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Abstract
Keywords
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Flavio Theodor Kunreuther
Universidade de São Paulo
Escola de Educação Física e
Esporte
Av. Prof. Melo Moraes, 65
05508-030 – São Paulo/SP
flatku@yahoo.com.br
440 Flavio Theodor KUNREUTHER; Osvaldo Luiz FERRAZ. Educação ao ar livre pela aventura: o aprendizado de...
advindos da realidade do dia a dia dos alunos dos elementos natureza e aventura que algumas
das escolas em que implementou sua proposta, escolas de educação experiencial desenvolvem
à qual chamou de modelo just-community. seu trabalho. Com Phyllis Ford (1981), aceitamos
Garvey (1999), a respeito do conceito de a definição da educação ao ar livre como a edu-
just-community aplicado às atividades de aven- cação na, sobre e para as áreas naturais.
tura ao ar livre, afirma que os valores e normas Andrew Martin (2001), em sua compre-
necessários aos grupos, visando à segurança e ensão de educação pela aventura, identifica ele-
à eficiência nas atividades outdoor, têm gran- mentos de perigo real ou aparente cujos resulta-
de potencial para reproduzirem tal proposta. dos, ainda que incertos, podem ser influenciados
Os cursos iniciam-se com os membros de uma pelas ações dos participantes. Alcyane Marinho
expedição debatendo as regras que permearão (2008), em sua abordagem do lazer para a aven-
toda a experiência e o convívio entre as pes- tura, além do risco, do imprevisto e da incerteza,
soas. Ainda assim, ao longo dos cursos, muitas relaciona a busca por situações novas, desafia-
situações de conflitos, interesses divergentes e doras e transmissoras de conhecimentos.
dilemas morais ocorrem. Quase todos os dias Encontramos aqui uma situação parado-
encerram-se com as pessoas discutindo as ex- xal. Por que o ser humano, tão cioso por segu-
periências vividas, os momentos de êxito e de rança e estabilidade, ao conseguir assegurar um
frustração e os problemas que ocorreram. É ponto de desenvolvimento no qual alguns ris-
nesse fórum que muitas questões são tratadas cos do passado estão afastados, passa a buscar
e que acordos são lembrados e reformulados. e a criar para si situações de aventura ou de ris-
Para a educação moral, o dilema que im- co? A esse respeito, citamos Jeff Liddle (1998):
porta não é o da resposta óbvia, mas o da deci-
são sobre o que é certo, principalmente quando Um paradoxo do nosso tempo é que, como
o certo não é evidente e não há uma única op- sociedade, buscamos segurança a quase
ção. Pelo contrário, o dilema moral verdadeiro qualquer custo, no entanto, esta mesma
está na decisão sobre diferentes argumentos ba- segurança alimenta uma complacência
seados na interpretação do que é legítimo. Tais que parece, por fim, erodir nosso espírito.
argumentos e suas interpretações têm especial Nunca render-se totalmente a esta
relevância quando consideramos o contexto da complacência é crítico à condição humana.
aventura, em que há riscos envolvidos para os Encontrar um porto em uma tormenta é
participantes, riscos estes que são percebidos de sempre um conforto, assim como uma
forma diferente por cada pessoa. A solução ra- sopa quente em um dia frio e chuvoso o é,
zoável para alguns pode ser arriscada e inacei- mas uma vida passada somente no porto
tável para outros. Assim, para o entendimento é uma história de oportunidades perdidas.
da dimensão dos potenciais dilemas e questões A luta significativa pela existência está
morais dessa proposta educacional, torna-se profundamente arraigada em nossa psique
fundamental a compreensão dos conceitos de e, quanto mais seguro e confortável se
aventura, natureza, educação e risco. torne o nosso mundo, tanto mais necessária
se torna a educação pela aventura. (p. 61)
Aventura, educação, natureza
e risco Segundo David Le Breton (2009), uma
parte dos aventureiros, especialmente os jovens,
Uma experiência educacional pode ser é movida pela busca por legitimação e, portan-
uma aventura urbana e não na natureza; da mes- to, por autorrespeito. Trata-se, então, de enfren-
ma forma, uma experiência pode ocorrer na na- tar o risco para reconhecer-se como uma pessoa
tureza e não ser uma aventura. É na combinação de valor; não para morrer, mas, ao contrário,
