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BARBARA CARTLAND
Paraíso em Penang
Título original: Paradise in Penang
Copyright (c) Barbara Cartland 1989
Tradução: E. N. Costa e Silva
Copyright para a língua portuguesa: 1989
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 - 3º andar
CEP 01452 - São Paulo - SP - Brasil
Caixa Postal 2372
Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.
Impressa na Artes Gráficas Parâmetro Ltda.
NOTA DA AUTORA
Penang, uma pequena ilha em forma de tartaruga, na extremidade setentrional
do estreito de Malaca, é um dos mais lindos lugares do mundo.
Banhada pelas águas límpidas e tépidas do oceano Índico, a ilha é orlada de
praias douradas e coqueirais.
Homens bravos e audazes foram atraídos para Penang depois de a ilha ter sido
descoberta pelo capitão inglês Francis Light, em 1784.
Esses homens intrépidos adquiriram fortunas fabulosas, construíram mansões
enormes e requintadas em estilo inglês e se estabeleceram na ilha, vivendo
felizes entre malaios e chineses.
Na ocasião em que escrevi este livro, duas terríveis sociedades secretas
estavam sendo caçadas pelas autoridades malaias.
Elas eram responsáveis por numerosos assassinatos, e duelavam perigosamente
para conseguir as riquezas recém-descobertas na ilha.
Foi o sultão Abdullah de Kedah quem ofereceu ao capitão Light a Pulau Pinang
(ilha de Penang), em troca de sua ativa intervenção contra seus inimigos
siameses.
Penang foi de grande importância para a Companhia da índias Orientais, e
tornou-se um importante posto comercial para todo o Império Britânico.
Atualmente, a ilha é uma estância de férias, e ainda conserva muitos
monumentos, casas e prédios que recordam sua história fascinante. Espero que
esteja fadada a ter um futuro igualmente fantástico.
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CAPÍTULO I
1869
O trem chegou à Victoria Station, e lorde Selwyn desembarcou, respirando
aliviado.
- Que bom voltar para casa!
Não havia carruagem alguma esperando por ele; porém, felizmente, o diplomata
francês com quem viajava lhe fez um gentil oferecimento:
- Há uma carruagem enviada pela embaixada à minha espera. Não quer vir comigo?
- Fico-lhe imensamente grato. Como já lhe disse, parti mais cedo do que o
previsto, e nem tive tempo de avisar ao meu secretário que estava voltando
antes da data combinada.
O diplomata sorriu.
- Dizem que chegadas inesperadas costumam ser perigosas.
- Não no meu caso particular - respondeu lorde Selwyn, sorrindo também. - Mas
concordo que, em princípio, você tem razão.
Os dois cavalheiros subiram na elegante carruagem da embaixada. Ao notar os
dois belos cavalos de raça atrelados ao veículo, lorde Selwyn não pôde deixar
de admirá-los. Embora os animais não fossem iguais aos seus, quem quer que
os tivesse comprado era um conhecedor e merecia elogios.
Recostado confortavelmente ao encosto do assento acolchoado, muito macio, ele
lembrou, satisfeito, que aquela noite iria ver Maisie Brambury. Desde que
deixara a Inglaterra, não a havia tirado do pensamento.
Fora em Paris que decidira tomar a resolução mais importante de sua vida:
casar-se!
Há anos vinha lutando, primeiro contra as insinuações, depois contra as
súplicas da família para que arranjasse uma esposa. Mas simplesmente não via
motivo para se apressar a dar um passo tão decisivo, a não ser, claro, a
necessidade de deixar um herdeiro, visto ser ele um nobre possuidor de imensa
fortuna
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e de uma das casas em estilo georgiano mais fantásticas do país.
Todavia, a ideia de ver-se preso pelos laços matrimoniais o exasperava. Queria
ser livre, desimpedido e definitivamente desembaraçado do fardo de uma esposa.
Lorde Selwyn fora a Paris em missão diplomática muito delicada, a ele atribuída
pelo ministro das Relações Exteriores, e havia partido determinado a esquecer
lady Brambury.
Não ignorava que em Paris encontraria inúmeras mulheres ansiosas para
satisfazer-lhe os desejos, lisonjeá-lo e fazê-lo gastar muito dinheiro.
Reconhecia, porém,
que cada pêni dispendido teria valido a pena.
Era bem próprio de lorde Selwyn levar suas missões muito a sério. Mas, quando
a noite chegava, divertia-se. E esta vez não constituíra uma exceção; ele
tivera a companhia de sedutoras cortesãs que havia conhecido em sua última
visita à capital francesa. Ele foi a inúmeras festas e esteve em muitos leitos.
E então, na véspera de voltar à Inglaterra, lorde Selwyn percebeu que estava
farto daquela vida.
Acostumado a ser honesto consigo mesmo, admitiu que, apesar de ter passado
ótimos momentos, de certa forma havia forçado o que antigamente costumava ser
um entusiasmo natural. Desta vez era como se Paris tivesse perdido a magia.
Ou quem sabe ele próprio tivesse perdido o que os franceses tão bem definiam
como joie de vivre.
A princípio questionara-se para saber o que estaria errado. Não tardara a
reconhecer que, em vez de se deixar seduzir pelo fascínio dos olhos negros
que o fitavam apaixonadamente, só via diante de si os olhos azuis de lady
Brambury.
Da mesma forma, chegava-lhe aos ouvidos a voz dela, suave como a de uma criança.
"Estou me comportando como um tolo!", pensara ele.
No entanto, nada do que os franceses lhe pudessem oferecer o satisfazia, nem
mesmo os pratos dignos do paladar mais exigente, oferecidos nos jantares e
festas aos quais comparecia. Tampouco apreciava como antes o requinte da comida
do Maxim's
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ou do Grand Vefour, aonde sempre ia acompanhado,de alguma deusa sedutora.
Mulher alguma poderia ser comparada às demi-moitdaines francesas,
inigualavelmente chiques, espirituosas e alegres. Além de possuírem um encanto
todo seu, essas
garotas sabiam como ninguém fazer um homem sentir-se ao seu lado como se fosse
um rei.
Apesar de tudo, lorde Selwyn só ouvia uma VOK suave murmurando:
- Sinto-me tão só... Os altos círculos socais me amedrontam!
Os dois olhos azuis de Maisie o fitavam, desanparados. Então, a única vontade
dele era protegê-la, e só
havia um meio de fazer isso.
"Mas casamento não!"
Ele tinha tudo o que um homem podia desejar, além de uma inteligência
privilegiada e grande interesse
por livros. Por isso, jamais sentia solidão, estivesse em
sua majestosa casa no campo ou na de Park Lane.
Ao contrário de seus amigos e conhecidos, que não viam a hora de correrem para
o clube, lorde Selwyn sentia imenso prazer em ficar em casa, sentado na
biblioteca, lendo noite adentro.
Era tão grande sua paixão pela leitura que a mãe, quando vivia, não se cansava
de lhe recomendar para não abusar da visão, argumentando:
- Você não terá essa aparência tão bela usando óculos! O filho costumava achar
graça de tanto cuidado. Por certo
teria ainda muitos anos pela frente até começar a sentir a visão diminuir.
Bons livros davam-lhe o mesmo prazer que a companhia de uma linda mulher. Além
disso, os primeiros lhe ofereciam a vantagem de lhe proporcionar um prazer
mais duradouro.
Seus affaires de coeur em geral chegavam ao fim simplesmente porque ele acabava
descobrindo que o único assunto que interessava a suas parceiras era o amor,
e o vocabulário inglês, lamentavelmente, era limitado demais para facilitar
discorrer sobre esse tema.
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A mulheres que lhe concediam seus favores eram inegavelment lindas e
esculturais como jovens deusas. Todavia, enquanto seu corpo se excitava,
correspondendo à beleza
delas, seu cérebro um crítico exigente, o fazia sentir-se extorquido - apesar
da estranheza do termo - de algo que lhe dava muito prazer.
Quando pensava em matrimónio, dava-se conta de que seria impossível suportar
uma conversa banal diariamente, desde o amanhecer até oanoitecer. Mesmo suas
amantes mais
espirituosas e divertidas insistiam em contar-lhe sempre a mesma anedota ou
fazer o mesmo tipo de brincadeira, esperando que ele achasse graça
e Igualmente, exigiam
que ele lhes repetisse até cansar os mesmos elogios.
"O que ando buscando, afinal? O que desejo para ser feliz?"
Quantas vezes já fizera tais perguntas sem encontrar resposta!
Então viu pela primeira vez Maisie Brambury, e achou que ali estava uma mulher
diferente, apesar de muito jovem. Para ele, que havia terminado um romance
com uma
lady um pouco mais velha do que ele, Maisie era um delicioso contraste.
Comparou-a a um daqueles pequenos querubins que já vira em pinturas e
esculturas em igrejas
da Bavária.
Ao saber que Maisie já completara vinte e quatro anos, mal pôde acreditar.
Porém, quando soube de toda a sua história, convenceu-se de que já não era
tão jovem quanto
aparentava.
Maisie casara-se aos dezoito anos com lorde Brambury, um viúvo de sessenta
anos considerado uma das mais importantes figuras da corte.
O fato de lorde Brambury ser um homem eminente, que havia ocupado muitos cargos
importantes, inclusive o de governador do condado de Huntingdonshire,além de
ser
possuidor de uma fortuna imensa, fez parecer insignificante a questão da
diferença de idade entre ele e a noiva.
A primeira esposa de lorde Brambury havia morrido sem ter, infelizmente,
deixado filhos. Então, pensando principalmente em ter um herdeiro, ele
propusera casamento à filha de um nobre rural, descendente de ótima família.
Os pais de Maisie ficaram não só surpresos, mas também encantados com o pedido
de um aristocrata tão ilustre. Ao mesmo
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tempo, esperavam que, sendo tão linda, a filha conseguisse um bom casamento.
Como costuma acontecer com homens mais velhos, lorde Brambury viu-se
loucamente apaixonado pela jovem Maisie. Deixando de lado o bom senso e não
dando ouvidos a
uma voz interior, que lhe dizia que já era muito velho para aquele romance,
ele decidiu que aquela linda jovem, sadia e de boa linhagem rural, era perfeita
para dar-lhe o herdeiro tão sonhado.
Maisie pouco teve a dizer. Ouvia o tempo todo palavras elogiosas ao futuro
marido, e lhe repetiam vezes sem conta que ela era a jovem de mais sorte do
mundo por ter conquistado um nobre tão rico e distinto.
Sem nem mesmo ter usufruído a temporada em Londres, como era desejo dos pais,
Maisie viu-se sendo levada ao altar da Igreja de São Jorge, em Hanover Square.
Maisie sonhara casar-se na igrejinha da propriedade de seu pai, mas, sendo
lorde Brambury um homem tão importante, isso não foi possível.
- Compreenda, minha querida - explicou ele -, que Sua Majestade, a rainha,
estará presente à cerimónia religiosa, além de inúmeros estadistas, diplomatas
e nobres.
O assunto foi encerrado. Ficou estabelecido que a recepção seria em sua casa,
uma enorme mansão em Grosvenor Square, onde ele morava há quase trinta anos.
A noiva não foi consultada uma única vez. Apenas ficava a par do que estava
sendo planejado para o casamento. Lorde Brambury dava as ordens, e tudo o que
Maisie e os pais tinham a fazer era aceitá-las.
