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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

HISTÓRIA E TEORIA DA ARTE E ARQUITETURA 3 - 2021.2

1ª Avaliação – As Interpretações da Arquitetura

Alexandre José da Silva, Luiza Nicolla, Mariana Valente e Thaís de Araújo

Professor Arthur Tavares

CHRIST CHURCH SPITALFIELDS

Petrópolis – RJ

2022
SUMÁRIO

1. Introdução 3

2. Interpretações relativas ao conteúdo 4


2.1 A interpretação política 4
2.2 A interpretação filosófico-religiosa 5
2.3 A interpretação econômico-social 6

3. Interpretações materialistas 7
3.1 A interpretação utilitarista 7
3.2 A interpretação técnica 9
3.3 A interpretação formalista 12
3.3.1 Unidade 12
3.3.2 Simetria 14
3.3.3 Equilíbrio dinâmico ou “balance” 16
3.3.4 Ênfase ou acentuação 17
3.3.5 Contraste 19
3.3.6 Proporção 20
3.3.7 Escala 21
3.3.8 Expressão 22
3.3.9 Ornamentação 23

4. Considerações finais 24

5. Referências Bibliográficas 25
1. Introdução

O presente trabalho tem o intuito de desenvolver um estudo teórico e gráfico acerca


da Igreja de Cristo Spitalfields, na Inglaterra. No percurso da pesquisa serão elucidados os
principais aspectos a respeito da igreja, como forma de tecer um panorama geral da
edificação.

O estudo conta com uma ordem metodológica de estruturação seguindo um roteiro de


apresentação geral e contextualização da igreja, depois as análises relativas ao conteúdo -
com a interpretação política, filosófico-religiosa e econômica-social – e as interpretações
materialistas – utilitarista, técnica e formalista - além do desfecho do trabalho, com as
considerações finais.

A Igreja de Cristo foi construída entre 1714 a 1729, localizada no bairro de Tower
Hamlets, região central de Londres, figura x. Como parte da iniciativa do parlamento com a
comissão para a construção de cinquenta novas igrejas, que ficou conhecido como as Novas
Igrejas em Londres e a Lei de Westminster. Os membros da comissão deveriam determinar o
estilo que seria realizada as novas edificações. Tais membros como Christopher Wren e
Nicholas Hawksmoor como um dos agrimensores.

A Igreja de Cristo era uma das doze igrejas que foram formalmente realizadas.
Considerada uma das obras primas de Nicholas Hawksmoor, a igreja anglicana tem estilo do
barroco inglês, com um pórtico em forma palladiana – assim como a janela veneziana ao leste
-, um centro abobadado ladeado por duas aberturas retangulares de cada lado, ecoando pela
janela tripartida atrás da capela-mor a leste.

Figura 1 - A Igreja de Cristo de Spitalfields (Christ Church, Spitalfields)


Fonte: https://tomatoesfromcanada.blogspot.com

2. Interpretações relativas ao conteúdo

2.1 A interpretação política

No final do século XVII, a Inglaterra passava por transformações políticas e sociais,


assim como toda a Europa com influência do início de um movimento intelectual centrado na
razão, liberdade individual e tolerância religiosa, em oposição a Igreja Católica Romana. Na
Inglaterra, a Revolução Gloriosa foi um movimento político monárquico ocorrido em 1688
na tentativa de favorecer o catolicismo, do então regente, em busca de desfavorecer o
protestantismo, religião do país. Tal acontecimento tem como resultado o afastamento do
catolicismo no poder político, o fim do absolutismo monárquico inglês, o aumento do poder
do parlamento britânico sobre as decisões de estado e a monarquia, além de ser o início da
consolidação da burguesia que, posteriormente, já no século XVIII, viria a ter forte influência
na Revolução Industrial.

O Barroco - movimento de expressão política religiosa da Igreja Católica Romana,


onde teve seu início em torno de 1700 - também teve forte influência na Inglaterra, conhecido
como Barroco inglês. Diferente do Barroco que se expandia no continente europeu, o Barroco
inglês, visava uma influência do protestantismo sobre a sociedade na época. Após um grande
incêndio em 1666 no centro de Londres, a Igreja Protestante Anglicana viu a oportunidade de
reconstruir diversas igrejas que foram destruídas durante o incêndio. Uma comissão para a
construção de cinquenta novas igrejas no centro de Londres foi aprovada pelo parlamento
britânico em 1710, conhecido como as Novas Igrejas em Londres e a Lei de Westminster.

