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Autora
Angela Paiva Dionisio
2009
Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A,
mais informações www.videoaulasonline.com.br
ISBN: 978-85-7638-863-0
CDD 410
Gabarito | 179
Referências | 185
Anotações | 191
Angela
Seguindo a linha de reflexão de Carvalho sobre a Sintaxe, vamos continuar nossa viagem pelo
País da Gramática na companhia de Emília, Narizinho e Pedrinho, guiados por Monteiro Lobato.
Os meninos viram que realmente não passeavam por ali palavras soltas. Apareciam sempre aos
magotes, formando frases completas. [...]
Estavam nesse ponto quando ouviram um rebuliço na praça. Era uma senhora de maneiras
distintas, com lornhão de cabo de madrepérola, que vinha vindo, seguida de um cortejo de frases.
– Quem será aquela grande dama? – indagou Narizinho.
– Oh, é a Senhora Sintaxe, a dona de tudo isso aqui. Quem governa e dirige a concordância das
palavras nas frases é sempre ela. Uma senhora exigentíssima.
Os meninos foram ao encontro da grande dama, à qual Narizinho fez as necessárias apresen-
tações. Ela gostou muito da carinha da Emília, mas achou que o chifre de Quindim podia ser menos
pontudo. Depois de alguns instantes de prosa, disse Dona Sintaxe:
– Pois é isso, meus meninos. Sou eu quem faz estas palavrinhas comportarem-se como é preci-
so dentro das Orações. Obrigo-as a terem boas maneiras, a seguirem as regras do bom-tom. Forço
o Verbo a concordar sempre com o Sujeito e o Adjetivo a concordar com o Substantivo. Também
não deixo que o Pronome discorde do Substantivo. Se não fossem as minhas exigências, as frases
virariam verdadeiras bagunças. Passo a vida fiscalizando a concordância das senhoras palavras. [...]
Tenho também de cuidar da Colocação ou da ordem das palavras na frase.
– Então elas não podem arrumar-se como querem? – perguntou Emília.
– Absolutamente não. Têm de seguir certas regras para que o pensamento fique bem claro e
bem vestido. A minha preocupação é sempre a mesma – clareza. As frases formam-se para exprimir o
pensamento dos homens, e a boa ordem das palavras na frase ajuda a expressão do pensamento.
– A senhora tem toda a razão – concordou a boneca. – Lá no sítio de Dona Benta, o Substantivo
Nastácia também gosta de dar ordem a tudo, porque a ordem facilita a vida, diz ela. [...]
Então, no bairro da Sintaxe, as palavras aparecem sempre aos magotes, formando frases comple-
tas; a concordância das palavras nas frases é governada e dirigida pela grande dama, a organização das
palavras nos enunciados deve seguir uma ordem que facilite a compreensão. Muitas são as tarefas da
Sintaxe! Tema deste capítulo.
Para Perini (2006, p. 18.), Sintaxe “é o estudo da maneira como as palavras se organizam para
formar frases e outras unidades menores.” Yaguello (1990, p. 157) acrescenta ainda que, além da orga-
nização dos enunciados, marcando as relações estabelecidas entre as palavras, “a ordem das palavras é
um dos traços característicos de qualquer sintaxe: o seu papel é mais ou menos importante conforme
a língua é flexional (comporta declinações que servem para marcar as relações) ou, pelo contrário, ana-
lítica (sem declinações); em latim, a ordem das palavras era muito flexível; em francês, pelo contrário, é
rígida”. Lembra, no entanto, apesar de obrigatória “a lógica das construções não tem nada de ´lógico´
nem de universal.” Por exemplo, a ordem sujeito verbo complemento, embora satisfaça o sentido lógico,
é apenas só um modelo entre tantos outros.
Como exemplo, vejamos estas sentenças extraídas do verbete Sintaxe, no Dicionário de Lingua-
gem e Lingüística, de Trask (2004, p. 272-273), com formas virtualmente idênticas:
1. Assim que Lisa se levantou, ela tomou um banho.
nome (substantivo)
Derrubou sintagma verbal
verbo
Sintagma nominal (SN): é uma unidade sintática que pode funcionar como sujeito ou objeto
da oração. Em “Aquela grande dama dirige a concordância das palavras nas frases”, temos os sintagmas
“aquela grande dama” e a “concordância das palavras” como sintagmas nominais e, respectivamente, o
sujeito e o objeto da oração. Os termos dama e concordância são os núcleos dos sintagmas. Geralmente,
o substantivo é a base do sintagma nominal em português. A exceção reside nos sintagmas constituí-
dos por pronomes: “Aquela dirige a concordância”, “Eu obrigo-os a terem boas maneiras”.
Sintagma verbal (SV): é uma unidade sintática que contém um verbo, como em “Aquela grande
dama dirige a concordância das palavras nas frases” e “Eu obrigo-os a terem boas maneiras”.