Como se tratava do casamento mais importante da temporada, ninguém quis deixar
de comparecer àquele grande evento social. A igreja ficou superlotada. Os
imensos salões de recepção da casa de Grosvenor Square também pareceram
pequenos para tantos convidados.
Os amigos do noivo ficaram encantados com a beleza de Maisie, e compreenderam
por que lorde Brambury ficara tão perdido de amor por aquela criatura, que
mais parecia
uma peça de porcelana de Dresden.
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Entretanto, esses comentários maldosos eram bastante discretos, pois não se
podia ofender um homem que merecia a atenção da rainha e que, em toda sua vida
de
sucessos, jamais cometera um deslize.
Para Maisie, tudo parecia irreal. Era como se tivesse deixado a sala de aula
para ser arremessada num torvelinho. Lorde Brambury fizera questão de que o
casamento
se realizasse quanto antes, e a noiva se vira correndo de modista em modista,
experimentando um vestido após outro, quase morrendo de cansaço.
Havia festas quase todas as noites, e os inúmeros parentes do futuro marido
para conhecer, uma vez que todos eles faziam questão de agradar ao ilustre
chefe da família.
Choviam convites para almoços, jantares, recepções e reuniões, para grande
contentamento dos pais de Maisie. Esta, no entanto, mal via o futuro marido.
- Você deve compreender, querida, que antes de partirmos para nossa lua-de-mel,
tenho mil e uma coisas para resolver desculpara-se lorde Brambury com um
sorriso. - Acho que, quando se quer uma coisa bem-feita, deve-se fazê-la
pessoalmente.
Maisie aceitara a desculpa de bom grado, e até se sentira aliviada. A verdade
era que aquele homem imponente, corpulento e de cabelos quase totalmente
grisalhos a amedrontava. Imaginava vagamente como seria passar a vida ao lado
dele como esposa.
Todavia, não tinha a quem fazer perguntas. A mãe sempre a tratara como se ainda
fosse uma criancinha. O pai jamais havia feito segredo de que ficara
desapontado desde o nascimento da filha, pois sempre desejara um menino.
Maisie tivera inúmeras preceptoras, uma vez que nenhuma delas parava no
emprego. Achavam entediante a vida do campo, principalmente porque não tinham
oportunidade de ir a Londres ou a outra cidade grande.
- Sinto muito, mas não desejo continuar aqui, onde me sinto
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enterrada - era invariavelmente o argumento apresentado pelas preceptoras ao
fim do ano.
Os pais de Maisie não conseguiam compreender aquele procedimento, pois o quarto
reservado à preceptora era excelente, e a sala de aula muito ensolarada.
Mas as preceptoras vinham e partiam. Cada uma delas começava as lições de
história com os irmãos Hengist e Horsa, de forma que Maisie nunca havia ido
além de Ricardo Coração de Leão.
Para a aluna, história era matéria muito aborrecida, e geografia ainda pior.
Não desejando criar problemas, fingia estar interessada, ouvia as aulas com
os olhos muito abertos, porém o pensamento voava para longe dali.
Essa mesma expressão lhe servira para ouvir o noivo quando ele vinha visitá-la,
e depois também lhe fora útil ao partir, já casada, sob uma chuva de arroz
e de pétalas de rosas, para a estação, ao lado do marido.
O casal viajaria no vagão particular de lorde Brambury. Ele planejara passar
a primeira semana de lua-de-mel em sua casa ancestral de Huntingdonshire.
Depois seguiriam para a casa de Leicestershire, onde ele mantinha um pavilhão
de caça e aonde raramente ia, por haver abandonado as caçadas há anos.
Essa casa, localizada em quinhentos acres de ótima terra, era parcialmente
jacobita, e há muitas gerações pertencia à família de lorde Brambury.
- Nunca me separaria desta propriedade - dissera ele ao pai de Maisie. - É
confortável, quieta e ótimo lugar para nossa lua-de-mel. Sei que ali não
seremos perturbados.
Durante a viagem de trem, Maisie notou a excitação e ansiedade do marido. De
sua parte, estava adorando viajar num vagão particular, luxo que nunca tivera
antes.
- Não se sente bem? - perguntou ela ao marido, preocupada.
- Oh, estou bem. Achei apenas a igreja e os salões de recepção quentes demais
- respondeu ele.
A esposa serviu-lhe uma taça de champanhe, que ele tomou com prazer,
demonstrando sentir muita sede.
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Ela sacudiu a cabeça. Querendo convencer o chinês de que dizia a verdade, tentou
explicar, mostrando-se hesitante:
- Minha cabeça está muito dolorida... Devo tê-la batido em alguma coisa...
ou talvez eu tenha sido golpeada...
- Não tem ideia de quem ou o que poderia tê-la golpeado.
- Não...
- Tampouco se recorda de quando isso aconteceu?
- Não.
O rosto enigmático de Lin Kuan não revelava emoção alguma. Contudo, Anina teve
certeza de que ele ficara não apenas surpreso, mas também confuso.
Juntando as mãos de unhas muito longas, o chinês procurou argumentar.
- Deduzimos que você viajava a bordo de um navio, pois foi encontrada em minha
baía, em um barco pequeno.
- Cheguei até aqui num barco?
- Você não sabia disso?
Ela acenou negativamente a cabeça.
- Então deixe-me explicar. Encontrei-a na baía, ao fundo do meu jardim. Você
se achava deitada sobre almofadas de cetim, vestida como está no momento.
Anina emitiu um som baixinho e olhou para a saia do vestido que usava, toda
enfeitada com babadinhos de renda e pequeninos buques de rosas almiscaradas.
Ela não conseguiu evitar que seu pensamento volvesse ao passado. Lembrou-se
de que, quando vira a mãe usando aquele mesmo vestido, achara-o o mais
maravilhoso traje de noite que já vira.
Sem dúvida aquele homem de olhos astutos sentado à frente dela devia pensar
que sua hóspede se trajava com muito requinte. Ele devia saber que aquele
vestido era muito caro, além de estar de acordo com a moda mais recente de
Paris.
Na parte de trás havia as famosas anquinhas; a mãe de Anina lhe contara que
o criador dessa moda havia sido Frederick Worth, um estilista inglês que havia
decretado a morte da crinolina.
Anina também se lembrava de a mãe ter contado que quando
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aparecera com aquele vestido no baile do governador, as mulheres que não
estavam atualizadas com a moda a fitaram com tanta inveja que pareciam querer
arrancar-lhe
os olhos.
- Seu pai sentiu o maior orgulho de mim - dissera à filha suavemente. - E era
só isso o que me importava.
Vendo-se então submetida àquele interrogatório, Anina teve confiança de que
seus pais iriam ajudá-la a dar as respostas
corretas.
Incansável, Lin Kuan continuou tentando fazer a jovem lady lembrar-se de onde
viera e para onde viajava. Fez perguntas sobre sua família, quis saber o nome
de seus
pais, e se ela ao menos tinha uma vaga ideia de como eram eles.
Demonstrando vontade cooperar, Anina foi a princípio respondendo com negativas
ou apenas sacudindo a cabeça. Afinal, cansada de tantas perguntas, passou
apenas a dirigir ao chinês um olhar de desalento.
A certa altura Lin Kuan admitiu a derrota.
- Tenho certeza de que, mais cedo ou mais tarde, os deuses permitirão que você
recupere a memória - asseverou ele com bondade. - É apenas uma questão de tempo.
- Mas para onde irei enquanto espero que isso aconteça?
- perguntou a jovem, sabendo que essa questão tinha importância vital.
- Há muitos quartos aqui à sua disposição. Você honrará minha casa com sua
beleza.
Pela primeira vez, desde que entrara naquele salão, Anina sorriu.
- Obrigada... muito obrigada! - agradeceu ela, eufórica.
- Senti tanto medo de que me mandasse embora...
- Ora, não sou um homem cruel. Não duvido que em breve você se lembrará do
seu nome, e poderei encontrar sua família e seus amigos.
- O senhor é muito bondoso! Lin Kuan ergueu-se.
- Agora você deve conhecer minha família. Como há de compreender, todos estão
muito curiosos por saber quem é a linda moça do barco. Imagino que estejam
pensando que você
tenha caído do céu ou tenha surgido das profundezas do oceano.
Anina riu.
- Talvez seja verdade. Mas se eu tiver surgido do mar, terei que ser uma sereia
com cauda de peixe!
O anfitrião acompanhou-a a outra parte da casa para apresentar-lhe sua família.
Enquanto caminhava, ela ia pensando que, afinal, tudo havia corrido melhor
do que havia esperado. Parecia chegar-lhe aos ouvidos a voz do pai:
"Boa garota! Fez exatamente o que lhe pedi!"
A nova propriedade de lorde Selwyn era muito mais grandiosa do que ele havia
imaginado. O lugar onde a casa da fazenda fora construída deixou-o atónito
e ao mesmo tempo encantado.
Ele já esperava que, sendo um homem de muito bom gosto e de posses, seu tio-avô
só poderia construir para si uma casa confortável e agradável.
No entanto, o que não havia previsto é que lorde Durham tivesse o capricho
de mandar construir aquela mansão encantadora, uma réplica de uma casa inglesa
em estilo arquitetônico de meados do século anterior.
Apesar de estar em Penang, lorde Selwyn pareceu ver-se diante de uma das casas
de seus amigos aristocráticos de Londres.
com entusiasmo, admirou a mesma arquitetura de proporções perfeitas, as mesmas
colunas jónicas logo acima dos vários degraus da entrada. As altas janelas
em estilo georgiano abriam-se para a plantação, que se estendia a perder de
vista.
Ao notar que Lin Kuan o observava, analisando sua reação, Paul exclamou:
- Não posso acreditar! Confesso que esperava ter herdado uma casa em estilo
europeu, porém jamais imaginei encontrar aqui esta jóia arquitetônica, uma
perfeita imitação da obra dos irmãos Adam!
Sem surpresa, constatou que Lin Kuan não ignorava que os irmãos Adam haviam
sido os maiores arquitetos do século XVIII.
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- Imaginei que ficaria surpreso, milorde! - observou Lin Kuan com uma nota
divertida na voz, ao ver o entusiasmo do inglês. - Não se esqueça de que esta
casa era o lar de seu tioavô, e ele desejava sentir-se e viver como inglês.
- Se ele desejava mesmo estar em meio a coisas que lhe lembravam a pátria,
não compreendo por que não voltou à Inglaterra.
- Certa vez lorde Durham me disse que já vivia há bastante tempo no Oriente
que passara a pensar como chinês, a comer como chinês, e gostava mais de
conviver com orientais do que com seu próprio povo.
Paul sorriu, mas não fez qualquer observação. Lin Kuan prosseguiu:
- No entanto, creio que seu honorável tio-avô sonhava com a Inglaterra, e quis
edificar aqui a casa dos seus sonhos.
Se o exterior da casa que herdara o surpreendera, seu interior o deixou ainda
mais maravilhado. Havia ali um número incalculável de peças valiosíssimas,
verdadeiros tesouros.
Algumas das peças de porcelana eram fantásticas. Havia também objetos de jade,
quartzo rosa e cristal, e lindíssimas pinturas decoravam as paredes.
Lin Kuan, que conhecia a história da maior parte das peças que compunham o
mobiliário e a biografia dos artistas que haviam feito as pinturas, ofereceu-se
para expor ao novo dono daqueles tesouros o que sabia sobre cada um deles.