Dentre as cinquenta igrejas que a comissão pretendia construir e reformar, apenas


quinze foram construídas. A Igreja de Cristo Spitalfields foi construída com o intuito de
demonstrar poder e autoridade da igreja Anglicana, na tentativa de influenciar uma das
regiões centrais de Londres, o bairro Tower Hamlets, com grande presença de franceses
protestantes e outros grupos religiosos dissidentes da Igreja da Inglaterra.

2.2 A interpretação filosófico-religiosa

A interpretação filosófico-religiosa da obra em questão visa entender as relações entre


as características arquitetônicas da igreja protestante e as correntes de pensamento vigentes,
ligando certos elementos espaciais com os conceitos de transcendência seguidos na época. A
Reforma Protestante que teve início a partir de 1517, teve sua consolidação na Inglaterra em
1558, sob o governo da Rainha Elizabeth I.

A Reforma Anglicana, como ficou conhecida no país - termo anglicano tem origem
em ecclesia anglicana,o que significa Igreja Inglesa ou igreja do povo inglês -, tinha como
compromisso ser uma igreja autônoma, sem ligação com os regimes e doutrinas da Igreja
Católica Romana. Após o papa excomungar o rei Henrique VIII, uma separação teológica foi
prenunciada por vários movimentos dentro da Igreja Inglesa, como Lolardia, mas a Reforma
Inglesa ganhou apoio político do rei pois este quis a anulação de seu casamento, além da
aquisição de terras e bens que pertencia a igreja.

O período Barroco apareceu numa tentativa da Igreja de demonstrar poder e


influência após o avanço da Igreja Protestante pela Europa. Ele se apresentou de outra forma
na Inglaterra, com a intenção da expansão da fé anglicana e não católica. O Barroco não foi
puramente adotado pela Igreja da Inglaterra. A corte e a Igreja não compactuam com o
exibicionismo que a corte francesa produziu em Versalhes. As diferenças filosófica-religiosas
se fizeram presentes na arquitetura barroca inglesa, que pareciam ser mais contidas, sem luxo
ou extravagância, de acordo com a vida e o costume dos ingleses.

A Igreja de Cristo Spitalfields foi planejada como um grande retângulo, uma nave
simples como uma sala de reunião, para seus fiéis. Seu propósito era a meditação, o
recolhimento dos fiéis para a congregação do culto religioso. As colunas emparelhadas
vinham com a intenção de dar imponência sem perder o comedimento e a sobriedade.

2.3 A interpretação econômico-social

A interpretação econômico-social na arquitetura se reflete a partir do sistema


econômico vigente no período, assim como a forma em que a sociedade age e se posiciona
em determinadas situações. Ela se mostra no paralelismo entre as formas arquitetônicas e as
instituições mais influentes durante tal época.

Em 1666, a Inglaterra parava por conta de um grande incêndio que se alastrou por
uma parte de Londres, destruindo milhares de casas, igrejas e diversos edifícios públicos.
Uma de suas grandes perdas foi a antiga Catedral de São Paulo, uma edificação gótica que se
deteriorou com a chegada do fogo. De acordo com especialistas, foi somente depois deste
acontecimento que uma nova e importante fase da construção de igrejas inglesas começou.
Com a conjunta mudança do pensamento e filosofia da sociedade ao passar do século,
nasceu uma nova forma de arquitetura eclesiástica na Inglaterra e que se desenvolveu com o
auxílio de uma comissão do parlamento inglês, conhecida como ‘Comissão para a construção
de cinquenta novas igrejas’, tal ato foi encabeçado por um astrônomo atuante no campo da
arquitetura, Christopher Wren. As igrejas de Wren se formaram a partir de uma extensão
ideológica do qual prezava uma mistura com a opulência do barroco juntamente com os
elementos clássicos arquitetônicos e sua funcionalidade.

Foi proposto uma grande quantidade de edificações eclesiásticas neste período que foi
consequência, também, da crescente mão de obra, o que ajudou a tornar a Inglaterra uma
potência econômica internacional, culminando no acúmulo de grandes somas de capitais no
país. Ademais, este projeto ficou conhecido como Igrejas do comissário ou Igrejas da Rainha
Ana, onde a organização parlamentar teve o intuito de taxar pedras, carvões e outros minerais
a fim de usá-los nas 50 construções eclesiásticas, mas que posteriormente obteve somente 15
projetos edificados que se encontravam nas proximidades da cidade de Londres, sendo um
deles, a Igreja de Cristo em Spitalfields.

3. Interpretações materialistas

3.1 A interpretação utilitarista

A interpretação utilitarista diz respeito ao uso e a função do nosso objeto de estudo, a


cada um de seus espaços e se eles cumprem ou não o seu propósito.

