vocabulário, material e método de passo mais criativo e uma ruptura de grande sign·'·
construção. Mas aqui o essencial é o projeto baseado Na fase do projeto, uma vez estabelecida essa "e
numa estratégia coerente. Começando pelos uma série de associações posteriores emerge,
componentes, temos de percorrer todo o edifício várias acrescentando uma nova dimensão à qualidade d :
vezes para verificarmos se todas as extremidades comunitários, "públicos". Corredores se tornam "
podem ser reunidas sob o denominador comum de um iluminação interior se torna "iluminação de rua" e --
tema (testando assim a hipótese). Esta exploração, por por diante. Embora um edifício não possa nunca se-
sua vez, conduz ao ajuste da hipótese ou do tema. uma cidade, ou mesmo alguma entidade intermedi -
Este método de trabalho implica, na verdade, o ainda assim pode tornar-se semelhante a uma cid :
preenchimento da própria estrutura do projeto, por desse modo, transformar-se numa casa melhor. Esse
assim dizer, e, mediante o feedback do resultado, imagem recíproca da casa-cidade conduz a uma
acaba-se por chegar a um ordenamento no qual as articulação coerente de grande e pequeno no interi

126 LIÇÕ ES DE ARQ UITE TURA


exterior, em seqüências de unidades contingentes que se
rl igom sem tensão ou esforço. Quando essa articulação
e levado o cabo até o suo menor dimensão, não só os
edifícios e os cidades adquirem um significado recíproco,
s também os edifícios e o mobília, pois os peços do
bílio "construído" são como pequenos casos diante dos
ois nos sentimos ainda mais interiorizados do que num marcados como são pelas aberturas horizontais colocadas
rio amplo. Assim, cada porte recebe o dimensão que se poro dar a impressão de um alargamento das colunas no
:xlopto melhor o seu objetivo, i.e., o tamanho certo pelo alto, como um capitel. A zona contínua de dintéis forma um
.., oi elo se torno o que é. horizonte por todo o edifício, tanto do lado de dentro
je tudo isso pertence oo conhecimento comum, portanto, quanto do lodo de foro .
me pergunto se existe alguém que acredite não ter sido O que desse modo se torna claro para mim é que a 317 318 319
aso Auenciodo por essas formulações. No entonto, o que maneira como uma paisagem é libertada por seu horizonte
sempre me surpreende é que, por mais absorvente que o é similar à maneiro pelo qual o potencial coesivo do 310 311
w oboroção olé o menor porte posso ser, o essência do ordenamento do construção pode dar ao edifício um
::onjunto maior permanece invariavelmente poderoso . horizonte do qual - estranho paradoxo - ele extrai sua
O todo irradio o tranqüilidade de um equilíbrio que liberdade.
::empreende uma extraordinária complexidade de forma e São os unidades do telhado em forma de abóboda, as
de espaço numa única imagem. Parece-me que o segredo colunas arredondadas e, acima de tudo, a cadeia de dintéis
está na inexorável unidade de material, forma, escala e que tornam possível a interpenetração de exterior e interior.
res construção, combinados em um ordenamento de construção Convidam, por assim dizer, um jogo de paredes, que levam
de tal clareza que eu sempre o associei mais com a ordem o exterior para dentro e o interior para foro. A escola ao
ássica do que com o casbah. (Eu sei, Aldo quer os dois: ar livre de Duiker vem à nossa mente. Ali, a superfície de
clareza, mas labiríntica; casbah, mos organizado. Nem um vidro em volta do limite exterior das solas de aula abre
em o outro, mos os dois ao mesmo tempo, o que reclama espaço para amplas galerias abertas (as salas de aula do
m mecanismo mais abrangente. A essa altura, com todos lado de fora), enquanto a molduro de concreto continua a
os meios que o século XX põe à nossa disposição, já permitir a "leitura" da massa inteira do edifício. Por meio
deveríamos estar em condições de realizar algo assim.) do vigamento, da maneira que só Duiker sabia fazer, os
olvez os dintéis também tenham algo a ver com isto, cantos se tornam ainda mais leves e transparentes.

CRIANDO ESPAÇO , DEI XA ND O ESPAÇO 127


No Orfanato, a superfície exterior também se volta para
dentro para formar pórtico, galeria ou varanda dentro da
periferia, mas o inverso também ocorre: o interior irrompe
em três lugares, suprimindo os cantos internos que, de outra
maneira, restringiriam o movimento e a visão desses
lugares. Soluções desse tipo são certamente espantosas.
Meu primeiro contato superficial com o Orfanato, ainda em
construção naquela época, já foi suficiente para me
convencer de que esse novo e admirável edifício pertencia
l ~ .. a um tipo inteiramente novo, baseado num mecanismo
• diferente e proclamando um outro tipo de arquitetura. [B]

324 LINMIJ 1322-331)

322ab
O espaço de trabalho que foi construído no telhado de uma
323
fábrica do começo deste século teve como primeiro objetivo
ampliar as instalações. Nessa época, a expectativa era de
que, à medida que os diversos departamentos da fábrica se
expandissem, fosse necessário realizar uma série de
ampliações: permitiam apenas que um número limitado de -
fossem construídas simultaneamente;
1. a impossibilidade de prever que departamentos iriam 3. a qualidade das instalações existentes era
precisar de expansão e quando; suficientemente boa para justificar sua conserva -
2. a natureza e o potencial de investimento da companhia embora um tanto sombrio e disposto de maneira -
o edifício ainda serviria após alterações pouco i

Para direcionar o crescimento esperado no fu turo=


que as extensões se transformassem numa colcha :
retalhos, tomou-se a decisão de projetar as unid
construção com base em vários motivos inter·relac.
Deste modo seria possível usar diversas combinaç·
criar uma variedade de espaços maiores. Os pri
fundamentais do projeto foram os seguintes:

a. Para acomodar as mudanças constantes dentro


negócio, cada unidade tinha de satisfazer a uma
escala de requisitos industriais - i.e., não poderia -
estritamente adaptada a um programa específico, -
deveria ser suficientemente flexível para acomodar -
funções sem que a unidade precisasse ser reajusta :
b. Após cada ampliação, as instalações construídas
deveriam estar completas, independentemente do es _
subseqüente da construção; cada novo acréscimo d
portanto, formar um todo acabado.

Por conseguinte, cada unidade deveria ter uma ide


própria, suficientemente forte para se afirmar por si
independente do ambiente específico e, além disso,
contribuir para a identidade do todo mais amplo do
constitui parte. Neste caso, o uso um tanto demonslri
dos componentes pré-fabricados não é uma conseq··
da necessidade de repetir, mas sim - e isto parece
paradoxal - uma conseqüência do desejo de individ
cada componente. Os componentes devem ser autôn
para que possam servir a múltiplas funções, enquan
a deve ser escolhida de tal modo que as diversas
ades possam ser constantemente harmonizadas.
orédios originais foram construídos de modo que
itissem que um outro andar fosse acrescentado em
e eram, portanto, fortes o suficiente para servir de
às ampliações graduais que deveriam cobrir essa
325
ção artificial de pedra . As novas estruturas realçam a
327
das anteriores, ao mesmo tempo em que as estruturas
326 328
iores contribuem para a criação e para a formação
329 330 331
novas. O velho e o novo mantêm suas identidades ao
mo tempo em que as confirmam mutuamente.

CRIA NDO ES PAÇO, DEIXA NDO ESPAÇO 129


~ fossem removidos de uma seção para outra o
1c = : ;1 possível, era óbvio que o conjunto devia ser co
como um aglomerado de edifícios separados, m
t ] uma área urbana, uma cidade em miniatura e
as instalações de lazer e conforto fossem, em p
acessíveis a todos os moradores.
Estas considerações conduziram à idéia de se e
moldura estrutural contínua, baseada na mesmo _
modular, capaz de responder às exigências de
programa altamente variado e complexo. A men
capaz de servir como componente básico para
'!' qualquer tamanho foi calculada em 92 centíme ·
Os programas de exigências das respectivas ca __
foram subseqüentemente adaptados a um orde
global de construção, consistindo estruturalmente
sistema de colunas, vigas e assoalhos, i.e., uma
condicionada a priori pela unidade de medida
92 centímetros e, por conseguinte, capaz de ass·-
ampla gama de exigências específicas.
A sincronização e padronização das dimensões _
complexo não era importante apenas para o uso
intercambiável, mas também para a obtenção do
construção mais racional e rápido, reduzindo ass
custos ao mínimo e mantendo os limites do orça _
332 DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (332-34 l) Para reduzir ao mínimo o número de elementos =
'I 333 334 Este conjunto para pessoas idosas e incapacitadas consiste construção, foram escolhidas dintéis de três tama:-
''I em seções de asilo, de assistência e de moradias três tipos de vãos: 2 x 92 = 184 cm; 3 x 92 =27:
335 independentes e instalações centrais de lazer. Cada uma 92 = 368 cm . A soma desses vãos produz medi
1!
das seções tem suas próprias regras e regulamentos, já que de 5 x 92, 6 x 92, ele., como um sistema de m
administrações diferentes são responsáveis pelas várias (5 centavos, 1Ocentavos e 25 centavos) .
seções. O projeto global leve de acomodar uma variedade Com o "kit de construção" resultante, composto
considerável de dimensões no que diz respeito à variação elementos, os espaços e massas de construção
de altura e largura de corredores, quartos e pavimentos. combinados à vontade. O layout inicial desse co
E já que as combinações dessas diversas categorias de consistia em unidades agrupadas em torno de três
acomodação deviam ser intercambiáveis ao máximo, para tamanhos sucessivamente maiores. O contraste do _
que os residentes, cuja condição melhorasse ou piorasse, só espacial era ainda mais fortalecido com estruturas :e
três andares cercando o maior dos três pátios, esr_
de três e quatro andares cercando o pátio médio =
cinco e seis andares cercando o pátio menor. A p _
de dois a seis andares alcança seu ponto arqu ite •
culminante no centro do conjunto, expressado por
janela espacialmenle extrovertida acima do audit -
qual eu atribuí grande importância, assim como

. •,
:: I~]; i
fato de que as diagonais dos três pátios formam ·- _
reios). Uma boa dose de energia foi gasta com es
procedimentos, já que estávamos confiantes no pr _
tr11 ,I
de requisitos. No entanto, logo ocorreram mudanc
,Jl!f" influência de um súbito desenvolvimento nas idéias =
n •11
,h11 abordagens quanto à assistência aos mais velhos.
Embora muitas das novas propostas pudessem ser
adaptadas por meio de uma série de modificações
implicavam alterações fundamentais no plano orig·-
lornou·se evidente, após certo tempo, que o circui
fechado de acordo com o qual o plano fora orga

130 llÇÕ ES DE ARQU ITETURA


distâncias racionais e regulares por todo o complexo.
O resultado foi uma constelação de torres que, no âmbito
da construção, adquiria uma espécie de função
estabilizadora dentro do complexo como um todo.
O programa de requisitos, traduzido num esquema
espacial, foi superposto a essa grade "objetiva", assinalada
pelas torres, e ajustado às dimensões da área de
e hermético demais para adaptar-se a todas as construção. Os pontos fixos de sustentação, as torres,
as que haviam se tornado necessárias nesse serviram conseqüentemente para dar certo ordenamento ao
. Por fim, o plano teve de ser abandonado. A lição espaço como um todo, enquanto o "kit de construção" de
rendemos com essa experiência foi a de que, elementos de concreto (pré-fabricados) garantiu a coerência
aderimos rigidamente a uma organização tão final e a unidade dos vários componentes que se formaram 336 337ab
· ·ca e explícita da forma principal, nosso plano está "a partir de dentro".
o ao fracasso. De fato, o melhor é começar sempre A estrutura de construção do De Drie Hoven, composta por 338 339
estrutura básica mais aberta e flexível, capaz de vigas e colunas idênticas, está abertamente presente em
raros ajustamentos que se fizerem necessários. todo o edifício, embora a maneira como foi preenchida
·s desse fracasso, foi desenvolvido um novo conceito, varie de um lugar para o outro. O conceito do projeto de
rdo com o qual finalmente o projeto pôde ser uma estrutura desse tipo afirma que é possível uma grande
o. O primeiro passo, desta vez, foi estabelecer diversidade de preenchimentos, como reflexo de usos
serviços eram relevantes para todos os prédios - tais diferenciados, sem prejuízo para a coerência visual e
escadarias, elevadores, quadro de luz, rede elétrica, organizacional do todo. Além disso, as conversões que se
de ventilação e sistema de esgoto. Todos eles foram tornaram necessárias como resultado de novos insights
Irados em tubulações verticais, localizadas a podem ser facilmente realizados no contexto da estrutura,

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CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 131


que continua a desempenhar sua função de su _
que, em si mesma, não é ou quase não é afet -
alteração de paredes, portas, tetos, etc.
Se, por um lado, não deixa de ser doloroso pa"::
arquiteto verificar que os componentes que ele

1-:)
tanta dedicação acabaram por desaparecer o _
alterados até a desfiguração por outras pessoas
• ]ii consulta prévia, por outro lado também é uma
\ t '"
J'll I triunfo verificar que sua idéia, como conceito g
I u,, permanece de pé. A estrutura pode ser compor;
nu

'
árvore que todo ano perde suas folhas . A árvor:
'li o o o o o o permanece a mesma, mas as folhas se renova :
o o o o o o primavera . O uso varia de acordo com a época =
o o o o usuários exigem que o edifício se adapte à ev _ -
o o o o seus insights. Às vezes isto implica um passo
o o o o o o
qualidade espacial, mas às vezes, também, sig .. :
o o o o o o
passo à frente, um aprimoramento da situação
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340
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132
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342
E:: FÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRAAL BEHEER (342-353) diferentes unidades espaciais podem, se necessário, assumir
idéia proposta anteriormente em dois concursos de outros papéis - e esta é a chave para a capacidade de
ojetos paro prefeituras em Valkenswaard (343-344) e absorver mudança .
sterdam (345-346), respectivamente, e que, finalmente, Projetar um edifício de escritórios pode ser bastante simples
t'E!io a se materializar no edifício de escritórios Centraal em princípio, mas foi esta mesma necessidade de
Beheer, é a de um edifício concebido como uma espécie de adaptabilidade que conduziu ao resultado. Constantemente
povoado, composto por um grande número de unidades surgem mudanças dentro da organização, requerendo por
espaciais iguais, como um grupo de ilhas. Essas conseguinte ajustamentos freqüentes no tamanho dos diversos
nidades espaciais constituem o bloco básico do edifício; departamentos. A construção deve ser capaz de acomodar
sõo relativamente pequenas e podem acomodar os diversos essas forças internas, enquanto o edifício como um todo deve
componentes do programa (ou "funções", se preferirem), continuar a funcionar em todos os aspectos durante o tempo
porque suas dimensões, assim como sua forma e todo. Isto significa que a adaptabilidade permanente é uma
organização espacial, se ajustam a essa proposta. Elas são, pré-condição do projeto. Em cada situação nova, para
portanto, polivalentes. assegurar o equilíbrio do sistema como um todo, i.e., para
Enquanto o De Drie Hoven envolvia um programa com uma que ele continue a funcionar, os componentes devem ser
grande diversidade de dimensões e de requisitos espaciais capazes de servir a objetivos diferentes.
- o que necessariamente resultou num ordenamento de A construção foi projetada como uma extensão ordenada,
construção único, capaz de gerar uma grande variedade-, composta por uma estrutura básica, que se manifesta como
no caso deste edifício de escritórios, o programa, análogo uma zona essencialmente fixa e permanente por todo o
ao princípio básico escolhido do quadrado como unidade edifício, e por uma zona complementar variável e
espacial, ainda que simples no sentido elementar, interpretável.
mostrava-se capaz de responder virtualmente a todos os A estrutura básica é o sustentáculo, por assim dizer, de
requisitos espaciais. Graças à sua polivalência, as todo o conjunto. Éa construção principal, abrangendo o

CRIA NDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 133


ZONA INTERPRETÁVEL COMPONENTES PRIMÁRIOS
A SER PREENCHIDA COM
COMPONENTES PRIMÁRIOS

~ l'QJ~
ÁREA OE ESCRITÓRIO ÁREA DE REUNIÃO GRUPO DE TOALETES

Mi~~
ÁREA OE ESPERA ÁREA OE RESTAURANTE

351
352 353

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 135


virtude das diversas maneiras como são "mon
cantos, as relações que estabelecem entre si ta
diferem constantemente. Deste modo, apesar de -
periferias distintas, a uniformidade dos meteria.~
elementos constitutivos, assim como a maneira e
esses elementos se integram, fazem com que o r

como um todo fale a mesma linguagem arquit ·


(embora os revestimentos de madeira no interi •
uma característica adicional). Mediante a aplic ·
mesmos materiais básicos dentro e fora, o inte
exterior são colocados em perspectiva, reforça~
expressão global de acesso.
Um papel importante no ordenamento da cons,... -
desempenhado pelo uso repetido de colunas, e
linguagem formal enfática e facilmente reconhEC
estão dispostas segundo um esquema de grade
distâncias iguais, demarcando desse modo árecz
todo o edifício. Representam a cadência do ed""-
ritmo ao espaço, como as notações que indica- :
intervalo e de compasso numa peça musical.
(ENTRO MUSICAL VREDENBURG (355-360) O arranjo das colunas constitui um sistema de
Visto de fora, o conjunto como um todo parece ter uma mínimo que permite um preenchimento bastante
forma aleatória, e não corresponde às nossas expectativas suas diversas partes, e que tem o efeito de reg~
quanto a um edifício autônomo. O ponto de partida no grande diversidade de elementos constitutivos
355 projeto - i.e., evitar o efeito de um "templo" da música ao da complexidade do programa .
integrar a estrutura aos arredores tanto quanto possível - e
354 o princípio de acesso subseqüente resultaram em um
356 357 358 arranjo periférico composto de múltiplas facetas . E, como
todas essas facetas foram compostas pelos mesmos
materiais, elas representam, na verdade, apenas diferentes
facetas do mesmo todo. Em outras palavras, deu-se mais
atenção à legibilidade das partes do que à coerência do
todo, já que o todo está representado nessas partes. Isto
significa que o todo pode ser visto de muitos lados
diferentes. Os elementos constitutivos tornam-se mais
independentes, são emancipados, por assim dizer, e, em

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1

136 LI ÇÕ ES DE ARQUI TETU RA


nos mesmo tempo em que serve para unificar o todo, este
a de colunas contribui para que cada espaço seja
· todo de acordo com suas exigências específicas e com
e localização. Este princípio não diverge essencialmente
plan /ibre, desenvolvido nos primeiros anos desse século
nto uma nova maneira de explorar todas as
ti ibilidades oferecidas pela aplicação de um esqueleto
1stitua concreto composto de colunas e plataformas (354) . Entre
dos características típicas dos primeiros exemplos do plano
o , estão em geral as paredes curvadas assim como as
sim a nas livres com seus próprios espaços; essas
cterísticas contrastam com a maneira segundo a qual o
é o livre é geralmente aplicado hoje em dia, com as
nas servindo como um ponto de partida para as
Elas edes. Numa estrutura que abrange um número
porcionalmente maior de quartos ou de espaços
ados, o último "método" é obviamente mais adequado.
ndo as colunas são livres, é preferível que sejam
índricas porque pelo menos se adaptam de modo muito
is amistoso e suave à presença de multidões.
1menlo permanecerem no "caminho" sem, porém, constituírem
Ide stáculo, as colunas manifestam toda sua força, e sua
personalidade é reforçada posteriormente pelos capitéis
rgem drados, uma "ênfase" da forma exigida pela
c:oostrução. A principal função desses capitéis alinhados é 359
coordenar as conexões com os tetos que surgem de diversas
reções e com alturas diferentes. Além disso, sua largura 360
extra mantém a parede contígua à distância, ajudando
deste modo a criar certo espaço em torno de cada coluna.
colunas na fachada servem para manter as paredes a
ma distância maior ou menor, dependendo da quantidade
de vidro exigida em cada lugar. As aberturas na fachada
estão em geral localizadas na "zona das colunas", e só às
vezes aparecem como "buracos" nas paredes.
As colunas dispostas livremente nos espaços que as
envolvem constituem um motivo recorrente com uma série
de variações por todo o edifício, produzindo uma imagem
reconhecível e característica. Na verdade, a coluna foi
projetada para fazer com que cada lugar pudesse
despertar experiências espaciais diferentes, ao mesmo
tempo em que a coluna nua permanece a mesma seja qual
for a sua localização específica. Dependendo da abertura
ou do fechamento criado, ela aparece com uma roupa
diferente: vestida por uma parte diferente. Deste modo a
coluna determina o aspecto de um lugar, e também sua
própria imagem é determinada, por sua vez, por este lugar.
A estrutura da coluna pode ser vista como um sistema que
gera liberdade: uma "competência" que fornece um
incentivo para o "desempenho" próprio de uma situação
específica, e, portanto, como um instrumento capaz de
produzir um ordenamento de construção coerente, apesar
da ausência de espaços repetitivos.

CR IANDO ES PAÇ O, DEI XANDO ESPAÇO 137


MINISTÉRIO DE ASSUNTOS SOCIAIS 1361-379)
Em vez de um volume com uma sucessão sem '·
andares de escritórios, o edifício foi articulado _
segmentos; o volume foi dividido em vários ed :
ou menos ostensivamente separados, agrupa _
lado e diante uns dos outros ao longo de uma
alongada: i.e., vários pequenos edifícios de esc
formando um conjunto. Cada um desses "bloc _
edifício" mais ou menos separados é formado
série de octógonos interconectados e pode ac
mais departamentos, cada um deles diretame "=
partir da zona central.
As unidades de escritório consistem em uma _
octogonais sucessivas ou superpostas de + 42(
quais os espaços podem ser arranjados de di
maneiras. Cada unidade espacial abriga uma
pessoas em salas com uma, duas ou três áreas 2
Embora o edifício tenha sido basicamente pro·_
células de escritório, presta-se, em princípio,
formas organizacionais mais abertas onde e a_
tal necessidade.
O edifício parece formado por um aglomera
octógonos interligados - esta é, pelo menos, a
impressão da periferia, quer vista do lado de '
361 lado de dentro. Também a subdivisão em uni
362 escritório segue o padrão de octógonos.
363 De um ponto de vista construtivo, o edifício é
formado regularmente por grande número de _
364 idênticos de concreto pré-fabricado, montados --
Estes elementos foram combinados para obter _
repetição de unidades espaciais semelhantes.
As vigas principais, posicionadas diagonalmer"':
um zona contínua de condutos através de todos
O padrão foi escolhido com o fim de criar reg_
espaços quadrados que fossem zonas secun '
zona básica da estrutura principal; essas zoncs
podiam ser deixadas abertas entre os pisos
arrematados por vigas secundárias.
Éa forma diagonal selecionada para arremcr.:::-
/
/ zonas secundárias que atravessa as formas
/
/ andar como um todo, por assim dizer, e é ta
/
e?{ se obtém a desejada articulação rítmica.
/
/
Desse modo, a estrutura escolhida para o edi ·-
/
/
possível "preencher" as diferentes partes do pr:: _
')(_.---T--~)( acordo com a organização desejada. A dispo~ -
,I/ \
,'
t
.'\ 1 ./ \
"objetiva" das colunas oferece mais campo pa-::
- - - -<D- ----- :\ --*--
/1""
:---- 1
variação nos preenchimentos e reajustes, de r-
edifício mostrar-se-á relativamente adaptável
/ ______J ____/ "·
\/ 1 ,/

necessidades futuras.
/ A estrutura serve para introduzir ordem e nõo _
/
/ efetivamente a liberdade de preenchimento
.Jef contrário, irá ampliá-la . A estrutura é o fio c
arquitetônico que perpassa o conjunto inteiro
legíveis seus diversos componentes e desse

138 LIÇOES DE ARQUITETURA


A conseqüência desta escolha de direção é que:
do salão central se manifesta tão fortemente q
vigas principais do edifício. Desse modo as in ~
criadas resumem todo o princípio estrutural, e, ·
um ponto de um metro cúbico onde tudo se enc~
representam o conceito estrutural e construtivo -
como um todo e, em virtude da diversidade der-::
unidade, são os elementos mais importantes do
ordenamento do edifício.
Graças à repetição em grande escala dos elerr._
construtivos e à possibilidade de expandir lota .•
parcialmente os pisos, o edifício foi eminente _ _
adequado à execução com elementos de concr •
pré-fabricados. Uma vantagem era que a qual·
acabamento a ser obtida era suficientemente
os elementos pudessem servir como simples cor
A estrutura de suporte é construída essencialm
quatro elementos: colunas, vigas, tubos e pisos. --
apoiadas nos capitéis de colunas eram guarnec
lado por uma saliência projetada que servi u n -
posterior como uma ligação simples para o vão ·
pelo piso do andar. O grau necessário de prec --
fornecido pela pré-fabricação das vigas. A es .-

368
369
370

140 LI ÇÕE S DE AR QUITET URA


371
372 373
374 375 376 377

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 141


recebeu sua estabilidade dos tubos de condutos, moldados
no local. Para os pisos entre as vigas podia-se usar tanto
unidades pré-fabricadas quanto concreto feito no local.
O espaço de estacionamento, embaixo da fachada do
edifício, foi executado com colunas distribuídas de maneira
idêntica à dos andares. A decisão de adotar um sistema em
que os componentes pré-fabricados pudessem ser montados
no local representou uma redução considerável do custo, e
foi isto que tornou possível erigir uma estrutura tão
complexa com um orçamento limitado.

378 379 ESCOlAS APOLLO (380-388) semelhanças entre elas. Mas há também um s=
Estas duas escolas resultaram do mesmo programa espacial diferenças importantes entre os dois edifícios =-
380 381 de requisitos estabelecidos pelo Ministério de Educação e, assentamento diferente e, conseqüentemente f::'
como se desenvolveram a partir do mesmo ordenamento de orientação diferente das janelas das salas de _
construção, como um projeto comum, há muitas também como resultado dos diferentes princí :

142 LI ÇÕE S DE ARQU ITE TURA


centes às duas comunidades de escolas. Contudo, os
os meios arquitetônicos foram usados para resolver os
lemas específicos apresentados pelos edifícios,
ando daí uma grande coerência entre os elementos
compõem as duas unidades.
- só encontramos aqui um vocabulário arquitetônico 382 383
um, mas também uma gramática arquitetônica comum 384
sentido de que cada solução individual representa uma 385 386
inação diferente de um mesmo radical. O princípio
ral subjacente pode ser resumido em 20 pontos que

CRI ANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 143


387

388

podem ser classificados de acordo com o maneiro como parentesco, algo que resultou dos consider -
são interpretados, por exemplo, dentro-foro; esqueleto ou fase de projeto, sobre os implicações de c -
aplicação consistente de tijolos, peitoris, componentes de todos os outros pontos, de maneiro que e
aço; normal ou muito grande; vigas cruzados ou conexões subseqüente remete ao primeiro.
em T. Todos os elementos são ligados por uma espécie de
A unidade de meios inerente a um ord
construção pode nos lembrar a classific -
arquitetônicos, de acordo com a qual o
estilo classicista vai ao encontro, de m
dos critérios que estabelecemos para
da construção.
Num estilo arquitetônico cada elemento
fixa e se deixa combinar com outros de
regras específicas. Neste sentido, um
arquitetônico representa uma espécie de
formal por meio da qual podemos e
determinadas coisas mas não outras, · ·
elemento e cada co.mbinação de elem
inevitavelmente a certo significado fixo
assim pouca ou nenhuma margem para
interpretação. Mas, além disso, as limi1"11Xim.•
do "kit de construção" determinam seo
espacial. Por exemplo, não se pode fazer
cantiléver - quando se aplicam princí ·
por conseguinte, não pode haver nenh
sem uma coluna (como nos prédios de
Rietveld) -, pois os meios para fazê-los -
não são proporcionados pelo kit de coa:5á111i•
Na verdade, se a história da arquite

144 LIÇÕES DE ARQUITETURA


com estilos arquitetônicos, é especialmente no fato uma "competência" é (re)construída por meio de um
que eles conseguiram libertar-se de seu jugo. processo indutivo.
crquiteto extrai sua raison d'être dos esforços Portanto, cada desígnio arquitetônico contém um
'nuos para romper com o padrão convencional, incentivo para desenvolver uma nova ordem, i.e., uma
que ele precisa fazer, pois o que tem a dizer não ordem emanando da natureza específica deste. Assim
ser dito com os meios disponíveis. como cada ordem representa um mecanismo
ordenamento de construção de um projeto é o específico, ela também tende a ser exclusiva desse
do de uma compreensão mais profunda dos mecanismo. Diferentes objetivos são enfatizados em
que lhe serão atribuídos, agora e no futuro. diferentes momentos, mas a questão central com a
ordenamento de construção antecipa deste modo o estrutura é o paradoxo de um ordenamento que cria
mpenho" que se pode esperar dele. E a partir daí liberdade - um horizonte presente em todo o plano.

