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Cálculo no Espaço Euclidiano

Nilton Moura Barroso Neto


Universidade de Brası́lia, Departamento de Matemática
70910-900, Brası́lia - DF, Brasil
e-mail: barroso@mat.unb.br

6 de março de 2017
ii
Sumário

1 O Espaço Euclidiano 1
1.1 Definições Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 As Cônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.3 As Quádricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2 Funções e Limites 35
2.1 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.2 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.3 Funções Contı́nuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

3 Diferenciação 49
3.1 Derivadas Parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
3.2 A Diferencial de uma Função . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.3 O Cálculo da Diferencial de uma Função . . . . . . . . . . . . . . 57
3.4 Funções Implı́citas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3.5 Máximos e Mı́nimos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados . . . . . . 66

4 Integração 83
4.1 Integração em Retângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
4.2 Integração em Domı́nios Arbitrários . . . . . . . . . . . . . . . . 90
4.3 Teorema da Mudança de Variáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
4.4 Mudanças de Variáveis Clássicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
4.5 Aplicações da Integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

5 Integrais de Linha 121


5.1 Curvas Parametrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
5.2 Integrais de Linha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
5.3 Campos de Vetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
5.4 Campos Conservativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

iii
6 Integrais de Superfı́cie 149
6.1 Superfı́cies Parametrizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
6.2 Variedades Diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
6.3 Integrais de Superfı́cie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
6.4 Variedades com Bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
6.5 O Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
6.6 O Teorema da Divergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174

7 O Teorema Fundamental do Cálculo 185


7.1 Formas Diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
7.2 O Pull-Back . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
7.3 O Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198

Appendices 203

A Coordenadas Polares 205

B Álgebra Linear 211

C Derivação sob o Sinal de Integral 217

iv
1

O Espaço Euclidiano

“Não apenas pratique a sua a arte, mas esforce-


se para descobrir os seus segredos, pois ela e o
conhecimento podem elevar o homem ao divino.”

Ludwig V. Beethoven.

1
1.1 Definições Preliminares 2

1.1 Definições Preliminares


Dado n ∈ N, o conjunto Rn = {(x1 , x2 , . . . , xn ) : xi ∈ R, i = 1, . . . n} é
chamado de espaço euclidiano de dimensão n. Particularmente R1 = R, R2
e R3 serão chamados de reta, plano e espaço, respectivamente. Por definição
R0 = {0}.
Se x = (x1 , . . . , xn ), os números reais x1 , . . . , xn são chamados de coorde-
nadas cartesianas do elemento x. O elemento que tem todas as coordenadas
iguais a zero será chamado de origem e representado pela letra O. Dados
x ∈ Rn , y ∈ Rn e α ∈ R, definimos duas operações, chamadas de soma e
produto por escalar, definidas respectivamente por

(x1 , . . . , xn ) + (y1 , . . . , yn ) = (x1 + y1 , . . . , xn + yn );


α(x1 , . . . , xn ) = (αx1 , . . . , αxn ).

Munido com essas duas operações o conjunto Rn é um espaço vetorial de


dimensão n (veja os exercı́cios deste capı́tulo). Por esse motivo, seus elementos
são chamados de vetores. Os vetores de R, R2 e R3 podem ser interpretados
geometricamente como pontos em uma reta, em um plano e no espaço, nesta
ordem. Também podemos pensá-los como segmentos orientados partindo da
origem (veja a figura 1.1).

(a) R (b) R2 (c) R3

Figura 1.1

A partir dessas ideias podemos interpretar geometricamente as operações de


soma e produto por um escalar. Por exemplo, se x = (x1 , x2 ) e y = (y1 , y2 )
considere os segmentos de reta orientados partindo da origem O até os pontos
x e y, denotados por Ox e Oy, respectivamente. Considere a linha r passando
por x e x + y = (x1 + y1 , x2 + y2 ). A inclinação dessa linha é dada por

(x2 + y2 ) − x2 y2
= ,
(x1 + y1 ) − x1 y1

que é igual a inclinação do segmento Oy. Analogamente, se s é a linha passando


3 1. O Espaço Euclidiano

por y e x + y, então à inclinação de s é

(x2 + y2 ) − y2 x2
= ,
(x1 + y1 ) − y1 x1

ou seja, coincide com a inclinação de Ox. Isto significa que x + y está no


paralelogramo de lados Ox e Oy. Se denotamos z = x + y, então o segmento
Oz é a diagonal desse paralelogramo. O mesmo resultado vale para vetores de
R3 ; neste caso, tudo se passa no plano que contém os segmentos Ox e Oy.

Figura 1.2. Regra do paralelogramo.

Dado x = (x1 , x2 , x3 ), se denotamos y = αx, o segmento Oy é obtido


contraindo-se (|α| < 1) ou expandindo-se (|α| > 1) o segmento Ox. Observe
ainda que se α = 1 então Ox = Oy e se α < 0 então o segmento Oy tem sentido
oposto a de Ox.
Definimos a diferença de dois vetores x ∈ Rn e y ∈ Rn como o vetor
denotado por x − y e definido por

(x − y) + y = x.

Observe que
x − y = (x − y) + O
= (x − y) + 0y
= (x − y) + (1 − 1)y
= (x − y) + 1y + (−1)y
= ((x − y) + y) + (−1)y
= x + (−1)y
= (x1 , . . . , xn ) + (−y1 , . . . , −yn )
= (x1 − y1 , . . . , xn − yn ).
1.1 Definições Preliminares 4

Definimos ainda

−y = O − y = (0 − y1 , . . . , 0 − yn ) = (−y1 . . . , −yn ) = (−1)y.

Podemos interpretar geometricamente a diferença a partir da soma. De fato,


se v é o segmento orientado de origem y chegando até x, seja v 0 o segmento
obtido pelo transporte paralelo de v até a origem. Como v e v 0 têm o mesmo
comprimento e são paralelos, o quadrilátero de vértices O, x, y, e o ponto final
de v 0 é um paralelogramo. Isso significa que v + y = x, ou seja, por definição
v 0 = x − y. Veja a figura 1.3.

Figura 1.3

A norma do vetor x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn é definida como


q
|x| = x21 + x22 + · · · + x2n

Observe que o número |x| é não-negativo. Como o leitor poderá verificar facil-
mente, quando n = 3 a norma representa, geometricamente, o comprimento do
−→
segmento Ox.
Dados os vetores x ∈ Rn e y ∈ Rn o produto escalar de x e y é definido
como o número
hx, yi = x1 y1 + · · · + xn yn .
Não é difı́cil verificar que a norma e o produto interno fruem das seguintes
propriedades:
(i) |x| = 0 se, e somente se, x = O;
(ii) |x + y| 6 |x| + |y|;
(iii) |x − y| > |x| − |y|;

(iv) |x| − |y| 6 |x − y|;
(v) |αx| = |α||x|;
(vi) hx, yi = hy, xi;
5 1. O Espaço Euclidiano

(vii) hαx + y, zi = αhx, zi + hy, zi;

(viii) hx, αy + zi = αhx, yi + hx, zi;

(ix) |x|2 = hx, xi;

(x) |hx, yi| ≤ |x||y|.

As propriedades (ii) e (x) são conhecidas como desigualdade triangular e


desigualdade de Cauchy-Schwarz, respectivamente. Vamos demonstrá-las e dei-
xamos as restantes para o leitor; começamos com a propriedade (x). Primei-
ramente, note que se y = αx para algum número real α ∈ R, então temos
que
|hx, yi| = |hx, αxi|
= |α||hx, xi|
= |α||x|2
= |x||αx|
= |x||y|.
Agora assuma que não existe um número real α tal que y = αx. Neste caso
y − αx 6= 0, logo
0 < |y − αx|2
= hy − αx, y − αxi
= |x|2 α2 − 2hx, yiα + |y|2 .
Isto significa que a equação do segundo grau acima não possui raı́zes reais, ou
seja,
∆ = 4(hx, yi)2 − 4|x|2 |y|2 < 0,
de onde obtemos
|hx, yi| < |x||y|.
A equação (ii) pode ser demonstrada a partir da equação (viii).

|x + y|2 = hx + y, x + yi
= |x|2 + |y|2 + 2hx, yi
≤ |x|2 + |y|2 + 2|x||y|
= (|x| + |y|)2 ,

de onde vem que


|x + y| ≤ |x| + |y|.
Essa inequação é chamada de desigualdade triangular. No espaço, ela nos diz
que o comprimento de um lado de um triângulo é menor que a soma dos com-
primentos dos dois lados restantes.
Dizemos que dois vetores x ∈ Rn e y ∈ Rn são ortogonais se hx, yi = 0. O
próximo resultado justifica essa definição.
1.1 Definições Preliminares 6

1.1 Proposição. Sejam x ∈ R3 , y ∈ R3 e θ ∈ [0, π] a medida do ângulo, em


radianos, de lados Ox e Oy. Então

hx, yi = |x||y| cos θ

Demonstração. Se θ = 0 e θ = π a fórmula pode ser verificada facilmente.


Suponha que θ ∈ (0, π). Neste caso, os segmentos Ox, Oy e O(x − y) formam
um triângulo e pela lei dos cossenos (figura 1.4) temos que

|x|2 + |y|2 − 2|x||y| cos(θ) = |x − y|2


= hx − y, x − yi
= |x|2 + |y|2 − 2hx, yi,

Figura 1.4

Note que quando θ = π/2, isto e, quando os vetores são perpendiculares,


temos hx, yi = 0. Além disso, hx, yi > 0, se θ < π2 e hx, yi < 0, se θ > π2 (veja
figura 1.5).

(a) hx, yi < 0 (b) hx, yi = 0 (c) hx, yi > 0

Figura 1.5

Dizemos que o vetor x ∈ Rn é unitário se |x| = 1. Os vetores unitários


e1 = (1, 0, 0), e2 = (0, 1, 0) e e3 = (0, 0, 1) são chamados de vetores canônicos
de R3 . Observe que podemos obter as componentes de um vetor calculando o
seu produto escalar com os vetores da base canônica. De fato,

hx, e1 i = 1.x1 + 0.x2 + 0.x3 = x1 .


7 1. O Espaço Euclidiano

Analogamente hx, e2 i = x2 e hx, e3 i = x3 . Observe ainda que dado um elemento


x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn temos

x = x1 (1, 0, . . . , 0) + x2 (0, 1, . . . , 0) + · · · + xn (0, 0, . . . . , 1)


= x1 e1 + x2 e2 + · · · + xn en ,
isto é, todo vetor de Rn pode ser escrito como uma combinação linear dos
vetores da base canônica; neste caso as coordenadas do vetor são os respectivos
coeficientes da combinação linear.
Sejam x ∈ R3 e y ∈ R3 dois vetores no espaço. O produto vetorial de x e
y é definido como o único vetor x × y tal que para todo z ∈ R3 vale
 
x1 x2 x3
hx × y, zi = det(x, y, z) = det  y1 y2 y3  .
z1 z2 z3

N.B. A existência do vetor x×y é garantida pelo teorema de Riez (apêndice B).

Da definição acima são imediatas as seguintes propriedades do produto ve-


torial:
(i) x × x = 0;
(ii) x × y = −y × x;
(iii) hx × y, xi = hx × y, yi = 0;
(iv) (αx + y) × z = α(x × z) + y × z;
(v) x × (αy + z) = α(x × y) + x × z;
As componentes do produto vetorial são
 
x1 x2 x3
hx × y, e1 i = det(x, y, z) = det  y1 y2 y3  = x2 y3 − x3 y2 ,
1 0 0
 
x1 x2 x3
hx × y, e2 i = det(x, y, z) = det  y1 y2 y3  = x3 y1 − x1 y3 ,
0 1 0
 
x1 x2 x3
hx × y, e1 i = det(x, y, z) = det  y1 y2 y3  = x1 y2 − x2 y1 ,
0 0 1
ou seja,
x × y = (x2 y3 − x3 y2 , x3 y1 − x1 y3 , x1 y2 − x2 y1 ).
1.2 Proposição. Sejam x ∈ R3 e y ∈ R3 dois vetores e θ ∈ [0, π] a medida,
em radianos, do ângulo de lados Ox e Oy. Então

|x × y| = |x||y| sen θ.
1.1 Definições Preliminares 8

Demonstração. Observe que

|x|2 |y|2 sen2 θ = |x|2 |y|2 [1 − cos2 θ]


= |x|2 |y|2 − |x|2 |y|2 cos2 θ
= (x21 + x22 + x23 )(y12 + y22 + y32 ) − (hx, yi)2
= (x21 + x22 + x23 )(y12 + y22 + y32 ) − (x1 y1 + x2 y2 + x3 y3 )2 .

Agora basta calcular o lado esquerdo da equação para verificar o resultado.

Pela proposição acima, podemos interpretar geometricamente a norma do


produto vetorial x ×y como a área do paralelogramo de lados Ox e Oy. Observe
ainda que x×y é ortogonal ao plano que contém este paralelogramo, pois hx, x×
yi = hy, x × yi = 0. Para determinar a direção do segmento orientado de O até
x × y podemos utilizar a regra da mão direita: mantendo o dedo indicador
na direção de x e o dedo médio na direção de y, o vetor x × y tem a direção
do seu polegar (veja figura 1.6). Essa regra vale apenas para a mão direita, por
isso pedimos aos canhotos cuidado especial na sua aplicação!

Figura 1.6

O próximo resultado dá uma interpretação geométrica do determinante.


Aproveitamos a oportunidade para informar que as definições precisas de área
e volume de uma região serão estabelecidas no capı́tulo sobre integração.
1.3 Proposição. Sejam x, y e z vetores de R3 e P o paralelepı́pedo de lados
Ox, Oy e Oz. Então
volume (P ) = |det(x, y, z)|.
Demonstração. Se θ é a medida do ângulo de lados O(x × y) e Oz, então
temos que a altura do paralelepı́pedo é dada por |z||cos θ| (veja a figura 1.7).
Assim,

|det(x, y, z)| = |hx × y, zi| = |x × y| |z||cos θ| = volume (P ).


| {z } | {z }
área da base altura
9 1. O Espaço Euclidiano

Figura 1.7

Vejamos agora algumas aplicações dos produtos escalar e vetorial.

Exemplo. A reta ou linha que passa pelo ponto a ∈ Rn na direção do seg-


mento Ov (figura 1.8) é definida como o conjunto

r = {a + tv ∈ Rn : t ∈ R}.

Figura 1.8

Podemos usar a noção de produto escalar para calcular a distância de uma


reta até um ponto fora dessa reta. Para isso, definimos a projeção escalar de
um vetor x ∈ Rn sobre um vetor não nulo y ∈ Rn como
hx, yi
py (x) = p .
hy, yi
1.1 Definições Preliminares 10

Agora, seja x = (x1 , x2 ) um ponto que não pertence à reta r. Geome-


tricamente, a distância desse ponto até a reta é o comprimento do segmento
de perpendicular baixado sobre r a partir de x (figura 1.9-A). Se denotamos
a distância por d, então, usando o teorema de Pitágoras, obtemos a seguinte
relação algébrica
|x − a|2 = [pv (x − a)]2 + d2 ,
de onde concluı́mos que
s
[v1 (x1 − a1 ) + v2 (x2 − a2 )]2
d= (x1 − a1 )2 + (x2 − a2 )2 − .
v12 + v22

O leitor diligente talvez reconheça a fórmula acima como aquela que aprendeu
no colégio no curso de geometria analı́tica.

Exemplo. O plano passando pelo ponto a ∈ Rn com normal η ∈ Rn é definido


como o conjunto
P = {x ∈ Rn : hx − a, ηi = 0},
isto é, o conjunto dos pontos de Rn tais que o vetor x − a é ortogonal ao vetor
η (veja a figura 1.9-B). Escrevendo a relação acima explicitamente obtemos a
equação
η1 (x1 − a1 ) + · · · + ηn (xn − an ) = 0,
ou ainda
η1 x1 + η2 x2 + · · · + ηn xn = d,
em que d = η1 a1 + η2 a2 + · · · + ηn an = hη, ai. Assim, por exemplo, x3 = 0
representa, em R3 , o plano horizontal x1 x2 , pois essa equação pode ser escrita
como 0(x1 − 0) + 0(x2 − 0) + 1(x3 − 0) = 0, ou seja, é a equação do plano que
passa pela origem e que tem normal dada por n = (0, 0, 1).
Por outro lado , dado o plano x1 − 2x2 + x3 = 5, se fazemos x1 = x2 = 0
obtemos x3 = 5, de onde concluı́mos que o plano dado passa pelo ponto (0, 0, 5)
e tem normal (1, −2, 1).
A distância entre um plano e uma reta pode ser calculada usando o produto
escalar de vetores. De fato, geometricamente, a distância entre o plano η1 (x1 −
a1 ) + η2 (x2 − a2 ) + η3 (x3 − a3 ) = 0 e o ponto y = (y1 , y2 , y3 ) é o comprimento
do segmento com extremidades em y e na projeção ortogonal desse ponto sobre
o plano. O comprimento deste segmento pode ser calculado como a projeção de
y − a sobre o vetor normal η, isto é,

n1 (y1 − a2 ) + n2 (y2 − a2 ) + n3 (y3 − a3 )


d= p .
η12 + η22 + η32

Essa mesma fórmula pode ser obtida a partir da noção de produto vetorial,
mas deixamos a verificação desse fato para os exercı́cios. Por enquanto vejamos
como podemos escrever a equação de um plano usando o produto vetorial. Para
11 1. O Espaço Euclidiano

isso, note que se x, y e z são pontos de um plano que passa pelo ponto a, então
z − a é perpendicular a (x − a) × (y − a), ou seja,
 
x1 − a1 x2 − a2 x3 − a3
0 = h(x − a) × (y − a), (z − a)i = det  y1 − a1 y2 − a2 y3 − a3  .
z1 − a1 z2 − a2 z3 − a 3

(a) (b)

(c) (d)

Figura 1.9. (a) Distância entre um ponto e uma reta. (b) Plano passando por
a com normal n. (c) Distância entre um ponto e um plano. (d) Equação do
plano passando por x, y e z.

N.B. A partir da próxima seção e sempre que for conveniente, os pontos de R3


serão denotados com coordenadas x, y e z. Assim, usaremos a notação (x, y, z)
no lugar de (x1 , x2 , x3 ).

1.2 As Cônicas
Elipses, hipérboles e parábolas foram estudadas no século III A.C. pelo ma-
temático grego Apolônio como as figuras geométricas obtidas pela intersecção
de um cone com certos planos. Daı́ deriva o nome que até hoje usamos para
designá-las. Nessa seção estudaremos em detalhes as cônicas e, posteriormente,
1.2 As Cônicas 12

as suas generalizações para o espaço, chamadas de superfı́cies quádricas (entre


as quais inclui-se o próprio cone!).

Figura 1.10

Começamos com a elipse. Fixados dois pontos de um plano f1 e f2 , definimos


a elipse com focos nesses pontos como o conjunto dos pontos do plano tais que
a soma das distâncias até f1 e f2 é igual a uma constante.
Na prática, podemos construir uma elipse se fixamos dois pregos em um
plano, amarramos as extremidades de um barbante (inextensı́vel) em cada um
desses pregos e, em seguida, mantendo o barbante esticado com a ponta de um
lápis, riscamos o plano.

Figura 1.11

Para determinar a equação de uma elipse, suponhamos inicialmente que os


focos têm coordenadas f1 = (−c, 0) e f2 = (c, 0). Neste caso, se p = (x, y) é um
ponto da elipse temos que

|p − f1 | + |p − f2 | = 2a.

A escolha de 2a como a soma das distância é conveniente pois simplificará


13 1. O Espaço Euclidiano

consideravelmente os cálculos. É claro que devemos ter a > c, pois a soma de


dois lados de um triângulo é maior que o comprimento do terceiro.
A equação acima se reescreve como
p p
(x + c)2 + y 2 + (x − c)2 + y 2 = 2a

ou seja, p p
(x + c)2 + y 2 = 2a − (x − c)2 + y 2
ou seja,
p
(x + c)2 + y 2 = 4a2 − 4a (x − c)2 + y 2 + (x − c)2 + y 2

ou seja,
p
x2 + 2xc + c2 + y 2 = 4a2 − 4a (x − c)2 + y 2 + x2 − 2xc + c2 + y 2

ou seja, p
4xc = 4a2 − 4a (x − c)2 + y 2
ou seja, p
a2 − cx = a (x − c)2 + y 2
ou seja,
(a2 − cx)2 = a2 ((x − c)2 + y 2 )
ou seja,
a4 − 2a2 cx + c2 x2 = a2 (x2 − 2cx + c2 + y 2 )
ou seja,
(a2 − c2 )x2 + a2 y 2 = a4 − a2 c2 = a2 (a2 − c2 ).
Como a > c, resulta que a2 > c2 e a2 − c2 > 0. Pondo b2 = a2 − c2 vem
b x + a2 y 2 = a2 b2 , de onde obtemos finalmente que
2 2

x2 y2
+ = 1. (1.1)
a2 b2
Essa é a equação de uma elipse com focos nos pontos f1 = (−c, 0) e f2 = (c, 0);
mais tarde determinaremos a equação de uma elipse com focos em qualquer
ponto do plano.
A hipérbole é definida como o conjunto dos pontos no plano tais que a
diferença de suas distâncias a dois pontos distintos fixados é uma constante.
Suponhamos que a hipérbole tem focos nos pontos f1 = (−c, 0) e f2 = (c, 0). Se
p = (x, y) é um ponto da hipérbole então
p p
(x + c)2 + (y)2 − (x − c)2 + (y)2 = ±2a,

em que 0 < a < c, novamente pela desigualdade triangular.


Procedendo como no caso anterior, qualquer uma das equações acima nos
dá
x2 y2
− = 1, (1.2)
a2 b2
1.2 As Cônicas 14

Figura 1.12

em que b2 = c2 − a2 . Além disso, as retas r(x) = ± ab x são as assı́ntotas da


hipérbole. Para justificar esse fato note que da equação (1.2) obtemos

bp 2
y=± x − a2 .
a
primeiro quadrante a diferença d(x) = r(x) − y(x) é dada por d(x) =
No √
b
a x − x2 − a2 , que pode ser reescrita como

b p  x + √x2 − a2  a2
d(x) = x − x2 − a2 √ = √ 
a x + x2 − a2 x + x2 − a2

de onde concluı́mos que d(x) → 0 quando x → ∞. Fato análogo ocorre nos


demais quadrantes (veja a figura 1.12).
A parábola é definida como o conjunto dos pontos de um plano tais que as
distâncias até uma reta fixada, chamada diretriz, e um ponto fixado, chamado
de foco, são iguais.
Se uma parábola tem reta diretriz x = −c e foco f = (0, c), então dado um
ponto p = (x, y) da parábola devemos ter
p
(x − c)2 + y 2 = |x + c|.

Elevando ao quadrado e simplificando, obtemos

y 2 = 4cx. (1.3)

Em lı́ngua portuguesa o prefixo para é usado para designar a ideia de seme-


lhança, proximidade ou igualdade; veja o caso das palavras paráfrase, parasita,
15 1. O Espaço Euclidiano

Figura 1.13

paralelo e paradoxo. Por outro lado o prefixo hiper designa excesso ou exa-
cerbação, é o caso de hipertensão, hipertrofia, etc. Como os prefixos acima,
a palavra elipse também possui raiz grega e significa omissão ou falta. Pe-
las definições acima não é difı́cil intuir porque adotamos as palavras parábola,
hipérbole e elipse para designar as seções cônicas.
Observe que nos cálculos acima assumimos que os focos têm posições bas-
tante especı́ficas. A equação geral de uma cônica pode ser obtida a partir das
equações (1.1),(1.2) e (1.3) se consideramos translações e rotações no sistema
de coordenadas considerado.
Começamos com a translação: dado o sistema de coordenadas com origem O,
consideramos um segundo sistema de coordenadas com retas paralelas às retas
do sistema original e origem O0 (veja a figura 1.14). Se O0 tem coordenadas (h, k)
em relação ao sistema de coordenadas original, dizemos que o novo sistema foi
obtido do primeiro a partir de uma translação de magnitude (h, k) na direção
de OO0 .
Dado um ponto P ∈ R2 , suponha que as coordenadas de p em relação ao
sistema original e ao sistema transladado sejam (x, y) e (x0 , y 0 ), respectivamente.
Neste caso essas coordenadas relacionam-se por

x = x0 + h e y = y 0 + k.

Dada uma elipse com focos no eixo horizontal transladado sabemos que a
sua equação será dada por

(x0 )2 (y 0 )2
+ = 1.
a2 b2
Usando as relações acima essa equação se reescreve no sistema de coordenadas
1.2 As Cônicas 16

Figura 1.14

original como
(x − k)2 (y − h)2
+ = 1.
a2 b2
Expandindo os termos na equação obtemos

b2 x2 + a2 y 2 − 2b2 hx − 2a2 ky + a2 k 2 + b2 h2 − a2 b2 = 0,

ou seja,
Ax2 + Cy 2 + Dx + Ey + F = 0, (1.4)

em que A = b2 , C = a2 , D = −2b2 h, E = −2a2 k e F = a2 k 2 + b2 h2 − a2 b2 .


Qualquer outra cônica transladada pode ser escrita dessa forma, com coeficientes
adequados em cada caso. Observe que (1.4) é a equação de uma elipse, de uma
hipérbole ou de uma parábola conforme os coeficientes A e C tenham o mesmo
sinal, sinais diferentes ou se um deles é nulo, respectivamente. Por esse motivo,
dizemos que a equação (1.4) é a equação geral de uma cônica transladada.
Agora suponha que temos um sistema de coordenadas x0 Oy 0 rotacionado por
um ângulo θ no sentido anti-horário em torno da origem em relação ao sistema
de coordenadas xOy, para um observador que vê esse plano “de cima”. Vimos
que uma cônica transladada no sistema de coordenadas x0 Oy 0 tem equação

A0 (x0 )2 + C 0 (y 0 )2 + D0 x0 + E 0 y 0 + F 0 = 0, (1.5)

em que pelo menos um dos coeficientes A0 e C 0 é diferente de zero.


Para determinarmos a equação da cônica no sistema de coordenadas xOy
precisamos, inicialmente, calcular as coordenadas x0 e y 0 em termos de x e y.
Para isso, note que se r é o comprimento do segmento OP e α a medida do
ângulo de lados OP e Ox0 temos que (veja figura 1.15)
17 1. O Espaço Euclidiano

Figura 1.15

x = r cos(θ + α),
y = r sen(θ + α),
x0 = r cos(α),
y 0 = r sen(α).

Usando as fórmulas das funções trigonométricas da soma temos

x = r cos(θ + α)
= r cos θ cos α − r sen θ sen α
= x0 cos θ − y 0 sen θ.

Analogamente
y = x0 sen θ + y 0 cos θ.

Resolvendo as equações de transformação para x0 e y 0 , obtemos

x0 = x cos θ + y sen θ,
(1.6)
y 0 = −x sen θ + y cos θ.

substituı́mos as equações de rotação (1.6), desenvolvemos as operações indicadas


e reduzimos os termos semelhantes. Após esses cálculos obtemos

Ax2 + Bxy + Cy 2 + Dx + Ey + F = 0 (1.7)


1.2 As Cônicas 18

em que

A = A0 cos2 θ + C 0 sen2 θ,
B = 2(A0 − C 0 ) sen θ cos θ,
C = A0 sen2 θ + C 0 cos2 θ,
(1.8)
D = D0 cos θ + E 0 sen θ,
E = E 0 cos θ − D0 sen θ,
F = F 0.

Observe que, nesse caso, o termo misto xy surge na equação. Ele indica
que há rotação do sistema de coordenadas. Dada uma equação da forma (1.7)
podemos determinar facilmente o ângulo de rotação. Para isso note que

A − C = A0 [cos2 θ − sen2 θ] − C 0 [cos2 θ − sen2 θ] = (A0 − C 0 ) cos(2θ). (1.9)

Daı́
B = (A0 − C 0 ) sen(2θ) = (A − C) tan(2θ),
ou seja,
B
tan(2θ) = ,
A−C
Estamos assumindo tacitamente que A − C 6= 0. Quando A = C a equação
(1.9) nos dá que (A0 − C 0 ) cos(2θ) = 0. Se B 6= 0, então não podemos ter
A0 = C 0 , logo cos(2θ) = 0, ou seja, θ = π/4 + (2k + 1)π/2.
Note que (1.7) é a equação de uma elipse se, e somente se, (1.5) é a equação
de uma elipse. Isto significa que A0 e C 0 têm o mesmo sinal, ou seja A0 C 0 > 0.
Para obtermos uma condição para que a cônica (1.7) seja uma elipse usamos as
equações (1.8). Delas vem que

AC = [A0 cos2 θ + C 0 sen2 θ][A0 sen2 θ + C 0 cos2 θ]


= [(A0 )2 + (C 0 )2 ] cos2 θ sen2 θ + A0 C 0 [cos4 θ + sen4 θ].

Como B 2 = 4[(A0 )2 + (C 0 )2 − 2A0 C 0 ] cos2 θ sen2 θ temos que

4AC − B 2 = 4A0 C 0 [cos4 θ + sen4 θ + 2 cos θ sen θ]


= 4A0 C 0 [sen2 θ + cos2 θ]2
= 4A0 C 0 > 0.

Portanto, (1.7) é a equação de uma elipse se B 2 − 4AC < 0. Analogamente,


se B 2 − 4AC > 0 ou B 2 − 4AC = 0 a equação (1.7) representa uma hipérbole
ou uma parábola, respectivamente.
Podemos resumir o que provamos acima no seguinte resultado
1.1 Teorema. A equação Ax2 + Bxy + Cy 2 + Dx + Ey + F = 0, em que
A2 + B 2 + C 2 6= 0 é uma cônica. Em particular, ela será
(i) uma elipse se B 2 − 4AC < 0;
19 1. O Espaço Euclidiano

(ii) uma hipérbole se B 2 − 4AC > 0;


(iii) uma parábola se B 2 − 4AC = 0.
Os cálculos acima também são úteis para obter um esboço de uma cônica
dada na forma (1.7). De fato, dada uma equação como essa, sabemos que o
ângulo de rotação é dado por
 
1 B
θ = arctan .
2 A−C
Agora substituindo as equações

x = x0 cos θ − y 0 sen θ
(1.10)
y = x0 sen θ + y 0 cos θ

na equação (1.7) obteremos uma equação do tipo (1.4). Agora basta comple-
tarmos o quadrado para determinarmos a posição da cônica.
Os exemplos seguintes tornarão mais claras essas afirmações.

Exemplo. Considere a equação


√ √
x2 − 2 3xy + 3y 2 + 2 3x + 2y = 0. (1.11)

Primeiramente, note que B 2 −4AC = (2 3)2 −4·1·3 = 0, logo (1.11) representa
uma parábola. Temos ainda
√ √
−2 3 −2 3 √
tan(2θ) = = = 3,
1−3 −2
de onde vem que 2θ = 60o , ou seja, θ = 30o .
Como √
3 1
cos θ = e sen θ = ,
2 2
a partir das equações (1.10) temos
√ √
3 0 1 0 1 0 3 0
x= x − y e y= x + y,
2 2 2 2
cuja substituição em (1.11) nos dá

y 02 + 4x0 − 2 3y 0 = 0.

Finalmente, completando o quadrado na variável y ficamos com a equação


√ 2
 
 3
y 0 − 3 = −4 x0 − ,
4
√ 
que é a equação de uma parábola de vértice 34 , 3 .
1.2 As Cônicas 20

Uma cônica bastante conhecida é a seguinte.

Exemplo. Considere a equação

1
y= . (1.12)
x

Temos que xy = 1. Como B 2 −4AC = 12 −4.0.0 = 1 > 0, concluı́mos que (1.12)


é a equação de uma hipérbole. De fato, como A = C = 0 temos que θ = 45o .
Substituindo as relações
√ √ √ √
2 0 2 0 2 0 2 0
x= x + y e y= x − y
2 2 2 2

em (1.12) obtemos

√ √ ! √ √ !
2 0 2 0 2 0 2 0 (x0 )2 (y 0 )2
1 = xy = x + y x − y = − .
2 2 2 2 2 2

Geometricamente, isso significa que em um sistema de coordenadas girado


por um ângulo de π/4 no sentido anti-horário, a equação da cônica xy = 1 é
uma hipérbole com focos nos pontos (2, 0) e (−2, 0) e assı́ntotas y 0 = ±x0 (veja
a figura abaixo).

Figura 1.16
21 1. O Espaço Euclidiano

1.3 As Quádricas
Uma superfı́cie quádrica é o conjunto dos pontos do espaço cujas coordenadas
cartesianas satisfazem a equação geral do segundo grau em três variáveis da
forma

Ax2 + By 2 + Cz 2 + Dxy + Exz + F yz + Gx + Hy + Iz + J = 0 (1.13)

em que A, B, C, D, E, F, G, H, I e J são números reais e pelo menos um dos


coeficientes A, B, C, D, E e F é não nulo.
Como no caso das cônicas, através de uma rotação e translação de eixos a
equação (1.13) pode ser reduzida a duas formas:

M x2 + N y 2 + P z 2 = R, (1.14)

ou,
M x2 + N y 2 = Sz, (1.15)
além de expressões semelhantes à equação (1.15) obtidas pela permutação das
letras x, y e z.

1) Elipsóide: É uma superfı́cie representada pela equação de segundo grau na


forma canônica
x2 y2 z2
+ + =1 (1.16)
a2 b2 c2
em que a, b e c são números reais positivos. Se fazemos z = k com k ∈ R a
equação (1.16) no dá
x2 y2 k2
2
+ 2 =1− 2.
a b c
Geometricamente, isso significa que a interseção do elipsoide com o plano
horizontal z = k é uma elipse, um ponto ou vazia nos casos em que |k| <
c, |k| = c e |k| > c, respectivamente. Análise semelhante é válida para as
intersecções do elipsoide com os planos x = k e y = k.
Observe ainda que o elipsoide é simétrico em relação a todos planos coor-
denados, aos eixos coordenados e à origem. Além disso, se a = b = c = R na
equação (1.16), então a superfı́cie é uma esfera de raio R.

2) Hiperboloide de uma folha: São superfı́cies representadas pelas equações


de segundo grau nas formas canônicas

x2 y2 z2
2
+ 2 − 2 = 1, (1.17)
a b c
ou
x2 y2 z2
− + = 1,
a2 b2 c2
ou
x2 y2 z2
− + + = 1,
a2 b2 c2
1.3 As Quádricas 22

Figura 1.17. O elipsoide.

Figura 1.18. Hiperboloide de uma folha.

em que a, b e c são números reais positivos.


As análises feitas aqui serão referentes à equação na forma (1.17), diferindo
das outras formas apenas pela posição dos eixos coordenados.
As interseções da superfı́cie com os eixos coordenados Ox e Oy são os pontos
(±a, 0, 0) e (0, ±b, 0), respectivamente. Com o eixo Oz não há interseções, pois
quando x = y = 0 devemos ter −z 2 = c2 , que não tem solução no conjunto dos
números reais (veja figura 1.18).
Planos paralelos aos planos xOz e yOz, que não passam pelos pontos (±a, 0, 0)
e (0, ±b, 0), intersectam a superfı́cie ao longo de hipérboles; quando passam por
estes pontos determinam duas retas concorrentes.
23 1. O Espaço Euclidiano

A interseção de planos paralelos ao plano xOy com a superfı́cie do hiperbo-


loide são elipses. Observe ainda que o hiperboloide é simétrico em relação, a
todos planos coordenados, aos eixos coordenados e à origem.

3) Hiperboloide de 2 folhas: São superfı́cies representadas pelas equações


de segundo grau nas formas canônicas

Figura 1.19. Hiperboloide de duas folhas.

x2 y2 z2
− − + = 1, (1.18)
a2 b2 c2
ou
x2 y2 z2
− + − = 1,
a2 b2 c2
ou
x2 y2 z2
2
− 2 − 2 = 1,
a b c
em que a, b e c são números reais positivos. Estas equações são simétricas em
relação a todos planos coordenados, eixos coordenados e a origem. Assim como
o hiperboloide de uma folha faremos o estudo da equação (1.18) a qual difere
das outras duas apenas pela posição de seus eixos coordenados.
Não há interseções com os eixos Ox e Oy, apenas com o eixo Oz nos pontos
(0, 0, c) e (0, 0, −c) (veja figura 1.19). As interseções da superfı́cie com planos
z = k, k ∈ R, são elipses desde que |k| > c. Se |k| < c a interseção é o conjunto
vazio.

4) Cone elı́ptico: São superfı́cies representadas pelas equações de segundo


grau nas formas canônicas
x2 y2 z2
+ − = 0, (1.19)
a2 b2 c2
1.3 As Quádricas 24

ou
x2 y2 z2
2
− 2 + 2 = 0,
a b c
ou
x2 y2 z2
− + + = 0,
a2 b2 c2
em que a, b e c são números reais positivos. Estas equações são simétricas em
relação a todos planos coordenados, eixos coordenados e a origem.

Figura 1.20. Cone elı́ptico.

Analisando as seções planas do cone elı́ptico de equação (1.19), observamos


que a interseção de planos paralelos ao plano xOy e que não passam pela origem
com a superfı́cie determinam elipses. Se o plano passar pela a origem a interseção
é o vértice (0, 0, 0).
A interseção da superfı́cie com planos paralelos ao plano xOz ou ao plano
yOz e que não passam pela origem do sistema cartesiano são hipérboles. Se o
plano passar pela origem a interseção é um par de retas concorrentes no vértice.

5) Cilindro elı́ptico: São superfı́cies representadas pelas equações de segundo


grau nas formas canônicas
x2 y2
2
+ 2 = 1, (1.20)
a b
ou
x2 z2
+ = 1,
a2 c2
ou
y2 z2
+ = 1,
b2 c2
25 1. O Espaço Euclidiano

Figura 1.21. Cilindro elı́ptico.

em que a, b e c são números reais positivos. Estas equações são simétricas em


relação a todos planos coordenados, eixos coordenados e a origem. Analisaremos
as seções planas do cilindro elı́ptico de equação (1.20). Veja figura 1.21.
As interseções da superfı́cie quádrica com planos paralelos ao plano xOy são
elipses, enquanto as interseções da superfı́cie com planos paralelos ao plano xOz
ou ao plano yOz são duas retas, uma reta ou o conjunto vazio.

6) Cilindro hiperbólico: São superfı́cies representadas pelas equações de se-


gundo grau nas formas canônicas

x2 y2
2
− 2 = 1, (1.21)
a b
ou
y2 z2
− = 1,
b2 c2
ou
x2 z2
− = 1,
a2 c2
em que a, b e c são números reais positivos. Existem mais três equações na forma
canônica de cilindro hiperbólico, para encontrá-las basta fazer uma troca dos
sinais das frações em cada equação. Estas equações são simétricas em relação aos
três planos coordenados e a origem. Estudaremos as seções planas do cilindro
hiperbólico de equação (1.21) (veja a figura 1.22). As interseções da superfı́cie
quádrica com planos paralelos ao plano xOy são hipérboles. Além disso, a
intersecção da superfı́cie com planos da forma x = k, paralelos ao plano yOz,
são duas retas, se |k| > a; uma reta, se k = ±a ou o conjunto vazio, se |k| < a.
1.3 As Quádricas 26

Figura 1.22. Cilindro hiperbólico.


27 1. O Espaço Euclidiano

Finalmente, as intersecções da superfı́cie com planos paralelos ao plano xOz são


sempre duas retas.
Vamos agora apresentar as superfı́cies quádricas não cêntricas em sua forma
canônica.

7) Paraboloide elı́ptico: São superfı́cies dadas pelas equações do segundo


grau na forma canônica
x2 y2
2
+ 2 = cz, (1.22)
a b
ou
y2 z2
+ = ax,
b2 c2
ou
x2 z2
+ = by,
a2 c2
em que a, b e c são números reais diferentes de zero. Estudemos o paraboloide
elı́ptico de equação (1.22), com c > 0.
As seções pelos planos de coordenadas Oxz e Oyz são parábolas simétricas
em relação ao eixo Oz com vértices na origem das coordenadas. As seções por

Figura 1.23. Paraboloide.

planos paralelos (z = k) de coordenadas xOy são: elipses, se k > 0; um ponto


que coincide com a origem das coordenadas chamado vértice do paraboloide, se
k = 0 e o conjunto vazio, se k < 0.
Se a = b dizemos que a superfı́cie é um paraboloide circular, pois, neste caso,
as intersecções pelos planos z = k são cı́rculos.

8) Paraboloide hiperbólico: Também chamados de selas, são superfı́cies


dadas pelas equações do segundo grau na forma canônica
x2 y2
− = cz, (1.23)
a2 b2
1.3 As Quádricas 28

ou
y2 z2
− = ax,
b2 c2
ou
x2 z2
2
− 2 = by,
a c
em que a, b e c são números reais diferentes de zero. Analisemos a equação
(1.23), com c < 0.

Figura 1.24. Paraboloide hiperbólico.

A interseção da superfı́cie com o plano z = k, k ∈ R, paralelo ao plano xOy,


é uma hipérbole ou são duas retas. As seções pelos planos paralelos ao plano
xOz e yOz são parábolas.

9) Cilindro parabólico: São superfı́cies dadas pelas equações, na forma canônica,


de segundo grau
y2 z2
= cz ou = by,
b2 c2
ou
x2 z2
2
= by ou = ax,
a c2
ou
x2 y2
= cz ou = ax,
a2 b2
em que, a, b e c são números reais não nulos (veja a figura 1.25). Analisemos a
x2
equação 2 = cz, com c > 0.
a
A interseção da superfı́cie com um plano z = k paralelo ao plano xOy deter-
mina duas retas, se k > 0; uma reta, se k = 0 e o conjunto vazio , se k < 0. As
29 1. O Espaço Euclidiano

seções por planos paralelos a xOz são parábolas. Por fim, observe que a secção
por um plano x = k é uma reta paralela ao eixo Oy.

x2
Figura 1.25. Cilı́ndro parabólico de equação cz = a2 .

Exercı́cios

1. Dados dois vetores x e y, seja θ o ângulo de lados Ox e Oy. Se θ = 0 ou


θ = π verifique que vale a fórmula

hx, yi = |x||y| cos θ.

2. Um barco cuja velocidade máxima em águas tranquilas é de 12 nós segue


para o norte a todo vapor. Se há uma corrente marı́tima de 5 nós para o
leste, qual é a velocidade do barco? R. 13

3. Considere o cubo com vértices (0, 0, 0) ,(1, 0, 0), (0, 1, 0) ,(0, 0, 1), (1, 0, 1),
(0, 1, 1), (1, 1, 0) e (1, 1, 1). Encontre o ponto que está situado a 1/3 da
distância de (0, 0, 0) até o centro da face que tem arestas (0, 1, 0), (1, 1, 0),
(0, 1, 1) e (1, 1, 1). R. ( 61 , 13 , 16 )

4. Dado um vetor v = (v1 , v2 ) do plano, seja Rθ (v) o vetor obtido pela


rotação de v no sentido anti-horário em torno da origem por um ângulo θ.
O objetivo desse exercı́cio é encontrar uma fórmula para Rθ com a menor
quantidade de cálculos possı́vel.

(i) Se v forma um ângulo α com o eixo horizontal, mostre que

v1 = |v| cos α v2 = |v| sen α.

(ii) Verifique que Rθ (v) = (|v| cos(α + θ), |v| sen(α + θ)) e conclua daı́ que

Rθ (v1 , v2 ) = (v1 cos θ − v2 sen θ, v1 sen θ + v2 cos θ).

N.B. Se quiséssemos ser rigorosos, deverı́amos escrever Rθ ((v1 , v2 )).


1.3 As Quádricas 30

(iii) Explique por que se a rotação for no sentido horário devemos ter

Rθ (v1 , v2 ) = (v1 cos θ + v2 sen θ, −v1 sen θ + v2 cos θ).

(iv) Se w = (w1 , w2 ), mostre que

hRθ (v), Rθ (w)i = hv, wi.

5. Dado o vetor v = (v1 , v2 ), defina ×v = (−v2 , v1 ).


π
(i) Verifique que ×v corresponde, geometricamente, a uma rotação de 2
radianos no sentido anti-horário e mostre que hv, ×vi = 0;
(ii) Dado um vetor w = (w1 , w2 ), mostre que área do paralelogramo ge-
rado por v e w é igual a |h×v, wi|. Conclua daı́ que | det(v, w)| =área
do paralelogramo gerado por v e w.
6. Prove as seguintes identidades
(i) hv × w, ui = hu × v, wi = hw × u, vi;
(ii) v × (w × u) = hv, uiw − hv, wiu;
N.B. A identidade acima implica que o produto vetorial não é asso-
ciativo.
(iii) (v × w) × (u × r) = hv, u × riw − hw, u × riv;
Dica: Use o item (ii).
(iv) hv × w, u × ri = hv, uihw, ri − hv, rihw, ui;
Dica: : Use o item (i).
(v) v × (w × u) + w × (u × v) + u × (v × w) = 0;
Dica: : Use o item (ii).
7. Seja ` uma reta passando pelo ponto P0 na direção de v. Usando produto
vetorial, verifique que a distância entre ` e um ponto P1 é dado por
|(P1 − P0 ) × v|
.
|v|

8. Seja ax + by = c a equação de uma reta no plano. Mostre que a distância


da reta até o ponto P = (x, y) é dada por

|ax + by − c|
√ .
a2 + b2

Dica: Use o exercı́cio anterior.


9. Dois meios com ı́ndices de refração n1 e n2 estão separados por uma su-
perfı́cie plana com normal unitária e3 . Sejam a e b vetores unitários nas
direções e sentidos dos raios incidente e refratado, respectivamente. Mos-
tre que n1 (e3 × a) = n2 (e3 × b).
31 1. O Espaço Euclidiano

Dica: Você pode usar a lei de Snell : sen θ1 / sen θ2 = n2 /n1 , em que θ1
e θ2 são, respectivamente, os ângulos que os vetores a e b formam com
o vetor normal. Esses ângulos são chamados de ângulos de incidência e
refração.

10. Seja v = (v1 , v2 , v3 ) ∈ R3 . Os ângulos diretores de um vetor não nulo v


são os ângulos α, β e γ, no intervalo [0, π], formados por v e os semi-eixos
positivos x, y e z, respectivamente. Mostre que
v1 v2 v3
(i) cos α = |v| , cos β = |v| e cos γ = |v| ;
v
(ii) cos2 α + cos2 β + cos2 γ = 1 e |v| = (cos α, cos β, cos γ). (Isto significa
que os cossenos diretores são as componentes do vetor unitário na
direção de v);
(iii) Encontre os ângulos diretores de v = (1, 2, 3).
     
R. α = arccos √114 , β = arccos √214 , γ = arccos √314

11. Determine a equação da reta que passa pelo ponto (1, −2, −3) e é ortogonal
ao plano 3x − y − 2z + 4 = 0. R. r(t) = (1, −2, −3) + t(3, −1, −2).

12. Determine a equação da reta que passa por (1, 0, −3), é ortogonal ao vetor
(1, −1, 1) e paralelo ao plano 2x + y − 4z = 1. R. r(t) = (1, 0, −3) +
t(1, 2, 1).

13. Verifique que P = (x, y, z) está no plano determinado por a = (a1 , a2 , a3 ), b =


(b1 , b2 , b3 ) e c = (c1 , c2 , c3 ) se, e somente se,

a1 − x a2 − y a3 − z

b1 − x b2 − y b3 − z = 0.

c1 − x c2 − y c3 − z

14. Determine a equação do plano contendo duas retas (paralelas) r(t) =


(0, 1, −2)+t(2, 3, −1) e s(t) = (2, −1, 0)+t(2, 3, −1) R. 4x−6y−10z = 14.

15. Dois planos são ortogonais se suas normais são ortogonais. Encontre a
equação do plano que contém a reta (−1, 1, 2) + t(3, 2, 4) e é ortogonal ao
plano 2x + y − 3z + 4 = 0. R. 10x − 17y + z + 25 = 0

16. Encontre a equação geral de um cı́rculo em um plano arbitrário


Dica: Considere o plano n1 (x − c1 ) + n2 (y − c2 ) + n3 (z − c3 ) = 0. Escolha
v
uma solução da equação hn, vi = 0 e defina a = |v| . Seja w = n × a e
w
defina b = |w| Agora é fácil mostrar que os pontos da forma

P (θ) = (c1 , c2 , c3 ) + (a1 , a2 , a3 )r cos θ + (b1 , b2 , b3 )r sen θ.

pertencem ao plano dado e |P − (c1 , c2 , c3 )| = r2 para todo θ ∈ [0, 2π].


1.3 As Quádricas 32

17. A excentricidade de uma elipse de semi-eixos a e b é dada por



c a2 − b2
e= = .
a a
Segundo a Lei da Gravitação Universal elaborada pelo fı́sico inglês Isaac
Newton, os planetas movem-se em órbitas elı́pticas em torno do sol. Con-
siderando que a excentricidade da órbita de Mercúrio é 0, 21, calcule a
relação entre os eixos a e b.
R. 0,97777. Isto significa que, com boa aproximação, podemos considerar
que as órbitas dos planetas são circulares.

18. Esboce o gráfico das seguintes cônicas

(i) x2 − 4y 2 − 2x + 16y − 19 = 0; R. Hipérbole transladada para (1, 2).


(ii) 2x2 + 4y 2 − 6y − 8 = 0 R. Elipse transladada para (0, 3/4).
(iii) x2 + y 2 − 2x = 0 R. Cı́rculo de raio 1 centrado em (1, 0).
(iv) x2 + y + 3x − 8 = 0 R. Parábola transladada para (−3/2, 41/1).

19. Algumas quádicas degeneram-se em pontos, retas ou planos. Faça corres-


poner a cada quádrica abaixo a descrição apropriada.

(i) x2 + 3y 2 + z 2 = 0;
(ii) z 2 = 0;
(iii) x2 + y 2 = 0;
(iv) x2 + y 2 + z 2 + 1 = 0;
(v) x2 − y 2 = 0.

( ) um plano ( ) um ponto ( ) nenhum ponto ( ) reta ( ) dois planos


R. (ii), (i), (iv), (iii), (v)

20. (Cônicas em coordenadas polares) Considere o ponto P com coordenadas


cartesianas (x, y). Escreva x = r cos θ e y = r sen θ, onde r > 0 e 0 < θ <
2π. Neste caso, r e θ são as coordenadas polares do ponto P e representam,
geometricamente, a distância da origem O = (0, 0) até o ponto P e o
ângulo, medido em radianos, entre a reta OP e o eixo horizontal no sentido
anti-horário para um observador que vê o plano “de cima”. (faça um
desenho!).

(i) Considere uma elipse com focos O = (0, 0) e f = (−2a, 0), tal que a
soma das distâncias dos pontos até O e f é 2a (neste caso devemos
ter 0 <  < 1 pois a distância entre os dois focos deve ser menor do
que 2a). Mostre que a equação da elipse em coordenadas polares é
dada por
Λ
r= ,
1 +  cos θ
33 1. O Espaço Euclidiano

onde Λ = (1 − 2 )a.
Dica: Seja (x, y) um ponto da elipse. Se a distânca de (x, y) até
(0, 0) é r, então a distância de (x, y) até f é 2a − r, ou seja
p
(x + 2a)2 + y 2 = 2a − r.