Nossa obra arquitetônica foi construída durante o período do barroco inglês. Embora
sua estrutura pareça neoclássica, sua fachada apresenta características do período gótico. Tal
contraste é uma característica típica nas obras de Nicholas Hawksmoor, assim como é uma
característica que difere o barroco inglês do francês e do barroco do continente europeu em
geral.

O corpo da igreja é composto por uma grande "caixa" que, embora tenha proporções
monumentais, é relativamente simples. Esse corpo se divide em uma nave central, duas naves
laterais e, no segundo eixo, uma galeria cujo acesso se dá por escadas. O acesso ao salão
principal se dá pela escadaria oeste e consecutivamente pelo frontão. Na lateral leste está
localizado o altar. Já na torre, cujo acesso também é por escadas, temos os eixos dos térreo,
dos sinos e do relógio. No subsolo, há uma cripta que pode ser acessada pela lateral da igreja.
Figura 2 e 3 – Planta Baixa e Vista Longitudinal da Igreja de Cristo, respectivamente.

Fonte: BHO-British History Online, Centro Vasco de Arquitectura Euskal Herriko Arkitektura Ikerkundea.

Além dos espaços internos, é válido ressaltar o jardim, que também se encontra na
propriedade da igreja. Este costumava ser um cemitério, mas no processo de reforma e
restauro mais recente da igreja, foi necessário realizar a remoção e limpeza dos túmulos. O
processo rendeu estudos e descobertas arqueológicas ricas sobre a era vitoriana.

Não se sabe qual era o objetivo exato das criptas originalmente, porém em meados do
século XX o caráter desse espaço já era voltado para causas sociais. Em parte das criptas se
localizava um centro de reabilitação para pessoas em situação de rua, tanto alcoólatras quanto
usuárias de drogas. Atualmente esse centro de reabilitação foi para outra localidade e o
espaço da cripta foi ressignificado. Ele é utilizado na igreja como um corredor que leva para
algumas salas, que foram divididas pela própria organização e administração da igreja. Tem
diversos usos, até mesmo recreativo.

Figura 4 e 5 – Usos da cripta


Fonte: Dow Jones Architects, (2015)

Recentemente também foi incluído uma lanchonete/cafeteria na construção,


especificamente na cripta, com acesso através de rampas, então tem a sua divisão numa área
de convivência de lazer e de convivência proposto pela organização religiosa, e tem o
objetivo de atender os próprios membros.

Figura 6 – Usos da cripta: Lanchonete/ cafeteria

Fonte: Dow Jones Architects (2015)

3.2 A interpretação técnica

A interpretação técnica abrange as técnicas construtivas utilizadas para conceber a


Igreja de Cristo de Spitalfields.

Como dito anteriormente, o corpo da igreja é dividido em dois eixos: no primeiro


encontra-se a nave central e as laterais, e no segundo a galeria, originalmente sustentada pelas
colunas. Cada eixo é iluminado por uma fileira de janelas. Porém, em 1850 a igreja sofreu
alterações por Ewan Christian e as galerias foram removidas e as janelas foram unificadas, se
tornando finas e bem altas. A estrutura original da só foi devolvida durante o restauro nos
anos 90, o arranjo original das janelas foi estudado e estabelecido, assim como a galeria. O
material utilizado para essa foi a madeira de carvalho.

Ewan Christian, no mesmo contexto que removeu as galerias laterais, incluiu duas
galerias na parte oeste, também sustentadas por colunas e pilares. Essas foram conservadas
até hoje.

Figura 7 – Galeria de carvalho, colunas e pilares no salão principal.

Fonte: The Estate Offic Shoreditch, ‘Five Church Venues’.

Os pilares que dividem as naves laterais da nave central sustentam grandes e bem
ornamentadas abóbadas de berço no salão principal. No mesmo ambiente também é possível
ver uma pequena diferença de altura no teto, que permite a entrada de luz natural para o
interior através de clerestórios.

Figura 8 e 9– Abóbadas ornamentadas, colunas que as sustentam e clerestório.


Fonte: World Monuments Fund, ‘Christ Church Spitalfields’ (Outurbo, 2015), Mark Spitz Design, ‘’ Travel
Design Impressions’ (Março 2014).

A janela veneziana a leste demonstra a influência do palladianismo, ou pode ser uma


combinação com o frontão semicircular a oeste, repetido no amplo palco principal da torre.
Tanto as janelas dessa fachada quanto da fachada oeste foram bloqueadas por Erwin
Christian.

