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Sublimacao Ou Expressao Um Debate Sobre PDF
Sublimacao Ou Expressao Um Debate Sobre PDF
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Sublimação ou expressão?
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Um debate sobre ai-te e psicanálise a partir de
U T W Adorno
Rodrigo Duarte Belo Horizonte
,
1. Prelinututres
— clínica que o conceito pode ter no sentido de aclarar as perturbações existentes por
trás de certos sintomas externados em construtos sensíveis, o trabalho do Filósofo da
arte pode concentrar-se, por exemplo, tia utilização do conceito de sublimação no
intuito de compreender aspectos essenciais (e muitas vezes dissimulados) de nossa
cultura, Em suma, ele não se interessa tanto pelo potencial clínicodo referidoconeeito,
mesmo que abordado em termos puramente teóricos ou especulativos, preferindo
aplicá-lo, como aliás o próprio Freud Fez nos seus textos de crítica cultural. à
compreensão das relações da economia psíquica do indivíduo com a sociedade e a
cultura nas quais ele está inserido. Este artigoenfoca asubliinação nessa suadimensão
de conceito operacional de crítica da cultura. em vez de abordar o referido potencial
clínico, mesmo que em termos puramente teóricos.
319
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Iflidrigo !Jua,U’ SuI’/iui ao OU t’.jrL’ssflo ?
Uma outra distinção a ser feita agora já no âmbito eleito da crítica cultural
— —
uaséempurradoparaO segundo plano. Quase pareeequeacriaçãode uniagrandecoinunidade
diz respeitoaoconceitodesublimação nosentido mais amplo. porexemplo, de mostrar humana seria maximamente bcm—sueedida se não se precïsasse preocupar com a lelicidade do
como a sublimação conjuga interesses individuais de manutenção do equilíbrio indivíduo.
psíquico em níveis aceitáveis com aqueles mais amplos, alravés dos quais uma
No trecho acima, constata—se, além da dicotomia característica, como já se
—
estudo da psicologia dos seus autores ou vice-versa. Feita a opção pelo enfoque da plena harmonia na sociedade, o reconhecimento da especificidade e da força do
processo cultuntl na constituição daquilo que se contt’apõe ao indivíduo enquanto
sublimação corno conceito de crítica cultural. ver-se-á., em seguida. como ambas as
totalidade social. Recordando que o sentido básico do termo “sublimação” em Freud
dimensões aqui assinaladas podem servir não apenas de ponto de partida, mas ajudar
se refere àquela forma específica de destino da pulsão. no qual seu objeto libinal.
adescortinarum novo horizonte de possibilidades interpretativas das obras de arte em
originariamente de natureza erótica. é transferido para um alvo abstrato, ‘‘elevado’’ e
geral
socialmenteconsentido.pode-Se firmar.comFreud,queacultura, noseu sentidomais
estrito das grandes real izações espiriltIais hu manas, é diretamente dependente do
processo psicanalítico da subi imação. De fato, no mesmo “O mal—estar na cultura’’,
2. S’ubliniaç:üo enquanto conceito cIL’ críticci cultural enu Freiud
Freud já reafirnmra o papel preponderante da sublimação na constituição da esfera
‘‘espiritual’’ hunutna.
Tendo em vista a distinção acima proposta, entre o valor “clínico” co de crítica
da cultura do conceito de sublimação, com a ênfase deste trabalho recaindo sobre esse
Uma outra técnica de resislêneia contra o sofrimento se serve das transposições da 1 ibido, as
último, proponho uma retornada daquelas passagens em que Freud ti-ata do conceito.
quais são permitidas por nosso aparato psíquico, através das quais sua função ganha em
tendo em vista urna compreensão mais ampla dos fenômenos culturais e artísticos no
flexibilidade. A tareia a ser desempenhada é transpor os alvos da pulsão de tal nodo que eles
âmbito das relações entre a economia pulsional dos indivíduos e a totalidade social, não possam ser ai ingidos pela repressão do mundo exterior. A subI inação das pulsões presta
com todas stias vicissitudes e restrições. Nesse particular, pode—se falar até mesmo aqui a suaajuda. Na tuaioriadoscasos se alcançaquandose consegue aumentarsuhcientcmente
numa espécie de contraposição entre os interesses afètivos do indivíduo e os da o ganhodeprazerapartirde lontesoriundas dotrabalho intelectual eespiritual. Odestino pode.