Observando que r2 = x2 + y 2 , conclua daı́ o resultado.


(ii) Considere agora a hipérbole tal que a diferença das distâncias entre os
dois focos é 2a e escolha novamente os focos O e f (neste caso devemos
ter  > 1). Mostre que obtemos exatamente a mesma equação

Λ
r=
1 +  cos θ
que obtemos para a elipse.
(iii) Considere o conjunto dos pontos (x, y) tais que a distância de (x, y)
até O é igual a distância de (x, y) até a reta x = a. Verifique que a
distância do ponto até a reta é a − r cos θ e conclua daı́ que
a
r= ,
1 + cos θ
novamente uma equação da mesma forma.
(iv) Agora, para todo Λ e , considere a equação

Λ
r= .
1 +  cos θ
Mostre que os pontos que satisfazem essa equação devem satisfazer
também
(1 − 2 )x2 + y 2 = Λ2 − 2Λx.
Justifique por que temos uma elipse para 0 <  < 1, uma hipérbole
para  > 1 e uma parábola se  = 1 (o número  é a excentricidade
da cônica).
2

Funções e Limites

“ It (life) is a tale told by an idiot, full of


sound and fury, signifying nothing.”

Macbeth, act 5, scene 5,


W. Shakespeare.

“A vida é uma história contada por um idiota, cheia


de som e fúria, que não significa nada.”

Macbeth, ato 5, cena 5,


W. Shakespeare.

35
2.1 Funções 36

2.1 Funções
Uma função f : Rn → Rm é uma regra que permite associar para todo o
ponto x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn um único ponto f (x) ∈ Rm . Em geral denotamos
uma função como

f (x) = f1 (x), f2 (x), . . . , fm (x) ,

em que f1 : Rn → R, . . . fm : Rn → R são funções reais, isto é, tomam valores em


R e são chamadas de funções coordenadas de f . As definições de domı́nio,
contradomı́nio e imagem são análogas àquelas das funções de uma variável
apenas.
Antes de prosseguirmos com alguns exemplos de funções de várias variáveis,
gostarı́amos de esclarecer alguns fatos em relação à definição acima. Uma análise
mais atenta (e muito crı́tica!) mostra que ela realmente não define muita coisa,
pois não deixa claro a que tipo de objeto nos referimos pela palavra regra. É
claro que toda definição é elaborada a partir de determinados conceitos primi-
tivos que precisamos assumir sem definição. Entretanto, a palavra regra não
parece enquadrar-se na classe de palavras às quais qualquer pessoa atribua,
inocentemente, um mesmo significado.
Para contornar esse impasse os matemáticos modernos, viciados em rigor,
formularam uma definição mais precisa de função. Segundo essa definição, dados
dois conjuntos A e B, uma função é simplesmente um subconjunto f ⊂ A × B
tal que se (a, b) ∈ f e (a, b0 ) ∈ f , então b = b0 . Se o ponto (a, b) ∈ f , então
escrevemos que f (a) = b e dizemos que b é a imagem de a pela função f . Por
exemplo, se

2 √
f = {(0, 1), (π, ee ), (5, 3 π), (7, 8)},

2 √
então f (0) = 1, f (π) = ee , f (5) = 3 π e f (7) = 8. O conjunto {0, π, 5, 7}, ou
seja, o conjunto de todo a ∈ A tal que existe b ∈ B com (a, b) ∈ f é o domı́nio da

e 2 3

função e, analogamente, o conjunto {1, e , π, 8} é a imagem de f . Observe
que, uma vez que a função é dada, seu domı́nio e sua imagem estão completa-
mente definidos. O mesmo deve ocorrer para a definição anterior, entretanto isso
não está completamente claro pela forma como é enunciada tradicionalmente.

Exemplo. Seja f : R2 → R definida por f (x, y) = x2 + ey . Temos que

f (1, 0) = 12 + e0 = 2,
f (e, 1) = e2 + e1 = e(e + 1),
π
f (π, eπ ) = π 2 + ee .

Note que escrevemos f (x, y), embora mais correto fosse escrever f ((x, y)).

Às vezes uma função está definida apenas em um subconjunto de Rn .


37 2. Funções e Limites

2
Exemplo. A função dada pela regra f (x, y) = x2x+y2 não pode ser definida
em um domı́nio que contenha a origem. Podemos defini-la, por exemplo, no
conjunto A = R2 −{(0, 0)}. Também poderı́amos defini-la no semiplano superior
{(x, y) ∈ R2 : y > 0} ou em qualquer outra região que evite o ponto (0, 0).
Observe que em cada caso definimos uma função diferente da anterior.

Exemplo. Considere a função f : R3 → R4 definida por


2
f (x, y, x) = x2 z 5 y, x3 e−y , z sen(x + y), ez+y .


Neste caso as funções coordenadas são


f1 (x, y, z) = x2 z 5 y,
2
f2 (x, y, z) = x3 e−y ,
f3 (x, y, z) = z sen(x + y),
f4 (x, y, z) = ez+y .

O gráfico de uma função f : Rn → Rm é definido como

G(f ) = {(x, f (x)) ∈ Rn+m : x ∈ Rn }.

Note que, pela definição acima o gráfico de uma função f : R2 → R é um

Figura 2.1. Gráfico de uma função f : R2 → R.

subconjunto de R2+1 = R3 (veja a figura 2.1). Por outro lado, o gráfico de


funções f : R3 → R, f : R2 → R3 , etc. são subconjuntos de Rn em que n > 4,
logo não podem ser visualizados completamente. É possı́vel, no entanto, ter
uma ideia de como são os gráficos de funções do tipo f : R3 → R com a noção
de conjunto de nı́vel que passamos a descrever agora.
Sejam f : Rn → R uma função e k ∈ R. O conjunto de nı́vel de f de
altura k é o conjunto

f −1 (k) = {x ∈ Rn : f (x) = k},


2.1 Funções 38

isto é, é a pré-imagem do número k pela função f . Quando n = 2 e n = 3


os conjuntos de nı́vel são chamados de curvas de nı́vel e superfı́cies de nı́vel,
respectivamente.
Geometricamente, podemos interpretar as curvas de nı́vel de uma função
f : R2 → R como um mapa topográfico do gráfico de f ; semelhante àqueles
usados para representar o relevo da superfı́cie da Terra (veja a figura 2.2).

Figura 2.2. As curvas de nı́vel de alturas k, k 0 e k 00 estão representadas pelas


linhas pontilhada, tracejada e sólida, respectivamente.

Exemplo. Considere as funções definidas por

f (x, y) = x2 + y 2 ,
g(x, y) = y 2 − x2 .

A curva de nı́vel de f de altura k é o conjunto dos pontos (x, y) ∈ R2 tais


que f (x, y) = k, ou seja,
x2 + y 2 = k.
Observe que quando k < 0 o conjunto de nı́vel é vazio, se k √ = 0 então f −1 (0) =
{(0, 0)} e se k > 0 então a curva de nı́vel é um cı́rculo de raio k. Analogamente,
a curva de nı́vel da função g de altura k é o conjunto dos pontos que satisfazem
a equação
y 2 − x2 = k.
Se k = 0 obtemos o ponto (0, 0) com a única solução dessa equação. Se k < 0,
dividindo por k obtemos
y2 x2
− = 1,
k k
ou seja,
x2 y2
√ − √ = 1,
( −k)2 ( −k)2

que é a equação de uma hipérbole passando pelos pontos x = ± −k e com
assı́ntotas y = ±x. Procedendo da mesma forma, se k > 0, concluı́mos que
39 2. Funções e Limites

(a) f (x, y) = x2 + y 2 . (b) f (x, y) = y 2 − x2 .

Figura 2.3. Curvas de nı́vel.


f −1 (k) é a hipérbole passando pelos pontos y = ± k e com assintotas y = ±x.
Observe como o estudo dos conjuntos de nı́vel de uma função pode ajudar-nos
a compreender melhor o seu comportamento.

Exemplo. Considere funções semelhantes às do exemplo anterior, agora defi-


nidas em R3 , isto é,
f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 ,
g(x, y, z) = z 2 − y 2 − x2 .
Neste caso, a superfı́cie de nı́vel de f de altura k é o conjunto dos pontos
(x, y, z) ∈ R3 tais que
x2 + y 2 + z 2 = k.
Como no caso anterior, o conjunto de nı́vel√ é o conjunto vazio, se k < 0, é
{(0, 0, 0)}, se k = 0 ou é uma esfera de raio k, se k > 0. No caso da função g
os pontos da superfı́cie de nı́vel devem satisfazer a equação
z 2 − x2 − y 2 = k. (∗)
Se k = 0 a equação acima se reescreve como z 2 = x2 + y 2 . Isto significa que a
superfı́cie de nı́vel, neste caso, é um cone circular. Quando k < 0, como no caso
anterior, a equação (∗) dá
x2 y2 z2
√ + √ − √ = 1.
( −k)2 ( −k)2 ( −k)2
Obtemos assim, um hiperboloide de uma folha. Finalmente, se k > 0, temos
z2 x2 y2
√ − √ − √ = 1,
( k)2 ( k)2 ( k)2
isto é, um hiperboloide de uma folha.
2.2 Limites 40

(a) f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 . (b) f (x, y, z) = z 2 − y 2 − x2 .

Figura 2.4. Superfı́cies de nı́vel.

Futuramente veremos a definição precisa de superfı́cies e como o gráfico e os


conjuntos de nı́vel de uma função se enquadram nesta definição.

2.2 Limites
Considere a função f : Rn → Rm e seja p ∈ Rn . Dizemos que o ponto
L ∈ Rm é o limite de f quando x tende ao ponto p se f (x) está arbitrariamente
próximo de x, sempre que x está suficientemente próximo de p, porém é diferente
de p.
Embora à primeira vista, a definição acima pareça satisfatória, o leitor dili-
gente notará que ela possui pouco valor matemático, uma vez que pululam nela
expressões que carecem de um significado preciso. O que queremos dizer com
arbitrariamente próximo ou suficientemente próximo? Precisamos responder
essas perguntas se queremos uma definição que possa ser usada na prática.
Para formalizar a ideia intuitiva dada pelo primeiro parágrafo, começamos
definindo alguns conjuntos importantes que, a rigor, serão os sucedâneos dos
intervalos do cálculo de uma variável. Se r > 0, o conjunto Br (p) = {x ∈ Rn :
|x − p| < r} é chamado de bola aberta de raio r e centro p. Geometricamente,
esse conjunto é a coleção de todos os pontos de Rn cuja distância até o ponto
p é menor que r. Analogamente B r (p) = {x ∈ Rn : |x − p| 6 r} é chamado de
bola fechada de raio r e centro p. Veja a figura abaixo.
Agora podemos definir rigorosamente o conceito de limite de uma função
como se segue: dizemos que L é o limite e f quando x tende a p se para
todo número  > 0 podemos encontrar um segundo número, δ > 0, tal que para
todo x ∈ Bδ (p) − {p} temos que f (x) ∈ B (L). Denotamos a situação acima
pelo sı́mbolo
lim f (x) = L.
x→p
41 2. Funções e Limites

(a) Bola aberta. (b) Bola fechada.

Figura 2.5. Os pontos da linha tracejada não pertencem ao conjunto.

Antes de passarmos aos exemplos, cotejemos a definição acima com a de-


finição provisória dada no inı́cio desta seção. O termo arbitrariamente próximo
reflete-se na arbitrariedade da escolha do número , que, por sua vez, é o raio de
uma bola aberta centrada em L. A expressão suficientemente próximo traduz-se
na existência do número δ, o raio de uma bola centrada em p. Portanto, se L
é o limite de f quanto x tende a p, mesmo que  seja muito pequeno, ou seja,
mesmo que prescrevamos uma bola muito pequena em torno de L, podemos
encontrar uma segunda bola, de raio δ e centrada em p, de forma que, para
qualquer ponto dessa bola, exceto p, o elemento f (x) pertence à bola prescrita
inicialmente (veja a figura 2.6).

Figura 2.6

Pense na noção de limite como uma espécie de disputa entre você e um


inimigo invisı́vel. O seu inimigo escolhe arbitrariamente um número  e você,
do seu lado, deverá fornecer o número δ que satisfaz a condição descrita acima.
Quando o limite existe, o jogo sempre poderá ser vencido por você, embora
em um primeiro momento, não seja simples determinar a partir da escolha do
seu inimigo qual o número que você deverá escolher. Em alguns casos simples,
entretanto, essa tarefa não é muito difı́cil.

Exemplo. Se f : Rn → Rn é a função constante f (x) = k, então lim f (x) = k.


x→p
2.2 Limites 42

De fato, dado um número arbitrário  > 0, podemos escolher qualquer


número real como δ, pois neste caso, para todo x ∈ Bδ (p) − {p} temos que

|f (x) − k| = |k − k| = 0 < ,

ou seja, f (x) ∈ B (k).

Exemplo. Seja f : Rn → Rn definida como f (x) = x. Então lim f (x) = p.


x→p
Neste caso, dado  > 0, podemos escolher δ = . Assim, se 0 < |x − p| < δ (a
condição |x − a| > 0 implica que x 6= a), temos que |f (x) − p| = |x − p| < δ = .
Isto significa que para todo x ∈ Bδ (p) − {p} temos que f (x) ∈ B (p).

Exemplo. Para cada i = 1, . . . , n, as aplicações πi : Rn → R, definidas por

πi (x1 , . . . , xi , . . . , xn ) = xi ,

serão chamadas de projeções. Vamos mostrar que lim πi (x) = pi . De fato, dado
x→p
 > 0, tomemos, como no exemplo anterior, δ = . Assim, se 0 < |x − p| < δ,
temos que
|πi (x) − pi | = |xi − pi | 6 |x − p| < δ = .

Exemplo. Se f : R2 − {(0, 0)} → R é definida por

x2 − y 2
f (x, y) = ,
x2 + y 2

vamos mostrar que não existe o limite de f quando (x, y) tende a (0, 0).
2
Observe que para todo x ∈ R − {0} temos que f (x, 0) = xx2 = 1. Analoga-
2
mente, para todo y ∈ R − {0} temos que f (0, y) = −y
y 2 = −1. Note ainda que
qualquer bola B centrada em (0, 0) contém pontos da forma (x, 0) e pontos da
forma (0, y). Suponha que existe L ∈ R tal que

lim f (x, y) = L.
(x,y)→(0,0)

Tomando  = 21 , temos que o intervalo (L − , L + ) tem comprimento igual


a L +  − (L − ) = 2 = 1, logo não poderá conter 1 e −1, simultaneamente.
Isto significa que, para toda bola centrada na origem, há pontos cujas imagens
não pertencem ao intervalo prescrito. Concluı́mos que nenhum número L será
o limite de f em (0, 0).

2.1 Teorema. Quando existe, o limite é único.


43 2. Funções e Limites

Demonstração. Suponha que L1 e L2 são limites distintos de f : Rn → Rm


quando x tende ao ponto p. Defina  = |L1 − L2 | > 0. Assim, sabemos que
existem δ1 e δ2 tais que

0 < |x − p| < δ1 implica que |f (x) − L1 | < (∗)
2
e

0 < |x − p| < δ2 implica que |f (x) − L2 | < . (∗∗)
2
Se tomamos δ = min{δ1 , δ2 } > 0, então, se 0 < |x − p| < δ, as afirmações (∗)
e (∗∗) são verificadas simultaneamente. Portanto, pela desigualdade triangular
vem que
|L1 − L2 | = |L1 − f (x) + f (x) − L2 |
6 |L1 − f (x)| + |f (x) − L2 |
 
< + =  = |L1 − L2 |.
2 2
A afirmação |L1 −L2 | < |L1 −L2 | é, certamente, uma contradição lógica. Somos
obrigados a concluir que L1 = L2 .
Podemos usar a proposição acima para constatar que, conforme o exemplo
anterior, o limite
x2 − y 2
lim
(x,y)→(0,0) x2 + y 2

não existe. De fato, vimos que g(x) = f (x, 0) = 1 e h(y) = f (0, y) = −1. Se o
limite acima existisse, terı́amos que

lim g(x) = lim f (x, y) = lim h(y).


x→0 (x,y)→(0,0) y→0

Para calcularmos o limite de funções mais complicadas usaremos alguns re-


sultados que passamos a demostrar agora.
2.2 Teorema. Considere as funções f : Rn → R e g : Rn → R. Se vale que
lim f (x) = L e lim g(x) = M , então
x→p x→p

(i) lim (f + g)(x) = L + M ;


x→p

(ii) lim (f g)(x) = LM ;


x→p
 
f L
(iii) lim (x) = , se M 6= 0.
x→p g M
Demonstração. Consulte qualquer livro de cálculo.
Suponha, por exemplo, que desejamos calcular o limite da função f (x, y) =
x3 y 4 + 2xy. Podemos escrever f como

f = π1 π1 π1 π2 π2 π2 π2 + π1 π2 + π1 π2 ,
2.2 Limites 44

em que π1 (x, y) = x, π2 (x, y) = y. Assim, lembrando que

lim π1 (x, y) = a e lim π2 (x, y) = b,


(x,y)→(a,b) (x,y)→(a,b)

pelo teorema acima concluı́mos que

lim f (x, y) = aaabbbb + ab + ab = a3 b4 + 2ab.


(x,y)→(a,b)

Para tratar o caso de funções f : Rn → Rm temos o seguinte resultado

2.3 Teorema. Seja f : Rn → Rm uma função dada como f = (f1 , . . . , fm ).


Neste caso, temos que
lim f (x) = (L1 , . . . , Lm )
x→p

se, e somente se,


lim fi (x) = Li ,
x→p

para todo i = 1, . . . , n.

Demonstração. Suponha que lim f (x) = (L1 , . . . , Lm ). Neste caso, para todo
x→p
 > 0 existe δ > 0 tal que 0 < |x − p| < δ implica que

|fi (x) − Li | 6 |f (x) − L| < .

Isto significa que lim fi (x) = Li .


x→p
Reciprocamente, suponha que lim fi (x) = Li para todo i = 1, . . . , n. Dado
x→p
 > 0, existem δ1 , . . . , δn positivos e tais que

0 < |x − p| < δi implica que |fi (x) − Li | < . (∗)
n
Se definimos δ = min{δ1 , . . . , δn }, então a condição 0 < |x − p| < δ garante que
as afirmações (∗) são válidas. Pela desigualdade triangular vem que
n n
X X 
|f (x) − L| = (fi (x) − Li )ei 6 |fi (x) − Li | < n = .


i=1

i=1
n

Concluı́mos que L é o limite de f (x) quanto x → p.

Pelo teorema acima, se f (x, y) = (xy 7 , 4x, −2y 3 ), então

lim f (x, y) = (ab7 , 4a, −2b3 ).


(x,y)→(a,b)

Na próxima seção aprenderemos como calcular os limites de funções ainda


mais complicadas.
45 2. Funções e Limites

2.3 Funções Contı́nuas


Dizemos que a função f : Rn → Rm é contı́nua no ponto p ∈ Rn se
limx→p f (x) = f (p). Observe que, pela definição de continuidade, fica implı́cito
que para que f seja contı́nua no ponto p, ela deve estar definida nesse ponto.
Dizemos que f é uma função contı́nua se for contı́nua em todos os pontos do
seu domı́nio.

Exemplo. A função g : R2 → R definida por


 2
 x − y2
, (x, y) 6= (0, 0)
g(x, y) = x2 + y 2
0 , caso contrário

não é contı́nua no ponto (0, 0), pois o limite de g quando (x, y) → (0, 0) não
existe. A função h : R2 − {(0, 0)} → R definida por

xy(x2 − y 2 )
h(x, y) =
x2 + y 2
não está definida na origem, logo também não é contı́nua nesse ponto.
Vejamos, entretanto, o que ocorre com a função f : R2 → R dada por

 xy(x2 − y 2 )
, (x, y) 6= (0, 0)
f (x, y) = x2 + y 2 .
0 , caso contrário

Sabemos que lim(x,y)→(0,0) xy = 0. Portanto, para todo  > 0, existe δ > 0


tal que 0 < |(x, y)| < δ implica que |xy| < . Como |(x2 − y 2 )/(x2 + y 2 )| 6 1
temos
xy(x2 − y 2 ) (x2 − y 2 )
= |xy| 2 6 |xy| < .

x2 + y 2 x + y2

Concluı́mos daı́ que


xy(x2 − y 2 )
lim f (x, y) = lim = 0 = f (0, 0),
(x,y)→(0,0) (x,y)→(0,0) x2 + y 2
isto é, f é contı́nua na origem.
Note ainda que f é uma função contı́nua em R2 e g e h são funções contı́nuas
em R2 − {(0, 0)}.
Observe que o teorema 2.2 mostra como construir funções contı́nuas novas a
partir de velhas funções contı́nuas; a soma, o produto e o quociente de funções
contı́nuas (nos pontos onde o denominador é diferente de zero!) são, novamente,
funções contı́nuas. Daı́, podemos concluir que a função f do exemplo acima é
contı́nua em R2 , pois, como vimos, é contı́nua na origem e nos demais pontos é
o quociente de duas funções contı́nuas. Da mesma forma podemos demonstrar
que g e h são funções contı́nuas em R2 − {(0, 0)}.
2.3 Funções Contı́nuas 46

O resultado a seguir mostra um novo método de construção de funções


contı́nuas, a saber, a composição de funções contı́nuas é uma função contı́nua.
2.4 Teorema. Se f : Rn → Rm é contı́nua em p ∈ Rn e g : Rm → Rl é
contı́nua em q = f (p) ∈ Rm , então g ◦ f : Rn → Rl é contı́nua em p.
Demonstração. Como g é contı́nua em q temos que, para todo  > 0, existe
um número η > 0 tal que 0 < |y − q| < η implica

g(y) − g(q) < . (∗)
Por outro lado, como f é contı́nua em p, dado o número positivo η, existe δ > 0
tal que 0 < |x − p| < δ implica |f (x) − f (p)| = |y − q| < η. Pela afirmação (∗)
concluı́mos que
g(f (x)) − g(f (p)) = g(y) − g(b) < .
Resumindo, temos que para todo número positivo  existe um número δ > 0 tal
que 0 < |x − p| < δ implica que g(f (x)) − g(f (p)) < , ou seja,
lim g(f (x)) = g(f (p)).
x→p

Assim, dada a função f (x, y) = x2 y 3 sen(xy 2 ), podemos reescrevê-la como


f (x, y) = g(x, y)h(i(x, y)),
em que g(x, y) = x2 y 3 , h(x) = sen x e i(x, y) = xy 2 . Como todas essas funções
são contı́nuas, concluı́mos que f é uma função contı́nua. Combinando os resulta-
dos dessa seção com os resultados da seção anterior, concluı́mos que uma função
f : Rn → Rm é contı́nua se, e somente se, todas suas funções coordenadas são
contı́nuas. Por exemplo, a função
3
f (x, y, z) = xz 4 sen(y 2 ), e−z x , cos(x − xy − z)


é contı́nua. O cálculo do seu limite em um ponto qualquer consiste, portanto,


no cálculo do valor da função nesse ponto.

Exercı́cios
1. Considere a função f : R2 → R e suponha que
lim f (x, y) = L.
(x,y)→(0,0)

Defina g : R → R e h : R → R como g(x) = f (x, 0) e h(y) = f (0, y).


Usando a definição de limite verifique que
lim g(x) = lim h(y) = L.
x→0 y→0

N.B. Isso justifica os argumentos usados no capı́tulo para verificar que


f (x, y) = (x2 − y 2 )/(x2 + y 2 ) não tem limite quando (x, y) → (0, 0).
47 2. Funções e Limites

2. Mostre que
(i) Se lim f (x) = L então lim |f (x)| = |L|;
x→a x→a
(ii) lim f (x) = 0 se, e somente se, lim |f (x)| = 0;
x→a x→a
(iii) Se lim f (x) = L e g : R → R é contı́nua em L, então lim (g ◦ f )(x) =
x→a x→a
g(L).
3. Prove o seguinte resultado, conhecido como teorema do confronto: se
f : Rn → R, g : Rn → R e h : Rn → R são funções tais que g(x) 6 f (x) 6
h(x), para todo x ∈ Rn e

lim g(x) = L = lim h(x).


x→p x→p

Então
lim f (x) = L.
x→p

Dica: Sabemos que os limites de g e h quando x tende para p são iguais


a L. Portanto, dado  > 0, existe δ1 > 0 tal que 0 < |x − p| < δ1 implica
|g(x) − L| < , ou seja,

L −  < g(x) < L + .

Também existe um número δ2 > 0 tal que 0 < |x − p| < δ2 implica

L −  < h(x) < L + .

Agora basta tomar δ = min{δ1 , δ2 } e usar a condição g(x) 6 f (x) 6 h(x).

N.B. Esse teorema vale mesmo quando g(x) 6 f (x) 6 h(x) apenas para
os pontos x ∈ Br (p), em que r é um número real positivo qualquer. Esse
fato é evidente pela demonstração que sugerimos acima.
4. Calcule os seguintes limites, se existirem (não é preciso usar a definição
para determiná-los).
x2 y + y 3
(i) lim ;
(x,y)→(0,0) x2 + y 2
x+y
(ii) lim ;
(x,y)→(1,1) (x − 1)2 + 1

x2 y + y 3 + x2 + y 2
(iii) lim p ;
(x,y)→(2,3) x2 + y 2
4x2 + 3y 2 + x3 y 3
(iv) lim ;
(x,y)→(0,0) x2 + y 2 + x4 y 4

(v) lim ex cos(πy);


(x,y)→(1,1)
2.3 Funções Contı́nuas 48

(vi) lim exy cos(πxy);


(x,y)→(0,1)

(vii) lim sen(xy);


(x,y)→(0,0)
1
(viii) lim .
(x,y)→(0,0) 1 + ln(1 + 1/(x2 + y 2 ))

5. Mostre que os limites abaixo não existem.


x2 − y 2
(i) lim ;
(x,y)→(0,0) x2 + y 2
xy
(ii) lim ;
(x,y)→(0,0) x2 + y 2

xy 2
(iii) lim ;
(x,y)→(0,0) x2 + xy 2

4x2 + y 2 + x3 y 3
(iv) lim .
(x,y)→(0,0) x2 + y 2 + x4 y 4

6. (a) Uma função f : Rn → Rm é dita uma função de Lipschitz se existe


uma constante positiva C tal que
|f (x) − f (y)| 6 C|x − y|,
para todos x ∈ Rn e y ∈ Rn . Mostre que toda função de Lipschitz é
contı́nua.
(b) Uma função de Lipschitz é uma contração se 0 < C < 1. Mostre
que uma contração tem no máximo um ponto fixo, isto é, um ponto
tal que f (x) = x.
N.B. Na verdade pode-se mostrar que toda contração tem um ponto
fixo. Este resultado é conhecido como lema de contração.
7. Dizemos que uma função T : Rn → Rm é uma transformação linear se
T (x + y) = T (x) + T (y),
T (αx) = α T (x),
em que x ∈ Rn , y ∈ Rn e α ∈ R. Usando a definição de limite, mostre que
uma transformação linear é contı́nua em qualquer ponto a ∈ Rn .
Dica: Você deve usar o seguinte fato:
|T (x)| = |T (x1 e1 + · · · + xn en )|
= |T (x1 e1 ) + · · · + T (xn en )|
6 |x1 T (e1 )| + · · · |xn T (en )|
= |x1 ||T (e1 )| + · · · + |xn ||T (en )|
6 (|x1 | + · · · + |xn |)M
6 n max{|x1 |, . . . , |xn |}M
6 n|x|M,
49 2. Funções e Limites

em que M = max{|T (e1 )|, . . . |T (en )|}.


8. Determine o maior conjunto onde a função é contı́nua.
( 2 2
2x −y
, (x, y) 6= (0, 0)
(i) f (x, y) = 2x2 +y2
0 , caso contrário
( 2 3
x y
, (x, y) 6= (0, 0)
(ii) f (x, y) = 2x2 +y2
0 , caso contrário
( 2 3
x y
, (x, y) 6= (0, 0)
(iii) f (x, y) = 2x2 +y2
1 , caso contrário
 xy
2 2 , (x, y) 6= (0, 0)
(iv) f (x, y) = x +xy+y
0 , caso contrário
3

Diferenciação

“There is something pagan in me that I cannot


shake off. In short, I deny nothing, but doubt
everything.”

Lord Byron.

“Há algo pagão em mim que eu não consigo reprimir.


Resumindo, eu nada nego e duvido de tudo.”

Lord Byron.

49
3.1 Derivadas Parciais 50

3.1 Derivadas Parciais


Dados o ponto p = (p1 , . . . , pn ) e a função f : Rn → R, considere
f (p1 , . . . , pi + h, . . . , pn ) − f (p1 , . . . , pi , . . . , pn )
lim .
h→0 h
Quando o limite acima existe ele é chamado de i-ésima derivada parcial de
f no ponto p = (p1 , . . . , pn ) e será denotado por Di f (p).
Se Di f (p) existe, então a função γf : R → R definida por
γf (t) = f (p1 , . . . , pi−1 , t, pi+1 , . . . , pn ), (3.1)
é derivável em pi e γf0 (pi ) = Di f (p). De fato,

f (p1 , . . . , pi + h, . . . , pn ) − f (p1 , . . . , pi , . . . , pn )
Di f (p) = lim
h→0 h
γf (pi + h) − γf (pi )
= lim
h→0 h
= γf0 (pi ).
A partir dessa observação podemos interpretar a derivada parcial Di f (p),
geometricamente, como a inclinação da reta tangente ao gráfico de γf (t) no
ponto t = pi . Em outras palavras, Di f (p) é a inclinação da curva obtida pela
intersecção do gráfico de f com o plano P = {(x1 , . . . , xn , y) ∈ Rn+1 : xj =
pj , j 6= i} no ponto (p, f (p)) (veja figura 3.1).
Essa mesma observação permite demonstrar algumas propriedades algébricas
das derivadas parciais, a saber, se f : Rn → R e g : Rn → R são funções que
possuem a i-ésima derivada parcial no ponto p, então
(i) Di (f + g)(p) = Di f (p) + Di g(p);
(ii) Di (f g)(p) = g(p)Di f (p) + f (p)Di g(p);
 
f g(p)Di f (p) − f (p)Di g(p)
(iii) Se g(p) 6= 0, então Di (p) = ;
g [g(p)]2
(iv) Se h : R → R é derivável em f (p), então Di (h ◦ f )(p) = h0 (f (p))Di f (p).
Para provar (i), por exemplo, basta notar que γf +g (t) = (γf + γg )(t). Daı́
Di (f + g)(p) = γf0 +g (pi )
= (γf + γg )0 (pi )
= γf0 (pi ) + γg0 (pi )
= Di f (p) + Di g(p).
As demais propriedades podem ser demonstradas pelo mesmo raciocı́nio e
serão deixadas como exercı́cio para o leitor. O exemplo abaixo mostra que o
cálculo das derivadas parciais de uma função é um problema que já sabemos
resolver.
51 3. Diferenciação

Figura 3.1. A inclinação da reta tangente à curva obtida pela intersecção


do gráfico de f e o plano P no ponto (p1 , p2 , f (p1 , p2 )) é a derivada parcial
D1 f (p1 , p2 ). A interpretação geométrica de D2 f (p1 , p2 ) é análoga.

Exemplo. Seja f = sen(x) arctan(y). Calcule as derivadas parciais D1 f (p1 , p2 )


e D2 f (p1 , p2 ).
Temos que
f (p1 + h, p2 ) − f (p1 , p2 )
D1 f (p1 , p2 ) = lim
h→0 h
arctan(p2 ) sen(p1 + h) − arctan(p2 ) sen(p1 )
= lim
h→0 h
sen(p1 + h) − sen(p1 )
= arctan(p2 ) lim
h→h h
0
= arctan(p2 )(sen) (p1 )
= arctan(p2 ) cos(p1 ).
Analogamente,
f (p1 , p2 + h) − f (p1 , p2 )
D2 f (p1 , p2 ) = lim
h→0 h
sen(p1 ) arctan(p2 + h) − sen(p1 ) arctan(p2 )
= lim
h→0 h
arctan(p2 + h) − arctan(p2 )
= sen(p1 ) lim
h→0 h
0
= sen(p1 )(arctan) (p2 )
sen(p1 )
= .
1 + p22

Isso mostra que o cálculo das derivadas parciais de uma função depende
apenas da aplicação correta das regras de derivação do cálculo de funções de
3.1 Derivadas Parciais 52

uma variável real. Por exemplo, se f (x, y, z) = xy 2 sen z + xeyz + 3x3 y 2 z, então
as suas derivadas parciais são dadas por

D1 f (p1 , p2 , p3 ) = p22 sen(p3 ) + ep2 p3 + 9p21 p22 p3 ,


D2 f (p1 , p2 , p3 ) = 2p1 p2 sen(p3 ) + p1 cep2 p3 + 6p31 p2 p3 ,
D3 f (p1 , p2 , p3 ) = p1 p22 cos(p3 ) + p1 p2 ep2 p3 + 3p31 p22 .

Se A é o conjunto de todos os pontos p ∈ Rn tais que Di f (p) existe, então


podemos definir uma nova função Di f : A → R, chamada de i-ésima derivada
parcial de f . Quando for possı́vel calcular a j-ésima derivada parcial de Di f
no ponto p ∈ A, definimos a derivada parcial de segunda ordem de f no
ponto p como
Di,j f (p) = Dj (Di f )(p).
Em geral, as derivadas mistas Di,j f (p) e Dj,i f (p) não são iguais.

Exemplo. Considere a função f : R2 → R definida por


(
xy(x2 −y 2 )
f (x, y) = x2 +y 2 , (x, y) 6= (0, 0) . (3.2)
0, (x, y) = (0, 0)

Temos que

f (h, y) − f (0, y) hy(h2 − y 2 ) y3


lim = lim 2 2
= lim − 2 = −y,
h→0 h h→0 h(h + y h→0 y

ou seja, D1 f (0, y) = −y. Usando essa última expressão obtemos que

D1 f (0, h) − D1 f (0, 0) −h − 0
lim = lim = −1.
h→0 h h→0 h
Isto significa que D1,2 f (0, 0) = D2 (D1 f )(0, 0) = −1. Analogamente, D2 (x, 0) =
x, de onde vem D2,1 f (0, 0) = 1 (verifique!). Concluı́mos que D1,2 f (0, 0) 6=
D2,1 f (0, 0).

Dado k ∈ Z, definimos a derivada parcial de ordem k de f como

Di1 ,...,ik−1 ,ik f (p) = Dik (Dik−1 (. . . (Di1 f ) . . . ))(p),

onde p ∈ Rn e 1 ≤ i1 , . . . , ik ≤ n. Dizemos que f é uma função de classe C k


se todas as derivadas parciais de ordem k existem e são contı́nuas. Se f tem
derivadas parciais contı́nuas de todas as ordens dizemos que f é de classe C ∞ .
O próximo resultado nos dá uma condição para que as derivadas mistas
sejam iguais. A demonstração deste teorema será postergada até o próximo
capı́tulo.
53 3. Diferenciação

3.1 Teorema (de Schwarz ). Se f : Rn → R é uma função de classe C 2 então

Di,j f (p) = Dj.i f (p).

Por exemplo, como a função f (x, y, z) = xy 2 sen z +xeyz +3x3 y 2 z é de classe



C , temos que D1,2 f (x, y, z) = D2,1 f (x, y, z), D1,3 f (x, y, z) = D3,1 f (x, y, z) e
D2,3 f (x, y, z) = D3,2 f (x, y, z) (verifique!). Por outro lado, o teorema de Schwarz
implica que a função (3.2) não é de classe C 2 .

N.B. Outras notações comumente encontradas nos livros de cálculo para a i-


ésima derivada parcial de f no ponto p são
∂f (p) ∂f
, (p), fi (p).
∂xi ∂xi
Para as derivadas de segunda ordem encontramos

∂ 2 f (p) ∂2f
, (p), fij (p), fi,j (p), etc.
∂xi ∂xj ∂xi ∂xj
Como as notações acima são amplamente usadas na literatura, usá-las-emos
sempre que precisarmos inserir a discussão em um determinado contexto. À
parte isso, desencorajamos o leitor a usá-las. O exercı́cio 17 no final deste
capı́tulo mostra a que tipo de confusão a notação clássica pode conduzir-nos.

3.2 A Diferencial de uma Função


Seja f : R → R. Dizemos que o número f 0 (p) é a derivada de f no ponto
p ∈ R se
f (p + h) − f (p)
f 0 (p) = lim .
h→0 h
Antes de definir a noção de derivada para o caso de funções f : Rn → Rm
precisamos reformular a definição acima.
3.2 Teorema. A função f : R → R é derivável em p ∈ R se, e somente se,
existe uma transformação linear T : R → R tal que
f (p + h) − f (p) − T (h)
lim = 0. (3.3)
h→0 h
Demonstração. Suponha que f é derivável em p. Seja T : R → R a trans-
formação linear definida por T (h) = f 0 (p)h. Neste caso

f (p + h) − f (p) − T (h) f (p + h) − f (p) − f 0 (p)h f (p + h) − f (p)


= = − f 0 (p),
h h h
ou seja,
f (p + h) − f (p) − T (h)
lim = f 0 (p) − f 0 (p) = 0.
h→0 h
3.2 A Diferencial de uma Função 54

Por outro lado, suponha que T : R → R satisfaz a equação (3.3). Neste caso,
temos que T (h) = T (h.1) = hT (1). Assim,
f (p + h) − f (p) − T (h) f (p + h) − f (p) − T (1) h f (p + h) − f (p)
= = − T (1).
h h h
Concluı́mos daı́ que
f (p + h) − f (p)
lim = T (1),
h→0 h
ou seja, f 0 (p) = T (1).
A transformação linear dada pelo teorema acima é chamada de diferencial
de f no ponto p e é denotada por df (p). Observe que se f é derivável em p ∈ R
então a diferencial de f neste ponto existe e df (p)(h) = f 0 (p) h.
O teorema acima nos dá a maneira correta de estendermos a noção de de-
rivada para funções de várias variáveis. Dizemos que f : Rn → Rm é dife-
renciável em p ∈ Rn se existe uma transformação linear T : Rn → Rm tal
que
|f (p + h) − f (p) − T (h)|
lim = 0. (3.4)
h→0 |h|
A transformação linear T é chamada de diferencial de f em p e denotada por
df (p). O teorema a seguir mostra que a diferencial de uma função está bem
definida.
3.3 Teorema. Seja f : Rn → Rm . Quando existe, a diferencial de f em p é
única.
Demonstração. Suponha que T : Rn → Rm e S : Rn → Rm são trans-
formações lineares que safisfazem a equação (3.4). Temos que
|T (h) − S(h)| |f (p + h) − f (p) − f (p + h) + f (p) + T (h) − S(h)|
=
|h| |h|
|f (p + h) − f (p) − S(h) − [f (p + h) − f (p) − T (h)]|
=
|h|
|f (p + h) − f (p) − S(h)| |f (p + h) − f (p) − T (h)|
6 +
|h| |h|
Isto implica que
|T (h) − S(h)|
lim = 0.
h→0 |h|
Seja p = (p1 , . . . , pn ) ∈ Rn tal que p 6= 0. Lembrando que T e S são
transformações lineares obtemos
|T (tp) − S(tp)| |t||T (p) − S(p)| |T (p) − S(p)|
0 = lim = lim = .
t→0 |tp| t→0 |t||p| |p|
Portanto, T (p) = S(p) para todo p 6= 0. Como T (0) = S(0) = 0 concluı́mos
que T = S.
55 3. Diferenciação

Exemplo. Dado um ponto c ∈ Rm , considere a função f : Rn → Rm definida


por f (x) = c, isto é, a função constante. Vamos mostrar que a função O : Rn →
Rm , que associa para todo h ∈ Rn o vetor nulo 0 ∈ Rm , é a diferencial de f no
ponto p, para todo p ∈ Rn .
Começamos verificando que O é uma transformação linear. De fato,

O(h + h0 ) = 0 = 0 + 0 = O(h) + O(h0 ),


O(αh) = 0 = α0 = αO(h).

Por fim, note que para todo p ∈ Rn temos que

|f (p + h) − f (p) − O(h)| |c − c − 0|
lim = lim = 0.
h→0 |h| h→0 |h|

Pelo teorema anterior concluı́mos que df (p) = O.

Exemplo. Seja T : Rn → Rm uma transformação linear e p ∈ Rn um ponto


qualquer. Então T é diferenciável em p e a sua diferencial neste ponto é igual a
T , isto é,
dT (p)(h) = T (h).
De fato, temos que

|T (p + h) − T (p) − T (h)| |T (p) + T (h) − T (p) − T (h)|


lim = lim = 0.
h→0 |h| h→0 |h|

Segue que dT (p)(h) = T (h).

3.4 Teorema. Se f : Rn → Rm é diferenciável em p então f é contı́nua em p.


Demonstração. Lembrando que df (p) é uma aplicação contı́nua e satisfaz
(3.4), dado h 6= 0 temos

0 6 |f (p + h) − f (p)| = |f (p + h) − f (p) − df (p)(h) + df (p)(h)|



f (p + h) − f (p) − df (p)(h)
= |h| + df (p)(h)
|h|

f (p + h) − f (p) − df (p)(h)
6 |h| + |df (p)(h)|
|h|

ou seja,
lim f (p + h) = f (p).
h→0

Se a função f : Rn → Rm é diferenciável em p ∈ Rn , a matriz da trans-


formação linear df (p) : Rn → Rm na base canônica do espaço euclidiano é
chamada de matriz jacobiana de f em p ou simplesmente de derivada de
3.2 A Diferencial de uma Função 56

f em p e será denotada por f 0 (p). Observe que, neste caso, f 0 (p) é uma matriz
m × n.
Para determinar a matriz jacobiana de uma função f : Rn → Rm nas bases
canônicas {e1 , . . . , en } e {f1 , . . . , fm } de Rn e Rm , respectivamente, calcula-
mos as imagens dos vetores e1 , . . . , en ; os coeficientes da combinação linear de
df (p)(ei ) em termos dos vetores f1 , . . . , fm formam a i-ésima coluna da matriz
f 0 (p). Assim, no caso da função constante f : Rn → Rm , f (x) = c, temos que

O(e1 ) = 0 = 0f1 + 0f2 + · · · + 0fm ,


O(e2 ) = 0 = 0f1 + 0f2 + · · · + 0fm ,
..
.
O(en ) = 0 = 0f1 + 0f2 + · · · + 0fm .

Assim  
0 0 ... 0
0 0 ... 0
f 0 (p) =  . . ..  .
 
 .. .. ..
. .
0 0 ... 0
Podemos dizer, portanto, que a derivada da função constante é a matriz nula.
Considere agora o caso da função identidade f : Rn → Rn , definida por
f (x) = x. É claro que f é uma transformação linear, logo df (p) = f . Como

f (e1 ) = e1 = 1e1 + 0e2 + · · · + 0en ,


f (e2 ) = e2 = 0e1 + 1e2 + · · · + 0en ,
..
.
f (en ) = en = 0e1 + 0e2 + · · · + 1en ,

temos que
 
1 0 ... 0
0 1 ... 0
f 0 (p) =  . . ..  .
 
 .. .. ..
. .
0 0 ... 1
Isso significa que a derivada da transformação identidade é a matriz identidade.
Em particular, quando n = m = 1, temos que f 0 (p) é uma matriz 1 × 1,
digamos f 0 (p) = [λ]. Logo, df (p)(t) = [λ]1×1 .[t]1×1 = λt. Reobtemos dessa
forma a noção de derivada de uma função real.

Exemplo. Seja f : R2 → R uma função definida por f (x, y) = sen x. Vamos


verificar que a transformação linear T (h1 , h2 ) = cos(p1 )h1 é a diferencial de f
no ponto p = (p1 , p2 ).
57 3. Diferenciação

p p
De fato, se h = (h1 , h2 ) observe que |h| = h21 + h22 > h2i = |hi |, i = 1, 2.
Assim obtemos

|f (p + h) − f (p) − T (h)|
06
|h|
|sen(p1 + h1 ) − sen(p1 ) − cos(p1 )h1 |
6
|h1 |

sen(p + h ) − sen p
1 1 1
= − cos(p1 )

h1

Como
sen(p1 + h1 ) − sen(p1 )
lim = cos(p1 ),
h1 →0 h1
pois (sen t)0 = cos t, concluı́mos que

|f (p + h) − f (p) − T (h)|
lim = 0,
h→0 |h|

ou seja, T é a diferencial de f em p ∈ R2 .

Analogamente, se f : R2 → R é dada por f (x1 , x2 ) = f1 (x1 ) + f2 (x2 ), onde


f1 : R → R e f2 : R → R são funções deriváveis, é possı́vel mostrar facilmente
que
df (p)(h) = f10 (p1 )h1 + f20 (p2 )h2 .

Uma observação mais atenta dos exemplos acima mostra que a matriz jaco-
biana de f no ponto p, em ambos os casos, é dada por

f 0 (p) = D1 f (p) D2 f (p) .




De fato, as primeira e segunda colunas de f 0 (p) são dadas, respectivamente,


por df (p)(1, 0) = f10 (p1 ) = D1 f (p) e df (p)(0, 1) = f20 (p2 ) = D2 f (p). Veremos no
próximo parágrafo que isto não é uma coincidência.

3.3 O Cálculo da Diferencial de uma Função


Começamos com o seguinte resultado

3.5 Teorema (Regra da cadeia). Sejam f : Rn → Rm e g : Rm → Rq duas


funções diferenciáveis em p ∈ Rn e f (p) ∈ Rm , respectivamente. Neste caso, a
função g ◦ f : Rn → Rq é diferenciável em p e

d(g ◦ f )(p) = dg(f (p)) ◦ df (p) (3.5)


3.3 O Cálculo da Diferencial de uma Função 58

Portanto, a regra da cadeia nos diz que a diferencial da composição de duas


funções diferenciáveis existe e é dada pela composição das respectivas diferen-
ciais. Em termos das matrizes jacobianas f 0 (p) e g 0 (f (p)), a equação (3.5) se
escreve como
(g ◦ f )0 (p) = g 0 (f (p)) · f 0 (p),
onde ‘·’ representa o produto usual de matrizes. Observe que f 0 (p) é uma matrix
m × n e g 0 (f (p)) é uma matriz q × m; dessa forma o produto g 0 (f (a)) · f 0 (a) está
bem definido e fornece uma matriz q × n, que é a jacobiana de g ◦ f . É muito
importante entender essas duas vertentes da regra da cadeia.
Usando o teorema acima podemos provar o seguinte.

3.1 Proposição. Seja f : Rn → Rm uma função escrita como f = (f1 , . . . , fm ).


Então f é diferenciável em p ∈ Rn se, e somente se, cada fi : Rn → R é dife-
renciável em p. Neste caso

df (p)(h) = (df1 (p)(h), . . . , dfm (p)(h))

ou abreviadamente,
df (p) = (df1 (p), . . . , dfm (p)).

Antes de demonstrá-lo, observe que o resultado acima nos diz que a j-ésima
coluna da matriz jacobiana f 0 (p) é dada por
 
df1 (p)(ej )
 .. 

 . 

 dfi (p)(ej )  .
 
 .. 
 . 
dfm (p)(ej )

Isto significa que o elemento que está na i-ésima linha da j-ésima coluna de
f 0 (p) é o j-ésimo elemento da matriz (linha) fi0 (p). Este é o primeiro passo
para compreendermos a relação entre a diferencial de uma função e as derivadas
parciais de suas componentes.

Demonstração. Suponha que f é diferenciável em a. Para cada i = 1, . . . , m


considere as projeções πi : Rm → R dadas por

πi (x1 , . . . , xm ) = xi .

É claro que essas aplicações são transformações lineares, logo diferenciáveis.


Pela regra da cadeia temos que fi = πi ◦ f é diferenciável. Isso prova a primeira
parte da proposição.
Agora assuma que as funções fi são diferenciáveis em p. Vamos provar que
a transformação linear

T (h) = (df1 (p)(h), . . . , dfm (p)(h))


59 3. Diferenciação

é a diferencial de f em p. De fato, pela desigualdade triangular temos que

|f (p + h) − f (p) − T (h)|
06
|h|

| f1 (p + h) − f1 (p) − df1 (p)(h), . . . , fm (p + h) − fm (p) − dfm (p)(h) |
=
|h|
m
X |fi (p + h) − fi (p) − dfi (p)(h)|
6 .
i=1
|h|

Como
|fi (p + h) − fi (p) − dfi (p)(h)|
lim =0
h→0 |h|
para 1 6 i 6 n, vem que

|f (p + h) − f (p) − T (h)|
lim = 0.
h→0 |h|

Isso conclui a demonstração do resultado.

Sejam v ∈ Rn , p ∈ Rn . A derivada direcional de f : Rn → R em p na


direção de v é definida como o limite

f (p + tv) − f (p)
lim ,
t→0 t
desde que ele exista. Neste caso denotamo-lo por Dv f (p).
Considere a aplicação γ : R → Rn dada por γ(t) = p + tv. Pela pro-
posição acima temos que γ(0) = p e dγ(t)(h) = ((p1 + tv1 )0 h, . . . , (pn + tvn )0 h) =
(v1 , . . . , vn )h = vh. Isto implica que
 
v1
 v2 
γ 0 (t) = dγ(t)(1) =  . 
 
 .. 
vn

Considere a função f ◦ γ : R → R. Pela regra da cadeia temos que

f (p + tv) − f (p)
Dv f (a) = lim
t→0 t
f (γ(t)) − f (γ(0))
= lim
t→0 t
0
= (f ◦ γ) (0) (3.6)
0 0
= f (γ(0)) · γ (0)
= f 0 (p) · v
= df (p)(v).
3.3 O Cálculo da Diferencial de uma Função 60

Obtemos daı́ que df (p)(ej ) = Dej f (p) = Dj f (p) (verifique!). Portanto, se


f : Rn → Rm é uma função diferenciável, combinando esse resultado com a
proposição 7.2, concluı́mos que a entrada da i-ésima linha da j-ésima coluna da
matriz jacobiana f 0 (p) é dada por Dj fi (p), ou seja,
 
D1 f1 (p) D2 f1 (p) . . . Dn f1 (p)
 D1 f2 (p) D2 f2 (p) . . . Dn f2 (p) 
f 0 (p) =  . (3.7)
 
.. .. .. ..
 . . . . 
D1 fm (p) D2 fm (p) . . . Dn fm (p)

Em geral, a mera existência das derivadas parciais de f1 , . . . , fm no ponto


p ∈ Rn não garante que a função f = (f1 , . . . , fm ) é diferenciável nesse ponto.
Para sermos mais precisos enunciamos o

3.6 Teorema. Seja f : Rn → Rm uma função escrita como f = (f1 , . . . , fm ).


Neste caso, se f1 , . . . , fm são funções de classe C 1 , então f é diferenciável e a
matriz jacobiana de f no ponto p é dada por (3.7).

