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A
dora conversar. Percebe-se pelo modo como deixa fluir o tempo e
permite o imenso passeio das palavras por entre os espaços de um
conjunto de memórias bem vivas. Formado na Universidade Técnica de
Lisboa, tem muita pena de não ter frequentado a Faculdade de
Arquitetura do Porto. Pelo ambiente. Pelo conceito de escola. Pela formação dada.
Hoje é recebido na Europa como só o serão Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura.
Ainda assim, assume uma extrema simplicidade no modo como desnuda o
verdadeiro entusiasmo da sua vida: a arquitetura. Quando a crise apertou, decidiu
que todos os arquitetos a trabalhar a recibo verde no seu ateliê passariam a ter
contrato a termo indefinido. Era uma forma de se amarrarem e juntos tentarem
enfrentar a tormenta. Foi difícil, e salvou-os, in extremis, o projeto para o Museu
em Lausana e uma obra em Paris. Acreditou e revela-se um homem de fé. Define-se
como um mau católico que gostava de ser melhor católico e não conseguiria
entender se não fosse como católico. É um dos grandes arquitetos da atualidade e
acaba de vencer o Prémio Pessoa.
Porquê?
O meu avô Alberto é uma referência. Era muito reto. Era um homem medieval. Vivia
no Alentejo e não tinha eletricidade. Deslocava-se a cavalo. Criava touros de raça de
uma forma obsessiva, com uma ideia da perfeição e de linhagem. Uma vez teve um
acidente de automóvel e partiu a espinha. Os médicos disseram-lhe que podia
morrer. No dia seguinte mandou aparelhar o cavalo e saiu para o campo. Insistiam
que podia morrer, e ele respondeu: “Pode ser que sim.” Tínhamos todos uma
admiração enorme por ele. O meu outro avô morreu muito mais novo.
Exerceu arquitetura?
Sim, mas houve o chamamento. A necessidade de ir para a agricultura. Felizmente,
esta geração está livre, porque a minha irmã já tratou desse assunto. O meu irmão e
eu estamos livres dessa espada. A morte do meu avô muda a minha vida. Tinha 15
anos e nesse dia acho que perdi a infância.
Foi expropriado?
Sim, estamos a falar de 1974, em Grândola. O monte foi nacionalizado. Foi também
um tempo muito rico em alguns sentidos. Havia este lado, com metade da família
presa, gente muito ligada ao regime. E um lado, perto dos meus pais, de gente com
outra cabeça. Democratas, ligados ao mundo artístico. Foi um tempo muito curioso.
A minha mãe era das Belas-Artes. Os nossos amigos eram do meio artístico. Todos
nós celebrámos o 25 de Abril. Foi um período muito estimulante. Aderi a todos os
movimentos de extrema-esquerda a que era possível aderir. Era normal num miúdo
de 12 anos.
Vocês têm uma abordagem diferente da cidade da de Gonçalo Byrne ou até mesmo
da de Carrilho da Graça?
Vamos ver, todos os lugares estão construídos. Não há lugares não construídos. O
que acontece é que quando pensamos na cidade, e há em todos nós uma abordagem
parecida, tentamos a compreensão da cidade como uma cidade europeia, com
história, com muitos traços sobrepostos. Todos temos a ideia de que é necessária
uma análise cuidada dos valores em presença. É a preservação e a elevação dos
valores e a substituição dos não valores pela possibilidade de novos valores. Isto é
igual para uma grande parte da boa arquitetura portuguesa. A maneira como
concluímos é que talvez possa ser diferente. De alguma maneira, até é isto que
define a boa arquitetura portuguesa. Esta capacidade de olhar, perceber as
possibilidades de transformação, manter valores que possam estar em presença,
sublinhar outros e transformar ainda outros, sempre com a ideia de respeito pela
preexistência. Não acho que exista grande diferença nessa raiz. A forma de fazer é
talvez diferente, mas isso é outro assunto.
O Manuel e o Francisco são arquitetos e dão aulas em Mendrisio, hoje uma das
mais importantes escolas de arquitetura do mundo. Fazem uma arquitetura muito
fotogénica — logo com grande importância da imagética — e muito apelativa
para os alunos. Estão a criar um estilo, uma escola Aires Mateus?
Espero que não. Um dos maiores medos que temos é a ideia de que podemos passar
a ser reconhecidos por uma forma de fazer. Acho isso o fim de um arquiteto. Uma
vez, estava num jantar, com muita gente, e estava lá o Richard Meyer. Era a figura
central. E dizia: “Eu hoje sou tão caro que um projeto meu tem de ser reconhecido
como sendo meu.” Achei aquilo o maior terror que pode acontecer a um arquiteto. O
nosso trabalho enquanto arquitetos é descobrir o que é único em cada projeto. O que
o diferencia do projeto seguinte, do anterior.
É evidente que há hoje muitos jovens arquitetos a tentarem pegar no estilo Aires
Mateus. Está a criar-se um certo academismo à vossa volta?
Estamos preocupados em não sermos académicos. Que os outros sejam académicos
com o nosso trabalho, está ótimo. Adoramos. Não queremos ser académicos em
relação a nós próprios nem em relação a nada. Agora, que nos copiem, estejam à
vontade. Copiar não incomoda nada. Toda a informação existente no ateliê é um
livro aberto. Qualquer pessoa pode requerer o que quiser. Temos o maior gosto de
que nos copiem. Queremos produzir coisas que as pessoas podem copiar até à
exaustão.
Gostava que comentasse a ata do júri quando diz que faz “uma arquitetura
moderna, abstrata e contemporânea, mas parte de uma recolha de formas e
materiais vernaculares portugueses, que integra de modo exemplar...
É uma ata generosa. Tem a ver com a arquitetura portuguesa, em que há uma
continuidade. A rutura não tem de se dar para se estabelecer um novo patamar de
diálogo. Aliás, o que é interessante na arquitetura é que ela tem de descobrir a sua
verdade em cada momento e não pode haver uma espécie de receita. Gosto da ideia
de que praticamos uma arquitetura local, porque somos arquitetos locais.
Trabalhamos fundamentalmente aqui, com coisas daqui.
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