442 Flavio Theodor KUNREUTHER; Osvaldo Luiz FERRAZ. Educação ao ar livre pela aventura: o aprendizado de...
organizam para considerá-las e resolvê-las? A a experiência significativa ou válida. Se assim
instituição tem como missão ajudar as pessoas for, não temos acesso à opinião de quem não
a descobrirem e desenvolverem o seu poten- reconheceu aprendizados significativos. Além
cial para cuidar de si próprias, de outros e do disso, a pesquisa entrevistou ou questionou um
mundo à sua volta, através de experiências de- número reduzido de sujeitos, e, devido a isso,
safiadoras em locais não familiares; você acre- alertamos para a necessidade de estudos poste-
dita que a escola consegue realizar sua missão riores. Por ora, buscamos indicadores da poten-
por meio de cursos em formato expedição? Por cialidade da proposta educacional em questão.
quê? Você poderia citar exemplos? Você acre-
dita que adolescentes e adultos aprendem as Sobre os sujeitos
mesmas coisas nos cursos ou têm aprendiza-
dos diferentes? Por favor, explique. Para simplificar a identificação dos su-
O quarto estudo consistiu-se de entrevis- jeitos e manter sigilo em relação às suas iden-
ta aberta para colher os relatos da coordenadora tidades, todos são aqui referidos por códigos: a
e psicóloga do abrigo para menores que enviou representação dos alunos adolescentes é prece-
o aluno (designado A4) ao curso de educação dida pela letra A; a dos alunos adultos, pela le-
ao ar livre. A pergunta inicial era: o que vocês tra F; a dos educadores da instituição, pela letra
sentiram de diferença no aluno A4? O diálogo I. À letra indicativa do tipo de sujeito, segue o
foi gravado e transcrito, e as respostas foram número da ordem das entrevistas aplicadas ou
categorizadas de acordo com a técnica de aná- do recebimento de questionários.
lise de conteúdo (TRIVIÑOS, 1987), seguindo-se Os alunos adolescentes, no total de nove
as etapas por ela propostas. e com idade entre 14 e 18 anos, eram todos de
um mesmo curso com duração de dez dias, no
Das limitações deste trabalho Parque Estadual de Campos do Jordão. Eles ha-
viam ido a campo com dois educadores e foram
Não há uma prova que meça, de forma entrevistados no último dia do curso. Dentre
objetiva, os aprendizados ou alterações de com- esses jovens, havia um aluno advindo de um
portamento dos alunos de educação ao ar livre. abrigo para menores – o sujeito A4 –, cujas al-
Trata-se da percepção dos próprios sujeitos e terações comportamentais e sua análise estão
dos educadores envolvidos. Com exceção de comentadas em um estudo de caso específico.
um estudo de caso que relata as observações Os alunos adultos que participaram da
da coordenadora e psicóloga de um abrigo para pesquisa são todos ex-participantes do curso para
menores, apresentando, portanto, a visão de al- educadores. Foram enviados, por e-mail, questio-
guém não diretamente envolvido na interven- nários a 64 ex-alunos, dos quais dezessete res-
ção pedagógica, não há comprovação de que ponderam. Tais respostas representam alunos de
os aprendizados relatados pelos alunos de fato sete diferentes cursos, ocorridos entre 2007 e 2010.
ocorreram, ou de que foram transformados em Aos educadores da instituição – que tam-
alterações comportamentais. bém chamamos de instrutores – foram enviados
O desenvolvimento da capacidade de jul- 25 questionários, dos quais doze foram respon-
gamento moral não necessariamente se trans- didos. Todos os profissionais que responderam
forma em ação. Um estudo do tipo observação já atuaram em cursos com adolescentes e adul-
participante seria um interessante próximo pas- tos, sendo que cinco deles possuem experiência
so para avaliar as diferenças entre o discurso e internacional, de capacitação ou atuação, em
a ação dos alunos. países como México, Estados Unidos e Canadá.