Exemplo. Se f : Rn → R e g : Rn → R são funções diferenciáveis em p ∈ Rn ,


mostre que valem as seguintes regras de diferenciação:

(i) (f + g)(p) = f 0 (p) + g 0 (p);

(ii) (f g)0 (p) = g(p)f 0 (p) + f (p)g 0 (p);


 0
f g(p)f 0 (p) − f (p)g 0 (p)
(iii) Se g(p) 6= 0 então (p) = − .
g [g(p)]2
De fato, temos que f 0 (p) = (D1 f (p) · · · Dn f (p)) e g 0 (p) = (D1 g(p) · · · Dn g(p)).
Assim
(f + g)0 (p) = (D1 (f + g)(p) · · · Dn (f + g)(p))
= (D1 f (p) + D1 g(p) · · · Dn f (p) + Dn g(p))
= (D1 f (p) · · · Dn f (p)) + (D1 g(p) · · · Dn g(p))
= f 0 (p) + g 0 (p).
As demais propriedades são provadas similarmente.

Dada uma função diferenciável f : Rn → R definimos o vetor gradiente


de f em p ∈ Rn como

∇f (p) = (D1 f (p), . . . , Dn f (p)),

ou seja, o vetor gradiente é o vetor cujas coordenadas são iguais às entradas da
matriz jacobiana de f em p. A partir da equação (23) temos que

Dv f (p) = f 0 (p) · v = D1 f (p)v1 + · · · + Dn f (p)vn = h ∇f (p), vi.



61 3. Diferenciação

Quando |v| = 1 obtemos



Dv f (p) = ∇f (p) cos θ, (3.8)

em que θ ∈ [0, π] é a medida, em radianos, do ângulo entre v e ∇f (p). A
equação (3.8) implica que a derivada direcional Dv f (p) atinge seu valor máximo
quando θ = 0 (cosθ = 1) e o seu valor mı́nimo quando θ = π (cos θ = −1). Por
(∇f )(p)
esse motivo dizemos que w = |(∇f )(p)| é a direção de maior crescimento da
função e −w é a direção de maior decrescimento de f .

Exemplo. Suponha que um inseto viaja em uma região onde a temperatura é


2 2 2
uma função dada por T (x, y, z) = ex +y +z . Ao atingir o ponto (0, 0, 1) nosso
pequeno herói percebe que a temperatura está alta demais. Em que direção ele
deve fugir para que suas chances de sobreviver sejam as maiores possı́veis?
Ele deve fugir na direção de maior decrescimento da temperatura, ou seja
na direção de

∇f (p)
w=−  .
| ∇f (p)|

Um cálculo imediato mostra que ∇f (0, 0, 1) = (0, 0, 2e), ou seja, w = −(0, 0, 1).

3.4 Funções Implı́citas


Seja f : R2 → R uma função diferenciável e considere a equação

f (x, y) = c,

em que c é uma constante qualquer. Gostarı́amos de saber quando essa equação


define uma variável, digamos a variável y, como uma função diferenciável da
variável x. Em outras palavras, queremos saber se existe uma função dife-
renciável h : R → R tal que f (x, h(x)) = c.
Suponha inicialmente que uma tal função exista. Nesse caso, se consideramos
a função g : R → R2 definida por

g(x) = (x, h(x)),

temos que f (x, h(x)) = (f ◦ g)(x), logo, pela regra da cadeia temos que

0 = f 0 (x, h(x))
= (f ◦ g)0 (x)
 
 1
= D1 f (x, h(x)), D2 f (x, h(x)) ·
h0 (x)
= D1 f (x, g(x)) + D2 f (x, g(x))h0 (x).
3.4 Funções Implı́citas 62

Portanto, para que exista a função h com as propriedades mencionadas, devemos


ter necessariamente que D2 f (x, h(x)) 6= 0. Nesse caso
D1 f (x, h(x))
h0 (x) = − .
D2 f (x, h(x))
O teorema da função implı́cita afirma que essa condição também é suficiente.
Em outras palavras, se f (a, b) = 0 e D2 f (a, b) 6= 0, então a equação f (x, y) = 0
determina y como uma função de x em uma vizinhança de a e, além disso, a
função assim definida é de classe C ∞ . Vejamos.
3.7 Teorema (Teorema da Função Implı́cita). Seja f : R2 → R uma função de
classe C 1 e seja (a, b) ∈ R2 tal que f (a, b) = c. Então, se D2 f (a, b) 6= 0 existe
uma única função contı́nua h : (a − , a + ) → R tal que
f (x, h(x)) = c.
Além disso, a função h é uma função de classe C ∞ e
D1 f (x, h(x))
h0 (x) = − . (3.9)
D2 f (x, h(x))
Se para uma dada função temos que D2 f (a, b) = 0, então uma função h
nas condições acima pode não existir; pode também ocorrer que ela exista mas
não seja diferenciável ou ainda que seja diferenciável, porém não seja única. Os
exemplos a seguir tornarão esta discussão um pouco mais clara.

Exemplo. Considere a função f (x, y) = x2 + y 2 − 1.


A equação f (x, y) = 0 dá um cı́rculo de raio 1 com centro na origem. Como
D2 f (x, y) = 2y, podemos determinar y em função de x na vizinhança de um
ponto f (a, b) = 0 se, e somente se, D2 f (a, b) = 2b 6= 0, ou seja, b 6= 0.
Observe que a condição b = 0 implica que 0 = f (a, 0) = a2 − 1, ou seja,
a = ±1. Geometricamente, isso significa que não podemos escrever y como uma
função da variável x em uma vizinhança dos pontos 1 e −1 (veja figura 3.2)
Por outro lado, se f (a, b) = 0 e b 6= 0, então podemos encontrar uma única
função contı́nua h : (a − , a + ) → R, para algum  > 0 apropriado, tal que
f (x, h(x)) = 0.
A equação (3.9) nos dá uma equação diferencial que deve ser satisfeita pela
função h. Podemos determinar a função resolvendo essa equação. No caso em
questão temos
D1 f (x, h(x)) x
h0 (x) = − =− ,
D2 f (x, h(x)) h(x)
√ √
cujas soluções são h(x) = 1 − x2 , quando b > 0 e h(x) = − 1 − x2 , quando
b < 0. Observe que quando b > 0 a função h1 : (a − , a + ) → R definida por
( √
− 1 − x2 , x ∈ (a − , a)
h1 (x) = √
1 − x2 , x ∈ [a, a + )
também é solução da equação, mas não é contı́nua.
63 3. Diferenciação

Figura 3.2

Figura 3.3

Exemplo. A função f (x, y) = y 3 − x.


Temos que f (0, 0) = 0, mas como D2 f (0, 0) = 0, essa equação não define y
como uma função diferenciável da variável x em uma vizinhança de 0. De fato,
se resolvemos a equação f (x, y) = 0 para a variável y obtemos que

3
y= x,

que é contı́nua, mas não é diferenciável em x = 0.


3.5 Máximos e Mı́nimos 64

Exemplo. Considere a função f (x, y) = x4 − y 2


Mais uma vez f (0, 0) = 0 e D2 f (0, 0) = 0. Neste caso a equação f (x, y) = 0
nos dá que y 2 = x4 , ou seja
y = ±x2 .
Assim, existe uma função h contı́nua, definida em uma vizinhança de 0 e que
satisfaz f (x, h(x)) = 0, entretanto essa função não é única.

O teorema da função implı́cita pode ser enunciado em uma forma mais ge-
ral, entretanto, a formulação que vimos acima será suficiente para os nossos
propósitos. O leitor interessado em mais informações pode consultar outros
textos de cálculo avançado.

3.5 Máximos e Mı́nimos


Seja f : Rn → R uma função qualquer.
Dizemos que p ∈ Rn é um ponto de máximo local de f se existe um número
 > 0 tal que para todo x ∈ B (p) temos que f (x) 6 f (p). Além disso, p é um
ponto de máximo se f (x) 6 f (p) para todo x ∈ Rn .
Analogamente, p ∈ Rn é um ponto de mı́nimo local de f se existe um
número  > 0 tal que para todo x ∈ B (p) temos que f (x) > f (p). Se f (x) >
f (p) para todo x ∈ Rn , então p é o ponto de mı́nimo
Dizemos ainda que p ∈ Rn é um ponto crı́tico de f se a matriz jacobiana
de f no ponto p é a matriz nula, ou seja

f 0 (p) = (D1 f (p) · · · Dn f (p)) = (0 · · · 0).

A equação acima implica que no ponto crı́tico p todas as derivadas parciais


de f são nulas nesse ponto. Por exemplo todas as funções

f (x, y) = x2 + y 2 ,
g(x, y) = −x2 − y 2 + 1, (3.10)
2 2
h(x, y) = y − x ,

têm pontos crı́ticos no ponto (0, 0).

3.8 Teorema. Seja f : Rn → R uma função diferenciável. Se p ∈ Rn é um


ponto de máximo local ou de mı́nimo local de f , então f 0 (p) = 0.

Demonstração. Neste caso a função γf : R → R definida por (3.1) tem um


ponto de máximo local ou de mı́nimo local no ponto t = pi . Daı́ Di f (p) =
γf0 (pi ) = 0.

O teorema acima nos mostra que devemos procurar os pontos de máximo e


mı́nimo locais de uma função diferenciável f : Rn → R entre os seus eventuais
pontos crı́ticos. Observe que a condição f 0 (p) = 0 não implica que p é um ponto
65 3. Diferenciação

Figura 3.4

de mı́nimo ou máximo locais. No caso da função h(x, y) = y 2 − x2 a origem é


um ponto crı́tico, mas não é um ponto de máximo local nem de mı́nimo local
pois f (0, 0) = 0 e temos que f (x, 0) < 0, f (0, y) > 0; dizemos neste caso que
(0, 0) é um ponto de sela.
O próximo resultado nos mostra uma condição para determinar a natureza
desses pontos quando n = 2.
3.9 Teorema. Seja f : R2 → R uma função de classe C 2 e (a, b) ∈ R2 um
ponto crı́tico de f . Defina

A = D1,1 f (a, b), B = D1,2 f (a, b) e C = D2,2 f (a, b).

Neste caso
a) Se AC − B 2 > 0 e A < 0, então (a, b) é um ponto de máximo local;
b) Se AC − B 2 > 0 e A > 0, então (a, b) é um ponto de mı́nimo local;
c) Se AC − B 2 < 0, então (a, b) é um ponto de sela;
d) Se AC − B 2 = 0, então o teste é inconclusivo.

Exemplo. Vamos verificar a natureza dos pontos crı́ticos das funções (3.10).
No caso da função f temos que A = D1,1 f (0, 0) = 2, B = D1,2 f (0, 0) = 0 e
C = D2,2 f (0, 0) = 2. Logo AC − B 2 = 4 > 0 e A > 0, de onde concluı́mos que
(0, 0) é um ponto de mı́nimo local. De modo análogo verificamos que a origem
é um ponto de máximo local no caso da função g e um ponto de sela no caso de
h (veja a figura 3.4).

Ainda não sabemos dizer em que condições uma função tem ponto de máximo
e mı́nimo. Nos casos em que for pedido que determinemos tais pontos já presu-
mimos a sua existência.

Exemplo. Encontre o ponto do paraboloide z = 4x2 +y 2 que está mais próximo


do ponto (0, 0, 8)
Precisamos encontrar o ponto (x, y, z) que minimiza a função
p p
d(x, y) = (x − 0)2 + (y − 0)2 + (z − 8)2 = x2 + y 2 + (4x2 + y 2 − 8)2 .
3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 66

É fácil mostrar que, neste caso, podemos considerar a função f (x, y) =


d2 (x, y) (veja os exercı́cios no final do capı́tulo). Temos que (x, y) ∈ R2 é um
ponto crı́tico se D1 f (x, y) = D2 f (x, y) = 0. Calculando as derivadas parciais
de f obtemos

D1 f (x, y) = 2x + 16x(4x2 + y 2 − 8) = 2x(32x2 + 8y 2 − 63), (3.11)


2 2 2 2
D2 f (x, y) = 2y + 4y(4x + y − 8) = 2y(8x + 2y − 15). (3.12)

Da equação (3.12) temos x = 0 ou 32x2 + 8y 2 − 63 = 0 e da equação (3.12) vem


y = 0 ou 8x2 + 2y 2 − 15 = 0. Os pontos crı́ticos são obtidos combinando os
resultados acima de maneira que as duas equações anulem-se. Assim, os pontos
crı́ticos são
q q q q
(0, 0), (0, 15
2 ), (0, −
15
2 ), (
63
32 , 0), (−
63
32 , 0).

Note que não existe um ponto (x, y) tal que 32x2 + 8y 2 − 63 = 0 e 8x2 +
2
2y − 15 = 0, pois

4(8x2 + 2y 2 − 15) = 32x2 + 8y 2 − 60 = (32x2 + 8y 2 − 63) + 3.

Calculando o valor da função em cada um dos pontos acima temos


q q q q
(x, y) (0, 0) (0, 15 2 ) (0, − 15
2 ) ( 63
32 , 0) − 63
32 , 0)
f (x, y) 8 31/4 31/4 127/64 127/64
q q
Concluı́mos que (0, 63 32 ) e (0, −
63
32 ) são os pontos de mı́nimo de f . Essa
mesma conclusão poderia ser obtida a partir do teste da segunda derivada. De
fato, um cálculo simples mostra que as derivadas parciais de segunda ordem são

D1,1 f (x, y) = 192x2 + 16y 2 − 126


D1,2 f (x, y) = 32xy
D2,2 f (x, y) = 16x2 + 12y 2 − 30.

No caso do ponto (0, 0) temos que A = D1,1 f (0, 0) = −126, B = D1,2 f (0, 0) =
0 e C = D2,2 f (0, 0) = −30. Isto implica que AC −B 2 > 0 e A < 0, ou seja, q(0, 0)
é um ponto de máximo local. Uma análise semelhante mostrará que (0, 15 2 )
q q q
e (0, − 152 ) são pontos de sela e (0,
63
32 ) e (0, −
63
32 ) são pontos de mı́nimos
locais.

3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios


Limitados
Agora vamos estudar os valores de máximo e mı́nimo de uma função definida
em um subconjunto A ⊂ R2 . Um ponto p ∈ A é dito interior se existe δ > 0
67 3. Diferenciação

R Bδ (p) ⊂ A. O conjunto de todos os pontos interiores de A é denotado


tal que
por A. É claro que int A ⊂ A; dizemos que A ⊂ R2 é um conjunto aberto se
A = int A, ou seja, se para todo p ∈ A podemos encontrar um número δ > 0 tal
que B = Bδ (p) ⊂ A. Portanto, um conjunto é aberto se todos os seus pontos
são interiores.
Por exemplo, por definição o conjunto R2 é aberto, pois toda bola com centro
em um ponto x ∈ R2 , qualquer que seja o seu raio, está contida nesse conjunto.
Também é fácil verificar que o conjunto vazio, denotado por ∅, é aberto. De
fato, se não fosse assim, deverı́amos ser capazes de encontrar um elemento de
∅ que não se ajustasse na definição acima. Como não podemos encontrar tal
elemento, somos forçados a concluir que o conjunto vazio é aberto.
Dizemos que o conjunto A é fechado se o seu complementar A − R2 for
aberto. O ponto p ∈ Rn é exterior a A se podemos encontrar uma bola aberta
centrada nesse ponto inteiramente contida em R2 − A.
Note que, como R2 é aberto, temos que R2 − R2 = ∅ é fechado. Analoga-
mente, como ∅ é aberto, então R2 − ∅ = R2 é fechado. Concluı́mos que R2 e ∅
são abertos e fechados. Chamamos atenção do leitor para esse fato, pois nesse
ponto as definições matemáticas divergem do senso comum.
É fácil verificar que a bola aberta é um conjunto aberto e que a bola fechada
é um conjunto fechado. Além disso, o interior da bola fechada é a bola aberta.
O ponto p ∈ R2 é um ponto de fronteira do conjunto A se, para qualquer
número δ > 0, temos que a bola Bδ (p) contém pontos de A e do seu complemen-
tar. O conjunto de todos os pontos de fronteira de A é chamado de fronteira
de A e denotado por fr A.
Pela definição podemos mostrar que o conjunto

Cr (p) = {x ∈ R2 : |x − p| = r}

é a fronteira de Br (p) e de B r (p). Note que os pontos de fronteira de um


conjunto podem pertencer a esse conjunto ou não. Note ainda que B r (p) =
Br (p) ∪ fr Br (p) = int Br (p) ∪ fr Br (p); esta é uma propriedade de todo conjunto
fechado, a saber, A ⊂ R2 é fechado se, e somente se, A = int A∪fr A (verifique!).

Dizemos que um subconjunto A ⊂ R2 é limitado se dado x ∈ A podemos


encontrar um número R > 0 tal que A ⊂ B r (O), em que O é a origem (essa
exigência não é necessária, a princı́pio O poderia ser qualquer ponto de R2 .
Verifique!). Dizemos que A é compacto se é fechado e limitado. Por exemplo,
a bola fechada é um conjunto compacto, pois é fechada e está contida nela
mesma.
Definições análogas às dadas acima aplicam-se para subconjuntos de Rn .
3.10 Teorema. Se uma função contı́nua está definida em um conjunto com-
pacto, então ela possui ponto de mı́nimo e ponto de máximo nesse conjunto.
Os intervalos fechado são conjuntos compactos em R. Dada uma função
contı́nua f : [a, b] → R, para determinar seus pontos de máximo e mı́nimo
devemos considerar
3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 68

Figura 3.5. Os pontos p00 e p000 são pontos de fronteira. O ponto p é interior
e o ponto p0 é exterior.

(i) Os pontos crı́ticos de f , isto é, os pontos tais que f 0 (x) = 0;

(ii) Determinar os pontos onde f não é derivável;

(iii) Os pontos de fronteira a e b.

Em seguida calculamos o valor da função em cada um desses pontos para deter-


minar o ponto de máximo e o ponto de mı́nimo de f . Em geral, consideramos
apenas funções deriváveis, logo, não precisamos nos preocupar com os pontos
de (ii).
Algo semelhante ocorre no caso de funções de várias variáveis. O problema
é que, nesse último caso, a fronteira do domı́nio de f pode conter um número
infinito de pontos. Para contornar esse problema podemos parametrizar a fron-
teira e usar o método descrito acima para funções de uma variável. Vejamos o
exemplo a seguir.

Exemplo. Calcule os pontos de máximo e mı́nimo da função f (x, y) = x2 + 2y 2


definida no disco D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 6 1}.
Analisamos separadamente os pontos interiores e de fronteira do conjunto
D. No caso dos pontos interiores podemos usar o teorema 3.8, pois, observando
a sua demonstração fica evidente que precisamos apenas que a função f esteja
definida em uma pequena bola centrada nesse ponto. Assim os cadidatos a
pontos de máximo ou mı́numo de f no interior do disco D são os pontos tais
que f 0 (x, y) = 0, ou seja, o ponto (0, 0).
Para o caso dos pontos de fronteira notamos que a função γ : [0, 2π] → fr D,
definida por
γ(t) = (cos t, sen t)
69 3. Diferenciação

é uma função diferenciável e sobrejetiva; dizemos neste caso que γ é uma para-
metrização de fr D (voltaremos a esse assunto com maiores detalhes no capı́tulo
5). A restrição de f à fronteira de D é a função f ◦ γ : [0, 2π] → R. Podemos
determinar os pontos crı́ticos dessa função usando os métodos do cálculo de
funções de uma variável. Como (f ◦ γ)(t) = cos2 t + 2 sen2 t = 1 + sen2 t, as
soluções da equação

0 = f 0 (t) = 2 sen t cos t = sen(2t)

em int([0, 2π]) = (0, 2π) são π2 , π, 3π


2 . Para encontrarmos os candidatos à
pontos de máximo e mı́nimo de f em fr D devemos juntar a esses pontos as
extremidades do intervalo [0, 2π]. Obtemos dessa forma os candidatos 0, π2 , π,
3π π
2 e 2π que correspondem aos pontos γ(0) = γ(2π) = (1, 0), γ( 2 ) = (0, 1),

γ(π) = (−1, 0) e γ( 2 ) = (0, −1), respectivamente.
Calculando os valores da função em cada um dos pontos obtidos vem

(x, y) (0, 0) (1, 0) (0, 1) (−1, 0) (0, −1)


f (x, y) 0 1 2 1 2

Concluı́mos que (0, 0) é o ponto de mı́nimo e (0, 1) e (0, −1) são os pontos
de máximo de f .

Figura 3.6

Nem sempre é fácil parametrizar a fronteira de um conjunto. Entretanto,


muitas vezes ela é dada como o conjunto de nı́vel de um outra função. Nesses
casos podemos usar o resultado a seguir

3.11 Teorema (Multiplicadores de Lagrange). Sejam f : R2 → R e g : R2 → R


funções de classe C ∞ . Suponha que f , quando restrita à curva de nı́vel g −1 (c),
tem máximo local (ou mı́nimo local) no ponto (a, b) e que g 0 (a, b) 6= 0. Neste
caso, existe um número real λ tal que

f 0 (a, b) = λg 0 (a, b).


3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 70

Demonstração. Como (a, b) ∈ g −1 (c), temos que g(a, b) = c. Por hipótese


g 0 (a, b) 6= 0, portanto, podemos assumir sem perda de generalidade que D2 g(a, b) 6=
0. Assim, pelo teorema da função implı́cita, existe uma função h : (a−, a+) →
R, de classe C ∞ , tal que g(x, h(x)) = c.
A função γ : (a − , a + ) → R2 , definida por γ(x) = (x, h(x)), é de classe

C . Pela regra da cadeia temos que

0 = (g ◦ γ)0 (a) = g 0 (a, b) · γ 0 (a).

Por outro lado, como (a, b) é um ponto de máximo local (ou ponto de mı́nimo
local) para a função f restrita à curva de nı́vel g −1 (c), concluı́mos que f ◦ γ :
(a − , a + ) → R tem ponto de máximo local (ou ponto de mı́nimo local) em
a, isto é,
0 = (f ◦ γ)0 (a) = f 0 (a, b) · γ 0 (a).
As duas últimas relações implicam que os vetores gradientes de f e de g são
ortogonais ao vetor γ 0 (a), logo devem ser paralelos. Isto significa que existe um
número real λ tal que
f 0 (a, b) = λg 0 (a, b).

Observe que o teorema acima nos dá três equações



 D1 f (a, b) = λD1 g(a, b)

D2 f (a, b) = λD2 g(a, b) (3.13)

g(a, b) = c,

com as quais podemos determinar os três números a, b e λ. Os pontos (a, b)


serão os candidatos a pontos de mı́nimo e máximo de f sobre g −1 (c). Vejamos
um exemplo

Exemplo. Queremos determinar quais pontos da hipérbole xy = 1 estão mais


próximos da origem. Neste caso tomamos f (x, y) = d2 (x, y) = x2 +y 2 e g(x, y) =
xy − 1. Então o sistema (3.13) fica

 2x = λy

2y = λx

xy = 1

A última equação nos dá que x 6= 0 e y 6= 0, logo pelas primeira e segunda


equações temos
2x 2y
= .
y x
Concluı́mos que x2 − y 2 = 0, ou seja, x = ±y. Como xy = 1, as soluções do
sistema são (1, 1) e (−1, −1).
71 3. Diferenciação

Exemplo. Determine os pontos que estão mais próximos e mais distantes da


origem na curva C = {(x, y) ∈ R2 : x6 + y 6 = 1}.
Devemosp determinar os pontos de máximo e mı́nimo da função distância
d(x, y) = x2 + y 2 restrita à curva C. Para isso, basta analisar a função
f (x, y) = d (x, y) = x2 + y 2 restrita à curva de nı́vel g −1 (1), onde g(x, y) =
2

x6 + y 6 .
Note que g 0 (x, y) = 6x5 6y 5 , isto é, g 0 (x, y) = 0 apenas se x = y = 0.


Como o ponto (0, 0) não pertence à curva C, temos que g 0 (x, y) 6= 0 para todo
ponto de g −1 (1).
Agora passamos ao sistema (3.13), neste caso dado por
 5  4
 2x = 6λx
  2x(1 − 3λx ) = 0

2y = 6λy 5 , ou seja, 2y(1 − 3λy 4 ) = 0 .

 6 
x + y6 = 1
 6
x + y6 = 1
Da primeira equação vem que x = 0 ou 1 − 3λx4 = 0. Da segunda obtemos
que y = 0 ou 1 − 3λy 4 = 0. É claro que não podemos ter x = y = 0, pois
nesse caso, a terceira equação não se verifica. Por outro lado, se x = 0, usando
a terceira equação temos que y = ±1. Analogamente se y = 0 temos x = ±1.
Nos dois casos λ = 13 .
Agora suponha que 1 − 3λx4 = 0 = 1 − 3λy 4 . Como λ 6= 0 (caso contrário
1
terı́amos x = y = 0) concluı́mos que x4 = 3λ = y 4 , de onde vem que y = ±x.
p
Substituindo na terceira equação encontramos x = ± 6 1/2. Assim, encontra-
mos mais quatro soluções, a saber,
r r r r r r r r
6 1 6 1 6 1 6 1 6 1 6 1 6 1 6 1
( , ), ( ,− ), (− , ), (− ,− ). (3.14)
2 2 2 2 2 2 2 2
q q √
Como f (±1, 0) = f (0, ±1) = 1 e f (± 6 12 , ± 6 12 ) = 22 > 1, concluı́mos
3

que (1, 0), (−1, 0), (0, 1) e (0, −1) são pontos de mı́nimo e (3.14) são os pontos
de máximo de f .

Informamos ao leitor que o teorema de Lagrange também é válido para


funções com mais de duas variáveis. Por exemplo, no caso de funções de três
variáveis nosso sistema tem quatro equações

 D1 f (a, b, c) = λD1 g(x, y, z)


 D f (a, b, c) = λD g(x, y, z)
2 2
, (3.15)

 D 3 f (a, b, c) = λD3 g(x, y, z)


g(a, b, c) = c
a partir das quais podemos determinar x, y, z e λ. Além disso, em algumas
situações práticas, a função f pode estar restrita a um conjunto que é dado pela
intersecção de dois (ou mais!) conjuntos de nı́vel de outras funções. Alguns
desses casos serão abordados nos exercı́cios.
3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 72

Exercı́cios

1. Se três resistores R1 , R2 e R3 estão conectados em paralelo, a resistência


elétrica resultante é dada por

1 1 1 1
= + + .
R R1 R2 R3

(i) O quê é D1 R?
(ii) Suponha que R1 , R2 e R3 são resistores variáveis ajustados a 100, 200
e 300 ohms respectivamente. O quão rápido R muda em relação a
R1 ?

2. Seja f (x, y) = 3x2 + 2 sen(x/y) + y 3 (1 − ex ). Calcule D1 f (2, 3), D1 f (0, 1),


D2 f (1, 1) e D2 f (−1, −1).

3. Seja f (x, y) = x4 y 3 − x8 + y 4 Calcule

(i) D3,1,2 f , D3,2,1 f e D2,1,3 f ;


(ii) D2,2,1 f , D2,1,2 f e D1,2,2 f ;
(iii) D1,2 f , D1,1 f , D2,1 f e D2,2 f ;
N.B. Observe a igualdade das derivadas parciais mistas.

4. Considere o conjunto A = R2 − (x, y) ∈ R2 : x ≥ 0, y = 0 . A função
argumento θ : A → R pode ser definida como

arctan xy

 , x > 0, y > 0
y

 arctan x + π ,x < 0


θ(x, y) = arctan xy + 2π , x > 0, y < 0 ,
π
, x = 0, y > 0




 3π2
2 , x = 0, y < 0

onde arctan é a inversa da função tangente no intervalo (− π2 , π2 ). Mostre


que
−y x
D1 θ(x, y) = 2 2
, D2 θ(x, y) = 2 .
x +y x + y2

Dica: Nos pontos onde x 6= 0 o resultado segue trivialmente, pois arctan0 (t) =
1
1+t2 (verifique). Agora suponha que x = 0 e y > 0. Neste caso temos que

θ(x, y) − θ(0, y) arctan xy − π


2
lim+ = lim+
x→0 x x→0 x
e
θ(x, y) − θ(0, y) arctan xy + π − π
2 arctan xy + π
2
lim = lim = lim .
x→0− x x→0− x x→0− x
73 3. Diferenciação

π π
Como lim arctan(t) = e lim arctan(t) = − , cada um dos limites
t→+∞ 2 t→−∞ 2
acima pode ser calculado pela regra de L’Hôpital. Concluı́mos que
θ(x, y) − θ(0, y) θ(x, y) − θ(0, y) 1
D1 θ(0, y) = lim+ = lim− = − , (y > 0).
x→0 x x→0 x y

Resta agora verificar o caso y < 0 e depois calcular de forma análoga a


derivada parcial em relação à variável y nesses pontos (que é considera-
velmente mais fácil!).
5. Seja f (x, y) = x2 + y 2 e suponha que (x, y) move-se ao longo da curva
γ(t) = (x(t), y(t)) = (cos t, et ).
(i) Encontre g(t) = f (γ(t)) = f (x(t), y(t)) e calcule g 0 (t)
(ii) Mostre que o resultado acima é o mesmo que

D1 f (x(t), y(t))x0 (t) + D2 f (x(t), y(t))y 0 (t).

6. A função z = f (x, y) é dita harmônica se satisfaz a equação de Laplace

D1,1 f (x, y) + D2,2 f (x, y) = 0.

Mostre que f (x, y) = x3 − 3xy 2 é uma função harmônica.


7. Sejam f e g funções de uma variável real. Defina φ(x, t) = f (x−t)+g(x−t).
(i) Prove que ϕ(x, t) satisfaz a equação da onda

D1,1 ϕ(x, t) = D2,2 ϕ(x, t);

(ii) Esboçe o gráfico de ϕ em t e x se f (x) = x2 e g(x) = 0.


8. (i) Verifique que g(x, t) = 2 + e−t sen x satisfaz a equação do calor gt =
gxx . (Aqui g(x, t) representa a temperatura em de uma barra na
posição x e no tempo t.)
(ii) Esboçe o gráfico de g para t ≥ 0;
Dica: Olhe as secções pelos planos t = 0, t = 1 e t = 2.
(iii) O quê acontece com g(x, t) se t → ∞? Interprete esse limite em
termos do comportamento do calor na barra.
9. (O espaço tangente de um gráfico) Se f : Rn → R é uma função dife-
renciável, definimos
 o espaço tangente de Gr f no ponto a = a1 , . . . , an ,
f (a1 , . . . , an) ∈ Rn+1 como o gráfico da função P : Rn → R definida por

P (x1 , . . . , xn ) = f (a) + D1 f (a)(x1 − a1 ) + · · · + Dn f (a)(xn − an ).

Note que se (x1 , . . . , xn , xn+1 ) ∈ Gr P temos que

D1 f (a)(x1 − a1 ) + · · · + Dn f (a)(xn − an ) − (xn+1 − f (a)) = 0.


3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 74

Se n = 2, a equação acima se reescreve como

D1 f (a, b)(x − a) + D2 f (a, b)(y − b) − (z − f (a, b)) = 0,

que é a equação de um plano passando por (a, b, f (a, b)) com vetor normal
(D1 f (a, b), D2 f (a, b), −1), chamado de plano tangente de Gr f no ponto
(a, b) ∈ R2 . Calcule a equação do plano tangente ao gráfico das funções
abaixo.
x2 +y 2
(i) f (x, y) = xy , em (1, 2);
(ii) f (x, y) = ex y, em (−1, 1).

10. Calcule f 0 para as seguintes funções:

(i) f (x, y) = x2 − y 2 ;
(ii) f (x, y, z) = 3x − yz 3 ;
(iii) f (x, y) = (x, y);
(iv) f (x, y) = (x3 y 2 , xy);
(v) f (r, θ) = (r cos θ, r sen θ));
(vi) f (r, θ, φ) = (r sen φ cos θ, r sen φ sen θ, r cos θ);
(vii) f (x, y) = (x sen y, exy );
(viii) f (x, y) = xy ;
(ix) f (x, y, z) = (xy , z);
(x) f (x, y) = sen(x sen y);
(xi) f (x, y) = sen(x sen(y sen z));
Rx 
(xii) f (x, y, z) = xz + ez 0 t2 et dt .
Dica: Para calcular as derivadas parciais de (xii) você deve usar o
Teorema Fundamental do Cálculo:
Z x
d
f (t)dt = f (x).
dx a

11. O jacobiano de f : Rn → Rm , que denotaremos por J(f ), é o determi-


nante da matriz jacobiana de f , isto é

[J(f )](a) = det f 0 (a) .




Calcule o jacobiano das funções abaixo.

(i) f (r, θ) = (r cos θ, r sen θ));


(ii) f (r, θ, z) = (r cos θ, r sen θ, z);
(iii) f (r, θ, ϕ) = (r sen ϕ cos θ, r sen ϕ sen θ, r cos θ);
75 3. Diferenciação

12. Dizemos que uma função f : Rn → Rn é par se f (x) = f (−x). Mostre


que se f é diferenciável e par, então a matriz jacobiana na origem é a
matriz nula.
Dica: Aplique a regra da cadeia à igualdade f (x) = f (−x) para mostrar
que Di f (0) = 0 para todo i = 1, . . . , n.

13. (O mistério do dx revelado...) Seja f : Rn → R uma função derivável e


considere a projeções

πi (x1 , . . . , xn ) = xi , i = 1 . . . n.

(i) Verifique que πi é uma aplicação linear e conclua daı́ que dπi (a)(h) =
hi , onde hi é a i-esima componente de h.
(ii) Mostre que

∂f ∂f ∂f
df (a)(h) = (a)h1 + (a)h2 + · · · + (a)hn .
∂x1 ∂x2 ∂xn

(iii) Escreva dπi = dxi e use a fórmula acima para verificar que

∂f ∂f ∂f
df (a)(h) = (a)dx1 (a)(h)+ (a)dx2 (a)(h)+· · ·+ (a)dxn (a)(h),
∂x1 ∂x2 ∂xn

ou abreviadamente,

∂f ∂f ∂f
df = dx1 + dx2 + · · · + dxn .
∂x1 ∂x2 ∂xn

N.B. No caso de uma função f : R3 → R é comum escrevermos


x1 = x, x2 = y e x3 = z. Assim, obtemos a famigerada fórmula do
cálculo que por tanto tempo pareceu um inextricável mistério:

∂f ∂f ∂f
df = dx + dy + dz.
∂x ∂y ∂z

14. Usando a regra da cadeia, prove a equação do item (ii) do exercı́cio 5.

15. Suponha que x e y são funções de uma terceira variável t e satisfazem as


dy
relações abaixo. Encontre a relação entre dx
dt e dt em cada caso.

(i) x ln y = 1;
(ii) x4 + y 4 = 1;
(iii) sen(xy) + cos(xy) = 1;
(iv) x2 + 3y 2 = 10.

Dica: Derive as expressões acima usando a regra da cadeia.


3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 76

16. (A diferencial da função inversa) Seja f : Rn → Rn uma função dife-


renciável com inversa diferenciável; a propósito, funções com essa proprie-
dade são chamadas de difeomorfismos. Mostre que df −1 (p) = [df (p)]−1
e det(f 0 ) 6= 0, para todo p ∈ Rn .
Dica: Use a regra da cadeia.
N.B. Vale uma recı́proca local desse resultado: Se f : Rn → Rn é uma
função diferenciável tal que det[f 0 (p)] 6= 0, então existe uma vizinhança
U ⊂ Rn de p tal que a restrição de f a U é um difeomorfismo sobre
a imagem. Dizemos, por isso, que neste caso f é um difeomorfismo
local. Esse resultado é conhecido como teorema da função inversa;
diferentemente do exercı́cio acima, a sua demonstração não é elementar.

17. Usando a regra da cadeia, calcule f ◦ g em cada um dos ı́tens abaixo

(i) Sejam f : R3 → R e g : R3 → R3 tais que

(f ◦ g)(x, y, z) = f (g(x, y, z)) = f (u(x, y, z), v(x, y, z), r(x, y, z)).

Usando a regra da cadeia verifique que

∂f ∂f ∂u ∂f ∂v ∂f ∂w
= + + .
∂x ∂u ∂x ∂v ∂x ∂w ∂x

N.B. Eu sei que a fórmula acima pode parecer confusa no inı́cio.


Grande parte dessa confusão é devida a notação clássica das derivadas
parciais. Em notação moderna a fórmula se reescreve como
3
X
D1 (f ◦ g) = D1 f D1 g1 + D2 f D1 g2 + D3 f D1 g3 = Di f D1 gi ,
i=1

onde g1 , g2 e g3 são as funções coordenadas de g (u, v e w no exemplo


acima). Se você quiser acrescentar o ponto onde derivamos a função
obtemos algo um pouco maior, porém mais inteligı́vel:
3
X
D1 (f ◦ g)(a) = Di f (g1 (a), g2 (a), g3 (a))D1 gi (a).
i=1

(ii) Aplique o item (i) para f (x, y, z) = x2 +y 2 −z e g(x, y, z) = (x2 y, y 2 , e−xz ).

18. Calcule D1 (f ◦ g)(x, y) e D2 (f ◦ g)(x, y) se

x2 + y 2
f (x, y) = , g(x, y) = (e−x−y , exy )
x2 − y 2

por substituição e usando a regra da cadeia.


77 3. Diferenciação

19. Definimos o laplaciano de uma função f : R2 → R, de classe C 2 , como

4f (x, y) = D1,1 f (x, y) + D2,2 f (x, y).

Se g : (0, +∞) × (0, 2π) → R2 é definida por g(r, θ) = (r cos θ, r sen θ) e


h(r, θ) = (f ◦ g)(r, θ), mostre que
 1 1
4f g(r, θ) = D1,1 h(r, θ) + D1 h(r, θ) + 2 D2,2 h(r, θ),
r r
ou ainda, em notação clássica,
 ∂2h 1 ∂h 1 ∂2h
4f g(r, θ) = 2
(r, θ) + (r, θ) + 2 2 (r, θ).
∂r r ∂r r ∂θ
Dizemos que a expressão acima representa o laplaciano da função f em
coordenadas polares.
20. De maneira geral, o laplaciano de uma função diferenciável f : Rn → R
no ponto x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn é definido como
n
X
4f (x) = D1,1 f (x) + D2,2 f (x) + · · · + Dn,n f (x) = Di,i f (x).
i=1

Sejam f : R3 → R uma função diferenciável e g : (0, +∞) × (0, 2π) ×


(0, π) → R3 uma função definida por

g(r, θ, ϕ) = (r sen ϕ cos θ, r sen ϕ sen θ, r cos θ).

Definindo h(r, θ, ϕ) = (f ◦ g)(r, θ, ϕ), mostre que


 2
4f g(r, θ, ϕ) = D1,1 h(r, θ, ϕ) + D1 h(r, θ, ϕ)
r
1 cos θ
+ 2 D2,2 h(r θ, ϕ) + 2 D2 h(r, θ, ϕ)
r r sen θ
1
+ 2 D3,3 h(r, θ, ϕ).
r sen2 θ
A expressão acima é chamada de laplaciano de f em coordenadas esféricas.

Dica: Este exercı́cio é para os masoquistas. Calcule, calcule, calcule,...


21. Sejam f, g : R → R3 e h : R → R definida como h(t) = hf (t), g(t)i.
(i) Mostre que

h0 (a) = hf 0 (a)T , g(a)i + hf (a), g 0 (a)T i.

Note que f 0 (a) é uma matrix 3x1, logo sua transposta f 0 (a)T é uma
matrix 1x3, que pode ser considerada como um vetor de R3 ;
3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 78

Dica: Considere as funções F : R6 → R e G : R → R6 definidas por

F (x, y, z, w, r, s) = h(x, y, z), (u, v, w)i = xu + yv + zw,


G(t) = (f (t), g(t)).

Neste caso h(t) = (F ◦ G)(t) = F (G(t)). Agora derive cada função


separadamente e use a regra da cadeia.
(ii) Mostre que se kf (t)k = 1 para todo t ∈ R então hf 0 (a)T , f (a)i = 0.

22. Suponha que f, g : Rn → R são funções de classe C 1 . Mostre que



(i) Se f =constante, então ∇f = 0, ou seja, ∇f (p) = 0 para todo
p ∈ Rn ;
(ii) ∇(f + g) = ∇f + ∇g;
(iii) ∇(cf ) = c∇f , onde c é uma constante;
(iv) ∇(f g) = f ∇g + g∇f ;
 
(v) ∇ fg = g∇fg−f 2
∇g
, nos pontos onde g 6= 0.

23. Mostre mais uma vez que a derivada direcional goza das seguintes propri-
edades

(i) Dv f (p) = df (p)(v) e conclua daı́ que Dv f (p) = h∇f (p), vi;
∂f
(ii) Dei f (p) = Di f (p) = ∂xi (p);
(iii) Dtv f (p) = tDv f (p) e Dv+w f (p) = Dv f (p) + Dw f (p);
(iv) Mostre que Dv (f + g)(p) = Dv f (p) + Dv g(p);
(v) Mostre que Dv (f g)(p) = g(p)Dv f (p) + f (p)Dv g(p).

24. (Fórmula de Taylor para funções de vária variáveis) Dada uma função
f : Rn → R, a derivada direcional de ordem 2 de f é definida como
(rigorosamente: derivada direcional de ordem 2 de f na direção de v no
ponto p...ufa!)

Dv2 f (p) = Dv (Dv f )(p) = Dv (v1 D1 f + · · · + vn Dn f )(p).

(i) Mostre que no caso de uma função de duas variáveis f : R2 → R


temos que Dv2 f (p) = v12 D1,1 f (p) + 2v1 v2 D1,2 f (p) + v22 D2,2 f (p), ou
seja,
∂2f ∂2f ∂2f
Dv2 f (p) = v12 2 (p) + 2v1 v2 (p) + v22 2 (p).
∂x ∂x∂y ∂y
Dica: Use o exercı́cio (23)
(ii) Verifique que Dh2 f (p) = v.H(p).v t , onde
   
D1,1 f (p) D1,2 f (p) v
v = (v1 , v2 ), H(p) = e vt = 1 .
D2,1 f (p) D2,2 f (p) v2
79 3. Diferenciação

A matriz H(p) é chamada de matriz hessiana de f no ponto p.


Em geral, para o caso de uma função f : Rn → R temos que
Dv2 f (p) = v.H(p).v t , onde a matriz hessiana é dada por H(p) =
[Di,j f (p)]1≤i,j≤n .
O teorema de Taylor nos diz que, se f é e classe C ∞ , então
n
X Dk f (p)
v
f (p + v) = + Rn (v),
k!
k=0

onde Dv0 f (p) = f (p) e Rn é uma função tal que

Rn (v)
lim = 0.
v→0 kvkn

25. Prove o teste da segunda derivada (teorema 3.9, página 65) enunciado
neste capı́tulo. Dica: Analise a matriz Hessiana de f .

26. Calcule as derivadas direcionais das funções abaixo nos pontos e direções
indicados.

(i) f (x, y) = x + 2x2 − 3xy, (x0 , y0 ) = (1, 1), v = ( 35 , 45 );


p √ √
(ii) f (x, y) = ln( x2 + y 2 ), (x0 , y0 ) = (1, 0), v = ( 2 5 5 , 55 );
(i) f (x, y, z) = xyz, (x0 , y0 , z0 ) = (1, 1, 1), v = ( √12 , 0, √12 );
(i) f (x, y, z) = ex + yz, (x0 , y0 , z0 ) = (1, 1, 1), v = ( √13 , − √13 , √13 ).
2
27. Seja f (x, y, z) = e−z sen(xy). Em que direção a partir de (1, π, 0) devemos
nos deslocar para que f cresça mais rapidamente?

28. O Capitão Kirk está em apuros! Sua espaçonave está próxima ao Sol, na
posição (1, 1, 1), quando ele percebe que sua estrutura começou a derreter.
Seu computador informa que, nas redondezas, a temperatura pode ser
2 2 2
calculada pela função T (x, y, z) = e−x −2y −3z graus Celsius, em que
x, y, e z são medidos em metros.

(i) Em que direção o Capitão Kirk deve seguir para que a temperatura
decresça o mais rápido possı́vel. Explique a sua resposta; R. (1,2,3)

14
.
(ii) Se a nave viaja a e8 metros por segundo,
√ qual será a taxa da queda de
temperatura nessa direção? R. −2 14e2 graus Celsius por segundo.

29. Suponha que uma montanha tem o formato de um paraboloide elı́ptico


z = c − ax2 − by 2 , onde a, b e c são constantes e z é a altura (x, y, e z
são medidos em metros). No ponto (1, 1), em que direção a altitude está
crescendo mais rapidamente? Se um bola é solta no ponto (1, 1), em que
direção ela deve começar a rolar?
3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 80

x2 −y 2
30. (i) Em que direções a derivada direcional de f (x, y) = x2 +y 2 em (1, 1) é
(1,1)
igual a zero? R. √
2
e − (1,1)

2
(x0 ,y0 )
(ii) E em um ponto arbitrário (x0 , y0 ) do primeiro quadrante? R. √ 2 2 x0 +y0
(x0 ,y0 )
e √ 2 2
x0 +y0

(iii) Descreva as curvas de nı́vel de f em termos do resultado de (ii).


Justifique. R. As curvas de nı́vel são tangentes às direções do item
(ii)
31. Sejam f : R3 → R uma função diferenciável e C uma curva contida na
superfı́cie de nı́vel f −1 (k). Dada uma parametrização γ : I → C, mostre
que o vetor gradiente de f nos pontos da curva é perpendicular a ela, ou
seja
h ∇f γ(t) , γ 0 (t)i = 0.
 

Para cada função abaixo, encontre ∇f (0, 0, 1) e esboce-o na superfı́cie de


nı́vel f (x, y, z) = 1.
(i) f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 ;
(ii) f (x, y, z) = z − x2 − y 2 ;
(iii) f (x, y, z) = z − x − y;
(iv) f (x, y, z) = z 2 − x − y.
32. A Lei da Gravitação Universal de Newton afirma que a força gravitacional
exercida sobre uma massa m em (x, y, z) por uma massa M na origem é
dada por
GmM
F =− r,
krk3
onde r = (x, y, z). Mostre que F = −∇V , onde

GmM GmM
V (x, y, z) = − = −p
|r| x2 + y 2 + z 2

é a função potencial gravitacional. O que podemos dizer sobre F em


relação às superfı́cies de nı́vel de V ?
N.B. Campos com essa propriedade, isto é, que podem ser expressos como
o campo gradiente de uma função escalar (chamada de função potencial),
são chamados de campos conservativos. Veremos no futuro algumas pro-
priedades interessantes desses campos.
33. Julgue se cada uma das equações abaixo define y implicitamente como
função de x e, caso afirmativo, calcule y 0 (x).
(i) 3x2 + y 2 − ex = 0, (x0 , y0 ) = (0, 1);
(ii) x2 + y 4 = 1, (x0 , y0 ) = (0, 1);
81 3. Diferenciação

(iii) cos(x + y) = x + 21 , (x0 , y0 ) = (0, π3 );


(iv) cos(xy) = 1/2, (x0 , y0 ) = (1, π3 ).
34. Encontre os pontos crı́ticos de cada função abaixo e classifique-os.
(i) f (x, y) = x2 + y 2 + 6x − 4y + 13;
(ii) f (x, y) = x2 − y 2 + xy − 7;
(iii) f (x, y) = y 2 − x2 ;
(iv) f (x, y) = x2 + xy 2 + y 4 ;
2
−y 2
(v) f (x, y) = (x2 + y 2 )ex ;
1+x2 −y 2
(vi) f (x, y) = e ;
(vii) f (x, y) = ln [2 + sen(xy)], (considere apenas o ponto crı́tico (0, 0));
(viii) f (x, y) = sen(x2 + y 2 ), (considere apenas o ponto crı́tico (0, 0)).
2 2
35. Verifique que os pontos crı́ticos de f (x, y) = (x2 + y 2 )e(−x −y ) ocorrem
na origem e sobre o cı́rculo x2 + y 2 = 1. Classifique cada um desse pontos
usando a regra da segunda derivada.
36. A reação a um medicamento pode ser medida de acordo com a seguinte
função R(u, t) = u2 (c − u)t2 e−t , onde 0 ≤ u ≤ c, t ≥ 0. Os sı́mbolos
u e t representam a concentração de medicamento e o tempo em horas,
respectivamente. Encontre a dosagem u e o tempo t tais que R é máxima.
37. Mostre que se f > 0 e g(x, y) = f 2 (x, y) então f e g tem os mesmos pontos
crı́ticos e eles são do mesmo tipo.
38. (Método dos mı́nimos quadrados) Algumas vezes a teoria que dá suporte
a um certo experimento sugere que o conjunto de dados coletados deve
ajustar-se em uma reta. A informação coletada, entretanto, devido às
intrı́nsecas limitações técnicas que ocorrem na prática, não correspondem
exatamente àquilo previsto teoricamente. O método dos mı́nimos qua-
drados nos mostra como determinar a reta que melhor se ajusta um um
certo conjunto de dados iniciais (x1 , y1 ), (x2 , y2 ), . . . , (xk , yk ). Para isso
procedemos da seguinte forma: dada uma reta com equação y = mx + n,
então para i = 1, . . . , k definimos o desvio do ponto (xi , yi ) como di =
yi − (mxi + n), veja a figura 38. A soma dos quadrados dos desvios é uma
função de m e n
k
X
f (m, n) = d21 + d22 + · · · + d2k = [yi − (mxi + n)]2
i=1

e procuramos por um ponto (m0 , n0 ) que minimize f : R2 → R, isto é,


que torne a soma dos quadrados dos desvios a menor possı́vel. Note que
se tivéssemos considerado apenas a soma dos desvios g(m, n) = d1 + d2 +
· · · + dk , como eventualmente uns são positivos e outros negativos, haveria
cancelamentos e poderı́amos obter uma aproximação ruim y = m0 x + n0
mesmo para um ponto mı́nimo (m0 , n0 ) de g.
3.6 Valores Extremos de Funções em Domı́nios Limitados 82

Figura 3.7. Os desvios para k = 4.

(a) Mostre que as equações de pontos crı́ticos de f são


k
! k
X X
m xi + kn = yi ,
i=1 i=1
k
! k
! k
X X X
m x2i +n xi = xi y1 .
i=1 i=1 i=1

(b) Verifique que se são dados apenas dois pontos (x1 , y1 ) e (x2 , y2 ), então
a reta obtida pelo método é a reta passando por esses pontos.
(c) Se y = m0 x+n0 é o melhor ajuste para os pontos (x1 , y1 ), (x2 , y2 ), . . . , (xk , yk )
de acordo com o método dos mı́nimos quadrados, mostre que
k
X
(yi − m0 xi − n0 ) = 0,
i=1

isto é, os desvios positivos e negativos cancelam-se.


(d) Use o teste da segunda derivada para mostrar que o ponto crı́tico de
f é um ponto de mı́nimo.
(e) Use o método dos mı́nimos quadrados para encontra a reta que me-
lhor se ajusta aos pontos (0, 1), (1, 3), (2, 2), (3, 4) e (4, 5). Desenhe
os pontos e a reta para ver o resultado.
q
3
39. Encontre a distância do plano x − y + 2z = 3 até a origem. R. 2.