389

Homem pondo peixes poro secar, Senegal

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 145


· a abordagem construtiva para uma situação que Ao prescrever coletivamente onde as pessoas terão de
· sujeita à mudança é uma forma que parta da colocar suas mesas e camas - geração após geração -
· mudança como fator permanente - isto é, nós estamos produzindo essa uniformidade. Esta
um dado essencialmente estático: uma forma que cristalização coletiva da liberdade individual de ação
polivalente. Em outras palavras, uma forma que atribuiu um objetivo predeterminado a cada lugar da
preste a diversos usos sem que ela própria tenha de casa e da cidade - e o fez de modo tão pouco
mudanças, de maneira que uma flexibilidade inspirado que todas as variações que constituem a
a possa produzir uma solução ótima. Nas identidade são eliminadas na raiz. O que faz com que
s de hoje, somos confrontados com um grande as velhas casas situadas nos canais sejam tão boas
de moradias, cuja construção requer métodos para morar é que se pode trabalhar, descansar ou
produção com enormes quantidades de dormir em qualquer quarto, pois cada quarto excita a
esses nentes - os quais, no entanto, são uniformes. imaginação do morador para que ele o use da
equiparar a uniformidade das unidades de maneira que quiser. A grande diversidade no centro
dias - resultado desses métodos de produção - antigo de Amsterdam, por exemplo, não é causada
ução a igualdade dos habitantes, chegamos ao ponto pela existência de princípios subjacentes mais ricos ou
que moradias uniformes foram reunidas em blocos mais variados (os princípios subjacentes aos edifícios
edifícios uniformes, monótonos. do século XX são certamente mais complexos), mas
plano urbano uniforme e a planta uniforme dos sim pelas seqüências de espaços nos quais, ainda que
.-dares estão baseados na segregação de funções, e é não sejam em geral muito diferentes uns dos outros, o
obediência cega aos ditames dessas funções que fez potencial para a interpretação individual é inerente à
que se tomassem as distinções entre morar e sua maior polivalência.
lhar, comer e dormir, etc. como ponto de partida As interpretações coletivas dos padrões de moradia
conceber os espaços para objetivos diferentes de individual devem ser abandonadas. Precisamos agora
911neiras diferentes, com base em que atividades de uma diversidade de espaço em que as diversas
lliferentes fazem exigências específicas diferentes aos funções possam ser sublimadas para que se tornem
espaços em que serão instaladas. Foi o que nos formas arquetípicas, que tornem as interpretações
êseram nos últimos 25 anos, mas, mesmo que morar individuais do padrão de moradia comunitário
e trabalhar ou comer e dormir possam ser chamados possíveis em virtude de sua capacidade de acomodar,
llpf'Opriadamente de atividades, isto não significa que absorver e, na verdade, de induzir cada uma das
am exigências específicas sobre os espaços em que funções e das alterações desejadas." [1 J
serão localizadas - são as pessoas que fazem
exigências específicas, porque elas querem interpretar
ém a mesma e única função à sua própria maneira, de
tvem acordo com seus gostos específicos.
tra Se, na cidade funcional e na planta funcional dos
ªª anelares, a identidade daqueles que conceberam a
idéia em primeiro lugar se perde sem deixar rastro,
lláo se pode responsabilizar a uniformidade das
1R1idades habitacionais, mas a maneira como elas são
niformes, ou seja, admitindo uma única função, em
um conceito prescrito e rigorosamente padronizado.
As casas e as cidades que estão sendo construídas
atualmente não permitem e não permitirão
absolutamente nenhuma mudança fundamental.

CR IANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇ O 147

/
O texto acima e todos os exemplos que citamos até em princípio, também devemos ser capazes
agora constituem um apelo para que passemos a a forma. Não é preciso dizer que a eficácia
projetar de tal modo que os edifícios e as cidades sempre vir em primeiro lugar, já que é o ún'
possam ter a capacidade de se adaptar à diversidade além de qualquer controvérsia - embora se'
e à mudança e também conservar a sua identidade. máxima importância estabelecer o que se
O que estamos procurando é uma maneira de pensar e exatamente com o termo. Sem dúvida, exi
de agir que possa conduzir a um "mecanismo" e formas que não têm mais de um único o
diferente (em termos lingüísticos poderíamos falar de geral instrumentos técnicos, e que devem si
um paradigma), que seja menos fixo, menos estático, e funcionar, fazer o seu trabalho, nem mais
que seja, portanto, mais bem equipado para Mas a maior parte dos objetos e das formas
responder ao desafio que a sociedade do século XX, além do objetivo para o qual foram projeta
com toda a sua complexidade, propõe ao arquiteto. qual geralmente devem seu nome, um valor
O essencial, portanto, é chegar a uma arquitetura que, e potencial e, portanto, maior eficácia. Esta
quando os usuários decidirem dar-lhe um uso diferente eficácia, que chamamos polivalência e que se
do que foi originalmente concebido pelo arquiteto, não aproxima da "competência", é a caracterís ·
seja perturbada a ponto de perder sua identidade. desejo enfatizar como um critério do projeta.
Para dizê-lo de modo mais contundente: a arquitetura O excerto seguinte, de um texto de 1963,
deveria oferecer um incentivo para que os usuários a mesmos princípios básicos. Serve também c
influenciassem sempre que possível, não apenas para introdução ao próximo capítulo.
reforçar sua identidade, mas especialmente para
realçar e afirmar a identidade de seus usuários.
O estruturalismo mostrou como este processo é eficaz
na língua, e minha referência insistente a ele é porque
encontramos aí uma direção para a arquitetura.
Embora a arquitetura seja concebida freqüentemente
como um sistema de comunicação, ela não é apenas
uma língua, apesar de uma série de analogias, tais
como os conceitos de "competência" e "desempenho",
que não se aplicam exclusivamente à língua, mas são
igualmente adequados ao uso da forma - e dos quais,

390 391

148 llÇÕES DE ARQUITETURA


Nos exemplos anteriores, por exe
7 FORMA EUSUÁRIOS: lidamos também com a capacidade
sentido literal, mas o que chamamos
OESPACO
'
DA FORMA "competência" - ou seja, a implicaç-
de abrigar significados - lança uma
todas as formas com as quais a a.l"q':1111!111•
Até aqui, a noção de estrutura foi usada como uma envolvida.
"moldura" (de relações constantes) com a capacidade " ... não estamos nos referindo a
potencial de produzir liberdade de interpretação - e, de forma que pressuponha e man
portanto, de alcance - em cada situação individual. formal e inalterável entre objeto e ob51!1'••
Lidamos até agora sobretudo com formas urbanas que estamos preocupados com a apa - -
foram interpretadas por várias pessoas uma concha em torno de um objeto
simultaneamente, e, conseqüentemente, em situações no sentido de capacidade de acomt'lidnr • .-.
coletivas, associações coletivas aparentemente estavam potencial de significado. A fo nna
envolvidas. significado, mas também pode ser priilm....
Em termos da estrutura e de seus projetistas, nossa virtude do uso que a forma recebe e
principal preocupação foi com a relação entre lhe são atribuídos e acrescentados,
projetista e estrutura, com os usuários desempenhando tudo depende da maneira como os
um papel subserviente, mais como objeto do que como formas interagirem.
sujeito - pois, embora possamos estabelecer que uma O que queremos afirmar é que s
forma foi interpretada como estrutura, isso não explica absorver e comunicar significado de•llil•
o que induziu as pessoas a fazê-lo. que a forma pode ter sobre os u
Ora, ao considerarmos a forma num sentido geral inversamente, o efeito dos usuários
como uma espécie de estrutura, a relação entre forma Pois a questão central aqui é a ir"delrl:l!;:illl,1111111
e usuários torna-se mais uma vez possível quando os usuários, o que um faz ao outro, e
usuários são indivíduos, e desse modo a noção de apropria do outro.
r&mnr poub- se absprenabr ab 1ugo ab adsrtação. csre
deslocamento do foco de atenção para o que uma
forma pode significar para aqueles a quem diz
respeito (e que entram em relação com ela) levanta
indiretamente a questão da relação entre o criador da
forma, o projetista e os usuários.
Partindo da interpretabilidade como uma característica
inerente à forma, chegamos à questão de saber o que
torna uma forma - na condição de estrutura -
interpretável.
A resposta deve ser: a capacidade de acomodação da
forma, poderíamos dizer sua "competência", que
permite seja preenchida por associações e conduza a
uma dependência mútua com os usuários.
Assim, o que nos preocupa aqui é o espaço da forma,
do mesmo modo como um instrumento musical oferece
liberdade de ação ao executante.

ISO LIÇÕ ES DE ARQU ITETUR A


· tar devia ser uma questão de organizar o
material de tal modo que seu potencial fosse
illeiramente explorado. Tudo o que fosse moldado
beradamente deveria funcionar melhor, i.e.,
tllweria ser ajustado para fazer o que é esperado dele
pessoas diferentes em situações diferentes e em
as diferentes. Em tudo que formos construir,
tl!wemos tentar não só ir ao encontro das exigências
função no sentido estrito, mas também fazer com
o objeto construído possa cumprir mais de um
· sito, que possa representar tantos papéis quanto
ível em benefício dos diversos usuários
· iduais. Cada usuário será capaz então de reagir a
• à sua própria maneira, interpretando-o de modo
p!UOal para integrá-lo a seu ambiente familiar.
o as palavras e as frases, as formas dependem do
o como são "lidas" e das imagens que são
zes de suscitar para o "leitor". Uma forma pode
90Car imagens diferentes em pessoas diferentes e em
ções diferentes, e, deste modo, assumir um
ificado diferente, e esta experiência é a chave
uma consciência modificada da forma. Uma
iência que nos tornará capazes de fazer coisas
possam se adaptar melhor a mais situações.
capacidade de absorver significados, e também de
ndoná-los sem mudar essencialmente, faz da forma
portador potencial de significado - em suma,
ificável..." [4]

151
BIBLIOTECA UNI-BH CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO
8 CRIANDO ESPAÇO, ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (392-394)
A rua de convivência no quarto andar é iluminada
meio de grandes blocos de concreto com luz. Estes
DEIXANDO ESPACO
, ficam rente ao chão, para que a luz não incomode
moradores, e, ao mesmo tempo, sua visão das jane •
alto também não sofre obstrução. A função primord'
Deveríamos fazer projetos de tal modo que o resultado desses blocos é a iluminação, mas em virtude de sue •
não se referisse abertamente a uma meta inequívoca, e colocação oferecem a oportunidade para uma vari
mas que ainda admitisse a interpretação, para assumir de outros usos.
sua identidade pelo uso. O que fazemos deve constituir "No que se refere à forma e à posição, esses blocos ·
uma oferta, deve ter a capacidade de provocar, condicionados, por assim dizer, a exercer uma varieo
sempre, reações específicas adequadas a situações de papéis, e, de fato, são interpretados como bancos
específicas; assim, não deve ser apenas neutro e superfícies de trabalho, e - em tempo de calor - co
flexível - e, portanto, não-específico-, mas deve mesas de piquenique. Estes blocos de luz foram col
possuir aquela eficácia mais ampla que chamamos num ponto tão central que agem como pontos focais e-
polivalência. qualquer circunstância . São como magnetos aos quais

,,

prendem todas as coisas que acontecem na área


comunitária de passeio, e podem se tornar um incentivo:
vida na rua, essa mistura multicolorida de manifestaçõei
interesses individuais e coletivos.
Não estipular nenhuma medida significa, pelo menos e
teoria, que existe uma porção de oportunidades para
improvisações espontâneas com o espaço e - certamen~
para o arquiteto - bastante espaço para sonhar. Mas e ·
- é o que tememos - na medida em que o ambiente é
organizado de acordo com significados fixos e símbo __
formas concomitantes, no sentido de o que está certo e :::
que não está certo, os próprios moradores não serão
capazes de fazer muita coisa por iniciativa própria." 1~~

152 l lÇ ÕE S DE ARQUITET URA


-JIA MONTESSORI, DELFT (395-417) contém as sugestões e os incentivos para a resposta a cada
"draças com saliências largas sobre as portas, entre as situação que surge. O bloco se torna uma "pedra de
s de aula e o saguão na Escola Montessori, em Dellt, toque", e contribui para a articulação do espaço de tal
m ser usadas para abrigar vasos de plantas, livros, modo que aumenta a gama de suas possibilidades de uso.
los, figuras de barro e todo o tipo de bugigangas. Em cada situação a plataforma levantada suscita uma
uarmários" abertos formam uma moldura que pode imagem particular, e, já que permite diversas
preenchida de acordo com as necessidades específicas interpretações, pode exercer uma variedade de papéis,
desejos de cada grupo. mas, inversamente, as próprias crianças são estimuladas a
oonto central do saguão da escola é o pódio de tijolos, assumir maior variedade de papéis no espaço. As crianças
é usado tanto para assembléias formais quanto para costumam usá-la para sentar-se ou para colocar os
iões espontâneas. À primeira vista, poderia parecer materiais durante as aulas de trabalhos manuais, lições de
o potencial do espaço seria maior se o bloco pudesse música e todas as outras atividades que ocorrem no saguão
removido de vez em quando e, como era de esperar, da escola. Incidentalmente, a plataforma pode ser ampliada 395 396 397
foi, de fato, um tema para longas discussões. Éa em todas as direções com um conjunto de seções de
anência, a imobilidade e o "estar no meio do madeira, que podem ser retirados do interior do bloco para 399
nho", que constituem a questão central, pois, na se transformarem num palco de verdade para espetáculos 398 400
de, é essa presença inescapável como ponto focal que de dança e apresentações musicais. As próprias crianças

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 153


podem montar as várias partes e depois ..,,,......:.--..i
novo, sem ajuda do professor. Durante o i
lanche, as crianças podem brincar nele e er-
se reunir para olhar juntas as ilustrações de·-
enquanto sobra bastante espaço a seu red
uma ilha em meio a um mar de assoalho b · -
O piso no saguão do jardim-de-infância te
quadrada no meio, que é preenchida por bloc-
madeira soltos. Eles podem ser tirados e co
torno do quadrado para formar um arran jo ;
Os blocos são construídos como bancos bai.x :
ser facilmente movidos pelas crianças por tooo :
podem ser empilhados para formar uma torre -~
também os usam para fazer trens. Sob vários ·
quadrado é o oposto da plataforma de tijolos-:
saguão. Assim como o bloco desperta imagens =
associações ligadas ao ato de escalar uma e
ter um panorama melhor, o buraco quadrado -
401 402 sensação de reclusão, de refúgio, e desperta
403 com o ato de descer um vale. Se o bloco-pia _
404 405 ilha no mar, o buraco quadrado é um lago, qv:::
406 407 408 crianças, ao lhe acrescentarem um trampolim
transformaram em piscina.
O espaço que fica atrás do edifício da escola e
dividido numa série de espaços oblongos sepa
muros baixos. As faixas entre os muros parole •
principal objetivo servir para jardins e tanques --
mas também podem ser usados para outros ob"
cada compartimento separado, essa área mur -

154 LIÇÕES DE ARQUITETURA


O material usado nos muros baixos que marcam a 409 410 411

separação de compartimentos consiste em blocos 412 414

perfurados de construção, que, por sua vez, fornecem 413

aberturas ou compartimentos menores que podem ser


usados de várias maneiras. Alguns, por exemplo, se 415 416 417
transformam em vasos de plantas cercando um pequeno
jardim, enquanto outros se convertem em recipientes num
:iode ser vista como uma moldura, suscetível de ser balcão para a venda de "sorvetes". Ou então podem se
ida em situações diferentes. Este ordenamento colocar bastões nos buracos - e aí temos o começo de uma
i um quadro fixo de referência, para iniciativas tenda ... Em suma, o formato das perfurações oferece
uais e coletivas. oportunidades infinitas de uso informal.

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 155


Árvores vão bem com feiras e tornam a
desolada nos dias em que não há feira.
estacionamento sob a praça, construíra- -
tijolos que contivessem a quantidade ·-
necessário para que as árvores crescessa-
dessas caixas e as distâncias entre elas
com base nas barracas da feira, de
pudessem servir como pontos fixos pare -
fileiras de barracas com espaço suficier:
de cada fileira .
Os feirantes que foram alocados ou q
nos espaços perto dessas caixas para cs -
usá-las como um mostruário extra, in
resultado, as caixas adquirem com frec:·
aparência exótica, que, de certo modo _
de Bali.
A construção das caixas para as árvo~
oportunidade para instalar na mesma ~- _ -
elétricos necessários à feira e à ilumi : -
As caixas foram projetadas para pro er
nos dias em que não há feira - o pri - :
múltiplos, que, do nosso ponto de viste
presente em tudo que se faz no ambºe-r.:"=

418
PRAÇA VREDENBURG [418-422)
Quando se decidiu reorganizar o espaço da praça
419 421 Vredenburg, em Utrecht, para alojar a feira
420 422 tradicionalmente realizada ali, foi proposto o plantio de
árvores.

156 llÇÕES DE ARQUITETU RA


pios citados anteriormente centraram-se na
- de componentes que funcionam
riamente em certas "situações de uso", após
revertem a seu estado original, para voltar a
orna nova metamorfose, quando surgir a
· ade. Poderíamos dizer que a relação entre
mracterísticas e os usuários é temporária, já que
·ação pelos usuários é também temporária e
1. Num contexto de áreas que exigem
s, poderíamos dar um passo à frente e deixar
série de componentes inacabados, para oferecer
· rios a oportunidade de completá-los da
mais adequada às suas necessidades e
• cias particulares.

DIAGOON (423·445) provisória que deve ser preenchida. O esqueleto é um


subjacente aos esqueletos de casas, das quais oito meio-produto, que todos podem completar de acordo com
s foram construídos em Delft, é que, em princípio, suas necessidades e desejos.
- inacabadas. O plano é, em certa medida, A casa consiste basicamente em dois núcleos fixos, com
ºnitivo, para que os próprios moradores possam vários níveis separados que constituem as unidades da
como di~idir seu espaço - onde querem dormir, moradia e podem abrigar várias funções: morar, dormir,
~ erern comer, etc. Quando as circunstâncias estudar, brincar, relaxar, jantar, etc. Em cada unidade, i.e.,
es mudam, a habitação pode ser adaptada para em cada nível, uma seção pode ser separada para m 425
er às novas necessidades, e até mesmo ser constituir um quarto, a área restante formando uma galeria
a. O projeto real deve ser visto como uma moldura interna que atravessa toda a sala de estar (vazio). Estas
'galerias', que podem ser mobiliadas de acordo com os
gostos dos membros da família, constituem a área de
--1l convivência da família como comunidade de pessoas. Não
há nenhuma divisão estrita entre as áreas de estar e de
--C dormir (corno, por exemplo, a imposição de 'subir a
escada') . Cada membro da família tem sua própria parte
da casa - a ampla sala de estar comunitária." [4]

li

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 157


mo que as pessoas construíssem suas próprias
s não conseguiriam escapar disso. Mas, pelo
os, todo mundo deveria ter a liberdade de dar sua
retação pessoal ao padrão coleti'to." [4]

tensidade com que uma pessoa irá se relacionar com


"nho depende em grande parte do tipo de fronteira
existe entre os jardins. Uma cerca é essencialmente um
de obter o máximo de isolamento. A ausência de
uer fronteira implica, por outro lado, ser visto
ntemente pelo vizinho, sem que um possa evitar o
... Ao fornecer simplesmente os rudimentos de uma
_-o entre as propriedades adjacentes, como um convite
• que cada um reaja como desejar, cria-se um incentivo
_ ·mam·se as medidas que cada um gostaria de tomar,
.. ue, de outra maneira, hesitaria em tomar por conta
a.
oequena base de blocos perfurados fornece a
ão para um muro de tijolos, mas pode servir também
suporte para uma cerca de madeira." [4]

aço levantado nos fundos cria possibilidades para


erpretação pessoal. Em primeiro lugar, a escada,
- ava restrita ao mínimo absoluto durante a
:,ção, pode ser substituída por arranjos alternativos
:: acesso ao jardim. 430

segundo lugar, há o espaço aberto sob o pequeno 431

~ deixado aberto deliberadamente, apesar da


;:; costumeira de fechar essas áreas - uma decisão 432 433

arquitetos tendem a aceitar para evitar confusão e


• m, sem perceber as vantagens potenciais de um
espaço abrigado adicional. Por fim, esse pequeno condição de uma demarcação sumária entre as duas áreas.
limitado por muros dos três lados, é altamente Grades e barras são um convite para que se pendurem e
o para uma extensão lateral da sala de estar. amarrem coisas leves, materiais temporários como lonas ou
aços adjacentes nos telhados um em frente ao outro esteiras. Mais uma vez, encontramos aqui a base de blocos
seoarados, nesse caso, por uma barra de metal, na perfurados, que podem ser usados como vasos de plantas." [4]

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 159


434 438
O desafio oferecido por esses terraços •
435
telhado produziu uma grande divers·
436
morador usou-o para construir uma es,--_-:
437 439
afinal, num telhado armado convenc· --
ocorrera ao arquiteto. A estrutura foi --
alguns anos para dar espaço a um q
mas o importante aqui não é a enger-:
construção, mas o fato de alterações ::.ec
escala serem realmente factíveis.
Na frente, perto da entrada, um peo~=--
sugerido arquitetonicamente pela pres=

160 llÇÕES DE ARQUITETURA


vertical de concreto. Como a viga serve para sustentar o
terraço em cima e como o espaço que fica atrás da viga é
aberto, não há de fato um pórtico coberto, embora fosse
muito fácil construí-lo, instalando, por exemplo, um telhado
de vidro. E, dependendo das necessidades e gostos
individuais do morador ou moradora, e do que a situação
440 441
sugerir à sua imaginação, o espaço também pode até ser
442
fechado completamente para abrigar a bicicleta, mas
443
também pode ser usado para criar uma extensão (ainda
que bem pequena) para o ha/1 de entrada.
Vista da sala de estar acima, a viga de concreto marca um
espaço que pode, em princípio, ser transformado em uma
sala de estar ao ar livre com acesso pela "janela" - com
localização e proporções deliberadamente escolhidas para
que, dependendo da interpretação pessoal, possa ser usada
quer como uma janela grande, quer como uma porta
pequena. As garagens não foram oferecidas formalmente
pela planta, embora isto não seja incomum nesse tipo de
casa. Mas o espaço deixado para o carro no nível da
rua pode ser usado para este fim, e as portas da garagem
podem ser facilmente instaladas - contudo, esse espaço pode
também ser usado para criar um quarto extra: um
escritório, estúdio ou oficina, diretamente acessível pelo
lado de fora, se for necessário. De qualquer modo, muitas
pessoas deixam seu carro do lado de fora e muitas dão
mais importância ao luxo de um quarto extra do que a
prolongar a vida de seu carro por alguns anos.
"As janelas podem ser projetadas como uma moldura, que
pode ser preenchida, de acordo com a escolha dos
moradores, por janelas ou painéis fechados. A moldura em
si é um fator constante e representa, pode-se dizer, o
contexto e a ordem dentro dos quais a liberdade de cada
indivíduo e todas as liberdades reunidas podem ser
tomadas como parte integral do todo. A moldura é
projetada para acomodar todos os preenchimentos

CRI AN DO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 161


reconhecimento ou identificação das imagens
armazenadas pela experiência, é da maior
importância que tudo que seja oferecido posse
despertar o maior número possível de assoei -
Quanto mais associações puderem ser feitas,
será a capacidade do indivíduo para respon
- isto é, maior será a chance de que as ass
provocadas adquiram uma relevância espec
o usuário numa determinada situação. Cada
portanto, em vez de ser neutra, deveria conter
variedade possível de proposições, que, sem ·
qualquer direção específica, sejam capazes de
despertar constantemente associações. É um
incitamento para motivar e estimular o home
adaptar seu ambiente a suas necessidades e
dele. Por esse motivo, devemos confrontá-lo e
estímulos que irão permitir interpretações e u
se adequem melhor a seus propósitos.
Estes estímulos devem ser elaborados para d
possíveis dentro do limite de certas regras, no sentido de imagens na mente das pessoas, imagens que,
que a soma de todos os preenchimentos sempre formará um serem projetadas no mundo da experiência,
todo coerente." [4] em associações que encorajem o uso individu
o uso mais adequado para a sua situação nu
"De tudo quanto foi dito, poderíamos concluir que só momento.
444 nos resta projetar cápsulas nuas, tão antienfáticas e O ponto focal em toda esta história, e os exe
neutras quanto possível, para permitir aos moradores aqui citados pretendem enfatizá-lo, é que as
o máximo de liberdade para realizar seus desejos em sua dependência de si mesmas e dos outros
específicos. Por mais que pareça paradoxal, é as restrições fundamentais que isto impõe, são
altamente questionável se um tal grau de liberdade incapazes, sem ajuda externa, de libertar-se
não irá resultar numa espécie de paralisia, pois, sistemas de significação e dos sistemas subja
embora se apresentem muitas possibilidades, é valores e avaliações que as limitam. A liberda
extremamente difícil escolher a que será melhor para guarda um grande potencial para muitos, mas
nós. É como estes cardápios fartos que oferecem uma haver uma centelha para que o engenho comea
tal variedade de pratos que o apetite, em vez de funcionar.
aumentar, diminui. Quando há muitas possibilidades Vamos tomar, por exemplo, um espaço escuro
de escolha, torna·se virtualmente impossível chegar a nicho - para a maioria das pessoas, ele vai su
uma decisão, quanto mais à melhor delas - o excesso canto isolado e seguro, mas para cada indivíd
pode ser tão ruim quanto a extrema limitação. terá um significado diferente, uma relevância
Não apenas é um pré-requisito para cada escolha suas circunstâncias particulares: pode ser apen
que a gama de possibilidades possa ser apreendida canto retirado para relaxar, para estudar
(e que, portanto, seja limitada), mas é necessário tranqüilamente, para dormir, para usar como
também que quem vai fazer a escolha possa visualizar câmara escura ou apenas para armazenar co
as possibilidades uma a uma segundo seu próprio pertences privados.
modo de pensar. Ele deve ser capaz de concebê-las de Para que uma casa tenha a capacidade de des
acordo com sua própria experiência. Em outras todos esses tipos de associação e ser capaz de
palavras, elas devem provocar associação, para que abrigá-los, deve ter em alguma parte um canto
ele possa compará-las mentalmente com proposições isolado - e, do mesmo modo, pequenos quartos
das quais já tinha consciência ou que possam surgir de sótãos, porões, e janelas sob beirais induzem
sua experiência subconsciente. Ao comparar a imagem tipos de associações. Quanto mais rica for a v
despertada pelo novo estímulo com as imagens já oferecida, maior será a capacidade da casa
coletadas por experiências prévias, seu potencial pode corresponder aos mais ricos e variados desejos
ser avaliado e, conseqüentemente, tornar-se uma moradores.
extensão de seu mundo familiar, de sua personalidade. A severidade e a pobreza da maior parte das
Assim, se o mecanismo de seleção necessita de moradias torna-se evidente neste aspecto,

162 LIÇÕES DE ARQUITETURA


445

stando tristemente com o que uma velha casa


a oferecer - possivelmente burlando os
mentas de construção. Basta pensar nas infinitas
· ilidades de reformar e mobiliar oferecidas pelas
antigas. Mesmo que, como ocorre num edifício
, sejam baseadas em estereótipos, ainda têm
mais a oferecer por causa da maior riqueza de
ulos para novas associações, o que possibilita
seus moradores realmente se apropriem do
o." [4]

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 163


qualquer outra habilidade, é o único meio de se
9 INCENTIVOS chegar aos fatos verdadeiramente básicos: o
por trás do programa (de construção).
Como processaremos todos esses fatos, que res
num projeto capaz de induzir os usuários a
associações, é uma outra história. Mas alguns
O projeto ajustado para oferecer o máximo de aspectos mais concretos deste processo, que di
"incentivo" reclama uma abordagem nova e diferente respeito à "anatomia" de uma construção, pod
por parte do arquiteto. É necessária uma mudança no ajudar a explicar direta ou indiretamente a qu
foco de atenção: o arquiteto deve transferir sua de "indução" ou de "incentivo" das característi
concentração habitual do programa de construção, que arquitetônicas dos exemplos do capítulo anteri
em geral reflete apenas uma interpretação coletiva,
para a situação múltipla, individual ou coletiva, que se Sem dúvida, nos casos em que deliberadamente
manifesta no cotidiano de tudo aquilo que construímos. deixamos algo inacabado porque esperamos que
Para trazer este variado sortimento de dados até a usuários sejam capazes de completá-lo melhor
superfície, o arquiteto só tem um recurso à disposição: nós, a forma básica empregada deve, no âmbito
a imaginação. Ele deve usar ao máximo sua técnico e prático, prestar-se a tal objetivo.
imaginação para ser capaz de identificar-se com os Do ponto de vista anatômico, todas as partes
usuários e, assim, compreender como seu projeto incompletas não devem ser apenas receptivas à
chegará até eles e o que eles esperam. Esta adaptação e à adição, devem também, em certa
capacidade imaginativa específica, que pode ser vista medida, ser projetadas para acomodar várias
como parte indispensável da competência normal do soluções, e devem, acima de tudo, pedir que sej
arquiteto e que, como tal, deveria ser adquirida como completadas, por assim dizer. As partes que não -

Casa para a
Exposição de
Construção de Berlim
/ Mies van der Rohe

explicitamente auto-suficientes, mas, ao contrário,


existem em relação com outros componentes, deve
ser formadas de tal modo que possam ser reunidas
combinadas, em outras palavras, que induzam o
usuário a empreender essa ação. No sentido mais
446 literal, também, o produto semi-acabado deve consi
447 numa indução, e isto é algo que só pode ser realizo
quando já se começa com esta idéia.
Os princípios mais elementares, como, por exemplo,
que é mais fácil fazer um acréscimo em um plano retc
do que em um plano curvo ou inclinado,
• desempe_nham aqui um papel fundamental,
especialmente quando é razoável presumir que não
haverá nenhum arquiteto por perto para ajudar

"Plan libre" /
Le Corbusier
J •
quando chegar a hora de tomar a decisão.

164 li ÇÕ ES DE ARQUITETURA
05

que

COLUNAS
Para levantar paredes ou divisórias, as colunas retangulares
não são necessariamente melhores como ponto de partida,
mas sem dúvida são mais fáceis para trabalhar do que as
cilíndricas. Éimportante ter isto em mente, sobretudo nos
casos em que as colunas constituem as pedras angulares da
organização do espaço. Pois, na verdade, esse é quase
sempre o caso - exceto no antigo plan libre, onde colunas
livres definem seu próprio espaço sem levar em conta as
paredes divisórias. As colunas no edifício de escritórios
Centraal Beheer, assim como no De Drie Hoven, receberam
um perfil com capacidade máxima para acomodar paredes
adjacentes e divisórias baixas. Suas proporções também
foram ajustadas para tais objetivos. No Centro Musical (que
pode ser caracterizado como uma seqüência de amplos
espaços que se misturaram com um número relativamente
pequeno de divisórias), as colunas são cilíndricas (448, 449).
Colunas livres e cilíndricas, num espaço amplo em que se
juntam muitas pessoas, funcionam de modo mais
satisfatório para multidões, pois não ficam no meio do
caminho. Nas escolas Apollo, colunas retangulares foram
usadas nas junções de paredes, enquanto as quatro colunas
ou
livres do ha/1 são cilíndricas (450). Elas se erguem,
indiferentes, no meio de toda a agitação, onde podem ser
lidas como intersecções da construção espacial.
1stir 448 449
do 450
Não só a forma como também a dimensão das partes
componentes e, naturalmente, a dimensão dos espaços
entre as diversas partes determinam sua capacidade
•to
de acomodação, que, por sua vez, tem forte influência
sobre a gama de possibilidades quanto à disposição
da mobília. Como conseqüência, muitas vezes·é melhor
fazer uma coluna um pouco maior do que o
estritamente necessário, se isto produzir uma
"superfície de ligação" maior e, portanto, com mais
possibilidades de utilização.

