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Sublimação ou expressão?

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Um debate sobre ai-te e psicanálise a partir de
U T W Adorno
Rodrigo Duarte Belo Horizonte
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Este artigo eitbca a suh/intaç’ão primeivnteitte COPIO urna noção de


crítica da tifltitici, (‘III vez de tonto-la C’III XCII siçuti/icalo iiiais unta! C(JIII()
conceito e/PULO. Particular atenção é dada à pon.nibi/idade de rccvnhecer
sintonua.çpsicopatolóç’ic-os através da ana içe de alguuui.v ti aços de obras de aute.
Por outro lado, aponta—se o rnodo pelo qual Adorno e Ho,’kheirner tia Dialt ira
do esclarecimen[o se (quÏpnatn (/0 conceito de sublrniação a /711? de distrnç’itir
obras de arte das mercadonas produzidas pela i,uds7striti cultural. Muniu ultima
parte, pretende—se iuo.vt raros /iniite.v do conceito de sub/luta ç’ão especui/fuemite
tio tocante â objetividade (las obras de arte. Seguindo uu,na indicação de Adorno
em Mi n i tua Moral ia, a/lana—se também a superioridade do (‘oliceito de
‘expressão por sua capacidade de levar enu consideraçõo O aspecto objetivo
‘‘

das obras de arte negligenciado pelo conceito rival de sublimação.


1. Prelinututres

O tipo de apropriação que o filósofo da arte pode Fazer de um conceito corno o


de sublimação á muito diferente daquele que pode ser leito por um psicanalista.
Enquanlo o interesse deste último diz respeito principalmente à ap]icaçlio digamos —

— clínica que o conceito pode ter no sentido de aclarar as perturbações existentes por
trás de certos sintomas externados em construtos sensíveis, o trabalho do Filósofo da
arte pode concentrar-se, por exemplo, tia utilização do conceito de sublimação no
intuito de compreender aspectos essenciais (e muitas vezes dissimulados) de nossa
cultura, Em suma, ele não se interessa tanto pelo potencial clínicodo referidoconeeito,
mesmo que abordado em termos puramente teóricos ou especulativos, preferindo
aplicá-lo, como aliás o próprio Freud Fez nos seus textos de crítica cultural. à
compreensão das relações da economia psíquica do indivíduo com a sociedade e a
cultura nas quais ele está inserido. Este artigoenfoca asubliinação nessa suadimensão
de conceito operacional de crítica da cultura. em vez de abordar o referido potencial
clínico, mesmo que em termos puramente teóricos.

ProFessor do Departainecan de FilosoFia da Ii FMG.

319

L
Iflidrigo !Jua,U’ SuI’/iui ao OU t’.jrL’ssflo ?

Uma outra distinção a ser feita agora já no âmbito eleito da crítica cultural
— —
uaséempurradoparaO segundo plano. Quase pareeequeacriaçãode uniagrandecoinunidade
diz respeitoaoconceitodesublimação nosentido mais amplo. porexemplo, de mostrar humana seria maximamente bcm—sueedida se não se precïsasse preocupar com a lelicidade do
como a sublimação conjuga interesses individuais de manutenção do equilíbrio indivíduo.
psíquico em níveis aceitáveis com aqueles mais amplos, alravés dos quais uma
No trecho acima, constata—se, além da dicotomia característica, como já se

determinada cultura progride e realiza os seus desígnios e no sentido mais restrito,


através do qual pode—se promover a interpretação de obras particulares a partir do assinalou, deste escrito Creudiano entre a felicidade do indivíduo e a realização da

estudo da psicologia dos seus autores ou vice-versa. Feita a opção pelo enfoque da plena harmonia na sociedade, o reconhecimento da especificidade e da força do
processo cultuntl na constituição daquilo que se contt’apõe ao indivíduo enquanto
sublimação corno conceito de crítica cultural. ver-se-á., em seguida. como ambas as
totalidade social. Recordando que o sentido básico do termo “sublimação” em Freud
dimensões aqui assinaladas podem servir não apenas de ponto de partida, mas ajudar
se refere àquela forma específica de destino da pulsão. no qual seu objeto libinal.
adescortinarum novo horizonte de possibilidades interpretativas das obras de arte em
originariamente de natureza erótica. é transferido para um alvo abstrato, ‘‘elevado’’ e
geral
socialmenteconsentido.pode-Se firmar.comFreud,queacultura, noseu sentidomais
estrito das grandes real izações espiriltIais hu manas, é diretamente dependente do
processo psicanalítico da subi imação. De fato, no mesmo “O mal—estar na cultura’’,
2. S’ubliniaç:üo enquanto conceito cIL’ críticci cultural enu Freiud
Freud já reafirnmra o papel preponderante da sublimação na constituição da esfera
‘‘espiritual’’ hunutna.
Tendo em vista a distinção acima proposta, entre o valor “clínico” co de crítica
da cultura do conceito de sublimação, com a ênfase deste trabalho recaindo sobre esse
Uma outra técnica de resislêneia contra o sofrimento se serve das transposições da 1 ibido, as
último, proponho uma retornada daquelas passagens em que Freud ti-ata do conceito.
quais são permitidas por nosso aparato psíquico, através das quais sua função ganha em
tendo em vista urna compreensão mais ampla dos fenômenos culturais e artísticos no
flexibilidade. A tareia a ser desempenhada é transpor os alvos da pulsão de tal nodo que eles
âmbito das relações entre a economia pulsional dos indivíduos e a totalidade social, não possam ser ai ingidos pela repressão do mundo exterior. A subI inação das pulsões presta
com todas stias vicissitudes e restrições. Nesse particular, pode—se falar até mesmo aqui a suaajuda. Na tuaioriadoscasos se alcançaquandose consegue aumentarsuhcientcmente
numa espécie de contraposição entre os interesses afètivos do indivíduo e os da o ganhodeprazerapartirde lontesoriundas dotrabalho intelectual eespiritual. Odestino pode.
sociedade, no espírito daquilo que se tomou conhecido a partir das colocações de “O então, ser menos avassalador para a pessoa. A satisfação desse tipo, como a alegria do artista
mal—estar na cultura’’ no criar, na corpori Ficação de seus construtos de 1 antada, a do pesqu isador na resolução de
prohleiiias e no conhecimcnto da verdade. têm uma qualidade particular. que unt dia iremos
Em outras palavras: o desenvolvimento individual aparece para nós como um produto da poder caracterizar em termos iueiapsicológicos.1
interferência de dois esforços: o esfbrço para a felicidade. que chamamos habitualmente
‘‘egoístico’’, e o esftwço pela união com os oulros na comunidade, o ijual chamamos Em inúmeras outras passagens. como veremos a seguir. Freud se mani lesta
‘altruístico’’. Ambas as designações não vão muito além da superfïcie. No desenvolvimento sobre a sublimação como ti m mecanismo vital para a economia psíquica das pessoas.
individual recai, como já foi dito, a ênfase sobre o esforço egoístico ou de fel ic idade; o outro, lembrando que a ela se associa não somente a satisltção do criador, mas também a do
que pode ser chamado ‘‘cultural’’, contenta—se normalmente com o papel de uma limitação.2 l’rtiidor, isto é, daquele que, por exemplo, admira a beleza. ou se comove com a
sublimidade de uma obra de arte: ‘‘Acima de tudo, entre essas satisfações de fantasia.
De modo bastante oportuno para o objetivo central deste artigo. Freud lembra. encontra—se a Fruição nas obras dc arte, a qual é tornada acessível àquele que não é. ele
logo em seguida, que o âmbito da cultura se caracteriza pelo predomínio do esforço próprio, criador através da mediação do artista”5
“altruístico”, com o apelo à coesão social assumindo o papel preponderante: Se consideramos, entretanto. que as colocações de ‘‘O mal—estar na cultura’’ já
são bastante tardias no contexto da obra de Freud como um todo, cumpre exani mar
De modo diferente no processo cultural, aqui o objetivo de produtir uma unidade a partir dos abordagens anteriores do conceito de subi imação a fim de melhor compreender como
individuos humanos é de longe a coisa principal; o objetivo da felicidade, de feto, ainda existe, ele “Funciona” n âmbito do requerido conteúdo de crítica da cultura. Vários textos da