sociedade, no espírito daquilo que se tomou conhecido a partir das colocações de “O então, ser menos avassalador para a pessoa. A satisfação desse tipo, como a alegria do artista
mal—estar na cultura’’ no criar, na corpori Ficação de seus construtos de 1 antada, a do pesqu isador na resolução de
prohleiiias e no conhecimcnto da verdade. têm uma qualidade particular. que unt dia iremos
Em outras palavras: o desenvolvimento individual aparece para nós como um produto da poder caracterizar em termos iueiapsicológicos.1
interferência de dois esforços: o esfbrço para a felicidade. que chamamos habitualmente
‘‘egoístico’’, e o esftwço pela união com os oulros na comunidade, o ijual chamamos Em inúmeras outras passagens. como veremos a seguir. Freud se mani lesta
‘altruístico’’. Ambas as designações não vão muito além da superfïcie. No desenvolvimento sobre a sublimação como ti m mecanismo vital para a economia psíquica das pessoas.
individual recai, como já foi dito, a ênfase sobre o esforço egoístico ou de fel ic idade; o outro, lembrando que a ela se associa não somente a satisltção do criador, mas também a do
que pode ser chamado ‘‘cultural’’, contenta—se normalmente com o papel de uma limitação.2 l’rtiidor, isto é, daquele que, por exemplo, admira a beleza. ou se comove com a
sublimidade de uma obra de arte: ‘‘Acima de tudo, entre essas satisfações de fantasia.
De modo bastante oportuno para o objetivo central deste artigo. Freud lembra. encontra—se a Fruição nas obras dc arte, a qual é tornada acessível àquele que não é. ele
logo em seguida, que o âmbito da cultura se caracteriza pelo predomínio do esforço próprio, criador através da mediação do artista”5
“altruístico”, com o apelo à coesão social assumindo o papel preponderante: Se consideramos, entretanto. que as colocações de ‘‘O mal—estar na cultura’’ já
são bastante tardias no contexto da obra de Freud como um todo, cumpre exani mar
De modo diferente no processo cultural, aqui o objetivo de produtir uma unidade a partir dos abordagens anteriores do conceito de subi imação a fim de melhor compreender como
individuos humanos é de longe a coisa principal; o objetivo da felicidade, de feto, ainda existe, ele “Funciona” n âmbito do requerido conteúdo de crítica da cultura. Vários textos da
2. Sigmu nd Freud ‘Das Unhehagen n der RuI tur”. 1 n K,,Itunlworc’uisclw ScIiriJh’n Frank turt (M),
-
3. Idem, p. 266.
Fischer Verlag. 986. pp. 265—266. Esse trecho, bem como lodos os outros em alenião citados neste artiuo, 4. Idem. p. flI
oram traduzidos pelo próprio autor 5. Ideia. p. 212.
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Rodrigo Duarte
Su!,1ü, Ic,ç/7o ou e.j’ u’eçs 7
década de 1910 podem nos ser úteis, dentre eles, “Moral sexual ‘cultural’ e o
E, como se poderia esperar, logo em seguida nesse mesmo trecho, surge uma
nervosismo moderno”, de 1915°. Nesse texto, Freud, a partir da distinção entre a
abordagem do princípio da sublimação como determinante nas mais diferentes
neurose enquanto fenômeno puramente fisiológico e enquanto fato oriundo de
alividades profissionais, tendo em vista especificamente a atividade criativa (artística
distúrbios psíquicos, chama a atenção para o caráter eminentemente repressivo das
011 mesmo científica) de Leonardo da Vinci,
pulsões, adquirido pela sociedade moderna, afirmando, porconseguinte, o importante
papel assumido pela sublimação na economia pulsional dos indivíduos. Segundo
A observação da vida cotidiana das pessoas mostra—nos que à nai u’ia é possível dirigirporções
Freud. consideráveis de suas forças pulsionais sexuais parasua atividade profissional. A pulsão sexual
é especialmente apropriada para proporcionar contribuições desse tipo, já que ela é doiada da
Ela [a pulsão sexual/rdl põe à disposição do trabalho cultural quantias dc força descomunais capacidade de sublimação, isto é, é capaz de trocar seu alvo mais próximo por outro,
e isso, de fato, em virtude da peculiaridade, nela particularmente desenvolvida, de poder eventualmenie mais valorizado e não sexual. 8
deslocar seu alvo sem perder essencialmente em intensidade. Chama-se a essa capacidade de
cambiar o alvo originariamente sexual por outro, não mais sexual, mas psiquicarnente A importância desse texto freudiano não se limita, entretanto, em formular
aparentado com ele, de sublimação6.