Possivelmente, apenas respondeu ao A análise do material arrolado indica uma
questionário da pesquisa aqueles que acharam série de características da educação ao ar livre e
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esforça-se em montar barracas ou lavar a louça os desafios físicos, os técnicos, os exigidos pela
– exemplos citados na pesquisa – e isso não está vida ao ar livre e os de relacionamento entre as
correto, se não for seguida de alguma iniciativa pessoas. Assim, algum desses aspectos sempre
para a resolução do problema, não terá servi- desafiará o participante, exigindo superação,
do para nada, podendo até ser entendida como esforço pessoal, disciplina e coragem.
omissão. É na experiência concreta e no dilema Associados à coragem e ao esforço pes-
real, e não na teorização, que a ação tem de fato soal, identificamos elementos de legitimação ou
a oportunidade de suceder o julgamento. de busca por autorrespeito, conforme tratado
por Le Breton (2009). Ressaltamos aqui a im-
Disciplina, esforço, superação e portância da experiência concreta, com desta-
coragem que para a representação que a natureza tem no
imaginário das pessoas como lugar de desafio
Também colhemos, entre os sujeitos do e superação.
estudo, relatos que remetem à virtude da cora- Outra inferência em relação à experiên-
gem e à superação de desafios, além da discipli- cia de superação e valorização da virtude da
na e do esforço pessoal, importantes no desen- coragem está no papel do educador em aju-
volvimento da razão e da moral (PIAGET, 1998). dar seu aluno a compreender que, para algu-
Os alunos fizeram referências como: “bom, eu mas virtudes, não há medida exagerada. Como
consegui fazer algumas metáforas, por exem- exemplo, lembramos que não é possível uma
plo, do não desistir. Quando eu crescer, for fazer pessoa ser demasiadamente honesta ou íntegra.
alguma coisa que eu queira, não desistir” (A7); Para a virtude da coragem, contudo, o excesso
“estar conhecendo um ambiente fora da minha pode não ser a melhor medida. Se, por um lado,
área de conforto” (A1). pouca coragem caracteriza covardia e inação, o
Também entre os alunos adultos, encon- exagero pode significar estupidez, temeridade,
tramos menções em relação às questões de su- e trazer consequências indesejadas. A sabedoria
peração, esforço pessoal, disciplina e coragem, repousa em algum lugar entre esses limites.
como na seguinte declaração de F4: “aprendi É importante que instrutores de educação
muito mais sobre os meus limites, não apenas pela aventura, possivelmente vistos como deste-
sobre os limites físicos, mas os limites da tole- midos e capazes aos olhos de seus alunos, saibam
rância e do autocontrole em situações de stress”. aceitar alguns desafios e declinar de outros, pois
O aluno F9 relata: “Para mim, os valores foram o assim estarão, por meio do exemplo, oferecendo
autoconhecimento, aliado ao comprometimento uma lição importante aos seus alunos.
pessoal, e a coragem de sair da zona de conforto”.
Nas respostas dos educadores da institui- Autoconhecimento
ção, também encontramos diversas menções a
esses temas, sendo que oito dos doze instrutores Outro aspecto decorrente das experiências
referiram-se a eles, utilizando expressões como vividas nos cursos de educação ao ar livre, se-
superação de medos e desafios, vencer desafios gundo relatos dos alunos adolescentes, dos alu-
e coragem, assim como outras que remetem a nos adultos e dos educadores, está na oportuni-
tais questões, como “aprendem a confiar mais dade de adquirir conhecimento sobre si mesmo.
em si mesmos” (I7), “descobrir que podem mui- As experiências que abordam disciplina, esforço,
to mais do que imaginam alcançar” (I8), ou, superação e coragem também permitem que a
ainda, “autoconfiança (acreditar em si mesmo pessoa se conheça melhor. Além das menções
conhecendo melhor o seu potencial de ação)” diretas ao autoconhecimento, obtivemos relatos
(I10). A instrutora I12 trata da multiplicidade sobre o reconhecimento dos próprios limites e
e da diversidade de desafios. Segundo ela, há sobre a autopercepção dos pontos fracos e fortes.