2. Sigmu nd Freud ‘Das Unhehagen n der RuI tur”. 1 n K,,Itunlworc’uisclw ScIiriJh’n Frank turt (M),
-
3. Idem, p. 266.
Fischer Verlag. 986. pp. 265—266. Esse trecho, bem como lodos os outros em alenião citados neste artiuo, 4. Idem. p. flI
oram traduzidos pelo próprio autor 5. Ideia. p. 212.
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E. -

4
Rodrigo Duarte
Su!,1ü, Ic,ç/7o ou e.j’ u’eçs 7
década de 1910 podem nos ser úteis, dentre eles, “Moral sexual ‘cultural’ e o
E, como se poderia esperar, logo em seguida nesse mesmo trecho, surge uma
nervosismo moderno”, de 1915°. Nesse texto, Freud, a partir da distinção entre a
abordagem do princípio da sublimação como determinante nas mais diferentes
neurose enquanto fenômeno puramente fisiológico e enquanto fato oriundo de
alividades profissionais, tendo em vista especificamente a atividade criativa (artística
distúrbios psíquicos, chama a atenção para o caráter eminentemente repressivo das
011 mesmo científica) de Leonardo da Vinci,
pulsões, adquirido pela sociedade moderna, afirmando, porconseguinte, o importante
papel assumido pela sublimação na economia pulsional dos indivíduos. Segundo
A observação da vida cotidiana das pessoas mostra—nos que à nai u’ia é possível dirigirporções
Freud. consideráveis de suas forças pulsionais sexuais parasua atividade profissional. A pulsão sexual
é especialmente apropriada para proporcionar contribuições desse tipo, já que ela é doiada da
Ela [a pulsão sexual/rdl põe à disposição do trabalho cultural quantias dc força descomunais capacidade de sublimação, isto é, é capaz de trocar seu alvo mais próximo por outro,
e isso, de fato, em virtude da peculiaridade, nela particularmente desenvolvida, de poder eventualmenie mais valorizado e não sexual. 8
deslocar seu alvo sem perder essencialmente em intensidade. Chama-se a essa capacidade de
cambiar o alvo originariamente sexual por outro, não mais sexual, mas psiquicarnente A importância desse texto freudiano não se limita, entretanto, em formular
aparentado com ele, de sublimação6.
precocemente o conceito de sublimação: ele contribui mesmo com urna espécie de
modelo de associação de certas manifestações estéticas com traços biográficos
Dentreostextos freudianos, maisou menosda mesmaépoca, que tratamdo tema
peculiaresaoseuautor,pcrmitindoianto interpretaraspectosdeobrasanísticasa partir
“sublimação”, há que se fazer uma menção especial sobre aqueles que não apenas
de características da vida afetiva do artista, quanto o contrário, isto é, “prever” certos
abordam seu processo específico, mas propõem a compreensão do surgirnento das
elementos formais na criação mediante a influência dessa última. No caso específico
obras de arte a partir da psicologia de seu autor. Entre esses textos, destaca-se aquele
dc Leonardo da Vinci, Freud chama a atenção para uma estranha passagem
denominado “Uma recordação da infância de Leonardo da Vinci”, de 1910. Nesse
autobiográf’ica de sua autoria, na qual o artista narra a vinda, em sua época de bebê, a
escrito, Freud inicia sua investigação partindo de uma série de características
seu berço, de um abutre, o qual, tendo aberto sua boca com a cauda, roçou-a várias
biográficas bastante peculiares do artista, como seu intransigente celibato, a
vezes contra seus lábios. Diante da inverossimilhança do relato, conclui Freud tratar-
descomunal morosidade na sua atividade criativa e o fato de seu trabalho artístico.
sede uma fantasia que remete a tendências homossexuais do artista, que por stta vez
durante certo período, quase ter se extinguido em detrimento da pesquisa científica e
remetem à sua problemática relação com a mãe em sua infância mais remota.’
técnica. Esse último elemento, Freud associa a traços biográficos de da Vinci
Interessa-nos, entretanto, apontar para o fato de qtie, segundo Freud, a
relacionados à curiosidade infantil acerca da sexualidade, como uma espécie de
problematicidade do relacionamento de da Vinci com a mãe determinou a recorrência
fixação, por sua vez associada às enormes inibições do pintor na condução do seu
de certos elementos pictóricos na sua atividade criativa, embora nosso autor procure
trabalho, o que também explicaria sua morosidade. No trecho abaixo ambos aspectos
sempre reafirmar que faltam-lhe os meios para que isso possa ser realizado de modo
são abordados por Freud
mais perfeito:

O artista tinha um dia tornado o pesquisador como ajudante a seu serviço, nias então o servo
Gostaríamos, com prazer, de dcc arar de Cl ue modo a atividade ar ística remete às pu
1 sõcs
tornou-se o mais forte e submeteu o seu senhor. Quando encontramos na formação dc caráter
oliginárias da psique, se nossos meios aqui não fossem fitlliar. Contentamo—nos em destacar
de uma pessoa um único impulso ultra-forte, como cm Leonardo a curiosidade, então nos o
lato, ‘1 uase toial mcii te seguro, de que a criação do artista dá vaião tain bém aos seus apetites
propornos à explicação de uma disposição particular, sobre cujo possível condicionamento
sexuais, e que, para Leonardo, reportando-se à notícia dada por Vasari, cabeças de mulheres
orgânico, na maior partedos casos, nada próximo aindaé conhecido. (...) Temos por provável
sorridentes e belos garolos porlanlo, representações dc seus alvos sexuais — destacaram-se
que aquele impulso ultra-foriejá agiu na mais lenra inlncia da pessoa e que seu predomínio —

enire suas primeiras tentativas artísticas.


consolidou-se através de impressões da vida infantil e supomos ainda que o impulso
originariamente absorveu forças sexuais para seu fortalecimento, de modo que ele pode
representar posteriormente uma parte da vida sexual 7 No mesmo espírito do que é sugerido na passagem acima, Freud associa uni
elemento pictórico bastanteevidente naMona Lisa.—ohra mais famosado pintor—com
* N. E. Na ES.!), foi traduzido
como “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna’ (1908). 8. Ihident.
6. ‘‘Dic ‘kulturelle’ sexualnmral und die inoderne Nervositüt”. ln Kulturtheo,eziçcl,e Schrifien. Eranktirt 9. Segundo menção dc Frcud, o ahuirc ó associado à tieura da mãe nos hicrógti los
(M), Fischcr Verlug, 19S6, p. 18. satzrados dos egípcios.
sendo que a deusa representada poresse animat denomina—se Mia, portanto,
7. “Einc Kitiditeitserinneruog des Leonardo da Vinci’” lo Schnften :nr K,n,st coul btcratur. Frinkíurt próximo dc “Mumter’. ntãc
-
cm alemão, tíngua—pãtria de Freud. Cf. til., p. 114.
(M). Fischer Vcrlag, 1987. p. 104 lt). Idem, p. 154.
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323
Rodrigo Di tal/e Sgd,tiniação ou ere.rsão ?

os elementos biográficos já mencionados: para ele, o enigmático


sorriso feminino retratada por Miguelângelo como um “memento para si próprio, pant pôr em relevo
representado naquela obra tardia remete à relação de da Vinei com ii
a mãe ainda na para si essa crítica sobre sua própria naturezaui II
primeira infância, fechando um ciclo de criação artística
que se iniciara com a Outros exemplos do aporte freudiano sobre a interpretação de fenômenos
representação de cabeças femininas nos primórdios de seu aprend
izado e que se estético mediante referência à vida pulsional poderiani ser dados, mas já obtemos o
interrompera no período de dedicação quase exclusiva à investi
gação científica. suficiente paraconstatara importânciae fecundidadedo conceitode sublimaÇãocOnio
Ouçamos o próprio Freud:
elemento de crítica cultural, e, em especial, no tocante à possibilidade de
aprofundamento na compreensão das obras de arte, O próximo passo seria tomar
No auuedesua vida, nos inícios dos cinqüentaanos, numa épocacm que
na mulheros caracteres conhecimento de como o conceito em questão foi tornado frutífero pela crítica da
scxuaisjáestão mais retraidose no homem não raro a libido aindaousa
vem uma nova mudança sobre ele da Vinci/rd). Camadas
conteúdo psíquico Lornam-se novamente ativas, mas essa regressão
sua arte, que estava degradando. Ele conhece a mulher, a qual
um energético impulso.
ainda mais profundas de seu
ulterior vem para bem de
desperta nele a lembrança do
sorriso feliz e sensivelmente extasiante da mãe e, sob a influên
cultura mais recente, panicularmente em sua versão advinda da teoria crítica da
soei cd ad e. 1
cia desse despertar, ele adquire
novamen te o impulso que o dirigiu ao iii ício de suas ten
tat vas ar tístïcas, quando p n lava 3. A apropriação da sublimação conto e/cinco/o dc crítica da indústria eu/tu ,‘cil
mulheres sorridentes.
Enquanto para Freud o alvo mais elementar da crítica da cultura era o fato de que
Pode—se encontrar semelhante associação entre elementos
formais nas artes e essa última repousa sobre a repressão e o recalque das energias pulsionais, pois sua
certos traços da vida afetiva também no conhecido texto liberação representaria o fim da coesão social que torna a civilização possível, para
intitulado “O Moisés de
Miguelângelo” de 1914. Nele. Freud faz uma minuciosa Adorno e Horkheimer, trata—se principalmente de mostrar que a maior ameaça para a
análise de certos traços
desconcertantes da famosa escu l lura da renascença tardia, felicidade humana não é necessariamente a cultura tout comi, mas sua forma
apontando também para
descrições de historiadores da arte, que se remetem, curiosa industrializada e administrada, tributária de um estado de coisas pouquíssililo
inente, a elementos
pictóricos apenas virtuais, os quais não ocorrem, de fato, promissor em termos de desenvolvimento autônomo da humanidade: em outras
na estátua. Tudo parece
apontar para um movimento brusco realizado pelo palavras, o que eles chamaram de indústria cultural.
Moisés apenas alguns instantes
antes de sua “retratação” por Miguelângelo, o que leva O pano de ftindo pira essa crítica é a investigação acerca dos descamïnhos da
Freud a concluirque a poderosa
figura representada não é o Moisés bíblico ou hislórico, civilização oci dent al,ial como aparece na Dia hriru do escla reciulcu tu. à qual não Falta
mas um outro, inventado pelo
artista:
unia grande influência dos escritos freudianos de teoria da cultura, mas postos em
diálogo com posições derivadas tanto do marxismo quanto da l’ilosoíia clássica alemã.
Mais importante do que a infidelidade com relação ao
texto sagrado é mesmo a tiioditicação A idéia central do referido livro reporta-se ao fato de que os enormes esforços
que Miguelángelo efetuou, segundo nossa interpretação
, no caráter de Moisés. (..) Ele humanos, desde os primórdios da história, no sentido de dominar a natureza exterior,
retrabal hou o motivo das tábuas da lei quebradas: ele não
essa ira ser aplacada — pelo menos inibida no intuito de
as faz quebrar pela ira de Moi sds, tu as redundaram. em nossa época. numa submissão ainda maior à natureza, nos termos
uma ação pela ameaça de que aquelas assim apresentados: “esclarecimento é a ai terna ti va, c uj a inevitabilidade é a
poderiam quebrar t 2