CRIANDO ESPAÇO , DE IXANDO ESPAÇO 165


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quarto como um todo (será que a cama cabe no ni -
grande demais?).
Nas moradias-esqueleto, que são "condicionadas'
quanto possível para acomodar acréscimos e altero -
pilares dos dois lados do pavimento que poderia se·
designado como espaço de garagem tiveram sua pos
relativa determinada para oferecer múltiplas soluçrei
potenciais na forma de fachadas ou portas da gar ~
Uma solução menos óbvia foi escolhida aqui com o·
aumentar a gama de possibilidades. Um "ponto de
desse tipo apresenta um problema, para o qual ca
usuário encontra a solução mais adequada a seus o~

Moradias Diagoon PILASTRAS Se você tiver bom olho para essas coisas, perce
Além das colunas, as pilastras, que ocorrem em todas as em toda a parte exemplos de casas com alteroç-
construções em várias formas , podem servir a vários acréscimos, feitos ao longo do tempo pelos pró
objetivos, dependendo de onde estejam localizadas e do moradores, provavelmente sem autorização das
espaço que deixam aberto. Tomemos, por exemplo, uma autoridades ou dos proprietários, e, em geral, m
lareira, do tipo que interrompe uma das longas paredes em bem sucedidos.
.\51 .\52 tantas casas antigas, e que não se pode ignorar ao É provável que tais acréscimos tenham sido feitos
mobiliar o quarto: na verdade, a pilastra marca o espaço e lugares que ofereciam incentivos nesse sentido,
.\55 fornece um ponto de partida, já que o espaço dos dois como varandas que "pediam" para ser cobertas, e
.\53 .\54 lados afeta fortemente as possibilidades e limitações do particulamente em galerias, que podiam ser faci
fechadas.

De Drie Hoven,
Lar para Idosos

Centraal Beheer,
Edifício de Escritórios

166 ll ÇÕES DE AR QUITETURA


Hufeisensiedlung,
Berlim·Britz, 1925·21 /
B. Taut

456 457 458

459 460

MORADIAS, BERLIM 1925-27 / B. TAUT (456·460)


Não parece provável que as características que encorajam
este tipo de acréscimo ou alteração tenham sido
deliberadamente incluídas pelo arquiteto, embora nos
sintamos inclinados a pensar que sim no caso do conjunto
de moradias de Bruno Taut em Berlim - que de fato parece
ter sido projetado para acomodar todas as alterações que
os moradores fizeram desde que as casas foram
construídas.
Bruno Taut, na fase inicial da construção de moradias de
massa anônimas, foi sem dúvida um dos primeiros

arquitetos a ficar do lado dos usuários. Só muito tempo


depois, quando viemos a conhecer os efeitos opressivos das
fileiras intermináveis de moradias idênticas, é que
começaram a surgir propostas para que se fizesse alguma
coisa, no sentido de um princípio arquitetônico, a respeito
deste anonimato destruidor do espírito.

CRIANDO ESPAÇO , DEIXANDO ESPAÇO 167


BLOCOS PERFURADOS PARA CONSTRUÇÃO
Este tipo de incentivo é inerente aos blocos de c
perfurados, que representam um exemplo básico s
mesmo tempo, extremo de reciprocidade de form
Os buracos nesses blocos literalmente exigem um
preenchimento (pelo menos quando os blocos têrr.
cavidades de um só lado - de outro modo eles se -
janelas).
Nas situações em que os blocos perfurados foram
De Drie Hoven, aplicados, como nas varandas do lar para idosos - _
lar para Idosos Hoven, nos apartamentos no plano para moradias
Haarlemmer Houttuinen em Amsterdam ou no pro·::i-:
moradias em Kassel, eles foram logo colocados err
na maior parte das vezes como vasos de plantas. :
que, de qualquer modo, as pessoas que queriam
jardineiras teriam facilmente encontrado outras s _ -
para acomodar suas plantas. Mas, como esses bloc_
parecem inacabados e pedem, por assim dizer, po: _
461
usados, eles constituem um incentivo para que se
462 alguma coisa com eles.
463 464

Escola Monfessori, De/ft


derem - um instrumento deve ser tocado. Dentro
10 A FORMA COMO limites do instrumento, cabe ao instrumentista e
dele o que puder, segundo os limites de sua pró
INSTRUMENTO capacidade. Desta maneira o instrumento e o
instrumentista revelam suas respectivas capacida
um para o outro, complementando-se e realizan
"Quanto mais influência pudermos exercer mutuamente. A forma tomada como um instrume
pessoalmente sobre as coisas à nossa volta, mais nos oferece a ocasião para que cada pessoa faça o
sentiremos emocionalmente envolvidos com elas, mais mais deseja e, acima de tudo, para que o faça à
atenção daremos a elas e mais inclinados estaremos a própria maneira." [4)
tratá-las com cuidado e amor.
Só podemos desenvolver afeição pelas coisas com as O texto a seguir, de 1966, originalmente publica
quais nos identificamos - coisas sobre as quais Forum 7-1967 com o título de "Identidade", pode
podemos projetar nossa própria identidade e nas servir como um resumo:
quais podemos investir tanto cuidado e dedicação que "No projeto de cada edifício, o arquiteto deve
elas se tornam parte de nós mesmos, absorvidas pelo constantemente ter em mente que os usuários dev
nosso próprio mundo pessoal. Todo esse cuidado e ter a liberdade de decidir por si mesmos como qu
dedicação faz com que o objeto pareça precisar de usar cada parte, cada espaço. Sua interpretação
nós, não apenas no sentido de que podemos decidir pessoal é infinitamente mais importante do que a
em grande parte o que acontece a ele, mas também no abordagem estereotipada do arquiteto ao aderir de
sentido de que o objeto passa a ter um lugar na nossa modo estrito a seu programa de construção.
vida; esse tipo de relacionamento também pode, A combinação de funções que juntas constituem o
evidentemente, ser considerado como um processo de programa é ajustada a um padrão estabelecido de
apropriação mútua. Quanto mais uma pessoa está vida - uma espécie de maior fator comum, mais ou
envolvida com a forma e o conteúdo de seu ambiente, menos adequado a todos - e, como resultado
mais esse ambiente será apropriado por ela e, assim inevitável, que todos se vêem forçados a se ajustar e
como toma posse de seu ambiente, o ambiente se imagem que se espera que projetemos, segundo a
apossa dela. se espera que devemos agir, comer, dormir, entrar
À luz desta apropriação recíproca de pessoas e coisas, nossas casas - uma imagem, em suma, a que cada
é justo afirmar que os incentivos oferecidos por nós, de nós se assemelha apenas vagamente, e que, por
na qualidade de arquitetos, representam um convite esse motivo, é totalmente inadequada.
para que os moradores os completem e lhes dêem um Em outras palavras, não é de modo nenhum difícil
"colorido", ao mesmo tempo em que, por outro lado, criar um arquitetura lúcida quando as exigências que
as pessoas também convidam as coisas para que ela em princípio deve enfrentar forem suficientemente
completem, dêem colorido e preencham sua própria não-explícitas!
existência. São as discrepâncias que nascem da necessidade
O usuário e a forma se reforçam mutuamente e individual de cada um de interpretar uma função
interagem - e tal relacionamento é análogo ao que específica, dependendo das circunstâncias e do lugar,
existe entre indivíduo e comunidade. Os usuários se à sua maneira, que acabam fornecendo a cada um de
projetam na forma, assim como os indivíduos se nós uma identidade própria, e, já que é impossível
revelam em seus diversos relacionamentos com os (como sempre foi) adequar todos às mesmas
outros, como interatuantes, deste modo tornando-se o circunstâncias, devemos criar esse potencial para a
que são. interpretação pessoal, projetando as coisas de tal
A forma dirigida a um fim determinado funciona como maneira que elas possam ser efetivamente
um aparato, e onde forma e programa se solicitam interpretadas.
mutuamente o próprio aparato se torna um Não basta apenas deixar espaço para a interpretação
instrumento. Um aparato funcionando adequadamente pessoal, ou seja, deixar de projetar em um estágio
faz o trabalho para o qual está programado, o que é inicial. Isto com certeza resultaria num maior grau de
esperado dele - nem mais, nem menos. Ao apertar os flexibilidade, mas a flexibilidade não contribui
botões certos, os resultados esperados são obtidos, o necessariamente para um melhor funcionamento das
mesmo para todos, sempre o mesmo. coisas (pois a flexibilidade não pode jamais produzir
os melhores resultados imagináveis para uma
Um instrumento (musical) contém essencialmente tantas determinada situação). Enquanto não houver uma real
possibilidades de uso quantos forem os usos que lhe expansão das escolhas oferecidas para as pessoas, o

170 llÇÕES DE ARQUITETURA


rão estereotipado não desaparecerá, e esta
nsão só pode ser alcançada se começarmos por
ar possível que todas as coisas à nossa volta
mpenhem papéis variados, i.e., que assumam
es variadas e também permaneçam fiéis a si
smas. Só quando todos esses diversos papéis forem
ados em consideração ao receberem prioridade no
'gio do projeto, i.e., ao serem incluídos como
pectos importantes no programa de requisitos, só
tão podemos esperar que cada indivíduo seja
uzido a formar sua própria interpretação dos
pectos em questão. Os diversos papéis, ao
eberem prioridade na forma de provocação, serão
sugeridos em vez de ser explicitados. Dentro da
ldura de condicionamento que a forma recebeu, o
suário ganha a liberdade de escolher para si mesmo
padrão que considera mais adequado, de selecionar
seu próprio cardápio, por assim dizer; ele pode ser
ais fiel a si mesmo, sua identidade é enriquecida.
Cada lugar, cada componente, terá de ser
armonizado ao programa em sua totalidade, i.e., a
todos os programas esperados. Se condicionamos a
forma para que ela acomode uma diversidade máxima
de uso, então podem ser extraídas infinitamente mais
possibilidades da totalidade, sem que isto signifique
distanciar-se do sentido básico do projeto.
Os 'retornos' podem ser incrementados pelas
possibilidades de uso que estão embutidas no projeto
como intenções sob a superfície." [3a]

Paris, Pare des Suites Chaumont

466

CRIANDO ESPAÇO, DEIXANDO ESPAÇO 171


C FORMA CONVIDATIVA

Quando examinamos um dos muitos livros sobre arquitetura


que estão sendo publicados ho;e em dia e vemos todas
aquelas fotografias brilhantes, tiradas, sem exceção, em
perfeitas condições de tempo, não podemos deixar de nos
perguntar o que se passa na mente dos arquitetos, como
eles vêem o mundo; às vezes chego a pensar que eles têm
uma profissão diferente da minha! Pois a arquitetura não
pode ser outra coisa senão o interesse pela vida cotidiana,
tal como vivida por todas as pessoas; é como o vestuário,
que não deve apenas nos vestir, mas a;ustar-se bem a nós.
E, se é moda hoje em dia preocupar-se com as aparências
exteriores, ainda que habilmente investidas de referências a
coisas superiores, então a arquitetura foi degradada a um
tipo inferior de escultura. O essencial é que, seja lá o que
se faça, onde quer que se organize o espaço e de que
maneira, ele terá inevitavelmente certo grau de influência
sobre a situação das pessoas. A arquitetura, na verdade,
tudo aquilo que se constrói, não pode deixar de
desempenhar algum tipo de papel nas vidas das pessoas
que a usam, e a principal tarefa do arquiteto, quer ele
goste, quer não, é cuidar para que tudo o que faz se;a
adequado a todas estas situações. Não é apenas uma
questão de eficácia no sentido de ser prático ou não, mas
de verificar se o projeto está corretamente afinado com as
relações normais entre as pessoas e se ele afirma a
igualdade de todas as pessoas. A questão de saber se a
arquitetura tem uma função social é totalmente irrelevante,
pelo simples motivo de não existirem soluções socialmente
indiferentes; em outras palavras, toda intervenção nos
ambientes das pessoas, seja qual for o objetivo específico
do arquiteto, tem uma implicação social. Assim, na
verdade, não somos livres para ir em frente e projetar
exatamente o que nos agrada - tudo o que fazemos traz
conseqüências para as pessoas e para seus relacionamentos .
.i Um arquiteto não pode fazer muita coisa, o que torna
•I
ainda mais importante não desperdiçar as poucas
oportunidades existentes. Se você acha que não pode
melhorar o mundo com seu trabalho, pelo menos não o
piore. A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer
coisas belas - nem em fazer coisas úteis, mas em fazer
ambas ao mesmo tempo - como um alfaiate que faz roupas
bonitas e que servem. E, se possível, roupas que todos
possam usar, não apenas o Imperador.
Tudo o que projetamos deve ser adequado a cada situação
que surja; em outras palavras, não deve ser apenas
confortável mas também estimulante - e é esta adequação
fundamental e ativa que eu gostaria de designar como
"forma convidativa": a forma que possui mais afinidade
com as pessoas.

174 LIÇÕES DE ARQUITETURA


O Espaço Habitável entre as Coisas 176 4 Visão li 216
Calçada Levantada, Buenos Aires Fábrica Van Nelle, Rotterdam / M. Brinkman, L. C. van
jamento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam der Vlugt
..:i Capelle, França Casa Rietveld-Schrõder, Utrecht / G. Rietveld
: rte de Justiça, Chandigarh, Índia / Le Corbusier De Overloop, Lar para Idosos, Almere
~ entro Musical Vredenburg, Utrecht De Evenaar, Escola, Amsterdam
Je Evenaar, Escola, Amsterdam
Escolas Apollo, Amsterdam 5 Visão Ili 226
:: aço de São Pedro, Roma Pavilhão da Exposição Mundial, Paris / F. le Play
Cinema Cineac, Amsterdam / J. Duiker
Lugar e Articulação 790 Centro Musical Vredenburg, Utrecht
)imensões Corretas Villa Savoye, Poissy, França / Le Corbusier
oradias Haarlemmer Houttuinen, Amsterdam Passagem Subterrânea para Pedestres, Genebra, Suíça /
Os Comedores de Batata" / Vincent van Gogh G. Descombes
::>e Drie Hoven, Lar para Idosos, Amsterdam Capela, Ronchamp, França / Le Corbusier
Escola Montessori, Delft Alhambra, Granada, Espanha
Edifício de Escritórios Centraal Beheer, Apeldoorn Mesquita, Córdoba, Espanha
eforma de Residência, Amsterdam Residência Particular, Bruxelas / V. Horta
São Pedro, Roma Maison de Verre, Paris / P. Chareau, B. Bijvoet
Centro Musical Vredenburg, Utrecht e L. Dalbet
Residência Van Eetvelde, Bruxelas / V. Horta
Visão 1 202 Castel Béranger, Paris / H. Guimard
Escola Montessori, Delft Escolas Apollo, Amsterdam
Alojamento para Estudantes Weesperstraat, Amsterdam Biblioteca Ste. Genevieve, Paris / H. Labrouste
Pavillon Suisse, Paris / Le Corbusier
Sacadas 6 Equivalência 246
Pavillon de l'Esprit Nouveau, Paris / Le Corbusier Escola ao Ar Livre, Amsterdam / J. Duiker
Moradias Documenta Urbana, Kassel De Overloop, Lar para Idosos, Almere
Moradias LiMa, Berlim Villa Rotonda, Vicenza, Itália / A. Palladio
Escola Thau, Barcelona / Martorell, Bohigas & Mackay Hierarquia
Centro Musical Vredenburg, Utrecht Mesquita, Córdoba, Espanha
De Overloop, Lar para Idosos, Almere São Pedro, Roma
Parque Guell, Barcelona / A. Gaudí, J. M. Jujol Pintores Holandeses
Sociologia do Sentar Le Corbusier, Formal e Informal
Escolas Apollo, Amsterdam Edifício do Parlamento, Chandigarh, Índia / Le Corbusier
Reservatório de Água, Surkej, Índia

FORMA CONVIDA TIVA 175


funcione. É o tipo de funcionalismo sobre o qu
1 O ESPACO
'
HABITÁVEL funcionalistas falavam, mas é também o mínimo
utilidade que se pode esperar da arquitetura. E,
ENTRE AS COISAS realizar mais do que este mínimo na diversidade
situações que surgem, estou reivindicando forma e
espaço com maior potencial de "acomodação",
Ao abordar o objeto projetado mais como um como um instrumento musical que soa da man ·
instrumento do que como um aparato, como fizemos como o instrumentista quer que ele soe. O im
na seção anterior desses estudos (parte B), já é incrementar esse "potencial de acomodação" e
estávamos na verdade advogando o que equivale a dessa maneira, tornar o espaço mais receptivo a
maior eficiência. Ao discutir exemplos da capacidade diferentes situações. Quando se começa a proc
da forma para desempenhar diversos papéis sob encontramos facilmente, até mesmo nos lugares
circunstâncias mutáveis, não apenas pela criação das inesperados, exemplos de uso que os projetistas
condições necessárias mas também pelo incentivo real certamente jamais imaginaram.
ao uso diferenciado, esta seção tratará de estender tal As pessoas usam seu ambiente em cada situação
idéia a um princípio geral. Pois o que precisamos é de melhor forma que podem, e freqüentemente as
uma expansão das possibilidades de todas as coisas à sua volta, sem intencionalidade, oferecem
que projetamos, para torná-las mais úteis, mais oportunidades inesperadas que são apreendidas
467 aplicáveis e, portanto, mais adequadas a seus passagem", por assim dizer.
objetivos, ou adequadas a mais objetivos.
Se uma coisa é adaptada muito especificamente para
certo objetivo, funciona da maneira como foi
programada para funcionar, i.e., como se espera que
•'Irregularidades', tais como diferenças de nível,
ocorrem em toda a parte, e, em vez de nos
esforçarmos em minimizá-las, deveríamos, ao
contrário, nos concentrarmos em articulá-las tão
conscientemente que possam ser exploradas ao
máximo. Parapeitos, balaustradas, pilares e canaletas
são formas de articulação e representam maiores
possibilidades de conexão. Podem ser usados como
elementos primitivos daquilo que poderíamos chamar a
gramática básica da arquitetura. E ao aparecerem,
como de fato aparecem, em formas e tamanhos
diferentes constituem um estímulo constante para o uso
na vida cotidiana.

A providência mais elementar para capacitar as


pessoas a se apossarem de seu ambiente imediato é
provavelmente o assento (sentar-se tem tudo a ver,
lingüisticamente, com assentamento). Um lugar para
sentar oferece uma oportunidade de apropriação
temporária, ao mesmo tempo em que cria as sucessivamente posições mais permanentes, sempre de
circunstâncias para o contato com outros. Não só um acordo com o comprometimento ou não-
sofá ou uma cadeira comuns seriam incapazes de um comprometimento que cada um deseja." [4]
uso assim tão casual e variado, como também
falhariam em estimular tal uso. Objetos que se (ALÇADA LEVANTADA, BUENOS AIRES (468)
apresentam explícita e exclusivamente para um "Quando a calçada é tão alta que podemos nos sentar ou 468
objetivo específico - por exemplo, para sentar-se - nos encostar nela, em ruas com declive, por exemplo, o
parecem ser inadequados para outros objetivos. lugar, se estiver situado favoravelmente (como numa 469
A extrema funcionalidade de um projeto torna-o rígido esquina), pode tornar·se um lugar onde as pessoas se
e inflexível, isto é, oferece ao usuário do objeto encontram e descansam . Éonde jovens jogadores de
projetado muito pouca liberdade para interpretar sua futebol acham seu público, e um lugar que qualquer
função de acordo com sua vontade. É como se já vendedor de rua que deseje chamar a atenção dos
estivesse decidido a priori o que se espera do usuário, transeuntes quer usar: um lugar visível, mas com a
o que ele pode e o que ele não pode fazer. O usuário vantagem natural de oferecer alguma proteção para as
é, deste modo, subserviente à forma e à concomitante mercadorias expostas." [4]
'aceitação' dada a priori; ele só pode usar o objeto,
apropriar-se dele temporariamente, quando o que
deseja fazer com ele corresponde ao que a forma está
ditando.
O que é ditado por um sofá pode ser considerado a
síntese do que os responsáveis por sua existência têm
a oferecer: os fabricantes de mobília, os compradores,
uma ideologia, uma sociedade, uma cultura.
O conceito 'banco' é mantido por uma série de
associações tão poderosas que o usuário tem pouca
chance de ver além dessas associações para escolher
aquilo de que mais necessita naquele momento - e que
pode muito bem ser uma mesa em vez de um banco,
ou apenas um lugar para colocar uma bandeja para o
café. No caso de um encontro casual, pode ser apenas
um ponto para apoiar o pé: um pequeno gesto que
pode ser um sinal de que você não se opõe à idéia de
um contato mais pessoal. Se a resposta a esse primeiro
gesto, provisório e não comprometedor, não se revelar
desagradável, então as duas partes podem assumir

FORMA CONVIDATIVA 177


-f-ss--f-
t t35

470 471 ALOJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (470-472) reivindicações iguais sabendo que a retirada é po
472 "Um parapeito comprido, largo, deve parecer a qualquer momento.
razoavelmente discreto à primeira vista, um lugar onde se Aqui também, as associações despertadas em nós
possa fazer uma pausa, recostar-se ou sentar-se, apenas pelas imagens que armazenamos em nossa consci·
por um momento ou para uma conversa mais longa - associações coletivas, pode-se dizer - desempen
conforme o caso. Às vezes serve como um espaço para a um papel decisivo. Basta pensar num casal de
refeição quando o restaurante está cheio, e foi usado para namorados, para logo imaginá-lo sentado num ba
o bufê de uma ceia de Natal." [4] com todas as associações concomitantes de vínculos
futuros." [4]
"Para que o contato possa se estabelecer
espontaneamente é indispensável certa informalidade, LA (APELLE, FRANÇA (473)
certo descompromisso. É a certeza de que podemos "Não é preciso muito para que as coisas sirvam como u _
interromper o contato ou nos retirarmos quando espécie de estrutura à qual a vida cotidiana pode ligar-~
quisermos que nos encoraja a prosseguir. O simples corrimão em que pessoas idosas podem se

... O estabelecimento de contato é, de certo modo, como


o processo de sedução, em que ambos os lados fazem
apoiar quando sobem ou descem uma rua íngreme é, pa-:
todas as crianças da vizinhança, um desafio para mostra·
sua agilidade. Serve como um brinquedo de playground =
no verão é sempre usado para construir cabanas e
esconderijos. Na Holanda, além disso, as donas de casa
usam o corrimão para tirar a poeira dos tapetes.
Um corrimão de ferro está literalmente 'à mão' para uma
ampla gama de usos, para todo o tipo de situação diária
comum, e transforma a rua num playground.
Os playgrounds projetados, orientados para um propósito
que se espalham por toda a cidade são, por enquanto,
indispensáveis como refúgio para as crianças. Mas, como
as próteses, são também um lembrete doloroso de como o
cidade, que devia em si mesma ser um playground para
seus cidadãos e suas crianças, foi drasticamente mutilada
neste sentido." [4]

178 LIÇÕES DE ARQUITETURA


::mE DE JUSTIÇA, (HANDIGARH, 1951-55 / LE (ORBUSIER Nos exemplos anteriores, a qualidade nasceu de 474 475
--4-477) fatores mais ou menos fortuitos; de qualquer modo,
· construções "Brise-Soleil", tão empregadas na última não resultou de um projeto deliberado, mas também 476 477
_se da arquitetura de Le Corbusier, consistem em uma deve ser possível transformar essa qualidade em
:'"ade fixa de concreto formada por planos horizontais e exigência explícita do projeto. Atender essa exigência
~rticais; além de proteger do sol, é claro, as estruturas em adicional de qualidade não custa muito dinheiro e
ma de favos, com seus nichos profundos, servem também pode ocorrer naturalmente se quisermos. Isso significa
: outros objetivos menos evidentes. O que fascinou Le que podemos fazer mais com o mesmo material,
:orbusier nesta estrutura foi, sem dúvida, basicamente a organizando-o de maneira diferente, dando mais
: a forte plasticidade, e eu não me surpreenderia se proeminência ao que já estava ali - é uma questão de
;oubesse que ele jamais considerou que ela poderia ser útil prioridades.
:or uma série de outras razões além de sua plasticidade
=Xpressiva e de suas propriedades como anteparo,
::crescentando, portanto, uma qualidade extra ao edifício
::orno um todo.

FORMA CONVIDATIVA 179


rente um intervalo é achar um lugar onde colocar As ferrovias holandesas têm o compromisso de
aras, copos e garrafas. A solução tende a ser o uso de manter limpas e bem ordenadas as áreas
públicas. O grande número de jovens que
lquer superfície plana disponível. Fornecer um espaço vagueiam na Estação Central de Rotterdam
dusivamente para esse objetivo seria provavelmente levar depararam recentemente com uma política de
coisas longe demais; é suficiente que os parapeitos, "desencorajamento" sob a forma de, entre
outras coisas, varas providas de agudas pontas
austradas, divisórias, etc., sejam suficientemente largos, de aço instaladas nos espaços de pedra onde
escentando, por exemplo, uma prancha de madeira era possível sentar. E essa medida antes de tudo
a resolver esse pequeno mas persistente problema. aterrorizante vem a ser parte de uma campanha
nível superior da galeria de lojas, as balaustradas de das ferrovias holandesas contra a desordem e a
depredação! (Bouw 11, 1987)
tal curvam-se em intervalos regulares, abrindo espaço
ra um pequeno banco, de onde se pode avistar a galeria
1!rior nas duas direções. O encosto elevado - um pouco
ojestoso demais, talvez - foi a concessão que teve de ser
'ta às autoridades responsáveis pelo edifício, já que os um gesto amistoso também seja um convite para hóspedes
ulamentos aplicados à altura dos parapeitos tinham de menos desejáveis. Mas, quando se abrem portas, deve-se
ser estritamente observados; o desenho mais natural e, de deixar todo mundo entrar! A tendência para tornar as
certo modo, mais elegante do modelo que precedeu a coisas tão imp~ssoais e inacessíveis não chega a
_rsão definitiva foi descartado. Os assentos foram surpreender, mas suas conseqüências são muitas vezes
"Smovidos porque supostamente atraem muitos "vadios" que absurdas.
se põem à vontade nesta área coberta, sobretudo à noite;
_es deixam muita sujeira e há muitas queixas de
onseuntes agredidos. Este é um problema em todas as
: dades do mundo, e deve ser um paradoxo amargo que

483

481 482

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FORMA CONVIDATIVA 181


DE EVENAAR, EscolA (483-4901
A escadaria na entrada da nova escola primária "De
Evanaar", em Amsterdam, recebeu uma articulação extra
para tornar mais fluente o acesso do nível da rua até a
escola . A justaposição dos dois lances da escada acabou
criando a sugestão para arquear os componentes do
484 485
corrimão. Isto deu origem à decisão de fazer os elementos
486
do parapeito na curva do patamar produzirem dois
487 488
pequenos lugares para sentar. Certamente, a forma aqui
criada (como os assentos nos cantos da galeria do Centro
Musical) é dominante e nada fortuita, mas, em ambos os
casos, é uma derivação lógica da situação dada . Aqui a
forma oferece explicitamente sua função, ao contrário da
chapa curva de aço perfurado no alto da escada, onde, no
entanto, as crianças logo descobriram as oportunidades
implícitas para sentar-se.

182 llÇÕES DE ARQUITETURA


~SCOLAS APOLLO (491-493)
Parapeitos de janela, prateleiras e pranchas numa sala de
::iula, todos oferecem oportunidades para que as crianças
exponham trabalhos manuais, que geralmente não são
apenas frágeis, mas também numerosos. Este é o tipo de
·oisa que torna a criança capaz de se apropriar de um
espaço, de se sentir à vontade nele. Épor isso que 489 490
xr.s-J,!'~r:\IDW,< Ffü1\'\f.~-· .s> .,imikir.s-.< ~l\ct!> Nt' .ro,'\,,í~l ..i' 491
::idequado." [10]

FORMA CONVIDATIVA 183


vantagens adicionais interessantes. Na entrada de
jardim-da-infância, por exemplo, os pais se reúnem
esperar as crianças e levá-las para casa. Seria um
exagerado instalar bancos especiais apenas para e
pais, e é até duvidoso se eles seriam necessários. O -
adequado, então, é o assento informal que esses di
oferecem, os quais são bem-vindos quando se tem de
esperar mais do que o previsto. Durante o recreio das
crianças, os discos são usados para deixar os casac • =
pastas - certamente bem melhor do que um canto no
chão ... E por fim, mas, absolutamente, não menos
importante, esta coluna serve inevitavelmente como '
"É raro que as colunas hoje em dia tenham uma base para quem está brincando de 'esconde-esconde'." 11 :
definida separadamente ou o tradicional capitel das
colunas das ordens clássicas. Elas simplesmente
desaparecem no chão. Mas há situações em que uma seção
alargada da coluna, um pouco acima do solo, oferece

.,
492
1
.. .!
' 493
'
1

•j i'
- DE SÃO PEDRO, ROMA, DESDE 1656 / G. H. BERNINI
495)
~ a uma das inumeráveis colunas da quádrupla colunata
raça de São Pedro, de Bernini, em Roma, tem uma
quadrada suficientemente larga para que as pessoas
serrrem corrfonuvei'merrre, e a, cdomrs são l'ãu grossas
proporcionam sombra aos que se sentam ali. Estes
'pios 'assentos' rodeando o espaço oval, onde a
sibilidade de isolamento é maior, oferecem uma
italidade informal para todos, mesmo quando o resto
praça está deserto. Quantas colunas entre as que estão
o projetadas hoje em dia em todo o mundo oferecem
qualidade adicional semelhante aos que no futuro
:o de viver com elas?" [6]

São Pedro, 1154 /


G. P. Ponini

494
495

185
DE EVENAAR, ESCOlA (496-498)
Parapeitos ao lado de escadas são geralmente inc. -
paralelos ao corrimão. Esta é, de fato, a solução
em muitos casos, indicando de maneira lógica a p
escada. Mas quando é colocado numa posição em ~
oferece vista de algo, como no caso da escola "De E,_
ele convida a pessoa a debruçar-se, ou até mesmo
sentar-se. Quando alguma coisa está acontecendo,
pessoas querem parar um pouco e observar - e isto :
razão suficiente para que a arquitetura contribua pa-:
uma capacidade potencial de assentos. Nesse caso '
boa idéia colocar, em vez do costumeiro parapeito i -
um parapeito dividido em degraus largos o suficien y

apoiarmos os cotovelos ou então nos sentarmos. Ese


nesse caso, a parede for de alvenaria, o projeto é m~ _
fácil de executar, já que não é preciso cortar os ti jo -
modo, sem que houvesse intenção, a execução evoco :
elaboração de Berlage e Loos.