- Seu honorável tio-avô pediu-me para ajudá-lo a selecionar criteriosamente
tudo o que devia compor a decoração desta casa. Encomendamos então aos chineses
o que queríamos, e ao recebermos as encomendas, raramente nos desapontávamos.
Paul seria grosseiro e mal-agradecido se não reconhecesse quanto era
afortunado. Como poderia imaginar que herdaria tantos tesouros de valor
incalculável?
Depois que o novo proprietário inspecionou toda a Durham House, como era
chamada aquela mansão, Lin Kuan o deixou,
- Mandarei a carruagem vir buscá-lo mais tarde, milorde
- disse ele ao despedir-se.
Acompanhado dos advogados, que se mostravam ansiosos
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para mostrar-lhe a plantação, lorde Selwyn percorreu uma parte da fazenda,
e depois quis ver o jardim.
Este era muito grande e mostrava-se meio abandonado, porém ali crescia uma
profusão de orquídeas, inclusive uma variedade das Phalaenopsis, de lindas
flores brancas.
com imensa alegria ele viu uma árvore original, cujas flores surgiam
diretamente da casca do tronco, que os malaios chamavam de serac.
Paul tinha vontade de ficar algum tempo naquele vasto jardim, inspecionando-o,
porém os advogados queriam que ele fosse examinar as culturas.
Asseguraram-lhe que ele teria uma renda considerável se cultivasse a terra
devidamente. Paul ficou extremamente interessado.
Ao mesmo tempo, sentia-se preso ao encanto dos incomparáveis tesouros da casa
e à maravilha das exóticas flores do jardim. Queria guardar na memórias tais
belezas, que evocaria quando regressasse à Inglaterra.
- Se tem interesse em orquídeas, honorável lorde - aparteou o advogado chinês
-, certamente vai ter que ficar em Penang durante muito tempo.
Havia uma insinuação no tom de voz do chinês.
- Por que diz isso? - indagou Paul. O chinês sorriu.
- Temos oitocentas espécies de orquídeas na Malásia. Ali está uma delas.
O advogado indicava uma linda e rara espécie, presa ao tronco de uma árvore
coberto de liquens.
- Pelo que vejo, terei que me ocupar do assunto a partir de agora, e é provável
que acabe passando aqui toda a minha vida, como fez meu tio-avô.
Ele falava em tom de brincadeira, porém notou, pela expressão séria dos dois
advogados, que ambos esperavam que o novo senhor daquelas terras e da belíssima
casa ficasse realmente interessado em continuar o trabalho de lorde Durham.
"Pois ambos ficarão desapontados!", pensou ele.
O melhor meio de obter dos advogados as melhores informações era deixá-los
supor que estava interessado em fazer a
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fazenda produzir e que passaria a morar na casa assim que lhe fosse possível.
Felizmente não tinha condições de mudar-se de imediato, uma vez que nem criados
possuía; apenas dois caseiros cuidavam da propriedade. Continuaria a viver
confortavelmente no palácio de Lin Kuan Teng.
Os advogados haviam trazido consigo comida chinesa, que Paul apreciou.
Enquanto comiam, ele ouviu com prazer tudo que os procuradores de lorde Durham
tinham para
contar.
Ao fim da tarde, quando já não estava tão quente, lorde Selwyn voltou para
Georgetown numa carruagem aberta. Antes de partir deu aos caseiros uma quantia
em dinheiro
que os deixou boquiabertos.
Admirou a paisagem durante a viagem até a casa de Lin Kuan. Encantaram-no as
árvores, a profusão de flores silvestres, os pássaros e as crianças malaias
ou chinesas que brincavam à beira da estrada poeirenta.
Meninos mais velhos subiam nos coqueiros para derrubar os cocos.
Ao chegar a Georgetown, sentia-se orgulhoso de possuir uma belíssima
propriedade e ao mesmo tempo fascinado com aquela ilha paradisíaca.
Para completar sua alegria, tinha à sua espera uma pessoa inteligente como
Lin Kuan, com quem podia conversar. FitzJames Stephen não havia exagerado ao
dirigir palavras elogiosas ao seu anfitrião. O chinês era realmente
excepcional.
Divertido, Paul conjecturou que fora necessário vir a Penang para encontrar
um homem incomum como Lin Kuan Teng. Era tão agradável manter uma conversação
mais séria com ele quanto conversar com o primeiro-ministro, o sr. Benjamim
Disraeli.
"De certa forma, acredito que ambos são orientais", pensou Paul, "e é esta
a razão de serem os dois mais sensitivos, mais rápidos de raciocínio e,
certamente, bem
mais perceptivos do que a média dos ingleses."
A carruagem passou pelo portão da casa de Lin Kuan e entrou no caminho de acesso,
ladeado pelos jardins repletos de flores.
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Ao descer da carruagem, Paul lembrou-se da estranha e encantadora jovem cujo
barco viera dar à praia aquela manhã. Possivelmente àquela hora já haviam
descoberto quem seria ela.
Talvez ela até já tivesse voltado para o lugar de onde viera, o que seria uma
pena, pois gostaria de ver mais uma vez aquela criatura adorável.
A jovem do barco lhe lembrava uma deusa chinesa que ele havia admirado,
esculpida em cristal, sobre um dos armários do salão de estar.
Tal pensamento fê-lo rir consigo mesmo. Afinal, tratava-se de uma mulher, e
para ele o sexo feminino, no momento, devia ser visto com reservas, senão como
um inimigo.
"Só espero que ao vê-la consciente eu fique desapontado. Tomara que seja até
vesga!"
com tal pensamento zombeteiro, entrou na casa, sendo conduzido por um criado
à sacada onde Lin Kuan se achava sentado com a esposa e as filhas.
A grande sacada sustentada por colunas dava para o jardim, e apesar da brisa
muito leve, que ajudava a suavizar um pouco o calor, os panças estavam em
funcionamento.
Um aroma suave enchia o ar quente e úmido.
A esposa e as filhas de Lin Kuan Teng estavam sentadas em banquinhos baixos
e em almofadões, porém o dono da casa não deixara sua cadeira de espaldar alto.
Sentado naquela espécie de trono de mandarim, o anfitrião parecia quase tão
majestoso quanto um rei.
Só ao aproximar-se, o recém-chegado notou a presença da jovem do barco. Ela
também estava sentada numa cadeira de espaldar alto, ao lado de Lin Kuan, e
ouvia com o maior interesse o que ele lhe dizia.
Por um instante lorde Selwyn não conseguiu deixar de fitar aquele rostinho
delicado, de perfeita forma ovalada, emoldurado por cabelos dourados como
raios de sol
e resplandecentes como uma aura. Sua impressão foi novamente a de estar
sonhando.
Achou impossível alguém parecer tão adorável e ser real.
Ao vê-lo, Lin Kuan ergueu-se e saudou-o:
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- Seja bem-vindo, honorável hóspede! Espero que tenha apreciado sua "viagem
de descoberta!"
Paul pensou que, se havia descoberto um tesouro, seu anfitrião tinha a seu
lado algo infinitamente mais raro e precioso. Então respondeu cortesmente:
- Tenho muito a lhe dizer, mas no momento estou encantado por me encontrar
de volta a esta linda casa e em contato com você e sua distinta família.
Ao falar ele dirigiu o olhar para a única pessoa que não fazia parte da família.
Lin Kuan notou imediatamente o movimento de seus olhos e apresentou-lhe a
jovem.
- Permita apresentar-lhe alguém que honra com sua presença esta minha humilde
casa.
O chinês indicou Anina, e esta ergueu-se, fez uma mesura e tomou a mão de Paul,
que lhe fora estendida.
- Creio que a senhorita deve ser inglesa - disse ele. É para mim um grande
prazer conhecer uma pessoa de meu país.
Notando, ao tocar a mão de Anina, que ela estremecera, teve certeza de que
a jovem estava amedrontada. Mesmo sem saber o que poderia infundir-lhe aquele
temor, sentiu vontade de ajudá-la.
- Meu nome é Selwyn - acrescentou ele, pois Lin Kuan não o havia mencionado.
Evidentemente confusa, Anina não respondeu. Paul continuava a segurar-lhe a
mão. Finalmente ela encontrou coragem para dizer:
- Eu não me lembro... Não sei qual é o meu nome.
As palavras saíram como se fossem extraídas de seus lábios. Paul arqueou as
sobrancelhas, e Lin Kuan explicou-lhe:
- Esta linda lady, encontrada por nós dois naquele barco, em minha praia, perdeu
a memória, milorde!
- Perdeu a memória?! - repetiu Paul, atónito. Voltou-se novamente para a
adorável criatura e fitou-a
bem dentro dos olhos, percebendo que ela estava muito amedrontada.
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Sua percepção disse-lhe que todo aquele temor não era oriundo do fato de ela
ter perdido a memória.
Evidentemente, havia outra razão atrás de tudo aquilo. No entanto, o que seria?
Ainda não lhe era possível saber a resposta.
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CAPÍTULO VI
Pela quinta vez lorde Selwyn visitava Durham House. Já havia levado a esposa
de Lin Kuan, suas filhas e Anina para conheceram a casa, porém só tivera a
oportunidade de ir lá sozinho com a jovem inglesa.
Desde que a conhecera interessara-se por ela, e observava-a com atenção sempre
que podia. Gostava de vê-la conversando com as outras garotas e de ouvir seu
riso cristalino.
Havia desejado muito ficar a sós com a jovem do barco, e afinal surgira a chance
de fazê-lo.
Havia tanto o que ver em Durham House e na fazenda, que levaria semanas, se
não meses, para conhecê-las bem.
Paul passara inúmeras horas com os advogados e outras tantas sozinho,
explorando o que havia herdado. Contudo, no momento, embora tentasse não
admiti-lo, sua vontade era mostrar seus tesouros à linda jovem sem ter pessoa
alguma por perto.
Havia nela algo diferente, que o intrigava e que não conseguia definir. Não
se tratava de sua extraordinária beleza ou do fato de ela dizer ter perdido
a memória.
Ele poderia afirmar que existia uma vibração vindo dela para ele. Também tinha
consciência de sua personalidade marcante, como havia tido da do vice-rei.
Muitas vezes, à mesa do jantar, quando a conversa era muito inteligente, ele
olhava para a hóspede de Lin Kuan, e assim que seus olhos se encontravam havia
uma comunicação
tácita entre ambos; eles conversavam sem a necessidade de palavras.
No entanto, bastava Paul perceber que se mostrava entusiasmado, criticava-se
severamente e chegava a zombar de si mesmo, dizendo a si próprio que mal saíra
de uma armadilha, via-se prestes a cair em outra.
À noite, porém, quando ia para seu quarto, seu pensamento voltava-se para a
linda jovem sem memória. Parecia vê-la até nas réstias de luar que se
infiltravam pelas janelas abertas.
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Quando se dava conta, já se via conversando com ela, falando-lhe sobre si mesmo
e até fazendo planos para o futuro.
"Estou ficando completamente maluco!", dissera a si mesmo mais de uma vez.
"Só posso estar louco para acalentar tais pensamentos depois da experiência
desastrosa
que tive com Maisie!"
Ao mesmo tempo, apesar de não saber explicar por quê, tinha convicção de que
o que sentia por aquela jovem quase desconhecida era muito diferente do que
havia sentido pela viúva.
Maisie lhe parecera muito jovem, pura e, muitas vezes, até uma criança; a jovem
desconhecida não; era toda mulher.
Lin Kuan mostrava-se impressionado com a inteligência da bela hóspede. De fato,
era de surpreender seu vasto conhecimento do mundo, embora ela dissesse não
se lembrar de haver viajado.
