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Petrópolis – RJ
2022
SUMÁRIO
1. Introdução 3
3. Interpretações materialistas 7
3.1 A interpretação utilitarista 7
3.2 A interpretação técnica 9
3.3 A interpretação formalista 12
3.3.1 Unidade 12
3.3.2 Simetria 14
3.3.3 Equilíbrio dinâmico ou “balance” 16
3.3.4 Ênfase ou acentuação 17
3.3.5 Contraste 19
3.3.6 Proporção 20
3.3.7 Escala 21
3.3.8 Expressão 22
3.3.9 Ornamentação 23
4. Considerações finais 24
5. Referências Bibliográficas 25
1. Introdução
A Igreja de Cristo foi construída entre 1714 a 1729, localizada no bairro de Tower
Hamlets, região central de Londres, figura x. Como parte da iniciativa do parlamento com a
comissão para a construção de cinquenta novas igrejas, que ficou conhecido como as Novas
Igrejas em Londres e a Lei de Westminster. Os membros da comissão deveriam determinar o
estilo que seria realizada as novas edificações. Tais membros como Christopher Wren e
Nicholas Hawksmoor como um dos agrimensores.
A Igreja de Cristo era uma das doze igrejas que foram formalmente realizadas.
Considerada uma das obras primas de Nicholas Hawksmoor, a igreja anglicana tem estilo do
barroco inglês, com um pórtico em forma palladiana – assim como a janela veneziana ao leste
-, um centro abobadado ladeado por duas aberturas retangulares de cada lado, ecoando pela
janela tripartida atrás da capela-mor a leste.
A Reforma Anglicana, como ficou conhecida no país - termo anglicano tem origem
em ecclesia anglicana,o que significa Igreja Inglesa ou igreja do povo inglês -, tinha como
compromisso ser uma igreja autônoma, sem ligação com os regimes e doutrinas da Igreja
Católica Romana. Após o papa excomungar o rei Henrique VIII, uma separação teológica foi
prenunciada por vários movimentos dentro da Igreja Inglesa, como Lolardia, mas a Reforma
Inglesa ganhou apoio político do rei pois este quis a anulação de seu casamento, além da
aquisição de terras e bens que pertencia a igreja.
A Igreja de Cristo Spitalfields foi planejada como um grande retângulo, uma nave
simples como uma sala de reunião, para seus fiéis. Seu propósito era a meditação, o
recolhimento dos fiéis para a congregação do culto religioso. As colunas emparelhadas
vinham com a intenção de dar imponência sem perder o comedimento e a sobriedade.
Em 1666, a Inglaterra parava por conta de um grande incêndio que se alastrou por
uma parte de Londres, destruindo milhares de casas, igrejas e diversos edifícios públicos.
Uma de suas grandes perdas foi a antiga Catedral de São Paulo, uma edificação gótica que se
deteriorou com a chegada do fogo. De acordo com especialistas, foi somente depois deste
acontecimento que uma nova e importante fase da construção de igrejas inglesas começou.
Com a conjunta mudança do pensamento e filosofia da sociedade ao passar do século,
nasceu uma nova forma de arquitetura eclesiástica na Inglaterra e que se desenvolveu com o
auxílio de uma comissão do parlamento inglês, conhecida como ‘Comissão para a construção
de cinquenta novas igrejas’, tal ato foi encabeçado por um astrônomo atuante no campo da
arquitetura, Christopher Wren. As igrejas de Wren se formaram a partir de uma extensão
ideológica do qual prezava uma mistura com a opulência do barroco juntamente com os
elementos clássicos arquitetônicos e sua funcionalidade.
Foi proposto uma grande quantidade de edificações eclesiásticas neste período que foi
consequência, também, da crescente mão de obra, o que ajudou a tornar a Inglaterra uma
potência econômica internacional, culminando no acúmulo de grandes somas de capitais no
país. Ademais, este projeto ficou conhecido como Igrejas do comissário ou Igrejas da Rainha
Ana, onde a organização parlamentar teve o intuito de taxar pedras, carvões e outros minerais
a fim de usá-los nas 50 construções eclesiásticas, mas que posteriormente obteve somente 15
projetos edificados que se encontravam nas proximidades da cidade de Londres, sendo um
deles, a Igreja de Cristo em Spitalfields.