dominação. Os homens tiveram sempre que escolher entre sua submissão sob a
E embora Freud não explicite, como nos casos anterio natureza ou da natureza sob sii4. No momento atual, porém. a submissão se dá
res, a sublimação como
determinante na formação do modo peculiar de principal mente à natureza interior, pois, para Adorno e Horkhei mer, o indiscutível
ser da obra de arte, fica subentendido
ter havido aqui uni processo desse tipo, agora predomínio da tecnocraeia. o nazi-fascismo e a própria indústria cultural são indícios
a partir do relacionamento entre
Miguel ângelo e o papa Júlio II, para cuja lápide de um indiscutível aprisionaniento dos sujeitos’os desígnios mais recônditos de sua
o artista execu toui a escui l tu ra ciii
questão. Esse pontífice teria sido tão megalomaníac psique, oriundo dc ações planejadas 110 sentido de manter o status (/1(0
o quanto o próprio autor da obra.
a quem soube dar valor, tendo também, por Dessa forma, a adesão da maioria esmagadora a projetos políticos
outro lado, oprimido—o com seu
temperamento arrogante. De acordo com Freud, essencial mente discriminatórios e racistas, ao entretenimento anestesiante e
a ira contida do patriarca hebraico, foi
emburrecedoi’, e a outros fatos—símbolo da sociedade contemporânea, aparece como
II. Ideni, p. 55.
12. ‘‘Der Moses von Michelangelo’’. lii Schnfwn 13. tdcm, p. 215.
—ii, Kunvt uudLuc,v,,,,’, op. cii., p. 27 4. DhdckIik der Ai klar,uig. Frankfurt (Mi. Sutirkamp, 1951, p. 49
324
325
Sub/ia ação Ore 0V)) rexsao
Rodrigo Duas-te
hurgueses.A produçãocapitalista investesohreelesdecorpoealmade modo tãodecidido, que
totalmente espontânea, quando, na verdade, é parte de um planejamento bastante eles caem vítima, seni resistência, daquilo que lhes é otbrecido. (...) Eles têm o seus desejos.
amplo no intuitodadominação do homem pelo homem tanto mais amplo quanto mais

Inapelavelmenteinsistem na ideologia,atravésdaqual osoutrososescravizam. Oamortunesto
“globalizado” é o mundo. Sobre essa aceitação ficticiamente livre dos padrões. dopovopelo mal queosoucros lhe fluem seadiantuatéàesperwzadas instâncias repressoras.’7
expressam-se os autores da seguinte forma:
No tocante ao aspecto que nos interessa mais diretamente, os produtos da
Os padrões resultariam originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que silo indústria cultural não se distinguem, para Adorno e Horkheimer, apenas pelo fato de
aceitos sem resisiância. Na verdade, éocírculodc manipulação e necessidade retroativa noqual se encontrarem à venda. Se assim o fosse, toda a produção artística autêntica, ainda
daane,jáque
a unidade do sistema concentra-se cada vez mais fortemente. Cala-se, nesse caso, que o solo existente foradoesquemadaindústriacultural, não poderiaserconsidera
sobreuqual a técnicaganhapodersohrc asociedadeéopoderdoseconomicarnenie mais Iboes ela também — pelo menos potencialmente — se encontra no mercado, podendo ser
sobre a sociedade’5 comprada, vendida, ou trocada. O diferencial reside naestmtura internados objetos em
questão: enquanto na obra de arte verdadeira os clássicos do passado e a vanguarda

Aessênciada indústriacultural é, portanto. segundoAdomoe Horkheimer, urna autêntica do presente — os elementos formais encontram-se numa relação orgânica e
espécie de usurpação da capacidade de ajuizamento com meios próprios que qualquer dialética, na mercadoriaculiural eles se tornam totalmente intercambiáveis, sugerindo
pessoa, em princípio, teria, em benefício de padrões impostos por poderes de fato, mesmoa situação social real, naqual qualquerindivíduoé facilmente substituído, caso
constituídos no seio da sociedade. Os autores traduzem aquela capacidade em termos necessário. Os autores reforçam essa idéia ao se referir ao “caráter de montagem” dos
do conceito kantiano de “esquematismo”, à medida que até mesmo o que se percebe produtos culturais industrialmente produzidos:
sensivelmente já é condicionado por uma potencialidade subjetiva que se refere
ultimamente à autoconsciência do sujeito enquanto tal. Mas no âmbito da cultura O caráterde montagem da indústria cultural, o modode fabricação, sintético, dirigido, de seus
administrada, “A função que o esquematismo kantiano ainda atribuía ao sujeito, a produtos — fabril não apenas no estúdio de cinema, mas virtualmente também na compilação
saber, referïr de antemão a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é das biografias baratas, romances-reportagem e sucessos do rádio torna-se a priori reclame:

tomada ao sujeito pela indústria”’6 tornando-se o momento particular suhstituívet, fungível. alienado também tecnicamente de
A repressão e o recalque pulsional, que no esquema da crítica freudiana da qualquer conexão de sentido, ele se d’á totalmente a fins exteriores à obra.’8
cultura, recaía na conta de uma difusa necessidade ditada pela própria civilização
— —

de manter a sociedade coesa, na Dia/ética do csc/arctimcmo aparece como objeto de E essa menção ao fato de o produto da indústria cultural ser propício aos “fins
manipulação com autoria conhecida eendereço certo, isto é. aponta para a disposição, exteriores àobra” remete a uma outracaracterística essencial da obrade arte autêntica,
por parte dos poderosos, tão planejada quanto possível, sobre o “mal-estar na cultura” que a diferencia claramente daquele: a obra de aite, por mais que possa ser utilizada
,
que acometeos indivíduos, sempre nosentidodeobteradesãoaoqueestáestabelecido a postenori dessa ou daquela maneira, não tem inscrita nem na suaaparênciaexterior
O cenário dessa manipulação crescente é a mutação sofrida no antigo tilodelo de nem naestrutura internaque lhe dáorigern, aobrigatoriedadede uma utilização, de um
capitalismo liberal, que se transforma cada vez mais irreversivelmente num imenso emprego para qualquer finalidade externa, enquanto a mercadoria cultural, por
oligopólio, no qual pouquíssimas mãos são capazes de controlar toda a economia definição, tem o objetivo de proporcionar lucro aos seus produtores
mundial, valendo-se, para isso, não apenas da opressão de fato inclusive militar, se