Lorde Selwyn havia notado que ela não tinha consciência da própria beleza.
Era também tão natural que as filhas de Lin Kuan Teng conversavam com ela como
se fosse outra irmã.
Naquela tarde a esposa de Lin Kuan fora com as filhas à escola onde estudavam,
para assistirem a um concerto.
A anfitriã não havia convidado a hóspede para acompanhálas, para evitar
embaraços. Como iria apresentar sem constrangimentos uma jovem sobre a qual
nada sabia, nem sequer seu próprio nome?
Era a oportunidade que lorde Selwyn havia esperado; então convidou-a:
- Se você não tiver nada a fazer, gostaria que me acompanhasse a Durham House.
Não lhe passou despercebida a luminosidade em seu olhar quando ela respondeu,
sem perda de tempo:
- Eu adoraria voltar lá! Gostaria de ver inúmeros outros tesouros que há na
casa. Quando estive ali, o tempo foi escasso para admirar tantas maravilhas.
Creio que você, como dono, deve sentir o mesmo.
Paul admitiu que era verdade.
95
Até o momento, inspecionara os cómodos principais da casa, porém havia inúmeros
outros aposentos com valiosas peças de porcelana. Uma das salas era
inteiramente decorada com porcelanas da dinastia Ching.
Em outra sala havia máscaras usadas pelos chineses em festivais durante
centenas de anos. Algumas
eram feias demais, e outras muito bonitas.
Na noite anterior, Paul fora para a cama pensando nas coisas que desejava
mostrar à jovem inglesa. Sabia que aquelas peças raras e valiosas que herdara
possuíam
para ela um significado maior do que para qualquer outra pessoa. Porém, no
mesmo instante, dissera a si mesmo que estava sendo ridículo.
Não havia por que imaginar que ela tivesse maior sensibilidade diante de coisas
belas do que qualquer outra mulher. Afinal, por que a considerava diferente?
Pela manhã ele tinha certeza de que a hóspede de Lin Kuan devia estar ansiosa
para ir com ele a Durham House.
Pensando em proteger a reputação da bela moça, Paul pediu a Higgins que os
acompanhasse. O criado de quarto mostrouse muito contente, pois também
desejava conhecer a tão comentada casa.
Até o momento lorde Selwyn não permitira a ida do criado à nova casa, porque
não ignorava como o homem era curioso. Finalmente, ao surgir o convite tão
esperado, Higgins não escondera sua satisfação.
Eles partiram logo após o breakfast. Anina usava um lindo vestido novo que
a sra. Lin havia comprado na cidade. Ali havia modistas chinesas que
trabalhavam com extrema rapidez.
Ao ver o vestido, Ánina surpreendera-se; não esperava um traje tão lindo. A
roupa assentou-lhe perfeitamente, porque havia sido confeccionada de acordo
com as medidas da filha mais velha da sra. Lin, que tinha quase o mesmo tamanho
da hóspede. Só foi preciso aumentar alguns centímetros em certos lugares.
A princípio Anina usava sempre o mesmo vestido, mas a eficiente sra. Lin cuidara
de resolver o problema, e roupas novas não cessavam de chegar.
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Os vestidos para o dia eram feitos de tecido vaporoso, e tinham pequenas
anquinhas. Os trajes de noite, confeccionados em sedas finíssimas, vindas da
China, tinham anquinhas bem maiores.
- Como pode comprar roupas tão adoráveis para mim? perguntara Anina à sra.
Lin.
A chinesa respondera gentilmente:
- Sr. Teng sempre diz que pintura linda exige moldura linda também.
- Ambos são extremamente bondosos. Sinto-me embaraçada por receber tanto de
vocês. Por favor, convença o sr. Lin Kuan a vender um dos meus braceletes para
pagar o que tem gastado comigo - sugerira ela.
A sra. Lin tinha erguido as mãos, demonstrando horror.
- Meu marido veria nisso um insulto! Ele considera violação de hospitalidade
aceitar pagamento de honorável hóspede.
Não ignorando que era verdade o que a sra. Lin lhe dizia, pois conhecia os
costumes dos chineses, Anina não se cansara de repetir:
- Muito obrigada! Muito obrigada!
Secretamente ela estava contente por não parecer estranha aos olhos de lorde
Selwyn. Afinal, ambos eram ingleses, e seria embaraçoso se ela tivesse que
usar o vestido ricamente enfeitado que pertencera à mãe e ele achasse que só
queria chamar-lhe a atenção.
Naquele momento eles viajavam numa carruagem aberta, muito confortável,
pertencente a Lin Kuan Teng, provida de um toldo leve, suficiente apenas para
proteger do sol seus ocupantes.
Higgins viajava na boleia, ao lado do cocheiro, por isso Paul havia dispensado
o cavalariço que via de regra o acompanhava.
A carruagem atravessou a rua principal da cidade, onde o comércio era variado;
havia vendedores de mantimentos, de frutas, mascates e vendedores ambulantes
de livros.
Sob árvores grandes e umbrosas, várias pessoas se achavam
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sentadas tomando kopi-o, como era chamado o café preto e bem forte. Nas casas
viam-se grandes venezianas de madeira.
- É muito agradável fazer esse passeio com você - observou Anina com um sorriso.
- Quando visitei sua propriedade, tive vontade de perguntar-lhe muitas coisas,
porém as filhas da sra. Lin quiseram ficar o tempo todo no jardim...
- O jardim daquela casa também me atrai muito, e tenho o maior prazer em ficar
ali, mas não no meio de muita gente
- observou Paul.
- Você fala como o sr. Lin Kuan - disse Anina, sorrindo e fitando-o nos olhos.
- Ele sempre diz que não pode pensar ou sentir com pessoas conversando sem
parar, como se fossem periquitos!
- Exatamente! Ele já me falou sobre isso, e quando me acompanhou na minha
primeira visita à propriedade que herdei, não disse uma palavra durante todo
o trajeto!
- O sr. Lin Kuan está certo. Mas, quanto a mim, não me importo de ser comparada
a periquitos. Eles são umas avezinhas tão encantadoras!
A carruagem ganhou a estrada. Estavam na zona rural. Anina indicou uma árvore
pela qual estavam passando naquele instante, e Paul notou em seus galhos
inúmeros periquitos.
- Veja aquele periquito-de-cabeça-vermelha! Além do tom vermelho, há uma
iridescência azul-violácea em sua cabeça e nos ombros; sua cauda é azul e
amarela!
Paul só teve tempo de dar uma olhadela na ave, pois a carruagem agora
desenvolvia grande velocidade.
Entusiasmada, Anina continuou a falar sobre as interessantes avezinhas.
- Preciso ver se encontro um periquito-pendente para mostrar-lhe. Eles são
bem pequeninos, e sua cor predominante é o verde. Dormem pendurados como os
morcegos, e reunidos, parecem grupos de folhas.
Ouvindo as explicações da jovem, Paul conjecturou que ela devia ser inglesa,
mas sem dúvida conhecia muito bem a Malásia.
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Virando-se subitamente para ela, ele perguntou-lhe de chofre:
- Qual é seu nome?
Anina achava-se distraída olhando para o alto, querendo ver mais pássaros nas
árvores sob as quais iam passando. Sem pensar, respondeu automaticamente:
- An... Ela parou.
- Continue - pediu-lhe Paul amavelmente.
- Anina!
Ela disse o nome em voz baixa, e, demonstrando que aquilo era uma grande
surpresa para si própria, acrescentou depressa:
- Consegui lembrar meu nome! Lembrei-me dele... porque você me pediu!
- É um belo nome, e combina muito com você. Conseguiu lembrar-se de mais alguma
coisa?
- Não... de mais nada!
Sua resposta foi tão imediata, que Paul soube instintivamente que Anina tentava
esconder alguma coisa. No entanto, não quis forçá-la. Precisava ter bastante
tato.
Para infundir-lhe confiança, disse-lhe:
- Bem, Anina, agora podemos conversar mais à vontade. Sinto-me mais chegado
a você porque já sei seu nome. É tão desajeitado dizer "Ei, você!", sempre
que eu quiser chamá-la...
Anina riu.
- Mas você nunca me chamou dessa forma!
- Tem razão. E você nem sabe como eu precisava pensar antes de me dirigir a
você. É bem melhor chamá-la de Anina.
O modo como ele pronunciou o nome fê-lo soar de maneira muito agradável aos
ouvidos dela. Anina sentiu uma estranha emoção, e atribuiu-a à voz profunda
de lorde Selwyn.
A carruagem parou diante de Durham House, que, à luz do sol da manhã, parecia
ter sido construída com ouro, e não com pedras brancas. Parecia também ainda
mais bela e majestosa.
Higgins, que via a casa pela primeira vez, mostrou-se encantado.
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Esperou o patrão ajudar Anina a descer do veículo e conduziu-o então para as
cocheiras.
- Agora podemos explorar a casa à vontade, sem pessoa alguma para nos
interromper - observou Anina, eufórica, quando entraram no hall.
Ambos foram para o salão de estar, e ela imediatamente correu até um dos
armários, para examinar as peças de jade e porcelana, entre outras
preciosidades.
Paul preferiu ficar à janela.
As flores do jardim estavam belíssimas, e, como sempre, um grande número de
borboletas adejava sobre elas.
Sem se voltar, ele sugeriu a Anina:
- Creio que seria melhor irmos até a cachoeira enquanto o sol não está muito
quente. Também gostaria que você visse minhas orquídeas.
- É uma boa ideia - concordou Anina.
Passaram pela porta de correr que se abria para o jardim; caminharam pelo
gramado, passaram pelos canteiros de orquídeas e por inúmeros arbustos
floridos.
Muitas árvores também se achavam em plena floração. Sobre várias plantas
sarmentosas, cresciam como parasitas as enormes rafflesias, flores muito
conhecidas na Malásia, de colorido muito vivo.
Caminhando em meio a tanta beleza, Anina não conteve uma exclamação:
- Nada pode ser mais maravilhoso!
Subitamente ela parou, e, estendendo a mão, fez lorde Selwyn parar também.
- Olhe! - disse, num sussurro. - Veja, ali!
Ele seguiu a direção dos olhos dela. Pousado sobre uma das pedras da pequena
cachoeira, não muito distante deles, havia um pássaro.
Algumas folhagens o escondiam, porém Paul reconheceu que tinha diante dos olhos
uma ave-do-paraíso.
Tanto ele como Anina permaneceram algum tempo maravilhados e emudecidos.
100
Nada assustado, o pássaro voou para o ramo de uma ár-vóre próxima.
- Uma ave-do-paraíso no próprio paraíso! - murmurava Anina. - A vinda dessa
ave até a sua propriedade significa que você recebeu uma bênção especial.
- E a que deus devo agradecer a bênção que me foi concedida?
Ao fazer a pergunta, Paul disse a si mesmo que Anina era tão encantadora quanto
a ave-do-paraíso. Chegava a acreditar que ela fosse uma deusa diante da qual
devia ajoelhar-se.
- Será melhor peguntarmos ao sr. Lin - respondeu ela. Realmente, os malaios
acreditam que a ave-do-paraíso traz bênçãos especiais dos deuses. É costume
colocar comida para elas, mas infelizmente são os esquilos gulosos que acabam
com o alimento.
- Creio que é exatamente o que acontece na vida! - argumentou Paul, rindo.