3. Interpretações materialistas
Nossa obra arquitetônica foi construída durante o período do barroco inglês. Embora
sua estrutura pareça neoclássica, sua fachada apresenta características do período gótico. Tal
contraste é uma característica típica nas obras de Nicholas Hawksmoor, assim como é uma
característica que difere o barroco inglês do francês e do barroco do continente europeu em
geral.
O corpo da igreja é composto por uma grande "caixa" que, embora tenha proporções
monumentais, é relativamente simples. Esse corpo se divide em uma nave central, duas naves
laterais e, no segundo eixo, uma galeria cujo acesso se dá por escadas. O acesso ao salão
principal se dá pela escadaria oeste e consecutivamente pelo frontão. Na lateral leste está
localizado o altar. Já na torre, cujo acesso também é por escadas, temos os eixos dos térreo,
dos sinos e do relógio. No subsolo, há uma cripta que pode ser acessada pela lateral da igreja.
Figura 2 e 3 – Planta Baixa e Vista Longitudinal da Igreja de Cristo, respectivamente.
Fonte: BHO-British History Online, Centro Vasco de Arquitectura Euskal Herriko Arkitektura Ikerkundea.
Além dos espaços internos, é válido ressaltar o jardim, que também se encontra na
propriedade da igreja. Este costumava ser um cemitério, mas no processo de reforma e
restauro mais recente da igreja, foi necessário realizar a remoção e limpeza dos túmulos. O
processo rendeu estudos e descobertas arqueológicas ricas sobre a era vitoriana.
Não se sabe qual era o objetivo exato das criptas originalmente, porém em meados do
século XX o caráter desse espaço já era voltado para causas sociais. Em parte das criptas se
localizava um centro de reabilitação para pessoas em situação de rua, tanto alcoólatras quanto
usuárias de drogas. Atualmente esse centro de reabilitação foi para outra localidade e o
espaço da cripta foi ressignificado. Ele é utilizado na igreja como um corredor que leva para
algumas salas, que foram divididas pela própria organização e administração da igreja. Tem
diversos usos, até mesmo recreativo.
Ewan Christian, no mesmo contexto que removeu as galerias laterais, incluiu duas
galerias na parte oeste, também sustentadas por colunas e pilares. Essas foram conservadas
até hoje.
Os pilares que dividem as naves laterais da nave central sustentam grandes e bem
ornamentadas abóbadas de berço no salão principal. No mesmo ambiente também é possível
ver uma pequena diferença de altura no teto, que permite a entrada de luz natural para o
interior através de clerestórios.
Já a torre, partindo da possibilidade do frontão ser uma adição tardia, foi projetada
para ser tanto parede quanto torre. Esta também é sustentada pelas colunas, e seu topo evolui
para um pináculo que pode ser visto por todas as redondezas da edificação.
3.3.1 Unidade
Por meio de estudos feitos na planta-baixa da catedral, é notável que Sir Christopher
Wren, envolvido no projeto, regeu a origem do estilo barroco inglês, que se diferenciava dos
modelos continentais pela clareza do desenho, tendo uma maior preocupação com o
precedente histórico no classicismo com a matemática e geometria no processo construtivo.
Ainda que Hawksmoor não possuísse um foco tão aguçado nesta questão, as ideias
arquitetônicas conversavam entre si, criando uma arquitetura que contasse uma narrativa
teatral para a pessoa envolvida nela que ele almejava alcançar. Dessa forma, a arquitetura que
compõe a unidade espacial da Igreja possui diversos traços de outros movimentos artísticos,
uma vez que este é o caráter do barroco inglês, trazendo elementos como o campanário gótico
da fachada principal, figuras semi-circulares dramáticos do barroco, ou como o pórtico
neopaladiano da fachada principal.
Já sobre elementos mais recentes que alteraram o entorno da Igreja, as figuras 12, 13,
14 e 15 a seguir mostram estes anexos a arquitetura do local, concedendo uma nova aparência
a unidade total da Igreja, ainda sim, não havendo grandes modificações na parte histórica da
edificação que não sejam restaurações para a preservação do monumento.