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bravo. Aí, eu dobrei o negócio. Fiquei nham à tona e sejam solucionadas. O instrutor
bravo, xinguei um monte de gente lá. Aí, I9 relata um exemplo em que os alunos pas-
depois eu me acalmei. Até fiquei dando saram quase a totalidade do curso evitando a
risada lá. E eu me acalmei. Fiz o negócio, exposição do que os incomodava e contornan-
fiz de qualquer jeito, fiz de mau humor. do os conflitos. Somente ao final, estimulados
Mas, aí, depois de uns cinco minutos, pelos instrutores, eles se abriram.
assim, eu me acalmei. Até pedi desculpa
para o pessoal, porque eu xinguei todo Solidariedade, compaixão
mundo lá. Aí, eles até vieram falar que
todo mundo se assustou, porque eu sempre As respostas às entrevistas e aos questio-
sou alegre, não sei o quê. E eu fiquei muito nários apresentaram, com bastante frequência,
bravo. É um tipo de coisa que me irrita a compaixão expressa por atos de solidariedade.
muito: você me chamar, tirar... Eu estou lá, Dentre os nove alunos adolescentes entrevista-
estava mó cansado e me tiraram de dentro dos, quatro relataram a importância do cuidado
da barraca. [...] Me chamar para resolver com o outro na experiência vivida.
uma coisa que não é a minha função. E Tomamos como exemplo o aluno A8, que
é uma coisa que você faz em um minuto: demonstrou solidariedade e compaixão ao dizer:
qualquer um faz. Eu fiquei bem irritado.
às vezes, a gente é muito individualista e a
E são do aluno A5 as seguintes palavras: gente precisa desse tempo, dessa experiência,
para poder conhecer pessoas e ver que o
Quando alguém queria, tipo, comer alguma mundo não é feito de um cidadão só.
coisa e o outro não queria, aí, eles acabavam
brigando. Ou por bobeirinha mesmo, um Do depoimento do aluno A1, extraímos a
xinga o outro e fica nessa, um fica xingando seguinte passagem:
o outro para lá e para cá. Como resolve?
Todo mundo conversa, aí eles resolvem. aí que vem a união do grupo: “Não, vamos, va-
mos... A gente consegue e tal, todo mundo jun-
Todavia, será que apenas o convívio é su- to. É o que vai: um animando o outro. Porque
ficiente para o desenvolvimento dos alunos em se dependesse sozinho, você não consegue.
suas capacidades de resolução de problemas, des-
viando-os da rota dos extremismos, do desrespei- La Taille (1998) apresenta a afetividade
to, e conduzindo-os à compreensão? Cremos que como uma dimensão da educação elucidativa,
a intervenção do educador é de extrema impor- identificada em pesquisa de Elliot Turiel1. Para
tância na maioria das situações. Depoimentos de esses autores, é o coração sensibilizado que fará
alunos adolescentes, adultos e dos próprios ins- os jovens optarem pelo certo e justo em vez do
trutores conduzem-nos a essa inferência. errado. Como já discutimos, agir moralmente
Nota-se, contudo, uma diferença interes- requer a combinação entre razão e compaixão.
sante entre os alunos adolescentes e adultos. Se, Saber o que é justo não necessariamente levará
entre os mais jovens, a intervenção do educa- à ação certa; contudo, tal saber aliado ao querer
dor é fundamental para apaziguar os ânimos, o que é certo poderá fazê-lo.
evitar violência verbal e até física, organizar as Seria utópico imaginarmos que os alu-
falas dos ansiosos e auxiliar na construção de nos vivem em clima de constante apoio mú-
soluções, na atuação com alunos adultos, cabe tuo e compaixão durante toda a experiência.
ao educador expor os conflitos, abrir as feridas
para permitir que questões subliminares ve- 1 - TURIEL, Elliot. The development of morality. (manuscrito).
lembro do primeiro dia de caminhada de- Tem gente que não gosta, por exemplo,
pois da canoagem, em que alguns mem- de lavar louça. E era muito chato, porque
bros sentiram dificuldades para subir a ser- tinha gente que lavava, gente que não
ra e vários outros se dispuseram a dividir gostava, isso sempre gerava discussão.
o peso da mochila dos que tinham maiores Então, o instrutor chegava e mostrava para
limitações físicas. a gente como fazer isso da maneira certa.