Essa concepção, segundo a qual a obra de arte subtrai-se, ainda que
necessário — mas de meios tão sutis quanto a intervenção planejada na economia parcialmente, de qualquer utilidade prática imediata, reporta-se à estética idealista,
especialmente à sua primeira formulação enfática na Crítica dafactildade dejidg
ar,
pulsional das pessoas a fim de explorar tendências masoquistas que não por acaso
— —

belo é
compõem a estrutura psíquica das massas, expropriadas não apenas econômica, mas de Iminanuel Kant. De acordo com ele, o juízo que fazemos sobre o objeto
agora também, psicologicamente. desprovido de qualquer interesse, embora seja universal e necessário. Esse
ajuizamento não se dá através de umjuízo lógico, portanto, não atribui um predicado
Atualmente em Ibse de desagregação na esfera da produção material. o mecanismo da oferta a um sujeito, tuas ocorre a partirde um sentimento de prazer desinteressado, que pode
e da procura cOni i nua atuante na supercs truta ra como mecanismo de cmi trole a [livor dos ser comungado por todos quantos se puserem na presença do referido objeto. Tais
dominantes. Os consumidores são os trabalhadores e funcionários, agricultores e pequenos características fazem com que o juízo estético seja um juízo paradoxalmente xciii

7. idcm, p. 155.
5. Idem. p. 142. IS. Idem, p. 57
lá. Hera, p. 145. 327
326
Rodrigo !ioa,’Ic Si ihluncição OU C.\p ieXS,7() ?

conceito, oriundo apenas do ‘‘livre logo da imaginação e do entendimento’’ 9 o que. segrcdodasuhlimaçãocstética: aprescntarasatisflmçãocomointerrompida. A indústriaeoltural
porsua vez, reiiiete a urna Finalidade apenas Formal delineada a partirde características não sublima: oprime.22
da própriacoisa avaliada. sejauma obra da belaarte ou um objeto da bela natureza. No
tocante a essa deiinitória ausência de iinalidade “material” no juízo de gosto —
Temos aqui uma clara demonstração da importância da sublimação estética
portanto, também no objeto que o ocasiona—, expressa—se Kant da seguinte maneira: enquanto conceito de crítica cultural, mesmo numa situação de capitalismo
monopolista, muito diFerenciada daquela sociedade de capitalismo concorrencial e
Porianio. nada pode haver a não ser a finalidade subjetiva na represenlaçfl() do objeto, seio liberalismopolítico, a qual parece tersido ocontexto desurgimentoda metapsicologia
qualquer fim (seja subjetivo ou ohjeiivo); conseqüentemente, a mera fbriua da finalidade na Freudiana. Talvez seja por issoque Adornoe Horkheimerparecem se preocupar menos
representação, através da qual um objeto nos é dado, à medida que dela esiamos conscientes com a investigação do processo de sublimação, do que com a dos efeitos dos seus
e o agrado, o qual nós, sem conceito, ajuizamos como universalmenie coniunicável, perftizeni, produtos, as obras de arte, enquanto contrapostos às mercadorias culturais. Diante
com isso, o Fundamento da determinação do juízo de gosto 20
desse quadro, é de vaI ia analisar alguns trechos de Theodor W. Adorno, nos quais ele
submete à critica alguns aspectos do próprio processo de sublimação com o objetivo
Essa desconexão mesmo que aos olhos modernos, apenas relativa—do objeto
de resguardar, por assim dizer, a “integridade” das obras de arte.

heloparacom os designiosda vidaprática imediata, podeserassociadaao mecanismo


psicológico da sublimação, à medida que, em ambas, há a transposição de algo Físico,
maiérico pulsão em Preud. ‘‘interesse’’ em Kunt para algo espiritual, abstrato.
4. A insuficiência da sublimação para a interpretação das obras de arte

Embora Adorno e Horkheimer abordem a ‘‘finalidade sem fim’’ kantiana nesse texto.
eles não a associam diretamente à sublimação, mas ao conceito marxiano de
Não se pode acusar Freud deter pretendido, com seu conceito de sublimação,
Fetichismo, no sentido de mostrar em que medida o valor de troca se apodera das
mais do que ele poderia oFerecer: o autor é sempre muito cauteloso quando a ele se
mercadorias culturais sobre a base da insinuação de unia ausência de valor de uso que
reFere, fazendo todas as ressalvas possíveis. tanto no tocante à sua aplicabilidade em
se torna, ela própria, valor de usot. A menção mais explícita que os atitores fazem à
termos mais genéricos3, quanto às possibilidades de interpretação das obras de are a
sublimação, entretanto, é bastante esclarecedora daquela dimensão crítica do conceito,
partirde traços psíquicos dos seus criadores, embora—como se viu —ele não tenha, de
à niedidaque associaa repressão—de haseeconõmica, mas operacionalizaçãopsíquica
certa forma, resistido à tentação de fazê-lo. Esse cuidado transparece, entretanto, em
à cultura mercantil izada e ti ma Forma de libertação à obra de mie autônoma, não
passagens como a que se segue, do texto sobre da Vinci.

conFeccionada com um lï ii determinado (podendo, no entanto, comojá se disse, ter um