40. Encontre a distância do plano x + 2y + 3z − 10 = 0 para (i) a origem; (ii)


para o ponto (1,1,1)
41. Encontre a os pontos do paraboloide z = 4x2 +y 2 que estão mais próximos
de (0, 0, a). Como a sua resposta depende de a?
83 3. Diferenciação

r !
1 1 1 1 1
R. Se a ≤ 8 então o ponto é (0, 0, 0). Se a > 8, temos ± a − , 0, a −
2 8 8

42. Analise os pontos crı́ticos de f (x, y) = x5 y + xy 5 + xy.


43. Analise o ponto crı́tico em (0, 0) da função f (x, y) = x2 + y 3 . Em último
caso faça um esboço do gráfico de f .
44. Encontre os pontos mais distantes e mais próximos da origem na curva
x6 +y 6 = 1 R. Os pontos
q (0, ±1)
q e (±1, 0) estão mais próximos da origem,
1 1
enquanto os pontos (± 6 2, ±
6
2) estão mais afastados.
Dica: Encontre os valores máximo e mı́nimo de f (x, y) = x2 + y 2 restrita
a g(x, y) = x6 + y 6 = 1. Use o teorema dos multiplicadores de Lagrange.
45. Uma caixa retangular sem tampa deve ser feita com 12m2 de madeira.
Encontre o maior volume possı́vel de tal caixa.
R. Devemos ter x = y = 2 e z = 1, isto é, V = 4m3 .
Dica: Queremos maximizar V (x, y, z) = xyz restrito a g(x, y, z) = 2xz +
2yz + xy = 12 (por quê?).
46. A densidade de uma superfı́cie esférica metálica x2 + y 2 + z 2 = 4 é dada
por ρ(x, y, z) = 2 + xz + y 2 . encontre os locais onde a densidade é máxima
e mı́nima.
R.√A densidade
√ é máxima em (0, ±2, 0) (onde ρ = 6) e mı́nima em
(± 2, 0, ∓ 2) (onde ρ = 0).
47. Encontre os pontos da esfera x2 + y 2 + z 2 = 4 que estão mais próximos de
(3,1,-1)
R. ( √611 , √211 , − √211 ).

48. Encontre o valor máximo de f (x, y, z) = x+2y+3z na curva de intersecção


do plano x − y + z = 1 com o cilindro x2 + y 2 = 1.

R. 3 + 29.
Dica: Neste caso a função está restrita a duas superfı́cies de nı́vel g(x, y, z) =
x − y + z = 1 e h(x, y, z) = x2 + y 2 = 1. A equação de Lagrange se escreve
como
∇f = λ∇g + µ∇h.
Obtemos dessa forma um sistema com cinco equações e cinco variáveis,
a saber, x, y, z, λ e µ. Novamente, pontos que são soluções deste sistema
serão os candidatos a máximos e mı́nimos de f .
4

Integração

“Die Welt ist die Gesamtheit der Tatsachen,


nitch der Dinge. ”

Tractatus Logico-Philosophicus,
Ludwig Wittgenstein.

“O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.”

Tractatus Logico-Philosophicus,
Ludwig Wittgenstein.

83
4.1 Integração em Retângulos 84

4.1 Integração em Retângulos


Por definição, um conjunto da forma R = [a, b] × [c, d] ⊂ R2 é um retângulo
fechado (doravante denominado apenas por retângulo). Uma partição de R
é um par ordenado P = (P1 , P2 ), onde P1 e P2 são partições de [a, b] e [c, d],
respectivamente.
Suponha que
P1 = {a = t0 < t1 , . . . , < tn = b},
P2 = {c = s0 < s1 , . . . , < sm = d}.
Neste caso, dados 1 ≤ i ≤ n e 1 ≤ j ≤ m, cada conjunto Rij = [ti−1 , ti ] ×
[sj−1 , sj ] é um subretângulo da partição.

Figura 4.1. Partição de um retângulo R.

Se f : R → R é uma função sobre R, definimos a soma de Riemann de f


relativamente à partição P como
n X
X m

S(f, P ) = f ξij (ti − ti−1 )(sj − sj−1 ),
i=1 j=1

onde ξij é um ponto arbitrário do retângulo Rij (veja a figura 4.2). A norma
de P é definida como

|P | = max{(t1 − ti−1 )(sj − sj−1 )}.


i,j

Dizemos que o número I ∈ R é o limite de S(f, P ) quando |P | → 0 se, para


todo  > 0 arbitrário, podemos encontrar δ > 0 tal que, para toda partição
P com |P | < δ temos que |S(f, P ) − I| < . Isto significa que podemos fazer
85 4. Integração

S(f, P ) arbitrariamente próximo de I desde que a norma de P seja suficiente-


mente pequena, para toda a partição de R com essa propriedade. Neste caso,
escrevemos
lim S(f, P ) = I.
|P |→0

Quando o número I existe dizemos que f é integrável. Neste caso I é


chamado de integral de f sobre R e será denotado por
Z
I= f.
R

Figura 4.2. Em cada subretângulo calculamos f (ξij ) para formar as somas de


Riemman.

Em muitas ocasiões é mais conveniente a notação


ZZ
I= f (x, y) dx dy,
R

em que escrevemos explicitamente as variáveis da função f (o significado da


expressão “dx dy” ficará clara no último capı́tulo deste livro). Desse ponto para
diante usaremos sempre a notação que for mais conveniente em uma determi-
nada situação. Esperamos que isto não cause nenhum tipo de confusão.

R
Exemplo. Calcule R
f , onde R = [a, b]×[c, d] e f : R → R é a função constante
f = h.
4.1 Integração em Retângulos 86

Seja P uma partição qualquer de R. A soma de Riemann de f relativamente


a P é dada por
n X
X m

S(f, P ) = f ξij (ti − ti−1 )(sj − sj−1 )
i=1 j=1
Xn m
X
=h (ti − ti−1 ) (sj − sj−1 )
i=1 j=1

Agora observe que


n
X
(t1 − ti−1 ) = [(t1 − t0 ) + (t2 − t1 ) + · · · + (tn−1 − tn−2 ) + (tn − tn−1 )]
i=1
= t1 − a + t2 − t1 + · · · + tn−1 − tn−2 + b − tn−1
= b − a.

De modo semelhante temos


m
X
(sj − sj−1 ) = d − c.
j=1

Concluı́mos que S(f, P ) = k(b − a)(d − c), para toda partição de R. Daı́
Z
f = lim S(f, P ) = h(b − a)(d − c).
R |P |→0

Apesar do grande apelo geométrico envolvido na definição de integral, evita-


mos até o momento falar em áreas, volumes, etc. Na realidade há duas possı́veis
abordagens neste caso. Poderı́amos definir a integral de uma função a partir
das noções de área e volume ou tomar o caminho oposto e definir a integral sem
apelar para esses conceitos geométricos para apenas depois defini-los. Escolhe-
mos a segunda opção por uma única razão; é a forma mais simples de proceder
se esperamos manter as coisas em um nı́vel aceitável de rigor matemático. Por
exemplo, todos concordam que só podemos definir a integral como a área se sou-
bermos, de antemão, o que é área. Neste ponto, convidamos o leitor a pensar
um pouco sobre o assunto para que se convença como pode ser difı́cil dar uma
resposta para essa pergunta.
É claro que temos uma idéia intuitiva do que é o volume de um sólido ou
a área de uma região. Entretanto, aqueles que já possuem alguma experiência
em matemática (e na vida), sabem para que tipo de enganos a nossa intuição
pode conduzir-nos. Além de tudo, nossa limitada capacidade de percepção do
mundo nos manteria para sempre aprisionados ao espaço de três dimensões.
Como veremos, nossa abordagem nos dá a possibilidade de estender a noção de
área e volume para dimensões mais altas. Começamos com o conceito de área.
87 4. Integração

Definimos a área do retângulo R = [a, b] × [c, d] como


Z
Área(R) = 1,
R

onde 1 : R → R é a função constante igual 1. O exemplo acima mostra que


sempre podemos calcular a área de um retângulo e que Área(R) = (b − a)(d − c).
Basta tomar h = 1.
Dada umaR função f : R → R, R o volume sob o gráfico de f é definido como
a integral R R f , se f > 0 ou − R f se f 6 0. Por exemplo, se tomamos f = 1
a integral R 1 é o volume de um paralelepı́pedo de base R com altura 1, que é
igual à Área(R). Este resultado está de acordo com aquilo que aprendemos no
colégio sobre áreas e volumes.
Analogamente ao caso bidimensional, um conjunto R = [a1 , b1 ]×· · ·×[an , bn ]
é um retângulo em Rn . Neste caso uma partição de R é um objeto da forma
P = (P1 , . . . , Pn ), onde Pi é uma partição do conjunto [ai , bi ]. Dada uma função
f : R → R, podemos definir a integral de f sobre R como o limite

lim S(f, P ),
|P |→0

sempre que ele existir. Novamente a integral será denotada por


Z
f
R

ou Z Z
··· f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn .
R

O conteúdo de um retângulo R = [a1 , b1 ] × · · · × [an , bn ] é definido como a


integral Z
υ(R) = 1.
R
O exercı́cio acima mostra que sempre é possı́vel calcular o conteúdo de um
retângulo. O conteúdo é chamado de volume, no caso de um retângulo em R3 ,
e, como vimos acima, de área no caso de um retângulo no plano. Dada uma
funçãoR f : R → R, definimos
R o conteúdo (n+1-dimensional!) sob o gráfico de f
como R f , se f > 0 ou − R f se f 6 0.
Enunciamos a seguir algumas propriedades da integral. Nas afirmações
abaixo f e g são funções integráveis definidas em um retângulo R e c ∈ R é
uma constante.
R R R
(i) R (f + g) = R f + R g;
R R
(ii) R (cf ) = c R f ;
R R
(iii) Se f 6 g entao R f 6 R g;
R R
(iv) R f 6 R |f |;
4.1 Integração em Retângulos 88

(v) RSe R =RR1 ∪ R2R, então Rf é integrável em R1 , R2 e R1 ∩ R2 e além disso


R
f = R1 f + R2 f − R1 ∩R2 f .
As propriedades acima podem ser demonstradas diretamente pela definição.
Por exemplo, para toda partição do retângulo R temos que a soma de Riemann
de f + g em relação à P é dada por S(f + g, P ) = S(f, P ) + S(g, P ). Passando
o limite quando |P | → 0 temos

lim S(f + g, P ) = lim S(f, P ) + S(g, P )
|P |→0 |P |→0

= lim S(f, P ) + lim S(g, P )


|P |→0 |P |→0
Z Z
= f+ g,
R R

isto é, Z Z Z
(f + g) = f+ g.
R R R
As outras afirmações podem ser verificadas de maneira análoga.
A despeito do exemplo acima, em geral não é fácil calcular a integral de uma
função usando a definição. Na realidade não sabemos sequer dizer quando uma
função é integrável. Uma resposta para essas questões será dada pelo próximo
teorema.
4.1 Teorema (teorema de Fubini ). Seja f uma função contı́nua definida
em um retângulo R = [a1 , b1 ] × · · · × [an , bn ]. Então f é integrável e
Z Z
· · · f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn
R
( ) (4.1)
Z bn Z b2 nZ b1 o 
= ··· f (x1 , . . . , xn )dx1 dx2 · · · dxn .
an a2 a1

No teorema de Fubini não importa a ordem em que as integrais são calcula-


das. Por exemplo, se R = [a, b] × [c, d] temos
ZZ Z b Z d ! Z d Z b !
f (x, y) dx dy = f (x, y) dy dx = f (x, y) dx dy.
a c c a
R

Se n = 3 temos que
"Z ! #
ZZZ Z b1 b2 Z b3
f (x, y, z) dx dy dz = f (x, y, z) dz dy dx
a1 a2 a3
R
"Z ! #
Z b2 b1 Z b3
= f (x, y, z) dz dx dy = · · ·
a2 a1 a3
"Z ! #
Z b3 b2 Z b1
··· = f (x, y, z) dx dy dz.
a3 a2 a1
89 4. Integração

No total são seis expressões diferentes que dão o mesmo resultado.


É mais comum escrevermos simplesmente

Z Z Z bn Z b1
··· f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn = ··· f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn ,
an a1
R

onde fica implı́cito que as integrais devem ser resolvidas de dentro para fora,
isto é, primeiro integramos em relação à variável x1 , em seguida em relação à
variável x2 e assim procedemos até chegarmos à ultima variável.
Essencialmente, o teorema de Fubini reduz o problema de calcular integrais
de funções de várias variáveis ao problema de resolver várias integrais de uma
variável apenas. Neste caso, podemos aplicar os métodos do cálculo para resolvê-
las. A partir deste momento adotamos a seguinte notação que será útil no cálculo
de integrais

b
[f (x)]a = f (b) − f (a).

Exemplo. Calcule o volume sob o gráfico de f (x, y) = x2 + 2y 2 , definida no


retângulo R = [−1, 1] × [0, 2].
Pelo teorema de Fubini temos que

ZZ Z 2 Z 1
(x2 + 2y 2 )dx dy = (x2 + 2y 2 )dx dy
R 0 −1
2 x=1
x3
Z 
= + 2y 2 x dy
0 3 x=−1
2
(−1)3
Z   
1
= + 2y 2 − + 2y 2 (−1) dy
0 3 3
Z 2 
2
= + 4y 2 dy
0 3
 y=2
2 4 3
= y+ y
3 3 y=0
4 32 36
= + = = 12.
3 3 3

Exemplo. Calcule a integral de f (x, y, z) = sen(x + y + z) sobre o retângulo


R = [0, π] × [0, 2π] × [0, π].
4.2 Integração em Domı́nios Arbitrários 90

O teorema de Fubini nos dá que


ZZ Z πZ 2π Z π
sen(x + y + z)dx dy dz = sen(x + y + z)dx dy dz
R 0 0 0
Z π Z 2π
x=π
= [− cos(x + y + z)]x=0 dy dz
0 0
Z π Z 2π
= [− cos(π + y + z) + cos(y + z)] dy dz
Z0 π 0
y=2π
= [− sen(π + y + z) + sen(y + z)]y=0 dz
0
Z π
= [− sen(3π + z) + sen(2π + z)
0

− − sen(π + z) + sen z dz
= [cos(3π + z) − cos(2π + z)
π
− cos(π + z) + cos(z)]0
= cos 4π − cos 3π − cos 2π + cos π
− (cos 3π − cos 2π − cos π + cos 0)
= 1 − (−1) − 1 − 1 − (−1 − 1 − (−1) + 1) = 0.

4.2 Integração em Domı́nios Arbitrários


Os retângulos constituem uma classe muito pequena de subconjuntos de Rn .
Gostarı́amos de ampliar o conceito de integral para o caso de um subconjunto
qualquer A ⊂ Rn . A ideia é aplicar aquilo que já aprendemos sobre funções
definidas em retângulos.
Seja A ⊂ Rn um conjunto limitado. Neste caso, podemos encontrar um
retângulo R tal que A ⊂ R. Dada uma função f : A → R, definimos uma nova
função χ : R → R como
(
f (x), se x ∈ A
χ(x) =
0, se x ∈
/ A,

ou seja, F coincide com f para todo x ∈ A e anula-se nos demais pontos de R.


Dizemos que f é integrável em A se a função χ for integrável em R e definimos
Z Z
f= χ.
A R

Novamente, o conteúdo de A é definido por


Z
υ(A) = 1,
A

desde que essa integral exista.


91 4. Integração

Pode-se verificar facilmente que a definição acima não depende do retângulo


R que escolhemos. De fato, se R̃ é um segundo retângulo tal que A ⊂ R̃,
considere a função χ̃ : R̃ → R definida por
(
f (x) se x ∈ A
χ̃(x) = .
0 se x ∈
/A

Devemos mostrar que Z Z


χ= χ̃.
R R̃

Para isso, observe que R = R ∩ R̃ é um terceiro retângulo que contém A


e, por definição, χ e χ̃ coincidem em R. Dessa forma, pela propriedade (v) da
seção anterior obtemos que
Z Z Z Z Z Z Z Z
χ̃ = χ̃ + χ̃ = χ̃ = χ = χ + χ = χ.
R̃ R̃−R R R R R R−R R

A primeira e a última igualdade na expressão acima justificam-se pelo fato


que as funções χ e χ̃ são identicamente nulas em R−R e R̃−R, respectivamente.

Figura 4.3. Definição de integral em um domı́nio limitado A ⊂ Rn

É uma tarefa simples verificar que as propriedades enunciadas na seção ante-


rior para funções definidas em um retângulo estendem-se para funções definidas
em um domı́nio limitado qualquer. Além disso, a definição mostra que o cálculo
de integrais sobre regiões arbitrárias reduz-se ao cálculo da integral de uma
função definida sobre um retângulo, onde podemos aplicar o teorema de Fubini.
Observe que pelo teorema de Fubini as funções definidas em retângulos são
integráveis desde que sejam contı́nuas. Em geral, mesmo quando f : A → R
é uma função contı́nua, a função χ : R → R, A ⊂ R não é contı́nua em seu
domı́nio. Na realidade, podem haver descontinuidades ao longo de toda fronteira
de A! Para ver isto basta considerar o disco unitário B12 = {(x, y) ∈ R2 :
x2 + y 2 < 1} e tomar a função constante f (x) = c, em x ∈ B12 .
4.2 Integração em Domı́nios Arbitrários 92

A solução deste impasse só pode ser alcançada com uma maior elaboração
da teoria
R de integração. Afirmamos
R que, sob certas condições, podemos garantir
que R χ (e consequentemente A f ) existe, a despeito das suas descontinuidades.
Infelizmente, as hipóteses precisas sobre a função f e o conjunto A que são
necessárias para garantir a existência da integral permanecerão na escuridão.
Um tratamento rigoroso deste assunto está fora do propósito deste livro. Neste
momento achamos prudente avisar ao leitor que todas as funções consideradas
neste livro podem ser integradas em seus respectivos domı́nios a partir das
definições dadas acima.
Enunciamos a seguir um resultado que será bastante útil.

4.2 Teorema. Seja A um subconjunto limitado de Rn . Suponha que f : A → R


é uma função contı́nua e considere S = A − fr A. Então, se f é integrável em
A temos que
Z Z
f= f.
S A

Por exemplo, o teorema acima garante que a integral de f sobre o retângulo


aberto (a1 , b1 ) × · · · × (an , bn ) é igual a integral de f sobre R = [a1 , b1 ] × · · · ×
[an , bn ], que podemos calcular usando o teorema de Fubini.
Vejamos como usar a definição para calcular a integral de uma função em
um domı́nio arbitrário.
Uma classe importante de conjuntos são os chamados domı́nios simples
que passaremos a estudar agora. Seja

A = {(x, y) ∈ R2 : a 6 x 6 b, g1 (x) 6 y 6 g2 (x)},

em que g1 : [a, b] → R e g2 : [a, b] → R são funções contı́nuas tais que g1 (x) 6


g2 (x) para todo x ∈ [a, b].
Sejam f : A → R uma função contı́nua e R = [a, b] × [c, d] um retângulo que
contém A. Lembrando que χ é identicamente nula em R − A e coincide com f
em A, concluı́mos que
Z Z
f= χ
A R
!
Z b
Z d
= F (x, y) dy dx
a c
!
Z b Z g1 (x) Z g2 (x) Z d
= χ(x, y) dy + χ(x, y) dy + χ(x, y) dy dx
a c g1 (x) g2 (x)
!
Z b Z g2 (x)
= 0+ χ(x, y) dy + 0 dx
a g1 (x)
!
Z b Z g2 (x)
= f (x, y) dy dx.
a g1 (x)
93 4. Integração

Analogamente, se

A = {(x, y) ∈ R2 : c 6 y 6 d, g1 (y) 6 x 6 g2 (y)},

em que g1 : [c, d] → R e g2 : [c, d] → R são funções contı́nuas tais que g1 (y) 6


g2 (y) para todo y ∈ [c, d], temos que
Z Z
f= χ
A R
Z d !
Z b
= χ(x, y) dx dy
c a
!
Z d Z g1 (y) Z g2 (y) Z b
= χ(x, y) dx + χ(x, y) dx + χ(x, y) dx dy
c a g1 (y) g2 (y)
!
Z d Z g2 (y)
= 0+ χ(x, y) dx + 0 dy
c g1 (y)
!
Z d Z g2 (y)
= f (x, y) dx dy.
c g1 (y)

(a) (b)

Figura 4.4. Exemplos de domı́nios simples em R2 .

Exemplo. Calcule a área do disco Ba2 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < a2 }.


Podemos pensar em Ba2 como uma região do primeiro tipo. Neste caso

p p
g1 (x) = − a2 − x2 e g2 (x) = a2 − x2 ,
4.2 Integração em Domı́nios Arbitrários 94

ambas definidas no intervalo fechado [−a, a]. Temos que


Z
Área Ba2

= 1
2
Ba
√ !
Z a Z a2 −x2
= √ dy dx
−a − a2 −x2
Z a hp  p i
= a2 − x2 − − a2 − x2 dx
−a
Z a p
= 2 a2 − x2 dx
−a
Z 0p
(x = a cos θ) = 2 a2 − a2 cos2 θ (−a sen θ) dθ
π
Z π
2
= 2a |sen θ| sen θ dθ
Z0 π
(sen θ > 0 se θ ∈ [0, π]) = 2a2 sen2 θ dθ
0
 π

2 1−cos(2θ)

2 θ sen(2θ)
sen θ = 2 = 2a +
2 4 0
= πa2 .

Note que, pelo teorema 4.2, a área do disco fechado {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 6


a} também é πa2 . Observe também que poderı́amos ter resolvido o exercı́cio
acima pensando em Ba2 como um domı́nio do segundo tipo; algumas vezes,
entretanto, determinada escolha pode simplificar os cálculos.

RR p
Exemplo. Calcule a integral I = A 1 − y 2 dx dy, onde A = {(x, y) ∈ R2 :
x2 + y 2 6 1, x > 0, y > 0} (veja a figura 4.5).
Podemos pensar em A como uma região do primeiro tipo ou como uma região
do segundo tipo. Em cada um deses casos temos
Z 1 Z √1−x2 p !
I= 1 − y 2 dy dx,
0 0
Z 1 Z √1−y2 p !
I= 1− y2 dx dy,
0 0

respectivamente. Se usamos a segunda integral para calcular I obtemos facil-


mente
Z 1 Z √1−y2 p ! Z 1 1
y3

2 2 2
I= 1 − y dx dy = (1 − y ) dy = y − = .
0 0 0 3 0 3
95 4. Integração

Figura 4.5

Se consideramos A como uma região do primeiro tipo o cálculo de I fica


consideravelmente mais complicado.

A ideia acima pode ser generalizada para dimensões maiores da seguinte


forma. Dado um conjunto compacto C ⊂ Rn−1 e funções contı́nuas g1 , g2 : C →
R tais que g1 (x) 6 g2 (x) o conjunto definido por
A = {(x, t) ∈ Rn−1 × R : x ∈ C, g1 (x) 6 t 6 g2 (x)}
é o que chamamos de domı́nio simples. Os domı́nios considerados anterior-
mente são apenas exemplos de domı́nios simples de R2 .
Seja f : A → R uma função contı́nua definida em um domı́nio simples. Como
g1 e g2 são funções contı́nuas, podemos encontrar M ∈ R tal que t ∈ [−M, M ].
Se R0 é um retângulo que contém C, então R = R0 × [−M, M ] é um retângulo
que contém A. Pelo teorema de Fubini temos que
Z Z Z Z M !
f= χ= χ(x, t) dt dx.
A R R0 −M

Como χ é identicamente nula em R − A e coincide com f em A encontramos


Z Z Z g1 (x) Z g2 (x) Z M !
f= χ(x, t) dt + χ(x, t) dt + χ(x, t) dt dx
A R0 −M g1 (x) g2 (x)
!
Z Z g2 (x)
= 0+ χ(x, t) dt + 0 dx
R0 g1 (x)
! !
Z Z g2 (x) Z Z g2 (x)
= χ(x, t)dt dx + χ(x, t)dt dx
R0 −C g1 (x) C g1 (x)
!
Z Z g2 (x)
= f (x, t) dt dx.
C g1 (x)

Exemplo. Calcule o volume da bola Ba3 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 6 a}.


4.2 Integração em Domı́nios Arbitrários 96

Observe que
p p
Ba3 = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ Ba2 , − a2 − x2 − y 2 6 z 6 a2 − x2 − y 2 }.
Pelo que vimos anteriormente temos que
ZZZ
υ Ba3 =

dx dy dz
2
Ba
ZZ Z √a2 −x2 −y2 !
= √ dz dx dy
2
Ba − a2 −x2 −y 2
ZZ p
=2 a2 − x2 − y 2 dx dy
2
Ba
√ !
Z a Z a2 −x2 p
=2 √ a2 − x2 − y 2 dy dx
−a − a2 −x2

Fazendo a substituição y(θ) = a2 − x2 cos θ concluı́mos que
Z a Z 0 p p 
3

υ Ba = 2 2 2 2 2
(a − x )(1 − cos θ)(− a − x sen θ) dθ dx
−a π
Z a Z 0 
=2 a2 − x2 |sen θ|(− sen θ) dθ dx
−a π
Z a  Z π 
2 2
=2 a − x dx sen2 θ dθ
−a 0
a Z π
x3
 
2 1 − cos(2θ)
=2 a x− dθ
3 −a 0 2
a3 (−a)3
  
π
= 2 a3 − − −a3 −
3 3 2
3
 
2a
= 2a3 − π
3
4
= πa3 .
3

Vejamos agora uma outra aplicação importante conhecida como princı́pio


de Cavalieri. Estabelecido no século 17 pelo matemático italiano Francesco
Bonaventura Cavalieri, o princı́pio afirma que dois corpos de mesma altura
deverão ter o mesmo volume se as áreas de suas secções transversais por planos
paralelos à base são iguais. Por exemplo, pelo princı́pio de Cavalieri duas torres
de moedas de mesma altura devem ter o mesmo volume se as moedas usadas
para construı́-las forem iguais, independentemente da forma como as moedas
estão organizadas. Isto ocorre porque as secções transversais da cada uma das
torres são iguais.
O resultado abaixo formaliza o método e o generaliza para dimensões ar-
bitrárias.
97 4. Integração

4.3 Teorema (Princı́pio de Cavalieri ). Suponha que A ⊂ R × [a, b], onde


R ⊂ Rn−1 é um retângulo.
 A secção transversal de A na altura t é definida
como At = A ∩ R × {t} . Neste caso, se At tem conteúdo A(t), então
Z b
υ(A) = A(t) dt.
a

Demonstração. Pelo teorema de Fubini temos que


Z
υ(A) = 1
A
Z
= χ
R×[a,b]
Z b Z 
= χ(x, t) dx dt
a R
Z b Z 
= 1 dt
a At
Z b
= A(t) dt
a

Figura 4.6. Princı́pio de Cavalieri em R3 .

Considere uma função contı́nua f : [a, b] → R. Seja A ⊂ R3 o sólido obtido


pela revolução do gráfico de f em torno do eixo horizontal. A secção transversal
de A em x = t é um cı́rculo de raio f (t), ou seja, ou seja, A(t) = πf 2 (t). pelo
4.2 Integração em Domı́nios Arbitrários 98

princı́pio e Cavalieri temos que


Z b Z b
υ(A) = A(t) dt = π f 2 (t) dt.
a a

Usando a equação acima podemos calcular o volume de diversos sólidos.


Por exemplo, se f : [0, h] → R é definida como f (x) = a > 0, então o sólido de
revolução obtido é um cilindro de altura h e raio a. Seu volume é
Z h
υ(A) = π f 2 (t)dt = πa2 h.
0
a
Se f (t) = h t, em que t ∈ [0, h], a > 0 e h > 0, temos que o sólido de
revolução é o cone de raio a e altura h. O seu volume é dado por
Z h
a2 h 2 a2 h3 πa2 h
Z
υ(A) = π f 2 (t) dt = π 2 t dt = π 2 = .
0 h 0 h 3 3
Usando o princı́pio de Cavalieri podemos calcular o volume da bola unitária
em R3 definida como

B13 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 6 1}.

De fato as secções transversais de B13 são discos dados por

B13 t = {(x, y, t) ∈ R3 : x2 + y 2 + t2 6 1}


= {(x, y, t) ∈ R3 : x2 + y 2 6 1 − t2 }
2
= B√ 1−t2
,

2
 √
onde t ∈ [−1, 1]. Já sabemos que Área B√ 1−t2
= π( 1 − t2 )2 = π(1 − t2 ).
Pelo princı́pio de Cavalieri vem que
Z 1
υ B13 2
 
= Área B√ 1−t2
dt
−1
Z 1
= π(1 − t2 ) dt
−1
Z 1
= 2π (1 − t2 ) dt
0
1
t3

= 2π t −
3 0
2 4π
= 2π = .
3 3
Usando este mesmo raciocı́nio podemos calcular o conteúdo da bola unitária
em R4 , R5 , R6 , etc. Para maiores detalhes veja a lista de exercı́cios no final
deste capı́tulo.
99 4. Integração

4.3 Teorema da Mudança de Variáveis

Uma ferramenta muito útil para o cálculo de integrais de funções definidas


em domı́nios mais gerais é o teorema da mudança de variáveis. Além da sua
importância prática, este resultado tem grande relevância teórica, como ficará
claro nos próximos capı́tulos deste livo.
A versão unidimensional do teorema da mudança de variáveis recebe o singelo
nome de método da substituição e pode ser enunciado da seguinte forma.

4.4 Teorema (método da substituição). Sejam g : [a, b] → R e f : R → R


funções tais que f e g 0 são contı́nuas. Então

Z g(b) Z b
f (t) dt = (f ◦ g)(x) g 0 (x) dx. (4.2)
g(a) a

Demonstração. Seja F : R → R uma primitiva de f , ou seja, uma função tal


que F 0 = f . Neste caso, pela regra da cadeia vem que

(F ◦ g)0 (x) = F 0 g(x) g 0 (x) = f g(x) g 0 (x)


 

Isto significa que F ◦g é uma primitiva de (f ◦g)g 0 . Pelo teorema fundamental


do cálculo vem que

Z b Z g(b)
(f ◦ g)(x) g 0 (x) dx = F g(b) − F g(a) =
 
f (t) dt.
a g(a)

Se definimos
Z Z b
f= f (t) dt,
a
[a,b]

então, quando g é injetiva, a equação (4.2) pode ser reescrita como


Z Z
f= (f ◦ g) |g 0 |.
g([a,b]) [a,b]

De fato, como g é derivável, injetiva e está definida em um intervalo, temos


que g é crescente ou decrescente. Suponha ainda que e g 0 (x) 6= 0. Se g é
decrescente temos que g([a, b]) = [g(b), g(a)] e |g 0 | = −g 0 , pois g 0 6 0. Assim,
4.3 Teorema da Mudança de Variáveis 100

pela equação (4.2) temos


Z Z
f= f
g([a,b]) [g(b),g(a)]
Z g(a)
= f (t) dt
g(b)
Z g(b)
=− f (t) dt
g(a)
Z b
=− (f ◦ g)(x) g 0 (x) dx
a
Z b
= (f ◦ g)(x)(−g 0 (x)) dx
a
Z
= (f ◦ g) |g 0 |.
[a,b]

O caso em que g é crescente pode ser verificado da mesma forma.


A generalização do teorema 4.4 para dimensões mais altas pode ser enunciada
da seguinte forma.

4.5 Teorema (teorema da mudança de variáveis). Sejam A ⊂ Rn um


conjunto aberto e g : A → Rn uma função diferenciável, injetiva e tal que
det g 0 6= 0. Então, se f é uma função integrável em g(A), temos que
Z Z
f = (f ◦ g) |det g 0 |. (4.3)
g(A) A

Se escrevemos explicitamente as variáveis a fórmula acima se escreve como


Z Z
· · · f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn
g(A)
Z Z
= ··· (f ◦ g)(y1 , . . . , yn ) |det g 0 (y1 , . . . , yn )| dy1 . . . dyn .
A

Como vimos, o método da substituição pode ser demonstrado facilmente com


o auxı́lio do teorema fundamental do cálculo. Não obstante, a demonstração do
teorema 4.5 está longe de ser trivial. Por esse motivo concentramo-nos ape-
nas em mostrar como aplicá-lo para resolver integrais e para isso devotamos o
restante deste capı́tulo.

RR √ √
Exemplo. Calcule a integral S ( x + y)1/2√dx dy, onde S é a região limitada

pelos eixos horizontal e vertical e a parábola x + y = 1.
101 4. Integração

Figura 4.7

x y
z}|{ z}|{
Considere a mudança de variáveis g(u, v) = ( u2 , v 2 ). A função g é injetiva
e diferenciável em {(u, v) ∈ R2 : u > 0, v > 0}. Além disso
 
2u 0
det g 0 (u, v) = det = 4uv > 0.
0 2v

Observe ainda que g leva a região A = {(u, v) ∈ R2 : 0 < u < 1, 0 <


√ v < 1 − u}

sobre a região a g(A) = {(x, y) ∈ R2 : 0 < x < 1, 0 < y < 1 − x}. Veja a
figura 4.7. Pelo teorema 4.2 e pelo teorema da mudança de variáveis temos que
√ √ 1/2 √ √ 1/2
ZZ ZZ ZZ
( x + y) dx dy = ( x + y) dx dy = (u + v)1/2 4uv du dv.
S g(A) A

Fazendo a substituição w(v) = u + v, obtemos


ZZ Z 1 Z 1−u
4 (u + v)1/2 uv du dv = 4 (u + v)1/2 uv dv du
A 0 0
Z 1 Z 1
=4 w1/2 u(w − u) dw du
0 u
Z 1 Z1
=4 (w3/2 u − w1/2 u2 )dw du.
0 u

Esta última integral pode ser resolvida facilmente. Concluı́mos que


Z 1Z 1
√ √
ZZ
20
( x + y)1/2 dx dy = 4 (w3/2 u − w1/2 u2 )dw du = .
S 0 u 135

4.4 Mudanças de Variáveis Clássicas


Vimos que um ponto P no plano pode ser localizado a partir de dois números
reais x e y. Geometricamente, os números x e y representam, respectivamente,
as distâncias do ponto P até os eixos vertical e horizontal e são chamados
de coordenadas cartesianas de P . Neste caso escrevemos P = (x, y). As
4.4 Mudanças de Variáveis Clássicas 102

coordenadas cartesianas estão longe de serem a única forma de representar os


pontos do plano. Por exemplo, podemos localizar o ponto P pelos números reais
r e θ que representam geometricamente a distância da origem O até o ponto P e
a medida em radianos do ângulo entre o reta OP e o eixo horizontal no sentido
anti-horário. Os números r e θ são chamados de coordenadas polares de P .
Como no caso anterior escrevemos P = (r, θ).
As coordenadas cartesianas podem ser calculadas facilmente em função das
coordenadas polares. De fato, pela definição das funções seno e cosseno temos
que x = r cos θ e y = r sen θ.

Figura 4.8. Coordenadas polares do plano.

Observe que para cada ponto do plano corresponde um único par de coorde-
nadas cartesianas. Isto certamente não é mais verdade no caso das coordenadas
polares. Se θ é uma medida do ângulo polar de P , então θ + 2nπ, n ∈ Z,
também é uma medida do mesmo ângulo. Coisa ainda pior acontece na origem,
pois neste caso podemos escolher qualquer número real como medida do ângulo
polar. Entretanto, se consideramos S = R2 − {(x, 0) ∈ R2 : x > 0} e definimos
0 < θ < 2π, então cada ponto (x, y) ∈ S tem um único par de coordenadas
polares dadas por
p
r = x2 + y 2 ,

arctan (y/x) se x > 0, y > 0


π/2 se x = 0, y > 0



θ = arctan (y/x) + π se x<0 ,

3π/2 se x = 0, y < 0





arctan (y/x) + 2π se x>0ey<0
onde arctan é a função inversa de tan no intervalo (−π/2, π/2).
As funções θ e r são diferenciáveis em S (veja exercı́cio 4, capı́tulo 3). Se
definimos a função g : (0, ∞) × (0, 2π) → S, como
g(r, θ) = (r cos θ, r sen θ),
então g é injetiva, diferenciável e, além disso,
 
cos θ −r sen θ
det g 0 (r, θ) = det

= r > 0.
sen θ r cos θ
103 4. Integração

Dados um conjunto aberto A ⊂ (0, ∞) × (0, 2π) e uma função integrável


f : g(A) → R, pelo teorema da mudança de variáveis obtemos
ZZ ZZ
(f ◦ g)(r, θ) det g 0 (r, θ) dr dθ

f (x, y) dx dy =
g(A) A
ZZ
= f (r cos θ, r sen θ) r dr dθ.
A

Exemplo. Usando o teorema da mudança de variáveis calcule a área do disco


Ba2 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < r2 }.
Se A = (0, a) × (0, 2π), temos que g(A) é o disco aberto de raio a menos
o raio {(x, 0) ∈ R2 : x > 0}. Pelo teorema 4.2 e pelo teorema da mudança de
variáveis temos que
ZZ ZZ ZZ Z 2π 2
a
υ Ba2 = dθ = πa2 .

1 dx dy = 1 dx dy = r dr dθ =
Br2 g(A) A 0 2

2 2
Exemplo. Calcule a integral I = B 2 e−x −y dx dy, onde Ba2 = {(x, y) ∈ R2 :
RR
a
x2 + y 2 < a2 }.
Considere o conjunto A = (0, a) × (0, 2π) ⊂ (0, ∞) × (0, 2π). Neste caso
g(A) = Ba2 − {(x, 0) ∈ R2 : x > 0}. Pelos teoremas 4.2 e 4.5 temos que
ZZ ZZ
2 2 2 2
e−x −y dx dy = e−x −y dx dy
2
Da g(A)
ZZ
2
= e−r r dr dθ
A
Z 2π Z a
2
= e−r r dr dθ
0 0
Z 2π  Z a 
−r 2
= dθ e r dr
0 0
2
!
1 −a u
Z
= 2π − e du
2 0
 2

= π 1 − e−a .

Um ponto P no espaço pode ser localizado através das suas coordena-


das cartesianas P = (x, y, z), onde x, y, z ∈ R. Se escolhemos coordenadas
polares no plano xy, então os números r, θ e z são chamados de coorde-
nadas cilı́ndricas de P e escrevemos P = (r, θ, z). Neste caso, a função
g : (0, ∞) × (0, 2π) × R → R3 definida por
g(r, θ, z) = (r cos θ, r sen θ, z)
4.4 Mudanças de Variáveis Clássicas 104

Figura 4.9. coordenadas cilı́ndricas do ponto P .

é injetiva, diferenciável e
 
cos θ −r sen θ 0
0

det g (r, θ, z) = det sen θ r cos θ 0 = r > 0.
0 0 1

Dados um conjunto aberto A ⊂ (0, ∞)×(0, 2π)×R e uma função f integrável


em g(A), pelo teorema da mudança e variáveis temos que
ZZZ ZZZ
f (x, y, z) dx dy dz = f (r cos θ, r sen θ, z) r dr dθ dz.
g(A) A

(x2 z 2 + y 2 z 2 )dx dy dz sobre o cilindro sólido


RRR
Exemplo. Calcule a integral W
3 2 2
W = {(x, y, z) ∈ R : x + y 6 1, −2 < z < 2}.
Seja A = (0, 1) × (0, 2π) × (−2, 2). Pelos teoremas 4.2 e 4.5 temos que
ZZZ ZZZ
2 2 2 2
(x z + y z )dx dy dz = (x2 z 2 + y 2 z 2 )dx dy dz
W g(A)
ZZZ
= z 2 (r2 cos2 θ + r2 sen2 θ)r dr dθ dz
A
Z 2 Z 2π Z 1
= r3 z 2 dr dθ dz
−2 0 0
Z 1  Z 2π  Z 2 
= r3 dr dθ z 2 dz
0 0 −2
 3 2
1 z
= .2π.
4 3 −2

= .
3
105 4. Integração

Aprendemos no colégio que um ponto da superfı́cie da Terra pode ser loca-


lizado a partir da sua latitude ϕ ∈ (0, π) e da sua longitude θ ∈ (0, 2π). Neste
caso, assumimos que o raio da terra é constante, ou seja, consideramos que a su-
perfı́cie da Terra é uma esfera. Se permitimos que o raio mude, então podemos
localizar qualquer elemento P ∈ R3 a partir dos números r, ϕ e θ, chamados de
coordenas esféricas de P . Temos que

x = ρ cos θ = r sen ϕ cos θ,


y = ρ sen θ = r sen ϕ sen θ,
z = r cos ϕ,

onde x, y, e z são as coordenadas cartesianas de P e ρ é a distância de (x, y, 0)


até a origem. (veja a figura 4.10).

Figura 4.10. Coordenadas esféricas em R3 .

Assim, a função g : (0, ∞) × (0, π) × (0, 2π) → R3 , deinida por

g(r, ϕ, θ) = (r sen ϕ cos θ, r sen ϕ sen θ, r cos ϕ)

é injetiva, diferenciável e, além disso,


 
sen ϕ cos θ r cos ϕ cos θ −r sen ϕ sen θ
det g 0 (r, ϕ, θ) = det sen ϕ sen θ

r cos ϕ sen θ r sen ϕ cos θ 
cos ϕ −r sen ϕ 0
= r2 sen3 ϕ sen2 θ + r2 sen ϕ cos θ cos2 θ
+ r2 sen ϕ cos2 ϕ sen2 θ + r2 sen3 ϕ cos2 θ
= r2 senϕ +r2 sen ϕ cos2 ϕ
= r2 sen ϕ(sen2 ϕ + cos2 ϕ)
= r2 sen ϕ.
4.5 Aplicações da Integral 106

Como ϕ ∈ (0, π) temos que det g 0 > 0. Dado um conjunto aberto A ⊂


(0, ∞) × (0, π) × (0, 2π), pelo teorema da mudança de variáveis temos que
ZZZ ZZZ
(f ◦ g)(r, ϕ, θ) det g 0 (r, ϕ, θ) dr dϕ dθ

f (x, y, z) dx dy dz =
g(A) A
ZZZ
= f (r sen ϕ cos θ, r sen ϕ sen θ, r cos ϕ) r2 sen ϕ dr dϕ dθ.
A

Exemplo. Usando coordenadas esféricas, calcule o volume da bola Ba3 = {(x, y, z) ∈


R3 : x2 + y 2 + z 2 6 a2 }.
Por definição temos que
ZZZ
3

υ Ba = dx dy dz.
3
Ba

Considere o conjunto A = (0, a) × (0, π) × (0, 2π). Pelo teorema 4.2 e pelo
teorema da mudança de variáveis temos que
ZZZ
υ Ba3 =

dx dy dz
3
Ba
ZZZ
= dx dy dz
g(A)
ZZZ
= r2 sen ϕ dr dϕ dθ
A
Z 2π Z π Z a
= r2 sen ϕ dr dϕ dθ
0 0 0
Z a  Z 2π  Z π 
2
= r dr dθ sen ϕ dϕ
0 0 0
a3
= .2π.2
3
4 3
= πa .
3

4.5 Aplicações da Integral


Dizemos que W ⊂ R3 é um corpo rı́gido se a distância entre dois pontos
quaisquer de W não muda. Seja ρ : W → R a função que mede a densidade de
W em cada ponto. Neste caso, a massa de W é definida como
ZZZ
m(W ) = ρ(x, y, z) dx dy dz.
W
107 4. Integração

Quando W tem densidade constante, temos que


ZZZ ZZZ
m(W ) = ρ dx dy dz = ρ dx dy dz = ρυ(W ),
W W

m(W )
ou seja, ρ = υ(W ) , que é a fórmula que decoramos no colégio.

Exemplo. Dado que ρ(x, y, z) = x2 +y 2 +z 2 calcule a massa do elipsoide sólido

x2 y2 z2
 
3
E= (x, y, z) ∈ R : 2 + 2 + 2 < 1 ,
a b c

em que a, b, c > 0
Considere a transformação T : R3 → R3 definida por

s t v
z}|{ z}|{ z}|{
T (x, y, z) = ( ax , by , cz ).

Obsrve que T é injetiva, diferenciável e


 
a 0 0
0

det T (x, y, z) = det 0 b 0 = abc > 0.
0 0 c

Se B13 = {(x, 3 2 2 2
 y, z) ∈ R : x + y + z 6 1}, então podemos verificar facilmente
que T B1 = E. De fato, se (x, y, z) ∈ B13 , então
3

(ax)2 (by)2 (cz)2


2
+ 2 + 2 = x2 + y 2 + z 2 < 1.
a b c

Isso prova que T (B13 ) ⊂ E. Para provar que E ⊂ T (B13 ) basta notar que se
(x, y, z) ∈ E, então ( xa , yb , zc ) ∈ B13 e T ( xa , yb , zc ) = (x, y, z).
Pelo teorema da mudança de variáveis temos que
ZZZ
m(E) = ρ(s, t, v) ds dt dv
E
ZZZ
= s2 + t2 + v 2 ds dt dv (4.4)
T (B13 )
ZZZ
= a2 x2 + b2 y 2 + c2 z 2 abc dx dy dz
B13

Agora podemos usar coordenadas esféricas. Neste caso, temos que


4.5 Aplicações da Integral 108

ZZZ
m(E) = abc a2 x2 + b2 y 2 + c2 z 2 dx dy dz
B13
Z 2π Z π Z 1
= abc (a2 r2 cos2 θ sen2 ϕ + b2 r2 sen2 θ sen2 ϕ + c2 r2 cos2 ϕ)
0 0 0
2
r sen ϕ dr dϕ dθ
abc 2
a I1 + b2 I2 + c2 I3 ,

=
5

em que

Z 2π Z π
I1 = cos2 θ sen3 ϕ dϕ dθ,
0 0
Z 2π Z π
I2 = sen2 θ sen3 ϕ dϕ dθ,
0 0
Z 2π Z π
I3 = sen ϕ cos2 ϕ dϕ dθ.
0 0

Usando os métodos de integração do cálculo é fácil verificar que I1 = I2 =


I3 = 4π
3 . Assim,

4πabc 2
m(E) = (a + b2 + c2 ).
15

Outras grandezas fı́sicas podem ser calculadas com o auxı́lio da integral. Por
exemplo, as coordenadas do centro de massa de W ⊂ R3 podem ser calculadas
como

ZZZ ZZZ
xi ρ(x, y, z)dx dy dz xi ρ(x, y, z)dx dy dz
W
xi = = Z Z ZW ,
m(W )
ρ(x, y, z)dx dy dz
W

onde x1 = x, x2 = y e x3 = z.
Por exemplo, seja D o semi-anel superior 1 6 x2 + y 2 6 9, y > 0 com
y
densidade dada por ρ(x, y) = x2 +y 2. A coordenada x do centro de massa é
109 4. Integração

dada por ZZ
xρ(x, y)dx dy
x = Z ZD
ρ(x, y)dx dy
D
ZZ
xy
dx dy
x2
+ y2
= ZZ
y
2 + y2
dx dy
D x
Z πZ 3
r sen θ cos θ dr dθ
= 0 Z 1π Z 3
sen θ dr dθ
0 0
Z π Z 3
r
sen(2θ) dr dθ
0 1 2
=
4
0
= = 0.
4
Este resultado já era esperado, pois D é simétrico em relação ao eixo vertical
e, além disso, trocando x por −x a densidade não muda. Isto significa que a
distribuição de massa é simétrica em relação ao eixo y.
Para terminar vejamos outra aplicação fı́sica da integral.
Suponha que uma partı́cula de massa m tem coordenadas (x, y, z). Segundo
a lei da gravitação universal, elaborada pelo fı́sico inglês Isaac Newton, uma
segunda partı́cula de massa M com coordenadas (x1 , y1 , z1 ) fica sujeita a uma
força dada por

(x − x1 , y − y1 , z − z1 )
F = GmM ,
[(x − x1 )2 + (y − y1 )2 + (z − z1 )2 ]3/2

onde G é uma constante. Lembrando que F = M a, a aceleração sobre a


partı́cula em (x1 , y1 , z1 ) é dada por

(x − x1 , y − y1 , z − z1 )
a = Gm .
[(x − x1 )2 + (y − y1 )2 + (z − z1 )2 ]3/2

Observe ainda que a = −∇V , em que


Gm
V (x1 , y1 , z1 ) = p
(x − x1 )2 + (y − y1 )2 + (z − z1 )2

é o potencial gravitacional.
A lei acima é dita universal porque, até onde se pôde observar, ela permanece
válida nas mais recônditas partes do universo. É essa mesma força que mantém
a Terra em sua órbita em torno do Sol e você grudado na sua cadeira! Observe,
4.5 Aplicações da Integral 110

Figura 4.11. Lei da gravitação universal

entretanto, que você e a Terra não são objetos pontuais. Seja W ⊂ R3 um


corpo rı́gido. Se W tem densidade ρ(x, y, z), o potencial em (x1 , y1 , z1 ), devido
o corpo W é definido como

ZZZ
ρ(x, y, z)
V (x1 , y1 , z1 ) = G p dx dy dz.
W (x − x1 )2 + (y − y1 )2 + (z − z1 )2

Quando W é a Terra, a aceleração resultante é chamada de gravidade e


2
vale,aproximadamente, 9, 8 m/s na sua superfı́cie. Em sua obra Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica, seu magnum opus e talvez o maior traba-
lho cientı́fico jamais publicado, Newton explicou o movimento dos planetas, o
comportamento das marés e previu diversos resultados que foram confirmados
posteriormente. Entretanto, em seus cálculos, Newton considerava os planetas
como pontos materiais, e ainda não havia conseguido justificar que podia fazê-
lo sem alterar os resultados. Por esse motivo a publicação dos Principia foi
postergada durante vários anos, até que Newton provasse rigorosamente o fato
acima, o que ocorreu apenas em 1685. Veremos a seguir uma demonstração
desse resultado. Nos cálculos abaixo usaremos coordenadas esféricas, pois essa
mudança de variáveis simplifica consideravelmente o problema.
Se 0 < R1 < R2 , seja W a região entre as esferas de raio R2 e R1 , isto é,

W = {(x, y, z) ∈ R3 : R12 6 x2 + y 2 + z 2 6 R22 }.