ESCOlAS APOLLO (499, 501-503)


"Todo tipo de degrau ou saliência na entrada de u
escola acaba se transformando num assento para as
crianças, especialmente quando há uma coluna con
para oferecer proteção e servir de encosto. Realizar
isto gera a forma . Aqui, mais uma vez, vemos que o '
gera a si própria, e é menos uma questão de inventa•
que de ouvir atentamente o que os homens e os obje _
querem ser." [10]
Quanto a certos tipos de espaços, sabemos de ante -=
eles serão usados de bom grado, e ter isto em mente e:
importante para tornar a periferia do edifício tão
convidativa quanto possível, ativando cada componen :
onde for possível - e isso inclui, por exemplo, o espac::
frente à entrada do jardim-de-infância sob a escada
conduz à escola. Tais espaços freqüentemente degene
em cantos escuros e malcheirosos, onde a sujeira se
acumula e onde circulam gatos, mas não pessoas. Ao •
com que o lance da escada se erga a partir de uma
plataforma levantada, essa situação pode ser evitada,
mesmo tempo em que se dá um valor mais positivo à áP-:
sob a escada. É a forma mais literal de tornar mais
habitável o espaço entre as coisas.

Devemos ter cuidado para não deixar buracos e ca


perdidos e sem utilidade, e que, como não servem
para nenhum objetivo, são "inabitáveis". Um arqui
não deve desperdiçar espa.ço ao organizar seu
material, pelo contrário, deve acrescentar espaço, e
não só nos lugares óbvios que chamam a atenção de
qualquer maneira, mas também em lugares que em
geral não despertam atenção, i.e., entre as coisas.
Os exemplos anteriores mostram como se pode
incrementar a funcionalidade de um projeto
arquitetônico levando sistematicamente em conta o
espaço dos intervalos.

186 LI ÇÕ ES DE ARQUITET URA


------------- da parede, no qual sempre vemos algumas pess
sentadas ou encostadas. E os automóveis dos ve
tempos tinham um estribo para facilitar a entrada
passageiros e serviam como excelentes assentos
durante um piquenique.
A extensão do espaço usável mediante o acrésci
planos extras horizontais (informais) representa a
recompensa pela explicitação do que era um req
implícito. Se este valor adicionado é visto basica
como uma ampliação de lugares para sentar e co
coisas, a vantagem pode parecer algo limitada à
primeira vista. Mas o essencial aqui é o compro ·
do projetista ou do arquiteto (em geral e em pa ·
de criar esse valor adicionado onde for possível,
os usuários transformarão estes dados adicionais
novas vantagens.
Tal intensificação do material deveria, idealmente
tornar-se uma segunda natureza para o arquiteto
Escola Montessori, Sem dúvida, freqüentemente deparamos com exemplos questão mais de marca pessoal do que de dado
Delft desse tipo de qualidade extra em nosso ambiente sem não tanto uma questão do que se projeta, mas do
que nenhum arquiteto tenha deliberadamente como se projeta. É ao conteúdo que devemos
pretendido esse aspecto, mas é justo dizer que em adicionar, não ao projeto (o perigo de projeções
geral deveríamos tentar tornar os objetos mais artificiais e de espalhafato está sempre presente).
substanciais, menos bidimensionais - pensando em Um pré-requisito para criar a forma convidativa é
500 termos de zonas. Paredes livres, se não alcançam o empatia, a qualidade que faz com que a hospital"
teto e são suficientemente grossas, podem servir como consista em antecipar os desejos dos convidados.
501 prateleiras. Um dos aspectos mais admiráveis das Aumentar o "potencial de acomodação" significa
502 503 igrejas italianas é que elas têm um soco de pedra maior adequação ao que se exige da forma; uma
chegando à altura do joelho acompanhando boa parte forma, portanto, mais direcionada para as
necessidades das pessoas em diversas situações e
conseqüentemente, tenha mais a oferecer.
O espaço habitável entre as coisas representa um
deslocamento da atenção do âmbito oficial para o
informal, onde se condiz a vida cotidiana, e isto
dizer entre os significados estabelecidos da função
explícita.

188 LI ÇÕ ES DE ARQ UITETU RA


"Piquenique na
praia", Flórido
(1941)

504
505
506 507

Betondorp, Amsterdam, 1922 / D. Greiner

,;1
li

"Cité industriei/e",
1901-4 / T. Garnier

FORMA CONVIDATIVA 189


espaciais diferentes. Um espaço suficientemente
2 LUGAR EARTICULA CÃO I
grande para jogar pingue-pongue não é
necessariamente adequado para que um pequeno
grupo de pessoas se sente em torno de uma mesa
conversar, por exemplo. Que dimensões dar a um
Dimensões Corretas espaço é sempre uma questão de avaliar a distâ
a proximidade exigida entre as pessoas, depend
A primeira consideração de importância decisiva ao se da situação e do objetivo do espaço. O equilíbrio
projetar um espaço é determinar para que ele servirá entre distância e proximidade é um ponto impor
ou não servirá, e, conseqüentemente, qual será o quando se dispõem assentos, especialmente em t
tamanho adequado. A primeira e mais óbvia conclusão de uma mesa: nem longe demais, porque desenc
é: quanto maior for o espaço, mais possibilidades ele o contato intenso quando este é necessário, nem
oferecerá. Isto implicaria simplesmente fazer tudo tão demais, porque todos se sentem espremidos. Essa
grande quanto possível. E, naturalmente, isso não dá sensação pode até ter um efeito paralisador: num
certo. Numa cozinha grande demais, temos de elevador cheio de estranhos, a conversa se torna
procurar e carregar coisas mais do que o estritamente afetada e acaba morrendo.
necessário. É simplesmente uma questão de
comodidade, de ter à mão tudo de que se necessita. MORADIAS HAARLEMMER HOUTTUINEN (508-51 O)
Atividades e usos diferentes exigem dimensões Os jardinzinhos na calçada da frente, cercados por u
muro baixo de tijolos, não são maiores do que as var
nos andares de cima . Não poderiam ser menores, cla~-
mas também não é certeza que seriam melhores se fo
maiores. São suficientemente grandes para oferecer o
espaço necessário para um pequeno grupo de pessoas
508
necessidades das diversas famílias não parecem varia
509
muito nesse aspecto. Deve haver espaço suficiente pare
,, ~ algumas cadeiras em torno de uma pequena mesa, que
1,
I· ' pode ser redonda, quadrada ou oblonga, mas raramer-=
~I desvia do tamanho padrão. (Tudo isto é tão previsível
quanto o fato de que a largura da calçada é inadequ -
As varandas dos apartamentos superiores são relativOl1'" _

..
,u
I· 11
~

......... ... ......


.............
_ ... ..,
.

... ... ... ... ..,.....

'I
190
urbanos e os arquitetos não estão tentando que oferecem uma visão do que está se passando.
constantemente, sob pressão política ou não, reservar O arranjo estimula o contato informal entre a equº:o:
Place C/emenceau, cada vez mais e mais espaços separados para bondes, hospital, mesmo quando em serviço, e os residen~
Vence, France &
Rockefeller Plaza, bicicletas e outras formas de trânsito - esse serviço As pessoas que ficam ali sentados têm uma visão
Nova York resultando no fato de as casas terem de ser ainda poro o corredor. As janelos dos quartos de dormir
podem ficar abertos, permitindo algum contato.
Estes nichos, contrabandeados através do barreiro
padrões estritos dos metros quadrados, podem ac
facilmente quatro pessoas (no máximo seis). É um __
poro receber visitas, fazer uma refeição, e freqüer _
há uma televisão ou um rádio. A parede dos fund •
tantos prateleiras quantos é possível, oferecendo es_
poro que os pessoas guardem seus pertences mais
queridos, poro os quais não há lugar no quarto de
O tamanho destes espaços e a maneiro como são
mobiliados criam impressão de uma saio de estar
sob medido para as pessoas que estão morando a
fossem mais largos, certamente seriam menos funci

O uso que se faz do espaço determina suas p


corretas, e, como as condições arquitetônicas e
espaciais de um lugar encorajam certas formas
desencorajam outras, os arquitetos têm uma tr
influência, quer queiram quer não, sobre o que
acontecer e acontecerá num espaço. Suas decisões
quanto ao tamanho podem, por si próprias, di
que serve um espaço e para o que não serve.
Espaços como as arenas já descritas (nas partes
B), a Rockefeller Plaza, as praças públicas de
e também espaços interiores como o da Biblio
Nationale em Paris, possuem um tamanho que
Bibliotheque mais afastadas, como se fossem roupas de criança afinado com o uso em uma série de situações
Nationale, Paris & precisando de desaperto? embora diferentes, assemelham-se por se cone
Ampitheatre, Arles,
França
Onde quer que haja desperdício de espaço para o em uma atividade comum. Naturalmente, os
trânsito, os edifícios se tornam isolados, distantes entre patinadores na Rockefeller Plaza, como os leitores
si. Isso faz com que seja impossível que o espaço Bibliotheque Nationale, tendem a estar imersos
urbano evolua organicamente a partir do gabarito dos suas próprias atividades, mas, assim como os
514 515
edifícios altos e distantes para criar, desse modo, certa patinadores compartilham um público comum, os
516 517
medida de intimidade e reclusão. Esta atmosfera de leitores compartilham uma atmosfera de conce
intimidade existe nos centros antigos de algumas penetrante.
cidades, onde não se permite que o trânsito reine Isto se aplica igualmente a espaços amplos e
supremo. E, a menos que haja contato e compreensão as dimensões têm de estar à altura do que vai
entre os lados opostos da rua (será que ainda se pode ali (ou inversamente, o que vai acontecer ali tem
conversar com todo esse barulho do trânsito?), estar à altura das dimensões). Devemos atentar
podemos esquecer a possibilidade de funcionamento que as dimensões de espaço, grandes ou peque
razoável do espaço público. sejam adequadas às funções a que devem servir.

DE DRIE HOVEN, LAR PARA IDOSOS (513) Fornecer o lugar


"Em vez da colocação de assentos perto da janelo como é Embora os arquitetos tenham se preocupado se
comum nos aios de hospital, cada dois quartos de dormir com o "lugar", Aldo van Eyck foi o primeiro a
têm uma sala em comum, no espaço criado pelo ampliação o conceito de tal modo que não se pode ignorá-
do corredor. Divisórios baixos de tijolos, cercando os Entre seus muitos textos que lidam com lugar e
assentos fixos, separam o espaço do corredor, isolando-os duas afirmações 'bastante conhecidas são citadas
até certo ponto do vaivém de pessoas, ao mesmo tempo em "Seja qual for o significado do espaço e do tem

192 l lÇÕES DE ARQUITET URA


e ocasião significam mais. Pois o espaço na
do homem é lugar, e o tempo na imagem do

de cada coisa um lugar, faça de cada casa e


cidade uma porção de lugares, pois uma casa
cidade minúscula e uma cidade é uma casa

MONTESSORI, DELFT (518-520)


que uma ob-sse oe 1oral'm·oe·1'n{ânda é ae1xaab
própria conta, as crianças tendem a formar
-0s grupos, menores do que se poderia esperar; e
se que esses construtores de castelos e pais e mães
irinha se sentem mais à vontade nos espaços
s do que nos grandes. Com isto em mente, parecia
idéia criar vários pequenos tanques de areia em
um só muito grande. (Sempre que vemos crianças do
·de-infância brincando juntas num grupo grande,
os ter certeza de que há um professor por trás,
rondo esta atividade comunitária.)
la Montessori em Delft tem um tanque de areia
o em vários pequenos compartimentos - o ideal para
s de areia. Crianças na idade dos castelos de areia
_ rol brincam sozinhas, ou em grupos de duas ou três;
mente há quatro crianças brincando em grupo, e 518
ou mais é ainda mais raro ou não acontece nunca. 519
nques de areia grandes, as crianças com tendências 520
expansionistas podem perturbar facilmente a
emtação e O 1Ílrirrnabae abs oufras s1mp1esmente
.ue não há demarcação do espaço reivindicado. Por
nesse caso, o tamanho dos tanques de areia é
tível com seu uso e até o estimula. O tamanho certo é
do pela totalidade das dimensões adequadas ao uso
•ado, e, inversamente, um determinado tamanho
ró o uso para o qual é mais adequado." [7]
nque de areia como um todo, subdividido em uma
,e de compartimentos para acomodar da melhor maneira
< vel o uso para o qual foi projetado, oferece um
pio elementar do princípio de articulação.

espaço deve sempre ser articulado para criar


res, unidades espaciais cujas dimensões e níveis
demarcação possam torná-las capazes de
odar o padrão de relações dos que vão usá-las.
aneira como o espaço é articulado constitui um
r decisivo: determinará se o espaço será adequado
um grande grupo de pessoas, por exemplo,
para grupos pequenos, separados.
nto mais articulação houver, menor será a unidade
cial, e, quanto mais centros de atenção existirem,
·s o efeito total será individualizante - isto é, muitas
"dades poderão ser conduzidas ao mesmo tempo
grupos separados.

FORMA CONVIDA TIVA 193


Toda esta ênfase na articulação de pequenas unidades EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS (ENTRML BEi-= :_
espaciais é muitas vezes interpretada como negligência A articulação do espaço foi o princ' ·:
em relação à escala mais ampla, mas isso é um ao projeto do edifício de escritórios e~
equívoco. Um espaço amplo articulado com ousadia O ponto de partida foi a doutrina de
não desencoraja necessariamente seu uso por um assim como toda a atividade recr

A área é a mesma
-=
pequenos grupos, não individualmen:e
Um estudo da situação demonstrou q e :_
em A, B, C e D
componentes do programa podiam se· .==:::::A..
espaços, ou lugares, de 3 x 3 metros
E, como na prática as coisas não tê esse
numérica, foram levadas em conta as -
para absorver excessos nas áreas de e·
único grupo central, ou, inversamente, um espaço possível dizer que este edifício tem po'e _
amplo inarticulado não deixa necessariamente de criar absorver mudanças internas de longo -
as condições para vários usos ao mesmo tempo. também para dar a impressão de que
Na verdade, é possível articular um espaço de tal objetivos diferentes, isto se deve à sua
modo que seja adequado tanto para o uso por exemplo, quando uma exposição e
centralizado como para o uso descentralizado, caso prédio (como acontece regularmente), o =±~.ii
em que podemos adotar tanto o conceito de grande simples e rapidamente transformado n
escala como o conceito de pequena escala, qualidades de uma galeria.
dependendo de como queremos interpretar o espaço. Contudo, o sonho de um espaço constru'~- -
Mas estamos falando simplesmente do princípio: não é com qualquer programa de uso possível -::
preciso dizer que é a natureza da articulação - o seu integralmente realizado aqui, embora pa
"comprimento de onda", a sua qualidade, isto é, como nosso alcance.
521 o princípio será posto em p.rática - que determina o O segredo da articulação de uma varied
'1, potencial do espaço. na verdade, que este sonho jamais podera -
1.,
,, ,1 522 523ob realizado. Pois o tamanho das unidades es_:
1 ' "Devemos articular as coisas para torná-las menores, chamamos lugares está baseado nas neces: -
524
isto é, não fazê-las maiores do que o necessário, e do que poderíamos chamar os padrões de
mais administráveis. E, como a articulação aumenta a
aplicabilidade, o espaço se expande simultaneamente.
Portanto, o que fazemos tem de se tornar menor e
ao mesmo tempo maior; suficientemente pequeno para
que possa ser usado e suficientemente grande para
que ofereça o máximo de uso potencial. A articulação
conduz, portanto, à "expansão da capacidade" e,
assim, a um rendimento maior do material disponível.
Necessita-se desta maneira de menos material, graças
à sua maior intensidade.
•Todas as coisas deveriam receber dimensões corretas,
e as dimensões corretas são aquelas que as tornam
tão manuseáveis quanto possível. Se decidirmos parar
de fazer coisas do tamanho errado, logo se tornará
claro que q-uase tudo deve ser feito um pouco menor.
As coisas só devem ser grandes quando forem
compostas de um conjunto.de unidades pequenas, pois
dimensões excessivas criam imediatamente distância e
separação, e, ao insistirem em projetar numa escala
demasiado ampla, grandiosa e vazia, os arquitetos se
tornaram produtores em grande escala de distância e
alienação. A grandeza baseada em multiplicidade
implica complexidade maior, e esta complexidade
aumenta o potencial interpretativo graças à maior
diversidade de relações e à interação dos componentes
individuais que juntos formam o todo." [4]

194 LIÇÕES DE ARQUITETURA


525
526 527

i'"'
1·::'1
1

FORMA CONVIDATIVA J9S


Foyer Vredenburg, Contudo, descobriram que o novo
Centro Musical não só mais difícil de organiza r e
também que o espaço-extra criado .
mostrava-se desapontador. O vel o
oferecia mais estímulos para a crioc-
também mais diferenciação espaci
articulamos um espaço, parece que es1=-. . .
uma área maior. Ao mesmo tempa a
lugar" pode ser incrementada quan
necessitarem de usos diferenciados.

REFORMA DE RESIDÊNCIA
A reforma em pequena escala, sem n :i:
uma residência comum, tinha como o ·;;· _
térreo a um uso mais diferenciado, par _ -
abrigar mais atividades independentes. '"'
pavimento seguia o padrão trad iciona a
jantar e sala de estar; depois de ser aj
O edifício, portanto, pode servir como uma estrutura básica com ocupações mais diferenciadas, o o...,.;_,:-_••,.__
528
apenas para objetivos que se adaptem a ele. A gama de pelo menos mais três espaços de trabo -
possibilidades de um edifício é determinada pela densidade mesa extra e cadeiras na cozinha. O es _-
529 530
de sua estrutura e da articulação dela derivada . Embora cantos esquecidos foi usado para aumer
funcione muito bem como um edifício de escritórios, oferece lugares e, deste modo, a capacidade do
um ambiente bastante insatisfatório para uma festa da comunitário como um todo.
empresa com toda a equipe, por exemplo. Deste modo, não

1
lugar
definitivo chega a surpreender que para tais eventos se use o espaço A "capacidade de lugar" é uma qual"
do saguão do edifício ao lado. Este saguão é parte integral pavimento que não é necessária à passc1g111• ••
lugar
do conjunto como um todo e é, portanto, de fácil acesso. lugar para outro. Um critério decisivo
possível qualidade da planta de um pavimento e
Pode-se medir um pavimento de acordo com sua de pavimento disponível seja usado da
capacidade para criar lugares, obtendo-se deste modo eficiente possível, que não haja mais · ~-~,.
uma impressão do potencial do pavimento para circulação do que o estritamente nec
acomodar atividades mais ou menos separadas. espaço seja organizado de tal modo
O pavimento tradicional na arquitetura holandesa máxima capacidade de lugar. É fácil
compreende dois quartos interligados, separados por capacidade de lugar da planta de um pcrill••
armários embutidos com portas corrediças. Ao longo conferindo quais áreas são essenciais c
dos anos, muitas pessoas decidiram remover estes circulação ou quais áreas serão, com
Moradia, Amsterdam
obstáculos para obter um espaço único, amplo. probabilidade, usadas para esse fim, e
subseqüentemente estabelecendo quais ·
A: original
CJ
remanescentes atendem às exigências mi:.:ã--MI
"lugar". Em seguida, deve-se considerar se
:·I dimensões dos lugares e o grau de a
l'f fechamento realmente correspondem ao -
que se dará a esses lugares. Avaliando e
a planta de um pavimento por meio desse
mapeamento, aumentar a capacidade de
B: depois da nosso espaço torna-se um procedimento
reforma

196 l lÇÕ ES DE ARQ UITETURA


Plantas para a
Basílica de São Pedro

Giulian'o Da Sangalo
Peruzzi {à direita)

Michelangelo
Bramante {à direita)

531 532
533 534
li111

:'11(111
r::·'
!·Ili
r 11

OMA, DESDE 1452 (531-534) essencialmente a mesma em princípio, mas as medidas 'Esta planto foi
provavelmente
=ominamos uma das primeiras plantas atribuídas foram alteradas. Isso criou proporções diferentes, fazendo elaborada em
re Peruzzi*, anterior à planta de Michelangelo com que o espaço central se tornasse dominante. Os outros colaboração com
Bramante. As vários
:: uai a igreja acabou sendo construída, ficamos espaços receberam um papel subordinado e suas plantas para São Pedro
dos com a articulação intricada e imaginativa, demarcações foram reduzidas a tal ponto que se torna foram atribuídas a
arquitetos diferentes, e
o planta não passe de um diagrama. Vemos uma extremamente improvável a idéia de usá-los é impossível dizer
ços que produzem um padrão independentemente do espaço principal. A área principal exatamente quem
projetou determinada
temente rico sem que as linhas gerais se parece absorver o resto, e esse efeito sem dúvida seria planta, como mostram
Jece que estamos lidando com uma escalp aumentado se levássemos em consideração também o corte, os informações de
diversas fontes.
te diferente daquela da planta de Michelangelo. comparando a altura da planta de Michelangelo com uma Fontes: L. Benevolo,
e seríamos inicialmente inclinados a chamar outra, imaginária, com a mesma proporção de altura e Storio dei/o Ciffà /
Norberg Schulz,
ipal não difere, em sua articulação e largura da planta de Peruzzi. Meoning in Western
dos espaços situados junto a ele. Como Aqui podemos verificar o que uma mudança de articulação Architecture / Pevsner,
An Outline oi Europeon
·a, não se pode realmente falar em espaço faz ao espaço, como algumas mudanças de medida podem Architecture / Van
em espaços secundários. Nenhuma parte alterar um espaço a tal ponto que ele perde sua Rovesteyn, ' De
ina qualquer outra. doorbrook noar de St.
capacidade de demarcação no que diz respeito a pequenos Pieter te Rome
11
in
1

: nstruída de Michelangelo é, na verdade, grupos separados. Forum, 1952

FO RMA CONVIDATIVA 197


Este conceito de capacidade de demarcação ou "qualidade que a qualidade excepcional do plano -=
de lugar" diz respeito à capacidade variável de um espaço essencialmente desta inserção de outro -
de ser convidativo para grupos maiores ou menores, completo entre as torres e o espaço p -c·-
dependendo de suas proporções e de sua forma . Isto as proporções estão de tal modo inter·r-.,.-...,-._-1~;gm111
parece estar baseado no equilíbrio exato entre fechamento independência de todas as partes e a s - r-'=,...,._..
e abertura, intimidade e exterioridade, que assegura a mantêm-se em perfeito equilíbrio." [6J
existência de focos suficientes nos vários lugares para que
as pessoas possam se envolver, a ponto de compreenderem (ENTRO MUSICAL VREDENBURG (535·539)
que estão juntas num grande todo espacial. Na qualidade de lugar onde as pessoas .""
"Se comparamos as diferentes plantas de São Pedro como centro musical é um domínio excepcio
as plantas atribuídas a Bramante, Peruzzi, da Sangallo e contatos. Espera-se que o edifício seja es.J..-.,--."""-'~III
Michelangelo, constatamos também que, embora haja organizado de tal modo que ofereça pe
pouca diferença entre elas no que diz respeito ao princípio, oportunidade para contatos sociais. (E
existem diferenças bem nítidas quanto à articulação e ao sobretudo de articulação correta, isto é -
grau em que o espaço central é dominante. proporções ao padrão de relações enlre •
As diferenças entre essas plantas são sutis mas vitais no que edifício.) Por conseguinte, as dimensões ê.r-
diz respeito às "possibilidades" de uso. Assim, as compotíveis com o tamanho dos grupos ~ =
proporções do espaço central em relação com o resto na formam naturalmente, em diferentes lugc--es =
planta "oficial" de Bramante são um pouco diferentes As pessoas devem ter l.iberdade para dec·- -
daquelas da planta de Peruzzi, tornando o espaço central unir a um grupo ou ficar sozinhas, se q er=::
da primeira planta muito mais importante. Além disso, os não, se querem conversar com outras pess.x:;
quatro espaços entre as torres e o espaço central - igrejas Embora toda a atenção do público conce'" _
em si mesmas, por assim dizer, cópias em miniatura do evento central que ocorre diante de um g -...r.J..r::~...
todo-, que são tão característicos na planta de Peruzzi, e depois do apresentação esta massa ú ·cc
535 estão ausentes. Esses espaços se tornaram, por assim dizer, em muitos pequenos grupos. Em termos
um saguão de entrada e, por conseguinte, espaços de um grande número de lugares, interligo s
passagem. Os quatro nórteces semicirculares nas grau de separação, bem diferente da si
extremidades do espaço central também desapareceram O fato de que um grande número de pessoc!
(irão reaparecer em outra planta atribuída a Bramante). mesmo tempo o edifício exige um único e .
Em suma, isto significa uma grande perda na capacidade dividido. É apenas no auditório que se nec
de demarcação para grupos distintos. Deste modo, vemos espaço único, não dividido, para acomoa
li,
l\11
lhJ

536
localizadas simetricamente nos quatro cantos do volume
537
central. Em vez de umas poucas escadas grandes, opfamos
mais uma vez por várias escadas pequenas suficientemente 538 539

largas para serem usadas por duas ou três pessoas sem


interromperem a conversa. Ao projetar a área dos foyers,

- arranjo dos assentos consiste em compartimentos que envolve o auditório principal como uma película tênue,
a balcões intercalados com um grande número usaram-se ao máximo as possibilidades oferecidas por
ens e escadas que seguem a forma do anfiteatro cada local, tais como uma vista para a praça, para a
a baixo; as saídas estão localizadas em vários galeria interna ou, por outro lado, completo isolamento.
és dos quais os visitantes são naturalmente Nos estágios iniciais da planta, parecia que o espaço em
s aos foyers em todos os níveis. torno do auditório principal apenas circundaria o auditório
~ de número de balcões de bufê nos vários do maneira convencional. Mas, ao longo do processo,
ra que as pessoas possam ser servidas sem transformou-se gradualmente numa sucessão de unidades
~ _ronte os intervalos. Além das escadas no espaciais com uma grande variedade de qualidades, em
1á ligações entre os diferentes níveis e os foyers que se alternam luz do dia e luz artificial, tetos altos e
• itório, por meio de pares de escadas baixos, ocasionalmente côncavos, e, ao longo do caminho,

FORMA CONVIDATIVA 199


nichos com tapeçarias e áreas mais largas - tudo torna necessariamente demasiado grc:r,czs,••
contribuindo para a criação de uma rica variedade de demasiado pequenas.
lugares. Mesmo alguém que atravesse a passagem mais O aspecto essencial a ter em mente é e
estreita de um ponto a outro percorre uma área que é bem pois assim a confusão que cerca o
mais do que uma simples zona de circulação. Os foyers não mais obscurece nossa visão.
possuem vários assentos: informais, como muretas, mas Consideremos um transatlântico - é u:ccic i=-•
também assentos propriamente ditos como bancos de em grande escala ou em pequena
madeiras, acompanhados de mesinhas, ou nichos providos é uma grande embarcação (embora
de almofadas. Onde o foyer se alarga, há grandes mesas mancha no oceano), e não se adap
redondas com cade.iras em volta. A diversidade de mas, ainda assim, é composto de
qualidades foi acentuada em alguns lugares com o uso de de pequenas cabines, cubículos, correoa9 ,. .
materiais suaves ao lado dos acabamentos de madeira: - todos unidades de dimensões be
tapeçarias de Joost van Roojen, que dão intensidade ao suas contrapartidas em terra.
menor dos cantos. Designamos como "articulação" a detmdlali•
Quando se caminha pelo edifício, a variedade de lugares paredes e fachadas que dá origem a
compreende desde cantos reservados, onde se pode fica r plasticidade. Este é um tema reco rTe1rues:m
longe da multidão, até lugares que oferecem uma visão toda a história da arquitetura, e não ..-,,- -
geral de tudo o que está acontecendo, e áreas de onde se o elemento de plasticidade que pro,"O.. . · - ~
avista o interior do auditório ou a cidade. vez, ser o meio mais eficaz de exp
Desse modo, a articulação aumenta a gama de percepções características externas de um ed' • • e
espaciais. Além disso, o design variegado dessas pequenas arquitetônico particular. E, assim cnm..,,,,, ,.,_.
unidades espaciais contribui para a capacidade de música organiza a peça em segm
acomodação do todo, já que as pessoas tendem a se assim lucidez, do mesmo modo o
dispersar, digamos, no espaço aberto e indiferenciado de arquitetura torna inteligíveis as d' -
540 541 um saguão. [5] tamanhos. É bem mais difícil iden ·
objetos achatados e inarticulados o
O conceito de escala, usado indiscriminadamente para divididos em unidades com toma
denotar tamanho, determina a percepção de um familiares e que, assim, permitem-
espaço ou edifício como muito grande ou muito o soma das partes. É por isso tom •
pequeno, isto é, se o espaço é maior ou menor do que de dimensões muito grandes pode sec !"l!Ca:i•li
aquilo a que estamos acostumados. articulação gráfica a proporções mais ltx:-.....
Os adjetivos "grande escala" e "pequena escala" nada apreendidas, que o tornam menos v e
dizem acerca das medidas efetivas: algumas coisas perceptível - em outras palavras, menos
são muito grandes e outras muito pequenas um monólito. A articulação pode, porn::,cr,.,_..__
simplesmente porque precisam ser assim, o que não as como meio de aumentar a legibilidade e

200 l l ÇÕE S DE ARQUITETURA


ibuir essencialmente para a percepção do espaço.
só pode fazê-lo sob uma condição: o que é
ebido no âmbito gráfico deve corresponder à
nização espacial sugerida pela imagem total.
·m, se o exterior de um edifício indica uma divisão organizado e que espécie de padrão foi adotado. Estátua da Liberdade,
várias unidades espaciais pequenas sem nenhuma Na arquitetura, todos os meios devem ser usados para Nova York, 1883 /
Estrutura de aço,
ção com o arranjo interior, como ainda acontece formar e, conseqüentemente, confirmar o espaço G. Eiffel,
üentemente, esse tipo de articulação tem como fechado de tal modo que ele esteja apto a acomodar escultor, Bartholdi
· tivo apenas ornamentar a fachada, e, um padrão social da máxima riqueza e variedade.
eqüentemente, introduz um elemento sem
ificação plástica. As fachadas históricas de casas
ºgas, ao serem amalgamadas e convertidas em
' is ou escritórios, por exemplo, são reduzidas a 542 543
a decoração urbana . .É apenas quando os
entos gráficos e/ou plásticos na fachada 54A 545
rem-se de fato às divisões do espaço interno que
ajudam a compreender como o espaço está

Praça de São Marcos,


Veneza

FOR MA CON VI DAT IV A 201


rtanto, não são iguais, e devemos cuidar para que
s "de baixo" tenham a possibilidade de evitar o olhar
s que estão "em cima".