Trask (2004, p. 272) chama atenção para o seguinte aspecto:
Quando uma sentença contém um auxiliar, os lingüistas diferem em suas análises. Para a maioria dos lingüistas, a sen-
tença Suzana tinha terminado seu jantar contém dois sintagmas verbais, sendo que um deles, o menor, está inserido
num outro, maior, como segue: Suzana [tinha [terminado de jantar]]. Outros, porém, identificaram apenas um sintagma
verbal: quer Suzana [tinha terminado seu jantar], quer Suzana tinha [terminado seu jantar] – nesta última análise, o auxi-
liar foi excluído do sintagma verbal.
Numa investigação diacrônica, Dionisio e Travassos (2004) analisaram 180 manchetes principais,
referentes aos 15 anos da revista Superinteressante e concluíram que 128 eram formadas por sintagmas
nominais, 36 por sintagmas oracionais, 4 por sintagmas preposicionais e apenas 1 era adjetival.
A estrutura da oração
Na construção de um texto, o indivíduo tem a liberdade de escolher os vocábulos a serem utiliza-
dos, mas a sua criatividade no tocante às estruturas em que tais vocábulos irão combinar-se é limitada,
visto que as estruturas oracionais obedecem a modelos formais que constituem os padrões estruturais.
Qual a relevância da estrutura das frases? A ordem dos termos afeta o significado? Há critérios
para a colocação dos termos na oração? Dona Sintaxe explicava para Emília que as palavras precisam
seguir certas regras. Então,
A ordem das palavras no sintagma, ou a dos sintagmas na oração, não é arbitrária; pelo contrário, obedece a certos pa-
drões de colocação, que contribuem para estabelecer as diferenças entre as línguas. Além disso, a ordem das palavras
pode ser, por vezes, fator determinante de uma conexão sintática. (Carone, 1986, p. 56-57)
Esses padrões de ordem não são invioláveis, como ocorre com a ordem irreversível dos morfemas no vocábulo, sintag-
ma bloqueado. Em nível de estruturação sintática, há inversões possíveis, mas sempre com alteração, mais leve ou mais
radical, da mensagem que se construiu conforme os padrões da língua. (Carone, 1986, p. 57).
A posição dos termos é, portanto, livre, mas não indiferente, como se observa por exemplo: (a)
só ele grita comigo (ninguém mais), (b) ele só grita comigo (nunca fala de outro jeito) e (c) ele grita só
comigo (com ninguém mais).
Há também os casos em que apenas a mudança na ordem dos elementos das mesmas palavras muda
o sentido. Perini (2006, p. 46-47) apresenta os seguintes exemplos, que organizamos em dois blocos:
Para obtermos certos efeitos discursivos, os vários constituintes dessa sentença podem ser
colocados em posição inicial. Esse tipo de deslocamento pode ser chamado de TOPICALIZAÇÃO:
a. Amanhã, o João vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’.
b. Na Borders’, o João vai comprar o último livro do Chomsky amanhã.
c. O último livro do Chomsky, o João vai comprar na Borders’ amanhã.
[...]
Ainda, podemos deslocar os constituintes da sentença para realizar uma operação que é cha-
mada de CLIVAGEM. Nessa operação, constituintes da sentença são não só movidos para uma po-
sição frontal, mas também são ‘ensanduichados’ entre o verbo ser e o conectivo que. Esse desloca-
mento serve para construirmos sentenças de foco, como as em:
a. É o João que vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã.
b. É o último livro do Chomsky que o João vai comprar na Borders’ amanhã.
c. É na Borders’ que o João vai comprar o último livro do Chomsky amanhã.
d. É amanhã que o João vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’.
[...]
Uma outra possibilidade de deslocamento que evidencia a estrutura de constituintes de uma sen-
tença construída com um verbo transitivo direto é a PASSIVIZAÇÃO. De uma sentença como, O João
vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã, podemos construir uma sentença como.
O último livro do Chomsky vai ser comprado pelo João amanhã na Borders’.
[...]
Uma outra evidência de natureza distribucional para a estrutura de constituintes de uma senten-
ça é o que tem sido chamado de FRAGMENTOS DE SENTENÇAS. Considere-se o seguinte diálogo:
a. Aonde o João foi?
b. Ao cinema.
Ao invés de dar a resposta completa à pergunta de A, B prefere usar uma forma curta, ou seja,
um fragmento de sentença. Voltando à sentença O João vai comprar o último livro do Chomsky na
Borders’ amanhã, vejamos quais os constituintes que nós conseguimos evidenciar a partir do uso de
construções que envolvem fragmentos de sentenças:
(1) a. Quem vai comprar o último livro do Chomsky amanhã?
b. O João.
(2) a. O que o João vai comprar amanhã?
b. O último livro do Chomsky.
(3) a. De quem o João vai comprar o último livro amanhã?
b. Do Chomsky.
Topicalização
Clivagem
Tomemos emprestado de Negrão, Scher e Viotti (2003, p. 94) a seguinte sentença: “Os meninos
comeram as maçãs verdes”.
As duas possibilidades de leitura são: (i) os meninos comeram as maçãs verdes e não as verme-
lhas; (ii) os meninos comeram as maçãs verdes, isto é, antes de amadurecerem. É claro que com o uso
dessa estrutura no contexto tal ambigüidade desaparecia, mas as autoras também mostram que “é a
possibilidade dela apresentar diferentes estruturas sintáticas” (p. 95) que provoca a ambigüidade.