precocemente o conceito de sublimação: ele contribui mesmo com urna espécie de
modelo de associação de certas manifestações estéticas com traços biográficos
Dentreostextos freudianos, maisou menosda mesmaépoca, que tratamdo tema
peculiaresaoseuautor,pcrmitindoianto interpretaraspectosdeobrasanísticasa partir
“sublimação”, há que se fazer uma menção especial sobre aqueles que não apenas
de características da vida afetiva do artista, quanto o contrário, isto é, “prever” certos
abordam seu processo específico, mas propõem a compreensão do surgirnento das
elementos formais na criação mediante a influência dessa última. No caso específico
obras de arte a partir da psicologia de seu autor. Entre esses textos, destaca-se aquele
dc Leonardo da Vinci, Freud chama a atenção para uma estranha passagem
denominado “Uma recordação da infância de Leonardo da Vinci”, de 1910. Nesse
autobiográf’ica de sua autoria, na qual o artista narra a vinda, em sua época de bebê, a
escrito, Freud inicia sua investigação partindo de uma série de características
seu berço, de um abutre, o qual, tendo aberto sua boca com a cauda, roçou-a várias
biográficas bastante peculiares do artista, como seu intransigente celibato, a
vezes contra seus lábios. Diante da inverossimilhança do relato, conclui Freud tratar-
descomunal morosidade na sua atividade criativa e o fato de seu trabalho artístico.
sede uma fantasia que remete a tendências homossexuais do artista, que por stta vez
durante certo período, quase ter se extinguido em detrimento da pesquisa científica e
remetem à sua problemática relação com a mãe em sua infância mais remota.’
técnica. Esse último elemento, Freud associa a traços biográficos de da Vinci
Interessa-nos, entretanto, apontar para o fato de qtie, segundo Freud, a
relacionados à curiosidade infantil acerca da sexualidade, como uma espécie de
problematicidade do relacionamento de da Vinci com a mãe determinou a recorrência
fixação, por sua vez associada às enormes inibições do pintor na condução do seu
de certos elementos pictóricos na sua atividade criativa, embora nosso autor procure
trabalho, o que também explicaria sua morosidade. No trecho abaixo ambos aspectos
sempre reafirmar que faltam-lhe os meios para que isso possa ser realizado de modo
são abordados por Freud
mais perfeito:
O artista tinha um dia tornado o pesquisador como ajudante a seu serviço, nias então o servo
Gostaríamos, com prazer, de dcc arar de Cl ue modo a atividade ar ística remete às pu
1 sõcs
tornou-se o mais forte e submeteu o seu senhor. Quando encontramos na formação dc caráter
oliginárias da psique, se nossos meios aqui não fossem fitlliar. Contentamo—nos em destacar
de uma pessoa um único impulso ultra-forte, como cm Leonardo a curiosidade, então nos o
lato, ‘1 uase toial mcii te seguro, de que a criação do artista dá vaião tain bém aos seus apetites
propornos à explicação de uma disposição particular, sobre cujo possível condicionamento
sexuais, e que, para Leonardo, reportando-se à notícia dada por Vasari, cabeças de mulheres
orgânico, na maior partedos casos, nada próximo aindaé conhecido. (...) Temos por provável
sorridentes e belos garolos porlanlo, representações dc seus alvos sexuais — destacaram-se
que aquele impulso ultra-foriejá agiu na mais lenra inlncia da pessoa e que seu predomínio —
dominação. Os homens tiveram sempre que escolher entre sua submissão sob a
E embora Freud não explicite, como nos casos anterio natureza ou da natureza sob sii4. No momento atual, porém. a submissão se dá
res, a sublimação como
determinante na formação do modo peculiar de principal mente à natureza interior, pois, para Adorno e Horkhei mer, o indiscutível
ser da obra de arte, fica subentendido
ter havido aqui uni processo desse tipo, agora predomínio da tecnocraeia. o nazi-fascismo e a própria indústria cultural são indícios
a partir do relacionamento entre
Miguel ângelo e o papa Júlio II, para cuja lápide de um indiscutível aprisionaniento dos sujeitos’os desígnios mais recônditos de sua
o artista execu toui a escui l tu ra ciii
questão. Esse pontífice teria sido tão megalomaníac psique, oriundo dc ações planejadas 110 sentido de manter o status (/1(0
o quanto o próprio autor da obra.