: scoLA MONTESSORI, DELFT (546-549)


- idéia subjacente à diferença de níveis nas salas de aula é
ermitir que algumas crianças pintem ou modelem na seção
'"lOis baixa da sala, e, ao mesmo tempo, que as crianças
·a outra seção possam fazer trabalhos que exijam
:oncentração sem serem perturbadas pelas outras que estão
: volvidas em atividades menos árduas. O professor, de pé,
de facilmente supervisionar toda a turma.
:mbora, do ponto de vista do professor como supervisor
:os atividades, fosse melhor colocar os "trabalhadores" na
seção mais baixa, isto não foi feito para que os
abalhadores aplicados não ficassem com o sentimento de
estarem por baixo". Neste caso havia razões adicionais
::lClra tal arranjo, como localizar a área de "auto-
expressão" perto do corredor, e também o requisito de
uminação direta da seção "normal" da classe pelas
anelas da fachada.

' OJAMENTO PARA ESTUDANTES WEESPERSTRAAT (550-552)


Obviamente, são as linhas de visão que governam uma elevado que a seção do restaurante no nível de baixo (esta
jivisão adequada entre as áreas que estimulam o contato área é hoje usada como uma discoteca), de maneira que as 550
·suai e as que oferecem mais intimidade; a maneira como pessoas sentadas no parapeito baixo ficam no mesmo nível 551
idamos com a altura dos espaços, especialmente nos das pessoas que passam pela área do restaurante. Isto
espaços com seções elevadas, é, portanto, de importância facilita o contato informal. 552
:irimordial. O patamar espaçoso sobre a escada é mais

,j

:: ·1i· fi
,)
f ORMA CONVIDATIVA 203 ,1

1
PAVILLON SUISSE, PARIS, 1932 / LE (ORBUSIER (553-558) desse tipo tenha um número respeitáve -=
O patamar semelhante a uma passagem depois dos seis quadrados adicionais na sacada, não'"::
degraus da escada - que faz recuar a escada - fornece um com um espaço tão longo e tão estrei
espaço de onde se pode ver por cima da parede da sala de uma forma diferente - mais para um '-=··-.....u..
estar comunitária, e de onde também se pode ser visto. exemplo -, poderia abrigar uma mesa
Assim, a visão de quem esteja subindo ou descendo a pessoas pudessem fazer uma refeição
escada se abre, ao mesmo tempo em que oferece certo quadrado da sacada oferece ainda
grau de privacidade aos que estão na sala de estar, causa de sua profundidade, e pode
protegendo-os do olhar dos que estão entrando pelo ha/1. parcialmente protegido. Além disso,
vem juntar-se diretamente à fachada
SACADAS assim num espaço cheio de luz e do
As sacadas são freqüentemente construídas ao longo da sem ter de ir à sacada.
553 554 largura de um edifício, e esta não é uma má idéia do ponto
de vista do custo e da conveniência de construção. Uma
559 desvantagem, porém, é que essas sacadas não podem ser
555 556
557 558
muito largas porque roubam a luz dos andares que ficam
embaixo. Embora um apartamento desse tipo num prédio

• 1
PAVILLON DE L ESPRIT NOUVEAU, PARIS,
(560-564)
1

Se alguma vez existiu um arquiteto e - _


para este tipo de organização espoc"
homem foi Le Corbusier. Em todo o
como ele, olhando através de lentes
dizer, rompeu os velhos clichês e tranc-..--.-.......
"mecanismos espaciais".
Não podemos esquecer que em seu
radieuse - embora posteriormente re ~:: -
razão, pela falta de espaço urbano... -:
moradias têm galerias abertas, gra
com altura de dois pavimentos. Ele
"galeria-sacada" no pavillon de /'eso -. --
para a Exposição Internacional de
Paris em 1925 e agora reconstruído - :
No entanto, quando ele teve de enfre-
práticas de projetar grandes planos
Unité, em Marselha, viu-se obrigado :::o-
financeiras, a recorrer às sacadas es"='
embora também essas fossem mais esr_ - -
espaçosas do que é usual hoje em a·

204 LIÇÕES DE ARQUITETURA


rf
i
L'Unité d'habitation,
Marseille, 1945 /
Le Corbusier
560 564
561 565
562
563 566 :! ~

Pavillon de l'Esprit
Nouveau,
reconstruído em
Bolonha, Itália

FORMA CO NVIDATIVA 205


quanto possível, e devemos zelar rv,,,.,.. ,_, -111
construído não imponha o contato ~;JIQ"" 111-w
mesmo tempo, jamais imponha a
social. O arquiteto não é um mero c=m•r•
paredes; ele é também um cons
oferecem visão. Ambos - paredes e a:,m-.-i
cruciais.

567
568 570
569 MORADIAS DOCUMENTA URBANA (567-.:
Nesta parte do projeto de moradºcs :
escada como "rua vertical" foi cor-:: -
da varanda como cômodo exterior --
espaçosas estão justapostas em c .:
que se projetam alternadamente ~ :
lado, para que o espaço vertical~--
varanda do andar de cima.
! Assim estas varandas compreen e _
',,'\.___________ •J semelhante a uma galeria aberta e
mais aberta e extrovertida, seme
Usando os princípios elementares da organização um vão livre vertical de dois andares .-._- ,_,..,...._
espacial, é possível introduzir muitas gradações de isolada é protegida de um lado
abertura e isolamento. O grau de isolamento, como o Este projeto faz com que seja poss .
grau de abertura, deve ser cuidadosamente dosado, fora sem ser observado e sem ser -
para que sejam criadas as condições para uma grande conhecimento dos vizinhos, ou, se ~
variedade de contatos, indo desde a decisão de uma posição mais "expostaª, c
ignorar os que estão à sua volta até o desejo de varandas e inteiramente à vista a
juntar-se a eles, de modo que as pessoas possam, pelo estamos livres para decidir se va.... • · -
menos em termos espaciais, escolher como querem se conversar com os vizinhos - n
colocar diante dos outros. Também a individualidade emprestado um pouco de açúcar
de todos deve naturalmente ser respeitada tanto respeito do tempo.

206 llÇÕES DE ARQUITETURA


MORADIAS LIMA (573 -579) Moradia,
Os temos que desenvolvemos em Kossel foram retomados Siemensstadt, Berlim,
1929-31 / H. Héiring
mais uma vez no projeto de moradias Lindenstrasse em
Berlim, a cidade com as varandas maiores e mais
intensivamente usadas, onde Hugo Haring projetou suas
odoráveis varandas espaçosas. O número de unidades de
moradio era maior no projeto de Berlim do que no de 571 572
Kossel, e as diferentes exigências quanto à situação 573
específica resultaram numa variedade de justaposições e 574 575
alinhamentos que exploram ao máximo os diversos
vantagens da localização.

FORMA CONVIDATIVA 207


!Ili

ARCELONA, 1972-75 / MARTORELL, BOHIGAS & escada. O layout de cada andar é claro à primeira vista; 580
-.: 3) há contato constante entre as pessoas que sobem e descem
: ncipal desta escola de vários andares eleva-se as escadas e as que estão paradas (sentadas ou 581
fachada, dando acesso aos sucessivos andares debruçadas) . Em vez da superposição convencional das 582 583 ! 11.;,
:x>ntos do edifício: as entradas não estão unidades espaciais, temos aqui um todo unificado, com a 11,11111, 1111
• a acima da outra verticalmente. Como a escada servindo como um meio para unir os andares; é
nde por toda a fachada, o espaço acima é uma ilustração de como se pode oferecer suporte espacial
oase da escada. Como os vários andares para o que as crianças das várias turmas têm em comum.
frente para as escadas, cada andar tem uma Aqui, ir e vir se torna uma atividade comunitária cotidiana,
_ do espaço do lado de fora através da fachada com uma chance razoável para que cada um possa
=oortanto também das pessoas que estão na entrever um amigo de uma turma diferente." [9]

FORMA CONV IDATI VA 209


artistas têm apenas de olhar para cima pare
exterior.
Isto pode ser visto como uma tentativa, e
de transpor a lacuna entre a vida colidia
espaço habitualmente comprimido entre as •
serviço nos fundos.
O importante é chamar a atenção dos passo
trabalham no edifício para os visitantes e .,.,.,=-a,.._
situação semelhante pode ser encontrado
escritórios Centraal Beheer, onde se pode ·
de lavagem dos pratos e ver o seu prato
mesmo tempo em que as pessoas encarreg
- um trabalho que não é dos mais atraen es - --
se sentir banidas e excluídas do contato. [' ::

DE ÜVERLOOP, LAR PARA IDOSOS 1587, 588)


Como De Drie Hoven, o outro projeto de
idosos, De Overloop, tem um espaço sem -
"praça de aldeia" no centro em que estão -
comunitários. Neste caso, os moradores poc:
fazer suas refeições no área central, ou
em vários momentos do dia. Em suma, é Of; =
acontece e onde se pode fugir ao isolomer-:: -
individuais de moradia.
584 585 CENTRO MUSICAL VREDENBURG 1584-586)
586 O coração informal do edifício é o foyer dos artistas.
588 Éonde os músicos e técnicos se preparam para o
587 espetáculo, e também onde se descontraem depois do
espetáculo, muitas vezes até bem tarde. Este espaço, que é
usado constantemente, está situado perto dos vestiários, dos
depósitos e de outras áreas de serviço. Há uma ligação
visual com a passagem pública acima, de modo que os que
estão passando por ali podem vislumbrar o que está
acontecendo nos bastidores no andar de baixo do Centro
Musical, ao mesmo tempo em que as pessoas no foyer dos

Partimos da idéia de que todos as "ruas in " ·:


unidades de moradia deviam convergir para :
central, para que os moradores precisasser __
uma pequena distância para chegar lá . E já
dos andares deveria ser excluído, o espaços
se estender verticalmente até o alto do edi • : -
vão assim criado contém os elevadores co
verticais, através das quais os moradores poc
ao entrar ou sair do ha/1 central. Os eleva
meios de transporte vertical mais usados e
também escadas.
Estas escadas estão situados de maneira di
andar, já que suo localização é mais dete
variação do que pelo repetição de direção e
espaço. Esta característico distingue-os dases.:
secundários situadas no fim de cada alo,
princípio normal do vão de escada.

210 llÇÕES DE ARQUITETURA


- , BARCELONA, 1900-14 / A. GAUDÍ, J. M. JUJOL

oanco·parapeito de Gaudí, que cerca o terraço


Parque Guell em Barcelona, curva-se de tal
osso visão depende inteiramente do lugar onde
s. Quando o parapeito faz a curva para
emos sentar-nos de frente para os outros num
e quando a curva é para fora, temos como
la área central, que, embora cercada pelo
sinuoso, dá a impressão de ser o exterior.
::ecisivo, isto é, os arcos que marcam a transição
para o convexo, oferecem um posto de
- ambíguo. O banco com seu S contínuo constitui
1111
-o constante de lugares extrovertidos e
s em todas as gradações e com encostos
em toda a sua extensão; visto em sua totalidade,
a uma ampla gama de qualidades que o
uado tanto para um piquenique quanto para
o de relaxamento solitário, contemplar a cena
principal à nossa frente, ou esperar por alguém.
consiste numa faixa contínua e fascinante de
• ementados de cerâmica colorida (feitos
nte não apenas por Gaudí, mas também por seu
, jol), uma colagem do século XX avant la lettre.
1ir a cor de suas roupas, qualquer um que se
é assimilado naturalmente pelo todo mais amplo,
assim parte de uma composição magnífica.

situações em que nos encontramos frente a frente


::s pessoas ou de costas para elas - algo que os costas para a janela e de frente para o corredor central; o 589 590
dos vários meios de transporte público, tais como resultado era um espaço comunitário semelhante a uma 591
es e ônibus devem levar em conta. Esta sala de espera, onde se podia ocasionalmente olhar para
e com pessoas que, em sua maior parte, são os outros passageiros sem nenhum embaraço. No entanto, 592 593
ente desconhecidas pode levar a contatos na maior parte das vezes, o corredor está cheio de
mas também pode conduzir a encontros mais passageiros em pé que obstruem completamente a visão.
que podem ser muito breves, mas também se A maior capacidade de passageiros foi sem dúvida a razão
uradouros. A forma de organizar os assentos principal para esse arranjo, que ainda pode ser encontrado
:.t0ções não difere essencialmente da maneira nos metrôs de Nova York e Tóquio. Uma vantagem
arquiteto lida com a organização de um edifício. adicional é que tanto os passageiros que estão sentados
te, os bondes tinham bancos dos dois lados de quanto os que estão de pé podem se aproximar quando há
r largo, de modo que todos se sentavam de necessidade de abrir espaço para outros passageiros: o

FORM A CON VI DATIV A 211


espaço destinado a cada passageiro não é prescrito, constitui o único lugar no trem em que se fica de
depende de uma procura flu tuante. Os trens geralmente Os trens e ônibus modernos, como os aviões, tê, -
possuem bancos ao longo do vagão para duas ou três assentos voltados para a frente, como na sala oe
pessoas, de frente umas para as outras, ou então de costas, tradicional. Embora fiquemos bem perto dos o ,..__
aos pares. O desenho dos trens tradicionais, com seus passageiros, provavelmente não teremos nenhu
compartimentos separados, parecidos com pequenas salas com eles, exceto talvez pelos vizinhos imediatos
com portas corrediças de janelas de vidro ao longo de um A crescente popularidade desse tipo de disposic-:
corredor estreito, permite que se escolha os companheiros assentos, em que o contato com outros é virtua --
de viagem - pois este admirável arranjo pode implicar inexistente, reflete uma inequívoca tendência pa-:: -
várias horas em contato estreito com estranhos. Uma vez individualismo também em outros ambientes. O -
escolhido o lugar, vê-se muito pouco do que acontece no pode ser visto nas plataformas de trem e em ot: -
resto do trem, a não ser passageiros que entram ou saem de públicos onde há concentração de pessoas espe
seu compartimento ou que passam pelo corredor em busca antiquados bancos compridos foram quase toc:le!
de um assento ou então desembarcando em cada parada. substituídos por assentos individuais distancia _
Uma vez no compartimento, temos uma visão completa de Esta nova forma de sentar-se lado a lado, mas :
nossos companheiros de viagem, ou então podemos olhar separação, numa fileira, foi inventada pa ra e·r--.- ,...-• .•
pela janela ou para os passageiros no corredor, que usuários sejam perturbados pelos que estão ser
lado, e para evitar que as pessoas se deitem e_ -
Mas o resultado é que duas pessoas não pode-
sentar-se juntas, nem é mais possível abrir es __
outros: as distâncias já foram fixadas de anter--
modo, o uso do assento deixou de ser flexív
Lugares usados por muitas pessoas durante
período de tempo, como cafés, balcões, res _
594 são mobiliados com um grande número de es::s
595 596 balcões idênticos, projetados com o ob jetivo
espaço. O resultado é que sempre nos sen
companhia de seis ou oito pessoas, e o ta
é ditado pelo tamanho da mesa. No entoo ,
situações, a maior variedade - como acontec:5 -
restaurantes normais, em que grupos de di =--=
tamanhos sentam-se à mesa - também se oo _
ao padrão de interação social dos usuários
Muitas pessoas preferem mesas pequenas, - __
mesas maiores: uma mesa pequena para
quatro pessoas quando estamos em compa---=
ou uma maior para seis ou oito pessoas, se~-
anônimos (para que não tenhamos de nos e-::
outros ou pedir permissão para nos sen ar)_ ::
também lugares onde possamos sentar so - ---
ostensivamente, sem o risco de nos senti
por lermos o jornal ou permanecermos ca
Weeperstroat,
Alo;amento para
estudantes

212 l l ÇÕES DE ARQUI TETU RA


Tudo o que um arquiteto faz ou deliberadamente deixa cuidadosamente calculadas, a articulação
de fazer - a maneira como ele se preocupa com .ª proporções certas de abertura e isolam
abertura e o isolamento - sempre influencia, pontos de partida do deslocamento de
intencionalmente ou não, as formas mais elementares "espaço habitável entre as coisas". A an~.~ -•
das relações sociais. E ainda que as relações sociais só social não existe, mas isto não significa ~e,~:..••
dependam até certo ponto de fatores ambientais, ignorar as implicações de como as pe550a5
ainda assim há motivos sufici'=ntes para almejar relacionam, e como reagem em situações ...,.."""'_'" .
conscientemente uma organização do espaço que faça A mera escolha entre uma porta que se .,.,•., __ __
com que cada pessoa possa confrontar a outra em pé ou para dentro é em si mesma uma inc1Jc·:ac:a:::,. ....
de igualdade. responsabilidade inevitável - pois a di
Ignorar este potencial da arquitetura equivale a limitar qual a porta se abre decidirá se tudo q
a liberdade dos moradores. Contudo, é possível na sala pode ser visto de um relance no mc:. .llilNII
entender, em certo sentido, a aversão de muitos que se entra, ou se os que estão dentro
arquitetos a abordagens sociológicas e psicológicas. tempo de preparar-se para a entrada de
Pois cá estamos, cercados pelos fracassos do passado, Até agora, evidentemente, só falamos
com suas utopias sociais, tais como "espaços para a mas há tantos detalhes em cada edifício
interação social" e outras idéias românticas e inúteis podem ser tão importantes quanto o gesto
(de qualquer maneira, jamais usadas), inventadas por na arquitetura em sua totalidade. Para na5 , ,_ . • •
arquitetos que simplesmente acreditavam que podiam é a soma de todos os pequenos gestos QUI~, .c:=-941•
599
prever o comportamento das pessoas. Os arquitetos milhares de músculos no corpo de uma bam:wi:;,
em geral têm uma predileção por simplificações criam juntos um todo unificado. É esto
teatrais. O ajustamento a fatores sociológicos e decisões, desde que tomadas com a consiOl!!r.:çm
psicológicos inevitáveis nunca foi uma preocupação adequada e o devido cuidado, que pod
primordial para a arquitetura. As dimensões resultado uma arquitetura realmente hos
1
11 1!

!!111111

600 601
602

FORMA CONVIDATIVA 215


século XX é bem mais aberto do que foi
4 VISAO li Não só temos os meios para realizá-la d
como também há mais necessidade de a
Abrimos todas as janelas e deste modo abra;=-...
exterior. E se se pode dizer que a Holanda
Trazer o mundo exterior para dentro. desempenhou uma papel admirável na alT!'!s..,..,.•
moderna, na medida em que esta se desem,,ch,..,j
"É o princípio do abrigo que recebe ênfase especial na com a nova consciência do século XX como
história das origens da arquitetura, na medida em que processo natural, por assim dizer, isso não e
adquiriu gradualmente uma forma cada vez mais surpresa considerando-se que a abertura se-•1•
articulada, da cabana até a casa, ao longo da história ainda é uma característica da sociedade hocmlllÍII•
humana e do nascimento da cidade. Para nós, a Olhar diretamente para dentro de uma
história da visão é tão importante quanto a do abrigo. holandesa e quase que tomar parte no que
E com isto queremos dizer, além de ter uma visão do dentro é uma tradição que sempre surp
outro, ter uma visão do mundo exterior. Assim como visitam o país, e isso mostra que os hola
influenciam as relações pessoais, as relações espaciais menos atingidos pelo medo do que acontece
também determinam a maneira como nos relacionamos exterior que as pessoas de muitos outros
com o ambiente. Mas em vez de manter a oposição a propriedade privada e as casas tendem e se
interior-exterior como contraste fundamental, sabemos, do mundo exterior.
no século XX, que interior e exterior são conceitos O uso excepcionalmente amplo do vidro
relativos, que dependem de onde nós estamos e da edifícios, que se tornou possível graças ao
direção para a qual olhamos. ameno e talvez ao nosso sentimento de m ·
Não é por acaso que o caráter da arquitetura do dependência, reflete, de qualquer modo,

603

216
às opiniões dos outros. Se a Holanda é um
rtura e de dimensões pequenas, então esta
ão, em termos de forma e espaço, da
orno nos relacionamos uns com os outros,
como tratamos o outro e de como
os, dentro e fora, manter um ambiente social
ente harmonioso, na soma e nas partes!" [7]

AN NELLE, RomRDAM, 1927-29 / M. BRINKMAN, circular do teto, que lembra a ponte de comando de um ' ' A caixa de chocolates
no alto da fábrica foi
DER VLUGT (603-609) navio. Mas este ponto mais alto, com sua vista impressionante projetada e desenhada
por mim, muito a
s mais lúcidos exemplos do Nieuwe Bouwen (corno das instalações do porto, no horizonte, não se descortina contragosto. Também
ado o Movimento Moderno na Holanda) e apenas para os que estão no comando, mas também para não concordei muito
te o maior neste país, é a fábrica Van Nelle, em todos os operários da fábrica. O edifício corno um todo,
com a parede côncava
da seção de escritórios
!li
rn. Suas grandes dimensões jamais são originando-se de urna espécie de abordagem racional e - mas Van der Vlugt
estava no comando.'
doras, e o edifício não só mostra o que está aberta, significou urna clara ruptura com o passado e (Carta de Bakema, l O
ofereceu o vislumbre de um novo mundo, com melhores de junho de 1964, in
endo lá dentro, corno também é projetado para dar J B. Bakema, L C van
trabalham dentro dele a visão mais ampla possível, relações entre as pessoas. O que torna esse edifício tão der Vfugt, Amsterdam,
196B)
do mundo exterior, mas em particular dos espetacular, além do fato de que parece urna grande máquina
heiros de trabalho. O exterior curvado da seção de transparente, é que ele insere o princípio de relações
'os não se deve apenas à via de trânsito ao lado, não-hierarquizadas na organização arquitetônica racional." [7]
· o layout dos volumes do edifício o fator 604 605
inante para esta solução particular. O que levou Van
gt a optar por essa magnífica curva - indo contra as 606 607
cões de seu colaborador Mart Starn - não pode ser Ili
1

do em termos racionais* . Mas o que ele conseguiu ::1


111 1
11
•li
r desta maneira, e este é o assunto com que nos
os aqui, é que tanto o escritório quanto a fábrica
dentro da visão um do outro.
éia reaparece nas escadas, que se projetam para tão
do edifício que podemos ver toda a fachada de cada
r. A escada à direita do entrada do seção de
·rios é notável. Ela salto para fora, por assim dizer,
sondo o fachada corno se o edifício fosse incapaz de
lo. As escadas nos levam poro fora do edifício,
em urna visão do fachada, do área de esportes mais
te e do que antes eram pôlderes vazios ao longe.
norarna mais amplo de todos pode ser visto do estrutura

FORMA CONVIDATIVA 217


(.. .} O vidro começa no nível da ca e -
continua subindo sem interrupções ci .-,!,""...,......-rt..
límpida do céu. A serenidade do I _
aberto para os lados. E isto tem umc s:·=~::::::::ic::il•
para todos aqueles que estão traba --_
edifício, em todos os oito andares. :; _ -
encontramos um poema de luz. Urr: · • -
deslumbrante visão da ordem. A p • =l'±-'l:m•
honestidade. Tudo é transparente, cc-=
visto enquanto trabalha.
(... ) O gerente da fábrica está ali er "'-., ""':-11!-
vidro. Ele pode ser visto. Eele próp ::
pode ver o horizonte holandês todo _
a vida do grande porto.O imenso re~ _
padrão. Os gerentes, os níveis mais -
administração, os trabalhadores, h - ::r_ _
comem juntos aqui na mesma gran e • =
transparentes abrindo-se para a visõc •
Quando lemos a descrição que Le Corbusier fez do edifício, Juntos, todos juntos.
que ele visitou em 1932, compreendemos que
provavelmente teria sido impossível tornar este sonho (.. .) Achei fascinante observar os ros ;
realidade a não ser na Holanda: fábrica . Cada uma delas tinha uma p.r·1r=~
interior: alegria ou o seu contrário . . - -
O espetáculo da vida moderna paixões ou dificuldades. Mas aqui -
608 Apenas uma hierarquia graduada, r ,,..__,...-.::
"A fábrica de tabaco Van Nelle, em Rotterdam, uma e respeitada. Essa atmosfera de uma e
609 criação da época moderna, retirou toda a conotação conduzida, é alcançada mediante u
anterior de desespero da palavra 'proletário'. Eeste desvio universal pela ordem, regularidade
do instinto egoísta da propriedade em direção a um gentileza.
sentimento favorável à ação coletiva conduz a um resultado
dos mais felizes: o fenômeno da participação pessoal em (...) Um exemplo da reciprocidade
cada estágio do empreendimento humano. O trabalho em que trabalho; meu trabalho me i 'E'""
retém sua materialidade fundamental, mas é iluminado pelo dificuldades que tenho são uma fonte =
espírito. Repito, tudo está nesta frase: uma prova de amor. círculo virtuoso pelo menos uma vez! - :_
numa solidariedade compacta; todos cr,-_-,~··'"""-
parcela maior ou menor de responsa
Participação. Foi assim que a fábrica
O arquiteto teve um ano para formula· -= =i._-
provisória; depois levaram cinco anos :;,=,ç:,-r.í.-lllAi
forma final. Cinco anos de colaboraç-
=
discutir cada problema separadamente 7.-:z:,i!!'i:::mllllli
diretores e arquitetos e os gerentes q e c:-:,-:;:x:r'!om•
essas reuniões. Os chefes dos vários aeoc·. .,....---
também estavam presentes, assim co o _
funcionário especializado representa
funções especializadas exercidas na fób =-
podem vir de qualquer lugar. Em termos w=
massa, sabe-se a importância vital que -
pode adquirir. Não há coisas secundá · s -=
coisas projetadas corretamente que func ,...
Participação!
Posso dizer sinceramente que minha vis· _=
um dos mais belos dias de minha vida.
(Le Corbusier, La vil/e radieuse, 1933, pp. 177·1- :

218 LIÇÕES DE ARQUITETURA


610 612
IELD·SCHRÕDER, UTRECHT, 1924 / G. RIETVELD (610-614) 611 613
o do Nieuwe Bouwen, na Holanda, está a Casa 614
de Rietveld, pouco maior do que uma unidade de
pública de hoje, articulada em componentes, cada 111111
como se pertencesse a uma peça de mobília.
é geralmente descrito como uma pintura
ional de Mondrian, mas, fora o fato de que as
de Mondrian não estão preocupadas em se
além da superfície plana, esse tipo de comparação
·ustiça nem às idéias de Mondrian nem às de
Enquanto Mondrian tentava harmonizar os
pesos de cores específicas (assim como Schonberg
a cores de som), e ao fazê-lo pode ter pintado os
para a verdadeira democracia, Rietveld, por outro
bolhando com materiais de construção que
peso físico, torna-os sem peso, permitindo que
ter-relações sejam estabelecidas e novos objetivos
alcançados. De longe e do lado de fora estes
s podem parecer abstratos, buscados como uma
de composição objetiva de planos e linhas, e de
esta a qualidade que tende a receber mais ênfase
itas publicações dedicadas à Casa Schroder. Mas,
de dentro, todos os diversos componentes,
emente e em relação com os outros, provam estar
ance dos gestos cotidianos.
ço é todo explorado, não só dentro mas também nas
·as: cada área está integralmente ajustada ao
o a que vai servir, com cada canto, janela ou porta
s dos necessários bancos, armários, nichos e