Figura 10 – Fachada Leste

fonte: World Monuments Fund, ‘Christ Church Spitalfields’ (Outurbo, 2015)

O estudo arqueológico que visava estabelecer o padrão original conseguiu alcançar


seu objetivo e recuperou as proporções, a luz e a clareza do design original de Hawksmoor.
Fora do corpo da igreja, algumas análises são cabíveis em relação à estrutura que está
localizada na torre. Por exemplo, percebe-se que o frontão semicircular localizado no átrio é
possivelmente uma adição tardia ao projeto, inserida para proporcionar mais estabilidade à
torre. O frontão é sustentado por colunas toscanas, um item que mais uma vez remete ao
classicismo.

Já a torre, partindo da possibilidade do frontão ser uma adição tardia, foi projetada
para ser tanto parede quanto torre. Esta também é sustentada pelas colunas, e seu topo evolui
para um pináculo que pode ser visto por todas as redondezas da edificação.

Figura 11 – Frontão, torre e pináculo

Fonte: Dow Jones Architects, (2015)

3.3 A interpretação formalista

A interpretação formalista diz respeito a série de fundamentos a serem seguidos pelas


obras arquitetônicas estabelecidos pelas estéticas tradicionais. Nos próximos tópicos, serão
analisados uma sequência de elementos que contribuem tanto para as qualidades formais,
quanto para as morais e psicológicas, que constituem a coesão monumental da Igreja em
análise.

3.3.1 Unidade

A unidade é o fundamento que exprime a relação de conexão e coerência entre todos


os elementos da construção, mostrando o caráter central da composição.
A fachada principal da Igreja de Cristo em Spitalfields apresenta uma qualidade
harmoniosa entre os componentes presentes na sua composição. Seus elementos
arquitetônicos, como os arcos e abóbadas existentes em sua composição, formam uma ideia
singular, composta por estruturas imprescindíveis para sua totalidade como Igreja, crescendo
para cima, em direção a Deus. Além disso, essas estruturas unidas possibilitaram a introdução
do clerestório importante para a iluminação do interior da catedral. Consequentemente, todas
essas estruturas presentes formam a unidade da catedral.

Por meio de estudos feitos na planta-baixa da catedral, é notável que Sir Christopher
Wren, envolvido no projeto, regeu a origem do estilo barroco inglês, que se diferenciava dos
modelos continentais pela clareza do desenho, tendo uma maior preocupação com o
precedente histórico no classicismo com a matemática e geometria no processo construtivo.

Ainda que Hawksmoor não possuísse um foco tão aguçado nesta questão, as ideias
arquitetônicas conversavam entre si, criando uma arquitetura que contasse uma narrativa
teatral para a pessoa envolvida nela que ele almejava alcançar. Dessa forma, a arquitetura que
compõe a unidade espacial da Igreja possui diversos traços de outros movimentos artísticos,
uma vez que este é o caráter do barroco inglês, trazendo elementos como o campanário gótico
da fachada principal, figuras semi-circulares dramáticos do barroco, ou como o pórtico
neopaladiano da fachada principal.

Já sobre elementos mais recentes que alteraram o entorno da Igreja, as figuras 12, 13,
14 e 15 a seguir mostram estes anexos a arquitetura do local, concedendo uma nova aparência
a unidade total da Igreja, ainda sim, não havendo grandes modificações na parte histórica da
edificação que não sejam restaurações para a preservação do monumento.

Figura 12 – Novo anexo da Igreja de 2012 atua como centro comunitário, mais voltado para atividades
escolares/extracurriculares do público infanto-juvenil
Fonte: Christ Church Spitalfields Nursery, SCABAL studio

Figura 13 e 14 – Entrada ao sul da Igreja para a reforma da cripta de Hawksmoor; croquis da planta baixa da
cripta, onde o círculo vermelho indica sua entrada.

Fonte: Owen Hopkins, ‘The Crypt at Christ Church Spitalfields by Dow Jones Architects’, in: Architects'
Journal(London, UK, Dec. 18, 2015)

Figura 15 - Interior da cripta em 2008, onde há um espaço de performances, uma cafeteria e uma ampla galeria,
que se conectam ao local

Fonte: Owen Hopkins, ‘The Crypt at Christ Church Spitalfields by Dow Jones Architects’, in: Architects'
Journal(London, UK, Dec. 18, 2015)

Apesar disso tudo, a unidade espacial e conceitual da Igreja consegue ser uniforme e
homogênea, permitindo a narrativa teatral que Hawksmoor almejava, e se destacando na
paisagem de Spitalfields, de modo que convidasse os cidadãos a participar da Igreja
Anglicana como novos fiéis.
3.3.2 Simetria

A simetria corresponde a qualidade de equilíbrio estático nas construções,


apresentando o eixo axial que divide a criação em arranjos análogos.