Suponha que W tem densidade constante ρ. Neste caso, pela simetria de


W , podemos calcular a aceleração em um ponto da forma (0, 0, R). Usando
111 4. Integração

Figura 4.12

coordenadas esféricas temos que


ZZZ

V (0, 0, R) = p dx dy dz
x 2 + y 2 + (z − R)2
W
Z R2 Z π Z 2π
Gρr2 sen ϕ dθ dϕ dr
= p
R1 0 0 r2 sen2 ϕ cos2 θ + r2 sen2 ϕ sen2 θ + (r cos ϕ − R)2
Z R2 Z π Z 2π
r2 sen ϕ dθ dϕ dr
= Gρ p
R1 0 0 r2 sen2 ϕ + r2 cos2 ϕ + R2 − 2Rr cos ϕ
Z R2 Z π
r2 sen ϕ
= 2πGρ p dϕ dr.
R1 0 r2 + R2 − 2Rr cos ϕ

Fazendo a substituição u(ϕ) = −2rR cos ϕ temos que

Z R2 Z 2rR
πGρ r
V (0, 0, R) = √du dr
RR1 −2rR r 2 + R2 + u

2πGρ R2 hp 2
Z i2rR
= r r + R2 + u dr
R R1 −2rR

2πGρ R2 p 2
Z p 
= r r + R2 + 2rR − r2 + R2 − 2rR dr
R R1

2πGρ R2
Z

= r r + R − |r − R| dr.
R R1

Suponha que R > R2 . Fisicamente, isto significa que estamos calculando a


gravidade para um ponto fora do planeta. Neste caso temos |r−R| = −(r−R) =
4.5 Aplicações da Integral 112

R − r. Substituindo na equação acima obtemos que


Z R2
2πGρ
V (0, 0, R) = r(r + R − R + r)dr
R R1
Z R2
4πGρ
= r2 dr
R R1
4πGρ R23 R13
 
= −
R 3 3
G 4π
R23 − R13 ρ

=
R 3
G
= υ(W )ρ
R
Gm
= ,
R
onde m é a massa de W . Portanto, o potencial em (0, 0, R) é exatamente igual
àquele que terı́amos se pensássemos em W como um ponto material de massa
m localizado no centro do planeta.
Ainda podemos analisar o que acontece quando R < R2 . Por exemplo, se
R < R1 terı́amos |r − R| = r − R, logo
Z R2
2πGρ
V (0, 0, R) = r(r + R + R − r)dr
R R1
Z R2
= 4πGρ rdr
R1
R22 − R12

= 2πGρ

Como V é constante, concluı́mos que a = −∇V = 0, ou seja, não exite


gravidade no interior de um planeta oco. Finalmente, se R1 < R < R2 temos
que
Z R2
2πGρ
V (0, 0, R) = r(r + R + |R − r|)dr
R R1
!
Z R Z R2
2πG
= r(r + R − R + r)dr + r(r + R − r + R)dr
R R1 R
!
Z R Z R2
2πG 2
= 2 r dr + 2R rdr
R R1 R

4πG R3 R3
 2
R2
 
R2
= − 1 +R −
R 3 3 2 2
2πG
= (3RR22 − 2R13 − R3 ).
3R
113 4. Integração

Exercı́cios

1. Calcule as seguintes integrais


ZZ
(i) x3 ydxdy, R = [0, 3] × [0, 2];
R
ZZ
(ii) (yx)2 dxdy, R = [0, 2] × [−1, 1];
R
ZZ
(iii) yex dxdy, R = [0, 1] × [−1, 1];
R
ZZ
3
(iv) y 5 exy dxdy, R = [−1, 1] × [0, 3];
R
ZZ
(v) (x + 2y)2 dxdy, R = [−1, 2] × [0, 2];
R
ZZ h π i
(vi) y 3 cos2 xdxdy, R = − , π × [1, 2];
R 2

ZZ
(vii) (x2 + 2xy − y x)dxdy, R = [0, 1] × [−2, 2];
R
ZZ
3
(viii) y 5 sen xey cos x dxdy, R = [0, 1] × [−1, 0];
R
ZZ
(ix) x(1 + y)dxdy, R = [2, 4] × [−1, 1];
R
ZZ
(x) (2xy 2 + cos πy + 1)dxdy, R = [0, 2] × [1, 4];
R
ZZZ
(xi) (2x + 3y + z)dxdydz, W = [1, 2] × [−1, 1] × [0, 1];
W
ZZZ
(xii) x2 dxdydz, W = [0, 1] × [−1, 1] × [0, 1];
W
ZZZ
(xiii) sen(x + y + z)dxdydz, W = [0, π] × [0, π] × [0, π];
W
ZZZ
(xiv) ex+y+z dxdydz, W = [0, 1] × [0, 1] × [0, 1];
W
ZZZ
(xv) xyz 2 dxdydz, W = [0, 1] × [−1, 2] × [0, 3];
W

2. Dado o subconjunto
R A ⊂ Rn , a média de uma função f : A → R é definida
f
como m(f ) = ν(A)
A
. Calcule a média de cada função na região dada.

(i) f (x, y) = y sen(xy), R = [0, π] × [0, π];


(ii) f (x, y) = x2 + y 2 , R = anel entre os cı́rculos de raio 1/2 e 1;
(iii) f (x, y) = ex+y , R = triângulo com vértices (0,0), (1,0) e (0,1);
4.5 Aplicações da Integral 114

3. Calcule o valor do volume sob o gráfico de f (x, y) = x sen y + 3 entre os


planos x = 0, x = 2 e y = π, y = 3π. R. 12π
4. Calcule o volume do sólido no espaço limitado pelos planos x = 0, y =
0, z = 0 e 3x + 4y = 10 e o gráfico z = x2 + y 2 . R. 15625
1296 ≈ 12.056.

5. Calcule D (x + y)2 dxdy, onde D é a região entre as retas que ligam a


RR

origem (0, 0) até (2, 2) e (0, 1) até (2, 2).


6. Calcule o volume sob o gráfico de f (x, y) = 1 + sen πy

2 + x definida
sobre o paralelogramo no plano xy com vértices (0, 0), (1, 2), (2, 0), (3, 2).
R. 10 + π8 .

7. Determine o volume sob o gráfico de f (x, y) = (cos y)e1−cos(2x) + xy de-


finida sobre a região limitada pela reta y = 2x o eixo x e a reta x = π2 .
4
R. π32 + 12 (e2 − 1).
2 2
8. Mostre que a área da elipse {(x, y) ∈ R2 : xa2 + yb2 6 1} é πab. Usando o
princı́pio de Cavalieri, mostre que o volume do elipsoide E = (x, y, z) ∈
2 2 2
R3 : xa2 + yb2 + zc2 ≤ 1 é 34 πabc.

Dica: A intersecção do elipsoide com o plano z = t (−c ≤ t ≤ c) são


elipses. Calcule a área dessas elipses e depois use o Princı́pio de Cavalieri.
9. Use o Princı́pio de Cavalieri para calcular o volume da bola unitária B14 =
{(x1 , x2 , x3 , x4 ) ∈ R4 : x21 + x22 + x23 + x24 6 1}
2
R. υ B14 = π2 .

Z π/2

Dica: sen4 θdθ = .
0 16
10. Seja Brn = {(x1 , . . . , xn ) ∈ Rn :
P 2
xi 6 r2 } a bola de raio r ∈ R+ . Se
o volume da bola unitária é denotado por υ(B1n ) = αn , use o teorema da
mudança de variáveis para mostrar que υ(Brn ) = αn rn .
Dica: Verifique que Brn é a imagem de B1n pela transformação linear
g : Rn → Rn definida como g(x) = rx.
11. Dado c = (c1 , . . . , cn ) ∈ Rn , a aplicação T : Rn → Rn , definida por
T (x) = x + c, é chamada de translação pelo vetor c. Usando o teorema
da mudança de variáveis mostre que o conteúdo deum conjunto A ⊂ Rn
é invariante por translações, isto é, υ(A) = υ T (A) .
N.B. Essse resultado implica que o volume de uma bola não depende do
centro da bola.
12. (O volume da bola unitária) O objetivo do exercı́cio é calcular as seguintes
expressões para o volume da bola unitária

πn 2n+1 π n
α2n = , α2n+1 = . (∗)
n! 1 · 3 · 5 · · · (2n + 1)
115 4. Integração

Usaremos as fórmulas
Z π/2
2 4 6 2n
I2n+1 = sen2n+1 θdθ = · · ···
0 3 5 7 2n + 1
e
π/2
2n − 1
Z
π 1 3 5
I2n = sen2n θdθ = · · · ··· .
0 2 2 4 6 2n
(i) Aplique o princı́pio de Cavalieri para mostrar que αn = 2αn−1 In ;
π
(ii) Usando as fórmulas acima mostre que In In−1 = 2n e conclua daı́ que

αn = αn−2 se n > 2.
n
(iii) Use a fórmula recursiva do item (ii) para mostrar, por indução sepa-
rada em n, as fórmulas (∗) começando com α2 = π e α3 = 4π/3.
13. (O Volume da Bola. BIS ) Considere coordenadas esféricas em Rn dadas
por
x1 = r cos ϕ1
x2 = r sen ϕ1 cos ϕ2
x3 = r sen ϕ1 sen ϕ2 cos ϕ3
..
.
xn−1 = r sen ϕ1 sen ϕ2 . . . sen ϕn−2 cos θ
xn = r sen ϕ1 sen ϕ2 . . . sen ϕn−2 sen θ
A aplicação g : R → Rn , definida por g(r, ϕ1 , . . . , ϕn−2 , θ) = (x1 , . . . , xn ),
n

leva o retângulo
R = (r, ϕ1 , . . . ϕn−2 , θ) ∈ Rn : r ∈ 0, 1 , ϕi ∈ 0, π , θ ∈ 0, 2π
      

sobre a bola unitária B1n . Por indução podemos mostrar que


| det g 0 | = rn−1 senn−2 ϕ1 senn−3 ϕ2 · · · sen2 ϕn−3 sen ϕn−2 .
0

Se definimos IK = 0 senk ϕ dϕ, use o fato que

0 2π 2 · 2 · 4 · · · (2m − 2)
Ik−1 Ik0 = e 0
I2m−1 = , (∗∗)
k 3 · 5 · · · (2m − 1)
e o teorema da mudança de variáveis para mostrar as fórmulas (∗).
Dica: Temos
Z Z
αn = 1dx1 . . . dxn = | det g 0 | drdϕ1 . . . ϕn−2 dθ
B1n R
n−2 Z π 
2π Y
= senk ϕn−1−k dϕn−1−k
n 0
k=1
2π 0 0 0
= I I . . . In−2 .
n 1 2
4.5 Aplicações da Integral 116

N.B. As fórmulas (∗∗) podem verificadas observando que


Z π Z π/2
senn ϕ dϕ = 2 senn ϕ dϕ.
0 0

De fato, usando a mudança de variáveis ϕ = π − θ vem


Z π Z π/2 Z π
n n
sen ϕ dϕ = sen ϕ dϕ + senn ϕ dϕ
0 0 π/2
Z π/2 Z 0
= senn ϕ dϕ − senn (π − θ) dθ
0 π/2
Z π/2 Z π/2
= senn ϕ dϕ + senn θ dθ.
0 0

14. Considere o elipsoide sólido de dimensão n


( n
)
n
X x2i
E= x∈R : 61 .
i=1 i
a2

Observe que a E é a imagem de B1n pela aplicação g : Rn → Rn definida


por
g(x1 , . . . , xn ) = (a1 x1 , . . . , an xn ).
Aplique o teorema da mudança de variáveis para mostrar que υ(E) =
a1 . . . an υ(D1n ). Conclua daı́ que o volume de x2 /a2 + y 2 /b2 + z 2 /c2 6 1 é
4 2 2 2 2 2 2 2 2
3 πabc. Qual é o volume de x1 /a + x2 /b + x3 /c + x4 /d 6 1?

15. Sejam a, b ∈ R tais que a > b. O toro sólido T em R3 é obtido pela


revolução do disco (y − a)2 + z 2 6 b2 no plano yz em torno do eixo z. A
aplicação λ : R3 → R3 definida por

λ(u, v, w) = (a + w cos v) cos u, (a + w cos v) sen u, w sen v

leva o retângulo R = [0, 2π] × [0, 2π] × [0, b] neste toro. Aplique o teorema
da mudança de variáveis para calcular o volume do toro.
R. υ(T ) = 2π 2 ab2 .
16. Por que uma rotação g(x, y) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ) não
altera o volume de uma região A ⊂ R2 ? Dê uma condição para que uma
aplicação g : Rn → Rn preserve o volume.
17. Use a substituição u = x − y e v = x + y para provar que
ZZ  
(x−y)/(x+y) 1 1
e dxdy = e− ,
R 4 e
onde R é a região do primeiro quadrante limitada pelos eixos coordenados
e a reta x + y = 1.
117 4. Integração

Dica: Verifique que a aplicação g(x, y) = (x − y, x + y) leva a região R


sobre a região 0 6 v 6 1, −v 6 u 6 v. Usando o teorema da mudança de
variáveis conclua que
ZZ ZZ
(x−y)/(x+y) 1 u
e dxdy = e v dudv.
R 2 g(R)

Agora basta calcular esta última integral.


18. Calcule o volume sob o gráfico do paraboloide z = x2 + y 2 dentro do
cilı́ndro elı́ptico x2 /9 + y 2 /4 = 1.
39
R. 2 π.
Dica: Considere a aplicação g : R2 → R2 definida como g(x, y) = (3x, 2y).
Escrevendo u = 3x e v = 2y, é fácil ver que g leva o disco D = {(x, y) :
x2 + y 2 6 1} sobre E = {(u, v) : u2 /9 + v 2 /4 6 1}. Use o teorema de
mudança de variáveis para mostrar que
ZZ ZZ
u2 + v 2 dudv = 6 9x2 + 4y 2 dxdy.
E D

Agora use coordenadas polares para calcular esta última integral.


19. (Teorema de Pappus) Seja A um conjunto compacto no plano yz RR com y >
0. Defina a coordenada y do centroide de A como ŷ = [1/υ(A)] A ydydz.
Se C é o conjunto obtido pela revolução de A em torno do eixo z, ou seja
p
C = {(x, y, z) ∈ R3 : ( x2 + y 2 , z) ∈ A},

então o teorema de Pappus diz que

υ(C) = 2π ŷυ(A).

Em outras palavras, o volume de C é igual ao volume de A multiplicado


pela distância percorrida pelo centroide ŷ.
(i) Use o teorema de mudança de variáveis para mostrar o teorema de
Pappus;
Dica: Note que C é a imagem de

B = {(y, θ, z) ∈ R3 : (y, z) ∈ A e θ ∈ [0, 2π]}

pela aplicação g(y, θ, z) = (y cos θ, y sen θ, z).


(ii) Mostre que o centroide de um disco centrado em (c1 , c2 ) de raio b é
igual a (c1 , c2 );
Dica: Use coordenada polares transladadas x = c1 + r cos θ e y =
c2 + r sen θ.
(iii) Use o teorema de Pappus para calcular novamente o volume do toro.
4.5 Aplicações da Integral 118

20. Considere coordenadas polares em R4 definidas por

g(r, θ, ρ, ϕ) = (r cos θ, r sen θ, ρ cos ϕ, ρ sen ϕ),

onde r, ρ ∈ (0, +∞) e θ, ϕ ∈ (0, 2π). Calcule o volume da bola B14 ⊂ R4 .


21. (Teorema de Schwarz ) O objetivo deste exercı́cio é provar o teorema de
Schwarz usando o teorema de Fubini
(i) Seja f R: Rn :→ R uma função contı́nua tal que f > 0. Explique por
que se Rn f (x)dx = 0 então devemos ter f ≡ 0;
Dica: Se existe a ∈ Rn tal que f (a) 6= 0, então por continuidade
existirá um retângulo R (a) tal que f (x) > 0 para todo x ∈ R (a).
(ii) Mostre que se f : R2 → R é de classe C 2 , então

D1,2 f (a) = D2,1 f (a).

Dica: Suponha que D1,2 f (a) 6= D2,1 f (a). Sem perda de genera-
lidade podemos supor que D1,2 f (a) − D2,1 f (a) > 0. Como essas
funções são contı́nuas, pelo item (i) segue que existe um retângulo
R (a) = [a1 − , a1 + ] × [a2 − , a2 + ] tal que
ZZ
D1,2 f (x, y) − D2,1 f (x, y) > 0.
R (a)

Agora basta usar o teorema de Fubini e o teorema fundamental do


cálculo.
22. A área do gráfico de uma função f : R → R é definida como
ZZ p
A= 1 + (D1 f )2 + (D2 f )2 dxdy.
R

Encontre a área da parte da esfera x2 + y 2 + z 2 = 1 sobre a elipse


2
x2 + ay 6 1 (a é uma constante tal que 0 < a 6 1). O que acon-
tece quando a = 1? Interprete esse resultado em termos da área de uma
esfera. R. 4 sen−1 a.  
Dica: Observe que √ dy2 2 = sen−1 √ y 2 .
R
1−x −y 1−x

23. Calcule cada uma das integrais abaixo usando coordenadas polares.
ZZ
(i) (x2 + y 2 )3/2 dxdy, onde D é o disco x2 + y 2 ≤ 4;
Z ZD
(i) (x2 + y 2 )5/2 dxdy, onde D é o disco x2 + y 2 ≤ 1;
D

Z 1 Z 1−x2
(i) √ sen(x2 + y 2 )dxdy.
−1 − 1−x2
119 4. Integração

24. Prove que a área na esfera de raio R cortada por um cone de abertura
φ e com vértice no centro da esfera é dada por 2πR2 (1 − cos φ). O quê
ocorre quando φ = π2 ? Verifique que a área superficial da esfera de raio R
é 4πR2 .
Dica: Use a fórmula do exercı́cio 22.
25. Siga os passos abaixo para provar que
Z ∞
2 √
e−x dx = π.
−∞

(i) Se Ba2 = {(x, y) : x + y 2 6 a}, mostre que


2

Z
2 2 2
e−x −y dxdy = π(1 − e−a ).
2
Ba

(ii) Se Ra = [−a, a] × [−a, a], mostre que


Z Z a 2
−x2 −y 2 −x2
e dxdy = e dx .
Ra −a

Dica: Teorema de Fubini


(iii) Mostre que
Z Z
−x2 −y 2 2
−y 2
lim e dxdy = lim e−x dxdy.
r→∞ 2
Ba a→∞ Ra

Dica: Você deve mostrar que


Z Z !
2 2
−x2 −y 2
lim e−x −y dxdy − e dxdy = 0.
a→∞ 2
Ba Ra

Para isso, note que


Z Z Z
2 2 2
−y 2 2
−y 2
e−x −y dxdy − e−x dxdy = e−x dxdy,
2
Ba Ra Sa

onde Sa é a região entre o quadrado de lado p


2a e o disco de raio a
(faça um desenho!). Nessa região temos que x2 + y 2 > a ou seja
x2 + y 2 > a. Daı́
Z
2 2
0 ≤ e−x −y dxdy
ZSa
2
≤ e−a dxdy
Sa
Z
−a2
= e dxdy
Sa
−a2
= e × (Área de Sa )
2
= (4 − π)a2 e−a .
4.5 Aplicações da Integral 120

Agora use a regra de L’Hôpital e o teorema do sanduı́che para verificar


que Z
2
−y 2
lim e−x dxdy = 0.
a→∞ Ca

(iv) Conclua que Z ∞ √


2
e−x dx = π.
−∞

N.B. Nesse ponto você deve assumir que a integral de Gauss existe
e pode ser calculada da seguinte forma:
Z ∞ Z a
2 2
e−x dx = lim e−x dx.
−∞ a→∞ −a

26. (i) Se a é uma constante positiva, mostre que


Z ∞ r
−ax2 π
e dx = ;
−∞ a

Dica: Faça a mudança de variáveis y = ax.
(ii) Encontre a constante de normalização c tal que
Z ∞
x2
ce− σ dx = 1.
−∞

27. Encontre o centro de massa da região entre y = x2 e y = x se a densidade


é ρ(x, y) = x + y. R. (11/18, 65/126).
28. Seja A ⊂ R3 um sólido com densidade ρ(x, y, z). O momento de inércia
de A em torno do eixo z é definido como
ZZZ
Iz = ρ(x, y, z)(x2 + y 2 ) dxdydz.
A

a) Seja A o sólido de densidade ρ(x, y, z) = 1, acima do plano xy limi-


tado pelo parabolóide z = x2 + y 2 e o cilı́ndro x2 + y 2 = a2 . Calcule
o momento de inércia de A em torno de z;
b) Calcule o volume de A.
2
+y 2
29. Integre f (x, y, z) = zex sobre o cilindro x2 + y 4 6 4 e 2 6 z 6 3.
p
30. Calcule o volume do sólido obtido entre o cone z = x2 + y 2 e o parabo-
loide z = x2 + y 2 .
31. Use coordenadas esféricas para calcular as seguintes integrais
ZZZ
dxdydz
(i) p , onde W é a bola x2 + y 2 + z 2 6 1;
W 1 + x2 + y 2 + z 2
√ √
R. 2π[ 2 − ln(1 + 2)].
121 4. Integração

ZZZ
(ii) (x2 + y 2 + z 2 )5/2 dxdydz, onde W é a bola x2 + y 2 + z 2 6 1;
W
ZZZ
dxdydz
(iii) , onde S é o sólido limitado pelas esferas x2 +
S (x2
+ y 2 + z 2 )3/2
y 2 + z 2 = a2 e x2 + y 2 + z 2 = b2 , onde a > b > 0; R. 4π ln ab

p 2 2 2
(iv) Integre f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 e−(x +y +z ) sobre a região do
item (iii).
5

Integrais de Linha

“Der Mensch ist ein Seil, geknüpft zwischen


Thier und Übermensch, ein Seil über einem Ab-
grunde. Ein gefährliches Hinüber, ein gefährli-
ches Auf-dem-Wege, ein gefährliches Zurückblic-
ken, ein gefähr- liches Schaudern und Stehenblei-
ben.”
Also Sprach Zarathustra,
Friederich Nietzsche.

“O homem é uma linha estendida entre o


verme e o super-homem: uma corda sobre um
abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar;
perigoso olhar para trás, perigoso tremer e pa-
rar.”
Assim Falou Zaratustra,
Friederich Nietzsche.

121
5.1 Curvas Parametrizadas 122

5.1 Curvas Parametrizadas


Um conjunto C ⊂ Rn é uma curva parametrizada se existe uma aplicação
γ : I → C, diferenciável, sobrejetiva, definida em um intervalo aberto I ⊂ R e
tal que γ 0 (t) 6= 0 para todo t ∈ I. Se [a, b] ⊂ I, então a imagem da restrição de
γ ao intervalo [a, b] é um segmento de C entre os pontos γ(a) e γ(b)1 .
A aplicação γ é uma parametrização de C. Se escrevemos

γ(t) = x1 (t), . . . , xn (t) ,

então
x01 (t)
 

γ 0 (t) =  ...  .
 

x0n (t)
Usando o teorema da representação de Riez, podemos identificar a matriz
acima com o vetor x01 (t), . . . , x0n (t) e assim faremos daqui em diante.

 Este vetor
será chamado de vetor tangente à C em γ(t) = x1 (t), . . . , xn (t) . Vimos que
um vetor é representado geometricamente como uma seta partindo da origem;
abrimos aqui uma exceção para γ 0 (t) e o representamos como uma seta partindo
de γ(t) até γ(t) + γ 0 (t) (veja a figura 5.1).

Figura 5.1. Uma curva parametrizada e o seu vetor tangente.

Vejamos agora alguns exemplos de curvas parametrizadas.


Considere o cı́rculo de raio r > 0 definido como C = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 =
2
r }. A aplicação γ : [0, 2π] → C definida por

γ(t) = (r cos t, r sen t) (5.1)


1A

restrição de uma função f : A → B ao subconjunto C ⊂ A, denotada por f C , é definida
como a composição f ◦ i, em que i : C → A é a inclusão i(x) = x. De maneira geral, dizemos
que uma função f : A → Rm é diferenciável se existe ˜ m
uma função diferenciável f : Ã → R ,
definida em um conjunto aberto, tal que A ⊂ Ã e f˜ A = f .
123 5. Integrais de Linha

é uma parametrização de C. De fato, pela definição das funções seno e cosseno


γ é sobrejetiva e diferenciável. Além disso

γ 0 (t) = (−r sen t, r cos t),



logo |γ 0 (t)| = r2 sen2 t + r2 cos2 t = r > 0. Isto significa que γ 0 (t) 6= 0 para
todo t ∈ [0, 2π]. Concluı́mos que o cı́rculo de raio r é uma curva parametrizada.
Outro exemplo interessante de curva parametrizada é dado pela imagem
da aplicação γ(t) = (cos t, sen t, t), t ∈ R. Esta curva é chamada de espiral;
enquanto descreve um cı́rculo de raio 1 no plano horizontal a curva sobe no eixo
vertical quando t aumenta.

(a) Cı́rculo (b) Espiral

Figura 5.2. Algumas curvas parametrizadas

Uma mesma curva pode ter diferentes parametrizações. Por exemplo, a


aplicação
β(τ ) = (r cos τ, −r sen τ ), τ ∈ [0, 2π]
também é uma parametrização do cı́rculo de raio r (convença-se disto!). A
imagem das aplicações (5.1) e β são as mesmas, entretanto, há uma pequena
diferença entre elas. Se γ(t) é o vetor posição de uma partı́cula no plano, então
esta partı́cula descreve o cı́rculo raio r no sentido anti-horário. Por outro lado,
se β(τ ) é o seu vetor posição, então a partı́cula descreve o cı́rculo no sentido
horário. Ainda neste capı́tulo falaremos com mais detalhes sobre esta questão.
Seja C uma curva parametrizada e γ : [a, b] → C uma parametrização de C.
Dizemos que a aplicação β : [c, d] → C é uma reparametrização de γ se existe
uma função h : [c, d] → [a, b] derivável e injetiva tal que

β(τ ) = (γ ◦ h)(τ ) = γ(h(τ )).

Lembre que toda função derivável e injetiva definida em um intervalo é cres-


cente ou decrescente (apenas uma dessas possibilidade pode ocorrer). Dizemos
que β é equivalente a γ se h é crescente, ou seja, h0 (τ ) > 0. No caso das para-
metrizações do cı́rculo que vimos acima, temos que β é uma reparametrização
5.1 Curvas Parametrizadas 124

de γ. Para ver isso basta considerar a função h : [0, 2π] → [0, 2π] definida por
h(τ ) = −τ + 2π, pois

γ(h(τ )) = γ(−τ + 2π) = r cos(−τ + 2π), r sen(−τ + 2π) = β(τ ).

Obviamente, γ e β não são equivalentes.


Considere agora um cilindro de raio R rolando com velocidade (linear) cons-
tante v em um plano horizontal sem deslizar. Um ponto P localizado a uma
distância r < R do centro da roda descreve uma curva plana chamada de ci-
cloide (veja figura 5.3). Para encontrar uma parametrização da cicloide ob-
servamos que a curva é formada pela composição de dois movimentos; um de
rotação e outro de translação. Inicialmente, vamos analisar o movimento de
rotação.

Figura 5.3

Se o cilindro move-se para a direita com velocidade v, então o seu aro gira
no sentido horário com velocidade angular
2π 2π v
ω= = = ,
T (2πR)/v R

onde T é o perı́odo (tempo necessário para uma volta completa). Aqui usamos
a hipótese que o cilindro não desliza ao rolar; neste caso, em um intervalo de
tempo T , a distância percorrida é igual ao comprimento da circunferência, ou
seja, 2πR.
Vamos usar o tempo t como o parâmetro da cicloide. Se θ é a medida em
radianos do ângulo formado entre o eixo horizontal e o raio do cı́rculo no sentido
anti-horário, temos que
v
θ = ω t = t.
R
A parametrização de um cı́rculo centrado em (0, R) de raio r < R partindo
de P = (R − r, 0) no sentido horário é dada por
  v π  v π 
G(t) = r cos − t − , R + r sen − t − , t ≥ 0.
R 2 R 2
125 5. Integrais de Linha

Lembrando que cos(t − π/2) = sen t e sen(t − π/2) = − cos t obtemos


 v   v 
G(t) = −r sen t , R − r cos t .
R R
Por fim, compondo com o movimento de translação que é simplesmente
T (t) = (vt, 0) vem
 v   v 
γ(t) = G(t) + T (t) = vt − r sen t , R − r cos t ,
R R
que é a parametrização da cicloide. No caso particular onde R = r = v = 1
temos simplesmente
γ(t) = (t − sen t, 1 − cos t).
As cicloides foram estudas no século XVII pelo matemático francês Blaise
Pascal como distração enquanto ele sofria com uma terrı́vel dor de dente. Curvas
mais interessantes podem ser obtidas se fazemos o cilindro rolar sobre uma
superfı́cie mais complicada. Por exemplo, se fazemos o cilindro girar sobre um
cı́rculo obtemos curvas chamadas de epiciclos. Se o cilindro gira pelo lado de
fora, a curva descrita por um ponto no seu aro é chamada de epicicloide. Se o
cilindro rola por dentro do cı́rculo obtemos as hipocicloides.

(a) Epicicloide (b) Hipocicloide

Figura 5.4

Dizemos que uma curva C ⊂ Rn é parametrizada por partes se existe


uma aplicação γ : [a, b] → C e uma partição P = {a = t0 < t1 < · · · < tn = b}
de [a, b] tal que as aplicações γi : [ti−1 , ti ] → Ci , obtidas pela restrição de γ
aos sub-intervalos
Sn da partição P , são parametrizações de curvas Ci satisfazendo
C = i=1 Ci . Intuitivamente, uma curva parametrizada por partes é uma curva
formada a partir de várias curvas parametrizadas coladas pelas extremidades.
Os epiciclos são exemplos de curvas parametrizadas por partes. As arestas
de um quadrado também formam uma curva parametrizada por partes. Por
5.1 Curvas Parametrizadas 126

Figura 5.5. Protótipo de uma curva parametrizada por partes

exemplo, dado o retângulo R = [0, 1] × [0, 1], sua fronteira é formada por curvas
C1 , C2 , C3 e C4 parametrizadas respectivamente por
γ1 (t) = (t, 0),
γ2 (t) = (1, t),
(5.2)
γ3 (t) = (1 − t, 1),
γ4 (t) = (0, 1 − t),
em que t ∈ [0, 1] (veja figura 5.6). De fato, C1 é uma reta partindo de (0, 0)
na direção de (1, 0) − (0, 0) = (1, 0), ou seja, sua parametrização é dada por
γ1 (t) = (0, 0) + t(1, 0) = (t, 0). As demais aplicações podem ser calculadas de
maneira análoga.

Figura 5.6. A fronteira de um quadrado é uma curva parametrizada por partes.

Seja C uma curva com parametrização γ : [a, b] → C. Os pontos γ(a) e γ(b)


127 5. Integrais de Linha

são chamados de pontos inicial e final, respectivamente. Dizemos que C é uma


curva fechada se os seus pontos final e inicial coincidem, isto é, se γ(a) = γ(b).
Dizemos ainda que C é uma curva simples se γ(t1 ) 6= γ(t2 ) para todo t1 ∈ (a, b),
t2 ∈ (a, b), isto é, C não possui auto-intersecção, exceto, possivelmente, pelos
seus pontos final e inicial.

(a) Curva simples e fechada (b) Curva simples e não fechada

(c) Curva não simples e fechada (d) Curva não simples e não fechada

Figura 5.7

Uma curva C é uma curva de Jordan se é parametrizada por partes, sim-


ples e fechada (figura 5.7a). É intuitivamente claro que uma curva de Jordan
em R2 separa o plano em duas regiões, a parte de “dentro” e a parte de “fora” ,
de maneira que ambas tem a curva como fronteira. Apesar de parecer óbvia,
uma demonstração rigorosa desta afirmação revela-se surpreendentemente com-
plicada. O primeiro a fornecer uma solução para este problema foi o matemático
francês Camille Jordan. Durante muito tempo acreditou-se que a demonstração
de Jordan estivesse errada e atribuı́a-se a primeira demonstração correta ao
matemático americano Oswald Veblem. Atualmente alguns matemáticos con-
testam este fato. Precisamente, este resultado pode ser enunciado da seguinte
forma:
5.1 Teorema (teorema de Jordan). Seja C uma curva de Jordan em R2 .
Então R2 − C tem duas componentes conexas, uma limitada e outra ilimitada.
Ambas tem a curva C como fronteira.
Há generalizações do teorema de Jordan para dimensões maiores do que
2. Em R3 os sucedâneos das curvas de Jordan são as superfı́cies fechadas.
5.2 Integrais de Linha 128

Esferas e elipsoides são exemplos de tais superfı́cies. Elas dividem o espaço exa-
tamente como as curvas de Jordam dividem o plano. O leitor curioso pode tentar
imaginar como o teorema de Jordan poderia ser generalizado para dimensões
maiores.

5.2 Integrais de Linha


Sejam C ⊂ Rn uma curva parametrizada com parametrização γ : [a, b] → C
e f : Rn → R uma função. Definimos a integral de linha de f ao longo de C
como
Z Z b
f= (f ◦ γ)(t) |γ 0 (t)|dt,
C a

sempre que esta última integral existir.


O comprimento de C é definido como
Z Z b
`(C) = 1= |γ 0 (t)|dt.
C a

Vimos que uma reparametrização de C pode alterar apenas o sentido em


que a curva é percorrida. Por esse motivo somos levados a supor que a definição
acima não depende da parametrização escolhida. De fato, se β : [c, d] → C
é uma reparametrização de C, sabemos que existe uma aplicação derivável e
injetiva h : [c, d] → [a, b] tal que

β(τ ) = γ(h(τ )) = (γ ◦ h)(τ ).

Daı́ vem que β 0 (τ ) = γ 0 h(τ ) h0 (τ ). Usando o teorema da mudança de




variáveis temos que

Zd Z
(f ◦ β)(τ )|β 0 (τ )| dτ = (f ◦ γ ◦ h)(τ )|γ 0 h(τ ) | |h0 (τ )| dτ


c [c,d]
Z
(f ◦ γ) h(τ ) |γ 0 h(τ ) | |h0 (τ )| dτ
 
=
[c,d]
Z
= (f ◦ γ)(t)|γ 0 (t)| dt
h([c,d])

Zb
= (f ◦ γ)(t)|γ 0 (t)| dt.
a

Exemplo. Calcule o comprimento do cı́rculo C = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = r2 }.


129 5. Integrais de Linha

Uma parametrização de C é dada por γ(t) = (r cos t, r sen t), t ∈ [0, 2π].
Temos que γ 0 (t) = (−r sen t, r cos t), então
Z 2π Z 2π
`(C) = |γ 0 (t)| dt = r dt = 2πr.
0 0

Exemplo. Calcule a integral de linha de f (x, y) = x2 + y 2 sobre o cı́rculo


C = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = r2 }.
Considere a parametrização γ(t) = (r cos t, r sen t), t ∈ [0, 2π] . Por definição
temos que
Z 2π Z 2π Z 2π
(f ◦ γ)(t)|γ 0 (t)| dt = (r2 cos2 t + r2 sen2 t)r dt = r3 dt = 2πr3 .
0 0 0

Sejam C uma curva de comprimento ` e γ[a, b] → C uma parametrização de


C. Definimos a função comprimento de arco s : [a, b] → [0, `] como
Z t
s(t) = |γ 0 (τ )| dτ.
a

Pelo teorema fundamental do cálculo temos que s0 (t) = |γ 0 (t)| > 0, para
todo t ∈ [a, b]. Neste caso, a função s−1 : [0, `] → [a, b] é crescente e derivável.
Podemos usá-la para reparametrizar a curva C. A aplicação β : [0, `] → C
definida por
β(τ ) = (γ ◦ s−1 )(τ ) = γ(s−1 (τ ))
é a reparametrização e γ pelo comprimento de arco. .
Quando uma curva está parametrizada pelo comprimento do arco o seu vetor
tangente é unitário. De fato, se derivamos a aplicação β obtemos

β 0 (τ ) = γ 0 s−1 (τ ) (s−1 )0 (τ )


1
= γ 0 s−1 (τ ) 0 −1 

s s (τ )
0 −1

γ s (τ )
= 0 −1  ,
|γ s (τ ) |

de onde obtemos que |β 0 (τ )| = 1. Quando for conveniente podemos assumir


que nossa curva está parametrizada pelo comprimento de arco, ou seja, que
o vetor tangente é unitário. Teoricamente é sempre possı́vel reparametrizá-la
pela função s−1 . Do ponto de vista prático a questão é bem mais complicada.
Vejamos um exemplo simples.

Exemplo. Considere a parametrização do cı́rculo de raio r definida como γ(t) =


(r cos t, r sen t), t ∈ [0, 2π]. Calcule a sua reparametrização pelo comprimento
do arco.
5.3 Campos de Vetores 130

Vimos que o comprimento do cı́rculo é ` = 2πr. A sua função comprimento


de arco é dada por
Z t Z t
s(t) = |γ 0 (τ )| dτ = r dτ = rt.
0 0

A sua inversa s−1 : [0, 2πr] → [0, 2π] t é s−1 (τ ) = τr . Substituindo na parame-
trização original obtemos
τ   τ   τ 
β(τ ) = γ s−1 (τ ) = γ

= r cos , r sen , τ ∈ [0, 2πr].
r r r

5.3 Campos de Vetores


Seja p ∈ Rn . O espaço tangente a Rn em p é definido como

Rnp = {(p, v) : v ∈ Rn } .

Cada um desses conjuntos é um espaço vetorial se definimos

(p, v) + (p, w) = (p, v + w);


α(p, v) = (p, α v),

para todo (p, v) ∈ Rnp , (p, w) ∈ Rnp e α ∈ R.


As propriedades de Rn tem análogos em Rnp . A base canônica de Rnp é
{(p, e1 ), . . . , (p, en )} e cada um desses espaços tem um produto escalar definido
da seguinte forma:
h(p, v), (p, w)ip = hv, wi.
Um elemento (p, v) ∈ Rnp será denotado simplesmente por vp . Geometrica-
mente, o vetor vp pode ser representado por uma seta partindo de p até v + p.
Isto sigifica que transladamos paralelamente o vetor v da origem O até o ponto
p.

Figura 5.8. Vetores tangentes de R2 .


131 5. Integrais de Linha

Um campo de vetores em A ⊂ Rn é uma função F que associa para cada


p ∈ A um vetor F (p) ∈ Rnp . Fixado o ponto p se escrevemos F (p) na base
canônica de Rnp temos

F (p) = F1 (p)(e1 )p + · · · + Fn (p)(en )p .

As funções Fi : A → R são chamadas de funções coordenadas. Dizemos que


o campo F é de classe C k se as funções coordenadas são de classe C k . Dado o
campo F podemos associá-lo à função f : A → Rn definida por

f (p) = F1 (p), . . . , Fn (p) ,

para todo p ∈ A. Reciprocamente, dada uma função f : A → Rn podemos


definir o campo F (p) = [f (p)]p . Por esse motivo, daqui em diante, um campo
será escrito simplesmente como F = (F1 , . . . , Fn ). A menos que seja dito o
contrário, assumimos tacitamente que todos os campos considerados neste livro
serão de classe C ∞ .
Podemos fazer operações com campos de vetores ponto a ponto. Por exem-
plo, se G é um segundo campo de vetores e f é uma função de Rn em R temos

F + G (p) = F (p) + G(p);
hF, Gi(p) = hF (p), G(p)ip ;

f F (p) = f (p)F (p).

Definimos o divergente de F como a função



div F (p) = D1 F1 (p) + · · · + Dn Fn (p), (5.3)

e, quando n = 3, o rotacional de F como o campo


 
rot F (p) = D2 F3 (p) − D3 F2 (p), D3 F1 (p) − D1 F3 (p), D1 F2 (p) − D2 F1 (p) p . (5.4)

As nomenclaturas usadas para definir as fórmulas (5.3) e (5.4) têm origens na


Fı́sica. Se F é o campo de velocidades de um fluido incompressı́vel, então div F
tem relação com o fluxo de F , ou seja, será uma medida da sua divergência
ou convergência (divergência negativa), enquanto rot F está relacionado com
a rotação do fluido em uma determinada região. Veremos tais interpretações
fı́sicas no momento apropriado. Em alguns livros div F e rot F são denotados
por ∇ · F e ∇ × F , respectivamente.

Exemplo. Faça um esboço do campo F = x, y2 .




Para ter uma ideia sobre o campo F , observe que ao longo da reta y = c
a segunda componente não muda enquanto a primeira componente cresce se
andamos para a direita e diminui se andamos para a esquerda. Coisa semelhante
ocorre se nos movemos ao longo da reta x = c. Neste caso, somente a segunda
componente varia. Veja a figura 5.9.
5.3 Campos de Vetores 132

Figura 5.9. Campo F = (x, y/2).

Seja C ⊂ Rn uma curva com parametrização γ : [a, b] → C. Definimos um


campo de vetores sobre C dado por F (γ(t)) = γ 0 (t) γ(t) . Em geral, dada uma
função diferenciável f : Rn → R definimos um campo, chamado de campo
gradiente, como
 
grad f (p) = ∇f (p) p = D1 f (p)(e1 )p + · · · + Dn f (p)(en )p .

Portanto, para qualquer função diferenciável temos um campo naturalmente


associado a ela. Uma questão que se impõe naturalmente neste momento é a
seguinte: será que todo campo é o gradiente de uma função f ? A resposta para
esta pergunta é não.

1
Exemplo. Verifique que o campo F = 3 (y, −x) não é o campo gradiente de
alguma função f : R2 → R.

Suponha que existe uma função f : R2 → R tal que grad f = F . Neste caso
terı́amos que
y x
D1 f (x, y) = , D2 f (x, y) = − .
3 3
Isto implica que f é de classe C 2 . Entretanto D1,2 f (x, y) = 13 6= − 31 =
D2,1 f (x, y). Obtemos assim uma contradição.
Sejam F um campo de vetores em Rn e C ⊂ Rn uma curva parametrizada.
0
Dada uma parametrização γ : [a, b] → C, se escrevemos v = |γγ 0 | , a integral de
133 5. Integrais de Linha

Figura 5.10. Campo F = 1/3(−y, x).

linha de F ao longo de C é definida como


Z Z
F = hF, vi,
C C

ou seja, calculamos o produto escalar h(F ◦ γ)(t), v(t)i em cada ponto e integra-
mos a função assim obtida ao longo de C. Por razões fı́sicas, a integral de F ao
longo de C é às vezesR chamada de circulação. Se F é o campo de velocidades
de um fluido, então C F é uma medida da rotação do lı́quido em torno de C.
Veja a figura 5.11.

R R R
(a) C F >0 (b) C F <0 (c) C F =0

Figura 5.11. Circulação de um campo.


5.3 Campos de Vetores 134

N.B. Em alguns livros de cálculo, a integral de linha do campo


F = (F1 , F2 , . . . , Fn ) ao longo da curva parametrizada C é denotada por
Z Z
F = F1 dx1 + F2 dx2 + · · · + Fn dxn .
C C
No momento seria vã qualquer tentativa de esclarecer o que a expressão acima
significa. Entretanto, no último capı́tulo desse livro, quando tivermos à dis-
posição a noção de formas diferenciais, o seu significado será explicado rigoro-
samente.

Finalmente, observe que se a curva C tem parametrização γ : [a, b] → C,


podemos calcular a integral de linha de F como
Z Z
F = hF, vi
C C
Z b
= h(F ◦ γ), vi(t) |γ 0 (t)| dt
a
Z b 0
= h(F ◦ γ)(t), |γγ 0 (t)|
(t)
i|γ 0 (t)| dt
a
Z b
= h(F ◦ γ)(t), γ 0 (t)i dt.
a
A integral de linha de um campo F ao longo de uma curva depende sen-
sivelmente da parametrização escolhida. De fato, seja γ : [a, b] → C uma
parametrização de C. Dada uma reparametrização β : [c, d] → C, sabemos que 
existe uma função derivável e injetiva h : [c, d] → [a, b] tal que β(τ ) = γ h(τ ) .
Pelo teorema da mudança de variáveis vem
Z d Z
0
h F ◦ γ (h(τ )), γ 0 h(τ ) h0 (τ )idτ
 
h(F ◦ β)(τ ), β (τ )idτ =
c [c,d]
Z
h F ◦ γ (h(τ )), γ 0 h(τ ) i|h0 (τ )| dτ
 

[c,d]
Z
h F ◦ γ (t), γ 0 (t)idt


h([c,d])
Z b
h F ◦ γ (t), γ 0 (t)idt.


a

O sinal dependerá da função h. Se h0 > 0, ou seja, se as parametrizações são


equivalentes, então a integral de linha não se altera; se h < 0 a integral muda
de sinal.
Quando C é uma curva parametrizada por partes, a sua integral de linha
é definida como a soma das integrais ao longo de cada parte de C, ou seja, se
C1 , . . . , Cn são as partes suaves de C, então
Z Xn Z
F = F.
C i=1 Ci
135 5. Integrais de Linha

Exemplo. Seja C a fronteira do quadrado [0, 1]×[0,R1] parametrizada por (5.2),


ou seja, percorrida no sentido anti-horário. Calcule C F , em que F = (x2 , xy).
As parametrizações das arestas do quadrado são dadas por (5.2) Temos que
Z Z 1 Z 1 Z 1
1
F = h F◦ γ1 )(t), γ10 (t)idt = 2
h(t , 0), (1, 0)idt = t2 dt = ,
C1 0 0 0 3
Z Z 1 Z 1 Z 1
1
F = h F ◦ γ2 )(t), γ20 (t)idt = h(1, t), (0, 1)idt = t dt = ,
C2 0 0 0 2
Z Z 1 Z 1
1
F = h F ◦ γ3 )(t), γ30 (t)idt = h((1 − t)2 , 1 − t), (−1, 0)idt = −
C3 0 0 3
Z Z 1 Z 1
F = h F ◦ γ4 )(t), γ40 (t)idt = h(0, 0), (0, −1)idt = 0.
C4 0 0

Concluı́mos que Z
1 1 1 1
F = + − +0= .
C 3 2 3 2

R
Exemplo. Seja F = (y, −x, 1). Calcule C
F em que C é a curva parametrizada
por

(i) γ(t) = (cos t, sen t, t/(2π) , t ∈ [0, 2π];
 √
(ii) α(t) = (cos(t3 ), sen(t3 ), t3 /(2π) , t ∈ [0, 3 2π];

(iii) β(t) = (cos t, − sen t, t/(2π) , t ∈ [0, 2π];

Todas as curvas acima são espirais partindo do ponto (1, 0, 0) até o ponto
(1, 0, 1). Observe também que a aplicação α é apenas uma reparametrização
equivalente de γ. Na figura 5.12 o traço sólido representa as curvas parametri-
zadas por γ e α enquanto a parte tracejada representa a curva parametrizada
por β.
Se a curva C é parametrizada por (i) temos que
Z Z 2π
h F ◦ γ (t), γ 0 (t)idt

F =
C 0
Z 2π
= h(sen t, − cos t, 1), (− sen t, cos t, 1/(2π))idt
0
Z 2π  
2 2 1
= − sen t − cos t + dt
0 2π
 2π
t
= −t +
2π 0
= 1 − 2π.
5.3 Campos de Vetores 136

Figura 5.12

Pelo que vimos acima, a integral ao longo da curva parametrizada por (ii)
também é igual a 1 − 2π. Finalmente, calculamos a integral de linha de F ao
longo da curva parametrizada por (iii). Temos

Z Z 2π
h F ◦ β (t), β 0 (t)idt

F =
C 0
Z 2π
= h(− sen t, − cos t, 1), (− sen t, − cos t, 1/(2π))idt
0
Z 2π  
1
= sen2 t + cos2 t + dt
0 2π
 2π
t
= t+
2π 0
= 1 + 2π.

Observe no exemplo anterior que a integral de linha do campo F = (y, −x, 1)


depende da curva que liga os pontos (1, 0, 0) e (1, 0, 1). Estudaremos agora uma
classe de campos com seguinte propriedade: se a curva C une os pontos P e
Q, então dada qualquer outra curva C 0 conectando estes pontos (no mesmo
sentido), temos que
Z Z
F = F.
C C0

Estes campos serão chamados de campos conservativos.


137 5. Integrais de Linha

5.4 Campos Conservativos


Dizemos que F é um campo conservativo se a integral de linha de F ao
longo de qualquer curva fechada C é igual a zero.
Podemos obter uma outra formulação para o conceito de campo conserva-
tivo da seguinte maneira. A figura 5.13 pode ser analisada de duas maneiras
distintas. Podemos pensar que trata-se de uma única curva fechada parametri-
zada por partes C = C1 ∪ C2 , ou podemos pensar que consiste em duas curvas
diferentes C1 e C2 ligando os mesmos pontos P e Q. Suponha que C é uma
curva fechada partindo do ponto P . Neste caso temos
Z Z Z
F = F− F,
C C1 C2

pois devemos parametrizar C2 no sentido oposto. É claro que também po-


derı́amos pensar que a curva C parte de Q no sentido oposto ao indicado na
figura. Neste segundo caso obtemos
Z Z Z
F = F− F.
C C2 C1
.

Figura 5.13. C = C1 ∪ C2 .

O raciocı́nio acima permite concluir que o campo F é conservativo se, e


somente se, a sua integral de linha é igual para todas as curvasR que tem os
mesmos pontos final e inicial. De fato, se F é conservativo temos C F = 0, ou
seja, Z Z
F = F.
C1 C2
Reciprocamente se as integrais de linha não dependem do caminho ligando os
pontos P e Q obtemos
Z Z Z
F = F− F = 0,
C C1 C2
5.4 Campos Conservativos 138

de onde concluı́mos que F é conservativo.


Vejamos agora que campos gradientes são exemplos de campos conservativos.

5.2 Teorema. Seja F um campo em Rn tal que F = grad f , para alguma


função f : Rn → R. Então, dada a curva C com parametrização γ : [a, b] → C,
temos que
Z
F = f (γ(b)) − f (γ(a)).
C

Demonstração. Usando a regra da cadeia e o teorema fundamental do cálculo,


concluı́mos imediatamente que

Z Z
F = grad f
C C
Z b
h grad f (γ(t)), γ 0 (t)idt

=
a
Z b
= (f ◦ γ)0 (t)dt
a
= f (γ(b)) − f (γ(a)).

O teorema acima
R mostra que se F = grad f e C é uma curva parametrizada
fechada, então C f = 0, pois neste caso γ(a) = γ(b). Uma função f com a
propriedade F = grad f é chamada de função potencial do campo F . Elas
desempenham um papel análogo às primitivas do cálculo em uma variável.

Exemplo. Segundo a lei da gravitação universal, a aceleração em um ponto


r = (x, y, z) devido a um ponto material de massa m localizado na origem é
dada por

Gmr Gm
F =− 3
=− 2 (x, y, z),
|r| (x + y 2 + z 2 )3/2

onde G é uma constante. Mostre que F é um campo conservativo.