a quem soube dar valor, tendo também, por Dessa forma, a adesão da maioria esmagadora a projetos políticos
outro lado, oprimido—o com seu
temperamento arrogante. De acordo com Freud, essencial mente discriminatórios e racistas, ao entretenimento anestesiante e
a ira contida do patriarca hebraico, foi
emburrecedoi’, e a outros fatos—símbolo da sociedade contemporânea, aparece como
II. Ideni, p. 55.
12. ‘‘Der Moses von Michelangelo’’. lii Schnfwn 13. tdcm, p. 215.
—ii, Kunvt uudLuc,v,,,,’, op. cii., p. 27 4. DhdckIik der Ai klar,uig. Frankfurt (Mi. Sutirkamp, 1951, p. 49
324
325
Sub/ia ação Ore 0V)) rexsao
Rodrigo Duas-te
hurgueses.A produçãocapitalista investesohreelesdecorpoealmade modo tãodecidido, que
totalmente espontânea, quando, na verdade, é parte de um planejamento bastante eles caem vítima, seni resistência, daquilo que lhes é otbrecido. (...) Eles têm o seus desejos.
amplo no intuitodadominação do homem pelo homem tanto mais amplo quanto mais
—
Inapelavelmenteinsistem na ideologia,atravésdaqual osoutrososescravizam. Oamortunesto
“globalizado” é o mundo. Sobre essa aceitação ficticiamente livre dos padrões. dopovopelo mal queosoucros lhe fluem seadiantuatéàesperwzadas instâncias repressoras.’7
expressam-se os autores da seguinte forma:
No tocante ao aspecto que nos interessa mais diretamente, os produtos da
Os padrões resultariam originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que silo indústria cultural não se distinguem, para Adorno e Horkheimer, apenas pelo fato de
aceitos sem resisiância. Na verdade, éocírculodc manipulação e necessidade retroativa noqual se encontrarem à venda. Se assim o fosse, toda a produção artística autêntica, ainda
daane,jáque
a unidade do sistema concentra-se cada vez mais fortemente. Cala-se, nesse caso, que o solo existente foradoesquemadaindústriacultural, não poderiaserconsidera
sobreuqual a técnicaganhapodersohrc asociedadeéopoderdoseconomicarnenie mais Iboes ela também — pelo menos potencialmente — se encontra no mercado, podendo ser
sobre a sociedade’5 comprada, vendida, ou trocada. O diferencial reside naestmtura internados objetos em
questão: enquanto na obra de arte verdadeira os clássicos do passado e a vanguarda
—
Aessênciada indústriacultural é, portanto. segundoAdomoe Horkheimer, urna autêntica do presente — os elementos formais encontram-se numa relação orgânica e
espécie de usurpação da capacidade de ajuizamento com meios próprios que qualquer dialética, na mercadoriaculiural eles se tornam totalmente intercambiáveis, sugerindo
pessoa, em princípio, teria, em benefício de padrões impostos por poderes de fato, mesmoa situação social real, naqual qualquerindivíduoé facilmente substituído, caso
constituídos no seio da sociedade. Os autores traduzem aquela capacidade em termos necessário. Os autores reforçam essa idéia ao se referir ao “caráter de montagem” dos
do conceito kantiano de “esquematismo”, à medida que até mesmo o que se percebe produtos culturais industrialmente produzidos:
sensivelmente já é condicionado por uma potencialidade subjetiva que se refere
ultimamente à autoconsciência do sujeito enquanto tal. Mas no âmbito da cultura O caráterde montagem da indústria cultural, o modode fabricação, sintético, dirigido, de seus
administrada, “A função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a produtos — fabril não apenas no estúdio de cinema, mas virtualmente também na compilação
saber, referïr de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é das biografias baratas, romances-reportagem e sucessos do rádio torna-se a priori reclame:
—
tomada ao sujeito pela indústria”’6 tornando-se o momento particular suhstituívet, fungível. alienado também tecnicamente de
A repressão e o recalque pulsional, que no esquema da crítica freudiana da qualquer conexão de sentido, ele se d’á totalmente a fins exteriores à obra.’8
cultura, recaía na conta de uma difusa necessidade ditada pela própria civilização
— —
de manter a sociedade coesa, na Dia/ética do csc/arctimcmo aparece como objeto de E essa menção ao fato de o produto da indústria cultural ser propício aos “fins
manipulação com autoria conhecida eendereço certo, isto é. aponta para a disposição, exteriores àobra” remete a uma outracaracterística essencial da obrade arte autêntica,