E também, no caso das bolsas, tinha gente
O aluno F12 faz uma análise mais ampla que não gostava de levar peso. Então, isso
da questão: sempre gerava conflitos. E, por ter essa
diferença social, às vezes, é um pouco
As relações humanas que são estabelecidas complicado. [...] A gente sempre se unia
com base em respeito, empatia, compaixão na roda, conversava e cada um expressava
e responsabilidade pelo outro e pelo sua opinião. E o instrutor sempre falava
ambiente educam para o saber ser e o saber o jeito mais ou menos certo de como as
conviver, que são bases para a formação de coisas deveriam acontecer.
qualquer cidadão.
Além da questão das tarefas diárias e
No total, oito dos dezessete alunos adul- do debate sobre quem deveria ou não fazê-las,
tos fizeram menção à solidariedade, à compai- esse mesmo aluno faz menção a uma diferen-
xão ou ao cuidado em suas respostas. ça social entre os participantes, com potencial
Entre os educadores da escola, a solida- para ricos debates e aprendizados. Ele refere-se
riedade e o cuidado com o outro é o tema mais ao fato de o grupo ser formado por pessoas de
mencionado. Nove dos doze instrutores que res- situação socioeconômica mais favorável e por
ponderam à pesquisa referiram-se a esse tema e bolsistas economicamente menos favorecidos.
demonstraram consciência de sua importância. É evidente que a situação socioeconômica de
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cada participante não deve influenciar em nada vivida pelo aluno, assumimos que o curso te-
as decisões e atribuições de tarefas ao longo nha tido influência em tais alterações. Contudo,
do curso; em tal ambiente, todos são iguais e concordamos com a análise da coordenadora
suas condições financeiras não compram con- do abrigo quando ela diz:
forto. Porém, para os adolescentes, parece ter
havido algum mal-estar ou algum debate em então, eu não sei se tem a ver um pouco,
relação à questão. Essa é uma situação em que também, com a maturidade que está se
o educador, atento, deve observar se a solução aproximando um pouco desse momento e
eticamente aceitável advém do grupo, ou se ele a ficha está caindo.
próprio deve intervir, facilitando a discussão. O
aluno entrevistado não entrou em detalhes so- Provavelmente, as mudanças compor-
bre como o educador atuou, mas deixou claro tamentais do jovem devem-se também ao seu
que houve a intervenção. amadurecimento. Essa perspectiva está ali-
Parece-nos fundamental, na atuação do nhada com Piaget (1998) e seus conceitos de
educador, pontuar a diferença entre solidarieda- equilibração e autorregulação, assim como com
de e justiça: não se trata de interpretar o justo Dewey (1959) e seu conceito de interação.
como generoso, nem de necessariamente conce- Na trilogia entre experiências de vida,
ber o generoso como justo; tampouco se trata de educação formal e maturidade biológica, o cur-
achar que a lei é sempre sinônimo de justiça, ou so contribuiu com experiências que fizeram o
que a virtude está na esperteza à margem da lei. jovem alterar seu comportamento. Contudo,
quais seriam essas experiências? Aqui, entra-
Estudo de caso: o aluno do abrigo mos no terreno das suposições.
Assumimos a possibilidade de o simples
Dentre os nove alunos adolescentes en- distanciamento da realidade do dia a dia do jo-
trevistados, havia um advindo de um abrigo vem ter contribuído para sua reflexão. A possibi-
para menores. Trata-se do aluno adolescente lidade de viver experiências diferentes das coti-
A4, que, por apresentar alterações compor- dianas, em local também distinto e sob o estímulo
tamentais significativas logo após o término da reflexão e das transferências de aprendizado,
do curso, despertou interesse investigativo. as quais são papel precípuo dos educadores ao ar
Realizamos uma entrevista com a coordenadora livre, estimula o pensar sobre a realidade e a vida
e psicóloga do abrigo a partir da qual apresen- das pessoas. Portanto, pode ter havido contribui-
tamos algumas reflexões. ção gerada por esse distanciamento.