uso a postei’iori). No trecho segtn nte, eles contrapõem, de modo revelador, a ‘‘ameaça
A tendência ao recalque, assim como capacidade de sublimação, devemos remeter aos
de castração”, por parte do poderio representado pela mercadoria cultural, a esse
luodamentos orgãnieos dc) caráter, sobre os quais primeiramente se ergue o edifício psíquico.
processo de sublimação proporcionado pela obra de arte: Já que o talento artístico c a potencialidade para o desetnpenho dependem internamente da
sublimação, devemos confessar que também a essência do desempenho artístico nos é
Maliciosamenie significa aproniessa. na qual a visada consiste dc aio somente em que a coisa inacessível 24
tão aconteça. em que oconvidadodeva sesaiisla,erconi a leiturado menu. Aoapeti e. atiçado
pelos reluzentes nomes e figuras, é servido apenas o elogio do cinzento cotidiano, do qual Numaoutra passagem. agorade um texto mais antigo (de 1907-1908), “O poeta
aquele gostaria de fugii-. Também as obras dc arte não consistiaiti cm exibições sexuais,
e o f’antasiar”, Freud explicitaaindaum traço de seu interesse pelo aspecto psicológico
Representando. cntreianto.a renúncia como algo negati’ o, elas retroagiain ao inesnio tempo
dacriação, que, mesmo nãose referindo imediatamenteàsublimação. masàs Fantasias,
a degradação da pulsão e salvavam o objeto da renúncia enquanto algo mediatizado. Esse é o
aponta parauma posição que, como veremos, será duramente criticada porAdorno em
9. Kriük cl,, Uni’iírhwfi. Frankftir (M) ,Siihrk-amp. 1986. p. 132 H 29).
2(1. Idein, p. 135 (Ii 35). 22. idem, pp. ló 1-162. Sobre a”arneaça de castração”, v. p. 163.
21. Cf. Dialektik de,’ Ais/kkiiiu;ç’. oJi. cii.. p. 181. A prova de que, pelo menos Adorno, estava 23. Em relação à apl ieahi idade da sublimação, Freud az em ‘Moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo
potencialmnente atento a essa proximidade da ‘‘finalidade sem fim’’ kantiana à concepção da obra de arte moderno’’ a seguinte delimitação: “A dominação Ida pulsão sexuailrdl através da sublimação, através do
conin produto da sublimação, encontra—se na Teori,i cstéiira: ‘‘De modnamiáloeo,o motivo kantiano 113(1 desvio das forças propulsoras sexuais em direção a aI vos sexuais para alvos culturais mais elevados, tem
totalmente estranho Li teoria psicanalítica da arte: também para Freud, as obras de arte não são sucesso ntmina minoria e mesmo assim temporari amnente mais di fiei 1 mente na época de vida da tbgosa

mnedi:mtamnentesatisfaçãodedesejosmnLIstrInsn)rmn:,m Iihidoprinlarianlenmeins;mmisf’eimaemdesemnpenhm1 energia juvenil”. Op. eit, p. 23


sncialmnemite pnldmmivo’’. .1thetisc’l,c’ Theo,ie. Framiktimrt (M), Sufirkamnp, 985. p. 23. 24. Selu-síten vir Knnst , ind Literato r, op. ei t., p. 157
328 329

ti’
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.,‘tt’1’.’ ‘i-’....,

• 4%
i’ À
StihIussciçici (iii 7
RotI,igr Dsui rie
artístico Uma outra questão levantada por Adorno no tocante às abordagens
opção possível por obras de menor valor
seus escritos estéticos. Truta-se da de investigar psicanalíticas das obras de arte é a seguinte: se as considera como meros sintomas de
da Vinci e Miguelôngelo) no sentido
(o que, certamente, não é ocaso de no quadros clínicos psicopatológicos, fica implícita a inferência de que um hipotético
(Tagtrüiil;ie) a elas associado, tal corno se externa
o aspecto de “sonhos diurnos” estado de saúde mental perfeita coincidiria com uma situação em que não haveria mais

trecho lugar para a arte, jáque aelaestaria reservado apenas o papel de externação sintomática

criar livremente suas própilas iuatérias/rdl


de psicopatologias. o que para Adorno traduz, no fundo uma espécie de idolatria com

DctenhaiflO-n05 nos últimos Ipoetas que parecem ao niáximfl bem


não exatamente aqueles poetas que são
relação à realidade tal “como elaé” —“co-responsável poressa insensibilidade às artes

e escolhamos para nossa comparação romances, novelas e contos,


dcspretensiosos narradores dc é oculto que a psicanálise fazdo princípiode realidade: aquilo que não o obedece seria

avaliados pela crítica, mas os mais lcitores, stuniiiiuu h000m’’29. A


os mais numerosos e ávidos sempre apenas ‘fuga’; a adaptação à realidade torna—se o

os quais, por isso mesmo. encontram


partir

desse “pacto” com o aatus quo. Adorno constata na psicanálise também a tendência
psíquico
aspecto da investigação do processo a desqualificarosaspectos propriamente substantivos das obrasdearte, considerando-
Isso equivale a dizer que, sob o como exemplo
estéticos, seria preferível tornar
associado ao aparecimento dos objetos
as. de modo genérico, como meros “sonhos diurnos”, para usar os lermos com que o

arte. Do
aceitação popular a uma grande obra de beM se//eis da literatura
urna mercadoria cultural com muita
próprio Fretid justificou sua opção, para Fins de análise, pelos

supramencionada isso seria absurdo, pois, em detrimento das obras mais importantes.
pontode vistadacrítica à indústriacultural
indutoras de um comportamento psíquico Essa abstração do aspecto material das obras, comurnente feita por
como se viu, aquelas mercadorias são obras
status quo, enquanto as verdadeïras psicanalistas, leva Adorno a uma posição claramente provocativa, no sentido de
doentio, no intuito de manutenção do cara aos
felicidade”, para usar a expressão — tão afirmar que, nesse particular, a psicanálise aplicada à compreensão das
artísticas são uma “promessa de
artes se

definiu a beleza2”. Kant,


filósofos frankfurtianOs — com que Stendhal
igualaria à sua antípoda, a estética idealista, especialmente a de por mais que a

de
Adorno submete o conceito freudiano
E de fato, na Teoria estética,
grande novidade da teoria psicanalítica da arte tenha sido exatamente a associação das

do ponto
alegação de que ele seria mais frutífero Crítica /a fhc.u/dade de julgar,
sublimação a uma dura crítica, sob a
obras à libido e a como vimos, postule a ausência de

acusa não
aspecto estético propriamente dito. Ele
de vista psicológico do que sob o
“interesse” no juízo de gosto. Segundo Adorno,

biográficos
que escreveram ensaios psicanalíticos
apenas Freud, mas seus seguidores principalmente em abstrair
que se expressa A con Fiontação de ambos pensadores heterogêneos — Kan t renegou não apenas o ps cologis no
sobre artistas, de um filistinismo um
estética de suas obras em beneficio de Iilosól’ico como também toda a psicologia, à época ciii ascensão é, entretanto, permitida por
totalmente da qualidade etètivamente

preciso — do seu estado psíquico27. Sobre algo em coiiiuiii, que pesa mais do que a diferença entre a construção do sujeito transcendental
diagnóstico mesmo que às vezes bastante

