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Resenha
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Paulon, S. M. (2013). À saúde de uma psicologia cada vez mais pública.
fazendo-o soar, tilintante, ao modo do polígono... O capítulo quarto – “Psicologia no SUS: dos
ou de multígono-multívoco. Entre a teoria e a impasses e das possibilidades” - retoma o campo da
prática, ou entre a teoria e a política, mantém-se reforma sanitária como foco de análise, fazendo um
na defesa intransigente da univocidade dos modos paralelo crítico com o movimento reformista análogo
de ser, reconhecendo que não se hierarquizam e
no campo da saúde mental - a reforma psiquiátrica – a
que só vale ligar esses pólos para potencializá-los
reciprocamente. (p.12) partir da trajetória de participação dos psicólogos na
rede de saúde mental de Belo Horizonte. Considerado
Para desenvolver essa argumentação, a obra porta de entrada da psicologia na saúde pública, o
compõe-se de sete capítulos afora o prefácio assinado trabalho na saúde mental contribuiu muito com o que
por Heliana Conde Rodrigues e as considerações o artigo define por “desconstrução identitária ainda
iniciais e finais do autor. em curso no âmbito da atuação e formação” (p.108) da
psicologia. No desenvolvimento dessa argumentação,
O capítulo de abertura enfatiza o vértice formação o autor discrimina 3 momentos distintos de vivência
do triângulo ofertando uma análise abrangente do da reforma psiquiátrica, a saber: (a) de implantação
tema-foco do livro, a partir de uma leitura crítica dos (anos 80), (b) antimanicomial (anos 90) e (c) apoio
efeitos que as novas demandas do mercado de trabalho matricial (séc. XXI). O recente incentivo à implantação
têm apresentado aos diferentes modelos formativos dos NASF é apontado, ainda nesse estudo do estado
presentes nos cursos de graduação. A retomada mineiro, como uma nova alavanca às mudanças nas
histórica do processo de democratização do país faz formas de inserção e atuação dos psicólogos nas
a necessária contextualização para que a conjunção políticas de saúde.
entre política econômica e política de subjetivação
O tema da “Formação Profissional para a
seja devidamente compreendida como marca do
Atuação em Saúde Pública”, capítulo em coautoria
capitalismo contemporâneo da qual a entrada da
com Luciana Kind, dá continuidade às abordagens
psicologia nas políticas públicas é apenas mais uma
atuais sobre a formação em saúde detendo-se,
decorrência. As modificações curriculares que vão mais especificamente, no denominado “indesejável
acompanhar tal conjuntura são abordadas ainda neste divórcio” historicamente existente em nossa
capítulo das “Novas questões para a Formação” do realidade entre as Instituições de Ensino Superior e as
psicólogo e que, de saída, anuncia tratar-se de uma demandas concretas que o SUS exige. Um estudo dos
categoria profissional que conta, hoje, não por acaso, documentos e primeiras experiências do Programa
com 17 unidades coordenadas nacionalmente pelo Nacional de Reorientação da Formação Profissional
sistema Conselhos de Centros de Referência técnica em Saúde - Pró-Saúde - permitem tomá-lo como
em Psicologia e Políticas Públicas. analisador privilegiado das relações IES-serviços,
Esse debate segue aprofundando uma indicando a possibilidade de que interessantes
questão mais conceitual no capítulo dois, rearranjos nos processos de trabalho possam surgir
intitulado “Subjetividade e Território: para além da tanto na academia quanto nos serviços.
interioridade”. O triângulo sofre pequena inflexão O sexto capítulo ocupa-se da “Clínica
para fazer ressoar em tons levemente intensificados Transversalizada em Saúde Mental”, problematizando
esta categoria fundante da ciência psicológica o conceito de Clínica e as mudanças nas práticas
calcada na noção de subjetividade. A perspectiva clínicas operadas no campo da saúde pública a partir
de ampliar a compreensão de uma subjetividade de um estudo realizado com seis psicólogos do
interiorizada – marca do liberalismo econômico Programa de Saúde Mental de um Distrito Sanitário
traduzido em conceito-ferramenta – para uma de Belo Horizonte. A pesquisa qualitativa descreve
geografia da subjetivação, entendida a partir das os dilemas que os profissionais vivenciam a partir do
experiências concretas de vida no território que a encontro das políticas públicas com os serviços locais,
inserção nas políticas públicas permite é o mote da fazendo-os lidar com o “entrecruzamento de elementos
problematização trazida nesse capítulo. heterogêneos, menos como um atravessamento
dificultador da clínica a ser evitado (conforme o
Na sequência, “Artes da Existência: Foucault,
modelo clássico) e mais como fator potencializador
Práticas Clínicas e Práticas Sociais” faz o que o autor
de um tratamento que pensa o paciente como sujeito e
define como sua única análise mais rigorosamente
como cidadão” (p.182).
conceitual, na medida em que nele se ocupa, diferente
dos demais capítulos, de explorar o conceito de Finalmente, o capítulo de encerramento da
“artes da existência” na obra do filósofo eleito como coletânea apresenta-se como interface do anterior na
interlocutor privilegiado. medida em que, ao discorrer sobre uma “Intervenção
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Psicossocial em Saúde”, retoma, em verdade, toda Brindemos, então, à saúde do que esses 50 anos
problematização do livro. Curiosamente, a intervenção de regulamentação da profissão puderam instituir.
psicossocial em questão narra uma experiência Mas brindemos, principalmente, a este movimento
ocorrida 20 anos antes. Seu caráter intersetorial, instituinte que os textos de Ferreira Neto deixam claro
o referencial socioanalítico que a embasou e as estar constituindo um novo e bem vindo psicólogo
reflexões acerca da formação-atuação-teorização que alinhado, não sem tempo, às demandas concretas que
a intervenção à época permitiu fizeram com que a a vida na polis lhe apresenta.
escolha por integrá-la ao projeto desse livro soasse
muito harmoniosa. De forma não menos curiosa, a Recebido em: 04/09/2012
prefaciadora elege este como seu capítulo preferido Revisões requeridas 12/10/2012
e pinça, entre tantas, as noções de saudade e amizade Aceite em: 05/11/2012
para alçá-las ao status de dispositivos de análise...
Pudera que o faça ao abrir uma leitura-dobradura
que, ousaria dizer, oferece certo “balanço” do processo Simone Mainieri Paulon é docente e pesquisadora no PPG
de Psicologia Social e Institucional e no PPG de Saúde
de institucionalização da profissão Psicologia no Brasil, Coletiva da UFRGS. Endereço: Rua Ramiro Barcelos 2600,
com todos os ônus e bônus que qualquer processo de sala 212. Porto Alegre/RS, Brasil. CEP 90035 – 003.
institucionalização inevitavelmente carrega. Permite, Email: simone.paulon@ufrgs.br
dessa maneira, análise análoga, ao que a própria obra
aqui sintetizada faz, à p. 30, comentando o processo
de regulamentação do SUS em nosso país:
O próprio aparato jurídico de regulamentação, uma
vez institucionalizado, torna-se instrumento para
fortalecer novas lutas sociais e políticas instituintes,
pois pode e muitas vezes é utilizado por grupos e Como citar:
movimentos na luta pelo avanço ou consolidação de Paulon, S. M. (2013). À saúde de uma psicologia cada
direitos, mantendo assim a correlação entre instituinte vez mais pública. Psicologia & Sociedade, 25(3), 731-
e instituído. 733.
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