FORMA CONVIDATIVA 219


prateleiras, de tal modo que acabam se integrando fora o mundo interior e traz para dentro o hol'm...
imperceptivelmente à mobília. Embora a casa seja As duas soluções são típicas do Niewe Bo
realmente pequena - o andar principal só tem uma sala ambas - radicais como são - estão baseadas
que pode ser subdividida quando necessário -, a ausência de elementos de sustentação na """'~..._ ·•
articulação infinita do espaço faz com que seja igualmente edifício. É o princípio do cantiléver, possível
muito grande e muito pequena. Esta casa, grande e aplicação de concreto reforçado, que produ ·
pequena ao mesmo tempo, com todas as suas nova e inédita experiência do espaço.
características funcionando juntas para criar uma plenitude Mas, por mais arejada que a construção de
amistosa, verdadeiramente habitável, mostra que espécie de possa ser, e por mais que a oposição entre o
ninhos as pessoas construiriam se pudessem, mas, além o interior seja relativizada - por recessos na
disso, oferece também um equilíbrio entre isolamento e por exemplo -, esta nova e extraordinária sei:LSa~141
extroversão. transparência e leveza só pode existir quando ~
Depois da Casa Schrõder, Rietveld nunca mais construiu coluna de canto for ausente, e quando a fa clle!OC:lllllr
algo que chegasse tão perto de um utensílio. Épossível que tão delgada que aparentemente tenha de su
tinha sido influenciado pela senhora Schrõder, para quem e apenas a si mesma. Os mais coerentes, e ta
com quem ele projetou a casa. O fato de que estivesse tão mais belos, são os cantos abertos nos edifícios
preparado para ouvi-la mostra sua verdadeira natureza e Duiker. A maneira como a estrutura de suste
sua atitude profundamente correta para com a arquitetura. Escola Técnica em Scheveningen e do Sanató ·
A idéia subjacente ao projeto da casa culmina no canto Zonnestraal, e também, claro, a sua Escola ao
fechado com vidro no andar da sala de estar. Quando a em Amsterdam, complementa o delgado e,rt,:,.,ri<Y •
grande janela do canto se abre, é de fato uma janela vidro nunca havia sido vista antes e nem foi ·
aberta para o mundo. Como o canto não é obstruído por depois, mas a influência desses edifícios sem
nenhum suporte, o espaço modelado pelas paredes em ainda é sentida hoje em dia, em todo o mundo.
ângulos retos pode expandir-se para fora, criando assim
615 uma experiência espacial única, a sensação de estar ao DE ÜVERLOOP, LAR PARA IDOSOS (615-619)
mesmo tempo fora e dentro - é difícil imaginar maior Um edifício residencial para idosos constituindo
relativização de interior e exterior. unidade organizacional autônoma (onde muitos
Essa foi, realmente, uma ruptura radical com tudo que moradores tendem a permanecer nas instalações
existia antes e simboliza para muitos de nós o entusiasmo de sua mobilidade limitada) assume quase inevitm.f!'!i--~l
causado pelas novas possibilidades tecnológicas. Mesmo a natureza de uma fortaleza. Neste caso, a locali
assim, essa janela, por mais paradoxal que possa parecer, não no coração do área residencial mas num sítio ~
é apenas um produto do artesanato de um carpinteiro. na periferia da cidade, à beira da represa do logo =-
O próprio Rietveld teve de encomendar a um serralheiro enfatiza ainda mais o efeito indesejável da reclusãc
uma tranca mais comprida que a comum para a janela. Ainda que a organização espacial do interior posse
Na verdade, tecnicamente, toda a Casa Schroder poderia sido projetada com a intenção de proporcionar o -
ter sido construída com os meios disponíveis ao século de abertura para os moradores, o projeto do exte
anterior. Ao contrário de Duiker e Van der Vlugt, que
buscavam inspiração em novas técnicas, Rietveld fez
projetos primitivos e atemporais: o sonho de um mundo
diferente por um carpinteiro.
O pequeno banco do lado da janela do estúdio de Rietveld,
sob a sacada, à esquerda da porta da frente, foi projetado
para a sra. Schrõder, que, mesmo sentada ali, permanecia
em contato com Rietveld quando ele estava trabalhando
dentro de casa. A maneira como os planos que se projetam
a partir das sacadas e das paredes formam um espaço
habitável, graças à combinação correta de abrigo e
contato, interior e jardim, é, na verdade, clássica: o que há
de novo aqui é apenas a forma que tudo isto assume." [7]

Graças ao canto aberto na Casa Schrõder de Rietveld,


não nos separamos do mundo exterior quando
estamos dentro; estamos bem no meio dele. Também o
círculo de vidro no alto da fábrica Van Nelle leva para

220 ll ÇÕE S DE ARQUITET URA


616 617
618
619

:elo menos zelar para que o complexo como um


oarecesse mais retirado do que o necessário.
- ntes deveriam poder ter um vislumbre da vida ali
os os próprios moradores, de modo especial, é
·am ter ampla oportunidade de manter pelo 111,
11,
11111
um contato visual com o mundo exterior. Para " 1,
essa idéia da maneira mais explícita possível, a
5o do espaço comunitário, usado para recepções e
~stivas, foi estabelecida para proporcionar a
sfa do lago Veluwe até o horizonte.
• amplas janelas em três lados e a sugestão de
amento devida à projeção semicircular do feto, a
parece mais a ponte de um navio do que a sala
rre, referindo-se também, dessa maneira, aos
com aparência de navio do movimento Nieuwe

FORMA CONVIDATIVA 221


O fato de o ângulo de visão se expandir com a
abertura de um canto é uma nítida vantagem, mas não
620 621
a única. Afinal, vãos acrescentados ou se projetando a
partir da fachada permitem que fiquemos do lado de
622
fora, por assim dizer, tenhamos uma visão da rua.
Mas, quando esse canto aberto não é um acréscimo,
quando o que se abriu foi o próprio canto do
edifício, o edifício parece mais leve, menos maciço,
justamente nos pontos em que se poderia esperar Abrir cantos onde a parede e o teto se encontram
força. Esta mudança no equilíbrio resulta de um escola Montessori de Delft (621 , 622, 625), a reforma :r-
deslocamento de ênfase, e torna o ritmo da estrutura easa particular em Laren (624), ou a aplicação do :x:::a•:
aberto no começo e no fim, como um tempo fraco em baixo no alojamento para estudantes em Amsterdc-- •
muitas composições musicais. (620) expandem o alcance da visão - mesmo quando es.s -

222
literalmente o caso - em virtude do deslocamento do foco 623
de atenção, dirigindo o olho para cima ou para baixo ou 624
para a rua lá fora . A qualidade da luz que entra pela 625
janela também muda: quando ela entra pelo alto sem
reflexos, traz consigo a qualidade do exterior, que é

FORMA CONVIDATIVA 223 111,1


''1..
abrir o canto entre duas paredes é ainda
quando o canto entre a parede e o teto é
isto revoluciona o paradigma espacial
tal como se manifesta especialmente na
estrutural (onde paredes e tetos/assoalhos se
. As "janelas" não são mais aberturas no
a parede ou de um teto - e, portanto,
objetos enquadrados-, mas efetivamente
a transição aberta entre planos, formando
a imagem geral menos maciça e "estável" e,
mente, menos separada de seu ambiente.

ieuwe Bouwen trouxe o mundo exterior


de nosso ambiente familiar, que, desse
desmaterializado e tornado transparente.
arquitetônico foi expandido, e se esta
moderna lembra-nos navios e pássaros,
se deve apenas ao idioma formal inspirado
· nalismo universalmente admirado da
Escola ao Ar Livre, Amsterdam 1927-30 / J. Duiker, B. Bijvoet 630
arquitetura naval, pois há também, e de
especial, uma alusão deliberada ao senso de
631
despertado pela visão de um espaço sem fim
o tempo, à consciência inevitável de lonnestraal Sanatorium, Hilversum 1926-31 / J. Duiker, B. Bijvoet,
dade. J. G. Wiebenga

1
e, portanto, também o espaço da arquitetura.
S VISÃO Ili II
A verdade" não existe mais. Dependendo de
posição e de nossos objetivos, experimentamos
realidade estratificada, e assim cabe à arqui
"revelar" mais, tornar transparentes, por ass·
os diferentes níveis da experiência e, por con,>e!,i;;a-r..
lançar mais luz sobre o funcionamento e a inter:69111111•
das coisas. Seja qual for o significado atribuído
experiência do espaço, no século XX, ela certa
compreende mais do que uma percepção pur
visual. O desvendamento pela arte e pela ciê
século XX de camadas de significado nunca
suspeitadas mudou nossa maneira de ver e, ,,,.,.,, _ __.
também a nossa maneira de sentir. O mundo
porque agora vemos as coisas de um modo que -
víamos antes, ou melhor, de um modo de ver
percebíamos antes. Em nossa época, somos ca
ver tanto que não podemos nos contentar com
aparências superficialmente agradáveis e com
arquitetura decorativa. O espaço da arquitetura
também compreende uma resposta aos outros
fenômenos e camadas de significado presentes
nossa consciência pluralista.

PAVILHÃO DA EXPOSIÇÃO MUNDIAL, PARIS, 1867 / f. lf __


632 Janela para o mundo Com muita freqüência, os edifícios são retratados er
luz do sol, mas aqui ocorre o oposto. Ecom a inve --
633 634 A expansão do espaço arquitetônico pelo movimento dia e de noite, parece que o interior e o exterior tcr:-:-
Nieuwe Bouwen é apenas uma parte da história do trocaram seus papéis. Como uma grande lâmpada,
século XX. Nosso pensamento relativista também estrutura arrendondada ilumina o espaço no qual es
ampliou o domínio no qual a arquitetura se manifesta estendendo seus telhados de vidro com luzes suspen
intervalos regulares num gesto de boas-vindas, de
que nos encontramos virtualmente dentro do edifício -
antes de atravessar a soleira. A transparência gera :
estrutura é em si mesma um convite para entrar nes
palácio moderno, que contém uma enorme variedaae _
bens para o novo mercado consumidor, como um p
radiante propiciando uma visão do novo mundo.

CINEMA CiNEAC, AMSTERDAM, 1933 / J. DUIKER (633, ~


"A evocação de uma visão de um novo mundo é
particularmente forte no cinema de noticiário, Cineac
projetado por Duiker & Bijvoet. Planejado como uma
máquina de informação na qual se entra casualmente
intervalo de compromissos (entre as compras, para
que acontecia no mundo naquela era anterior à tel
o edifício se apresenta como uma estrutura totalmente -
em que cada detalhe está ajustado para desempenha, =
função de uma janela para o mundo. À parte o lumi -
no alto do último andar (por si só um edifício) e a s
transição da rua para o interior do cinema (propiciooc
marquise de vidro e pela restituição à rua de um prec _· -
trecho das dependências), é particularmente a fachoCK:
vidro curvada em cima da entrada que atrai a atenç-
Graças à parede de vidro em volta do canto do prime-:.

226 LI ÇÕ ES DE AR QUI TET URA


: sala que contém os projetores se torna visível da modo, a última das grandes obras de Duiker foi
-iesmo tempo em que os operadores (na época irreparavelmente mutilada, e o número de exemplos
::i projeção automática) têm, por sua vez, uma relativamente intactos desse período da história, que mal
rua. A preocupação principal de Duiker, aqui, era compreende vinte anos, diminui de modo alarmante.
ente mostrar a tecnologia dos projetores, mas Já que não podem ser colocados em museus como carros
ltado, as pessoas responsáveis por esse trabalho, antigos, e até mesmo trens e navios, e já que não são
:e permanecerem escondidas num canto, ficaram suficientemente velhos para terem direito à pr~teção dada
~ das atenções, dentro do ciclo da vida cotidiana e aos edifícios antigos, só restarão umas poucas fotografias
te à vista. Assim, neste caso, a preocupação do para transmitir a impressão destas construções
com os requisitos essenciais para este cinema, admiravelmente leves. Quem será capaz de descrever, no
ra um propósito, situado num lugar pequeno, futuro, o que emanava deles e o sentimento que
desajeitado, deu origem a uma organização despertavam?" [8]
· ndamentalmente diferente." [7] 635 636
·o luminoso do alto foi demolido em novembro de CENTRO MUSICAL VREDENBURG (635-642)
: frente de vidro foi coberta com madeira. Só se "A grande clarabóia em forma de caixa no alto do Centro 637 638
a parede curva de vidro, exceto pelos mainéis Musical recebe luz suficiente para que sejam feitas
que foram substituídos por outros mais grossos apresentações durante o dia sem luz artificial - quando o
teceu também com a Escola ao Ar Livre). Deste céu está claro, pelo menos. Mas, mesmo quando se torna

FOR MA CONVIDATIVA 227


necessário uma iluminação artificial, ainda se pode ter uma 1.700 lugares, que, seguindo a forma do onfitea ::
idéia de como está o tempo, se é cedo ou tarde - pelo menos oferece uma visto excelente do polco central.
pode-se saber se o sol está brilhando lá foro, e os músicos A própria saio tem um desenho virtualmente simé ·-
não precisam ensaiar num espaço iluminado artificialmente. Numa sala de concerto, o som é naturalmente u
A possibilidade de fazer espetáculos à luz do dia fundamental, mos uma boa visão é complementa• :::
639 640 acrescenta mais uma alternativa à já bastante generosa bom som! Ver os músicos tocarem ajudo os ouvi _
gamo de serviços existente, ao mesmo tempo em que o distinguir sutilezas tonais, especialmente se eles -=
641 clarabóia também atuo como um farol poro o mundo receberam (ainda) uma educação musical. Ese os ~
exterior, um sinal das atividades que o Centro Musical tem também puderem distinguir seus companheiros de ::
paro oferecer." [5] isso aumentará o envolvimento emocional do pú
O troço dominante do edifício é o auditório principal com

228
:: qualidade das gravações modernas permite que visão dos outros companheiros de platéia, e isso, em
ouçam na intimidade de suas próprias salas de combinação com o arranjo das cadeiras e o articulação do
ões que raramente são igualadas nas espaço, torno possível uma atmosfera de unidade, até
ões ao vivo, é a experiência compartilhada que mesmo de comunhão, o qual seria impensável numa sala de
ao concerto uma experiência especial. Além concerto projetado convencionalmente, com uma fila de
sala de concerto que se podem ver os heróis e assentos atrás da outro, todos voltados na mesma direção.
s discos. Desta maneiro, o edifício se adapto à natureza específica
mais próximo de um teatro de arena do que do evento, não só tornando o próprio auditório adaptável
::e concertos tradicional, torna este auditório (flexível, no equivocado jargão arquitetônico), mos
para os numerosos gêneros de música com que a dando-lhe também polivalência: não só fornece um
ão em si tem um papel mais central do que na ambiente adequado paro espetáculos de músico clássico de
'.llúsica clássica. Além disso, a plataforma pode orquestra e de câmara, jazz, espetáculos de variedades, o
~da para incluir os assentos no nível do solo, circo (com leões vivos!), além de espetáculos experimentais
oossível assim a performance num palco circular. com os diversos seções da orquestro posicionadas nos
io está equipado com toda a gama de serviços cantos, como ainda confere ao próprio espaço o papel de
ação teatral e seus controles - visíveis nas barras um instrumento com o qual todos esses diferentes eventos
no alto. Além de ser adequado para um amplo podem ser executados." 15]
espetáculos musicais, a sala de concertos deveria,
:e, contribuir de fato para a qualidade do que • Nossa arquitetura deve ser capaz de acomodar todas
ali dentro, melhorando a atmosfera geral e as essas diversas situações que afetam a maneira como
- de trabalho. um edifício é entendido e usado. Ela não só deve ser
oferecer possibilidades de ajustamento de tamanho capaz de adaptar-se às condições mutáveis do tempo e
- da plataforma, assim como de disposição e às diversas estações, como deve também adequar-se
e dos assentos, i.e., flexibilidade técnica e para ser usada tanto durante o dia quanto durante a
cional, o espaço deve ter a capacidade de se noite; deve ser deliberadamente projetada para 641
ao grau de abertura ou intimidade exigido por responder a todos esses fenômenos.
táculo particular, ou seja, de promover o O arquiteto deve levar em conta todos esses diversos
ento dos espectadores entre si e com os músicos. tipos de usos, assim como os sentimentos e os desejos
em anfiteatro do auditório não só oferece a todos dos vários tipos de pessoas, cada uma com seu padrão
visão dos músicos, como também oferece uma boa específico de expectativas, suas próprias possibilidades

111
.,,
11111
e restrições. O projeto definitivo deve estar mostrar o que não é realmente visível, e despe
harmonizado com todos os dados intelectuais e associações de que não tínhamos consciência a
emocionais que o arquiteto possa imaginar, e deve Se conseguirmos produzir uma arquitetura que
relacionar-se com todas as percepções sensoriais do capaz de incorporar diferentes níveis, de tal m
espaço. As percepções do espaço consistem não só no as diversas realidades, tal como encontradas nas
que vemos, como também no que ouvimos, sentimos, e diversas camadas da consciência, possam ser re
até mesmo no que cheiramos - assim como nas no projeto, então o ambiente arquitetônico pode
associações que despertam. visualizar essas realidades e dizer algo "sobre o
Desta maneira, a arquitetura também é capaz de mundo" aos usuários.

- -
643
644
.-

230
_ POISSY, FRANÇA, 1929-1932 / LE (ORBUSIER

de estar cercada ao ar livre desta vil/a é sem


·s impressionante exemplo de espaço exterior
_ e podemos encontrar entre quase todos os
:.e Corbusier. Graças ao fato de esta paisagem
situada na periferia do volume e possuir o
- jo horizontal de janelas das áreas de estar
o terraço também oferece uma visão da
.. erior. Os terraços nos telhados de Le Corbusier
jardins nem interiores; representam uma
esoocial completamente diferente, com uma
:iltamente específica.
·as, por sua vez, criam tão-somente a ilusão de
Elas certamente são grandes demais para ser
o vasos, mas também não são canteiros,
seus esboços Le Corbusier tenha incluído uma
nem maior de plantas do que a maior parte dos
,ostuma fazer, já que tendem a pensar nas
como um mero detalhe para preencher as partes
eiro no desenho e, em seguida, no prédio
... Aqui elas se parecem mais com as sementeiras
, que podem ser cobertas com vidros, e que
oodem ser usadas assim pelos moradores com
para plantas. Esta associação é enfatizada pela 645
oe luz nas jardineiras, e é essa integração de dois 646
tes aparentemente tão distantes que torna o
excepcional. 647abc

• clarabóias no chão do terraço torna-as menos


·se retira-lhes o caráter de obstáculo. Vistas de O que vemos aqui é uma organização melhor das partes
plantas nos dão certa idéia do terraço acima . componentes, de maneira que o retângulo de luz, em toda
-rio da clarabóia convencional, que mostra sua abstração, assume a qualidade de uma visão
te um retângulo de céu, as clarabóias cercadas adequada . Para Le Corbusier, não havia separação entre a
s de Le Corbusier oferecem uma visão menos ordem formal e a aplicação informal. Ele estava
o mundo exterior, e, às vezes, até o vislumbre de evidentemente tão preocupado com a organização das
terraço, olhando para baixo ou regando as rotinas diárias quanto com a composição do grande
O que Le Corbusier fez aqui, como tantas vezes em gesto. Éa interação de uma infinidade de detalhes,
s extraordinárias, e que um mero detalhe como como os elementos que constituem uma máquina complexa,
a, foi combinar elementos essencialmente que faz nascer a poesia. Eé precisamente isto que
de tal maneira que eles se tornam poucos arquitetos de hoje parecem compreender (ou que
ntares em virtude do espaço que um dá ao outro. tantos arquitetos parecem incapazes de criar).

FORMA CONVI DATIV A 231


Assim, apenas uma parte relativamente pequena do
caminho que liga os dois trechos do parque arboriz
subterrânea, de modo que a passagem através do hí-=-
relativizada para se tornar um pequeno incidente n :
trajetória mais longa. Podemos portanto caminhar a _
da carcaça de uma espécie de réptil primordial, feit :i:
placas de ferro corrugado, com nossos passos ecoa :
PASSAGEM SUBTERRÂNEA PARA PEDESTRES, GENEBRA, SUÍÇA, 1981
/ G. DESCOMBES [648-652)
tábuas de madeira: temos uma sensação de segredo_ -
disso, no meio do túnel há uma abertura no alto, no-:
Em Lancy, perto de Genebra, Georges Descambes projetou
da rodovia (algo que mais passagens subterrâneas
uma passagem subterrânea para pedestres ligando as duas
deveriam ter). O túnel em si foi reduzido a um mero-::
seções de um parque cortado por uma rodovia. O ferro
648 de um caminho mais longo, um interlúdio relativamerr =
corrugado que forma o túnel propriamente dito é exposto à
breve num passeio pelo parque. O efeito da ponte é
visão nas duas extremidades. Mas há também uma delgada
649 650 651 encurtar o túnel pelo simples prolongamento da trav~ ~
ponte de aço no túnel, sob a qual corre um riacho.
652 uma área do parque até a outra. E, como freqüente
Esta ponte, muito mais comprida do que o túnel, prolonga-se
acontece, o caminho mais pitoresco é também a lig -
até certa distância de cada lado da rodovia.
mais curta entre dois pontos.
ALHAMBRA, GRANADA, ESPANHA, SÉCULO XIV (655·657)
Ao conduzir a água sobre os degraus de pedra, onde
forma uma seqüência de pequenas cascatas ao longo do
canal de um degrau a outro, esses lances de escada na
Alhambra assumem uma forma extraordinária. A luz
refletida na superfície da corrente, assim como o som,
653 654
HAMP, FRANÇA, 1955 / LE (ORBUSIER (653, 654) intensificam a imagem de uma descida em degraus, e é isso
::e Notre Dame du Haut em Ronchamp é talvez que faz com que algo tão pedestre como um lance de
655
citada como um exemplo do expressionismo de escadas surja de repente como algo especial. Mas não é só
- pelo mestre da arquitetura expressionista, Le nossa consciência do fenômeno dos degraus que se torna
O telhado tem a forma de uma grande bacia, do mais aguda, é também o fenômeno da água que se
_ <J escorre por uma única bica, a exemplo
: e estamos acostumados a ver nas catedrais,
sta de maneira mais orgânica. Demora algum
que a água da chuva represada escorra depois
ceiro desapareceu por sobre colinas: ela jorra
=tirça tremenda, mas sua queda é aparada por
forma de pirâmide antes de cair em outra bacia
, colocada no chão sob a bica.
: seguir é de um texto escrito por ocasião da
i..e Corbusier, em 27 de agosto de 1965: "Tudo o
·sta toca com suas mãos muda seu trajeto. Le
unca se preocupou apenas com a forma, ele 1

j j! I I
se preocupou com os mecanismos daquilo que
:.:1111
te dele; ele podia alterar o leito de uma corrente
r a direção da água, de modo que a água
sível aquele novo curso e se transformasse num
- :gua diferente; assim, a água se tornaria mais
- - is fiel a si mesma, ao mesmo tempo em que a
~mbém se tornaria mais clara e verdadeira .
: edifício nos diz algo sobre a água que passa
-:- ado, e a água nos diz algo sobre o edifício; e,
, tanto a água como a superfície coberta pela
am-se mutuamente, contando-nos algo sobre o
re si mesmas." [2]

FOR MA CONVIDATI VA 233


656 657
intensifica por esta combinação feliz - a mesma substância em qualquer superfície pavimentada, mas aqui sua
líquida que tendemos a tomar como corriqueira não pode presença foi formalizada e tornada permanente por - '='
658 de uma intervenção arquitetônica mínima. Uma arq · _
deixar de ser notada nesta forma extrema.
Os pequenos tanques redondos com fontes esculpidas em primária com água - depois do mármore, o mais ric =
mármore liso são poças artificiais como as que se formam mais refrescante material imaginável neste quente jar
andaluz!

MESQUITA, CÓRDOBA, ESPANHA, 786-1009 (658, 659)


O pátio da mesquita de Córdoba é sombreado por
laranjeiras crescendo em depressões circulares nos
calçamentos. Estes círculos são ligados por canais,
formando assim um sistema eficiente de irrigação pa-::
árvores. Nos buracos relativamente grandes, a água
ser facilmente absorvida pelo solo; o estreito canal ae
ligação serve apenas para facilitar o transporte da Ó::-=
uma árvore para a outra. Este projeto deriva sua be;s:;:
não da simplicidade da forma como tal, mas do fa o ::-=:
a forma mostra de maneira clara como funciona.
Poderíamos dizer que a forma neste caso não só seg-...c
função, mas que é a função. A forma circular não a"'-
se combina belamente com o formato das árvores
criar um desenho graficamente interessante, como
se harmoniza com o serpentear da corrente muito
do que o faria uma forma quadrada (que também
cantos, mais difíceis de limpar).

234 LIÇÕES DE ARQUITETURA


substância ricamente diversificada que é subjacente
aos requisitos específicos e diretos, formulados no
resumo do projeto.
Quanto mais níveis de experiência - no sentido de
aspectos - forem levados em conta em nosso projeto,
mais associações podem ser feitas, e, portanto, maior
será a gama de experiências para diferentes pessoas
em situações diferentes, cada uma com suas próprias
percepções.

RESIDÊNCIA PARTICULAR, BRUXELAS, 1896 / V. HORTA (660-664)


"Como acontece em todas as grandes residências
particulares projetadas por Horta, esta casa, que ele
construiu para seu próprio uso (hoje, Museu Horta), tem
uma escadaria central em torno da qual se forma toda a
estrutura vertical. As áreas de estar principais no primeiro
andar, com níveis diferentes na frente e no fundo, não estão

660
661

236
as da escada: em vez de termos de atravessar
res que levam a salas separadas, a própria escada
duz às diversas áreas da casa. Os degraus são bem
'10 andar térreo, e se tornam mais estreitos à medida
m. Parece bastante lógico que os degraus para as
-ais privadas nos andares de cima não precisem ser
gos, e uma vantagem adicional da maior abertura quando não funciona. O aspecto mais impressionante das 662 663

da escada no alto da casa é permitir que a luz que lâmpadas que Horta desenhou para a área do ha/1 de sua
:,ela clarabóia atinja uma extensão maior da casa. casa é naturalmente sua semelhança com flores. Mas, para 664
.oorções da escadaria nos tornam conscientes em o próprio Horta, a forma semelhante a plantas representava
: dar da altura do prédio, dando com isso, ao prédio mais do que um ornamento: era uma maneira de organizar
m todo, coerência espacial e unidade." [9] as exigências de energia de uma maneira funcional, em
que a estrutura de sustentação do edifício se combina com
s acostumados a ter eletricidade em cada quarto, um sistema distinto de condutos para luz de gás e para o
: fiação escondida da vista em algum lugar nas aquecimento. Cada componente neste sistema integrado
s, mas isto reduz o fenômeno da eletricidade a algo funciona independentemente dos outros, e pode ser visto
eiro e em que nunca pensamos. Eo aquecimento, realizando sua função dentro do todo.
regulado automaticamente, é algo que só notamos

FORMA CONVIDATIVA 237


1. Biombo corrediço sólido
com frente de metal
2. Porta corrediça de aço
com moldura de vidro
3. Trilho de madeira

Mas não consigo imaginar ninguém que, ao entrar pela


primeira vez nesta casa, não se espante com o espaço ~=
se abre diante dele depois desta parede de vidro sólido.
Para mim esta casa - um espaço único, como uma
articulação de lugares misturando-se e sobrepondo-se de
um nível para o outro, sem divisões visíveis - represent(){.
uma experiência completamente nova quando a visitei pe,=
primeira vez. Entrei numa espaçonave, fora deste mund
com maravilhosos painéis de metal curvos, que se podia
girar ou empurrar para o lado com o dedo,
misteriosamente, e revelar um espaço que estava
temporariamente oculto da visõo. Muito diferentes, para
dizer o mínimo, do mundo normal, onde os quartos são
trancados com pesadas portas de madeira, ligadas por
dobradiças a batentes em paredes de pedra.
E, depois, o par de portas corrediças paralelas, uma de'
sólida e a outra transparente, que podemos mover de
MAISON DE VERRE, PARIS, 1928-32 / P. (HAREAU, B. BIJVOET, l. maneira independente para termos precisamente aquelas
665 666
DALBET (665-667) gradações de som e de contato visual que desejamos n =
667
A coiso mois impressionante nesta casa não é o seu exterior. situação específica . A abertura, com sua transparência
Quando a vemos pela primeira vez, espremida num pátio, acústica, torna audível qualquer canto remoto da casa, e
ela certamente não parece ter a aparência que junto com a qualidade incomum de luz filtrada pelos bl
668 669
esperaríamos de uma casa de vidro. Além disto, mal se de vidro, difusa e serena como luz indireta, evoca uma
pode ver alguma coisa do interior do lado de fora: o grande atmosfera extraordinariamente pacífica e arejada. Era
bloco de vidro da fachada está assentado ali, quase como assim que imaginava o novo mundo do século XX: e foi
uma parede sem janelas, no meio da velha arquitetura, aqui que eu reconheci pela primeira vez, na arquitetura
adaptando-se à forma dos arredores. Com seu exterior sem sentido de espaço que Picasso, Broque, Léger, Delaunay
ênfase, a casa destaca-se de seus arredores apenas por um Duchamp haviam despertado em mim.
contraste espetacular de material entre a fachada de vidro e A alusão a uma nova era foi afirmada mais adiante, ao
a parede de pedra a seu lado e em cima. que tudo indica, pelo caráter mecânico e muitas vezes
literalmente máquina de todos os seus componentes, pec
maneira como despertam fortes associações com um m
industrial, no qual partes de edifícios, como partes de
automóveis e aeroplanos, são produzidas em fábricas e
depois montadas.
Sempre nos perguntamos por que os edifícios não pod" -
ser montados da mesma forma, a partir de componen es
aperfeiçoados - e era exatamente o que acontecera ali:
janelas de trem que deslizam para cima e para baixo,
escadas leves de aeroplano, engrenagens expostas
mostrando como as janelas abrem e fecham, e revela -
por toda a parte atenção ao detalhe: tudo inventado e

238 ll ÇÕ ES DE ARQU ITETURA


andar térrea
primeiro andar
segundo andar

com base em princípios inteiramente novos. Era sonho, os componentes arquitetônicos produzidos 670abc

imaginávamos uma arquitetura feita com industrialmente não se assemelham a eles, e não têm o 671 672

tes estruturais pré-fabricados. O sonho de que sentimento de Chareau, Eames ou Piano. Os interesses da
ueza de soluções poderia estar ao alcance de indústria de construção e os caminhos que ela trilha na 673

ia finalmente estar se tornando verdade. prática não coincidem. A indústria da construção prefere
com que a casa foi projetada e construída em produzir lixo com obsolescência embutida, ou então se
es evoca em nossa mente a perfeição simbólica prostituir com elementos perfeitos de concreto pré-fabricado
s Royce, e hoje, mais de cinqüenta anos depois, que se escondem por trás de uma máscara ridícula de
ai nda funcionando suavemente, ainda somos modelagem vagamente classicista: somos capazes de tanta
:iela admiração. E isto de fato tampouco chega a coisa - e, portanto, também de vulgaridade. Não, a
"Maison de Verre" permanece um sonho, e o novo mundo
er, pois suas delícias repousam não apenas na
da produção industrial ainda não aprendeu a fabricar
cada solução como tal, mas derivam da
- de que seria possível repeti-las.
· o parece mais a forma de uma técnica do que a
:a uma forma. E ainda podemos imaginar que a
• :: de nossa época será capaz de produzir uma
em que cada elemento dentro do todo
possa ser compreendido pelo que é e por que foi
• a determinada maneira. Mas por que o
menta da indústria deu tão pouca atenção ao
essa técnica?
=- ·stam muitos edifícios com implicações industriais
formal e que, desse modo, perpetuam nosso