Seja C uma curva qualquer com parametrização γ : [a, b] → C. Se escreve-


139 5. Integrais de Linha


mos γ(t) = x(t), y(t), z(t) , temos que
Z Z b
F = h(F ◦ γ)(t), γ 0 (t)idt
C a
Z b
(x,y,z) 0 0 0
= −Gm h (x2 +y 2 +z 2 )3/2 , (x , y , z )idt
a
b
xx0 + yy 0 + zz 0
Z
= −Gm 2 2 2 3/2
dt
a (x + y + z )
Z b 0
1
= Gm dt
a (x2 + y 2 + z 2 )1/2
 
1 1
= Gm − .
|γ(b)| |γ(a)|

O exemplo acima mostra que


Gm
f (x, y, z) = p
x + y2 + z2
2

é uma função potencial de F . Veremos agora que todo campo conservativo


possui uma função potencial.
5.3 Teorema. Seja F um campo conservativo em A ⊂ Rn . Então existe uma
função diferenciável f : A → R tal que F = grad f .
Demonstração. Suponha inicialmente que A é um conjunto conexo, isto é,
que dois pontos quaisquer de A podem ser ligados por uma curva inteiramente
contida no conjunto. Nesta condição, vamos construir uma função f : A → R
e verificar que ela satisfaz as hipóteses do teorema. Fixamos um ponto O ∈ A.
Dado P ∈ A, definimos f (P ) como
Z
f (P ) = F,
C

onde F é qualquer curva contida em A ligando O até P . A função f está bem


definida, pois o campo é conservativo e, neste caso, a integral de linha depende
somente de P . Mais ainda, é possı́vel provar, embora não faremos aqui, que a
função assim definida é diferenciável.
Considere agora um segundo ponto Q ∈ A. Temos que
Z
f (Q) = F.
C0

para alguma curva C 0 de O até Q. Dada uma terceira curva C 00 , ligando P até
Q, concluı́mos que (veja figura 5.14)
Z Z Z
F+ F− F = 0,
C 00 C C0
5.4 Campos Conservativos 140

ou seja, Z Z Z Z
F = F− F = f (Q) − f (P ) = grad f.
C 00 C0 C C 00
Isto significa que Z
(F − grad f ) = 0,
C 00
para toda curva C 00 . Logo F = grad f .
Se o conjunto A não é conexo podemos repetir o argumento acima em cada
componente conexa de A.

Figura 5.14
R
N.B. Está implı́cito no argumento acima que se C F = 0 para toda curva C,
então F é identicamente nulo. Este fato pode ser demonstrado usando a conti-
nuidade do campo F (veja a seção de exercı́cios deste capı́tulo).

Até aqui sabemos que campos são conservativos se, e somente se, são campos
gradientes de alguma função. O que não está claro até o momento é como
podemos encontrar o potencial de um campo conservativo. Também não temos
ainda uma maneira simples de checar se um campo é conservativo ou não. O
próximo teorema responde estas questões para um campo de R2 .
5.4 Teorema. Um campo F = (F1 , F2 ), definido em R2 , é conservativo se, e
somente se, D1 F2 = D2 F1 .
Demonstração. Suponha que F é conservativo. Neste caso, existe f : R2 → R
tal que grad f = F , ou seja, F1 (x, y) = D1 f (x, y) e F2 (x, y) = D2 f (x, y). Pelo
lema de Schwarz temos

D1 F2 = D2,1 f = D1,2 f = D2 F1 .
141 5. Integrais de Linha

Reciprocamente, suponha que D1 F2 = D2 F1 . Queremos encontrar uma


função f : R2 → R tal que
D1 f (x, y) = F1 (x, y),
D2 f (x, y) = F2 (x, y).

Para isso, integramos a primeira equação e obtemos


Z
f (x, y) = F1 (x, y) dx + C(y), (5.5)

onde C é uma função que depende apenas de y. Pela equação (5.5), se calcular-
mos a função C o potencial f estará determinada. Usando a segunda equação
vem Z 
F2 = D 2 f = D 2 F1 (x, y) dx + C 0 (y),

ou seja, Z 
C 0 (y) = F2 − D2 F1 (x, y) dx .
R 
Assim, se existe a função f , concluı́mos que F2 − D2 F1 (x, y) dx não deve
depender de x. Isso é garantido pela hipótese D1 F2 = D2 F1 , pois derivando em
relação a x obtemos
 Z  Z 
D1 F2 − D2 F1 (x, y) dx = D1 F2 − D2,1 F1 (x, y) dx
Z 
= D1 F2 − D1,2 F1 (x, y) dx
 Z 
= D1 F2 − D2 D1 F1 (x, y) dx

= D1 F2 − D2 F1
= 0.

R
No teorema acima o sı́mbolo f (x, y) dx foi usado para representar uma
função g(x, y) tal que D1 g(x, y) = f (x, y). Se g é uma função com essa propri-
edade, então dada uma constante arbitrária c, a função g + c também é tal que
D1 (g + c) = D1 g = f . Isto significa que o potencial estará sempre definido a
menos de uma constante arbitrária. Na prática esta constante pode ser deter-
minada se conhecemos o valor do pontecial em algum ponto. Daqui para frente
escolheremos sempre c = 0.
Se F (x, y) = (F1 , F2 , 0) é um campo em R2 , o rotacional de F é dado por

rot F = (0, 0, D1 F2 − D2 F1 ).

Portanto, pelo teorema acima, F será conservativo se, e somente se, rot F =
0. Suponha agora que F = (F1 , F2 , F3 ) é um campo em R3 . Neste caso, qual
5.4 Campos Conservativos 142

será a condição para que o campo F seja conservativo? A resposta é, novamente,
rot F = 0. Nos exercı́cios há um esboço da demonstração deste fato, que é muito
semelhante àquela que fizemos para o caso de um campo em R2 . E qual seria a
condição para que um campo F = (F1 , F2 , F3 , F4 ) em R4 seja conservativo. E,
em geral, para um campo de Rn , n > 4? A resposta para essas perguntas terá
que esperar até o último capı́tulo do livro.

Exemplo. Verifique se o campo F : R2 → R2 definido por F = (2xy, x2 + cos y)


é conservativo e, caso afirmativo, calcule a sua função potencial.
Temos que D1 F2 = D2 F1 = 2x, então o campo é conservativo. Deve-
mos agora encontrar a função f tal que grad F = F , ou seja, D1 f = 2xy e
D2 f (x, y) = x2 + cos y. Integrando a primeira equação obtemos
Z
f (x, y) = 2xy dx + C(y) = x2 y + C(y).

Para determinar a função C(y) usamos a segunda equação. Derivando a


expressão acima vem

x2 + cos y = D2 f = D2 (x2 y) + C 0 (y) = x2 + C 0 (y).

Simplificando, encontramos C 0 (y) = cos y, isto é, C(y) = sen y. Concluı́mos


que
f (x, y) = x2 y + sen y.

O próximo exemplo mostra que a condição do campo F estar definido em


todo o plano não é supérflua.

Exemplo. Considere o campo F : R2 − {(0, 0)} → R2 definido por


 
y x
F = − 2 , .
x + y 2 x2 + y 2

Mostre que D1 F2 = D2 F1 , entretanto F não é conservativo.


De fato, um cálculo simples mostra que

y 2 − x2
D1 F2 = D2 F1 = .
(x2 + y 2 )2

Por outro lado, considere o cı́rculo C = {(x, y)R2 : x2 + y 2 = 1} parametri-


143 5. Integrais de Linha

zado por γ(t) = (cos t, sen t), t ∈ [0, 2π]. Neste caso obtemos
Z Z 2π
F = h(F ◦ γ)(t), γ 0 (t)idt
C 0
Z 2π  
= h − sen2sen t cos t
t+cos2 t , sen2 t+cos2 t , (− sen t, cos t)idt
0
Z 2π
= sen2 t + cos2 t dt
0
= 2π 6= 0,

ou seja, F não é conservativo.

Na realidade, o campo não precisa estar definido em todo o plano para que
o teorema 5.4 valha. Somente no último capı́tulo deste livro, depois de estudar-
mos as formas diferenciais, poderemos estabelecer precisamente em que tipos de
domı́nio o teorema permanece válido.

Exercı́cios

1. Uma partı́cula se desloca sobre uma hélice γ(t) = (cos t, sen t, t). Cal-
cule os vetores velocidade (γ 0 ) e aceleração (γ 00 ), a velocidade (|γ 0 |), a
aceleração (|γ 00 |) e a equação da reta que passa pelo ponto γ( π4 ) e tem a
direção do vetor tangente nesse ponto (chamada, por isso, de reta tangente
à curva em γ( π4 )).

2. Suponha que uma partı́cula tem trajetória dada por γ(t) = (et , e−t , cos t)
até o momento em que ela voa pela tangente no instante t = 1. Onde ela
estará em t = 2? R. (2e, 0, cos 1 − sen 1).

3. O deslocamento de uma partı́cula é tal que a sua aceleração é constante


igual a −e3 . Se a posição no instante t = 0 é (0,0,1) e a velocidade em
t = 0 é e1 + e2 , quando e onde a partı́cula atinge o plano z = 0? Descreva
a trajetória da partı́cula.

R.
√ No√ instante t = 2 a partı́cula atinge o plano z = 0 no ponto
( 2, 2, 0). A partı́cula percorre uma parábola no plano x = y.

4. Sejam θ e φ ângulos fixos e considere as seguintes curvas

a) γ(t) = (sen ϕ cos t, sen ϕ sen t, cos ϕ) 0 ≤ t ≤ 2π,


b) σ(t) = (sen t cos θ, sen t sen θ, cos t) 0 ≤ t ≤ 2π

Verifique que γ e σ são cı́rculos na esfera de raio 1 centrada na origem.


Encontre o centro e o raio de cada cı́rculo e esboçe o traço das curvas para
θ = ϕ = π4 .
5.4 Campos Conservativos 144

5. Seja r = γ(t) o vetor posição de um objeto de massa m, velocidade v e


aceleração a. Suponha que F é a força total sobre a partı́cula.
d
(i) Mostre que dt (mr × v) = r × F . O que você pode concluir se r e F
são paralelas?
(ii) Prove que um planeta movendo-se ao redor do sol o faz em um plano
fixado (primeira lei de Kepler).
6. Use uma calculadora para calcular o comprimento de γ(t) = (cos t, sen t, t2 )
no intervalo 0 6 t ≤ π. R. ≈ 10.63
Dica: Lembre que
Z p
1h p 2  p i
x2 + a2 dx = x x + a2 + a2 ln x + x2 + a2 + C.
2
2 2
7. Mostre que o comprimento da elipse xa2 + yb2 = 1 (a > b) é dado por
Z π2 p
` = 4a 1 − 2 sen2 u du,
0

a2 −b2
em que  = a é a excentricidade da elipse. Verifique que se  = 0,
caso em que a elipse degenera-se em um cı́rculo, temos ` = 2πa.
q
2 
Dica: Se 0 ≤ t = x ≤ a temos y = ± b2 1 − at 2 . Verifique que
Z ap
`
= 1 + (y 0 )2 dt.
4 0

Para simplificar essa última integral use a substituição t = a sen u.


8. Seja γ(`) uma curva parametrizada pelo comprimento de arco e seja T =
γ 0 . A curvatura de γ é defiinida como

dT
k = .
d`
(i) Calcule a curvatura de um cı́rculo de raio R0 . R. R10 , quanto maior
é o raio menos o cı́rculo se “curva”!
(ii) Mostre que
hT, γ 00 i = 0 e defina a normal unitária de γ como N =
dT dT
d` / d` ;
(iii) Verifique a primeira equação de Frenet
dT
= kN.
d`
(iv) Mostre que a curvatura de γ(t) pode ser calculada como
|γ 0 × γ 00 |
k= .
|γ 0 |3
Dica: Comece reparametrizando γ pelo comprimento de arco. De-
rive duas vezes, use o item (ii) da questão 5 e calcule a norma.
145 5. Integrais de Linha

(v) Calcule a curvatura da espiral γ(t) = (e−t cos t, e−t sen t, 0), t ∈ R. O
que acontece com k(t) quando t → ∞?
9. Sejam T e N os vetores unitários tangente e normal de uma curva γ, res-
pectivamente. Podemos definir um terceiro vetor como B = T × N . Este
é o vetor binormal. Assim definidos, os vetores T, N e B formam uma
tripla de vetores unitários mutuamente ortogonais, chamado de triedro
de Frenet.
(i) Mostre que
γ 0 × γ 00 γ 0 × γ 00
B= 0 00
= ,
|γ × γ | k|γ 0 |3

(ii) Mostre que h dB


dt , Bi = 0;
(iii) Mostre que h dB
dt , T i = 0;
(iv) Conclua que dB dt é um múltiplo escalar de N . Defina a torção de γ
como a função real τ tal que
dB
= −τ |γ 0 |N.
dt

10. (Equações de Frenet) Se γ está parametrizada pelo comprimento de arco,


prove as seguintes equações:
dT
d` = kN,
dN
d` = −kT +τ B,
dB
d` = −τ N.

Dica: Observe que hN, N i, hT, N i e hN, Bi são constantes. Derive cada
uma delas para obter as componentes de dNd` na base {T, N, B}.

11. Calcule a integral de linha de F (x, y) = (x2 − y 2 , 2xy) ao longo de cada


uma das curvas abaixo.
(i) Seja C o segmento de reta ligando (0, 0) até (1, 1) parametrizado por
γ(t) = (t, t) onde t ∈ [0, 1] ;
(ii) Dessa vez considere a mesma curva parametrizada na direção oposta,
isto é, tome (−γ)(t) = (1 − t, 1 − t) com t ∈ [0, 1] ;
(iii) Finalmente, tome os caminhos C1 de (0, 0) até (1, 0) paratetrizado
por γ 1 (t) = (t, 0), t ∈ [0, 1] e C2 de (1,
R 0) até (1, 1) parametrizado
por γ 2 (t) = (1, t), t ∈ [0, 1]. Calcule C f (z)dz onde C = C1 ∪ C2 .
Este campo é conservativo? Por quê?
12. Verifique as seguintes propriedades das integrais de linha
R R
(i) C cF = c C F , em que c ∈ R é uma constante;
R R R
(ii) C (F + G) = C F + C G;
5.4 Campos Conservativos 146

R R
(iii) −C
F = − C F , onde −C a curva parametrizada na direção oposta
C, isto é, se γ : [a, b] → C uma parametrização de C, então (−γ) :
[a, b] → −C, definida por (−γ)(t) = γ(b+a−t), é uma parametrização
de −C .
R r(b)
Dica: Você precisará do teorema da mudança de variáveis: r(a) s(x)dx =
Rb
a
s(r(t))r0 (t)dt.

13. Calcule as seguintes integrais de linha


Z
(i) F , em que C é parametrizada por γ(t) = (1, t, et ), 0 6 t 6 2 e
C
F (x, y, z) = (cos z, ex , ey ). R. 2e + 21 e4 − 21 .
Z
(ii) sen(πx)dy−cos(πy)dz, em que F (x, y, z) = (0, sen(πx), − cos(πy))
C
e C é o triângulo com vértices (1, 0, 0), (0, 1, 0) e (0, 0, 1), nesta ordem.
R. π2 + 1.
Z

(iii) F, em que F (x, y, z) = (sen z, cos y, x3 ) e C é a curva parame-
C
cos 3 5
trizada por γ(t) = (sen t, t2 , t), t ∈ [0, 2π]. R. 3 + 12 .

14. A massa da Terra é aproximadamente 6×1027 g e a massa do Sol é 330.000


vezes maior que a da Terra. A constante gravitacional (em unidades de
gramas, centı́metros e segundos) é dada por 6, 7 × 10−8 cm3 /seg2 × g. Se a
distância do Sol até a Terra é de 1, 5 × 1012 cm, calcule, aproximadamente,
o trabalho necessário para afastar a terra 1cm do Sol.
GmM
R. W = − , onde m a massa da Terra, M é a massa do Sol e d
d(d + 1)
é a distância entre o Sol e a Terra. Use uma calculadora para calcular a
energia.
Dica: Lembre-se que o campo gravitacional é conservativo e F = grad f ,
onde
GmM
f (x, y, z) = p .
x + y2 + z2
2

15. Verifique se cada campo abaixo é conservativo. Em caso afirmativo calcule


a função potencial f .

(i) F (x, y) = (2xy, x2 + cos y); R. f (x, y) = x2 y + sen y.


3
(ii) F (x, y) = (x2 y, x2 + yey ); R. Não.
(iii) F (x, y) = (4x cos2 y2 , −x2 sen y);R. f (x, y) = 2x2 cos2 y
 
2 .
(iv) F (x, y) = (2xy sen(x2 y), ey +x2 sen(x2 y)). R. f (x, y) = − cos(x2 y)+
ey .

16. Seja F = (ax2 y + y 3 + 1, 2x3 + bxy 2 + 2) um campo de vetores onde a e b


são constantes.
147 5. Integrais de Linha

a) Encontre os valores de a e b tais que o campo F é conservativo;


b) Para os valores calculados em a), encontre f (x, y) tal que F = grad f ;
Z
c) Ainda com os valores de a e b obtidos no item a), calcule F , onde
C
C é a curva parametrizada por γ(t) = (et cos t, et sen t), t ∈ [0, π].
 
17. Considere o campo F (x, y) = x2−y
+y 2 , 2
x
x +y 2 , definido em R2 − {(0, 0)}.

(i) Mostre que    


x −y
D1 = D2 ;
x2 + y 2 x2 + y 2
(ii) Calcule a integral de linha de F ao longo do cı́rculo x2 + y 2 = R2 ,
parametrizado noR sentido anti-horário, para mostrar que F não é
conservativo; R. C F = 2π.
(iii) Mostre que se restringimos o domı́nio de F para os pontos da forma
(x, y) com x > 0, então ele é conservativo;
Dica: Mostre que neste caso a função potencial é dada por V (x, y) =
y
arctan .
x
18. Seja F = (p, q, r) um campo em R3 . Verifique que F é conservativo se, e
somente se, ry = qz , rx = pz e py = qx . Conclua daı́ que F é conservativo
se, e somente se rot F = 0.
Dica: Queremos encontrar V (x, y, z) tal que
Vx = p, Vy = q, Vz = r.

Integrando a primeira equação vem


Z
V = p dx + g(y, z).

∂ ∂
R R
Daı́ temos que gy = Vy − ∂y p dx = q − ∂y p dx. Vamos verificar
gy não depende de x. De fato,
∂2
Z

gy = qy − p dx = qx − py = 0.
∂x ∂x∂y
R
Concluı́mos que g = gy dy + h(z), onde h depende apenas de z.
Substituindo na expressão de V vem
Z Z
V = p dx + gy dy + h(z).

Logo,
Z Z Z Z
∂ ∂ ∂ ∂
hz = Vz − p dx − gy dy = r − p dx − gy dy.
∂z ∂z ∂z ∂z
5.4 Campos Conservativos 148

Resta verificar que hz não depende de x nem de y. Calculamos

∂2 ∂2
Z Z

hz = rx − p dx − gy dy = rx − pz = 0,
∂x ∂x∂z ∂x∂z

∂2 ∂2
Z Z

hz = ry − p dx − gy dy
∂y ∂y∂z ∂y∂z
 Z 
∂ ∂
= ry − p dx + gy
∂z ∂y
= ry − qz = 0.

19. Verifique se os campos abaixo são conservativos. Em caso afirmativo cal-


cule a função potencial V (x, y, z).

(i) F (x, y, z) = (2xy, x2 + z 2 , y); R. Não


(ii) F (x, y, z) = (xy, yz, xz); R. Não
(iii) F (x, y, z) = (eyz , xzeyz , xyeyz ). R. V (x, y, z) = xeyz .
6

Integrais de Superfı́cie

“Droll thing life is – that mysterious arrange-


ment of merciless logic for a futile purpose.”

Heart of Darkness,
Joseph Conrad.

“Coisa engraçada é a vida – misterioso arranjo


de lógica implacável para um propósito fútil.”

O Coração das Trevas,


Joseph Conrad.

149
6.1 Superfı́cies Parametrizadas 150

6.1 Superfı́cies Parametrizadas


Um subconjunto S ⊂ R3 é uma superfı́cie parametrizada se existe uma
aplicação X : U → S, definida em um subconjunto aberto de R2 , bijetiva,
diferenciável, denotada por

X(s, t) = x(s, t), y(s, t), z(s, t) ,

tal que os vetores



Xs = dX(s, t)(1, 0) = D1 x(s, t), D1 y(s, t), D1 z(s, t) ,

Xt = dX(s, t)(0, 1) = D2 x(s, t), D2 y(s, t), D2 z(s, t)

são linearmente independentes para todo (s, t) ∈ U.


Fixado um ponto (s0 , t0 ) ∈ U considere as curvas C1 e C2 em S parametri-
zadas por 
γ1 (s) = X(s, t0 ) = x(s, t0 ), y(s, t0 ), z(s, t0 )

γ2 (t) = X(s0 , t) = x(s0 , t), y(s0 , t), z(s0 , t) ,
respectivamente. Podemos interpretar geometricamente Xs e Xt como os veto-
res tangentes dessas curvas no ponto X(s0 , t0 ) = p. Veja a figura 6.1.

Figura 6.1. Definição de superfı́cies parametrizadas.

A aplicação X é uma parametrização de S. Um mesmo conjunto pode ter


diferentes parametrizações. O subespaço vetorial de R3 gerado por Xs e Xt no
ponto p é chamado de plano tangente a S em p e será denotado por Tp S. Um
vetor normal de S em p é dado por
Xs × Xt
n= .
|Xs × Xt |
Uma escolha entre os vetores n e −n define uma orientação de Tp S da
seguinte forma: escolhido um vetor normal, digamos n, dados dois vetores v ∈
151 6. Integrais de Superfı́cie

Tp S e w ∈ Tp S dizemos que [v, w] define a orientação de Tp S se [v, w, n] define


a orientação canônica de R3 , isto é, se [v, w, n] = [e1 , e2 , e3 ]. É fácil demonstrar
que dados dois vetores quaisquer v ∈ R3 e w ∈ R3 o vetor v×w é tal que [v, w, v×
w] = [e1 , e2 , e3 ] (verifique!); assim, se escolhemos o vetor normal n, a orientação
de Tp S ela será [Xs , Xt ] e se escolhemos −n será [Xt , Xs ]. Escolhida uma
orientação de Tp S, dizemos que a superfı́cie é orientada. Para mais detalhes
sobre orientação de espaços vetoriais o leitor poderá consultar o apêndice 2 desse
livro.
Conjuntos abertos U ⊂ R2 são exemplos triviais de superfı́cies parametriza-
das. Basta considerar a paramentrização X : U → U dada por X(s, t) = (s, t, 0).
Neste caso Xs = (1, 0, 0) = e1 , Xt = (0, 1, 0) = e2 e Tp U = R2p para todo p ∈ U.
Os vetores normais são n = e1 × e2 = e3 e −e3 . Em particular R2 é um exemplo
de superfı́cie parametrizada. Vejamos agora alguns exemplos não triviais.
Seja f: U → R uma função diferenciável
definida em U ⊂ R2 . O gráfico
Gr(f ) = (s, t, f (s, t)) : (s, t) ∈ U é uma superfı́cie parametrizada. De fato,
considere a aplicação X : U → Gr f definida por

X(s, t) = s, t, f (s, t) .

Temos que

Xs = 1, 0, D1 f (s, t)

Xt = 0, 1, D2 f (s, t)

Xs × Xt −D1 f (s, t), −D2 f (s, t), 1
=
p
|Xs × Xt | = 1 + (D1 f )2 (s, t) + (D2 f )2 (s, t). (6.1)

Como |Xs × Xt | =6 0 os vetores Xs e Xt são linearmente independentes. As


normais são dadas por

(−D1 f, −D2 f, 1)
n= p
1 + (D1 f )2 + (D2 f )2

e −n, respectivamente. Geometricamente, n aponta “para cima”pois a terceira


componente é positiva, enquanto −n aponta “para baixo”.
Como exemplo dessa classe de superfı́cies considere a função
p
f (s, t) = 1 − s2 − t2

definida em U = {(s, t) ∈ R2 : s2 + t2 < 1}. Temos que Gr(f ) = {(x, y, z) ∈


R3 : x2 + y 2 + z 2 = 1, z > 0}. Concluı́mos daı́ que o hemisfério norte da esfera
de raio 1 é uma superfı́cie parametizada. Observe que não podemos definir f
sobre o cı́rculo unitário S 1 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1}, pois nesses pontos a
função f não será diferenciável.
Outra classe importante de superfı́cies parametrizadas é dada pelas su-
perfı́cies de revolução
 . Seja C é uma curva no plano yz com parametrização
γ(t) = 0, y(t), z(t) , t ∈ [a, b], tal que y(t) > 0. Neste caso, a superfı́cie de
6.1 Superfı́cies Parametrizadas 152

Figura 6.2. O gráfico de uma aplicação diferenciável.

revolução de C em torno do eixo z é o conjunto S ⊂ R3 com parametrização


X : (a, b) × (0, 2π) → S dada por


X(t, θ) = y(t) cos θ, y(t) sen θ, z(t) .

Figura 6.3. Superfı́cie de revolução.


153 6. Integrais de Superfı́cie

Derivando obtemos

Xt = y 0 (t) cos θ, y 0 (t) sen θ, z 0 (t) ,




Xθ = −y(t) sen θ, y(t) cos θ, 0 ,
Xt × Xθ = −y(t)z 0 (t), −y(t)z 0 (t), y(t)y 0 (t) ,

p
|Xt × Xθ | = (z 0 )2 (t)y 2 (t) + (y 0 )2 (t)y 2 (t) = y(t) |γ 0 (t)|.

Por exemplo, se tomamos a curva γ(t) = (0, a, t), onde t ∈ [0, h] e a é uma
constante positiva, a superfı́cie de revolução associada é um cilı́ndro de raio a e
altura h. Se γ(t) = (0, t, at), onde t ≥ 0 e a é um número real não nulo, obtemos
um cone com vértice na origem. Observe neste caso que se considerássemos o
vértice do cone (t = 0) não terı́amos o plano tangente definido nesse ponto, pois
Xθ = (0, 0, 0).
Por fim, considere a curva C parametrizada por

γ(t) = (0, a senϕ, a cos ϕ), (6.2)

onde a é uma constante positiva e 0 ≤ ϕ ≤ π é a latitude (veja a figura 6.4).


A superfı́cie de rotação associada é a esfera de raio a menos a curva geratriz e
tem parametrização dada por

X(ϕ, θ) = a sen ϕ cos θ, a sen ϕ sen θ, a cos ϕ , θ ∈ (0, 2π). (6.3)

Neste caso temos


|Xϕ × Xθ | = a2 sen ϕ. (6.4)

Figura 6.4. Cilindo, Cone e Esfera.

Nos exemplos anteriores, encontramos parametrizações para alguns subcon-


juntos da esfera S 2 = {(x1 , x2 , x3 ) ∈ R3 : x21 + x22 + x23 = 1}; a saber o he-
misfério norte (sem o equador), e S 2 − C onde C é a curva parametrizada (6.2).
Uma questão que se apresenta nesse momento é a seguinte: será que pode-
mos conseguir uma única parametrização para a esfera completa? A resposta
6.2 Variedades Diferenciáveis 154

para essa pergunta é negativa. Portanto, mesmo a esfera, que por questões psi-
cológicas gostarı́amos que fosse um exemplo de superfı́cie, não enquadra-se na
nossa definição. A próxima seção amplia consideravelmente nossos horizontes
em comparação às superfı́cies parametrizadas.

6.2 Variedades Diferenciáveis


Considere a esfera unitária
S 2 = {(x1 , x2 , x3 ) ∈ R3 : x21 + x22 + x23 = 1}.
O ponto (0, 0, 1) é chamado de polo norte. A projeção estereográfica
pelo polo norte de (x1 , x2 , x3 ) ∈ S 2 sobre R2 é definida como o ponto de
intersecção da reta passando por (0, 0, 1) e (x1 , x2 , x3 ) com o plano x3 = 0, que
identificaremos com o R2 (veja a figura 6.5).

Figura 6.5. Projeção estereográfica.

Neste caso, não é difı́cil verificar que temos definida uma aplicação h+ :
S 2 − {(0, 0, 1)} → R2 dada por
 
x1 x2
h+ (x1 , x2 , x3 ) = , .
1 − x3 1 − x3
Analogamente, definimos a projeção estereográfica pelo polo sul (0, 0, −1)
como a aplicação h− : S 2 − {(0, 0, −1)} → R2 tal que
 
x1 x2
h− (x1 , x2 , x3 ) = , .
1 + x3 1 + x3
Cada uma dessas aplicações é injetiva, logo podemos calcular suas inversas.
Temos que
 
x1 x2
(x1 , x2 , x3 ) = h−1 −1

− h (x
− 1 , x2 , x3 ) = h− , . (6.5)
1 + x3 1 + x3
155 6. Integrais de Superfı́cie

Se chamamos
x1
y1 = ,
1 + x3
x2
y2 = ,
1 + x3
então, lembrando que x21 + x22 + x23 = 1, vem

x21 + x22 1 − x23 1 − x3


|y|2 = |(y1 , y2 )| = y12 + y22 = 2
= 2
= .
(1 + x3 ) (1 + x3 ) 1 + x3
Daı́ determinamos
1 − |y|2
x3 = ,
1 + |y|2
2y1
x1 = ,
1 + |y|2
2y2
x2 = .
1 + |y|2
Substituindo em (6.5) temos

1 − |y|2
 
2y1 2y2
h−1
− (y1 , y2 ) = , , .
1 + |y|2 1 + |y|2 1 + |y|2
Isto mostra que as projeções h+ e h− são contı́nuas e tem inversas contı́nuas.
Temos um nome engraçado para aplicações com essa propriedade; elas são cha-
madas de homeomorfismos. Se denotamos U+ = S 2 − {(0, 0, 1)} Te U− =
S 2 − {(0, 0, −1)} , podemos definir a aplicação h+ ◦ h−1 − em h− (U+ U− ) =
h− S 2 − {(0, 0, 1), (0, 0, −1)} = R2 − {(0, 0)} e será dada por

1 − |y|2
   
2y1 2y2 y1 y2
h+ ◦ h−1
− (y ,
1 2y ) = h+ , , = , .
1 + |y|2 1 + |y|2 1 + |y|2 |y|2 |y|2
Resumindo, temos dois homeomorfismos h+ e h− definidos em U+ e U− ,
respectivamente. Cada par (h− , U− ), (h+ , U+ ) será chamado de uma carta de
S 2 e o conjunto (h− , U− ), (h+ , U+ ) será um atlas da esfera. Observe ainda
que U− U+ = S 2 e que a aplicação h+ ◦ h−1 2 2
S
− : R − {(0, 0)} → R é uma

aplicação de classe C . Como veremos a seguir, essas caracterı́sticas fazem de
S 2 uma variedade diferenciável de dimensão 2.
Definição. Dizemos que S ⊂ R3 é uma superfı́cie ou variedade de dimensão
2, se para cada ponto p ∈ S podemos encontrarTuma vizinhança Vα de p em R3
e um homeomorfismo Xα definido em Uα = S Vα sobre um aberto de R2 .

Cada par (Xα , Uα ) é uma carta de S e um conjunto de cartas (Xα , Uα ) α∈Λ
S 
tal que α∈Λ Uα = S será chamado de atlas. Um atlas (Xα , Uα ) α∈Λ será de
classe C k sempre que,
T dadas duas de suas cartas (Xα , Uα ) e (Xβ , Uβ ), tivermos
Uα ∩ Uβ = ∅ ou Uα Uβ 6= ∅ e, neste último caso, a aplicação

Xβ ◦ Xα−1 : Xα Uα ∩ Uβ → Xβ Uα ∩ Uβ
 
6.2 Variedades Diferenciáveis 156

for uma aplicação de classe C k (veja figura 6.6). Observe que a aplicação acima
está definida de um conjunto aberto de R2 sobre um outro conjunto aberto de
R2 . Quando uma variedade tem um atlas de classe C k dizemos que S é uma
variedade de classe C k . Em particular, uma variedade de classe C ∞ é chamada
de variedade diferenciável. Todas as variedades consideradas neste livro são
diferenciáveis, a menos que seja dito o contrário.

Figura 6.6. Definição de superfı́cies.

Vale a pena observar com mais cuidado o caso da esfera para notar como
ela se encaixa na nossa definição de variedade. Aproveitamos o ensejo para
mencionar que um mesmo conjunto S ⊂ R3 pode ter atlas diferentes. Voltemos,
por exemplo, para S 2 . Considere as funções contı́nuas
p
f1 (x, y) = 1 − x2 − y 2 ,
p
f2 (x, y) = − 1 − x2 − y 2 ,

definidas no aberto {(x, y) : x2 + y 2 < 1}. Essas funções parametrizam o


conjunto S 2 − {(x, y) : x2 + y 2 = 1}, isto é, a esfera menos o seu equador.
Considere agora os gráficos de
p
f3 (y, z) = 1 − y2 − z2 ,
p
f4 (y, z) = − 1 − y 2 − z 2

em {(y, z) : y 2 + z 2 < 1}. Com essas duas novas cartas cobrimos quase todos os
pontos da esfera; restam apenas os pontos (−1, 0, 0) e (1, 0, 0). Para considerá-
157 6. Integrais de Superfı́cie

los definimos as funções


p
f5 (x, z) = 1 − x2 − z 2 ,
p
f6 (x, z) = − 1 − x2 − z 2

em {(x, z) : x2 + z 2 < 1}. Observe que, por exemplo, f1−1 (x, y, z) = (x, y),
onde (x, y, z) é um ponto do hemisfério norte da esfera. Concluı́mos que f1−1
é contı́nua. Um raciocı́nio semelhante mostra que as demais funções também
são homeomorfismos de abertos da esfera sobre abertos de R2 . Pode-se verificar
facilmente que as cartas assim definidas formam um atlas de classe C ∞ para
S 2 . Veja a figura 6.7.

Figura 6.7. Atlas para S 2 .

Pode-se mostrar que se S é uma superfı́cie diferenciável, então cada carta lo-
cal (Xα , Uα ) é um difeomorfismo, ou seja, é tal que Xα e sua inversa são de classe
C ∞ (exercı́cio 2). Se a aplicação Xα−1 : Xα (Uα ) → Uα é tal que Xα−1 (s, t) = p,
então o plano tangente de S em p é o espaço gerado por dXα−1 (s, t)(1, 0) e
dXα−1 (s, t)(0, 1). Por exemplo, se usamos as projeções estereográficas, o plano
tangente da esfera no ponto p é o espaço gerado por dh−1 −1
+ (p)(e1 ) e dh+ (p)(e2 ).
Pode-se verificar que hv, pi = 0 para todo v ∈ Tp S 2 , ou seja, p é o vetor normal
no ponto p (veja o exercı́cio 5 deste capı́tulo).
6.2 Variedades Diferenciáveis 158

Figura 6.8. O vetor normal da esfera é o vetor posição.

As superfı́cies parametrizadas são exemplos triviais de variedades de di-


mensão 2. De fato, se X : U → S é uma parametrização de S, basta considerar
o atlas (X −1 , S) . Além da esfera, há muitos outros exemplos de variedades
de dimensão 2 que não são superfı́cies parametrizadas. Por exemplo, o conjunto
de todas retas de R3 que passam pela origem é uma variedade bidimensional
chamada de plano projetivo e denotada por P R2 .
O conceito de orientação de uma variedade é muito mais elaborado do que
podemos supor a partir da nossa experiência com as superfı́cies parametriza-
das. Dada uma superfı́cie parametrizada, podemos sempre orientá-la; o mesmo
não se passa com as variedades de dimensão 2. É claro que podemos esco-
lher uma orientação em cada carta (Xα , Uα ) da mesma forma que fizemos no
caso das superfı́cies parametrizadas, entretanto as orientações encolhidas po-
dem não
 coincidir em duas cartas distintas. Quando podemos encontrar um
atlas (Xα , Uα ) α∈Λ de S e escolher orientações em cada (Xα , Uα ) de modo que
elas coincidam sempre que duas cartas se interceptam dizemos que S é uma
variedade orientável.
Observe que pela nossa definição, qualquer variedade que possui um atlas
com apenas duas cartas é orientável, pois sempre podemos compatibilizar as ori-
entações escolhidas em cada carta. Esta observação mostra que S 2 é orientável.
A noção de orientação está ligada à ideia intuitiva de que uma superfı́cie tem
dois lados distintos. Se pintarmos cada um desses lados com uma cor diferente,
uma pessoa que passeia pela variedade com uma dessas cores ao seus pés jamais
conseguirá alcançar a outra cor. É devido a Möebius a surpreendente descoberta
que existem superfı́cies com um lado apenas; podemos construir uma faixa de
Möebius colando as extremidades de uma tira de papel após um giro de 180
graus em uma de suas pontas. (veja a figura 6.9)
Se começamos a pintar uma faixa de Möebius a partir de uma certa região
sem retirar a caneta do papel, retornando ao ponto de partida teremos pintado
a faixa toda. Ao soltarmos o papel para obter a tira original a veremos comple-
tamente pintada. Uma pessoa caminhando pela superfı́cie, sem retirar os pés
dela, após uma volta completa retorna ao ponto original de cabeça para baixo!
159 6. Integrais de Superfı́cie

Figura 6.9. A faixa de Möebius. Partindo do ponto p, após uma volta completa
retornamos ao mesmo ponto com a orientação invertida

O que acontece se cortamos uma faixa de Möebius pelo meio? Não obteremos
duas faixas separadas como sugere a nossa intuição, mas uma faixa maior do
que a original. Cortando essa nova faixa obtemos duas faixas entrelaçadas!
Além da faixa de Möebius, outros exemplos de variedades não-orientáveis
são a garrafa de Klein e o plano projetivo real (esta última contém uma faixa
de Möebius!).

Figura 6.10. Para construir a garrafa de Klein identificamos as faces opostas


de um cilindro com orientações opostas

A definição de variedades pode ser generalizada para dimensões diferentes


de 2 desde que façamos as devidas modificações. Por exemplo S ⊂ Rm é uma
variedade de dimensão n se para cada ponto p ∈ S existe uma vizinhança Vα
de p em Rm e um homeomorfismo de Uα = Vα ∩ S sobre um aberto de Rn .
Todas as demais definições estendem-se para este caso de maneira semelhante;
vale observar que, no caso de uma variedade diferenciável de dimensão n, temos
que Tp S ⊂ Rm é um subespaço de dimensão n.
Quando n = 1 dizemos que S é uma curva (a noção de curva parametrizada
6.3 Integrais de Superfı́cie 160

é apenas um caso particular desse novo conceito). Dada uma parametrização


γ : (a, b) → S, o espaço tangente à S em γ(t) = p é o espaço gerado por
γ 0 (t) = dγ(t)(1), ou seja é a reta γ(t) + sγ 0 (t).
Subconjuntos abertos de R3 são exemplos triviais de variedades diferenciáveis
(parametrizadas) de dimensão 3 . De fato, Se A ⊂ R3 é um conjunto aberto,
então {(X, A)}, em que X(s, t, w) = (s, t, w), é um atlas de A. Observe que o
espaço tangente em p = (s, t, w) é gerado por

Xs = dX(s, t, w)(1, 0, 0) = (1, 0, 0)


Xt = dX(s, t, w)(0, 1, 0) = (0, 1, 0)
Xw = dX(s, t, w)(0, 0, 1) = (0, 0, 1),

ou seja, Tp A = R3 ! O conjunto S 3 = {(x1 , x2 , x3 , x4 ) ∈ R4 : x21 + x22 + x23 + x24 =


1} ⊂ R4 é um exemplo não-trivial de variedade diferenciável de dimensão 3.
Convidamos o leitor a demonstrar esse fato na seção de exercı́cios.
Por definição, um conjunto com um número finito de pontos p1 , p2 , . . . , pn é
uma variedade de dimensão 0 e o conjunto vazio é uma variedade de dimensão
-1.

6.3 Integrais de Superfı́cie


Considere a função f : R3 → R e uma superfı́cie parametrizada S ⊂ R3 com
parametrização X : U → S. A integral de superfı́cie de f sobre a superfı́cie S é
definida como Z ZZ
f= (f ◦ X)(s, t) |Xs × Xt | ds dt,
S U
sempre que essa última integral existir.
A área da superfı́cie S é definida como
Z ZZ
Área(S) = 1= |Xs × Xt | ds dt.
S U

Vamos verificar que a definição acima não depende da parametrização esco-


lhida. Já esperávamos um resultado desse tipo, pois a área de uma superfı́cie não
deve depender de qual parametrização escolhemos. Se X : U → S e X̃ : Ũ → S
são duas parametrizações diferentes de S, defina g = X̃ −1 ◦ X : U → Ũ.
Se escrevemos
s̃ t̃
z }| { z }| {
g(s, t) = g1 (s, t), g2 (s, t) ,
então 
X(s, t) = (X̃ ◦ g)(s, t) = X̃ g1 (s, t), g2 (s, t) .
Pela regra da cadeia temos

Xs = X̃s̃ D1 g1 + X̃t̃ D1 g2 ,
Xt = X̃s̃ D2 g1 + X̃t̃ D2 g2 .
161 6. Integrais de Superfı́cie

Figura 6.11. Mudança de coordenadas.

   
Xs × Xt = X̃s̃ D1 g1 + X̃t̃ D1 g2 × X̃s̃ D2 g1 + X̃t̃ D2 g2
= (D1 g1 D2 g2 ) X̃s̃ × X̃t̃ + (D2 g1 D1 g2 ) X̃t̃ × X̃s̃
= (D1 g1 D2 g2 − D2 g1 D1 g2 ) X̃s̃ × X̃t̃
= (det g 0 ) X̃s̃ × X̃t̃ .

A equação acima implica que |X̃s̃ × X̃t̃ | = |X s ×Xt |


|det g 0 | . Usando esse fato e o
teorema da mudança de variáveis temos
ZZ
(f ◦ X̃)(s̃, t̃)|X̃s̃ × X̃t̃ | ds̃ dt̃

Z Z
= (f ◦ X̃)(s̃, t̃)|X̃s̃ × X̃t̃ | ds̃ dt̃
g(U )
ZZ
1
= (f ◦ X̃ ◦ g)(s, t) |Xs × Xt | |det g 0 | ds dt
U |det g0 |
g
ZZ z }| {
= (f ◦ X̃ ◦ X̃ −1 ◦ X)(s, t)|Xs × Xt | ds dt
Z ZU
= (f ◦ X)(s, t) |Xs × Xt | ds dt.
U

Agora alguns exemplos:


6.3 Integrais de Superfı́cie 162

Exemplo. Calcule a área da esfera de raio a, S 2 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 +


z 2 = a2 }.
Vimos que uma parametrização de S 2 − C, onde C é a curva parametrizada
por (6.2), pode ser escrita como

X(ϕ, θ) = a sen ϕ cos θ, a sen ϕ sen θ, a cos ϕ , θ ∈ (0, 2π), ϕ ∈ (0, π).
Como o conjunto C tem área zero temos que
Z
2

Área S = 1
S 2 −C
Z 2π Z π
= |Xθ × Xϕ |dϕ dθ
0 0
Z 2π Z π
= a2 sen ϕ dϕ dθ
0 0
Z 2π  Z π 
2
=a dθ sen ϕ dϕ
0 0
= a2 .2π.2 = 4πa2 ,
onde usamos a equação (6.4).

Exemplo. Calcule a área do gráfico de f : U → R


Seja S = Gr(f ). Usando a equação (6.1) obtemos
ZZ ZZ p
Área(S) = |Xs × Xt | ds dt = (D1 f )2 + (D2 f )2 + 1 ds dt.
U U

Por exemplo, dados a > 0 e f (s, t) = a2 − s2 − t2 , definida no disco aberto
D = {(s, t) ∈ R2 : s2 + t2 < 1}, temos que o gráfico de f é o hemisfério norte
da esfera de raio a sem o seu equador. Calculando as derivadas parciais de f
obtemos p a
(D1 f )2 + (D2 f )2 + 1 = √ .
a − s2 − t2
2

Concluı́mos daı́ que


a2
ZZ

Área Gr(f ) = √ ds dt
D a − s2 − t2
2
Z 2π Z a
1
=a √ r dr dθ
a2 − r2
0 0
Z 2π  
1 0 1
Z 
=a dθ − √ du
0 2 a2 u
1  √ 0
 
= 2πa − 2 u a2 = 2πa2 ,
2
que é a metade da área da esfera de raio a. No cálculo acima usamos a substi-
tuição u = a2 − r2 .
163 6. Integrais de Superfı́cie

Exemplo. Calcule S x2 , em que S é a esfera unitária.


R

Considere a parametrização da esfera de raio 1 (menos um conjunto de área


zero)

X(θ, ϕ) = (cos θ sen ϕ, sen θ sen ϕ, cos ϕ), θ ∈ (0, 2π), ϕ ∈ (0, π).

Neste caso, dada a função π1 : R3 → R definida como π1 (x, y, x) = x, temos


Z Z
2
x = (π1 )2
S S
Z 2π Z π
= (π1 ◦ X)2 (θ, ϕ) |Xθ × Xϕ | dϕ dθ
0 0
Z 2π Z π
= cos2 θ sen3 ϕ sen ϕ dϕ dθ
0 0
Z 2π  Z π 
= cos2 θ dθ sen3 ϕ dϕ
0 0
 2π Z π
θ cos(2θ)
= + sen ϕ(sen2 ϕ) dϕ
2 4 0 0
Z π
=π sen ϕ(1 − cos2 ϕ)
0
 3 −1 !
u 4
=π 2+ = π.
3 1 3

Considere agora um campo F (x, y, z) = (F1 , F2 , F3 ) sobre uma superfı́cie


parametrizada orientada S. A integral de superfı́cie de F ao longo de S é
definida por
Z Z
F = hF, ni.
S S

Geometricamente isto significa que calculamos a componente normal do


campo F em cada ponto de S e integramos a função assim definida na su-
perfı́cie. Por exemplo, suponha que S é uma superfı́cie orientada R e que F é o
campo de velocidade de um fluido incompressı́vel. A integral S hF, ni representa
fisicamente a quantidade R de lı́quido que passa através de S (figura 6.12). Por
esse motivo, a integral S hF, ni é usualmente chamada de fluxo de F através de
S. Observe que o fluxo depende da orientação da superfı́cie.
Dizemos que uma parametrização X : U → S preserva a orientação se n =
Xs ×Xt 3
|Xt ×Xs | , ou seja, se [dX(s, t)(e1 ), dX(s, t)(e2 ), n] é a orientação canônica de R .
Dada uma parametrização X : U → S que preserva orientação, pela definição
acima temos que
6.3 Integrais de Superfı́cie 164

R RR RR
(a) S hF, ni >0 (b) S hF, ni <0 (c) S hF, ni =0

Figura 6.12. O fluxo de um campo.

Z ZZ
hF, ni = h(F ◦ X)(s, t), n(s, t)i |Xs × Xt | ds dt
S
Z ZU
Xs ×Xt
= h(F ◦ X)(s, t), |X s ×Xt |
i |Xs × Xt | ds dt
U
ZZ
= hF (X(s, t)), (Xs × Xt )i ds dt.
U

Suponha agora que X̃ : Ũ → S é uma outra parametrização de S que


preserva a orientação. Como no caso da integral de superfı́cie de uma função
escalar, considere a função g = X̃ −1 ◦ X : U → Ũ. Pela regra da cadeia vem que
dg = dX̃ −1 ◦ dX; assim a aplicação g é tal que [e1 , e2 ] = [dg(p)(e1 ), dg(p)(e2 )],
para todo p ∈ U. Isso significa que g preserva a orientação canônica de R2 , logo,
por definição, det g 0 > 0. Uma aplicação imediata do teorema da mudança de
variáveis mostra que a integral de superfı́cie de um campo sobre uma superfı́cie
orientada é a mesma para todas as parametrizações de S que preservam a ori-
entação. Os detalhes da demonstração desse fato são deixados para a seção de
exercı́cios.
A observação acima mostra que a integral de superfı́cie de um campo está
bem definida desde que consideremos apenas parametrizações de S que pre-
servam a sua orientação. Como no caso das integrais de linha, as integrais
de superfı́cie podem diferir por um sinal se tomamos as parametrizações de S
indiscriminadamente.

1
(x, y, z) e S o hemisfério norte de S 2
R
Exemplo. Calcule S F em que F = 4π
orientado segundo a normal que tem a terceirapcoordenada positiva.
A superfı́cie S é o gráfico de f (x, y) = 1 − x2 − y 2 definida em U =
2 2 2
{(x, y) ∈ R : x + y < 1}. Assim, uma parametrização de S é dada por
p
X(x, y) = (x, y, 1 − x2 − y 2 ), (x, y) ∈ U
165 6. Integrais de Superfı́cie

e a normal em questão é dada por


Xx × Xy (−D1 f, −D2 f, 1)
n= =p .
|Xx × Xy | 1 + (D1 f )2 + (D2 f )2

Aplicando a definição acima temos que


Z ZZ
hF, ni = h(F ◦ X)(s, t), Xx × Xy i dx dy
S
Z ZU p
= hF (x, y, 1 − x2 − y 2 ), (−D1 f, −D2 f, 1)i dx dy
Z ZU
1 p
= h (x, y, 1 − x2 − y 2 ), (−D1 f, −D2 f, 1)i
U 4π
ZZ
1 1
= p dx dy
4π U 1 − x2 − y 2
Z 2π Z 1
1 r 1
= √ dr dθ = .
4π 0 0 1−r 2 2

Esse mesmo resultado pode ser obtido lembrando que a normal da esfera em
1 1
p = (x, y, z) ∈ S 2 é igual a p. Assim hF, ni = h 4π (x, y, z), (x, y, z)i = 4π . Logo
Z Z Z
1 1 1 1
F = hF, ni = 1= × (área de S) = (2π) = .
S S 4π S 4π 4π 2
Como exercı́cio, o leitor poderá refazer os cálculos acima para outras para-
metrizações de S.

6.4 Variedades com Bordo


O semi-espaço superior é definido como

H2 = {(x, y) ∈ R2 : y ≥ 0}.

Os abertos de H2 são obtidos pela intersecção de H2 com conjuntos abertos


de R2 e o seu bordo é dado por ∂H2 = {(x, y) ∈ H2 : y = 0}.
Definição. Um subconjunto S ⊂ R3 é uma superfı́cie com bordo se para cada
ponto p ∈ S podemos encontrar uma vizinhaça Vα de p em R3 e um homeomor-
fismo Xα definido em Uα = Vα ∩ S sobre um aberto de H2 . O bordo de S é o
conjunto dos pontos de S que estão associados aos pontos do bordo de H2 e será
denotado por ∂S.
Definições análogas em relação a cartas, atlas e classe de diferenciabilidade
aplicam-se neste caso. Os abertos de H2 que contém pontos de ∂H2 são exemplos
triviais de variedades com bordo. Para construir outros exemplos usamos o
seguinte resultado que admitiremos sem demonstração.
6.4 Variedades com Bordo 166

Figura 6.13. Abertos de H2 . A sombra abaixo de ∂H2 mostra o conjunto


aberto de R2 que interceptamos com H2 .

Figura 6.14. Variedade com bordo. O bordo de H2 é levado no bordo de S.

6.1 Teorema. Seja A ⊂ Rn um conjunto aberto cuja fronteira é uma varie-


dade diferenciável de dimensão n − 1. Então S = A ∪ fr A é uma variedade
diferenciável com bordo de dimensão n e ∂S = fr A.
Assim, se tomamos um disco aberto D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < 1}, temos
que fr D = S 1 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1} é uma variedade de dimensão
1; logo S = D ∪ fr D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 6 1} é uma superfı́cie com
bordo e ∂S = P S 1 . Usando o raciocı́nio acima podemos verificar que B1n =
n
{(x1 , . . . , xn ) : i=1 x2i 6 1} é uma variedadePn com bordo de dimensão n, tal
n n−1
que ∂B1 = S = {(x1 , . . . , xn ) ∈ Rn : i=1 x2i = 1}.