por parte dos poderosos, tão planejada quanto possível, sobre o “mal-estar na cultura” que a diferencia claramente daquele: a obra de aite, por mais que possa ser utilizada
,
que acometeos indivíduos, sempre nosentidodeobteradesãoaoqueestáestabelecido a postenori dessa ou daquela maneira, não tem inscrita nem na suaaparênciaexterior
O cenário dessa manipulação crescente é a mutação sofrida no antigo tilodelo de nem naestrutura internaque lhe dáorigern, aobrigatoriedadede uma utilização, de um
capitalismo liberal, que se transforma cada vez mais irreversivelmente num imenso emprego para qualquer finalidade externa, enquanto a mercadoria cultural, por
oligopólio, no qual pouquíssimas mãos são capazes de controlar toda a economia definição, tem o objetivo de proporcionar lucro aos seus produtores
mundial, valendo-se, para isso, não apenas da opressão de fato inclusive militar, se
—
Essa concepção, segundo a qual a obra de arte subtrai-se, ainda que
necessário — mas de meios tão sutis quanto a intervenção planejada na economia parcialmente, de qualquer utilidade prática imediata, reporta-se à estética idealista,
especialmente à sua primeira formulação enfática na Crítica dafactildade dejidg
ar,
pulsional das pessoas a fim de explorar tendências masoquistas que não por acaso
— —
belo é
compõem a estrutura psíquica das massas, expropriadas não apenas econômica, mas de Iminanuel Kant. De acordo com ele, o juízo que fazemos sobre o objeto
agora também, psicologicamente. desprovido de qualquer interesse, embora seja universal e necessário. Esse
ajuizamento não se dá através de umjuízo lógico, portanto, não atribui um predicado
Atualmente em Ibse de desagregação na esfera da produção material. o mecanismo da oferta a um sujeito, tuas ocorre a partirde um sentimento de prazer desinteressado, que pode
e da procura cOni i nua atuante na supercs truta ra como mecanismo de cmi trole a [livor dos ser comungado por todos quantos se puserem na presença do referido objeto. Tais
dominantes. Os consumidores são os trabalhadores e funcionários, agricultores e pequenos características fazem com que o juízo estético seja um juízo paradoxalmente xciii
7. idcm, p. 155.
5. Idem. p. 142. IS. Idem, p. 57
lá. Hera, p. 145. 327
326
Rodrigo !ioa,’Ic Si ihluncição OU C.\p ieXS,7() ?
conceito, oriundo apenas do ‘‘livre logo da imaginação e do entendimento’’ 9 o que. segrcdodasuhlimaçãocstética: aprescntarasatisflmçãocomointerrompida. A indústriaeoltural
porsua vez, reiiiete a urna Finalidade apenas Formal delineada a partirde características não sublima: oprime.22
da própriacoisa avaliada. sejauma obra da belaarte ou um objeto da bela natureza. No
tocante a essa deiinitória ausência de iinalidade “material” no juízo de gosto —
Temos aqui uma clara demonstração da importância da sublimação estética
portanto, também no objeto que o ocasiona—, expressa—se Kant da seguinte maneira: enquanto conceito de crítica cultural, mesmo numa situação de capitalismo
monopolista, muito diFerenciada daquela sociedade de capitalismo concorrencial e
Porianio. nada pode haver a não ser a finalidade subjetiva na represenlaçfl() do objeto, seio liberalismopolítico, a qual parece tersido ocontexto desurgimentoda metapsicologia
qualquer fim (seja subjetivo ou ohjeiivo); conseqüentemente, a mera fbriua da finalidade na Freudiana. Talvez seja por issoque Adornoe Horkheimerparecem se preocupar menos
representação, através da qual um objeto nos é dado, à medida que dela esiamos conscientes com a investigação do processo de sublimação, do que com a dos efeitos dos seus
e o agrado, o qual nós, sem conceito, ajuizamos como universalmenie coniunicável, perftizeni, produtos, as obras de arte, enquanto contrapostos às mercadorias culturais. Diante
com isso, o Fundamento da determinação do juízo de gosto 20
desse quadro, é de vaI ia analisar alguns trechos de Theodor W. Adorno, nos quais ele
submete à critica alguns aspectos do próprio processo de sublimação com o objetivo
Essa desconexão mesmo que aos olhos modernos, apenas relativa—do objeto
de resguardar, por assim dizer, a “integridade” das obras de arte.