A Igreja de Cristo de Spitalfields possui caráter axial majoritariamente bilateral em


sua extensão longitudinal, identificado pela linha vermelha na figura 16. Em contrapartida,
representado pela linha amarela da mesma figura, a assimetria do interior do edifício é
exposta pelo axis transversal. Essa assimetria se dá pelo caráter construtivo de uma Igreja não
ser totalmente simétrica pela presença de espaços como seu nártex e altar, por exemplo. O
nártex é mais comprido por conta das escadarias de acesso ao interior da Igreja,
diferentemente da extensão do altar, que é mais “achatado” se comparado ao pórtico da
fachada principal.

Além disso, como as de outras igrejas de Hawksmoor em Londres e muitas de Wren,


o espaço central da nave é organizado em torno de dois eixos: o mais curto originalmente
enfatizado por duas entradas por escadarias laterais que não se repetem do lado norte da
Igreja; o mais longo possuindo outras duas escadarias bilaterais na extremidade oposta à
fachada principal.

Dessa forma, concluímos que a parte histórica da Igreja em si é majoritariamente


simétrica, quase idêntica bilateralmente, ainda que haja algumas intervenções em seu
conjunto exterior e interior, como visto no tópico anterior, devido a alterações e anexos mais
recentes em seu conjunto (de 2008 e o de 2013, mostrados nas figuras do tópico anterior).

Figura 16 e 17 – Planta baixa da Igreja com indicações do axis longitudinal (vermelho) e transversal (amarelo),
escadarias ao leste (azul) e ao sul (verde); planta baixa com a presença dos dois acessos laterais da Igreja,
evidenciando mais ainda a simetria planejada da edificação
Fonte: The Friends of Christ Church Spitalfields; Complexity and Contradiction in Architecture, VENTURI,
Robert

3.3.3 Equilíbrio dinâmico ou “balance”

O equilíbrio dinâmico, ou "balance'', é a característica da harmonia entre as massas


estruturais presentes numa edificação sem um eixo simétrico.

Ao observarmos o balance da obra em análise, foi verificado as distribuições das


massas e as linhas de força longitudinais, verticais e oblíquas. Nesse sentido, observamos a
assimetria na Igreja ao analisarmos individualmente cada “etapa” da construção, etapas essas
divididas em três, como mostra a figura 18, indicadas a fim de verificar as distribuições de
suas massas horizontal ou verticalmente.

É perceptível que há um certo “balanço” entre suas estruturas. A Igreja possui uma
fachada com escadarias não tão altas, porém, longas, configurando uma certa horizontalidade
no pórtico saliente da fachada principal. Subindo a visão, a fachada apresenta mais uma série
de arcos, que corrobora ainda mais com a grandiosidade da igreja, a fim de alcançar os céus e
ficar mais perto de Deus. Chegando quase ao topo, há um relógio e uma sequência de arcos
pequenos, até chegarmos no ápice, que seria o obelisco do campanário, servindo como um
apelo à oração de tão marcante que é na paisagem.
O mais distante de equilíbrio dinâmico seria percebido se compararmos a fachada
principal com a extensão da nave; a nave possuindo um caráter retangular extenso, forma já
previsível de naves de instituições religiosas e de igrejas barrocas, e o campanário, alto e
grandioso, a fim de aproximar a Igreja e seus fiéis do Sagrado.

Portanto, a presença de um elemento resiliente, quase abrupto, na composição


arquitetônica, este sendo o campanário, que se estende verticalmente, enquanto o resto da
nave e sua extensão se estendem horizontalmente, faz com que se perca um pouco do
equilíbrio dinâmico da obra, diagramados na figura 18. Ainda assim, a contraposição do
vertical com o horizontal faz a edificação obter um senso de equilíbrio, como se o peso
desses dois elementos se igualassem e estabilizassem a unidade estrutural da Igreja.

Figura 18 – Modelo da Igreja de Cristo de Spitalfields, com representações das duas massas principais, em
amarelo e azul, evidenciando a verticalidade e horizontalidade da edificação.

Fonte: Robert Blemell Schnebbelie

3.3.4 Ênfase ou acentuação

O princípio da ênfase, ou acentuação, caracteriza-se como o elemento de centro de


interesse visual, ou seja, aquele que se destaca na unidade arquitetônica. Na Igreja de Cristo,
nota-se esse destaque em dois elementos do conjunto arquitetônico: o obelisco (pináculo) da
torre e a saliência do pórtico da fachada principal.
O obelisco possui uma grandiosidade muito discorrida neste trabalho, da ideologia de
quanto mais alto a edificação religiosa for, mais perto dos céus e de Deus ela está. Além
disso, essa magnitude se dá pelo objetivo de se destacar na paisagem, enfatizando o pináculo
e convocando os fiéis para virem à Igreja. Já o pórtico possui uma forma palladiana ou
veneziana, com um centro abobadado ladeado por duas aberturas retangulares de cada lado,
que é ecoado pela janela tripartida atrás da capela-mor a leste.