Figura 6.15. Temos que ∂D = S 1 , ∂B13 = S 2 e ∂S = S 1 .

Intuitivamente podemos pensar no bordo da seguinte forma: uma pessoa


caminhando pela superfı́cie S ao chegar no seu bordo ∂S não poderá continuar
em frente sem sair da superfı́cie. Dessa forma, o hemisfério norte de uma esfera
e o seu equador formam uma variedade com bordo de dimensão 2 cujo bordo é
167 6. Integrais de Superfı́cie

o equador. Observe que há uma diferença entre a noção de bordo e de fronteira
de um conjunto. Por exemplo, S 1 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1} não tem
bordo, entretanto sua fronteira é S 1 . Por outro lado a fronteira e o bordo de
D1 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 1} coincidem e são dados por S 1 . No caso de
S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 = 1, z ≥ 0}, o bordo de S é o equador, mas
fr S = S. Para maiores detalhes veja os exercı́cios no final deste capı́tulo.
Dada uma superfı́cie com bordo, pode-se mostrar que ∂S é uma variedade
de dimensão 1, ou seja, uma curva. A reta tangente desta curva em um ponto
p ∈ ∂S é um subespaço de dimensão 1 de Tp S. Dada uma orientação n em
S podemos induzir uma orientação no bordo. De fato, em um ponto p ∈ ∂S
podemos destacar três tipos de vetores em Tp S

(i) Vetores tangentes ao bordo, isto é, vetores de Tp ∂S;

(ii) Vetores “exteriores” que formam um semiplano aberto de Tp S;

(iii) Vetores “interiores” que formam o semiplano aberto complementar.

Portanto, existem apenas dois vetores unitários ortogonais a Tp ∂S, um ex-


terior e outro interior. Fixado o vetor unitário exterior η (e isso pode ser feito
de maneira rigorosa), dizemos que ∂S tem a orientação induzida de S se o seu
vetor tangente unitário v é tal que η × v = n (veja figura 6.16a).
Note que se X é uma parametrização local de S e n = Xu × Xv , então
nossa escolha de v é tal que [η, v] = [Xu , Xv ]. Essa forma de orientar o bordo,
embora equivalente à anterior, tem a vantagem de depender apenas de objetos
intrı́nsecos à superfı́cie. Tome o nosso caso como exemplo: não temos consciência
de nenhuma dimensão além das três em que vivemos, logo não podemos orientar
uma bola fechada B13 de R3 com o auxı́lio de uma normal n fora do espaço
tangente, pois neste caso Tp B13 = R3 . Entretanto, se p ∈ ∂B13 = S 2 , [Xs , Xt , Xw ]
é uma orientação de Tp B13 e se η ∈ Tp B13 é um vetor unitário exterior normal a
Tp S 2 , então a orientação induzida em S 2 é [v, w] se [v, w, η] = [Xs , Xt , Xw ].
Definições semelhantes aplicam-se para variedades de dimensões diferentes
de 2. Por exemplo, se M é uma variedade com bordo de dimensão n, então ∂M
será uma variedade sem bordo de dimensão n − 1. Quando M está orientada
podemos induzir uma orientação em ∂M . No caso de uma curva C (variedade
de dimensão 1) atribuı́mos a cada ponto do bordo de C o sinal +1 ou −1
dependendo se a orientação de C é exterior ou interior, respectivamente. Se M
é uma variedade de dimensão 3, orientamos o bordo de M segundo a sua normal
exterior (veja as figuras 6.16b e 6.16c).
Há quem ache a discussão acima sobre orientação de variedades um pouco
abstrata. Como antı́doto para esse fato podemos recorrer ao seguinte critério
para orientar o bordo de uma superfı́cie orientada S: cuidando para que a
normal n aponte para cima, uma pessoa caminhando pelo bordo deverá manter
seu ”interior”a esquerda (figura 6.17).
6.5 O Teorema de Stokes 168

(a) O plano tangente Tp ∂S é um subespaço de dimensão 1 de Tp S.

(b) Curva (c) Variedade de dimensão 3

Figura 6.16. Como orientar o bordo de variedades de R3

6.5 O Teorema de Stokes


Em uma carta datada de 5 de julho de 1850, o eminente fı́sico e matemático
escocês William Thomson (mais conhecido como Lord Kelvin) comunicou a Sir
George Stokes, na época professor em Cambridge, um teorema surpreendente.
Stokes logo incluiu o resultado em uma série de questões para os alunos da sua
universidade. Embora nunca o tenha provado (pelo menos não publicou ne-
nhuma demonstração), deste momento em diante o resultado ficou amplamente
conhecido como o teorema de Stokes. Pelo menos três matemáticos contem-
porâneos de Stokes demonstraram este teorema; William Thomson, Peter Tait
e o fı́sico James Maxwell em seu tratado sobre eletromagnetismo.
Na ocasião de sua aparição alguns detalhes que permeiam o teorema de Sto-
kes permaneciam sem justificativa formal e careciam de explicação mais rigorosa.
Além de tudo, a notação era complicada e fastidiosa. Na realidade, as seções
anteriores deste capı́tulo (e até mesmo uma grande parte desse livro) constituem
apenas uma série de definições e resultados necessários para enunciar de forma
precisa o teorema de Stokes.
6.2 Teorema (de Stokes). Seja S ⊂ R3 uma superfı́cie compacta orientada
169 6. Integrais de Superfı́cie

(a) (b)

(c) (d)

Figura 6.17. Em (a) e (c) o bordo tem a orientação induzida. Em (b) e (d)
∂S está orientado negativamente.

com bordo. Suponha que ∂S tem a orientação induzida. Então, dado um campo
F sobre S temos que Z Z
F = hrot F, ni. (6.6)
∂S S

Não vamos demonstrar o resultado acima; veremos a seguir apenas algumas


de suas consequências e aplicações.
Como sabemos, a integral do lado esquerdo em (6.6) pode ser interpretada
fisicamente como a circulação do campo F ao longo de C. Vamos usar o teorema
de Stokes para obter uma interpretação para o rotacional do campo F . Usaremos
também o teorema do valor médio para integrais, a saber, se C ⊂ Rn é um
conjunto compacto e f : C → R é uma função contı́nua, então existe um ponto
x0 ∈ C tal que Z
f = f (x0 )ν(C). (6.7)
C
Como o seu análogo unidimensional, podemos interpretar geometricamente o
resultado acima afirmando que o conteúdo sob o gráfico de f é igual ao volume
do cilindro de base C e altura f (p0 ). Heuristicamente, podemos justificar a
6.5 O Teorema de Stokes 170

afirmação da seguinte forma: como C é compacto, existe um ponto xm onde


f assume seu valor mı́nimo e um ponto xM onde a função assume o seu valor
máximo. O volume sob o gráfico de f deve ser maior ou igual que o volume do
cilindro de base C e altura f (xm ) e menor ou igual que o volume do cilindro de
mesma base e altura f (xM ). Veja a figura 6.18.

Figura 6.18

Por continuidade, variando a altura do cilindro, devemos encontrar um ci-


lindro de base C e altura f (x0 ) tal que o seu volume é exatamente o volume sob
o gráfico de f , ou seja Z
f = f (x0 )ν(C).
C
Após essa pequena digressão voltemos à interpretação geométrica do rota-
cional. Para isso, considere uma superfı́cie orientada S. Dada a bola fechada
B  (p) ⊂ R3 , considere a superfı́cie S = S ∩ B  (p) e oriente o bordo de S com a
orientação induzida de S. Dado o campo F , pelo teorema de Stokes e a fórmula
6.7, concluı́mos que
Z Z
F = hrot F, ni = [hrot F (p0 ), n(p0 )i] Área(S ),
∂S S

ou seja R
0 0 ∂S
F
hrot F (p ), n(p )i =
Área(S )
0
para algum ponto p em S (ver figura 6.19). Passando o limite quando  → 0
temos que p0 → p. Como rot F e n são funções contı́nuas obtemos
R
F
hrot F (p), n(p)i = lim ∂S .
→0 Área(S )


Portanto, podemos dizer que hrot F (p), n(p)i é a circulação de F por unidade
de área em torno uma pequena superfı́cie que tem normal n.
171 6. Integrais de Superfı́cie

Figura 6.19. Orientação no bordo de S .

Outra importante consequência do teorema de Stokes é a seguinte: se duas


superfı́cies compactas orientadas S1 e S2 tem o mesmo bordo C com a orientação
induzida de S1 e S2 , então
Z Z
hrot F, n1 i = hrot F, n2 i
S1 S2

para todo campo


R F em S1 e S2 . De fato, pelo teorema de Stokes ambas integrais
são iguais a C F .

Figura 6.20. As superfı́cies S1 e S2 tem o mesmo bordo C.

Exemplo. Calcule a circulação de F = (−y, x, z) ao longo da curva C obtida


pela intersecção do cilindro x2 + y 2 = 1 com o plano y + z = 2, orientada no
sentido anti-horário de um observador que vê a curva de cima.
6.5 O Teorema de Stokes 172

O plano y + z = 2 tem normal (0, 1, 1) e passa pelo ponto (0, 0, 2). Dessa
forma, a intersecção do plano com o cilindro é a curva C representada pela figura
6.21. Não é fácil encontrar uma parametrização para a curva C, entretanto
podemos calcular a circulação de F de uma maneira mais simples usando o
teorema de Stokes.

Figura 6.21

Seja S a superfı́cie parametrizada por


X(s, t) = (s, t, 2 − t),
onde (s, t) ∈ D = {(s, t) ∈ R2 : s2 +t2 6 0}, isto é, S é o gráfico de f (s, t) = 2−t
sobre o disco unitário centrado na origem. Temos que
Xs = (1, 0, 0), Xt = (0, 1, −1), Xs × Xt = (0, −1, −1).
Como a curva C está parametrizada no sentido anti-horário, devemos esco-
lher a normal
Xs × Xt (0, 1, 1)
n=− = √
|Xs × Xt | 2
para que C tenha a orientação induzida de S. Este resultado já era esperado,
uma vez que S é a porção no plano y + z = 2 que é limitada pelo cilindro. O
rotacional de F é dado por
rot F = (0, 0, 2).
Pelo teorema de Stokes temos
Z Z
F = hrot F, ni
C
ZSZ √
= h(0, 0, 2), (0,1,1)

2
i 2 ds dt
ZDZ
=2 dt ds
D
= 2 Área(D) = 2π.
173 6. Integrais de Superfı́cie

O teorema a seguir foi provado pelo matemático inglês George Green. Vere-
mos que este resultado é apenas uma consequência do teorema de Stokes.
6.3 Teorema (de Green). Seja A ⊂ R2 um conjunto aberto limitado tal que
fr A é uma variedade de dimensão 1. Suponha que S = A ∪ fr A está orientada
segundo o vetor k = (0, 0, 1) e que ∂S tem a orientação induzida de S. Então,
dado o campo F (x, y) = (F1 , F2 , 0) sobre S, temos que
Z ZZ
F = (D1 F2 − D2 F1 ) dx dy.
fr A A

Demonstração. O rotacional de F é dado por

rot F = (0, 0, D1 F2 − D2 F1 ).

Pelo teorema de Stokes temos que


Z Z Z ZZ
F = F = h(0, 0, D1 F2 − D2 F1 ), (0, 0, 1)i = (D1 F2 − D2 F1 ) dx dy.
fr A ∂S S A

Figura 6.22. Orientação da fronteira de S = A ∪ fr A.

Exemplo. Calcule a circulação de F = (x, xy) no cı́rculo C = {(x, y) ∈ R2 :


x2 + y 2 = 1} orientado no sentido anti-horário para um observador que vê o
plano “de cima”.
Se D é o disco unitário centrado na origem, pelo teorema de Green temos
que
Z ZZ ZZ Z 1 Z 2π
r2 sen θ dθ dr = 0.

F = D1 (xy) − D2 (x) dx dy = y=
C D D 0 0

Calcular a circulação de F diretamente pela definição é bem mais compli-


cado. Experimente!
6.6 O Teorema da Divergência 174

Exemplo. Usando o nteorema de Green, calculeoa área da região do plano limi-


2 2
tada pela elipse C = (x, y) ∈ R2 : xa2 + yb2 = 1 .
Se consideramos o campo F = (−y, x) o teorema de Green nos dá que
Z ZZ ZZ

F = D1 x − D2 (−y) dx dy = 2 dx dy = 2 Área(A),
C A A

ou seja, Z
1
Área(A) = F.
2 C

Tomando a parametrização da elipse dada por γ(t) = (a cos t, b sen t), t ∈


[0, 2π], obtemos
Z 2π
1
Área(A) = h(F ◦ γ)(t), γ 0 (t)i dt
2 0
Z 2π
1
= h(−b sen t, a cos t), (−a sen t, b cos t)i dt
2 0
1 2π
Z
= ab cos2 t + ab sen2 t dt
2 0
= πab.

6.6 O Teorema da Divergência


Neste ponto já possuı́mos todas as definições e resultados necessários para
enunciar o teorema da divergência. Agora vamos apenas desfrutar daquilo que
aprendemos.

6.4 Teorema (da divergência). Seja A ⊂ R3 um subconjunto aberto e li-


mitado tal que fr A é uma variedade de dimensão 2. Se F é um campo sobre
M = A ∪ fr A e além disso M e ∂M têm orientações compatı́veis, então
Z ZZZ
hF, ni = div F dx dy dz. (6.8)
∂M M

Lembre que o bordo de uma variedade de dimensão 3 tem a orientação


induzida se escolhemos a normal exterior em ∂M = S. Portanto, aplicaremos o
teorema da divergência para variedades como a representada na figura 6.16c.
Antes dos exemplos, vejamos como o teorema acima permite dar uma in-
terpretação para o divergente de um campo F . O processo é muito semelhante
àquele que fizemos para estudar o rotacional do campo; usando os teoremas da
divergência e do valor médio para integrais sabemos que existe um ponto p ∈ M
tal que Z ZZZ

hF, ni = div F dx dy dz = div F (p) Vol(M ).
∂M M
175 6. Integrais de Superfı́cie

Concluı́mos daı́ que

R
 ∂M
hF, ni
div F (p) = ,
Vol(M )


ou seja, div F (p) é o fluxo de F por unidade de volume através de uma su-
perfı́cie que é bordo de uma região M que contém p ∈ R3 .

Exemplo. Calcule o fluxo de F = (z, y, x) através da esfera S 2 = {(x, y, z) ∈


R3 : x2 + y 2 + z 2 = 1} orientada segundo a normal exterior n(x, y, z) = (x, y, z).
Temos que

div F = D1 z + D2 y + D3 z = 1.

Se M é a bola fechada de raio 1 centrada na origem, pelo teorema da di-


vergência vem

Z ZZZ ZZZ
4
F = div F dx dy dz = dx dy dz = Vol(M ) = π.
S2 M M 3

Os teoremas de Stokes e da divergência enunciados neste capı́tulo aplicam-


se em variedades diferenciáveis. Esses mesmos resultados permanecem válidos
para uma classe muito mais ampla de conjuntos. Estes conjuntos são chamados
de conjuntos retificáveis. Quadrados, cubos e outros subconjuntos de R3 que
possuem pontos singulares onde não vale a definição de variedades são exemplos
de conjuntos retificáveis. A elaboração do tema para esse tipo de conjuntos
está fora do propósito desse livro, entretanto, usaremos as generalizações dos
teoremas clássicos para este caso.
O exemplo abaixo mostra o caso de uma “superfı́cie” formada a partir de
duas outras superfı́cies coladas no seu bordo comum.

Exemplo. Calcule o fluxo de F = (y, x, z) ao longo da superfı́cie S = S1 ∪ S2


onde S1 é o gráfico de f (x, y) = 1−x2 −y 2 sobre D = {(x, y) ∈ R2 : x2 +y 2 6 1}
e S2 = D. Assuma que S1 está orientada pela normal cuja terceira componente
é não-negativa e S2 está orientada por n2 = (0, 0, −1).

Temos que

div F = D1 y + D2 x + D3 z = 1.
6.6 O Teorema da Divergência 176

Figura 6.23. Superfı́cie formada pela união do disco com o paraboloı́de.

Se M é a região limitada por S, pelo teorema da divergência temos


Z ZZZ
hF, ni = dx dy dz
S M
Z 1 Z2π Z 1−r 2
= rdz dθ dr
0 0 0
Z rZ 2π
= (1 − r2 )rdθ dr
0 0
Z 1
= 2π r − r3 dr
0
1
r2 r4

π
= 2π − = .
2 4 0 2

Podemos checar o resultado acima calculando o fluxo do campo F direta-


mente pela definição. Encorajamos o leitor a fazê-lo para testar seus conheci-
mentos sobre integrais de superfı́cie. Além disto, essa experiência servirá como
aprendizado sobre o modo que os teoremas de Stokes e da divergência podem
simplificar o cálculo de certos tipos de integrais.

Exemplo (Ângulo Sólido). Seja S ⊂ R3 −{(0, 0, 0)} uma superfı́cie compacta


com bordo tal que cada reta partindo de O = (0, 0, 0) que intercepta S o faz
em um único ponto. O conjunto de todos os raios de R3 partindo de O que
passam através de S é definido como o ângulo sólido subtendido por S e será
denotado por Θ(S) (veja figura 6.24). A intersecção da esfera de raio a centrada
na origem com Θ(S) será denotada por Sa . A medida do ângulo sólido Θ(S) é
definida como
área de (Sa )
|Θ(S)| = .
a2
177 6. Integrais de Superfı́cie

Mostre que Z
|Θ(S)| = hF, ni,
S
em que
r
F = , r = (x, y, z)
|r|3
e n é a normal exterior à região M formada entre S e Sa .

Figura 6.24. O ângulo sólido

De fato, temos que

(x2 + y 2 + z 2 )3/2 − x 32 (x2 + y 2 + z 2 )1/2 2x


 
∂ x
=
2 2
∂x (x + y + z ) 2 3/2 (x2 + y 2 + z 2 )3
(x2 + y 2 + z 2 )1/2 2
= (x + y 2 + z 2 − 3x2 )
(x2 + y 2 + z 2 )3
−2x2 + y 2 + z 2
= 2 .
(x + y 2 + z 2 )5/2
Analogamente

x2 − 2y 2 + z 2
 
∂ x
2 2 2 3/2
= 2 ,
∂y (x + y + z ) (x + y 2 + z 2 )5/2
x2 + y 2 − 2z 2
 
∂ z
2 2 2 3/2
= 2 .
∂y (x + y + z ) (x + y 2 + z 2 )5/2
Dessa forma, concluı́mos que

div F = 0.

em R3 − {(0, 0, 0)}. Considere a região M na figura 6.24. Como o campo F tem


a direção do vetor posição em cada ponto e M é formada pelos raios partindo da
6.6 O Teorema da Divergência 178

origem, concluı́mos que F é tangente a M . Assim, pelo teorema da divergência


temos que ZZZ Z Z
0= div F dxdydz = hF, ni + hF, na i,
M S Sa

onde na é a normal exterior em Sa . Temos que na = − (x,y,z) a , logo


Z Z
hF, ni = − hF, na i
S
ZSa
= − h (x,y,z)
a3 , −
(x,y,z)
a i
Sa
Z
1
= |r|2
a4 Sa
a2
Z
= 1
a4 Sa
área de Sa
= = |Θ(S)|.
a2
Em particular, o resultado acima implica que |Θ(S)| não depende do raio da
esfera.

Exercı́cios

1. Mostre que dados dois vetores linearmente independentes quaisquer v ∈ R3


e w ∈ R3 , temos que [v, w, v × w] = [e1 , e2 , e3 ].
Dica: Leia o apêndice 2 e use a definição de produto vetorial.

2. Dadas duas superfı́cies S1 e S2 , dizemos que uma função f : S1 → S2 é


de classe C k em p ∈ S1 se existem cartas locais (X, U) e (Y, V), em torno
de p ∈ S1 e f (p) ∈ S2 respectivamente, tais que f (U) ⊂ V e a aplicação
Y ◦ f ◦ X −1 : X(U) → R2 é uma aplicação de classe C k . Mostre que se
S ⊂ R3 é uma superfı́cie diferenciável, então as cartas locais (Xα , Uα ) são
difeomorfismos, isto é, aplicações de classe C ∞ com inversa C ∞ .
Dica: Considere a carta (Xα , Uα ) como uma aplicação entre as superfı́cies
S e Xα (Uα ) ⊂ R2 .

3. Verifique que o atlas definido pela figura 6.7 faz de S 2 uma superfı́cie
diferenciável.

4. (Espaço Tangente de um Gráfico BIS) Suponha que a superfı́cie S ⊂ R3


é o gráfico de uma função diferenciável f : A → R, definida em um
aberto A ⊂ R2 . Mostre que o plano tangente de S no ponto (a, b, f (a, b))
coincide com a definição dada no exercı́cio 9 do capı́tulo 3. Faça o mesmo
se S ⊂ Rn é o gráfico de uma função diferenciável f : A → R, definida em
um subconjunto aberto de Rn−1 .
179 6. Integrais de Superfı́cie

5. Calcule o plano tangente de S 2 no ponto p = (x, y, z) e verifique que


hv, pi = 0 para todo v ∈ Tp S 2 .
Dica: Você pode usar projeções estereográficas. Nesse caso, o plano
tangente de S 2 no ponto p é o espaço gerado por v = dh−1 + (p)(e1 ) e
w = dh−1
+ (p)(e 2 ). Mostre que

−2a2 + 2b2 + 2
 
−4ab
0 1
h−1
+ (a, b) =  −4ab 2a2 − 2b2 + 2 .
a2 + b2 + 1
4a 4b

Em seguida calcule v e w e verifique que ambos são ortogonais a

a2 + b2 − 1
 
2a 2b
(x, y, z) = h−1
+ (a, b) = , , .
a2 + b2 + 1 a2 + b2 + 1 a2 + b2 + 1

6. Use projeções estereográficas para provar que S 3 = {(x1 , x2 , x3 , x4 ) ∈ R4 :


x21 + x22 + x23 + x24 = 1} é uma variedade diferenciável de dimensão 3.
Prove também que S 1 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1} é uma variedade de
dimensão 1.
N.B. O mesmo argumento pode ser usado para mostrar que
n+1
X
S n = {(x1 , . . . , xn+1 ) ⊂ Rn+1 : x2i = 1}
i

é uma variedade diferenciável de dimensão n.

7. A orientação canônica de S n no ponto p é definida pelo próprio vetor p, ou


seja, [e1 , e2 , . . . , en ] é a orientação canônica de Tp S n se [e1 , e2 , . . . , en , p]
é a orientação canônica de Rn+1 . Mostre que a aplicação antı́poda
α : S n → S n , definida por α(x) = −x, é tal que ela preserva a orientação
se n é impar e reverte a orientação se n é par.
Dica: Leia o parágrafo sobre orientação do apêndice 2.

8. Classifique os pontos na figura 6.25 como pontos exteriores, interiores ou


pontos de fronteira do aberto A ⊂ H2 . Explique por que um conjunto
aberto A ⊂ H2 é uma variedade com bordo.
R
9. Calcule S f para cada item abaixo.

(i) f (x, y, z) = x e S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 1, −1 < z < 1};


p
(ii) f (x, y, z) = z x2 + y 2 e S é a parte da esfera S 2 (3) = {(x, y, z) ∈
R3 : x2 + y 2 + z 2 = 9} compreendida entre os planos z = 1 e z = 2;
(iii) f (x, y, z) = xy, S = {(x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ (0, 1) × (0, 1), 2z =
x2 + y 2 }.
6.6 O Teorema da Divergência 180

Figura 6.25

10. Mostre que a integral de um campo F sobre uma superfı́cie S é a mesma


para todas as parametrizações de S que preservam a orientação.
Dica: Teorema da mudança de variáveis.
R
11. Calcule S hF, ni para cada item abaixo.
p
(i) F = (0, y, z), S = {(x, y, z) ∈ R3 : y 2 + z 2 < r2 , x = r2 − y 2 − z 2 }
orientada segundo a normal que tem a primeira coordenada positiva.
3
R. 4πr
3 .
(ii) F = (sen z, xy, cos z), S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = r2 , x > 0, y >
0 e 0 6 z 6 a} orientada pela normal exterior.
ar 3
R.−r cos a + 3 + r.
12. Se R ⊂ R2 uma região onde podemos aplicar o teorema de Green, então
Z ZZ
pqdx + pqdy = [q(px − py ) + p(qx − qy )] dxdy.
∂R R

1
R
13. Use a fórmula A(R) = 2 ∂R
−ydx + xdy para calcular a área da elipse
x2 y2
a2 + b2 = 1.
R. A(R) = πab.
14. Mostre que a área da região limitada pela hipocicloide x = a cos3 t, y =
a sen3 t com 0 ≤ t ≤ 2π, é dada por 83 πa2 .
Dica: Se você teve muito trabalho, provavelmente escolheu o pior cami-
nho para resolver o problema.
15. Suponha que F (x, y) = (p, q) é paralelo ao vetor tangente de uma curva
simples e fechada orientada positivamente C.
(ii) Mostre que g(x, y) = (q(x, y), −p(x, y)) é ortogonal ao vetor tangente;
RR
(ii) Mostre que R (px + qy ) dxdy = 0, onde R é a região limitada por C.
Dica: Teorema de Green.
181 6. Integrais de Superfı́cie

16. Se R ⊂ R2 é uma região do plano onde podemos aplicar o teorema de


Green, verifique as seguintes identidades de Green.
ZZ ZZ Z
∂v ∂v
(i) u4v dxdy = − h∇u, ∇vi dxdy + u dy − u dx;
R R ∂R ∂x ∂y
Dica: Aplicação direta do teorema de Green.
ZZ Z    
∂v ∂u ∂v ∂u
(ii) (u4v −v4u) dxdy = u −v dy − u −v dx;
R ∂R ∂x ∂x ∂y ∂y
Dica: Use o item (i) permutando u por v e subtraia.
(iii) Dizemos que u(x, y) é harmônica se 4u = 0. Neste caso, mostre
que Z
∂u ∂u
dx − dy = 0.
∂R ∂y ∂x
17. Sejam F e G são campos de vetores em R3 e f : R3 → R é uma função
diferenciável. Verifique as seguintes identidades.
(i) div(F + G) = div F + div G;
(ii) rot(F + G) = rot F + rot G;
(iii) div(F × G) = hG, rot F i − hF, rot Gi;
(iv) div(f F ) = hgrad f, F i + f (div F );
(v) rot(f F ) = (grad f ) × F + f rot F );
(vi) div(grad f ) = 4f ;
(vii) rot(grad f ) = 0;
(viii) div(rot F ) = 0;
(ix) grad(rot F ) = grad(div F ) − 4F.

N.B. Se F = (F1 , F2 , F3 ), então definimos 4F = (4F1 , 4F2 , 4F3 ).


18. Verifique as seguintes fórmulas.
ZZZ ZZ ZZZ
(i) hgrad f, Gi dxdydz = h(f G), ni − f div A dxdydz;
W ∂W W
Dica: Use o teorema da divergência com F = φG e o item (iii) do
exercı́cio
ZZ 17. ZZZ ZZZ
(ii) hf grad g, ni = hgrad f, grad gi dxdydz+ f 4g dxdydz.
∂W W W

19. Sejam E e B os campos elétrico e magnético no espaço. Seja S uma


superfı́cie de bordo C. Nós definimos
Z
E = voltagem ao longo de C,
C
ZZ
hB, ni = fluxo do campo magnético através de S.
S
6.6 O Teorema da Divergência 182

A Lei de Faraday diz que o a voltagem ao longo de C é igual ao negativo


da taxa de variação do fluxo de B através de S. Mostre que a Lei de
Faraday é equivalente à seguinte equação de Maxwell
∂B
rot E = − .
∂t

Dica: Use o teorema de Stokes. Além disso você pode assumir que é
possı́vel mover o sinal de derivada para dentro do sinal de integração, isto
é, ZZ ZZ
∂ ∂B
hB, ni = , n.
∂t S S ∂t

Para mais detalhes consulte o apêndice 3.

20. Calcule a integral de linha do campo F (x, y, z) = (x2 , y 2 , −z) ao longo do


triângulo de vértices (0, 0, 0), (0, 2, 0) e (0, 0, 3) no sentido anti-horário de
duas maneiras distintas

(i) Diretamente pela definição de integral de linha;


(ii) Usando o teorema de Stokes.
R. 0.

21. Calcule C F , onde F = (−y 2 , x, z 2 ) e C é a curva de intersecção do


R

cilindro C = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 1} e o plano P = {(x, y, z) ∈ R3 :


y + z = 2}, orientada no sentido anti-horário.
R. π.
 
1 x x
22. Mostre que a integral do campo F = y+z , − (y+z)2 , − (y+z)2 ao longo de
qualquer curva simples e fechada que é bordo de uma superfı́cie S é zero.

23. (10-15) Considere o campo F = (2x − y, −yz 2 , −y 2 z) e seja S a parte da


esfera unitária que está acima do plano xy, isto é,

S = (x, y, z) : x2 + y 2 + z 2 = 1, z > 0 .


R
Se n é a normal exterior de S, calcule S hrot F, ni de duas formas distintas

(i) Calculando uma integral de superfı́cie;


(ii) Calculando uma integral de linha.
R. π.

24. A Lei de Ampère diz que se a circulação do campo magnético induzido B


ao longo da fronteira C de uma superfı́cie S é igual à integral da densidade
de corrente elétrica J sobre S.

(i) Usando o teorema de Stokes verifique a equação de Maxwell rot B =


J;
183 6. Integrais de Superfı́cie

(ii) Usando a lei da conservação das cargas elétricas argumente fisica-


mente que o fluxo de J através de uma superfı́cie fechada S é zero.
A partir do teorema da divergência conclua que div J = 0.

25. Um fluido de densidade ρ(x, y, z, t) move-se com velocidade v(x, y, z, t).


Se não há fontes nem sorvedouros mostre que vale a seguinte equação

∂ρ
div J + = 0,
∂t
em que J = ρv.
Dica: Sabemos que a massa do fluido é dada por
ZZZ
M= ρ(x, y, z) dxdydz.
W

A taxa de variação da massa é


ZZZ
∂M ∂ρ
= dxdydz,
∂t W ∂t

e a quantidade de fluido por unidade de tempo que sai de W é dada por


ZZ
hρv, ni.
S

Agora aplique o teorema da divergência.

26. Seja M uma variedade de dimensão 3 em que podemos aplicar o teorema


da divergência e considere o campo F = (x, y, z) sobre M . Se ∂M tem a
orientação induzida e υ(M ) é o volume de M , mostre que
Z
1
υ(M ) = hF, ni.
3 ∂M

27. Suponha que div F > 0 dentro da esfera unitária S = {(x, y, z) ∈ R3 :


x2 + y 2 + z 2 = 1}. Explique por que F não pode ser tangente a S em todo
ponto. Dê uma interpretação fı́sica do resultado.
ZZ
2
28. Seja F = (4xz, −y , yz). Calcule hF, ni, onde S é a superfı́cie do cubo
S
cujas faces são os planos x = 0, x = 1, y = 0, y = 1, z = 0, z = 1 e n é a
normal exterior R. 23 .
ZZ
29. Considere o campo F = (4x, −2y 2 , z 2 ). Calcule hF, ni, onde C é o
S
cilindro C = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 = 4, 0 6 z 6 3} e n a sua normal
exterior. R. 84π.
6.6 O Teorema da Divergência 184

30. (Teorema de Gauss) Seja S uma superfı́cie compactapsem bordo (S 2 , por


exemplo) e n a sua normal exterior. Se r(x, y, z) = x2 + y 2 + z 2 prove
que a integral
hn, (x, y, z)i
ZZ

S r3
é igual a (i) zero se a origem O = (0, 0, 0) está fora de S; (ii) 4π se O está
no interior de S.
31. O toro é a superfı́cie parametrizada obtida pela rotação do cı́rculo no
plano yz centrado em (0, b, 0) e raio a < b em torno do eixo z, isto é, a
superfı́cie obtida após uma rotação de γ(ϕ) = (0, b + a cos ϕ, a sen ϕ), 0 6
ϕ 6 2π, em torno do eixo z.
(i) Encontre uma parametrização do toro;
R. X (θ, ϕ) = ((b + a cos ϕ) cos θ, (b + a cos ϕ) sen θ, a sen ϕ)) 0 6 ϕ, θ 6
2π.
(ii) Determine o vetor normal ao toro; R. n = (cos ϕ cos θ, cos ϕ sen θ, sen ϕ).
(iii) Calcule a área do toro. R. 4π 2 ab.
32. Seja S uma superfı́cie parametrizada e X : R ⊂ R2 → S uma parame-
trização de S. Definimos
E = hXu , Xu i, F = hXu , Xv i e G = hXv , Xv i.
ZZ p
(i) Mostre que a área de S pode ser calculada por EG − F 2 dudv;
R
2 2 2
Dica: Lembre que |v × w| = |v| |w| −(hv, wi)2 , para todos v ∈ R3
e w ∈ R3
(ii) Usando a fórmula acima, calcule a área do cone
p
C = {(x, y, z) : αz = x2 + y 2 , 0 6 z 6 h, α ∈ R}.
R. A(C) = πrg, onde r é o raio do cone e g é o comprimento da reta
geratriz.
33. (Teorema da Divergência no Plano) Seja M = A ∪ fr A um conjunto de
R2 em que podemos aplicar o teorema de Green. Se F (x, y) = (F1 , F2 ) é
um campo de vetores sobre M , mostre que
Z ZZ
−F2 dx + F1 dy = div F dxdy.
fr A A

N.B. O lado equerdo da equação é chamado de fluxo de F atrvés de


fr A. A razão disto é a seguinte. Seja γ(t) = (x(t), y(t)), t ∈ [a, b] uma
parametrização de fr A. Neste caso, se fr A está orientada no sentido anti-
horário, o vetor n = (y(t), −x(t)) é a sua normal exterior. O fluxo é
definido como
Z Z b Z b Z
hF, ni := hF ◦γ(t), n(t)idt = [−q x0 (t)+p y 0 (t)]dt = −qdx+pdy.
C a a C
185 6. Integrais de Superfı́cie

34. Sejam F = (x, y, 2(1 − z)) um campo e S = S1 ∪ S2 , em que S1 é o gráfico


de f (x, y) = 1−x2 −y 2 , (x, y) ∈ D = {(x, y) ∈ R2 : x2 +y 2 6 1}, orientada
pela normal que possui a terceira coordenada positiva e S2 = D, orientada
por n2 = (0, 0, −1).
RR
(i) Use a definição para calcular S hF, ni, onde n é a normal exterior;
(ii) Use o teorema da divergência.
35. Seja F = (y, −x, zx3 y 2 ).

(i) Calcule rot F e div F . R. rotF = (2x3 yz, −3x2 y 2 z, 2), div F = x3 y 2 .
ZZ
(ii) Calcule hrot F, ni, onde S1 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 =
S1
1, z ≤ 0} e n é a normal exterior.; R. 2π.
ZZ
(iii) Calcule hF, ni, onde S2 é a superfı́cie do cubo unitário no pri-
S2
1
meiro octante. Aqui, mais uma vez, n é a normal exterior R. 12 .

36. Seja T (x, y, z) a temperatura em um ponto (x, y, z) de uma região W do


espaço. O campo F = −k grad RRT mede o fluxo de calor, onde k é uma
constante positiva. Portanto S hF, ni é o fluxo total de calor através
da superfı́cie S. Suponha que a temperatura é dada por T (x, y, z) =
x2 + y 2 + z 2 e seja S = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y 2 + z 2 = 1} a esfera unitária
orientada segundo a norma exterior. Encontre o fluxo de calor através de
S se k = 1. R. −8π
7

O Teorema Fundamental do Cálculo

“Als Gregor Samsa eines Morgens aus uruhi-


gen Traumen erwachte fand er sich in seinem
Bett zu einem ungeheuren Ungeziefer verwan-
delt.”

Die Verwandlung,
Franz Kafka.

“Quando certa manhã Gregor Samsa desper-


tou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua
cama metamorfoseado em um inseto monstru-
oso.”

A Metamorfose,
Franz Kafka.

185
7.1 Formas Diferenciais 186

7.1 Formas Diferenciais


Nossa sede de uniformidade e generalização é insaciável. O objetivo deste
capı́tulo é mostrar que os teoremas da Divergência e de Stokes nada mais são do
que metamorfoses de um mesmo resultado fundamental. Para alcançar nosso
objetivo devemos passar necessariamente pelo campo das formas diferenciais.
As formas diferenciais são os objetos mais convenientes para colocar sob o sinal
de integração e com essa ferramenta podemos dar uma definição mais ampla
de integral; conforme veremos, integrais de linha e superfı́cie são apenas casos
particulares de tal definição.
Informamos antecipadamente ao leitor que este ponto da teoria requer um
nı́vel de abstração ao qual os alunos de cálculo em geral não estão acostumados.
Mesmo assim, certamente os benefı́cios superam as dificuldades e, se encontrar-
mos êxito em nossa jornada, teremos dado um passo importante para compre-
ender mais profundamente um dos mais ilustres teoremas da matemática.
Quando estiver claro pelo contexto, indicaremos o elemento (p, v) ∈ Rnp
simplesmente como v. Isto simplificará consideravelmente a notação.
O conjunto de todas as aplicações lineares de Rnp em R, isto é, o conjunto
de todas as funções λ : Rnp → R tais que

λ(αv + w) = αλ(v) + λ(w),


∗
onde v, w ∈ Rnp e α ∈ R, será denotado por Rnp . Para definir precisamente
as 1-formas diferenciais precisamos entender um pouco melhor estes espaços.
Considere as projeções πi : Rn → R, 1 ≤ i ≤ n, definidas por

πi (v) = πi (v1 , . . . , vn ) = vi .

Como cada projeção πi é uma aplicação linear temos que dπi (p) = πi . Daı́,
se denotamos dπi = dxi , obtemos

dxi (p)(v) = πi (v) = vi , (7.1)


∗
para todo v ∈ Rnp . Portanto, podemos dizer que dxi (p) ∈ Rnp . Não é difı́cil
∗
verificar que Rnp é um espaço vetorial e que o conjunto B = {dx1 (p), . . . , dxn (p)}
∗
é uma base deste espaço. Isto signfica que todo elemento de Rnp pode ser
escrito como uma combinação linear das projeções.
Vejamos, por exemplo, o caso de uma função diferenciável f : A → R definida
em A ⊂ Rn . A diferencial de f no ponto p ∈ A calculada no vetor v ∈ Rn é
dada por

df (p)(v) = f 0 (p) · v
 
v1
D1 f (p) · · · Dn f (p) ·  ... 
  
=
vn
= D1 f (p)v1 + · · · + Dn f (p)vn .
187 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

Usando a equação (7.1) reescrevemos a expressão acima como

df (p)(v) = D1 f (p)dx1 (p)(v) + · · · + Dn f (p)dxn (p)(v),

ou ainda, de forma mais resumida como

df = D1 f dx1 + · · · + Dn f dxn .

Portanto, dada uma função diferenciável f : A → R, a cada p ∈ A podemos


associar uma aplicação linear df (p) : Rnp → R. Usamos este exemplo como
paradigma.

Definição. Uma 1-forma em A ⊂ Rn é uma função ω que para cada p ∈ A



associa uma aplicação linear ω(p) ∈ Rnp .

Podemos escrever ω(p) como uma combinação linear dos elementos de B, ou


seja, dado v ∈ Rnp temos

ω(p)(v) = F1 (p)dx1 (p)(v) + · · · + Fn (p)dxn (p)(v).

É mais comum escrever simplesmente

ω = F1 dx1 + · · · + Fn dxn ,

desde que saibamos do que se trata e o quê essa expressão significa. Observe
que F1 , . . . , Fn são funções de A em R.
Por exemplo, considere a 1-forma
y x
ω=− dx + 2 dy, em R2 − {(0, 0)}.
x2 + y 2 x + y2

Dado p = (p1 , p2 ) ∈ R2 − {(0, 0)} e v = (v1 , v2 ) ∈ R2p temos que


p2 p1
ω(p)(v) = − dx(p)(v) + 2 dy(p)(v)
p212
+ p2 p1 + p22
p2 p1
= − 2 2 v1 + 2 v2 ,
p1 + p2 p1 + p22

Neste exemplo usamos dx1 = dx e dx2 = dy. De fato, é mais comum


encontrarmos nos livros de cálculo a notação dx1 = dx, dx2 = dy e dx3 = dz.
Quando n = 1 denotamos ainda dx1 = dt. Desta maneira, 1-formas em R e R3
serão escritas respectivamente como

ω = f dt,
ω = F1 dx + F2 dy + F3 dz,

onde f : R → R é uma função de uma variável real e F1 , F2 e F3 são funções


de R3 em R. Para dimensões maiores do que três esse tipo de notação torna-se
incoveniente por motivos óbvios.
7.1 Formas Diferenciais 188

O leitor que nos acompanha desde o inı́cio talvez já suspeite que não terı́amos
definido 1-formas deliberadamente se não houvessem as 2-formas, 3-formas, etc.
Passemos agora às 2-formas. Como protótipo consideramos o determinante em
R2p que denotaremos por det(p). Neste caso, dados v, w ∈ R2p temos
 
v1 v2
det(p)(v, w) = det
w1 w2
= v1 w2 − v2 w1
= dx(p)(v)dy(p)(w) − dy(p)(v)dx(p)(w)

= dx ∧ dy (p)(v, w),

onde definimos

dx(p) ∧ dy(p) (v, w) = dx(p)(v)dy(p)(w) − dy(p)(v)dx(p)(w),

ou laconicamente
dx ∧ dy = dxdy − dydx.
O produto de formas definido acima é chamado de produto exterior. Lê-se
“dx exterior dy”. Recebe este nome pois o produto de duas 1-formas (dx e dy)
fornece uma 2-forma (det), ou seja, “sai” do espaço das 1-formas.

N.B. É mais formal escrever

dx ∧ dy = dx ⊗ dy − dy ⊗ dx,

onde dx ⊗ dy é o produto tensorial de dx e dy definido como



dx ⊗ dy (p)(v, w) = dx(p)(v)dy(p)(w).

Observe que
dx ∧ dy = −dy ∧ dx,
dx ∧ dx = dy ∧ dy = 0.
Essas propriedades refletem-se no fato que o determinante é uma função alter-
nada, isto é, muda de sinal se trocamos as linhas de posição

det(v, w) = − det(w, v).

Além disso, o determinante é bilinear, ou seja, linear em cada uma das suas
duas entradas
det(α v + w, u) = α det(v, u) + det(w, u);
det(v, α w + u) = α det(v, w) + det(v, u).
É fácil checar que essas últimas propriedades também se verificam em relação
ao produto dx∧dy (exercı́cio!). Resumimos todas as propriedades acima dizendo
que o determinante det(p) é uma aplicação bilinear e alternada em R2p × R2p .
189 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

Definição. Uma 2-forma em A ⊂ Rn é uma função que associa a cada p ∈ A


uma forma bilinear alternada em Rnp × Rnp .

O conjunto das aplicações bilineares alternadas em Rnp é um espaço vetorial



que denotaremos por A2 Rnp . Uma questão que se apresenta naturalmente
neste momento é a seguinte: como determinar uma base para este espaço?
Ocorre que o produto exterior é bastante apropriado para este fim. Na seção de
 que o conjunto B2 = {dxi (p) ∧ dxj (p) :
exercı́cios, o leitor é convidado a mostrar
1 6 i < j 6 n} é uma base de A2 Rnp ; assim, se ω é uma 2-forma de Rn , temos
X
ω= Fij dxi ∧ dxj ,
1≤i<j≤n

em que Fij são funções em Rn em R.


Por exemplo, qualquer 2-forma em R2 se escreve como

ω = f dx ∧ dy, f : R2 → R

e uma 2-forma de R3 se escreve como

ω = F1 dy ∧ dz + F2 dz ∧ dx + F3 dx ∧ dy, F1 , F2 , F3 : R3 → R.

Observe que a condição i < j garante que dxi ∧ dxj 6= 0 e, além disso,
garante que não aparecerão termos onde dxi e dxj estão apenas permutados,
pois neste caso poderı́amos usar dxi ∧ dxj = −dxj ∧ dxi para colocá-los sob o
mesmo elemento da base.
Passamos agora às definições gerais dos conceitos abordados até aqui. Para
definir as k-formas precisamos entender o que são aplicações k-lineares alter-
nadas. Dizemos que uma aplicação k-linear (linear em cada uma das suas k
entradas) λ : Rnp × · · · × Rnp → R é alternada se
| {z }
k vezes

λ(v1 , . . . , vi , . . . , vj , . . . , vk ) = −λ(v1 , . . . , vj , . . . , vi , . . . , vk ),

ou seja, se ela troca de sinal sempre que dois de seus elementos são permuta-
dos. O conjunto das aplicações k-lineares alternadas de Rnp será denotado por

Ak Rnp .
 
Dados ω ∈ Ak Rnp e η ∈ Al Rnp pode-se definir (mas não faremos aqui)

um elemento ω ∧ η ∈ Ak+l Rnp , chamado de produto exterior de ω e η. O
produto exterior tem as seguintes propriedades:
  
7.1 Teorema. Sejam ω, ω1 , ω2 ∈ Ak Rnp , η, η1 , η2 ∈ Al Rnp e ξ ∈ Ah Rnp

(i) (ω1 + ω2 ) ∧ η = ω1 ∧ η + ω2 ∧ η;

(ii) ω ∧ (η1 + η2 ) = ω ∧ η1 + ω ∧ η2 ;

(iii) ω ∧ η = (−1)kl η ∧ ω;
7.1 Formas Diferenciais 190

(iv) ω ∧ (η ∧ ξ) = (ω ∧ η) ∧ ξ.

Observe que se ω ∈ A1 Rnp , então a propriedade (iii) garante que

ω ∧ ω = −ω ∧ ω,

ou seja, ω ∧ ω = 0. Em particular dxi ∧ dxi = 0. Além disso, sabemos pela


definição que
dxi1 ∧ · · · ∧ dxik , 1 6 i1 , . . . , ik 6 n

k
é um elemento de A Rnp . Pode-se verificar que o conjunto

Bk = {dxi1 (p) ∧ dxi2 (p) ∧ · · · ∧ dxik (p) : 1 ≤ i1 < i2 < · · · < ik ≤ n}


 
é uma base para o espaço Ak Rnp . Isso implica que Ak Rnp tem dimensão
 
n n!
= .
k k!(n − k)!
De fato, em Rnp temos {dx1 (p), . . . , dxn (p)}. Temos n(n − 1) . . . (n − k +
1) maneiras distintas de escolher k elementos neste conjunto sem repetição.
Excluindo-se todas as possı́veis permutações destes elementos que gerariam o
mesmo elemento da base obtemos
 
n(n − 1) . . . (n − k + 1) n
=
k! k
elementos distintos em Bk .
Definição. Uma k-forma em A ⊂ Rn é uma função  ω que associa a cada p ∈ A
uma aplicação k-linear alternada ω(p) ∈ Ak Rnp , ou seja,
X
ω= ai1 i2 ···ik dxi1 ∧ dxi2 ∧ · · · ∧ dxik ,
I

onde 
I = (i1 , . . . ik ) : 1 ≤ i1 < i2 < · · · < ik ≤ n
e ai1 i2 ···ik são funções de A em R.

O conjunto das k-formas em Rn será denotado por Ak Rn .
Note como as definições acima generalizam os casos particulares tratados no
inı́cio deste capı́tulo. Em R3p , por exemplo, o espaço das aplicações trilineares

alternadas tem dimensão 3!/(3!1!) = 1. Qualquer elemento ω ∈ A1 R3 pode
ser escrito como
ω = f dx ∧ dy ∧ dz, f : R3 → R.
Por outro lado, as 2-formas em R3 podem ser escritas como uma combinação
linear dos elementos de {dy∧dz, dz∧dx, dx∧dy}, isto é, um elemento ω ∈ A2 R3 )
será escrito como

ω = F1 dy ∧ dz + F2 dz ∧ dx + F3 dx ∧ dy.
191 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

Dizemos que a k-forma ω é de classe C k se as funções ai1 i2 ···ik : A → R


são de classe C k . Uma forma de classe C ∞ é chamada de forma diferencial.
A menos que seja dito o contrário, todas as formas consideradas aqui serão de
classe C ∞ .
Note que o espaço das n-formas em Rn tem dimensão 1. Escrevemos um
elemento qualquer deste espaço como
ω = f dx1 ∧ · · · ∧ dxn .
Se você pensar um pouco verá que já conhece um exemplo de aplicação n-
linear alternada de Rn . Qual? O determinante! Como você sabe, não é fácil
escrever de uma maneira explı́cita e precisa o determinante de uma matriz. O
próximo teorema mostra como o produto exterior é útil neste caso.
7.2 Teorema. Em Rn temos que det = dx1 ∧ · · · ∧ dxn .
Demonstração. Assumiremos o seguinte fato

dx1 (p) ∧ · · · ∧ dxn (p) (e1 , · · · , en ) = 1.
O espaço das n-formas em Rn tem dimensão 1. Logo, det = f dx1 ∧· · ·∧dxn .
Precisamos verificar que f (p) = 1, para todo p ∈ Rn . Como
 
1 0 ··· 0
0 1 · · · 0
det(p)(e1 , . . . , en ) = det  . . . =1
 
 .. .. . . ... 

0 0 ··· 1
concluı́mos que

1 = f (p) dx1 (p) ∧ · · · ∧ dxn (p) (e1 , · · · , en ) = f (p).

Por fim, observe que toda (n + 1)-forma em Rn é nula, uma vez que qualquer
elemento da sua base deve conter n + 1 fatores escolhidos entre dx1 , . . . , dxn .
Neste caso, necessariamente haverá repetição, logo
dxi1 ∧ dxi2 ∧ · · · ∧ dxin ∧ dxin+1 = 0.

Isto implica que An+1 Rn contém apenas o elemento nulo.
Definição. Dada a k-forma
X
ω= ai1 ···ik dxi1 ∧ · · · ∧ dxik ,
I

definimos a diferencial exterior de ω como a k + 1-forma


X
dω = dai1 ···ik ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I
n
XX
= Di ai1 ···ik dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .
I i=1
7.1 Formas Diferenciais 192

 
Dados ω ∈ Ak Rn e η ∈ Al Rn , não é difı́cil verificar (veja seção de
exercı́cios) que a diferencial exterior tem as seguintes propriedades
(i) d(ω + η) = dω + dη;
(ii) d(ω ∧ η) = dω ∧ η + (−1)k ω ∧ dη.
A partir de agora diremos que uma função f : Rn → R é uma 0-forma em
Rn e a sua diferencial usual será a diferencial exterior de f .