—
Embora Adorno e Horkheimer abordem a ‘‘finalidade sem fim’’ kantiana nesse texto.
eles não a associam diretamente à sublimação, mas ao conceito marxiano de
Não se pode acusar Freud deter pretendido, com seu conceito de sublimação,
Fetichismo, no sentido de mostrar em que medida o valor de troca se apodera das
mais do que ele poderia oFerecer: o autor é sempre muito cauteloso quando a ele se
mercadorias culturais sobre a base da insinuação de unia ausência de valor de uso que
reFere, fazendo todas as ressalvas possíveis. tanto no tocante à sua aplicabilidade em
se torna, ela própria, valor de usot. A menção mais explícita que os atitores fazem à
termos mais genéricos3, quanto às possibilidades de interpretação das obras de are a
sublimação, entretanto, é bastante esclarecedora daquela dimensão crítica do conceito,
partirde traços psíquicos dos seus criadores, embora—como se viu —ele não tenha, de
à niedidaque associaa repressão—de haseeconõmica, mas operacionalizaçãopsíquica
certa forma, resistido à tentação de fazê-lo. Esse cuidado transparece, entretanto, em
à cultura mercantil izada e ti ma Forma de libertação à obra de mie autônoma, não
passagens como a que se segue, do texto sobre da Vinci.
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StihIussciçici (iii 7
RotI,igr Dsui rie
artístico Uma outra questão levantada por Adorno no tocante às abordagens
opção possível por obras de menor valor
seus escritos estéticos. Truta-se da de investigar psicanalíticas das obras de arte é a seguinte: se as considera como meros sintomas de
da Vinci e Miguelôngelo) no sentido
(o que, certamente, não é ocaso de no quadros clínicos psicopatológicos, fica implícita a inferência de que um hipotético
(Tagtrüiil;ie) a elas associado, tal corno se externa
o aspecto de “sonhos diurnos” estado de saúde mental perfeita coincidiria com uma situação em que não haveria mais
trecho lugar para a arte, jáque aelaestaria reservado apenas o papel de externação sintomática
desse “pacto” com o aatus quo. Adorno constata na psicanálise também a tendência
psíquico
aspecto da investigação do processo a desqualificarosaspectos propriamente substantivos das obrasdearte, considerando-
Isso equivale a dizer que, sob o como exemplo
estéticos, seria preferível tornar
associado ao aparecimento dos objetos
as. de modo genérico, como meros “sonhos diurnos”, para usar os lermos com que o
arte. Do
aceitação popular a uma grande obra de beM se//eis da literatura
urna mercadoria cultural com muita
próprio Fretid justificou sua opção, para Fins de análise, pelos
supramencionada isso seria absurdo, pois, em detrimento das obras mais importantes.