- Aqueles que são decididos, arrojados e gananciosos derrotam os tíbios e
meticulosamente seletivos.
- Você pertence ao primeiro grupo? - perguntou Anina com ingenuidade.
- Claro! Não poderia pertencer ao segundo!
Ele a fitava ao falar, e quando seus olhos encontraram os dela, ambos
permaneceram imóveis por algum tempo.
Sentindo que lorde Selwyn podia ler seus pensamentos, subitamente tímida e
ruborizada, Anina apressou-se em dizer:
- Vamos ver a cachoeira de perto. Talvez haja ali mais surpresas para você.
- O que espera encontrar? Algum peixe especial, talvez?
- Pode ser ambição demasiada de minha parte, porém, se não for querer muito,
gostaria de ver outros pássaros. Tenho certeza de que há martins-pescadores
por perto da água, e também os pequeninos nectarínios, meus preferidos. São
avezinhas vivamente coloridas, que se assemelham aos colibris.
- Nesse caso, devemos tentar encontrá-los.
Ambos ficaram durante um longo tempo perto da cachoeira, depois voltaram,
caminhando por entre as orquídeas. Paul
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tentou colher algumas delas para Anina, porém ela não lhe permitiu fazer isso.
- Deixe-as onde estão. É aí o lugar delas. Imagino que essas flores ficarão
ressentidas se forem tiradas do paraíso.
Ela sorriu para Paul, e ele ficou estático, admirando-a em meio às orquídeas,
encantando, desejando loucamente beijá-la e estreitá-la em seus braços.
No mesmo instante afastou a ideia. Não queria amedrontála. Além disso, estava
a sós com ela; Anina não trouxera uma chaperon e, sendo um cavalheiro, ele
jamais tomaria liberdades com uma lady.
- Está ficando muito quente - disse ele controlando-se.
- Será melhor voltarmos para dentro.
Embora relutante, Anina caminhou obedientemente pelo gramado, e entraram na
casa pela porta de correr por onde haviam saído.
Só ao olhar o relógio, que marcava meio-dia e meia, Paul se deu conta de que
havia ficado muito tempo no jardim e na cachoeira.
- vou dizer a Higgins que almoçaremos em seguida - comunicou ele. - Espero
que meu criado já tenha preparado tudo para nós.
Como pretendia passar o dia na sua propriedade, Paul trouxera o almoço. O
cozinheiro de Lin Kuan é que o preparara, e certamente devia estar delicioso.
Desde que se hospedara na casa de Lin Kuan, lorde Selwyn não se cansara de
elogiar a comida preparada pelo cozinheiro, e o anfitrião dissera certa vez:
- Se você quiser ficar morando em Druham House, pedirei a meu cozinheiro que
encontre para você um profissional tão bom quanto ele.
- Tenho certeza de que isso será impossível.
- Agradeço o elogio, mas meu cozinheiro, que já está comigo há anos, ensinará
ao colega que arranjar para o honorável hóspede as coisas que ele ainda não
saiba preparar.
- É grande bondade de sua parte, mas já lhe devo muitos favores.
102
Respondendo dessa forma, lorde Selwyn evitou dizer se ficaria ou não morando
em Penang. A verdade é que ele se mostrava indeciso.
- Se vamos almoçar agora - disse Anina - vou subir, lavar as mãos e tirar este
chapéu.
- Está bem. Creio que já conhece bem o caminho, não?
- Sim. Os quartos são tão lindos quanto os outros cómodos da casa.
Depois de lhe dirigir um sorriso, ela se virou e afastou-se, atravessou o hall
e subiu a escada em caracol, deixando Paul parado, seguindo-a com o olhar.
com esforço ele reprimiu o desejo de acompanhá-la, simplesmente porque não
gostava de perdê-la de vista.
"Como posso estar me sentindo assim?", questionou-se ele, virando-se e
recebendo no rosto a luz do sol.
Parecia-lhe impossível que houvesse deixado a Inglaterra inflamado de raiva.
Era como se um século já se tivesse passado desde que voltara aquela noite
para sua casa, em Park Lane, fervendo de fúria.
Agora, tudo o que havia sentido, tudo o que sofrera parecia ter desaparecido
numa névoa.
A única realidade era o sol, as orquídeas, a ave-do-paraíso e Anina.
- O almoço está servido, milorde!
Ao ouvir a voz de Higgins às suas costas, lorde Selwyn voltou-se e perguntou:
- O que achou da casa, Higgins?
- É um bocado bonita, milorde, não resta dúvida. Se agradar a Vossa Senhoria,
ficaremos muito confortáveis aqui!
A resposta do criado deixou-o atónito. Sempre havia imaginado que Higgins
ficaria horrorizado diante da ideia de morar num país estrangeiro.
Ao voltarem das viagens que haviam feito juntos, e tinham sido inúmeras, a
opinião do criado era sempre a mesma sobre o lugar que acabavam de deixar:
- Está tudo bem, milorde, mas não há lugar melhor do que
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a nossa terra. Suponho que já deu para enjoar desses "escurinhos".
O comentário de Higgins não mudava, estivessem ambos na índia, Turquia, África
ou Europa.
Por isso a resposta que ele acabava de dar deixara lorde Selwyn curioso. Mas,
quando ia perguntar por que o criado dissera aquilo, viu Anina se aproximar.
Vendo-a, Paul supôs estar vendo o próprio esplendor do sol. Então todos os
outros pensamentos desapareceram. Só ela tinha importância.
- O almoço está pronto, Anina - anunciou ele.
- Estou faminta, e sei que você também está. Espero que Higgins tenha trazido
um delicioso suco de frutas, pois também estou morrendo de sede.
Para ela havia suco de frutas, e Paul tomou um vinho suave e dourado.
Os pratos servidos deviam ser manjares dos deuses, mas tanto Paul quanto Anina
acharam difícil saborear o que comiam.
Estavam muito mais felizes conversando sobre vários assuntos que lhes
interessavam. Então, de repente, seus olhos se encontravam, e o mundo parecia
deixar de existir; ninguém mais se lembrava do que estava falando.
Terminado o almoço, eles foram para uma sala de estar, mobiliada com um conjunto
finíssimo de cadeiras e armários de laca vermelha.
Anina reconheceu que aquelas peças antiquíssimas tinham mais de mil anos. Numa
das paredes havia um grande quadro que ela gostaria muito de analisar
calmamente na primeira oportunidade que tivesse.
Foram então para a sala seguinte, e iam sentar-se num dos confortáveis sofás
quando um malaio passou correndo pela porta que se achava aberta e foi dizendo,
enquanto apontava alguma coisa além da janela:
- Venha! Venha!
- O que há de errado? - perguntou lorde Selwyn.
- Venha! - insistia o homem.
Anina começou a conversar com o estranho em seu próprio
104
idioma, o que o deixou perplexo; naturalmente não imaginou que ela soubesse
falar malaio.
Calmamente, ela foi fazendo perguntas, às quais, embora parecendo perturbado
e falando confusa e agitadamente, o homem foi respondendo.
- O que ele disse? - quis saber Paul.
- Ele mencionou que houve um acidente, mas não entendi se foi com uma pessoa
ou um animal.
- Diga-lhe que me leve ao local imediatamente.
Anina traduziu o pedido de lorde Selwyn, e o estranho, com um grito que pareceu
ser de alívio, começou a correr, atravessando o hall em
direção ao jardim.
- Acha melhor eu ir também? - perguntou Anina.
- Não. Fique dentro de casa. Está muito quente. Dirigindo-lhe um sorriso, lorde
Selwyn deixou-a.
- Venha! Venha! - gritava o malaio para Paul, que já alcançara o hall.
Antes de sair, ele pegou o chapéu de aba larga que deixara sobre uma cadeira
ao chegar. Anina seguiu-o até a porta e viu os dois correndo sobre o gramado,
em direcão à plantação de especiarias.
Sempre de olhos fixos na figura máscula de lorde Selwyn, que caminhava a
passadas largas, acompanhando o malaio, que quase corria, Anina teve uma
repentina e assustadora
premonição de perigo.
Era uma sensação tão forte, tão viva, que ela chegou a emitir um murmúrio,
como se sentisse dor. Sabia que tinha que ir atrás de lorde Selwyn.
"Eu já devia tê-lo acompanhado assim que deixou a casa", pensou ela.
Ele não falava malaio, não sabia o que iria encontrar, tampouco tinha ideia
de qual seria o lugar para onde o homem o levava.
A sensação de perigo era agora tão intensa que Anina não teve mais dúvidas.
Olhou ao redor para ver se encontrava Qchapéu, e lembrou-se de que o deixara
no andar de cima.
105
Abriu então uma porta, achando que por ali chegaria à escada que conduzia ao
andar superior, mas, surpresa, deparou com outro lance de escadas, imerso em
grande escuridão, que devia servir de acesso à adega e ao porão da casa. Quando
já ia fechando a porta para correr até o andar superior e pegar o chapéu, ouviu
uma voz.
Um homem falava em chinês:
- Ele está indo para lá?
- Cheng o está levando na direção certa - foi a resposta de outro homem. -
Eles vão atravessar a ponte do riacho e logo estarão no bosque.
- É melhor irmos agora? - indagou o primeiro homem.
- Não. Vamos esperar até os dois desaparecerem. Quando eles chegarem ao bosque,
você atravessará o riacho a pé. Mateo lá no bosque. Vão demorar muito para
achar o corpo.
- Wang Yen mandou esconder o corpo.
- Sim. Você vai fazer o que ele mandou. Agora prepare-se. Eles vão alcançar
a ponte agora mesmo.
Paralisada de horror, Anina compreendeu o que estava acontecendo. Aqueles
homens, quem quer que fossem, pretendiam matar lorde Selwyn.
Então, como se estivesse ouvindo claramente o pai a aconselhá-la para não se
deixar dominar pelo pânico, sentiu-se fria e calma.
Sem fazer o menor ruído, fechou a porta que abrira e correu para a cozinha,
onde encontrou, conforme já esperava, Higgins e os caseiros. Estes eram marido
e mulher, pessoas já idosas, mas havia o cocheiro chinês com os três.
Os serviçais estavam sentados à mesa, e quando viram Anina entrando na cozinha
daquela forma, olharam surpresos para ela.
- Seu amo corre perigo, Higgins! - exclamou ela. - Venha depressa! Temos que
salvá-lo!
Num salto Higgins pôs-se de pé.
- Ponha depressa os cavalos nos varais e fique pronto para partirmos - ordenou
ele ao cocheiro.
106
Anina já havia saído da cozinha e corria para a porta da frente. Higgins
seguiu-a instantes depois.
Do meio do jardim ela pôde ver, ao longe, que lorde Selwyn havia alcançado
a ponte do riacho. Depois dele havia um denso arvoredo, e mais além, o bosque
que marginava todo aquele lado da propriedade.
Sabendo que por mais que gritasse não seria ouvida, ela correu o mais rápido
que pôde sobre o terreno arado onde as plantinhas começavam a revestir-se de
folhas.
Aquela área cultivada não lhe permitia desenvolver muita velocidade, e por
diversas vezes quase caiu, na tentativa de desviar-se das fileiras onde havia
as culturas.
Já sem conseguir respirar, ouviu a voz de Higgins logo atrás dela.
- Não tenha medo, está tudo bem, senhorita - disse ele tentando tranquilizá-la.
- Trouxe uma pistola comigo.