No interior do monumento, podemos notar inúmeros pontos de destaque. O primeiro e


mais evidente são os vitrais acima do altar, que iluminam os ambientes internos com luzes
policromáticas. Além disso, há uma estrutura (retábulo) que pode caracterizar-se como um
frontão, possuindo uma estrutura triangular apoiada em colunas de madeira, que configura o
conjunto do altar. Já na outra extremidade, um órgão é o destaque

Figuras 19, 20 e 21 - Vitrais e retábulo acima do altar, melhor detalhados no tópico de ornamentação; órgão
localizado no pavimento superior a entrada principal da Igreja

Fonte: Christ Church Spitalfields, CCSPITS

Nas seguintes figuras, percebem-se corredores cobertos com abóbadas de berço


elípticas extremamente ricas em seus adereços e padrões decorativos. O teto plano do local é
igualmente rico em ornamentos decorativos, demasiadamente iluminado por um clerestório.

Figuras 22 e 23 - abóbadas e teto da Igreja enfeitados com texturas decorativas.


Fonte: Christ Church Spitalfields, CCSPITS

Portanto, há unidade de linguagem entre a composição da fachada da edificação e seu


tratamento arquitetônico dado a seus principais espaços internos em geral, com os adornos e
adereços das abóbadas e arcos tão enfeitados quanto o visual infame da fachada exterior, por
exemplo.

3.3.5 Contraste

Em relação ao contraste, que lida com elementos contrários presentes na construção, o


exterior da Igreja apresenta poucos itens que se opõem, enquanto ao compararmos o interior e
sua relação com o exterior há uma maior quantidade de elementos em oposição.

No exterior da Igreja de Cristo, não há um grande contraste entre as cores presentes, e


o mesmo acontece em seu interior, apenas com o contraste da madeira que adorna algumas
das colunas que cumprem papel de sustentação. Por conta de restaurações feitas em seu
interior, a Igreja possui um aspecto mais conservado se comparado com o lado de fora, com
as cores mais saturadas e polidas.

Dessa forma, conseguimos notar a oposição da cor escura das madeiras usadas na
construção com os vitrais, conforme mostrado nas figuras 19 e 20. Também conseguimos
fazer esta relação com os candelabros dourados do interior (nota-se estes contrastes nas
figuras do tópico anterior).

Já no exterior, o pórtico na extremidade oeste foi consertado e limpo em 1986, quando


o rearranjo das janelas do corredor de Ewan Christian também foi substituído por uma
recriação dos originais, pesquisados ​escrupulosamente. A torre e o pináculo de 62 metros de
altura foram consolidados e limpos em 1997. Dessa forma, estes elementos se destacam com
ainda mais precisão, como já discutido no tópico anterior.

Além disso, é possível notar também um contraste na relação entre cheios e vazios.
Por ter uma fachada apresentando várias texturas, graças às ornamentações semicirculares
incluídas em suas paredes, há a impressão de haver mais partes vazias, que seriam as
aberturas e relevos subtraídos, do que de cheios.

3.3.6 Proporção

A proporção é o recurso pelo qual constatamos a harmonia e a conexão das


características dimensionais de uma composição.

A construção é dada por formas quadradas e retangulares (figura 24). Na fachada,


(figura 25) percebe-se uma gradação e tendência à forma triangular, ao passo que as formas
quadrangulares da torre se "espremem" até formar a ponta do pináculo. A altura extrema do
campanário, a ordem gigantesca das colunas, os altos volumes internos e as aberturas de
janelas e portas são proporcionadas como formas simples retangulares, semicirculares e
circulares. A simplicidade geométrica das formas em escala gigante dá à igreja uma tremenda
proporcionalidade monumental. Evoca experiências básicas e arquetípicas de forma e fé,
tangíveis em pedra.

Já mais focado em uma análise de seu interior, quatro pilares com meias colunas
articuladas articulam um retângulo central, marcando um corredor transversal entre duas
portas laterais. Juntos, esses pilares e a tela de coluna dão ao plano linear uma leitura
centralizada adicional. Desse modo, essa dimensão harmônica da Igreja, que aproxima-se de
um retângulo, conecta-se à ideia do esquema retangular valorizado pelas estéticas barrocas
inglesas, que, como tratado anteriormente, derivam de traços e características de outros
períodos artísticos (figura 24).