aqui eu icculso a uni sujeito empírico lá. Ambos são, em princípio, sub jetivamente orientados
modo.
isso, manifesta-se Adorno do seguinte entre a abordagem negativa ou positivada hiculdade de apetição. Para ambos, a ohradearteestí
como por de tatu apenas ciii relação àquele que a observa ou a produz.
é, através da suposta analogia com o sonho,
O momento da ficção nas obras de arte no processo de
sohrevaloril-ado. O elemento projetivo
todos positivisla5 desmcsuradaflwnte momento e dincilmente o mais No entanto, apesar de todas as criticas levantadas, o bisighr freudiano de
construto apenas um
produção dos artistas é em relação ao com o qual investigar a conexão das obras à vida pulsional sempre mereceu por pane dc Adorno
próprio, principalmente o próprio produto,
decisivo. Idioma, material têm um peso os estímulos especial atenção, lendo havido mesmo, numa obra mais antiga — Mininia Moia/ia —,
No processo dc produção artística,
os analistas mal podem sonhar. (. ) - -

inirodutem na obia
muitas outras coisas. Eles se uma Ientativade”corrïgir”eampliaroconceitode sublimação, a panirdaconstatação
inconscientes são impulso e material dentre appcrccPIiÜii rests de
Obras de arte não são thetnatic de que o hiato cada vez maior entre as grandes obras e o grande público leva a
de arte mediatizados pela lei formal. (..)
questionarum dos pilares da própriaconcepçãode Freud: a idéiade queas artes sejam,
seus criadores.28
ainda hoje, “desempenhos socialmente desejáveis”. Segundo Adorno.

25. idcm. p. 176. 9$0. p. 59.


26. “La heauté ii’ est que la promesse dii honheur’. De 1 ‘Animei’. Pan Gal 1 mard. 1
.

29. Idem, p. 21
27. Asibetisebe Tiseorie. op. cit., pp. 9.21) 31). Ideni. p. 21
2%. Idem, pp. 20-21.
33 1
330

.t 1 2
-a

Sublimação ou e.tptessflo?

Rodrigo Duarte E aqui temos a proposta adorniana para a complementação da abordagem da


seus apetites. mas que os a
Que eles nem satisfaçam, nem recalquem relação entre a arte e a libido de seus criadores, sem, por outro lado, descurar
II Artistas não sublimam.
desempenhos socialmenle desejáveis 5CUS COnsitUtOs é uma ilusão

qualidade propriamente objetiva da obra. De fato, na realização disso que Adorno


transformem em neuróticos, livremente
Antes, os artistas mostram instintos violentos, chama de expressão diferentemente, corno se viu, da sublimação tal qualidade

psicanalítica.

realidade.1’
tempo, colidentes com a estética fica de antemão resguardada. pois o processo expressivo só ocorre realmente
,ransbordantes e, ao mesmo
pessoas que, não raro. na presença da realização plena de uma linguagem específica, que nas artes plásticas
imagem dos grandes artistas corno
Partindo dessa construtos que se das
com a época em que viveram e que criaram é a das formas edas cores; na música a das alturas, ritmos e timbres; na literatura a
estiveram em conflito espiritual, Adorno propõe que
E
mesmos em virtude de sua dimensão metáforas e imagens etc. Curiosamente, Adorno não voltou a tratar da “expressão”
sustentam por si artísticae a vidapulsional
7 paracaracteriiaraiçã0 entre acriação enquanto possível conceito-ehaveparaapsicanáliseaplicadaàeompreensãodasobras
o termo adequado o filósofo,
não o já consagrado “sublimação”, o qual, segundo de arte, possivelmente por achar que a expressão. se, por um lado, garante a
e
sela ode expreSsflO objetivo da bbra concentrando-
—,

“objetividade” do construto, por si só ainda não seria suficiente para caracterizar o


pelo artista momento
abstrai do construto criado

Adorno, os artistas
aspectos subjetivos de sua psicologia. Deacordocom aspecto propriamente estrutuntl da obra de arte: “expressão absoluta seria objetual. a
se apenas em satisfatório de
à teoria freudiana, porque a ela falta um conceito própria coisa”35. Talvez seja por isso que na Teoria estética—escrita vinte anos depois
“não se adequam do sonho e
toda a consideração no funcionamento da simbólica ele tenha abordado a expressão principalmente como parte de um par dialético cujo
expressão. apesar de
pulsional não censurada, de fato.

concede que umaexcitaÇão contra-póloé aconstrução: “construção inere àexpressão tautologicamente, à qual ela
da neurose”2. O filósofo de alvo para outro objeto,
vista como recalcada quando há um desvio é polanuente contntposta”t’. O detalhamento do processo dialético entre construção
não pode ser recalqueeasatisfação
realmenteum Process° psíquico intermediárioentreo e expressão, o qual, para Adorno, é constitutivo da obra de arte, fugiria aos objetivos
existindo
desleartigo. queselimitam apretendermosintrem que medida oeonceitodeexpressão
da pulsão
pode se constituir numa interessante alternativa para a abordagem psicanalítica dos
Mas expressão não é alucinação. fenômenos estéticos.
entre satisfliçüo e expressão intacta.
mi na direção da diferença podendo contorná-lo. Nunca.
pelo princípio de realidade,

ii Ela é aparência, mensurada a realidade por algo


pelosintonia, substituir em devaneios
entretanto, tentada por ela, como que não a iguala mas
a realidade à medida que mosira nela aquilo sintoma.U 5. Conclusão
subjetivo. A expressão nega qual resulta cego no
vê o conflito nos olhos, o
não a recusa. A expressão
recalque o fato de, em ambos. À guisadeconclusão, poderíamosenfatizarexatameate a lëcundidade da noção
Adorno, a expressão tem em comum com o
Para um tipo de expressão, à medida que nela, como se viu, a pulsão não simplesmente se desviado
bloqueada pela realidade, havendo, no entanto, na expressão,
a excitação ser construto cuja aparência alvo sexual, transferindo sua energia para uni desempenho não-sexual e “socialmente
conflito, a qual se cristaliza num
de externaÇão imagética do l de sublimação desejável”, mas é canalizada para a extemação de um conllito que, no fundo, é o do
objetivo que no conceito convenciona

resguarda um caráter
sensível
seqüência, afirma o filósofo: sujeitocom a totalidade social que o abriga—através de uni objeto com características
não é levado em conta. Na de atratividade sensível mediatizadas por um apelo inegavelmente espiritual.
falsificado de si mesma
chega a uni apareciiiientO não Poder-se-iadizerque existem pelo menosdois bons motivos para, ao menos sob

jI Enquanto expressão ela la excitação/rd


e, com isso, da resistência
imagem —preço da
em imitação sensível. Ela
sobrevivênci
do alvo como do próprio
a resiste a ela sem