Mas uma pistola de nada adiantaria se chegassem tarde demais. Pelo que ouvira,
o homem mataria lorde Selwyn depois que ele entrasse no bosque, e se ela e
Higgins demorassem, iriam encontrá-lo morto.
Era bem provável que o oriental desferisse em sua vítima golpes com um punhal
afiado, como era tradicional entre os povos do Oriente.
Ela continuou correndo, saltando, mantendo o equilíbrio e sempre fazendo
mentalmente uma oração para lorde Selwyn esperar que eles chegassem.
Deu para vê-lo novamente, depois de ter atravessado a ponte, parado perto do
riacho, olhando a correnteza. O malaio também parou e virou-se, insistindo
com ele para que se apressasse.
No entanto, Anina intuía que lorde Selwyn já havia pressentido que algo estava
errado. Mas ele logo seguiu em frente, talvez porque o malaio estivesse sendo
insistente demais.
Ele estava bem próximo do bosque, e Higgins gritou, com toda a força de seus
pulmões:
- Milorde! Milorde!
107
Porém, a distância entre eles era ainda bem grande, e a voz de Higgins se perdeu
no ar.
Anina continuava correndo, ofegante, e ia orando, desesperada, repetindo as
mesmas palavras:
- Faça-o parar, meu Deus... faça-o parar! Detenha-o, Senhor... Ele não pode
morrer! Tenho que salvá-lo!
- Milorde! Milorde!
Higgins continuava a gritar, quase sem fôlego.
Finalmente lorde Selwyn virou-se.
Para seu espanto, viu os cabelos loiros de Anina brilhando como ouro em meio
aos campos cultivados.
Ele voltou para perto da ponte, caminhando ao encontro de Anina e de Higgins,
enquanto o malaio o chamava insistente:
- Venha! Venha! Venha!
Lorde Selwyn não lhe deu atenção.
Anina chegou perto dele completamente sem fôlego e ele estendeu-lhe as mãos,
evitando que ela caísse. Perguntou em seguida:
- O que há? O que aconteceu?
- Você está em perigo! - conseguiu responder a jovem, com a voz entrecortada.
- Está tudo bem - disse ele com calma, tranquilizando-a e abraçando-a com força.
- Como vê, estou aqui, e no momento não corro perigo.
- Não se preocupe, milorde. Se houver perigo, eu cuido disso! - asseverou
Higgins, puxando a pistola do bolso.
- Eles iam matá-lo... lá no bosque! - explicou Anina com dificuldade, ainda
arfando.
- Como ficou sabendo disso? - indagou Paul.
- Eu ouvi dois homens conversando... Deviam estar na adega!
Lorde Selwyn olhou em direção ao bosque. O malaio ainda se achava no mesmo
lugar, no entanto mostrava-se inquieto e parecia inseguro, obviamente
imaginando o que iria fazer.
Higgins, de arma em punho, atravessou a ponte e, encarando o oriental com ar
feroz, dirigiu-se em sua direção.
Dando um grito de medo assim que viu Higgins, o malaio
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correu e embrenhou-se no bosque. Sem olhar para trás, desapareceu em questão
de segundos.
Durante algum tempo Anina permaneceu encostada no peito de lorde Selwyn, de
lábios entrecortados, com a respiração ofegante.
- Está tudo bem - disse ele suavemente. - Você me salvou do que quer que tenha
sido planejado contra mim. Agora, quanto antes voltarmos para casa, melhor.
- Tive tanto medo de não chegar a tempo... e não conseguir impedi-lo de entrar
no bosque!
- Mas você me salvou!
Anina ergueu a cabeça e olhou em direção ao bosque.
- Eles ainda poderão atirar em você! - disse ela numa voz cheia de medo.
- Então vamos voltar.
Passando o braço ao redor de Anina, ele ajudou-a a caminhar pelo terreno
cultivado.
Higgins vinha logo depois, com a arma na mão, sempre muito atento e olhando
para trás repetidamente, para ver se no bosque não havia nada de estranho.
Ao chegarem ao jardim, puderam ver a carruagem já pronta, esperando à porta
da frente.
Depois de ajudar Anina a subir na carruagem, lorde Selwyn dirigiu-se a Higgins:
- Creio que o chapéu da jovem lady ficou num dos quartos, no primeiro andar.
- vou buscá-lo, milorde.
O criado desapareceu, entrando na casa.
Paul foi para a parte de trás da carruagem e ficou ali algum tempo, de pé,
olhando atentamente em direção ao bosque.
Talvez notasse algum movimento ou até visse os homens que pretendiam
assassiná-lo.
Porém tudo o que viu foram pássaros, borboletas, pinheiros e outras árvores.
Quando o criado voltou trazendo o chapéu de Anina, lorde Selwyn pegou-o, mas
não o entregou à dona, deixou-o sobre o banco.
109
Então subiu na carruagem, e Higgins saltou agilmente para o lado do cocheiro,
que tocou os cavalos.
Colocando o braço ao redor de Anina, Paul puxou-a para bem perto dele,
pedindo-lhe em seguida:
- Agora, minha querida, conte-me exatamente o que ouviu e por que foi salvar-me.
Diante dessa demonstração de carinho, Anina olhou para ele, surpresa. Em
resposta, Paul sorriu e disse ternamente:
- Amo você. Não sei por que me contive durante todo esse tempo.
- Você me ama?
Os olhos dela brilhavam como se houvesse mil velas dentro deles.
- Amo você! - repetiu Paul. - Como seria possível não me apaixonar por você?
Além de ser a mulher mais linda que já conheci, você desperta em
mim sensações que jamais senti por outra mulher anteriormente. Você faz parte
de mim. Não posso viver sem tê-la ao meu lado.
- Não pode ser verdade! - murmurou ela em voz tão suave como se fosse o canto
de um pássaro. - Como pode me amar se nem sabe quem sou eu?
Lorde Selwyn sorriu.
- O que importa isso? Não é bastante eu tê-la encontrado? Confesso que cheguei
a pensar que pessoas como você não existissem.
Anina respirou fundo.
- Assim que o vi, soube que você era diferente.... Era também o homem mais
maravilhoso que eu já havia conhecido.
- Fico tão feliz por ouvi-la dizer isso! Estou ansioso para ficarmos a sós
e poder falar-lhe sobre o que sinto por você... Você é completamente diferente
de todas as outras mulheres que já conheci!
Quando Anina ergueu mais a cabeça para fitá-lo, ele pensou que pessoa alguma
poderia parecer tão radiante, tão encantadora que não parecia real.
Num ímpeto, levado pelo entusiasmo do momento, embora
110
seu bom senso lhe dissesse que ainda era cedo para fazer àquele pedido, Paul
perguntou:
- Quando se casará comigo, meu amor? Quero você para mim, só para mim!
Por um instante Anina simplesmente fitou-o. Então, como se fosse uma sombra
toldando o esplendor do luar, a radiosidade de seu rosto se desvaneceu.
- Não! - exclamou ela, desesperada. - Não, não! Você não pode... não deve dizer
isso!
111
CAPÍTULO VII
Quando chegaram a Georgetown, Paul não podia estar mais confuso. Sabia - e
não havia como se enganar - que Anina o amava.
Não conseguia compreender por que ela não aceitara tornarse sua esposa.
Sendo a carruagem um lugar totalmente impróprio para discutir o assunto, ele
dissera com calma:
- Quando estivermos a sós falaremos sobre isso, querida. Mas em primeiro lugar
teremos que saber quem são os homens que querem me matar e por que fariam isso.
Tendo Anina junto de si, ele sentiu um forte estremecimento percorrer o corpo
dela, prova de que o amava. Ela não teria tal reação se não o amasse.
Ao entrarem no palácio de Lin Kuan Teng, foram logo à procura do anfitrião,
que se encontrava na varanda, sozinho.
Erguendo a cabeça, o chinês saudou-os com alegria:
- Bem-vindos, honoráveis hóspedes. Contudo, devo dizer que regressaram mais
cedo do que eu esperava.
- Temos algo muito importante para lhe dizer - comunicoulhe, lorde Selwgn.
Lin Kuan indicou duas cadeiras e voltou a sentar-se em sua poltrona de espaldar
alto.
Tão resumidamente quanto lhe foi possível, lorde Selwyn pôs o chinês a par
do que havia acontecido.
Lin Kuan ouviu-o atentamente, depois voltou-se para Anina e perguntou-lhe:
- Você conseguiria repetir exatamente as palavras que ouviu, em chinês?
Obediente, ela cruzou as mãos sobre o colo e foi repetindo pausadamente a
conversa dos dois chineses.
Quando ela mencionou que um deles de nome Wang Yen, dera ordens de esconderem
o corpo, Lin Kuan interrompeu-a com uma exclamação.
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- Tem mesmo certeza de que foi esse exatamente o nome que ouviu? - perguntou
ele.
- Certeza absoluta. Ele disse distintamente: Wang Yen. Eu não iria me enganar.
- Nesse caso, tudo o que lhe posso dizer é que você prestou um serviço
extraordinário. Não apenas salvou a vida do honorável lorde Selwyn, mas ajudou
todos os moradores de Penang.
Anina olhou para ele com uma indagação no olhar. O chinês explicou:
- Existe aqui uma sociedade secreta que age sob as ordens de um chefe, um
facínora que acreditamos ser Wang Yen. Estamos atrás desses criminosos, mas
não temos provas concretas contra eles. Eles têm cometido diversos
assassinatos e estão corrompendo muitos de nossos jovens com ópio.
Anina e Paul ouviam, surpresos. O anfitrião prosseguiu:
- Jamais passou pela cabeça de nenhum de nós, interessados na captura desses
malfeitores, que eles estivessem usando Durham House como esconderijo. Agora
posso ver tudo com clareza. A razão de eles desejarem pôr fim à vida de meu
honorável hóspede é simples: querem manter a casa desocupada para permanecerem
ali sem problemas.
- Acha que minha casa é o lugar de reunião desses criminosos? - indagou lorde
Selwyn.
- Levando em consideração o que ouvi, tenho certeza disso. As autoridades de
Georgetown ficarão, sem dúvida, felizes e agradecidas quando forem informadas
do que vocês descobriram.
Ele ergueu-se, disposto a tomar providências imediatamente.
- vou já procurar as autoridades. Alguns soldados irão a Durham House para
prender os criminosos que lá estiverem e também para deterem Wang Yen.
Ainda falando, Lin Kuan deixou a varanda com sua habitual majestade.
Vendo-se a sós com Paul, Anina murmurou, como se falasse consigo mesma:
- Agora eles não tentarão novamente matá-lo.
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- Mas se tentarem você deve ir salvar-me - observou ele com um sorriso.
Anina meneou a cabeça negativamente, e ele perguntou-lhe:
- Está pensando em me abandonar? Pois asseguro-lhe que isso será impossível.
Você é minha, Anina, e jamais a deixarei separar-se de mim.
Por um instante ela permaneceu calada. Depois ergueu a cabeça para fitá-lo,
pálida e angustiada.
- Você não compreende... que deve me esquecer? - perguntou ela baixinho,
emocionada.
- Está mesmo achando que sou capaz de esquecê-la? - perguntou Paul com
veemência. - Amo você, Anina, amo-a demais, e passarei por cima de qualquer
obstáculo para torná-la minha esposa!
- Mas... isso é impossível!
Levantando-se da cadeira, Anina foi para junto de uma das colunas e ficou
olhando para o mar.
Paul também se ergueu e foi para perto dela. Ocorreu-lhe que ela pensava,
naquele instante, que, como viera até ali num barco, também deveria partir
viajando por mar.