Figura 24 - Esquema de proporção da planta baixa (em roxo, forma retangular, em azul, quadrangular)
Fonte: British History Online

Figura 25 - Esquema de proporção da fachada (em rosa, forma triangular do pináculo, em azul, forma do
pórtico, quadrangular)

Fonte: Dow Jones Architects, (2015)

3.3.7 Escala

A escala, por sua vez, é responsável pela comparação das dimensões espaciais do
elemento arquitetônico com a escala humana, relacionando a relevância do homem, as
dimensões apresentadas e o pensamento da era.

Como discutido anteriormente, a verticalidade da torre era um traço fundamental na


arquitetura religiosa, a fim de convocar os fiéis para a Igreja, logo, para o Anglicanismo,
além de se conectar o mais perto possível dos céus, do Sagrado, caráter bem propagado em
instituições religiosas do gótico, também propagados nesse caso, no barroco inglês. Por isso,
a Igreja de Cristo de Spitalfields, com seus incríveis 62 metros de altura em seu coro, faz com
que o visitante sinta-se quase sobrecarregado por suas transcendentes dimensões, sensação
presente devido o uso da geometria considerada sagrada e perfeita, além da necessidade de
expor a grandiosidade da religião.

Robert Venturi, em seu livro “Architecture as Signs and Systems” cita a Igreja deste
trabalho, exprimindo esta relação da escala da cidade e da elevação da estrutura. Como já dito
anteriormente, não havia muitas edificações com extremas altitudes, então, a concretização de
uma Igreja Anglicana de mais de sessenta metros era algo que se destacava na paisagem do
bairro, e intrigava os fiéis a se comprometerem religiosamente à magnitude que era a Igreja.
Logo, a experiência relatada confirma a propensão à reflexão religiosa e filosófica dada pela
escala da Igreja, unindo os planos terrestre e celeste em um único espaço.

Figura 26 e 27 – Relação de escala entre humano-catedral, com a figura humana representada pela altura em
vermelho e a altura da Igreja em verde; relação de escala humano-dois pavimentos, no interior da Igreja, mesmo
esquema de cores da figura anterior.

Fonte: Fonte: Dow Jones Architects, (2015); Mark Spitzer Designs

3.3.8 Expressão

No que se refere à expressão, que tem como intuito comunicar a mensagem simbólica
presente na construção como um todo, a Igreja de Cristo de Spitalfields transmite os ideais
difundidos na época em que foi concebida.

Como discutido anteriormente, tal construção eclesiástica foi iniciada como um


projeto que retomou conceitos clássicos e na época, foi inspirada nas construções do arquiteto
renascentista Andrea Palladio. Destarte, a edificação exterioriza a propagação da volta de
alguns valores clássicos funcionais, além de buscar, por meio de suas dimensões e
ornamentações, o sentimento de ordem arquitetônica e visual através da simetria e sobriedade
dos elementos construtivos. (Figuras 28)

Na Igreja de Cristo de Spitalfields, a expressão presente pode ser considerada como


uma concepção da visão de seu arquiteto, Nicholas Hawksmoor, juntamente com um dos
idealizadores da comissão parlamentar organizada, Christopher Wren. Enquanto Hawksmoor
provinha de uma escola barroca em que gradualmente foi se tornando mais clássico (visto que
naquele momento o barroco católico não se adaptava mais ao contexto histórico e político
vivido na Inglaterra), Wren sempre se dedicou ao campo da ciência e se considerava um
astrônomo acima de tudo. Portanto, no conceito simbólico, pode-se dizer que a expressão
vinha de uma linguagem palladiana, em que o objetivo era construir um lugar mais
harmônico, com o intuito de projetar razão às formas e às funções estruturais, e que se
opusesse ao barroco clássico. A Igreja de Cristo de Spitalfields, assim como tantas outras, é a
expressão física da difusão do protestantismo anglicano como uma alternativa racional e
concreta e que exprimia seus poderes políticos a fim de lançar luz à igreja oficial do país.)