A coordenadora do abrigo descreve duas Outra possibilidade para entendermos as
mudanças atitudinais mais relevantes no com- transformações ocorridas está na atribuição de
portamento do jovem. A primeira refere-se à tarefas e responsabilidades concretas aos alunos
forma menos agressiva e mais respeitosa com do curso. Possivelmente, podemos caracterizar o
que ele passou a tratar as pessoas ao seu redor; aluno A4 segundo o que Dewey (1959) entende
a segunda diz respeito ao fato de o jovem de- como um jovem alienado pela ênfase na racio-
monstrar mais iniciativa para realizar as tarefas nalização da escola. Em vez das típicas ques-
necessárias ao início de sua vida profissional e tões teóricas das salas de aula, aos alunos de
à sua futura emancipação em relação ao abrigo. um curso que se dá como uma expedição na
Ambas as mudanças, segundo a entrevistada, natureza, atribuem-se tarefas concretas, como
ocorreram exatamente após o regresso do curso montar barracas, buscar água, cozinhar, achar
que o jovem realizou. os caminhos, entre outras.
Dado que as alterações de comportamen- De acordo com a coordenadora do abri-
to ocorreram exatamente após a experiência go, o aluno conta que cozinhava no curso. Ela
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Com base nesses mesmos teóricos e em físicos e emocionais, assim como a reflexão
seus seguidores, fica evidente a importância da sobre os limites a serem transpostos e os que
experiência no desenvolvimento moral dos jo- devem ser respeitados.
vens. Contudo, para que se atinjam níveis éti- As teorias que tratam da moralidade
cos mais altos ou a possibilidade de autonomia apontam a justiça e a solidariedade entre seus
nos julgamentos morais, faz-se fundamental a valores fundamentais. Na análise dos dados,
relação equânime e não coercitiva entre edu- encontramos relatos sobre situações de soli-
cadores e educando, especialmente entre os dariedade ou cuidado entre as pessoas, assim
pares, com oportunidades de livre interação como de debates e conflitos que remetem a es-
entre estes. sas questões. Portanto, também sob esta ótica,
A educação ao ar livre provê múltiplas os cursos de educação ao ar livre demonstram
oportunidades de tarefas cooperativas entre potencialidade para o desenvolvimento da mo-
seus alunos. Ela também lhes proporciona ex- ralidade dos alunos.
periências significativas, pois a dinâmica de Entendemos, ainda, que os potenciais
seus cursos demanda não apenas o julgamento pedagógicos encontrados na proposta da edu-
moral dos dilemas que ocorrem, mas também as cação ao ar livre ficam condicionados à exis-
ações decorrentes da necessidade de resolução tência de uma equipe de educadores preparada
de problemas. Tais ações requerem iniciativa, a para lidar com as questões que tratamos ao lon-
qual, conjuntamente com o esforço pessoal e a go deste estudo.
disciplina, é fundamental na realização de tra- Na medida em que a vida nos grandes
balhos em grupo. centros urbanos, por diferentes razões, restringe
A análise dos dados permite-nos afir- o acesso do jovem às áreas naturais, a educação
mar que a educação ao ar livre aufere amplas pela experiência que se dá em tais locais ganha
oportunidades para que os alunos enfrentem relevância para o desenvolvimento holístico de
situações que requerem a superação de limites indivíduos atentos às questões éticas.
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Flavio Theodor Kunreuther é mestre em Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São
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Osvaldo Luiz Ferraz é doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e professor do curso
de licenciatura em Educação Física e do Programa de Pós-Graduação (área de Pedagogia do Movimento Humano) da Escola
de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo. E-mail: olferraz@usp.br.
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