pontode vistadacrítica à indústriacultural
indutoras de um comportamento psíquico Essa abstração do aspecto material das obras, comurnente feita por
como se viu, aquelas mercadorias são obras
status quo, enquanto as verdadeïras psicanalistas, leva Adorno a uma posição claramente provocativa, no sentido de
doentio, no intuito de manutenção do cara aos
felicidade”, para usar a expressão — tão afirmar que, nesse particular, a psicanálise aplicada à compreensão das
artísticas são uma “promessa de
artes se
de
Adorno submete o conceito freudiano
E de fato, na Teoria estética,
grande novidade da teoria psicanalítica da arte tenha sido exatamente a associação das
do ponto
alegação de que ele seria mais frutífero Crítica /a fhc.u/dade de julgar,
sublimação a uma dura crítica, sob a
obras à libido e a como vimos, postule a ausência de
acusa não
aspecto estético propriamente dito. Ele
de vista psicológico do que sob o
“interesse” no juízo de gosto. Segundo Adorno,
biográficos
que escreveram ensaios psicanalíticos
apenas Freud, mas seus seguidores principalmente em abstrair
que se expressa A con Fiontação de ambos pensadores heterogêneos — Kan t renegou não apenas o ps cologis no
sobre artistas, de um filistinismo um
estética de suas obras em beneficio de Iilosól’ico como também toda a psicologia, à época ciii ascensão é, entretanto, permitida por
totalmente da qualidade etètivamente
—
preciso — do seu estado psíquico27. Sobre algo em coiiiuiii, que pesa mais do que a diferença entre a construção do sujeito transcendental
diagnóstico mesmo que às vezes bastante
—
aqui eu icculso a uni sujeito empírico lá. Ambos são, em princípio, sub jetivamente orientados
modo.
isso, manifesta-se Adorno do seguinte entre a abordagem negativa ou positivada hiculdade de apetição. Para ambos, a ohradearteestí
como por de tatu apenas ciii relação àquele que a observa ou a produz.
é, através da suposta analogia com o sonho,
O momento da ficção nas obras de arte no processo de
sohrevaloril-ado. O elemento projetivo
todos positivisla5 desmcsuradaflwnte momento e dincilmente o mais No entanto, apesar de todas as criticas levantadas, o bisighr freudiano de
construto apenas um
produção dos artistas é em relação ao com o qual investigar a conexão das obras à vida pulsional sempre mereceu por pane dc Adorno
próprio, principalmente o próprio produto,
decisivo. Idioma, material têm um peso os estímulos especial atenção, lendo havido mesmo, numa obra mais antiga — Mininia Moia/ia —,
No processo dc produção artística,
os analistas mal podem sonhar. (. ) - -
inirodutem na obia
muitas outras coisas. Eles se uma Ientativade”corrïgir”eampliaroconceitode sublimação, a panirdaconstatação
inconscientes são impulso e material dentre appcrccPIiÜii rests de
Obras de arte não são thetnatic de que o hiato cada vez maior entre as grandes obras e o grande público leva a
de arte mediatizados pela lei formal. (..)
questionarum dos pilares da própriaconcepçãode Freud: a idéiade queas artes sejam,
seus criadores.28
ainda hoje, “desempenhos socialmente desejáveis”. Segundo Adorno.
29. Idem, p. 21
27. Asibetisebe Tiseorie. op. cit., pp. 9.21) 31). Ideni. p. 21
2%. Idem, pp. 20-21.
33 1
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Sublimação ou e.tptessflo?
psicanalítica.
—
realidade.1’
tempo, colidentes com a estética fica de antemão resguardada. pois o processo expressivo só ocorre realmente
,ransbordantes e, ao mesmo
pessoas que, não raro. na presença da realização plena de uma linguagem específica, que nas artes plásticas
imagem dos grandes artistas corno
Partindo dessa construtos que se das
com a época em que viveram e que criaram é a das formas edas cores; na música a das alturas, ritmos e timbres; na literatura a
estiveram em conflito espiritual, Adorno propõe que
E
mesmos em virtude de sua dimensão metáforas e imagens etc. Curiosamente, Adorno não voltou a tratar da “expressão”
sustentam por si artísticae a vidapulsional
7 paracaracteriiaraiçã0 entre acriação enquanto possível conceito-ehaveparaapsicanáliseaplicadaàeompreensãodasobras
o termo adequado o filósofo,
não o já consagrado “sublimação”, o qual, segundo de arte, possivelmente por achar que a expressão. se, por um lado, garante a
e
sela ode expreSsflO objetivo da bbra concentrando-
—,
Adorno, os artistas
aspectos subjetivos de sua psicologia. Deacordocom aspecto propriamente estrutuntl da obra de arte: “expressão absoluta seria objetual. a
se apenas em satisfatório de
à teoria freudiana, porque a ela falta um conceito própria coisa”35. Talvez seja por isso que na Teoria estética—escrita vinte anos depois
“não se adequam do sonho e
toda a consideração no funcionamento da simbólica ele tenha abordado a expressão principalmente como parte de um par dialético cujo
expressão. apesar de
pulsional não censurada, de fato.