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Vejamos:
As [maçãs verdes], os meninos comeram. Topicalização
Texto complementar
Assim como ocorre com outras ciências, a Lingüística comporta diferentes escolas teóricas,
que divergem em sua maneira de compreender o fenômeno da linguagem. As abordagens lingüís-
ticas atuais podem ser divididas em dois grandes paradigmas:
a) o paradigma formalista prioriza o estudo da linguagem sob a perspectiva da forma, relegan-
do a análise da função a um plano secundário;
b) o paradigma funcionalista ressalta a função que a forma lingüística desempenha na intera-
ção comunicativa.
De um modo geral, pode-se afirmar que a distinção entre formalismo e funcionalismo reflete
a oposição entre o estudo da forma lingüística (fonologia, morfologia e sintaxe) e o estudo das fun-
ções que essa forma desempenha na comunicação diária. Essas duas orientações estão associadas
a diferentes concepções sobre a natureza da linguagem, os objetivos da análise lingüística, a meto-
dologia aplicada nessa análise e o tipo de dados utilizados como evidência empírica. Com relação à
natureza da linguagem, segundo Leech (1983), tais diferenças podem ser listadas como segue:
::: Os formalistas tendem a conceber a língua como um fenômeno mental, um objeto autôno-
mo, cuja estrutura pode ser analisada sem que seja levado em conta seu uso em situações
reais de comunicação. Os funcionalistas, por outro lado, tendem a considerar a língua como
um fenômeno social, um instrumento de comunicação, cuja estrutura se adapta a pressões
provenientes das diversas situações comunicativas em que é utilizada.
::: Os formalistas tendem a considerar que os universais lingüísticos1 derivam de uma herança
lingüística genética que é comum a toda a espécie humana. Os funcionalistas, por sua vez,
tendem a explicar os universais lingüísticos como derivados da universalidade dos usos a
que a língua serve na sociedade humana.
::: Os formalistas tendem a explicar a aquisição da linguagem pelas crianças em termos de
uma capacidade humana inata para aprender uma língua. Em oposição, os funcionalistas
tendem a explicar a aquisição da linguagem em termos do desenvolvimento das necessida-
des e habilidades comunicativas da criança na sociedade.
No que diz respeito aos objetivos da análise lingüística, à metodologia aplicada nessa análise e ao
tipo dos dados utilizados como evidência empírica, os funcionalistas estão interessados em explicar as
regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as condições discursivas em que se
verifica esse uso. Ultrapassam, portanto, o âmbito da estrutura gramatical, e buscam na situação co-
municativa, que envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo, a motivação para
os fatos da língua. Um dos pressupostos centrais do funcionalismo é que o contexto de uso motiva as
diferentes construções sintáticas. Sendo assim, a estrutura da língua só pode ser explicada levando-se
em conta a comunicação na situação social. O papel ou função comunicativa das formas lingüísticas é
o critério que permite descobrir as regularidades que caracterizam a gramática da língua.
Para atingir seu objetivo, os funcionalistas trabalham essencialmente com dados de fala ou
escrita, retirados de contextos reais de comunicação, evitando lidar com frases criadas, dissociadas
de sua função no ato da interação comunicativa, como fazem os formalistas. Estes estudam a língua
1 Em sentido estrito, o termo universal lingüístico designa uma propriedade que todas as línguas têm (p. ex. todas as línguas têm elemen-
tos que são foneticamente vogais). Mais recentemente, admite-se que os universais lingüísticos não são absolutos, mas uma questão de
grau ou tendência, de modo que refletem uma propriedade que se manifesta na maioria das línguas. Ver Trask (2004), Matthews (1997)
e Greenberg (1966).
2 Para maiores informações sobre esses autores, consultar Lyons (1979) e Neves (1997).
Estudos lingüísticos
1. A frase “O professor vai presentear os alunos com notas altas” é ambígua:
( 1 ) o professor vai dar notas altas para todos os alunos?
( 2 ) o professor vai presentear só os alunos que têm notas altas?
Qual dos itens a seguir apresenta a estrutura que corresponde à leitura (1)?
a) São só os alunos com notas altas que vão ser presenteados.
b) Os alunos com notas altas, o professor vai presentear.
c) Os alunos, o professor vai presentear com notas altas.
d) O professor vai presenteá-los.
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2. A manchete “Vendo carne aos fregueses sem pelancas” é ambígua, desambigüize por meio das
seguintes construções sintáticas;
a) Topicalização.
b) Clivagem.
c) Fragmentos de sentenças.
d) Passivização.
d) A gramática de uma língua resulta das formas lingüísticas regulares identificadas em situações
comunicativas.
2.
a) Carne sem pelancas, eu vendo aos fregueses.
b) É carne sem pelancas que vendo aos fregueses.
c) O que você vende aos fregueses?
– Carne sem pelancas
d) Carnes sem pelancas são vendidas aos fregueses.
3.
a) Concepção funcionalista.
b) Concepção formalista.
c) Concepção funcionalista.
d) Concepção funcionalista.