- Aonde quer que você vá, eu a seguirei - afirmou ele com suavidade na voz.
Um leve estremecimento percorreu o corpo de Anina, porém ela continuou imóvel.
Sem volver o olhar para lorde Selwyn, ela murmurou:
- Você é um homem tão importante... há tantas coisas que você deve realizar
no mundo... Por isso precisa me esquecer.
- Para mim nada é mais importante do que o amor que sinto por você.
Não houve resposta. Notando a quietude de Anina, Paul chegou mais perto dela.
- Amo-a, Anina! Amo-a e a amarei até que nada mais exista no mundo, a não ser
nosso amor. - A voz dele tornara-se profunda. - Para mim você é o céu, o mar,
a terra, os pássaros! Acima de tudo, você representa para mim o paraíso!
Ao terminar de falar ele tomou-a nos braços, e antes que Anina pudesse impedir,
seus lábios se apossaram dos dela.
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A princípio ela tentou fugir, mas não conseguiu evitar que um doce torpor lhe
invadisse o corpo ao sentir o suave toque dos lábios de Paul.
Para ele, os lábios de Anina eram doces e inocentes. Beijava-os gentil e
delicadamente, como se tocasse uma flor.
Depois, sentindo despertar neles sensações que jamais imaginara experimentar
um dia, seus lábios tornaram-se mais exigentes e apaixonados.
Anina nem conseguia pensar; sentia apenas que todo o seu corpo se fundia no
de Paul. Era tal o seu arrebatamento que se imaginou transportada para o
paraíso.
Seu corpo ganhara o esplendor e o calor do sol; parecia-lhe impossível
experimentar tamanho êxtase e continuar viva, na terra.
Os beijos de Paul tornaram-se ainda mais apaixonados. Eram como fogo, e Anina
passou a sentir que o esplendor do sol se transformara agora em pequeninas
chamas tremeluzentes, que tomavam conta de seu peito e vinham queimar em seus
lábios.
A emoção de Paul era tão intensa que, para se conter, ele ergueu a cabeça.
Numa voz que nem parecia a sua, ele perguntou:
- E agora? Vai continuar dizendo que não quer se casar comigo?
Era tão forte a sensação de ter sido arrastada do céu para a terra, que Anina
ficou um momento emudecida.
Só conseguia fitar lorde Selwyn e seus olhos eram mais eloquentes do que
qualquer palavra.
- Você me ama - insistiu Paul. - Oh, minha querida, você me ama! Nenhum de
nós tem o direito de lutar contra esse sentimento tão completa e
definitivamente maravilhoso!
- Sim... amo você... amo-o muito! Mas não posso aceitar seu pedido de
casamento!...
As palavras saíram desoladas de seus lábios, e ela escondeu o rosto no ombro
de lorde Selwyn. Ele beijou-lhe os cabelos, sentindo-lhes a maciez de seda.
- Diga-me, meu amor, por que não pode se casar comigo? Deve haver uma razão!
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- Há... Mas não posso falar sobre isso com ninguém! balbuciou Anina.
- Deve contar-me do que se trata - insistiu ele.- Não importa qual seja o seu
segredo, sabe que o guardarei só para mim. Além disso, eu a protegerei.
Anina permaneceu em silêncio, porém era evidente sua indecisão. Afinal, numa
voz sumida, quase inaudível, ela disse:
- Eu não posso contar a ninguém... Sei que ficaria muito magoado. Por isso
um de nós deve partir...
Gentilmente, Paul tocou o queixo dela e fê-la erguer a cabeça e fitá-lo. Havia
lágrimas em seus olhos.
Atrás daquelas lágrimas, no entanto, ele viu uma intensa radiosidade, que o
levou a ter certeza absoluta de que Anina o amava apaixonadamente.
Jamais vira aquela espécie de amor radioso nos olhos de uma mulher. Era como
se uma luz brilhasse no interior de Anina.
Ele soube que aquela luz vinha da alma daquela jovem encantadora e pura.
- Minha querida! Meu amor! Minha adorável e pequenina asa, como você tem coragem
de ser tão cruel comigo?
- Estou tentando ser bondosa... pensando em você e não em mim mesma - respondeu
ela em voz estrangulada. - Prefiro morrer a magoá-lo!
Paul beijou-a novamente.
Não poderia perdê-la! Ele disse a si mesmo que qualquer que fosse seu segredo,
jamais a deixaria, jamais permitiria que Anina se afastasse dele.
Só então compreendeu que, se ela fizera menção a um segredo, a "algo que não
poderia contar a ninguém", era sinal de que sua memória estava voltando.
Ou, o que era mais provável, ela nunca havia perdido a memória.
O que quer que fosse, de uma coisa estava certo: iria cuidar de Anina, iria
amá-la pelo resto de suas vidas. Era uma promessa solene que fazia a si mesmo.
Pouco depois ambos foram para o fundo da varanda e
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sentaram-se num sofá. Anina repousou a cabeça no ombro de Paul. Mantendo-a
bem junto de si, ele sugeriu ternamente:
- Você está exausta, minha querida! Passou por uma experiência terrível, além
de correr daquela forma. Vamos, por um momento, esquecer os problemas. Vamos
desfrutar
com alegria a oportunidade de ficar juntos e a sós.
- Para mim é a maior das maravilhas estar com você, mas temos que ser sensatos.
- É perfeitamente sensato nos alegrarmos com o que temos. Tudo o que peço aos
deuses é tê-la sempre em meus braços, como agora, e saber que você me ama.
- Amo-o! Amo-o muito!
Sua voz era ao mesmo tempo terna e desalentada.
Um criado apareceu na varanda, e Paul soltou Anina.
Tratava-se de um dos criados mais antigos e de posição mais elevada entre os
serviçais. Fazendo uma reverência, o chinês informou:
- Um visitante desejar ver honorável hóspede.
- Um visitante?! - repetiu lorde Selwyn evidentemente surpreso.
Ocorreu-lhe que talvez alguém enviado por Lin Kuan Teng, querendo saber
detalhes sobre o que havia acontecido em Durham House.
O criado chinês explicou-lhe:
- Visitante chegar em navio. Intrigado, lorde Selwyn respondeu:
- Por favor, traga o visitante à minha presença.
Assim que deu a ordem, ergueu-se do sofá e foi para o centro da ampla varanda.
Não queria que Anina se envolvesse naquilo.
Em poucos segundos o criado voltava acompanhado de um cavalheiro, sem dúvida
um inglês. Assim que o viu, Paul exclamou:
- Meu bom Deus! Adrian Meredith! Eu não esperava vê-lo! O inglês, pouco mais
velho do que ele, riu.
- Imaginei mesmo que o surpreenderia, milorde! Na verdade,
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deixei a Inglaterra logo depois de sua partida. Cheguei cinco ou seis dias
depois do senhor. Lorde Selwyn convidou-o a sentar-se.
- Sente-se e conte-me por que está aqui. vou mandar servirlhe alguma bebida.
Os eficientes criados já haviam providenciado uma garrafa de cristal com vinho,
dois copos e um prato de ovos de codorna, habitualmente servido para acompanhar
bebidas.
Adrian Meredith levantou o copo e fez um brinde:
- Ao seu futuro, milorde! É por esse motivo que estou aqui!
- Meu futuro?
- Três dias depois que deixou Londres, o ministro das Relações Exteriores,
lorde Clarendon, foi informado de que, devido ao seu estado de saúde, o
governardor de Cingapura desejava aposentar-se.
Adrian Meredith notou que lorde Selwyn o ouvia atentamente, porém impassível.
- Lorde Clarendon encarregou-me de segui-lo, milorde, e autorizou-me a
oferecer-lhe o cargo de governador de Cingapura. Sua Senhoria, o ministro,
o considera admiravelmente capaz e, sem dúvida, a pessoa ideal para ocupar
essa posição.
Foi tamanho o seu espanto que lorde Selwyn ficou petrificado. Adrian Meredith
prosseguiu:
- Naturalmente a recomendação de lorde Clarendon foi confirmada pelo
primeiro-ministro, e o sr. Disraeli pediu-me para lhe dizer, milorde, que ele
pessoalmente ficaria agradecido se o senhor aceitasse o cargo que lhe é
oferecido.
Ainda semiparalisado pelo efeito da surpresa, lorde Selwyn fez um esforço e
conseguiu encontrar as palavras para dizer:
- Você há de compreender que esta notícia é para mim uma tremenda surpresa.
Realmente, jamais me passou pela cabeça que meus serviços poderiam ser
requeridos no Oriente.
Adrian Meredith sorriu.
- Certamente compreende, milorde, muito melhor do que eu, que Cingapura tem
se desenvolvido e está se tornando o posto comercial mais importante de todo
o Oriente. Além disso, esse desenvolvimento é essencial para o Império
Britânico.
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Entusiasmado como um garoto, ele continou:
- Não me ocorre o nome de outra pessoa que reúna como o senhor tantas qualidades
para exercer o cargo de governador, milorde! Basta considerarmos o
brilhantismo com que desempenhou missões tão difíceis no passado para
confirmar o que estou dizendo. Tenho certeza de que é o homem ideal para
governar Cingapura neste momento tão decisivo para o império.
- Obrigado! - agradeceu lorde Selwyn. - Fico-lhe agradecido por ter vindo de
tão longe me procurar.
Adrian Meredith o fitou com apreensão, pois tivera a súbita impressão de que
lorde Selwyn recusaria o cargo que lhe era oferecido.
- Só posso lhe dizer que gostaria de considerar calma e cuidadosamente a
proposta de lorde Clarendon e do sr. Disraeli
- continuou ele, erguendo-se. - Sei que deve estar muito cansado depois de
tão longa viagem. Proponho que descanse aqui mesmo na casa do honorável Lin
Kuan Teng. Tenho certeza de que ele ficará imensamente honrado em recebê-lo.
Amanhã cedo espero poder lhe dar uma resposta.
Adrian Meredith terminou de tomar o vinho e depôs o copo.
- Compreendo, milorde, que de fato a notícia o tenha surpreendido. Só lhe peço
que considere a proposta cuidadosamente e, se for humanamente possível, que
a resposta seja favorável. Sem a menor sombra de dúvida, precisamos muito de
seus serviços.
Lorde Selwyn ficou comovido, mas limitou-se a sorrir enigmaticamente.
Adrian Meredith contou que uma carruagem o esperava à porta, e lorde Selwyn
indagou:
- Tem mesmo onde ficar?
- Sim, obrigado. Foi tudo providenciado. Ficarei em casa de um dos funcionários
do governador.
Lorde Selwyn estendeu-lhe a mão.
- Nesse caso, até amanhã, Meredith, e obrigado novamente por ter vindo me
procurar.
- Oh, ia-me esquecendo de lhe dizer que antes de vir até aqui parei em Calcutá
e, confidencialmente, conversei com o vice-
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rei, que é um grande amigo seu, sobre o motivo de minha visita a Penang.
Os olhos de lorde Selwyn ganharam um novo brilho. Lembrou-se da conversa
mantida com o conde de Mayo e imaginou exatamente o que o amigo havia dito
a Adrian Meredith.
- O vice-rei encarregou-me de dizer-lhe exatamente estas palavras: "Nesta
vida, é inútil querermos nos opor ao nosso destino". Disse que foi o que
aprendeu ao longo de toda sua vida, e que o senhor entenderia a mensagem.