Figura 28 - Pilares greco-romano nas porções exteriores e interiores da igreja

Fontes: www.shutterstock.com/-spitalfields e www.ccspits.org/heritage

3.3.9 Ornamentação

Por fim, para fechar os itens do tópico 3.3, a análise das ornamentações encontradas
na obra busca apresentar as principais características da estética da época através do
entendimento de sua história assim como de sua expressão simbólica.
Reconhecida toda importância que o parlamento teve durante a construção das igrejas,
incluindo a de Spitalfields, foi instaurado dois monumentos em seu interior, um
homenageando Edward Peck e outro Sir Robert Ladbroke. O primeiro monumento foi
instituído na parede do quadrante sul, sendo este, um desenho barroco feito em mármore e
possuindo veios dourados, o qual homenageou Peck por ser um dos comissários para a
construção das novas igrejas.(figura 29). Já o segundo monumento, se localiza contra a
parede do quadrante norte e retrata Sir Robert Ladbroke com as vestes de um lorde em frente
a uma estrutura grega com arquitraves e um frontão triangular, todos possuindo o mármore
como matéria prima principal. (figura 30)

Ademais, há um retábulo feito de madeira e localizado entre as sacristias norte e sul.


Os entalhes, também amadeirados, representam querubins em relevo, além de possuir a
representação de pilares greco-romanos na suas extremidades, dois deles sendo de ordem
dórica (figura 31). Todos os fatores citados até então, se relacionam diretamente ao período
político-filosófico vigente na época, os quais vieram intrínsecos não somente na arquitetura
mas também nos adornos presentes dentro destes espaços.

Outra simbologia marcante na igreja são os vitrais da arcada sul. Eles são divididos
em três, onde cada um retrata incidentes da vida de Jesus Cristo, dentre eles a última ceia, a
ressurreição e acima deles, um semi-óculo representando a coroa de glória (figura 19).

Figura 29 - Monumento de Edward Peck Figura 30 - Monumento de Robert Ladbroke

Fonte: Patrick Comeford, Studio

Figura 31 - Retábulo de madeira com entalhes amadeirados


Fonte: www.geograph.org.uk

4. Considerações finais

Quando se fala sobre um monumento ou edificação histórica, é comum que diversas


influências tenham agido sobre ele durante sua construção, tal fator, no entanto, resulta em
sua forma, assim como na disposição de seus ambientes interiores, nos ornamentos
reproduzidos em seu espaço, além dos materiais escolhidos para sua composição.

No capítulo cinco do livro ‘Saber ver a arquitetura’, Bruno Zevi põe em pauta
pensamentos que seguem tal linha de raciocínio, revelando interpretações aplicáveis em
diferentes aspectos expressivos de um mesmo monumento arquitetônico através dos anos e de
seu momento na história.

A igreja de Cristo de Spitalfields, por exemplo, responde com êxito a este raciocínio e
às vertentes do estudo de Zevi a partir das análises políticas, econômico-sociais e
filosófico-religiosas de acordo com a época de seu planejamento. A título de exemplificação,
foi apresentado um paralelismo entre o barroco inglês juntamente com a inserção do
neopalladianismo na Inglaterra, como uma forma de afirmação do protestantismo anglicano e
de sua linha religiosa. Do mesmo modo, o movimento neopaladiano veio de encontro com a
filosofia iluminista, a qual possuía ascendência na época e pregava entre tantos valores, o uso
do racionalismo nos mais diversos ambientes, incluindo o arquitetônico.

Ademais, estas interpretações se estendem dentre os próprios elementos constitutivos


da Igreja de Cristo de Spitalfields, pois correspondem a toda forma mais lógica de ocupação
de um espaço, além da valorização das funções estruturais, seja pela suavização das fachadas
desta igreja ou pelas colunas interiores e exteriores dispostas no ambiente, a fim de expressar
uma certa ordem ou então a valorização da simetria no ambiente. Destarte, a implantação dos
monumentos de Edward Peck e de Sir Robert Ladbroke configuram como mais uma forma de
autoafirmação do estado inglês acima de ideologias que haviam marcado o século anterior à
sua construção.

Pode-se concluir, portanto, que há um amarração em todo o segmento de construção


de um ambiente, especialmente quando este, faz parte de um contexto histórico, o que
permite sua identificação em outros períodos vividos, assim como tal edificação se torna um
símbolo importante de alguma causa, luta ou filosofia.

5. Referências bibliográficas

O pequeno Bryan. Sir Christopher Wren Robert Hale, 1975.

The Church East and West: Orienting the Queen Anne Churches, 1711-34 / Jason R. Ali and
Peter Cunich Journal of the Society of Architectural Historians Vol. 64, No. 1 (Mar., 2005),
pp. 56-73 (18 pages) Published By: University of California Press

VENTURI, Robert; BROWN, Denise S. Architecture as Signs and Systems. The Belknap Press of
Harvard University Press. Cambridge, Massachusetts. London, England, 2004.

GOMBRICH, E.H. A História da Arte ,1950.

Fazio, Michael; Moffett, Marian; Wodehouse, Lawrence. A História da Arquitetura


Mundial,2003

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