é tão

“trabalho” censórico_subjetivo,
Forte que a modificação em
mutilar-lhe
mera
o caminho para lora. Em vct
ela põe o ohjetio: sua revelação
heni_sucedidado sujeito —poder-se-
o ponto de vista da filosofia da arte, privilegiaro conceito de expressão em detrimento
da noção [reudiana de sublimação. O primeiro é que. de fato, deve se dar rai.ão, pelo
menos em parte, a Adorno, quando ele lembra que a melhor arte que se faz hoje não
sublimação: cadaexpressãO
polêmica. Isso adiirenciada própria psicologia.31 é socialmente aprovada. Existem verdadeiros escândalos na arte contemporânea,
sobre o jogo de forças de sua
ia dizer é uma pequena vilória

como o fato deque a música escrita por Schi.inberg de qualidade indiscutível nos

284. primeiros anos do século XX até hoje, ao final do século, não foi assimilada, sendo
Fr;,nkCu CM). Suhrkamp. 987, p.
nus dein I,L.veIiiIft’te;l ü’ben. arte hoje: ainda considerada “excêntrica” e “difícil” por pessoas de insuspeita cultura geral.
3i. AI juinw Moralia R47eioiie’ social mente desejável’ da
questiona o caráter dc atividade
Tambéni na Teoria estética Adorno num respeito acrítico por sua
validade, inquestionadamiiemlte
permanece.
“certamente o valor social da arte
pressuposto”. Ás;hdüvche Theorie. op. cii.. p. 23.
285. 35. Ãsilmetische Theorie. op. cit. p. 73.
32. Mininia Mondtct. op. cit.. p. 36. Idein, p. 1 54.
33. Ibidem.
34. Idem, pp. 285-286. 333

332
Rodrigo lInHOL’
Siibliniação ou «v/u-ess7o?
IL
rados em todas as artes, sendo na Referências
Outros exemplos semelhantes poderiam ser encont
linguagem apenas mais evidentes.
música pelas características de sua própria

ao primeiro, diz respeito ao f’ato de 1. ADoiuio, T. W. (1985). Asiheiische Theorie. Frankfurt EM), Suhrkarnp.

O segundo motivo. que no fundo é conexo 2. —(1987) Mínima Moi alia. ReiIe,rionen nus Sem beschüdigteu Lebemi. Frankt’urt (M): Suhrkamp.
ão entre obra de arte e produto da
a expressão sustentar melhor a essencial distinç 3. DUARit, R. (1993). Miiiresis e racionalidade. A concepção (‘e domínio da natureza em Theodor 1V
aspecto especificamente estético das
indústria cultural; já que a sublimação abstrai o Adorno. São Paulo: Loyoia.
certos elementos do construto com a 4. (1995). Seis nomes uni só Adorno. In NOVAES, Adauto. Artepensconemigo. São Paulo:
obras para se concentrar apenas na relação de

arte ou mercadoria cultural, posição Companhia das Letras.


libido do artista, tanto faz se esse construlo é 5. FRcuo, 5. (1986). Das Unbehagen in der Kultur. In Kzilr,,rtl,eo,-eti,çcl,e Schriftcn. Prank-furt EM):
vimos acima. Do ponto de vista da
confirmada pelas palavras do próprio Freud, como Fischcr Veriag.
que tratar indistintamente os objetos
filosofia da arte não existe absurdo maior do 6. — (1986). Die “kulturclle” sexualmorai und die moderne Nervositifi. ln Kuln,rglieomcijçche
estéticos, pois como mostraram os autores da
Dialética do esclareemiento, enquanto Schiifmemn. Frankfurt EM): Fischer Verlag.
ção necessária para a manutenção do 7.—. (1987). Eine Kindheitserinnerung des Leonardo da Vinci. In Schriflen zurKunsr unS Literata,’.
a mercadoria cultural apenas reforça a resigna Frankrurt EM): Fischer Veriag.
enquanto portadora de uma “promesse
mundo tal como ele é, a obra de arte autêntica, 8. Der Moses von Michelangelo. In Schrifien cor Kzuzsr :,sid Litercua,. Frankíurt (SI): Fischer
estado de coisas, sem resigná-los à sua

du bonheur”, esclarece seus criadores sobre o Vcrlag.


idadedoscontempladores no sentidode
aceitação passiva,educandotambém asensibil 9. IIORKHEIM[R, M. & Adorno. T. W. (1981). Dialektik derAuJkkirnnç. Frankfurt (M): Suhrkamp,
explicitação do conceito de expressão. lO. KANT, 1. Kridk der Undllskraf,. Frankfurt EM): Suhrkamp. 1986.
sua maturidade psíquica. Interessantemente. a
Mora/ia, corroborou totalmente essa II. STuun,(i980) Del’Ao,our Paris: Galtimard.
tal como ocorre na passagem citada de Mitunia
a nas obras anteriores e
característica da obra de arte verdadeira, tal como sugerid
El
plenamente desenvolvida na Teoria eswtica
Rodritw Duarte
Faculdade de Filosofia e Ciëncjas Humanas
Caixa Postal 253
.Çu,,znsary 31270-901. Belo Horizonte, MC
Sub limar/ou ar Expression? E-mali: Roduarte@ lafichuímç.r
rom T. W. Adorno
A debate concertring psychoat?alvvi.v and ar!, depuringf
of cultural critique.
This article approaches subliination primarily as a notion
concepi. Particular attention
rather than taking it in its usual significance as a clinical © Revista Brasileira de Psicanálise
ogic symptoms through Lhe
is given to lhe possibility of recognizing psychopathol
ii points Lhe way in which
analysis o1 some traces ai’ works of ari. On Lhe other hand
rennieni utilize Lhe concept of
Adorno and Horkheimer in Lhe Düdecrir of Enligh
ndiseproduced byculiural
sublimation in orderlodistinguish worksof art Irom mercha
t of sublimation concerning
induslry. The last part addresses the limits of’ Lhe concep
of art into account. Following
specially its incapacity totake Lhe objectivity oíworks
tyof Ibeconcepi oí”expression”
Adorno’s indication inMbiüua Mora/ia lhe superiori
objecti ve aspect of works of art
is advocated. for lis capability o!’ considering lhe

neglccled by lhe rival concept of sublimation.

335
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