- Entendo-a perfeitamente! - respondeu lorde Selwyn, rindo.
O sr. Meredith dirigiu-se para a carruagem. Quando ia subir no veículo, viu
um jornal dobrado sobre o assento e entregouo a lorde Selwyn.
- Comprei este jornal no último porto em que fizemos escala. Imaginei que se
interessasse em saber que parece haver um novo herói inglês nesta parte do
mundo. Veja o que diz a notícia,
Entregando o jornal a lorde Selwyn, subiu na carruagem.
Os cavalos puseram-se em marcha, e ele acenou com a mão em sinal de despedida.
Levando o jornal na mão, lorde Selwyn foi ao encontro de Anina, que ainda se
achava sentada no sofá, ao fundo da varanda.
Ela se mantivera tão calada e discreta que, apesar de não estar muito distante,
Adrian Meredith nem notara sua presença.
Aproximando-se dela, Paul atirou o jornal sobre uma cadeira e abraçou-a.
Momentos depois, Anina rompeu o silêncio:
- Fiquei tão feliz em saber que lhe ofereceram um cargo tão importante! O último
governador não foi exatamente um sucesso. Devido ao seu estado de saúde, ele
ia a Cingapura apenas ocasionalmente.
- Você acha que eu aceitaria um cargo desses?
- É claro que deve aceitar! Você será um governador eficiente, maravilhoso!
Todos irão admirá-lo e amá-lo! Papai sempre dizia que os acontecimentos de
Cingapura afetavam diretamente todo o sistema comercial do Império Britânico.
Apesar de ter notado que ela havia mencionado o pai, lorde
120
Selwyn não deu sequer demonstração de ter notado o fato. Perguntou apenas,
suavemente:
- Você quer mesmo que eu aceite o cargo de governador?
- Sim, porque sei que o exerceria de maneira brilhante. Seria um novo Stamford
Raffles. É exatamente de um homem assim que o Império necessita... no momento.
- Nesse caso, aceitarei o cargo, e prometo assumir o governo assim que nos
casarmos e tivermos terminado nossa viagem de lua-de-mel.
Ele falou calma e ternamente, mas de modo determinado, o que não passou
despercebido a Anina.
- Não... não! - gritou ela. - Sabe que não poderei me casar com você...
especialmente se você se tornar governador de Cingapura!
- Por que não, minha adorada?
Não houve reposta, e lorde Selwyn mostrou-se categórico:
- Muito bem. Como não tenho a intenção de ficar morando no Oriente sem ter
uma esposa ao meu lado, explicarei a Adrian Meredith e ao ministro das Relações
Exteriores que não aceito o cargo de governador que me é honrosamente
oferecido.
Anima deu um pequeno grito:
- Não pode fazer isso! Não pode de forma alguma! O que devo fazer para
convencê-lo de que não sou a esposa ideal para você?
- É muito fácil: basta contar-me seu segredo.
Novo silêncio. Anina libertou-se dos braços dele e foi para perto de uma das
colunas, onde ficou olhando para o jardim.
Paul foi para perto dela, e mesmo sem tocá-la, ela sentiu a presença dele e
as vibrações que dele emanavam, como se estivessem muito unidos.
Justamente por sentir-se tão ligada a ele e por amá-lo demais, não iria permitir
que ele estragasse sua vida. Não tinha o direito de prejudicar-lhe a carreira
tornando-se sua esposa, uma vez que era filha de um criminoso.
Não. O que quer que lhe acontecesse, era seu dever afastarse do homem que amava.
Juntando as mãos e apertando-as com muita força, como se
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o gesto pudesse infundir-lhe coragem, pois o horror do que estava para dizer
a fazia sentir-se prestes a desmaiar, Anina murmurou, em voz vacilante e quase
inaudível:
- vou contar-lhe a verdade.
Percebendo o seu sofrimento, Paul aproximou-se dela ainda mais.
- Odeio deixá-la aborrecida, meu amor. Ao mesmo tempo, seu segredo diz respeito
a mim também, porque a amo. Você está agindo corretamente, e não tem outra
alternativa senão confiar em mim.
- Sei disso. Entretanto, assim que ouvir o que vou lhe dizer, compreenderá
que tenho razão ao afirmar que nunca poderemos ficar juntos. Também não devemos
nos ver novamente.
- E você acha realmente que é isso o que irá acontecer?
- Tenho certeza de que é o que acontecerá.
Anina virou-se inesperadamente, e Paul ficou consternado. Jamais vira tamanho
sofrimento no rosto de uma mulher.
- Minha querida... - ele começou a dizer.
- Beije-me - murmurou Anina. - Beije-me pela última vez... E quando me deixar,
lembre-se de que ficarei rezando por você, e de que o amarei até morrer.
Ela aproximou-se mais de Paul, que a tomou nos braços, começando a beijá-la
loucamente, de modo possessivo e arrebatado.
Por meio daqueles beijos ele travava uma luta com Anina, que acabou por
render-se a ele completamente. Entregou-lhe o corpo, o coração e a alma. Nada
mais pertencia a ela.
Sentindo que Anina se entregava sem reservas, Paul quase perdeu o controle.
Então, usando de toda a sua força de vontade, dominou os sentidos e afastou-se
delicadamente dela.
Ela agarrou-se à mureta de pedra, receando cair. Paul também se encostou na
mureta, sem tocar em Anina, que começou a falar, numa vozinha sumida e
amedrontada:
- Meu pai é o capitão Guy Ranson. A princípio ele esteve na Marinha Real;
depois... porque precisava de dinheiro... ele tornou-se um pirata!
Embora sua voz mal pudesse ser ouvida, as últimas palavras
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soaram aos ouvidos de Anina como um grito que ecoava pelo jardim.
Paul não esboçou qualquer reação e ela continuou:
- Papai conseguiu fazer fortuna atacando navios cargueiros, que só liberava
se o capitão de cada navio pagasse um resgate. Desse modo, ele conseguia um
bom dinheiro,
e nenhum dano era causado às pessoas. Também não lhes roubava a carga.
Sem ter coragem de prosseguir, Anina permaneceu virada, sem encarar lorde
Selwyn, que se mantinha imóvel e calado. Respirando fundo, Anina retomou a
narrativa:
- Meu pai operava com dois amigos. Certa noite eles abordaram um navio, e um
inglês que estivera com papai na Marinha o reconheceu. - Anina deu um soluço.
- Para salvar-me, pois acreditava que seu ex-colega iria denunciá-lo, papai
quis deixar-me em segurança na casa deste seu amigo, Lin Kuan Teng. A maior
preocupação de meu
pai era evitar que eu fosse tachada de filha de um criminoso. Ele não temia
tanto ser enforcado como me envolver e arruinar minha vida.
Anina fez um pequeno gesto com as mãos e concluiu:
- É por isso que estou aqui... O resto você já sabe!
Ela fechou os olhos, esperando apenas ouvir os passos de lorde Selwyn se
afastando. Não suportaria vê-lo desaparecer para sempre com uma expressão de
ódio no semblante.
Então, mal podendo acreditar que isso não era um sonho, sentiu os braços dele
passarem em volta do corpo, enlaçando-a ternamente. Paul começou a beijar-lhe
os olhos, as maçãs do rosto e por fim os lábios.
E foram tantos e tão apaixonados os beijos, que só quando teve certeza de que
a mulher que amava havia sido transportada de um inferno de desespero para
um paraíso de luz, Paul disse:
- Minha querida! Minha doçura! Minha adorada! Você chegou mesmo a pensar que
as atividades de seu pai teriam alguma importância para mim? Amo você! O que
quer que seu pai tenha feito ou tenha deixado de fazer nada significa diante
do grande amor que nos une. Eu a amaria ainda que você mesma fosse uma pirata!
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Anina ergueu a cabeça para fitá-lo, maravilhada.
- Fala a sério?
- É claro que sim! Só agora consigo compreender seu medo e por que fingiu ter
perdido a memória.
- Mas você não pode ter uma esposa que precisa permanecer no anonimato.
- Nós pensaremos numa forma de resolver esse assunto tranquilizou-a ele. -
E de uma coisa esteja certa: as pessoas, por mais suspeitas que tenham, não
irão discutir com o governador!
Ele falava em tom de brincadeira, porém Anina irrompeu em lágrimas e escondeu
o rosto no peito dele.
Sentindo todo o corpo dela estremecer, lorde Paul tentou acalmá-la:
- Está tudo bem, minha querida, meu amor. Sei que ficou envergonhada por ter
que me revelar sua história. Mas para mim não importa, e asseguro-lhe que não
importa mesmo, em que atividades seu pai tenha estado envolvido. - Ele
beijou-lhe o rosto. - Se você pessoalmente tivesse cometido uma centena de
assassinatos, eu continuaria a amá-la e me casaria com você.
- É mesmo verdade? - perguntou ela em meio aos soluços. - Nenhum homem pode
ser assim tão maravilhoso!
- Você tem que acreditar em mim. Adoro-a, e vamos nos casar imediatamente!
- Está cometendo um erro. Não posso permitir que faça algo que possa
prejudicá-lo.
- A única coisa que poderá me fazer mal é você não me amar mais e desaparecer
de minha vida, deixando-me só.
Ele fitou-a amorosamente.
- Não estou brincando, querida. Se você me abandonar, voltarei para a
Inglaterra imediatamente.
- Mas Cingapura precisa de você!
- E eu preciso de você, minha adorada! Para impedir novos protestos, ele a
beijou.
Beijou-a até ver desaparecerem as lágrimas de seus olhos e devolver-lhes o
brilho.
- Agora, diga-me que aceita se casar comigo!
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- O que posso fazer? O que posso dizer?
- Diga apenas uma palavra: "Sim"!
- Não posso! - sussurrou ela.
- Estou disposto a passar minha vida toda provando que é você quem está errada.
Não se contendo, Paul voltou a beijá-la.
Erguendo depois de um instante a cabeça, ele sugeriu:
- Como tenho muito a lhe dizer, minha querida, e o tempo está passando, creio
que será melhor caminharmos pelo
jardim. Seria interessante irmos até a baía onde
a vi pela primeira vez. Assim não seremos interrompidos.
- Eu adoraria! Mas primeiro eu gostaria de ir lavar o rosto, porque quero estar
bonita para você - disse ela, erguendo a cabeça para fitá-lo.
- Cada vêz que olho para você acho-a mais linda, e cada dia que passa sinto-me
mais apaixonado.
- Comigo acontece a mesma coisa.
- Então vá depressa. Quero ficar a sós com você, e a qualquer momento nossos
anfitriões e seus filhos estarão de volta.
Emitindo apenas uma exclamação, Anina afastou-se. Mal atravessara a varanda
e alcançara o centro da sala de estar, ouviu a voz de Paul a chamá-la:
- Anina! Espere! Anina! Ela voltou-se.
- Venha cá! Tenho algo para mostrar-lhe.
Quando ela voltou para junto dele, Paul lhe mostrou o jornal que tinha nas
mãos, o mesmo que Adrian Meredith lhe dera, onde se lia a seguinte manchete:
"HERÓI INGLÊS SALVA PASSAGEIROS DE PIRATAS" "O capitão Guy Ranson derrota
bravamente os prahus"
Mal acabou de ler a manchete, Anina deu um grito:
- Papai! É sobre papai!
O medo voltou-lhe aos olhos, mas lorde Selwyn fê-la sentarse no sofá, e passou
a ler em voz alta toda a notícia sobre o capitão Ranson.
125
Fim