Figura 12 – Novo anexo da Igreja de 2012 atua como centro comunitário, mais voltado para atividades
escolares/extracurriculares do público infanto-juvenil
Fonte: Christ Church Spitalfields Nursery, SCABAL studio
Figura 13 e 14 – Entrada ao sul da Igreja para a reforma da cripta de Hawksmoor; croquis da planta baixa da
cripta, onde o círculo vermelho indica sua entrada.
Fonte: Owen Hopkins, ‘The Crypt at Christ Church Spitalfields by Dow Jones Architects’, in: Architects'
Journal(London, UK, Dec. 18, 2015)
Figura 15 - Interior da cripta em 2008, onde há um espaço de performances, uma cafeteria e uma ampla galeria,
que se conectam ao local
Fonte: Owen Hopkins, ‘The Crypt at Christ Church Spitalfields by Dow Jones Architects’, in: Architects'
Journal(London, UK, Dec. 18, 2015)
Apesar disso tudo, a unidade espacial e conceitual da Igreja consegue ser uniforme e
homogênea, permitindo a narrativa teatral que Hawksmoor almejava, e se destacando na
paisagem de Spitalfields, de modo que convidasse os cidadãos a participar da Igreja
Anglicana como novos fiéis.
3.3.2 Simetria
Figura 16 e 17 – Planta baixa da Igreja com indicações do axis longitudinal (vermelho) e transversal (amarelo),
escadarias ao leste (azul) e ao sul (verde); planta baixa com a presença dos dois acessos laterais da Igreja,
evidenciando mais ainda a simetria planejada da edificação
Fonte: The Friends of Christ Church Spitalfields; Complexity and Contradiction in Architecture, VENTURI,
Robert
É perceptível que há um certo “balanço” entre suas estruturas. A Igreja possui uma
fachada com escadarias não tão altas, porém, longas, configurando uma certa horizontalidade
no pórtico saliente da fachada principal. Subindo a visão, a fachada apresenta mais uma série
de arcos, que corrobora ainda mais com a grandiosidade da igreja, a fim de alcançar os céus e
ficar mais perto de Deus. Chegando quase ao topo, há um relógio e uma sequência de arcos
pequenos, até chegarmos no ápice, que seria o obelisco do campanário, servindo como um
apelo à oração de tão marcante que é na paisagem.
O mais distante de equilíbrio dinâmico seria percebido se compararmos a fachada
principal com a extensão da nave; a nave possuindo um caráter retangular extenso, forma já
previsível de naves de instituições religiosas e de igrejas barrocas, e o campanário, alto e
grandioso, a fim de aproximar a Igreja e seus fiéis do Sagrado.
Figura 18 – Modelo da Igreja de Cristo de Spitalfields, com representações das duas massas principais, em
amarelo e azul, evidenciando a verticalidade e horizontalidade da edificação.
Figuras 19, 20 e 21 - Vitrais e retábulo acima do altar, melhor detalhados no tópico de ornamentação; órgão
localizado no pavimento superior a entrada principal da Igreja
3.3.5 Contraste
Dessa forma, conseguimos notar a oposição da cor escura das madeiras usadas na
construção com os vitrais, conforme mostrado nas figuras 19 e 20. Também conseguimos
fazer esta relação com os candelabros dourados do interior (nota-se estes contrastes nas
figuras do tópico anterior).
Além disso, é possível notar também um contraste na relação entre cheios e vazios.
Por ter uma fachada apresentando várias texturas, graças às ornamentações semicirculares
incluídas em suas paredes, há a impressão de haver mais partes vazias, que seriam as
aberturas e relevos subtraídos, do que de cheios.
3.3.6 Proporção
Já mais focado em uma análise de seu interior, quatro pilares com meias colunas
articuladas articulam um retângulo central, marcando um corredor transversal entre duas
portas laterais. Juntos, esses pilares e a tela de coluna dão ao plano linear uma leitura
centralizada adicional. Desse modo, essa dimensão harmônica da Igreja, que aproxima-se de
um retângulo, conecta-se à ideia do esquema retangular valorizado pelas estéticas barrocas
inglesas, que, como tratado anteriormente, derivam de traços e características de outros
períodos artísticos (figura 24).