FORMA CONVIDATIVA 239


elementos de construção com o mesmo grau de perfeição, única vez, num único momento da história; um produto
por exemplo, do moderno equipamento eletrônico. artesanal que, com mais ênfase nos conexões entre os
O paradoxo desorientador desta casa é que a idéia da vários elementos do que nos próprios elementos, está
produção industrial não seja confirmada pela realidade perto do ort-nouveou do que do moderno pensamento
industrial: coisas que parecem reproduzíveis não o são industrial.
necessariamente. A arquitetura parece, com freqüência, Tomemos, por exemplo, o sentimento que se manifesto e.
incapaz de transpor o espaço entre idéia e realidade da nós quando vemos o modo como o eletricidade é cond -
maneira que a arte o faz. através de colunas e tubos verticais nos quais estão
"Só raramente a arquitetura consegue escapar de seu montados os interruptores, e que, portanto, em vez de
destino ostensivamente inescapável - o de procurar se saírem da parede aleatoriamente, tornam-se visíveis e
afirmar nesta ou naquela tendência, em vez de expor a compreensíveis como um sistema autônomo por direito
superficialidade de toda tendência e substituí-la por uma próprio: esse é o espírito de Horta. Aqui vemos a
674 675 realidade mais verdadeira. Ea arquitetura, ao que parece, verdadeira funcionalidade manifestando-se a partir do
tende a ser material demais para ser ideal, e, em vez de art-nouveau.
676 677 atacar a realidade existente, faz o oposto: faz o máximo Mas ao mesmo tempo a espacialidade desta casa se to :
para afirmá-la. Só podemos falar em arte quando um menos surpreendente quando já conhecemos o interior
mecanismo inteiramente diferente está em jogo, quando um grandes casas projetadas por Horta. Nelas também já
paradigma diferente substitui o que é familiar e que está à encontrávamos, como um conceito, o princípio do espace
mão. O que torna esta casa uma obra de arte é que ela contínuo, articulado, que pode ser expandido ou contra --
nos faz olhar o mundo à nossa volta com olhos diferentes: é livremente por meio de elementos ajustáveis, e no qual -
pela mudança de nossa visão que ela pode mudar o há corredores, halls ou escadarias no sentido convenc·
mundo. Bem examinado, o "Moison de Verre" é mais um de maneira que a hierarquia de espaços que serveme
conjunto de peços únicos, um equilíbrio extremamente espaços que são servidos começa o desaparecer, e cooc
delicado de idéias, que provavelmente só pode surgir uma área se torna uma área de estar.
Quando a família Dolsoce ainda morava ali, o coso er
verdade um amplo espaço de estar. Mesmo nos cantos -
escondidos, fazia-se sentir aquele toque cuidadoso de
Annie Dolsace e seu profundo amor pela arquitetura, pe:
qual e para o qual tudo aquilo surgiu . Assim, esta case
com todas as suas perfeitas construções de metal, irrac ~ _
um tipo especial de calor, que de certo modo desafia o
descrição.
Talvez a coisa mais admirável sobre o casa fosse sua
atmosfera, muito diferente da atmosfera altamente
exclusiva, ostentatória, que encontramos em geral nu
ambiente rico como este. Reinava uma completa
equivalência neste espaço; o mesmo cuidado era dedic
tanto aos utensílios mais corriqueiros quanto aos obje _ :e
arte de valor incalculável, por essas pessoas elegantes a
imaginosas em seu ambiente sempre hospitaleiro: um
maravilhoso sonho de um mundo novo, mais leve e
transparente que se tornara verdade." [11]

240 li ÇÕ ES DE ARQUI TET URA


neira como um edifício é integrado, i.e., como orgânico semelhante ao das plantas ou como um composto
· na, deveria ser "legível" para seus usuários: em sistemático de várias partes, em que cada uma é
de uma camada de reboco cobrindo tudo, por delicadamente modelada e encaixada.
pio, é melhor mostrar os tijolos do edifício, as
e colunas de concreto ou aço, os dintéis sobre as (ASTEL BÉRANGER, PARIS, 1896 / H. GUIMARD (678)
s. Pode não ser uma má idéia deixar pelo menos Hector Guimard, que é particularmente famoso pelas
das "entranhas" do prédio expostas, para tornar elegantes esculturas de metal semelhantes a plantas que
soas mais conscientes do esforço empregado na emolduram as entradas do metrô em Paris, foi também
- de uma moradia satisfatória. Na verdade, capaz de trabalhar com barras padronizadas de metal em
objetos utilitários em geral poderiam muito bem forma de Le T. Em vez de simplesmente serrá-las no
projeto mais direto e lúcido. No século XIX, com comprimento requisitado, como a maior parte das pessoas
técnicas firmemente enraizadas na tradição
nal, isto obviamente não era tão importante
hoje, com a alienação crescente - também na
· tura - do homem diante de seu ambiente.
soas muitas vezes incorreram no erro de
r piamente que as coisas no mundo se
· ariam de acordo com as melhores intenções:
os ser capazes de ver por nós mesmos o que
acontecendo.

IA VAN EETVELDE, BRUXELAS, 1898 / V. HORTA (679, 680)


es tão características de Horta, que podem ser
mbém na residência Van Eetvelde (hoje, um
ºo), nos fazem pensar imediatamente em longas 678
iras sinuosas. Mas, examinada de perto, esta peça 679 680
mostra que não é composta de barras curvas
:<JS, mas sim de grande número de pequenos
entes, que, combinadas, descrevem curvas perfeitas
- encaixadas separadamente nos suportes verticais.
cos para o encaixe estão colocados em cada uma
~s de metal de tal modo que o espaço reservado
oda rebite tem a medida exata, fazendo com que os
s parafusos sejam parte integral da composição
• todo. Dependendo da maneira que se olha, esta
ão de ferro se manifesta como um desenvolvimento

FORMA CONVI DATI VA 241


fariam, ele deu uma atenção especial às extremidades de isso também é válido para o planejamento urbano
cada peça. Sendo elementos padronizados produzidos em que os detalhes obviamente adquirem grande
massa, as barras tinham naturalmente a mesma espessura, proeminência. Embora os critérios que se aplica
mas para o acabamento das extremidades das barras ele planejamento urbano possam ser diferentes, o
recorreu ao ferreiro: assim, cada seção acabou se processo de pensamento é basicamente o mesmo
681 682
transformando em um elemento artesanal. Mas, por maior projeto urbano dos detalhes, incluindo, por exem
que tenha sido a adaptação, o perfil básico dos desenho de uma balaustrada." [1 O)
683
componentes pré-fabricados foi mantido e, paradoxalmente, Ao mostrar como as coisas funcionam, e ao deix
as extremidades sinuosas enfatizam a característica básica cada elemento falar por si próprio no que se refere
do material. A elegância destes estudados floreios torna sua função no todo maior, a arquitetura de um
cada barra não só um elemento com sua própria identidade pode intensificar nossa consciência dos fenômenos
particular, mas também um elemento dentro da composição compõem o nosso ambiente.
do todo. Se está claro como uma coisa funciona, é porque
parece ser possível desmontá-la. A expressão da
ESCOLAS ÁPOLLO (681, 682) capacidade de ser analisada e a possibilidade
Não fazemos balaustradas com linhas fluentes feitas de aparente de ser desmontada não são apenas traços
tubos de metal soldadas ou com barras de perfil, mas característicos dos projetos art·nouveau de Horta e
tentamos fazê-las com componentes separados, de tal modo
que a ênfase não recaia apenas nos componentes mas
também nos espaços entre eles. Enos lugares em que os
diversos componentes se encontram e se encaixam, e
reserva-se o espaço adequado a cada um deles, a atenção
é dirigida para as extremidades.

"Um edifício, mas também parte de um edifício,


explica a si mesmo ao mostrar como funciona e para
que serve. Tentamos tornar cada elemento claramente
legível isoladamente e em sua relação com os outros,
tornando-o dessa maneira não apenas parte de uma
estrutura maior, como também de um todo autônomo.
Assim os detalhes podem reivindicar uma prioridade
completa onde é importante: neste aspecto, não há
muita diferença em comparação com a abordagem do
edifício como um todo. O todo e as partes se definem
mutuamente e requerem o mesmo grau de atenção;

242 llÇÕES DE ARQUITETURA


•tetura de Chareau, Bijvoet e Dalbet tal como 686 688 690
plificada na maravilhosa Maison de Verre, mas 687 689 691
' m do construtivismo contemporâneo (sem dúvida 684
nciado por estes célebres artistas) de pessoas 685
Renzo Piano, Richard Rogers e Norman Foster -
ro, de Le Corbusier em um dos últimos projetos
executou: o pavilhão Heidi Weber em Zürich
-67) (683-685), alguns anos antes da construção
Centre Beaubourg, em 1970.
dar independência às partes componentes, estas
só adquirem mais identidade graças à expressão
sua função específica dentro do todo, como ainda
mais atenção às junções e encontros das partes.
• fase desloca-se dos objetos para aquilo que os

só Horta, Chareau e outros dão a cada


nente a parte que lhe é devida dentro do todo,
ainda se preocupam com o espaço, e cada um
conseguiu à sua maneira desenvolver
nismos espaciais revolucionários e magníficos.
ito mais do que se pode dizer sobre os heróis
itetônicos de hoje e seus seguidores, que ainda
• foram capazes de igualar a espacialidade
çada há mais de um século, com base em
'pios essencialmente análogos, por alguém como
· Labrouste.
Pavilhão Heidi Weber,
Zürich, 1963-67 /
le Corbusier

FORMA CONVIDATIVA 243


Embora cercada por maciças paredes neo·renascentistas, o
sala de leitura alongada da Biblioteca Sainte Genevieve (de
1843-1850!) tem uma estruturo metálica com uma
aparência surpreendentemente frágil, com um teto formado
por duas coberturas com abóbadas cilíndricas. O delicado
trabalho de ferro é como um acréscimo moderno aos
pesados resíduos do passado, e, embora se possam
encontrar motivos classicistas nas colunas delgadas, eles
não passam de decoração superficial. Os arabescos em
forma de plantas que decoram os arcos não ocultam o fato
de que a estrutura de ferro serve a um propósito puramente
construtivo: a solução do arquiteto, aqui, é no verdade um
exemplo de art-nouveau avant la fettre. Embora o teto seja
formado por dois vãos paralelos que se transformam
graciosamente em abóbadas cilíndricas em cada
extremidade, o espaço não está dividido em duas metades:
permanece um todo unificado. Isto se deve em parte ao fato
de que a fileira de colunas no centro não se estende de
uma ponta à outro e deixa desimpedidas as áreas em cada
BIBLIOTECA STE . GENEVIÊVE, PARIS, 1843-50 / H. lABROUSTE
extremidade.
(692·699)
Henri Labrouste foi o primeiro arquiteto-engenheiro a
projetar a construção de ferro em que a moldura real é
uma expressão arquitetônica deliberada . Os arcos
metálicos que haviam sido aplicados antes em galerias de
692
lojas, estufas, e, claro, na Bolsa de Paris de 1808, tinham
694
partido do princípio da clarabóia, em que os aspectos
695
técnicos do material eram tolerados em vez de servirem
693 696
como um meio de obter uma nova espécie de projeto
espacial.

244 li ÇÕ ES DE ARQ UI TETURA


o é muito mais comprido do que largo, mas o
o das fachadas compridas e curtas é idêntico: a
:irticulação, a mesma fenestragem e também
os estantes de livros ao redor, com escadas
s diagonalmente em cada canto (de modo que
canto imponha uma direção hierárquica ao
(Você colocaria as escadas nos cantos dessa
3) Esta equivalência de paredes compridas e curtas
roma a biblioteca tão singular do ponto de vista da
dade: a maneira como o teto com dupla abóbada
deixa o espaço sem divisão, intacto, é
'omente surpreendente.
os dar uma olhada para ver como Labrouste
"sto: se os vãos tivessem realmente uma forma
_.., ar (como parecem ter), este tour de force espacial
sido possível, no mínimo porque não haveria
• ornar um canto. Mas, Labrouste usou vãos de um
:,e círculo, o que lhe deu a possibilidade de criar
sição natural e fluente ao estendê-los para
meio-círculo onde era necessário e ao usar
de ângulo reto para encaixar os segmento de um
:,e círculo aos arcos complementares nos cantos.
ação de apenas dois tipos básicos de elementos
·nações tão engenhosas conduziu a uma ruptura,
omente ou não; com seu uso liberador de
697
tes idênticos, ele estava antecipando um indissociáveis. Sua solução não é meramente o resultado do
·mento que só viria no século seguinte. que ele era capaz de realizar, mas também, e de maneira
698 699
maneira que Labrouste integrou seus elementos bem mais importante, ele foi capaz de realizar o que havia
uma espacialidade unificada extraordinária, no pensado em termos de espacialidade. [12]
a arte de fazer e o fazer da arte são

l:lli

FORMA CONVIDATIVA 245


702 703
'emente toda a estrutura. No caso de um arquiteto O plano evidentemente exigia a inclusão de sete salas de
iker, é particularmente interessante examinar as aula - um número que, duas a duas ou três a três, deixa 704
subjacentes às suas soluções meticulosas e bem sempre uma das salas numa posição separada, o que
as. Uma tentativa de analisar estes processos de inevitavelmente afeta a simetria do projeto como um todo.
ento produz os seguintes resultados. O prédio é composto de camadas, cada uma delas com
duas salas de aula, que podiam conviver com uma sala de
aula exterior, agrupada em torno da escada. A sala de
aula remanescente poderia ocupar assim o andar térreo,
posicionada da mesma maneira que as salas de aula em
cima, enquanto o espaço do outro lado podia ser usado
como um ginásio de esportes.
Havia uma série de motivos para erguer um pouco a sala
de aula no andar térreo: em primeiro lugar, para
compensar a altura extra necessária para o ginásio e para
que seu telhado não ficasse mais alto do que o primeiro
andar. Um outro motivo era que as crianças na sala de
aula do andar térreo poderiam se distrair facilmente de seu
1111
trabalho quando crianças de outras classes estivessem no
playground ao lado. Esta situação foi bastante melhorada
pela diferença de nível, de modo que as crianças sentadas
do lado de dentro estão num nível mais alto do que as que
estão brincando do lado de fora. Mas quando olhamos
para a entrada há muito mais do que isto. A entrada
efetiva, formal, está situada sob a pequena portaria na
qual se encontra o jardim-de-infância. Quando as crianças
estão no playground, no pátio, elas, em certo sentido,
já estão do lado de dentro, e, portanto, não há necessidade
(se é que Duiker alguma vez sentiu tal necessidade) de
enfatizar a entrada para o próprio edifício - pois não há

FORMA CONVIDATIVA 247


como não perceber a entrada. No entanto pode-se chamar esta solução teria sido a menos óbvia . Na verdade, é
a "abordagem" - sob o pórtico semelhante a uma galeria preciso uma postura muito específica e altamente
aberta, flanqueado por duas colunas simétricas da moldura excepcional para abandonar uma simetria tão
inteiramente simétrica - clássica, num certo sentido. Esta cuidadosamente equilibrada em nome de uma entrada
solução é realmente tão "normal", e ao mesmo tempo quase conveniente, em vez de tentar espremê-la no projeto
monumental, que é ainda mais impressionante que a preconcebido.
própria porta de entrada seja colocada - informalmente - à O importante é que Duiker não se adaptou simplesmente às
direita do eixo do edifício. Oudndo a examinamos mais de circunstâncias assim como se apresentavam, mas tomou
perto, fica claro que eram necessários alguns degraus para precisamente as medidas que resultavam numa organizaçõ:
que se pudesse chegar à escada principal, que sai da com as melhores condições possíveis de uso, visão e
plataforma em frente a essa sala de aula. Havia, portanto, percurso. Acima da ordem formal de uma simetria coerente
uma razão funcional para deslocar a entrada com a porta ele deu prioridade a um arranjo em que cada parte
para a direita; na verdade, parece bastante lógico, funciona otimamente sozinha e como parte de um todo. E~
especialmente porque, uma vez que estamos na loggia (isto exemplo da escola de Duiker forneceu a chave, se não
é, entre as "duas colunas de entrada"), não faz a menor diretamente, pelo menos indiretamente, para as soluções
diferença se a porta está exatamente à sua frente ou apresentadas nos exemplos que se seguem.
ligeiramente ao lado. Para qualquer outro que não Duiker,

705
706
707 708
'i"'

248 llÇÕ ES DE ARQUI TETU RA


ao fato de que simplesmente não havia aqui nenhuma
razão válida para abandonar o princípio óbvio da simetria.
No entanto, esta não era uma regra estrita: onde quer que
o abandono da simetria beneficiasse a organização
funcional, o princípio foi abandonado; em outras palavras,
não foram feitas concessões à custa de requisitos internos
que não se ajustassem automaticamente "ao sistema".
Como conseqüência, surgiu toda uma gama de desvios
incidentais, que juntos determinam o aspecto geral tanto
quanto o esquema principal. Um dos inumeráveis exemplos
disto é a seção do meio da fachada oeste: para permitir
que a área central do ha/1 se beneficiasse plenamente da
vista, era razoável incorporar um compartimento ressaltado
e uma varanda a esta seção. Em teoria, havia duas
maneiras de manter uma simetria estrita: dois
compartimentos ressaltados em cada um dos lados de
{fRLOOP, LAR PARA IDOSOS (705-711) uma varanda, ou duas varandas em cada um dos lados de
r para idosos em Almere está situado num terreno um compartimento ressaltado. Mas ambas as soluções se
escente nesta cidade; de um lado limita-se com um chocariam com os requisitos espaciais para o
·onamento, do outro se expande livremente, sem funcionamento ótimo dos dois elementos, e, além disso, a
.im ponto de apoio nos arredores urbanos. Todas as colocação assimétrica fez com que o espaço ressaltado se
das voltadas para o exterior assumem, portanto, o ligasse muito melhor com a organização espacial do centro
de frente. Em outras palavras, não há fundos com como um todo. Em vez de projetar duas varandas ou dois
as para entregas e outros serviços (a entrada de compartimentos ressaltados pequenos demais em nome
as da cozinha está localizada na extremidade de apenas da composição geral, cada elemento recebeu o que 709
das alas). Também não há uma entrada principal lhe era devido. As dimensões da varanda, além disso,
, porque a entrada para pedestres para o pátio tornaram possível a inclusão de uma proteção de vidro 710 711
o, onde os moradores com menos mobilidade podem sobre parte do espaço da varanda, de modo que se pode
enturar no mundo, não é mais nem menos importante escolher entre ficar sentado em lugares mais protegidos ou
_ e a entrada do outro lado, que pode ser usada por menos protegidos.
JS.

alquer direção, a forma principal do edifício é vista • Quando partimos de uma ordem formal, é
uma composição simétrica, agrupada em torno de importante evitar forçar todos os elementos nesta
área central que é mais alta do que o resto e para ordem, porque inevitavelmente os tornaremos
as diversas alas convergem. O aspecto simétrico do subservientes ao todo, isto é, o valor dado às partes
o não se deve tanto a uma planta preconcebida como será ditado pela ordem que governa o todo. Só
partindo de cada elemento individual, e fazendo-o
contribuir por si próprio para o todo, é que se, pode
obter um ordenamento em que cada componente,
pequeno ou grande, pesado ou leve, tenha seu lugar
apropriado de acordo com o papel específico que
desempenha dentro do todo.

FORMA CONVIDATIVA 249


VILLA ROTONDA, VICENZA, ITÁLIA, 1570 / A. PALLADIO (712-722)
uma residência, e em sua adequação essencial a muitos
712 A Villa Rotonda de Palladio é universalmente admirada
objetivos essa planta elementar representa uma espécie de
pelos arquitetos. A planta simples, lúcida e a pureza da
arquétipo. Especialmente notável é o modo como o layout
713 714 elevação tornam o edifício um exemplo sem paralelo
inteiramente simétrico acomoda as quatro loggias idênticas
de arquitetura absoluta e do mundo arquitetônico como um
ao longo das quatro fachadas. Não há na verdade frente,
"reflexo da perfeição divina". Podemos imaginá-lo
fundo ou lados: o edifício é o mesmo de todos os lados -
facilmente sendo usado como uma igreja, uma escola ou pelo menos quando é visto do lado de fora.

2SO li ÇÕ Es DE AR QuI TE) uRA


715 716
717 718
719 720
721 722

FORMA CONVIDATIVA 251


Dentro do edifício, a situação é diferente. Pode-se ficar Na extremidade dos pedestais, que formam um suporte
pensando em que loggia queremos nos sentar dependendo para as escadas das loggias, há estátuas feitas pelas mãos
da hora do dia e da estação, pois - e isto é admirável-, de Mestre Lorenzo Vicentino, um excelente escultor."
embora todas as quatro sejam idênticas, cada uma oferece (Andrea Palladio, I Ouattro Libri Del/'Architettura, Veneza, 1570)
uma experiência completamente diferente. Não só a luz do
sol tem um efeito diferente sobre cada lado, mas as vistas Hierarquia
são totalmente diversas - do caminho que conduz ao Pessoas ou coisas podem ser diferentes e, ainda assim,
edifício, do jardim, da terra cultivada que pertence à vil/a e iguais. Quando preferimos uma à outra, isto depende
das colinas mais adiante. Assim, é dentro do contexto da situação em que estamos e do valor que representa
urbano que esta vil/a manifesta suas qualidades mais para nós naquele momento. Assim como a importância
características. Do lado de fora pode-se inspecionar a casa depende da situação em que estamos, a situação
em sua totalidade, mas é dentro do edifício que a depende de diversos fatores externos (basta pensar na
diversidade de sensações espaciais pode ser integralmente diferença de importância da água no deserto ou num
experimentada. Inúmeros historiadores da arquitetura país como a Holanda, por exemplo). Quando pessoas
dedicaram estudos a esta vil/a, mas o que o próprio ou coisas são desiguais, tendem a ser tratadas
Palladio tem a dizer é bem mais interessante. A principal desigualmente, também. E quando a desigualdade está
preocupação de Palladio era, aparentemente, a magnífica encarnada num sistema de avaliação no qual há uma
vista de todos os lados. Constatamos assim que não basta classificação segundo graus de importância, temos
apenas olhar para o edifício do lado de fora, mas sua uma hierarquia. Por equivalência, refiro-me a pessoas
verdadeira qualidade só pode ser apreciada quando ou coisas diferentes a que damos valor igual e que se
olhamos de dentro para os arredores. Infelizmente, o pode classificar de acordo com um sistema de valor
edifício não está aberto ao público, assim, se desejarmos sem que isto resulte em desigualdade.
conhecê-lo, temos de ver o filme Don Giovanni, de Joseph
Losey, que foi filmado em sua maior parte dentro e ao O exemplo a seguir de J. Hardy torna este aspecto claro:
redor desta vil/a.
"Entre os mais honrados cavalheiros de Vicenza, está Se queremos classificar uma série de livros de acordo
Monsenhor Paolo Americo, um eclesiástico, que Foi com o valor e começamos fazendo uma pilha como o
referendário de dois Papas magníficos, Pio IV e Pio V, e livro mais valioso no alto e o menos valioso em baixo,
que, por seu próprio mérito, mereceu o título de cidadão então esta pilha representará, essencialmente, uma
romano com toda sua famíla. Este cavalheiro, depois de ter hierarquia. Mas se colocarmos os livros em pé na
viajado durante muitos anos em busca de glória, todos os mesma ordem, sua posição será vista como
seus parentes estando mortos, veio para sua região natal, e equivalente, embora a classificação seja a mesma.
para seu prazer retirou-se para uma de suas casas de As diferenças ainda estão lá, mas a ordem é de
campo, situada no alto de uma colina, a menos de um diferença e não de prioridade. Naturalmente, os livros
quarto de milha da cidade, onde construiu de acordo com poderiam ser ordenados segundo outros critérios,
a seguinte invenção: que eu não achei adequado colocar como por autor, tamanho ou data de publicação, mas,
entre as construções das villas, por causa da proximidade tão logo sejam arrumados em uma pilha, haverá
que tem com a cidade, de tal modo que se pode dizer que inevitavelmente um livro no lugar mais alto e outro no
está na própria cidade. O lugar é o mais agradável e lugar mais baixo. Uma vez que se introduzam arranjos
delicioso que se pode encontrar, porque está no alto de hierárquicos, eles tendem a se autoperpetuar.
uma pequena colina, de acesso muito fácil, e é banhado de À primeira vista, poderíamos nos perguntar se a
um lado pelo Bacchiglione, um rio navegável; e do outro hierarquia na arquitetura - no que diz respeito aos
está rodeado pelas mais agradáveis elevações, que objetos e às exigências inerentes a eles - é algo assim
parecem um teatro bastante grande, e todas estão tão ruim; mas exigências desiguais logo dão origem a
cultivadas, e abundam nos mais excelentes frutos e nos situações desiguais, que podem, por sua vez,
mais finos vinhos; e portanto, e como cada uma de suas contribuir para a desigualdade entre as pessoas. Isto
partes desfruta belas vistas, algumas limitadas, outras mais tende a acontecer especialmente quando só podemos
extensas, e outras que vão até o horizonte; há loggias pensar pelos nossos próprios padrões pessoais e
construídas em todas as quatro frentes; sob as quais, e somos, portanto, incapazes de relativizá-los diante de
também sob o hall, estão os quartos para a conveniência e situações diferentes. Quando projetamos, fazemos
uso da família. O salão fica no meio, é redondo e recebe amplo uso das classificações por ordem de importância
sua luz de cima. Os quartos pequenos foram distribuídos. das partes componentes, como numa estrutura
Sobre os grandes quartos {cujas abóbadas estão de acordo composta de vigas principais e suportes subsidiários,
com o primeiro método}, há um lugar para se andar em ou num sistema viário com artérias principais de
volta do salão, de quinze pés e meio de largura. trânsito e vias menores. Na medida em que tal ordem

252 LIÇÕES DE ARQUITETURA


mais atraentes para si, sem se preocupar se estas salas são Universidade de
as mais apropriadas para eles do ponto de vista funcional. Colúmbia, Nova York
No escritório da Centraal Beheer, a equipe sênior ocupou
deliberadamente as "ilhas de trabalho" mais interiores, que
estão colocadas menos favoravelmente no que diz respeito
à vista para o exterior. Deste modo, o critério geral de
"qualidade" no local de trabalho foi relativizado: a
organização espacial absolutamente não reafirma a
hierarquia dentro da companhia; na verdade, teve um
efeito atenuante. Alguns anos depois da construção do
escritório da Centraal Beheer, surgiu uma tendência geral
para restaurar as relações hierárquicas tradicionais, mas os
diretores principais ainda ocupam os mesmos escritórios, e
as áreas ocupadas pelos escalões mais baixos ainda não
foram afetadas por essa tendência.
Exemplos semelhantes podem ser encontrados na escala do
planejamento urbano. Há uma forte tendência para tornar
mais atraente a localização das moradias mais caras e
apenas uma diferenciação de qualidades, não assim distinguir as moradias caras das moradias baratas.
blemas. No entanto, quando tal ordem implica Não há nada errado com isto, desde que a maior atração
r uma coisa acima da outra em vez de colocá-las das moradias mais caras não seja feita à custa das
a lado, é necessário um cuidado extra. moradias mais baratas, ampliando desnecessariamente a
distância entre ambas. Este é o caso quando, por exemplo,
emplo elementar de condições espaciais confirmando as moradias mais caras estão todas situadas na borda de
ualdade ou mesmo contribuindo para ela é a um conjunto habitacional, obstruindo a visão das moradias 723
ção, dentro de uma fábrica ou num pequeno mais baratas, amontoadas no meio. Quanto mais favorável
io, de um chefe de seção em nível mais elevado, for a localização de uma área residencial, com vista para
que ele possa vigiar tudo o que está acontecendo. uma paisagem agradável, mais o arquiteto se sentirá
e estaria numa melhor posição para avaliar o motivado a "fazer algo" ... e na maior parte das vezes isso
o que está sendo feito se tivesse mais contato, i.e., significa fazer um grande gesto sob a forma de um edifício
sse no mesmo nível daqueles a quem comanda. alongado de muitos andares, por exemplo. Mas aí devemos
s tentar evitar colocar a pessoa encarregada de perguntar: o que isso irá causar às casas e ruas que ficam
que tem, portanto, uma posição mais alta no local atrás? Quanto maior for o número de moradias num belo
lho, numa posição espacialmente mais elevada do local, maior será o número de moradias nessa área cuja
outros, em outras palavras, devemos evitar colocar visão será obstruída, e maior a diferença entre os
fase indevida na superioridade de sua posição moradores com mais ou menos privilégios.
da organização. Pessoas que estão numa posição
ente mais alta que as outras estão sempre em A cada solução encontrada, devemos nos perguntar se

em em relação com as que estão embaixo. Até as condições espaciais estão igualmente distribuídas e

as pessoas que são apenas mais altas do que a se, deliberada ou acidentalmente, nossas soluções

estão em vantagem, e se há uma escolha entre o correm o risco de confirmar, no âmbito espacial, aquilo

de cima e o de baixo, os de cima são sempre os que já é dúbio no âmbito social. Mesmo que a
dos. Na linguagem cotidiana, também as pessoas arquitetura como tal exerça talvez apenas uma
as outras "de cima" ou "de baixo", e as implicações influência secundária nas relações hierárquicas dentro
uicas destas expressões se referem diretamente ao da sociedade, podemos pelo menos tentar evitar que
tipo de precondições espaciais da arquitetura . essa hierarquia seja reforçada e propor condições
re necessário considerar se uma posição elevada é espaciais que se contraponham a ela. Em que medida
.: te funcional, como no caso da casa de leme no a arquitetura pode ter uma implicação política? Existe
:>u da plataforma do diretor de cena no teatro, e mesmo algo a que se possa chamar arquitetura
:uidado para que as pessoas com maior poder de totalitária ou arquitetura democrática, ou esses termos
· não sejam automaticamente conduzidas a dominar são apenas interpretações fantasiosas baseadas num
de trabalho também no âmbito da organização sentimento pessoal e portanto sem nenhuma validade
1. Num edifício de escritórios, os gerentes e os geral? Todos tendem a considerar opressivos edifícios
de departamento reivindicam imediatamente as salas de escala excessivamente grande, que diminuem os

FORMA CONVI DATIVA 253


seres humanos, e, na verdade, todos os regimes nossa percepção do que se pode e não se pode fazer
totalitários demonstram uma notável predileção por em arquitetura deriva com freqüência daquilo que
dimensões capazes de inspirar temor. Isso se torna certa forma ou idioma arquitetônico desperta em nós.
especialmente óbvio quando os edifícios construídos O classicismo, por exemplo, tende a ser associado a
por tais regimes não passam de fato de versões regimes autoritários porque sabemos que foi preferido
ampliadas de um mundo e de um estilo antigo de por esses regimes e, portanto, exercia sobre eles uma
arquitetura, às vezes até mesmo familiar. Mas nem atração especial e presumivelmente se adaptava a
todo edifício imenso exala necessariamente uma seus objetivos. No entanto, não é tão simples assim,
atmosfera opressiva. Na verdade, a própria falta de pois há certos edifícios classicistas que têm uma
acesso ou mesmo uma estrutura proibitiva como a de aparência amistosa e nada autoritária. Vamos
muitos castelos medievais não precisa ser designar apenas alguns deles: o Palais Royal em Paris-
experimentada como opressiva - seus moradores as Crescentes em Bath, e o Castelo Klein Glienecke em
podem também ser pessoas amistosas cujos Berlim. E um projeto classicista pode ser ainda a
antepassados tinham de se defender contra um mundo expressão de intenções claramente democráticas, como
exterior hostil. Mediante uma inversão de contexto, a a Place Stanilas e a Place de la Carriere em Nancy.
arquitetura pode também assumir um significado O único aspecto que mostra inequivocamente se um
diferente - um lance de escada formal, solene, pode se ambiente é autoritário ou tolerante é o grau de
tornar uma tribuna informal e amistosa. Além disso liberdade oferecido pela organização do espaço

724 727
725 728
726 729

Place Stanilas e Place de la Carriere, Nancy, 1151-55 / H. E. Heré Royal Crescent, Bath, 1161-14 / J. Wood, J. Nash

254 LIÇÕES DE ARQUITET URA


tônico (ou pela falta dele) para que possamos Schloss Klein
r o nosso foco visual de atenção: se nossa Glienicke, Berlim,
1826 / K. Schinkel
- é forçosamente dirigida para um único
ou se somos livres para ignorar este foco e
trar·nos em outros aspectos, outros traços de
própria escolha. O exemplo mais elementar é
a diferença entre uma mesa redonda e uma
retangular. A mesa redonda oferece condições
as a todos que se sentam: não há nenhuma
- o espacial quanto a quem pode ser mais
nte do que os outros. Com uma mesa
lar, a situação é obviamente diferente. Esta
ciação de lugares não precisa, naturalmente,
problemas, e geralmente não os causa, mas em
situações poderia encorajar uma tendência para
do" - o que não é razão para nos livrarmos de
as mesas retangulares e fabricar apenas mesas
as de hoje em diante, mas, ainda assim,

detalhes desse tipo costumam ser apenas o começo. 733


Em edifícios de escritórios, por exemplo, o tamanho da 730
sala indica o quanto seu ocupante é "graúdo" na 731
hierarquia, ignorando portanto critérios funcionais - os 732
gerentes são os únicos que têm permissão para colocar
sua mesa na diagonal. Mesmo que a arquitetura em si
não possa ser responsabilizada pelo abuso de poder e
que, sem dúvida, não possa impedi-lo, certamente é
muito melhor prevenir-se contra a criação de condições
espaciais em que o autoritarismo floresce.