—
concede que umaexcitaÇão contra-póloé aconstrução: “construção inere àexpressão tautologicamente, à qual ela
da neurose”2. O filósofo de alvo para outro objeto,
vista como recalcada quando há um desvio é polanuente contntposta”t’. O detalhamento do processo dialético entre construção
não pode ser recalqueeasatisfação
realmenteum Process° psíquico intermediárioentreo e expressão, o qual, para Adorno, é constitutivo da obra de arte, fugiria aos objetivos
existindo
desleartigo. queselimitam apretendermosintrem que medida oeonceitodeexpressão
da pulsão
pode se constituir numa interessante alternativa para a abordagem psicanalítica dos
Mas expressão não é alucinação. fenômenos estéticos.
entre satisfliçüo e expressão intacta.
mi na direção da diferença podendo contorná-lo. Nunca.
pelo princípio de realidade,
resguarda um caráter
sensível
seqüência, afirma o filósofo: sujeitocom a totalidade social que o abriga—através de uni objeto com características
não é levado em conta. Na de atratividade sensível mediatizadas por um apelo inegavelmente espiritual.
falsificado de si mesma
chega a uni apareciiiientO não Poder-se-iadizerque existem pelo menosdois bons motivos para, ao menos sob
“trabalho” censórico_subjetivo,
Forte que a modificação em
mutilar-lhe
mera
o caminho para lora. Em vct
ela põe o ohjetio: sua revelação
heni_sucedidado sujeito —poder-se-
o ponto de vista da filosofia da arte, privilegiaro conceito de expressão em detrimento
da noção [reudiana de sublimação. O primeiro é que. de fato, deve se dar rai.ão, pelo
menos em parte, a Adorno, quando ele lembra que a melhor arte que se faz hoje não
sublimação: cadaexpressãO
polêmica. Isso adiirenciada própria psicologia.31 é socialmente aprovada. Existem verdadeiros escândalos na arte contemporânea,
sobre o jogo de forças de sua
ia dizer é uma pequena vilória
—
como o fato deque a música escrita por Schi.inberg de qualidade indiscutível nos
—
—
284. primeiros anos do século XX até hoje, ao final do século, não foi assimilada, sendo
Fr;,nkCu CM). Suhrkamp. 987, p.
nus dein I,L.veIiiIft’te;l ü’ben. arte hoje: ainda considerada “excêntrica” e “difícil” por pessoas de insuspeita cultura geral.
3i. AI juinw Moralia R47eioiie’ social mente desejável’ da
questiona o caráter dc atividade
Tambéni na Teoria estética Adorno num respeito acrítico por sua
validade, inquestionadamiiemlte
permanece.
“certamente o valor social da arte
pressuposto”. Ás;hdüvche Theorie. op. cii.. p. 23.
285. 35. Ãsilmetische Theorie. op. cit. p. 73.
32. Mininia Mondtct. op. cit.. p. 36. Idein, p. 1 54.
33. Ibidem.
34. Idem, pp. 285-286. 333
332
Rodrigo lInHOL’
Siibliniação ou «v/u-ess7o?
IL
rados em todas as artes, sendo na Referências
Outros exemplos semelhantes poderiam ser encont
linguagem apenas mais evidentes.
música pelas características de sua própria
—
ao primeiro, diz respeito ao f’ato de 1. ADoiuio, T. W. (1985). Asiheiische Theorie. Frankfurt EM), Suhrkarnp.
—
O segundo motivo. que no fundo é conexo 2. —(1987) Mínima Moi alia. ReiIe,rionen nus Sem beschüdigteu Lebemi. Frankt’urt (M): Suhrkamp.
ão entre obra de arte e produto da
a expressão sustentar melhor a essencial distinç 3. DUARit, R. (1993). Miiiresis e racionalidade. A concepção (‘e domínio da natureza em Theodor 1V
aspecto especificamente estético das
indústria cultural; já que a sublimação abstrai o Adorno. São Paulo: Loyoia.
certos elementos do construto com a 4. (1995). Seis nomes uni só Adorno. In NOVAES, Adauto. Artepensconemigo. São Paulo:
obras para se concentrar apenas na relação de
—
335
334