Figura 24 - Esquema de proporção da planta baixa (em roxo, forma retangular, em azul, quadrangular)
Fonte: British History Online
Figura 25 - Esquema de proporção da fachada (em rosa, forma triangular do pináculo, em azul, forma do
pórtico, quadrangular)
3.3.7 Escala
A escala, por sua vez, é responsável pela comparação das dimensões espaciais do
elemento arquitetônico com a escala humana, relacionando a relevância do homem, as
dimensões apresentadas e o pensamento da era.
Robert Venturi, em seu livro “Architecture as Signs and Systems” cita a Igreja deste
trabalho, exprimindo esta relação da escala da cidade e da elevação da estrutura. Como já dito
anteriormente, não havia muitas edificações com extremas altitudes, então, a concretização de
uma Igreja Anglicana de mais de sessenta metros era algo que se destacava na paisagem do
bairro, e intrigava os fiéis a se comprometerem religiosamente à magnitude que era a Igreja.
Logo, a experiência relatada confirma a propensão à reflexão religiosa e filosófica dada pela
escala da Igreja, unindo os planos terrestre e celeste em um único espaço.
Figura 26 e 27 – Relação de escala entre humano-catedral, com a figura humana representada pela altura em
vermelho e a altura da Igreja em verde; relação de escala humano-dois pavimentos, no interior da Igreja, mesmo
esquema de cores da figura anterior.
3.3.8 Expressão
No que se refere à expressão, que tem como intuito comunicar a mensagem simbólica
presente na construção como um todo, a Igreja de Cristo de Spitalfields transmite os ideais
difundidos na época em que foi concebida.
3.3.9 Ornamentação
Por fim, para fechar os itens do tópico 3.3, a análise das ornamentações encontradas
na obra busca apresentar as principais características da estética da época através do
entendimento de sua história assim como de sua expressão simbólica.
Reconhecida toda importância que o parlamento teve durante a construção das igrejas,
incluindo a de Spitalfields, foi instaurado dois monumentos em seu interior, um
homenageando Edward Peck e outro Sir Robert Ladbroke. O primeiro monumento foi
instituído na parede do quadrante sul, sendo este, um desenho barroco feito em mármore e
possuindo veios dourados, o qual homenageou Peck por ser um dos comissários para a
construção das novas igrejas.(figura 29). Já o segundo monumento, se localiza contra a
parede do quadrante norte e retrata Sir Robert Ladbroke com as vestes de um lorde em frente
a uma estrutura grega com arquitraves e um frontão triangular, todos possuindo o mármore
como matéria prima principal. (figura 30)
Outra simbologia marcante na igreja são os vitrais da arcada sul. Eles são divididos
em três, onde cada um retrata incidentes da vida de Jesus Cristo, dentre eles a última ceia, a
ressurreição e acima deles, um semi-óculo representando a coroa de glória (figura 19).
4. Considerações finais
No capítulo cinco do livro ‘Saber ver a arquitetura’, Bruno Zevi põe em pauta
pensamentos que seguem tal linha de raciocínio, revelando interpretações aplicáveis em
diferentes aspectos expressivos de um mesmo monumento arquitetônico através dos anos e de
seu momento na história.
A igreja de Cristo de Spitalfields, por exemplo, responde com êxito a este raciocínio e
às vertentes do estudo de Zevi a partir das análises políticas, econômico-sociais e
filosófico-religiosas de acordo com a época de seu planejamento. A título de exemplificação,
foi apresentado um paralelismo entre o barroco inglês juntamente com a inserção do
neopalladianismo na Inglaterra, como uma forma de afirmação do protestantismo anglicano e
de sua linha religiosa. Do mesmo modo, o movimento neopaladiano veio de encontro com a
filosofia iluminista, a qual possuía ascendência na época e pregava entre tantos valores, o uso
do racionalismo nos mais diversos ambientes, incluindo o arquitetônico.
5. Referências bibliográficas
The Church East and West: Orienting the Queen Anne Churches, 1711-34 / Jason R. Ali and
Peter Cunich Journal of the Society of Architectural Historians Vol. 64, No. 1 (Mar., 2005),
pp. 56-73 (18 pages) Published By: University of California Press
VENTURI, Robert; BROWN, Denise S. Architecture as Signs and Systems. The Belknap Press of
Harvard University Press. Cambridge, Massachusetts. London, England, 2004.