ººººººº
ººººººº O exemplo mais extremo de abuso de condições espaciais é
]~:D= ÜlC~ a insistência de Hitler em sentar-se a uma mesa sobre uma
ººººººº
ººººººº
00000000
00000000 plataforma alta no fim de uma sala comprida e alta, para
que os visitantes tivessem de atravessar uma distância
considerável enquanto ele os olhava do alto: um esforço
calculado para fazer com que o visitante se sentisse
pequeno e inseguro. Há muitos outros exemplos menos
extremados de uso indevido do espaço, nem sempre
intencionais, talvez, mas devidos à falta de previdência.
Soluções funcionais que parecem bastante inocentes podem
servir para reiterar o exercício do poder. Basta pensar no
arranjo "estrelado" das estantes em muitas bibliotecas, com
o supervisor no meio para que ele ou ela possam vigiar
tudo - como numa prisão. Ea persistência dessas ridículas
pequenas sacadas na frente de edifícios públicos
"importantes" que, por mais agradável que seja o efeito
escultórico sobre a fachada, só servem para alguém
"dirigir-se de cima" a um grupo de pessoas.

fORMA CONVIDATIVA 2SS


MESQUITA, CÓRDOBA, ESPANHA, 786-1009 (734-740) específica além dos ditames óbvios da prática construtiva.
Esta mesquita, construída no século VIII, consiste na reunião Os fiéis se reúnem coletivamente para rezar e há
de vários componentes arquitetônicos que formam uma "sermões", mas a maioria das pessoas reza
grande sala de cerca de 135 x 135 m. Ao contrário das individualmente. O vasto espaço do salão na mesquita de
igrejas cristãs, uma mesquita é basicamente um pedaço de Córdoba pode acomodar uma enorme multidão de fiéis,
terra sagrado, de forma retangular, cercado por paredes e cujos únicos pontos de referência no espaço são as
cheio de colunas: uma espécie de floresta de árvores numerosas colunas, se não por outro motivo, porque as
petrificadas com ábobadas e cúpulas no alto. Embora a pessoas podem se encostar nelas: não há assentos, todos se
orientação para Meca tenha a máxima importância na sentam no chão. Mas a mesquita também serve como uma
religião maometana, não desempenha nenhum papel neste grande praça pública coberta, na qual as pessoas, além de
edifício. Aqui não há um eixo expressando uma orientação rezar, procuram por paz e frescor. A floresta de colunas

Antes do século XVI e


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depois do século XVI

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734 735
736 737

256 LIÇÕES DE ARQUITETURA


Planta para São Pedro / B. Peruzzi Planta para São Pedro / Bramante Planta para São Pedro/ Michelangelo

SÃO PEDRO, ROMA (741·752) aula poderiam ter seu próprio espaço separado nas torres,
A comparação de alguns momentos da história de São enquanto o espaço em sua totalidade oferece aos grupos a
Pedro nos ajuda a esclarecer muito sobre a postura e as maior oportunidade imaginável para encontrar um lugar
idéias dos arquitetos envolvidos, exatamente porque o com as proporções, intimidade e ligação com os outros,
prédio é um símbolo poderoso de hierarquia. Até mesmo requeridas nesta época particular. Quanto mais chegamos
quando a história é obscura a esse respeito, as próprias perto do centro, mais ele se torna aberto, o que dá mais
plantas, vistas como projeções das consciências dos espaço para a atividade comunitária.
arquitetos, são capazes de contar sua própria história sobre A planta é organizada como uma sucessão de lugares, em
os pontos de vista e os sentimentos das pessoas que as que cada um deles forma um centro em relação com os que
projetaram. estão em volta, mas em que nenhum espaço domina o
Parece-me que a planta de Peruzzi, que estimulou essas outro. Assim, o espaço no meio não tem de ser
741 742 743
considerações, é difícil de ser superada em riqueza. Como necessariamente o espaço principal, mas também pode ser
planta esquemática não passa de um diagrama, mas como visto como caminho para os centros situados ao seu redor.
744
arquétipo também poderia servir de base para muitas Esta planta é, portanto, um exemplo perfeito do princípio
outras coisas, bem diferentes talvez de uma igreja. de igualdade expressado na organização espacial. Além
Consideremos, por exemplo, uma escola, onde as salas de disso, suas excepcionais qualidades espaciais fazem com
que cada parte possa ser interpretada separadamente,
embora essa interpretação venha a sofrer a influência das
partes ao seu redor, e vice-versa, em virtude da
organização aberta.
Por conseguinte, esta polivalência é, em princípio,
anti-hierárquica: podemos ir mais além e dizer que é um
modelo espacial de liberdade de opinião e de escolha, em
que várias opiniões podem influenciar-se mutuamente, sem
exercer domínio, em virtude da "transparência" do todo.
Imaginemos o que poderia ter acontecido se essa planta
tivesse sido desenvolvida e construída em vez da igreja que
existe hoje, com seus relacionamentos unilaterais que já
poderiam ter sido detectados no estágio de planejamento.
As proporções, a articulação, a relação do fechamento com
a penetração de espaços, consideradas em si mesmas nas
suas relações recíprocas, a concavidade e a convexidade
das paredes, as direções, as entradas e suas posições, tudo
se combina para formar a organização espacial que
determina se uma planta serve para promover a dominação
ou a igualdade. Deste modo, as relações espaciais exercem
influência sobre os relacionamentos entre as pessoas. Outra
diferença igualmente vital entre as plantas de Bramante e
Peruzzi, e a de Michelangelo, pode ser encontrada no
princípio do acesso. A simetria consistente, assim como a

258 LIÇÕES DE ARQU ITETURA


espaço central. Se houver qualquer dúvida de que seu Praça de São Pedro,
objetivo, ao proceder assim, foi criar condições para que o situação antes de
1935
foco de atenção conduzisse ao centro, a existência de uma
única entrada principal é bastante para desfazer tal dúvida.
Um lado se tornou de modo inequívoco a fachada, o que
implica um fundo e os lados, e o eixo principal, que
Moderno estenderia mais tarde com seu acréscimo à igreja, 745 747

já se encontra indicado na planta de Michelangelo. Deste 746

modo, a interpretação espacial da maneira de pensar 748

centralizada e hierarquizada que sempre caracterizou a


Igreja foi irreversivelmente introduzida na organização do

Praça de São Pedro,


situação depois de
1935

posição das plantas de Peruzzi e Bramante, sugerem


ias entradas por todos os lados, e a planta de Bramante
opõe até mesmo doze entradas e saídas: a de
chelangelo tem apenas uma entrada, que, além disso, é
entuada mais à frente por uma colunata e degraus .
.ssim, embora seu interior ainda seja simétrico, a ênfase
exterior recai definitivamente sobre o lado com a
trada única. O fato de só podermos entrar e sair por um
- o impõe sem dúvida uma direção ao interior, e faz com
__ e seu centro de gravidade se desloque de tal modo que a
:rma simétrica acaba sendo desmentida pelo uso.
-.s muitas entradas de Bramante ajudam a estabelecer a
ependência e a igualdade dos vários espaços e também
_ recem estar dizendo que as pessoas são bem-vindas de
os os lados e direções.
·chelangelo alterou as proporções das unidades espaciais
tal modo que toda a igreja se tornou virtualmente um

FORMA CONVIDATIVA 259


Praça de São Pedro, obelisco, que Bernini teve de levar em conta, está realmen::
gravura/ situado no eixo da igreja. No entanto, cada uma das
G. B. Piranesi
metades da parte oval tem seu próprio centro geométrico;
as duas fontes também servem como centros de gravidade.
por assim dizer, apesar de suas posições na borda de cadc
segmento do círculo do espaço oval cercado pelas
colunatas.
Os centros das duas metades do espaço oval estão situado!
fora do eixo e é ali, em cada lado dessas duas metades -
entre as fontes e as colunatas - que a sensação de estar
dentro se torna mais forte. No entanto, devemos
compreender também que a planta de Bernini está
edifício. Embora possa ser detectada certa resistência a deslocada de seu contexto na situação atual, com um
essa hierarquia na tentativa um tanto forçada de espaço escancarado à sua frente, em vez da intimidade de
Michelangelo de, pelo menos, dar o mesmo valor aos praça Rusticcuci, com sua atmosfera informal, defronte da
quatro lados interiores, Moderno parece não ter tido parte oval. De outro modo, segundo as plantas de Bernini
nenhum problema com isto. Seu acréscimo de uma nave a praça teria uma arquitetura final que a cercaria, o que
formou de modo definitivo um eixo espacial principal, que não só aumentaria o seu isolamento como também
focaliza a atenção no centro da planta de Michelangelo, resultaria em duas entradas principais de cada lado do
seja qual for nosso lugar no edifício. Deste modo torna-se o eixo em vez de uma entrada sobre ele.
centro e o ponto final da atenção. Agora todos conhecem O contraponto verdadeiramente original de Bernini ensino
seu lugar, a clareza e a ordem foram inexoravelmente como se pode controlar a violência. Ao desenvolver seu
estabelecidas na arquitetura, demonstrando desse modo sua engenhoso conceito arquitetônico, ele também mostrou que
subserviência ao poder.
749

"A praça, ou piazza, que Bernini mais tarde colocou diante


750
da igreja, já concluída por Moderno, não é apenas uma
lição de planejamento urbano mas também de contraponto.
O espaço cercado pelas colunatas circulares, curvadas,
forma um contraponto independente da igreja, por assim
dizer. A independência da parte oval é realçada pelo fato
de que não está diretamente ligada à igreja nem serve
como uma espécie de portão para ela. Afinal, o antepátio
trapezoidal que resulta das ligação dos braços laterais que
recuam está situado no meio. Este recuo certamente não
torna a fachada da igreja mais imponente, como se diz às
vezes numa tentativa de interpretar a planta de Bernini em
termos do poder de perspectiva dos braços. No entanto,
como a perspectiva é invertida, ela realmente aumenta a
distância e, vista da igreja, promove a independência.
Parece-me que o recuo dos braços não foi feito em nome
da perspectiva, mas por causa da fachada de Moderno,
que era extremamente ampla para o limitado espaço
disponível, e por causa da necessidade de ligá-la ao
espaço oval. Graças a Bernini, quaisquer que tenham sido
os seus objetivos quanto à Igreja, o edifício da igreja foi
relegado à distância, apesar de seu lugar de honra.
As colunatas delimitam um espaço separado com uma forma
própria. É o potencial de acomodação desse espaço colossal
que teoricamente torna possível que a multidão se reúna em
frente à igreja, ou que até mesmo vire as costas a ela.
Embora a praça esteja situada no eixo principal da igreja,
ela não a realça. Só o centro geográfico, assinalado pelo

260 llÇÕES DE ARQUITETURA


ll

O
uía a postura correta e o sentimento correto para levar --; <-
ante o que devem ter sido seus objetivos, de modo tão
--; <-
ente que se torna fácil discerni-los também em suas t t
es. A colunata quádrupla, não apenas uma mera
sória, mas uma construção substancial em si mesma,
a uma fronteira visual que é suficiente para causar às
s metades da parte oval um efeito de fechamento.
iQndo através desse espaço cercado, podemos ver as
s vizinhas, que se tornam uma presença constante.
·-im, os dois mundos, ambos modulados de acordo com
lógica própria, um de maneira informal, o outro
posto de maneira inteiramente escultórica, se
plementam através dos contrastes. Além disso, resulta contraponto à igreja e que seria mais difícil de romper. Da esquerda para a
criação de belos espaços no intervalo. Só quando visto Naturalmente, aqueles que desejavam dar ainda maior direita:
1. Bramante
- centros dos segmentos ovais, onde as quatro fileiras de expressão ao poder da Igreja sempre reivindicaram que ela 2. Michelangelo
,mas são, por assim dizer, 'conjugadas', é que o espaço fosse rompida, ao mesmo tempo em que a grade da rua 3. Moderno
de seu efeito de fechamento e torna-se transparente. também ajudava a promover esse rompimento. No entanto, 4. Bernini
5. Piacentini e
á que Bernini fez tudo isto deliberadamente? Se o fez, foi Mussolini quem pessoalmente deu ordens em 1934 para
Spaccarelli
I é a importância? Afinal de contas, sua solução demolir a 'Spina'! Foi assim que os arquitetos Piacentini e
rpreendentemente original funciona, e isto é o que vale! Spacarelli substituíram o célebre bairro pela lúgubre Via
~-rante quase três séculos, continuou a existir uma espécie Della Consolazione. O fascismo e a Igreja chegaram a um
equilíbrio arquitetônico entre a igreja e a praça de acordo no campo do planejamento urbano, e é difícil
nini, mesmo sem o braço final que consolidaria seu imaginar uma expressão mais literal de suas intenções
sociais. O eixo que se originou da entrada principal única
de Michelangelo foi extrapolado e aumentado na escala da 751
cidade. Isto colocou a igreja no campo visual, expressando
assim sua dominação no contexto do planejamento 752
urbano." [6]

A praça de Bernini não é apenas um contraponto magnífico


à igreja, é também e em particular a primeira praça
pública no mundo que não foi moldada pelos edifícios à
sua volta. É, na verdade, um edifício em si, com as
colunatas formando duas fachadas transparentes, ainda
que vigorosas. Em vez de ser apenas um espaço residual, a
própria praça é o foco de atenção, graças ao deslocamento
de ênfase dos edifícios existentes para o espaço urbano
entre eles.
É como se o arquiteto houvesse deliberadamente projetado
a área oval entre as bordas irregulares dos arredores com
a intenção de criar um espaço urbano independente e, com
isso, dar certa forma e estatura também aos fragmentos
residuais do espaço.
O contraste entre esta ampla forma elíptica, com seu
gracioso desenho geométrico, e o tecido urbano
historicamente desenvolvido em que foi inserido deve ter
sido particularmente espetacular quando a praça foi
construída, com seu obelisco e sua fonte, já que era o único
lugar pavimentado e adequadamente drenado da cidade
nessa época.

FOR MA CONVIDATIVA 261


Frentes e fundos

O exemplo dos diversos estágios de desenvolvimento


da igreja de São Pedro e da praça de Bernini mostra
como os arquitetos podem abusar do espaço com o
objetivo de impressionar, ou inversamente, como
podem usá-lo para ajudar a criar igualdade entre
homens e coisas. Confirma também como tem sido
problemática a posição do arquiteto, dependente,
como sempre foi, de grandes quantias de dinheiro
A Família Feliz / para realizar suas idéias e que com demasiada
Jan Steen (1625-79)
freqüência o levavam a fazer concessões. Deste modo,
ele sempre teve um papel subserviente e esteve quase
sempre a serviço dos poderes dominantes, o que fez PINTORES HOlANDESES
com que, como conseqüência, fosse usado muitas A pintura holandesa é particularmente admirável pelo fato
vezes como um instrumento de poucos e não da de retratar, em sua maior parte, situações bastante comuns,
comunidade em geral. banais, com pessoas comuns. Mesmo quando o tema tem
Ao longo de toda a história, os arquitetos se uma significação que transcende o comum - e que melhor
dedicaram sobretudo a construir pirâmides, templos, meio para fazer isso do que a pintura? -, há uma
igrejas e palácios, e raras vezes ou mesmo nunca, em tendência de interpretar o tema elevado em termos de uma
criar moradias para as pessoas comuns. Os arquitetos, situação cotidiana. Os pintores holandeses não deram
em regra, preocuparam-se apenas com o fora do muita atenção aos problemas dos deuses, nem aos meios
comum, e, nas raras ocasiões em que tiveram que com os quais eles manipulam os homens; e, além disso,
considerar os fatos da vida cotidiana, isto se deu seus patronos tinham pouco poder para ditar a maneira
sempre em relação com a aparência exterior de um como desejavam que eles e suas posses fossem retratados.
753
edifício e, freqüentemente, de maneira específica, com Mais numerosas ainda, portanto, são as cenas domésticas,
a frente, com a fachada de uma casa que tinha de como "Os Comedores de Batatas" de Van Gogh e, claro, os
754 755
parecer grandiosa. interiores de Jan Steen, que nos oferecem um vislumbre da
A história da arquitetura é uma história de fachadas - vida atrás das cenas. Estas pinturas mostram as pessoas em
os edifícios nunca parecem ter fundos! Os arquitetos situações informais. Embora houvesse patrões e criados, a
sempre procuraram uma ordem formal - preferiram maneira como homens e mulheres, vagabundos e músicos,
ignorar o outro lado da moeda, a agitação da vida
cotidiana. E hoje, em boa parte, isto ainda é, embora
A Casa de Campa / o projeto de residências tenha se tornado ao longo
Pieter de Hoogh desse século um ramo amplamente desenvolvido da
(1629-84) arquitetura. Ainda persiste uma linha divisória invisível
e subconsciente entre arquitetura com e sem A
Atrás do Schenkweg /
Vincent van Gogh maiúsculo.
(1853-90)

262 LIÇÕES DE ARQUITETURA


A Rua Pequena /
Johannes Vermeer
(1632-75)

onças e animais de estimação parecem coexistir não nos


a impressão de que as diferenças de posição social, tais
o existiam, eram realmente cultivadas. De qualquer
o, os grandes artistas não demonstraram um interesse
icular por esses assuntos, ao mesmo tempo em que seu
~ do sentido de proporção os tornava certamente
ressados no que estava realmente acontecendo. Outro as funções primária e secundária dispostas numa hierarquia
ºsta, Pieter de Hoogh, desloca sua atenção - tão logo sai fixa, a atenção se deslocou para um todo inter-relacionado
casa, para o quintal - para o lado informal das coisas com funções primárias e secundárias intercambiáveis,
o Van Gogh). Mesmo na mais famosa pintura dependendo do seu papel dentro da organização como um
andesa, "A Ronda Noturna", a ênfase não está de fato todo e de como este papel era avaliado - em outras
força e na bravura dos soldados da guarda cívica, mas palavras, dependendo do ponto de vista, do posto de 756 757
vivacidade da cena com as crianças e os cães correndo observação.
volta. Éclaro, todos os tipos de significados simbólicos 758
- atribuídos a essas figuras secundárias, mas isto não
inui a informalidade de sua presença. Enossa segunda
~tura mais famosa, "Rua em Delft", de Vermeer, mostra
o os fundos quanto a frente. A própria localização é,
se que naturalmente, o quintal, como de costume, de
~· te para a rua e povoado por mulheres diligentes,
pondo, costurando, ou vertendo o leite como a mulher
inegavelmente domina a cena.
velhos mestres holandeses, que são guardados como
andes obras-primas pelos principais museus do mundo e
s quais a Holanda deve sua reputação de nação de
tores, manifestam uma negação absoluta da distinção
e formal e informal.
pintores holandeses do século XVII demonstram como o
· cípio da igualdade sempre esteve enraizado em nossa
ição e, sem dúvida, é graças a essa tradição que uma
uitetura que não tinha como objetivo nem impressionar
-m oprimir pôde se desenvolver, com uma organização
!5:Xlcial não-hierárquica e uma atenção razoavelmente
3:llista às pessoas e ao aspecto utilitário das coisas. Só no
Ronda Noturna / Rembrandt van Riin (1606-69)
.aculo XX é que o mundo da arquitetura começou a se
:,-eocupar com a construção de moradias, e não é
rpreendente que os holandeses estivessem entre os
meiros - pelo menos uma vez - a transferir o foco de
ção do exterior formal para a essência de uma
adia: a organização da planta, do acesso e de sua
ração no contexto urbano. De uma ordem formal com

FORMA CONVI DATI VA 263


LE (ORBUSIER, FORMAL E INFORMAL arquitetura em que todos esses ingredientes podem ser
Ninguém teve mais êxito em transpor o hiato entre a ordem apreciados, sem que sejam individualmente reconhecíveis.
formal e a vida diária do que Le Corbusier, o arquiteto por Sua cozinha está impregnada de um rico buquê de aromas
excelência do século XX. Sem jamais ter realmente citado de vários lugares e períodos históricos, ricos e pobres,
formas do passado, ele derivou sua linguagem formal não urbanos e rurais indiscriminadamente. Sua inspiração veio
só dos monumentos clássicos que conheceu em suas muitas de todas as partes do mundo, mas particularmente de seu
759
viagens, mas também das casas de fazenda primitivas e ambiente direto - e ele foi receptivo a muitas coisas
especialmente do que as novas tecnologias tinham a geralmente evitadas pelos arquitetos. Basta olhar com
760
oferecer. Ele transformou uma mistura de transatlânticos, atenção para um de seus muitos desenhos em perspectiva
aeroplanos, trens, colunas gregas e romanas, abóbadas, (em geral esboçados "arquitetonicamente" por um
paredes de pedra e modestas moradias de barro numa desenhista e depois preenchidos por ele mesmo) para ver

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264 llÇÕES DE ARQUITETURA
variedade de traços cotidianos que seriam rejeitados que ele conseguiu também evitar essa armadilha. Arquitetos
maioria dos arquitetos como burgueses, que, como ele que jamais tinham visto algo semelhante olharam esse novo
reendeu muito bem, iriam modelar a realidade da mundo de formas como uma novidade exclusiva, mas,
·ncia cotidiana tão logo o edifício estivesse concluído. apesar de sua originalidade, os grandes blocos brutos de
do Le Corbusier usou o termo "máquina de morar", concreto que parecem rochas artificiais encontram-se tão
a se referindo não tanto à perfeição e à automação, integrados no ambiente que parecem fundir-se à paisagem
a uma atenção especial a como uma moradia funciona e, nesse sentido, possuem certa familiaridade com os
rtanto, como esta deveria ser projetada com isto em habitantes locais.
te. Pois as estruturas brutas e inacabadas de concreto, tão
últimas obras de Le Corbusier (depois da Segunda diferentes da leveza e da suavidade dos estereotipados
a Mundial) e particularmente nos edifícios que edifícios modernos, não estão assim tão afastadas das
etou na Índia, parece, a princípio, que as pessoas residências tradicionais que a população local constrói para
oom uma posição subsidiária como resultado de um si. Épor causa de suas vastas proporções e de sua solidez
amento da ênfase para uma forma escultural sem que os edifícios de Le Corbusier dominam os arredores,
edentes. Ele decidiu concentrar sua atenção na sede do certamente não por causa de ecos autoritários da
rno em Chandigarh, a nova capital do Punjab, para a arquitetura! E não há nenhum traço de referência às forma_s
forneceu o plano urbano; o projeto das moradias foi classicistas, nem, na verdade, a quaisquer outras formas que
ado para outros. Este novo conjunto administrativo possam despertar associações com o exercício do poder.
a exprimir a esperança e o otimismo com os quais o Assim, podemos nos aproximar desses edifícios tanto
ontinente tragicamente empobrecido procurava se montando um jumento quanto dirigindo uma limusine, e as
volver e se tornar um estado novo, moderno - um pessoas parecem as mesmas, estejam dentro ou fora,
o no qual a arquitetura oferece às pessoas uma saída usando roupas caras ou vestidas com farrapos. Aqui,
sua triste situação. evidentemente, faz muito pouca diferença quem você é e o
numental poder escultórico da forma que Le Corbusier que você representa.
761
surgir diante dos nossos olhos é assombroso e
' stico. Mas não é assim mais para os arquitetos do EDIFÍCIO DO PARLAMENTO, (HANDIGARH, ÍNDIA, 1962 /
para as pessoas daquela cidade? Mais para os que LE (ORBUSIER (761 -762)
- no poder do que para o eleitorado? Sim e não. O ha/1 principal em volta da assembléia é, em particular,
ºmeira vista parece que sim, mas o extraordinário é singularmente espaçoso. Grande como uma catedral, cheio

FOR MA CONVI DAT IVA 265


762

das mais altas colunas que jamais vimos, este espaço nos RESERVATÓRIO DE ÁGUA, 5URKEJ, ÍNDIA, 1446-51 (763)
dá a sensação de que existe há milhares de anos. Poderia Este grande reservatório, com vários similares nos
facilmente ter sido usado como um mercado, ou como um arredores de Ahmedabad, na Índia, foi concebido como um
lugar de culto, ou para grandes festividades: podemos ambiente para o descanso real, mas também como um
imaginar esse espaço como o cenário para um amplo leque reservatório de água em períodos de seca. Como em todas
de eventos, durante um grande período de tempo. as partes da Índia, as pessoas afluem todos os dias para as
Estes últimos projetos de Le Corbusier poderiam ser margens dos rios para lavar e enxaguar os tecidos
facilmente mudados, poderíamos até mesmo preenchê-los coloridos e brilhantes com que se vestem. O grande espaço
com o que quiséssemos - não que esta fosse a intenção de com degraus assegura acesso permanente à água, seja
Le Corbusier - sem que isto afetasse a identidade dos qual for o seu nível, ao mesmo tempo em que a articulação
edifícios. Isso poderia até ser-lhes favorável algum dia. Eles horizontal fornece a cada um o seu próprio "canto" e,
conservarão sua beleza, quando se tornarem velhos e portanto, um território temporário.
decadentes, como uma paisagem essencialmente habitável.

266 li ÇÕ ES DE ARQUITETURA
uma vez um ambiente arquitetônico já extraordinário, i.e., que devem trazer o excepcional
strou como um gesto generoso pode oferecer até o nível do comum em vez de tornar extraordinário
o para acomodar a vida diária de inúmeras o ordinário.
s, este é o caso desses degraus na Índia. Eles Em nosso trabalho, devemos sempre procurar atingir a
am claramente que não há necessidade de existir qualidade em tantos níveis quantos se fizerem
"ato intransponível entre uma ordem arquitetônica necessários, para criar um ambiente que não sirva
1 (de que os arquitetos são tão ciosos), por um exclusivamente a um grupo particular de pessoas, mas
, e, por outro lado, a resposta aos requisitos das a todos. A arquitetura deve ser generosa e convidativa
ções informais do cotidiano (que os arquitetos para todos, sem distinção. A arquitetura pode ser
com menosprezo). Acreditamos que esse hiato descrita como convidativa se seu projeto for tão
é intransponível se os arquitetos envolvidos forem acessível aos marginalizados pela sociedade quanto
"entes em qualidade e competência. aos membros do sistema, e se pudermos imaginá-la
gesto nobre ou grandioso não precisa, portanto, existindo em qualquer contexto cultural imaginável. 763

ir automaticamente a vida cotidiana; pelo O arquiteto é como o médico - não há espaço para a
ário, pode emprestar-lhe um toque de nobreza e discriminação de valores em seu pensamento; ele deve
deza: o ordinário se torna extraordinário. Uma dedicar sua atenção a todos os valores igualmente e
epção errônea amplamente difundida entre os deve simplesmente providenciar para que aquilo que
itetos é que eles devem se preocupar com o pratica faça com que alguém se sinta melhor.

FORMA CONVI DATI VA 267

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