Exemplo. Considere a 0-forma f : R2 → R, de classe C 2 . Mostre que d2 f =


d(df ) = 0.
Neste caso df = D1 f dx + D2 f dy. Derivando mais uma vez obtemos

d2 f = d(df ) = [d(D1 f )] ∧ dx + [d(D2 f )] ∧ dy


 
= D1,1 f dx + D1,2 dy ∧ dx + D2,1 f dx + D2,2 f dy ∧ dy

= D1,2 f − D2,1 f dx ∧ dy = 0.

O teorema abaixo mostra que o exemplo acima não é uma coincidência.


7.3 Teorema. Se ω é uma k-forma de classe C 2 , então d2 ω = 0.
Demonstração. Suponha que
X
ω= ai1 ···ik dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .
I

Pela definição de derivada exterior temos que


X
dω = d(ai1 ···ik ) ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I
n
XX
= Di ai1 ,...,ik dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .
I i=1

Derivando mais uma vez vem


n
XX
2

d ω = d Di ai1 ,...,ik dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I i=1
n X
XX n
= Di,j ai1 ,...,ik dxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
i=1 j=1
I
XXn
= Di,j ai1 ,...,ik dxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I i<j
n
XX
+ Di,j ai1 ,...,ik dxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik .
I i>j
193 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

Os termos onde i = j são nulos, pois neste caso dxi ∧ dxj = 0. Trocando i
por j no segundo somatório e lembrando que dxi ∧ dxj = −dxj ∧ dxi obtemos

n
XX
d2 ω = Di,j ai1 ,...,ik dxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I i<j
n
XX
+ Dj,i ai1 ,...,ik dxi ∧ dxj ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I j>i
n
XX
= Di,j ai1 ,...,ik dxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I i<j
n
XX
− Dj,i ai1 ,...,ik dxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik
I j>i
n
XX 
= Di,j ai1 ,...,ik − Dj,i ai1 ,...,ik dxj ∧ dxi ∧ dxi1 ∧ · · · ∧ dxik = 0.
I i<j

O teorema acima implica algumas fórmulas clássicas do cálculo vetorial em


R3 :

rot grad f = 0,

div rot F = 0.

De fato, dado o campo F = (F1 , F2 , F3 ) em R3 , considere as formas

ωF1 = F1 dx + F2 dy + F3 dz,
ωF2 = F1 dy ∧ dz + F2 dx ∧ dz + F3 dx ∧ dy.

ou seja, a 1-forma e a 2-forma de R3 que tem as mesmas componentes de F .


Neste caso temos

dωF1 = dF1 ∧ dx + dF2 ∧ dy + dF3 ∧ dz


= (D1 F1 dx + D2 F1 dy + D3 F1 dz) ∧ dx
+ (D1 F2 dx + D2 F2 dy + D3 F2 dz) ∧ dy
+ (D1 F3 dx + D2 F3 dy + D3 F3 dz) ∧ dz
= D2 F1 dy ∧ dx + D3 F1 dz ∧ dx + D1 F2 dx ∧ dy + D3 F2 dz ∧ dy
+ D1 F3 dx ∧ dz + D2 F3 dy ∧ dz
= (D2 F3 − D3 F2 )dy ∧ dz + (D3 F1 − D1 F3 )dz ∧ dx
+ (D1 F2 − D2 F1 )dx ∧ dy
2
= ωrot F
7.1 Formas Diferenciais 194

dωF2 = dF1 ∧ dy ∧ dz + dF2 ∧ dz ∧ dx + dF3 ∧ dx ∧ dz


= (D1 F1 dx + D2 F1 dy + D3 F1 dz) ∧ dy ∧ dz
+ (D1 F2 dx + D2 F2 dy + D3 F2 dz) ∧ dz ∧ dx
+ (D1 F3 dx + D2 F3 dy + D3 F3 dz) ∧ dx ∧ dy
= D1 F1 dx ∧ dy ∧ dz + D2 F2 dy ∧ dz ∧ dx + D3 F3 dz ∧ dx ∧ dy
= (D1 F1 + D2 F2 + D3 F3 ) dx ∧ dy ∧ dz
= (div F ) dx ∧ dy ∧ dz.

Além disso, se f : R3 → R é uma função diferenciável temos


1
df = D1 f dx + D2 f dy + D3 f dz = ωgrad F.

Resumindo,
1
df = ωgrad f,

d(ωF1 ) = ωrot
2
F,
d(ωF2 ) = div F dx ∧ dy ∧ dz.
Usando o teorema 7.3 obtemos
0 = d(dωF1 ) = dωrot
2

F = div rot F dx ∧ dy ∧ dz,
1 2
0 = d(df ) = d(ωgrad F ) = ωrot(grad F ) ,

ou seja, 
div rot F = 0,

rot grad F = 0.
Dizemos que uma k-forma ω é fechada se dω = 0 e exata se ω = dη para
alguma (k − 1)-forma η. O teorema 7.3 nos diz que toda forma exata é fechada
(dω = d(dη) = 0). A recı́proca não é verdadeira.
Considere a 1-forma
y x
ω=− 2 dx + 2 dy, em R2 − {(0, 0)}.
x + y2 x + y2
Temos que
    
∂ x ∂ y
dω = + dx ∧ dy = 0,
∂x x2 + y 2 ∂y x2 + y 2
logo ω é fechada.
Agora suponha que ω é exata, isto é, suponha que existe uma 0-forma dife-
renciável f tal que df = ω. Neste caso o campo F = −y/(x2 + y 2 ), x/(x2 + y 2 )
é tal que grad f = F , logo, é conservativo. Entretanto, dado C = {(x, y) :
x2 + y 2 = 1} temos que Z
F = ±2π 6= 0.
C
195 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

(a) (b)

Figura 7.1. (a) Um domı́nio estrelado em relação a p. (b) Um domı́nio não


estrelado. Dado p, existe p0 tal que p p0 não está contido no conjunto.

O raciocı́nio acima mostra que o campo F = (F1 , . . . , Fn ) é conservativo se,


e somente se, a 1-forma ωF1 = F1 dx1 + · · · + Fn dxn é exata. Uma condição para
que uma forma seja exata é dada pelo resultado a seguir. Surpreendentemente,
o domı́nio de definição da forma desempenha um papel preponderante neste
caso.
Dizemos que um aberto A ⊂ Rn é um conjunto estrelado em relação a
p se para todo p0 ∈ A o segmento de reta p p0 está inteiramente contido em A
(veja a figura 7.1). Bolas e cubos são exemplos de conjuntos estrelados de R3 .
Por outro lado, todo conjunto que tem “buracos” não será estrelado. Para ver
isso, considere o caso de R2 − {(0, 0)}. Dados dois pontos no eixo vertical, não
podemos ligá-los por uma linha reta sem passar pela origem.
Lema de Poincaré. Se ω é uma forma fechada definida em um conjunto
estrelado, então existe η tal que dη = ω.
Como aplicação do lema de Poincarè, vejamos uma condição para que um
campo F = (F1 , F2 , F3 ) definido em A ⊂ R3 seja conservativo. Para isso consi-
dere a 1-forma ωF1 = F1 dx + F2 dy + F3 dz. Calculando sua diferencial exterior
obtemos dωF1 = ωrot
2
F . Portanto, pelo lema de Poicaré, ω será exata se A for
2
um conjunto estrelado e ωrot F = 0, ou seja, rot F = 0.

7.2 O Pull-Back
Veremos nesta seção como a noção formas diferencias dá uniformidade à
definição de integral. Para isso abusamos um pouco mais da capacidade de
abstração do leitor para definir o pull-back de uma forma diferencial.
Sejam A ⊂ Rn e B ⊂ Rm . Dadas uma aplicação diferenciável f : A → B e
uma k-forma diferencial ω em B podemos definir uma k-forma diferencial f ∗ ω
sobre A como

f ∗ ω(p)(v1 , · · · , vk ) = ω(f (p)) df (p)(v1 ), · · · , df (p)(vk ) ,



7.2 O Pull-Back 196

ou seja f ∗ ω calculada em p e aplicada nos vetores v1 , · · · , vk ∈ Rnp é igual à


forma ω calculada em f (p) ∈ B aplicada nos vetores df (p)(v1 ), · · · , df (p)(vk ) ∈
Rmf (p) . A forma f ∗ ω é chamada de pull-back de ω pela aplicação f .
Não encontramos uma tradução razoável para a expressão inglesa “pull-
back”. Em português seria algo como “puxão para trás”. Essa tradução mani-
festa o mesmo significado da expressão original, entretanto, por pura fatuidade,
preferimos a primeira em detrimento desta.
Por exemplo, se f : A → A é a aplicação identidade, então df (p) = f . Neste
caso
(f ∗ ω)(p)(v) = ω(f (p)) df (p)(v) = ω(p)(v),


isto é, f ∗ ω = ω. O teorema a seguir é bastante útil para calcular os pull-backs


de uma forma diferencial.

7.4 Teorema. Seja f : A → B uma aplicação diferenciável. Se g : B → R é


uma função e ω, η são k-formas em B valem as seguintes propriedades

(i) f ∗ (g ω) = (g ◦ f ) f ∗ ω;

(ii) f ∗ (ω + η) = f ∗ ω + f ∗ η;

(iii) f ∗ (ω ∧ η) = f ∗ ω ∧ f ∗ η;

(iv) f ∗ (dω) = d(f ∗ ω).

Por exemplo, seja C ⊂ Rn uma curva parametrizada e γ : [a, b] → C uma


parametrização de C. Dada a 1-forma ω = F1 dx1 + · · · + Fn dxn em C, o
pull-back de ω pela aplicação γ é dado por

γ ∗ ω = γ ∗ F1 dx1 + · · · + Fn dxn


= γ ∗ F1 dx1 + · · · + γ ∗ Fn dxn
 

= F1 ◦ γ γ ∗ (dx1 ) + · · · + Fn ◦ γ γ ∗ (dxn ).
 
(7.2)

Agora resta calcular γ ∗ (dxi ). Por definição, dado v ∈ R temos que

γ ∗ (dxi )(t0 )(v) = dxi (γ(t0 )) dγ(t0 )(v) .



(7.3)

Por outro lado

dγ(t0 )(v) = γ 0 (t0 )v = x01 (t0 )v, . . . , x0n (t0 )v ,




em que identificamos a matriz coluna γ 0 (t0 ) com o vetor linha de mesmas co-
ordenadas pelo teorema de Riez (veja capı́tulo 4, 122). Agora, substituindo em
(7.3) obtemos

γ ∗ (dxi )(t0 )(v) = dxi (γ(t0 )) x01 (t0 )v, . . . , x0n (t0 )v


= x0i (t0 )v
= x0i (t0 )dt(t0 )(v),
197 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

em que dt é a projeção na primeira (e única) coordenada de R. Esquecendo os


t’s e v’s concluı́mos que
γ ∗ (dxi ) = x0i dt.
Finalmente, de (7.2) temos
γ ∗ ω = F1 ◦ γ x01 dt + · · · + Fn ◦ γ x0n dt = h(F ◦ γ), γ 0 idt,
 
(7.4)
em que F : Rn → Rn é uma função definida por F = (F1 , . . . , Fn ).
Agora, seja S ⊂ R3 uma superfı́cie parametrizada e X : U → S uma para-
metrização de S. Dada uma 2-forma ω = F1 dy ∧ dz + F2 dz ∧ dx + F3 dx ∧ dy
em S o pull-back de ω por X é dado por
X ∗ ω = X ∗ F1 dy ∧ dz + F2 dz ∧ dx + F3 dx ∧ dy


= X ∗ F1 dy ∧ dz + X ∗ F2 dz ∧ dx + X ∗ F3 dx ∧ dy
  

= F1 ◦ X X ∗ dy ∧ dz + F2 ◦ X X ∗ dz ∧ dx
   
 ∗ 
+ F3 ◦ X X dx ∧ dy
= F1 ◦ X X ∗ dy ∧ X ∗ dz + F2 ◦ X X ∗ dz ∧ X ∗ dx
 

+ F3 ◦ X X ∗ dx ∧ X ∗ dy.

(7.5)
Agora precisamos calcular X ∗ dx, X ∗ dy e X ∗ dz. Neste caso, se

X(s, t) = X1 (s, t), X2 (s, t), X3 (s, t) ,
então dados p ∈ U e v = (v1 , v2 ) ∈ R2p temos que
 
D1 X1 (p) D2 X1 (p)  
v
dX(p)(v) = D1 X2 (p) D2 X2 (p) · 1
v2
D1 X3 (p) D2 X3 (p)
= D1 X1 (p) v1 + D2 X1 (p) v2 , D1 X2 (p) v1 + D2 X2 (p) v2 ,

D1 z(p) v1 + D2 z(p) v2 .
Assim,
X ∗ dx (p)(v)

= dx(X(p))(dX(p)(v))
= D1 X1 (p) v1 + D2 X1 (p) v2
= D1 X1 (p) ds(p)(v) + D2 X1 (p) dt(p)(v).
Analogamente
X ∗ dy (p)(v) = D1 X2 (p) ds(p)(v) + D2 X2 (p) dt(p)(v),


X ∗ dy (p)(v) = D1 X3 (p) ds(p)(v) + D2 X3 (p) dt(p)(v).




De forma mais sucinta


X ∗ dx = D1 X1 ds + D2 X1 dt,
X ∗ dy = D1 X2 ds + D2 X2 dt,
X ∗ dz = D1 X3 ds + D2 X3 dt.
7.3 O Teorema de Stokes 198

Uando as propriedades do produto exterior vem

X ∗ dy ∧ X ∗ dz = D1 X2 ds + D2 X2 dt ∧ D1 X3 ds + D2 X3 dt
 

= D1 X2 D2 X3 − D2 X2 D1 X3 ds ∧ dt,

X ∗ dz ∧ X ∗ dx = D1 X3 ds + D2 X3 dt ∧ D1 X1 ds + D2 X1 dt
 

= D1 X3 D2 X1 − D2 X3 D1 X1 ds ∧ dt,

X ∗ dx ∧ X ∗ dy = D1 X1 ds + D2 X1 dt ∧ D1 X2 ds + D2 X2 dt
 

= D1 X1 D2 X2 − D2 X1 D1 X2 ds ∧ dt.

Substituindo as expressões acima em (7.5) obtemos finalmente

X ∗ω F1 ◦ X X ∗ dy ∧ X ∗ dz + F2 ◦ X X ∗ dz ∧ X ∗ dx
 
=
+ F3 ◦ X X ∗ dx ∧ X ∗ dy

  
= F1 ◦ X D1 X2 D2 X3 − D2 X2 D1 X3
 
+ F2 ◦ X D1 X3 D2 X1 − D2 X3 D1 X1
 
+ F3 ◦ X D1 X1 D2 X2 − D2 X1 D1 X2 ds ∧ dt
  
= h F1 ◦ X, F2 ◦ X, F3 ◦ X , Xs × Xt i ds ∧ dt
 
= h F ◦ X , Xs × Xt i ds ∧ dt, (7.6)

em que F = (F1 , F2 , F3 ).
Talvez o leitor já tenha percebido que a 1-forma (7.4) e a 2-forma (7.6) são,
respectivamente, as criaturas que aparecem sob o sinal de integral nas definições
de intergrais de linha e superfı́cie do campo F = (F1 , F2 , F3 ). As definições da
próxima seção tornarão claro o que significa integrar uma forma diferencial.

7.3 O Teorema de Stokes


Seja ω = f dx1 ∧ · · · ∧ dxn uma n-forma diferencial em um conjunto A ⊂ Rn .
A integral de ω sobre A é definida como
Z Z Z Z
ω = f = · · · f (x1 , . . . , xn ) dx1 . . . dxn ,
A A A

sempre que esta última existir.


Um subconjunto M ⊂ Rm é uma variedade parametrizada de dimensão
n se existe uma aplicação diferenciável X : A → M definida em um conjunto
A ⊂ Rn . Por exemplo, uma curva parametrizada é um variedade parametrizada
de dimensão 1 e uma superfı́cie parametrizada é uma variedade parametrizada
de dimensão 2. Um ponto p ∈ A é, por definição, uma variedade parametrizada
de dimensão 0. Seja M uma variedade parametrizada e orientada de dimensão n
199 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

e X : A → M é uma parametrização de M que preserva essa orientação. Nesse


caso, dada uma n-forma ω sobre M , definimos a integral de ω sobre M como
Z Z
ω = X ∗ ω,
M A

ou seja, calculamos o pull-back de ω para A ⊂ Rn e integramos normalmente.


Se p é uma variedade parametrizada de dimensão 0, a integral de uma 0-
forma f sobre p é definida como
Z
f = f (p).
p

Considere, por exemplo, a 1-forma ω = F1 dx1 + · · · + Fn dxn sobre a curva


parametrizada C. Então existe uma aplicação diferenciável γ : [a, b] → C.
Usando a fórmula (7.4) temos que
Z Z Z
ω= γ∗ω = h F ◦ γ)(t), γ 0 (t)idt,
C [a,b] [a,b]

onde F = (F1 , F2 , F3 ). Reobtemos assim nossa definição de integral de linha.


Analogamente, seja uma 2-forma ω = F1 dy∧dz+F2 dz∧dx+F3 dx∧dz sobre
uma superfı́cie parametrizada S. Neste caso, existe uma aplicação diferenciável
X : U → S, definida em U ⊂ R2 . Pela expressão (7.6) concluı́mos que
Z Z ZZ

ω= X ω= h(F ◦ X)(s, t), (Xs × Xt )i ds dt.
S U U

Reobtemos agora a definição de integral de superfı́cie. Observe que esta


definição permite generalizar a noção de integração para os análogos multi-
dimensionais das superfı́cies parametrizadas. Além disso ela não depende do
sistema de coordenas no seguinte sentido: se M é uma variedade parametri-
zada, a integral de ω sobre M não depende da aplicação X : A → M quando
consideramos parametrizações que preservam a orientação de M (teorema da
mudança de variáveis, mais uma vez). Mais precisamente temos o seguinte; se
X̃ : Ã → M é tal que g = X̃ −1 ◦ X : A → Ã é um difeomorfismo com det g 0 > 0
então Z Z
X ω = X̃ ∗ ω.

A Ã

É possı́vel definir a integral de uma n-forma sobre uma variedade de di-


mensão n. Não faremos isso. No momento, apenas informamos ao leitor que a
noção de integração sobre variedades parametrizadas é apenas um caso parti-
cular desta definição.
Podemos agora enunciar o grande teorema de Stokes:
7.3 O Teorema de Stokes 200

7.5 Teorema (teorema de Stokes). Seja M uma variedade de dimensão n


compacta, orientada, com bordo. Suponha que ∂M tem a orientação induzida.
Se ω é uma (n − 1)-forma em M então
Z Z
ω = dω. (7.7)
∂M M

Veremos como o resultado acima é capaz de metamorfosear-se nos teoremas


do capı́tulo anterior. Dado o campo F = (F1 , F2 , F3 ), considere mais uma vez
as formas em R3 definidas por
ωF1 = F1 dx + F2 dy + F3 dz
ωF2 = F1 dy ∧ dz + F2 dz ∧ dx + F3 dx ∧ dy.
Seja S uma superfiı́cie compacta orientada com bordo. Suponha que ∂S
tem a orientação induzida e que a 1-forma ωF1 está definida sobre S. Vimos que
d ωF1 = ωrot2
F . Pelo teorema 7.5 temos
Z Z Z Z Z
F = ωF1 = d(ωF1 ) = ωrot 2
F = rot F ,
∂S ∂S S S S

ou seja, o antigo teorema de Stokes.


Agora, seja M um variedade de dimensão 3, compacta orientada com bordo.
Suponha que ∂M tem a orientação induzida e seja ωF2 uma 2-forma sobre M .
Como d ωF2 ) = div F dx ∧ dy ∧ dz, o teorema de Stokes nos dá
Z Z Z ZZZ
2 2
F = ωF = d(ωF ) = div F dx dy dz,
∂M ∂M M M

que é o teorema da divergência.


Talvez ainda mais surpreendente será o que vem na sequência. Vimos acima
que o caso n = 2 do teorema 7.5 nos dá o teorema de Stokes clássico e o caso
n = 3 nos dá o teorema da divergência. O quê nos dará o caso n = 1? Nada
mais, nada menos, do que o teorema fundamental do cálculo! De fato, considere
M = [a, b], orientada de a para b. Temos que ∂M = {a, b}. Com a orientação
induzida de M o ponto a recebe sinal −1 e o ponto b sinal +1. Dada uma
0-forma f sobre M , pelo teorema 7.5 vem
Z Z Z Z Z
f 0 (t) dt = df = f = f − f = f (b) − f (a).
[a,b] [a,b] {a,b} b a

Portanto, podemos dizer que o teorema de Stokes é a generalização correta


do teorema fundamental do cálculo para o caso de funções de várias variáveis.
O Teorema 7.5 é, sem dúvida, um dos maiores resultados da matemática
moderna. Suas consequências e desdobramentos são inúmeros e de grande al-
cance. Vimos apenas algumas dessas aplicações no capı́tulo anterior. Outras
mais sofisticadas serão deixadas para uma outra oportunidade. O leitor ansioso
pode aplacar um pouco a sua sede em [SPIVAK, CHERN, ETC.]
201 7. O Teorema Fundamental do Cálculo

Exercı́cios

1. Dados λ ∈ Rnp e µ ∈ Rnp , definimos a soma e o produto por α ∈ R como

(λ + µ)(v) = λ(v) + µ(v)


(αλ)(v) = αλ(v).
∗
Mostre que com essas operações o conjunto Rnp é um espaço veto-
rial. Em seguida verifique que {dx1 (p), . . . , dxn (p)} é uma base para esse
espaço.

2. Mostre que o espaço das aplicações bilineares sobre Rnp é um espaço ve-
torial e que B2 = {dx1 (p) ∧ dxj (p) : 1 6 i < j 6 n} é uma base desse
n!
espaço. Em particular a dimensão de A2 Rnp é (n−2)!2! .
 
3. Dados ω ∈ Ak Rn e η ∈ Al Rn , mostre que

(i) d(ω + η) = dω + dη;


(ii) d(ω ∧ η) = dω ∧ η + (−1)k ω ∧ dη.

Dica: Para demonstrar o item (ii) mostre que a fórmula é verdadeira se


ω = dxi1 ∧ dxi2 ∧ · · · ∧ dxik e η = dxj1 ∧ dxj2 ∧ · · · ∧ dxjl , pois todos os
termos são nulos. Em seguida cheque que a fórmula é verdadeira se ω é
uma 0-forma. Conclua daı́ a fórmula geral.

4. Verifique se cada uma das 1-formas abaixo é exata.


x3 y
(i) ω = x2 ydx + 3 dy; R. Não.
3
x
(ii) ω = x2 dx + 3 dy; R. Não.
x3
(iii) ω = x2 ydx + 3 dy; R. Sim.
y3
(iv) ω = xy 2 dx + 3 dy. R. Não.

5. Encontre uma condição para que um campo F = (F1 , F2 , F3 , F4 ) em R4


seja conservativo.
R. O campo F deve estar definido em um conjunto estrelado e

D2 F3 − D3 F2 = D2 F4 − D4 F2 = D3 F4 − D4 F3 = D1 F2 − D2 F1 =
= D1 F3 − D3 F1 = D1 F4 − D4 F1 = 0.

6. Seja F um campo de vetores em um domı́nio estrelado A ⊂ R3 . Use o


lema de Poicaré para mostrar que

(i) Se rot F = 0, então existe f : A → R tal que F = grad f ;


(ii) Se div F = 0 então existe um campo de vetores G em A tal que
rot G = F .
7.3 O Teorema de Stokes 202

7. Seja f : A → R uma função diferenciável definida em um conjunto aberto


A ⊂ R2 . Se S é o gráfico de f e ω = F1 dy ∧ dz + F2 dz ∧ dx + F3 dx ∧ dz
é uma 2-forma sobre S, mostre que

f ∗ ω = h F ◦ X)(s, t), (−D1 f, −D2 f, 1)i ds ∧ dt,

onde X é uma parametrização de S e F = (F1 , F2 , F3 ).


8. Seja S uma superfı́cie parametrizada, X : U → S uma parametrização e
Xs ×Xt
n = (n1 , n2 , n3 ) = hXs ×Xt i
. Mostre que

ω = n1 dy ∧ dz + n2 dz ∧ dx + n3 dx ∧ dy

é tal que X ∗ ω = |Xs × Xt |ds ∧ dt, ou seja,


Z Z
ω = |Xs × Xt | ds ∧ dt = área de S.
S U

N.B. Por esse motivo, a forma ω é chamada de forma de volume de S.


9. Seja A ⊂ Rn um conjunto aberto, g : A → Rn um difeomorfismo e ω =
f dx1 ∧ · · · ∧ dxn uma n-forma sobre g(A). Prove que

g ∗ ω = det g 0 (f ◦ g) dx1 ∧ · · · ∧ dxn .

Conclua daı́ a fórmula do teorema da mudança de variáveis


Z Z
f = (f ◦ g) det g 0 .
g(A) A

Dica: Aplicação direta do teorema 7.2.

10. Seja M ⊂ Rm uma variedade parametrizada de dimensão n. Isto significa


que existe uma aplicação diferenciável X : A → M , onde A ⊂ Rn . Supo-
nha que existe uma segunda aplicação diferenciável X̃ : Ã → M tal que
g = X̃ −1 ◦ X : A → Ã é um difeomorfismo com det g 0 > 0. Então
Z Z
X ω = X̃ ∗ ω.

A Ã

Dica: Teorema da mudança de variáveis e o exercı́cio 9.


Apêndices

203
A

Coordenadas Polares

A ilha de Manhattan, na cidade de Nova Iorque, é dividida em avenidas


longitudinais e ruas transversais; podemos localizar qualquer endereço em Ma-
nhattan usando os números da avenida e da rua correspondentes. Por exem-
plo, quinta avenida com a rua 39: se colocamos na forma de um par ordenado
terı́amos (5, 39), em que o primeiro elemento é o número da avenida e o segundo
o número da rua.

Figura A.1. Mapa da ilha de Manhattan.

Com o auxı́lio do conjunto dos números reais, podemos formalizar a ideia


acima da seguinte maneira: definimos o plano real como o conjunto R2 = R × R.
Todo elemento P ∈ R2 é chamado de ponto; em seguida podemos definir retas,
ângulos, congruência de segmentos, congruência de ângulos, triângulos e demais
objetos geométricos. Nesse contexto, todos os axiomas da geometria podem ser
provados como teoremas e temos à disposição todos os resultados de geometria

205
206

euclidiana plana. Destacamos duas retas no plano real, a saber, {(x, 0) ∈ R2 :


x ∈ R} e {(0, y) ∈ R2 : y ∈ R}, chamados de eixos coordenados. Nesse ponto
não seria difı́cil mostrar que os eixos coordenados são perpendiculares entre si
e encontram-se no ponto (0, 0); além disso se P = (x, y), podemos mostrar que
x e y são as distâncias do ponto P até os eixos. O par (x, y) é chamado de
coordenadas cartesianas do ponto P .
Cada reta divide o plano em duas regiões distintas (teorema de separação do
plano); concluı́mos que as retas perpendiculares definidas acima dividem o plano
dado em quatro regiões distintas, chamados de quadrantes. Por convenção os
valores das coordenadas x e y são positivos no primeiro quadrante, negativos no
terceiro quadrante e têm sinais opostos nos quadrantes pares: x < 0, y > 0 no
segundo quadrante e x > 0, y < 0 no quarto quadrante.
No ambiente definido acima, também é possı́vel localizar um ponto qualquer
a partir da distância, r, desse ponto até a origem (0, 0) e da medida em radianos1 ,
θ, do ângulo formado pelas semirretas {(x, 0) ∈ R2 : x > 0} e OP . Neste caso
escrevemos P = (r, θ) e dizemos que r e θ são as coordenadas polares de P
(veja a figura A.2).

Figura A.2. Coordenadas polares de um ponto.

Em comparação com as coordenadas cartesianas, as coordenadas polares do


plano apresentam um sério problema: um mesmo ponto pode ter mais de um
par de coordenadas polares. Por exemplo, todas as coordenadas do conjunto
{(5, π/2 + 2kπ): k ∈ Z} representam o mesmo ponto no plano. Um problema
ainda mais grave ocorre na origem, onde podemos tomar, à princı́pio, qualquer
valor para θ para representá-lo! Evitamos esse embaraço restringindo os valores
de r e θ; escolhemos r > 0 e 0 6 θ 6 2π.
Podemos ainda estender r para valores negativos identificando (r, θ) com
o ponto de coordenadas (−r, θ + π). Assim, por exemplo, o ponto (−5, π/2)
corresponde, em coordenadas polares, ao ponto (5, π/2 + π) = (5, 3π/2); geo-
metricamente isso corresponde a uma reflexão em relação à origem O (veja a
figura A.3).
1 Lembramos que a medida de um ângulo em radianos é o comprimento do arco determinado

por este ângulo em um circulo unitário com centro no seu vértice.


207 A. Coordenadas Polares

Figura A.3

Pelas definições da função seno e cosseno, é imediato que as coordenadas


cartesianas de um ponto são dadas em termo das coordenadas polares por

x = r cos θ,
(A.1)
y = r sen θ.

Dessa forma, as coordenadas polares são dadas em função das coordenadas


cartesianas pelas fórmulas
p
r = x2 + y 2 ,
y (A.2)
θ = arctan .
x
Note-se que a fórmula acima define apenas grosseiramente a coordenada θ em
função de x e y. Lembre que a função tangente pode ser invertida apenas em su-
bintervalos onde ela é injetiva: . . . , (−3π/2, −π/2), (−π/2, π/2), (π/2, 3π/2), . . . .
Em diferentes quadrantes do plano precisamos escolher diferentes inversas da
função tangente para que a fórmula (A.2) seja obedecida. Além disso, a equação
acima não faz sentido nos pontos (x, y) tais que x = 0. A formulação correta
da função ângulo para a inversa de tan restrita ao intervalo (−π/2, π/2), pode
ser encontrada no exercı́cio 4 do capı́tulo 3.
Seja f : R → R uma função. Em coordenadas cartesianas, o gráfico de
f é o conjunto dos pontos de R2 da forma (x, f (x)) em que x ∈ R, ou seja,
escrevemos y = f (x). Em coordenadas polares, entretanto, é mais comum
escrevermos o raio r como função do ângulo θ, ou seja, em geral temos que
r = f (θ). Assim, ográfico de f em coordenadas polares é o conjunto de pontos
da forma { f (θ), θ : θ ∈ D(f )}, em que D(f ) é o domı́nio da função f (veja o
capı́tulo sobre funções).
Por exemplo, a função r = a é um cı́rculo de raio a, pois para todo valor de θ
o valor de r permanece constante. Da sua parte, a função r = f (θ) = θ, em coor-
denadas polares, corresponde à chamada espiral de Arquimedes; essa espiral
pode ser representada como a trajetória de uma partı́cula que desloca-se com
208

velocidade linear constante na superfı́cie de um disco que gira com velocidade


angular constante. Verifique!

Figura A.4. A espiral de Arquimedes; a parte sólida corresponde aos valores


positivos de θ e parte tracejada corresponde à valores negativos de θ.

Um exemplo um pouco mais complicado é dado pela função r = cos θ. Neste


caso, para determinar o gráfico da função inicialmente multiplicamos os dois
lados da expressão por r, obtendo

r2 = r cos θ,

ou seja,
x2 + y 2 = x,
ou seja,
x2 − x + y 2 = 0,
ou seja,
x2 − x + 1 + y 2 = 1,
ou seja,
(x − 1)2 + y 2 = 1,
que é a equação, em coordenadas cartesianas, do cı́rculo de raio 1 com centro
no ponto (1, 0).
Por fim, considere a trajetória descrita por um ponto de um cı́rculo que
desloca-se, sem deslizar, sobre um segundo cı́rculo de mesmo raio. O formato
dessa curva assemelha-se ao de um coração, por isso ela é amplamente conhecida
como cardioide. Não é difı́cil verificar que, em coordenadas polares, o cardioide
é dado pela função r = 2a(1 + cos θ). As curvas do tipo r = b + 2a cos θ
são chamadas de Limaçons de Pascal, descobertas por Étienne Pascal, pai
de Blaise Pascal e batizadas assim pelo matemático francês Gilles-Personne
Roberval, em 1650; note que o cardioide é apenas um caso particular de limaçon,
quando b = 2a.

Exercı́cios
209 A. Coordenadas Polares

1. Se dois pontos têm coordenadas polares (r1 , θ1 ) e (r2 , θ2 ), mostre que a


distância entre eles é dada por

d2 = r12 + r22 − 2r1 r2 cos(θ1 − θ2 ).

Como você pode interpretar geometricamente este resultado?

2. Descreva quais são as principais caracterı́sticas do gráfico de uma função


f em coordenadas polares se
(i) f é par;
(ii) f é ı́mpar;
(iii) f é periódica de perı́odo π, ou seja f (θ) = f (θ + π).
3. Esboce o gráfico das seguintes funções
(i) r = a sen θ;
(ii) r = a sec θ.

4. O cardióide pode ser escrito como o conjunto dos pontos do plano cujas
coordenadas polares (rθ) satisfazem a equação

r = 1 − sen θ.

(i) Esboce o gráfico da cardioide;


(ii) Mostre que a equação acima pode ser escrita, em coordenadas carte-
sianas, como p
x2 + y 2 = x2 + y 2 − y
e conclua que podemos escrevê-la como

(x2 + y 2 + y)2 = x2 + y 2 .

5. A equação da lemniscata em coordenadas polares é dada por

r2 = 2a2 cos(2θ).

(i) Esboce o gráfico da lemniscata;


(i) Encontre a equação da lemniscata em coordenadas cartesianas
210
B

Álgebra Linear

§. A Matriz de uma Transformação Linear

Seja V um conjunto não vazio e F um corpo1 . Suponha que dados v ∈ V e


w ∈ V podemos associar um terceiro elemento de F , chamado de soma de v e
w e denotado por v + w; além disso dados α ∈ F e v ∈ V podemos associar um
elemento αv ∈ F, chamado de produto de v pelo escalar α. Suponha ainda que
as operações definidas acima satisfazem as propriedades:

(i) v + w = w + v;

(ii) v + (w + u) = (v + w) + u;

(iii) Existe 0 ∈ V tal que v + 0 = v para todo v ∈ V;

(iv) Dado v ∈ V, existe −v ∈ V tal que v + (−v) = 0;

(v) α(v + w) = αv + αw;

(vi) (αβ)v = α(βv) = β(αv);

(vii) 1v = v;

(viii) (α + β)v = αv + βv.

Neste caso, dizemos que V é um espaço vetorial sobre F e os elementos de


V são chamados de vetores. Os espaços euclidianos são exemplos de espaços
vetoriais sobre R. O conjunto das matrizes n×n, denotado por Mn×n e munido
das operações usuais de soma de matrizes e produto de uma matriz por um
número real também é um espaço vetorial sobre R, como o leitor poderá verificar
1 Para a definição de corpo o leitor poderá consultar qualquer livro de Álgebra. Tenha

em mente que o conjunto dos números reais, com as operações usuais da soma e do produto,
forma um corpo. Dessa forma, nenhuma informação algébrica é perdida se assumimos que
F = R.

211
212

sem muitas dificuldades. O próprio conjunto dos números reais, munido das
operações de soma e produto usuais, é um espaço vetorial sobre o corpo dos
números racionais Q.
Uma combinação linear dos vetores v1 , v2 , . . . , vn é uma expressão da forma

α1 v1 + α2 v2 + · · · + αn vn ,

em que α1 , α2 ,..., αn são elementos de F.


Um subconjunto V 0 ⊂ V é um subespaço vetorial se as operações de V, res-
tritas a V 0 fazem desse último um espaço vetorial; é fácil verificar, por exemplo,
que o conjunto {(x1 , . . . , x3 ) ∈ R3 : x3 = 0} é um subespaço vetorial de R3 .
Mais geralmente, dados vetores v1 , . . . , vn de um espaço vetorial V, o conjunto
das combinações lineares desses elementos

{α1 v1 + α2 v2 + · · · + αn vn : αi ∈ F, i = 1, . . . , n}

é um subespaço vetorial de V, chamado de subespaço gerado por v1 , . . . , vn .


Dizemos também que esses vetores geram um subespaço de V.
O subconjunto {v1 , . . . , vn } ⊂ V é dito linearmente independente se
combinações lineares nulas são possı́veis apenas quando todos os escalares são
nulos, ou seja, se
α1 v1 + α2 v2 + · · · + αn vn = 0,
implica que α1 = · · · = αn = 0. Um conjunto de vetores B = {v1 , v2 , . . . , vn } ⊂
V é uma base se é linearmente independente e gera V. Isto implica que, por
exemplo, para todo v ∈ V podemos encontrar escalares α1 , α2 , . . . , αn , tais que

v = α1 v1 + α2 v2 + · · · + αn vn .

Se o número de elementos de B for finito, dizemos que esse número é a


dimensão de V; caso contrário dizemos que V é um espaço vetorial de dimensão
infinita. Como os vetores {e1 = (1, 0, 0, . . . , 0), e2 = (0, 1, 0, . . . , 0), . . . , en =
(0, 0, 0, . . . , 1)} formam uma base de Rn (veja o capı́tulo 1), concluı́mos que Rn
é um espaço vetorial de dimensão n. No caso de Mn×n é imediato verificar que
o conjunto
     

 1 0 ... 0 0 1 ... 0 0 0 ... 0  
0 0 . . . 0 0 0 . . . 0
 0 0 . . . 0 
B = . . . , , . . . ,
     

  .. .. . . ...   ... ... . . . ... 
    . . .
 .. .. . . . .. 


 
0 0 ... 0 0 0 ... 0 0 0 ... 1
 

forma uma base. Concluı́mos que a dimensão do espaço vetorial Mn×n é n2 .

Sejam V e W espaços vetoriais sobre um corpo F. Dizemos que T : V → W


é uma transformação linear se satisfaz as seguintes propriedades:

(i) T (v + v 0 ) = T (v) + T (v 0 );
213 B. Álgebra Linear

(ii) T (αv) = αT (v).


Sejam
BV = {v1 , v2 , . . . , vn },
BW = {w1 , w2 , . . . , wm }
bases de V e W, respectivamente. Nesse caso, dado um elemento v = α1 v1 +
α2 v2 +· · ·+αn vn ∈ V, as propriedades acima implicam que o elemento T (v) ∈ W
é dado por

T (v) = T (α1 v1 + α2 v2 + · · · + αn vn ) = α1 T (v1 ) + α2 T (v2 ) + · · · + αn T (vn ).

Cada T (vj ), j = 1, . . . , n, é um elemento de W, logo pode ser escrito em ter-


mos da base BW . Se escrevemos T (vi ) = a1j w1 + a2j w2 + · · · + amj wm ou,
Xm
abreviadamente, T (vj ) = aij wi , a equação acima nos dá que
i=1

m
! m
! m
!
X X X
T (v) = α1 ai1 wi + α2 ai2 wi + · · · + αn ain wi
i=1 i=1 i=1
= α1 (a11 w1 + · · · + am1 wm ) + · · · + αn (a1n w1 + · · · + amn wm )
= (α1 a11 + α2 a12 + · · · + αn a1n )w1
+ (α1 a21 + α2 a22 + · · · + αn a2n )w2 + · · ·
+ (α1 am1 + α2 am2 + · · · + αn amn )wm .

Se identificamos o vetor v = α1 v1 + α2 v2 + · · · + αn vn com a matriz


 
α1
 α2 
 ..  ,
 
 . 
αn

então a equação acima mostra que podemos escrever


  
a11 a12 . . . a1n α1
 a21 a22 . . . a2n   α2 
T (v) =  . ..   ..  = [aij ]m×n [αj ]n×1 . (∗)
  
.. ..
 .. . . .  . 
am1 am2 . . . amn αn

A matriz [aij ] é a matriz que representa a transformação linear T nas bases


BV e BW . Reciprocamente, dada uma matriz [aij ] ∈ Mm×n , existe um única
transformação linear T : V → W definida por (∗).

N.B. Seja L(V, W) o conjunto de todas as transformações lineares T : V → W.


Definimos a soma de duas transformações e o produto de uma transformação
por um elemento de um corpo F como (T + W )(v) = T (v) + W (v) e (αT )(v) =
214

α(T (v)), respectivamente. Com essas operações o conjunto L(V, W) é um espaço


vetorial sobre F e a transformação que associa a cada elemento T ∈ L(V, W)
a matriz [aij ] correspondente é uma transformação linear injetiva e sobrejetiva
do espaço vetorial L(V, S) sobre o espaço vetorial Mm×n . Por isso dizemos que
L(V, S) e Mm×n são isomórficos. Isso também implica que a dimensão de
L(V, S) é mn.

N.B. Da mesma forma, a aplicação T : Rn → Mn×1 definida por


 
α1
 α2 
T (v) = T (α1 v1 + α2 v2 + · · · + αn vn ) =  .  ,
 
 .. 
αn

é uma transformação linear injetiva e sobrejetiva. Isso significa que os espaços


vetoriais Rn e Mn×1 são isomórficos. É nesse sentido que dizemos que vetores
e matrizes podem ser identificados.

§. O Teorema de Riez

Enunciamos a seguir um resultado, conhecido como o teorema da repre-


sentação de Riez , que será útil para justificar certos fatos ao longo do texto.
B.1 Teorema (da representação de Riez). Se T : Rn → R é uma trans-
formação linear, então existe um único elemento u ∈ Rn tal que

T (x) = hu, xi.

Por exemplo, fixados dois vetores x ∈ R3 e y ∈ R3 , podemos definir uma


transformação linear T : R3 → R como
 
x1 x2 x3
T (z) = det  y1 y2 y3  .
z1 z2 z3

O único vetor, dado pelo teorema B.1 tal que T (z) = hu, zi é chamado de
produto vetorial dos vetores x, y e denotado por x × y. De maneira análoga,
podemos definir o produto vetorial em Rn . Todavia, nesse caso devemos “mul-
tiplicar” n − 1 vetores: se v1 , v2 . . . , vn−1 são vetores de Rn definimos o produto
vetorial desses elementos como o único vetor, denotado por v1 × v2 × · · · × vn−1 ,
tal que
 
v1,1 v1,2 ... v1,n
 v2,1 v2,2 ... v2,n 
 
 .. .
.. . .. ..  ,
hv1 × v2 × · · · × vn , zi = det  . . 
 
vn−1,1 vn−1,2 . . . vn−1,n 
z1 z2 ... zn
215 B. Álgebra Linear

em que vi,j representa a coordenada de ı́ndice j do vetor vi . As propriedades


do produto vetorial em Rn seguem diretamente da definição e o leitor poderá
verificá-las facilmente.

§. Orientação

Suponha que B = {v1 , v2 , . . . , vn } é uma base do espaço vetorial V. A


partir desse momento a ordem dos vetores da base passa a ser relevante e, por
isso, diremos que v1 é o primeiro vetor da base, v2 é o segundo e assim por
diante. Nesse contexto, por exemplo, a base {v1 , v2 , . . . , vn } é diferente da base
{v2 , v1 , . . . , vn }.
Se B 0 = {v10 , v20 , . . . , vn0 } é outra base desse espaço, então cada elemento de
0
B é dado como uma combinação linear dos elementos de B. Escrevendo

vi0 = aij vj ,

obtemos que
det(aij ) = det(v10 , v20 , . . . , vn0 ) 6= 0.
Segue que, fixada a base B, as bases de V ficam divididas em duas classes: o
conjunto de toda base cuja matriz [aij ] tem determinante positivo, que deno-
taremos por [v1 , v2 , . . . , vn ] e o conjunto de toda base tal que o determinante
de [aij ] é negativo, denotado por −[v1 , v2 , . . . , vn ]. Cada um desses conjuntos é
uma orientação de V; se escolhemos uma orientação para um espaço vetorial,
então ele é dito orientado.
A orientação canônica de Rn é definida como [e1 , e2 , . . . , en ], ou seja, é a
orientação definida pela base canônica. Vale notar que, em Rn , dados n − 1
vetores linearmente independentes v1 , . . . , vn−1 , temos que o produto vetorial
v1 × · · · × vn−1 é um vetor tal que

[v1 , v2 , . . . , vn−1 , v1 × · · · × vn−1 ] = [e1 , e2 , . . . , en ],

isto é, define juntamente com os vetores restantes (na ordem prescrita acima) a
orientação canônica de Rn . Isto ocorre pois por definição

det(v1 , . . . , vn−1 , v1 × · · · × vn−1 ) = hv1 × · · · × vn−1 , v1 × · · · × vn−1 i > 0.

Esse fato explica a famosa regra da mão direita: os vetores x, y e x × y


devem estar representados da mesma maneira que representamos e1 , e2 e e3 .
Se V e W são espaços vetoriais orientados de mesma dimensão (finita), di-
zemos que a transformação linear T : V → W preserva a orientação se
[T (v1 ), . . . , T (vn )] é a orientação de W, sempre que [v1 , . . . , vn ] for a orientação
de V. Agora, sejam [v1 , . . . , vn ] e [w1 , . . . , wn ] as orientações de V e W, res-
pectivamente; se T : V → W é uma transformação linear e A é a matriz de
T nas bases {v1 , . . . , vn } e {w1 , . . . , wn }, podemos mostrar que T preserva a
orientação se, e somente se, det A > 0. Para ver isso, basta notar que a i-ésima
coluna de A é formada pelos coeficientes de T (vi ) na base {w1 , . . . , wn }. Como
[w1 , . . . , wn ] = [T (v1 ), . . . , T (vn )], o resultado segue, por definição.
216

Por fim, dizemos que uma função diferenciável f : Rn → Rn preserva a


orientação se a aplicação linear df (p) : Rn → Rn preserva a orientação para
todo p ∈ Rn . Observe que, se f é uma transformação linear, então df (p) = f e
reobtemos a definição do parágrafo anterior.

Exercı́cios

1. Verifique que os exemplos de espaços vetoriais citados no texto satisfazem,


de fato, as condições (i)-(viii) da definição.

2. Seja T : V → W um isomorfismo entre os espaços vetoriais V e W. Mostre


que se {v1 , . . . , vn } é uma base de V, então {T (v1 ), . . . , T (vn )} é uma base
de W.
3. Sejam V e W espaços vetoriais de dimensão finita e fixe bases BV =
{v1 , . . . , vn } e BW = {w1 , . . . , wm }. Verifique que a aplicação I : L(V, W) →
Mn×m definida por I(T ) = A, em que A é a matriz de T nas bases prescri-
tas, é um isomorfismo linear entre os espaços vetoriais L(V, W) e Mn×m .
Conclua daı́ que a dimensão de L(V, W) é nm.
4. Se v1 , v2 , . . . , vn−1 são vetores de Rn , verifique que o produto vetorial tem
as seguintes propriedades:

(i) hv1 × · · · × vn−1 , vi i = 0, 1 6 i 6 n − 1;


(ii) v1 × · · · × vn−1 = 0 se dois vetores são linearmente dependentes;
(iii) v1 × · · · × (αvi ) × · · · × vn−1 = α (v1 × · · · × vi × · · · × vn−1 );
(iv) v1 × · · · ×vi × · · · × vj × · · · × vn−1 =
− v1 × · · · × vj × · · · × vi × · · · × vn−1 ;
(v) v1 × · · · × (vi + vi0 ) × · · · × vn−1 =
v1 × · · · × vi × · · · × vn−1 + v1 × · · · × vi0 × · · · × vn−1 .
5. Sejam V, W e S espaços vetoriais de mesma dimensão. Mostre que
(i) Se T : V → W é um isomorfismo linear que preserva a orientação,
então T −1 : W → V também o é;
(ii) Se T : V → W e W : W → S são transformações lineares que
preservam a orientação, então W ◦ T : V → S também preservará a
orientação;
(iii) Se f : Rn → Rn é um difeomorfismo (isto é, diferenciável com in-
versa diferenciável) que preserva a orientação, então f −1 preserva a
orientação.
(iv) Mostre que se f : Rn → Rn e g : Rn → Rn preservam a orientação,
então g ◦ f preserva a orientação.
C

Derivação sob o Sinal de Integral

O objetivo desse apêndice é responder uma questão inquietante para muitos


alunos de cálculo: sob que condições a derivada da integral de uma função é
igual à integral da derivada do integrando. Mais precisamente, dada uma função
f : [a, b] × [c, d] → R, defina g : [a, b] → R como
Z d
g(x) = f (x, y) dy,
c

isto é, g(x) é a integral da função h(y) = f (x, y) no intervalo [c, d]. Perguntamos
quais devem ser as hipóteses sobre f de forma que g seja uma função derivável
com a seguinte propriedade:
! Z
Z d d
g 0 (x) = D1 f (x, y) dy = D1 f (x, y) dy.
c c

A resposta para a pergunta acima é respondida pelo seguinte resultado,


conhecido como regra de Leibniz.
C.1 Teorema (Regra de Leibniz). Seja f : [a, b] × [c, d] → R uma função
contı́nua e defina g : [a, b] → R como
Z d
g(x) = f (x, y) dy.
c

Então g é contı́nua. Mais ainda, se D1 f existe e é contı́nua em [a, b] × [c, d],


então g é derivável e
Z d
g 0 (x) = D1 f (x, y) dy.
c

Em palavras mais simples, a regra de Leibniz garante que podemos derivar


sob o sinal de integração se a derivada do integrando é uma função contı́nua!

217
218

Os detalhes da demonstração desse fato são bastante técnicos e serão feitos aqui
apenas para satisfazer o desejo do leitor mais exigente. Nada será perdido se,
tendo lido o texto até esse ponto, o leitor decidir que há coisa mais importante
para estudar.
Para provar o resultado é necessária a noção de continuidade uniforme que
passamos a definir agora. Dizemos que uma função f : Rn → Rm é uniforme-
mente contı́nua, se, para todo  > 0 existe um número δ > 0, válido para todo
p ∈ Rn , tal que a condição |x − p| < δ implica que |f (x) − f (p)| < . A diferença
entre os conceitos de continuidade e continuidade uniforme é sutil; no caso das
funções contı́nuas, fixado  > 0, o número δ na definição depende de  e do ponto
p! Para um mesmo  o número δ pode mudar se o ponto em análise mudou. Por
outro lado, se f é uniformemente contı́nua, fixado o número , podemos escolher
um mesmo número δ que serve para todos os pontos do domı́nio de f . Note que
toda função uniformemente contı́nua é, por definição, uma função contı́nua.
Por exemplo a função f (x) = x é uma função uniformemente contı́nua,
pois dado  > 0 podemos tomar δ =  para todo p ∈ Rn . Assim temos que
|x − p| < δ implica |f (x) − f (p)| = |x − p| < δ = . Na verdade podemos mostrar
que todas as funções de Lipschitz (ver a seção de exercı́cios do capı́tulo 2) são
uniformemente contı́nuas. Por outro lado, a função f : R → R, definida por
f (x) = x2 , é um exemplo de função contı́nua que não é uniformemente contı́nua.
Precisamos de um único resultado sobre funções uniformemente contı́nuas, a
saber, toda função contı́nua definida em um conjunto compacto é uniformemente
contı́nua. Podemos agora enunciar e demonstrar o resultado prometido.
Demonstração. Vamos provar primeiramente que g é uma função contı́nua.
Como f é contı́nua e está definida em um conjunto compacto, pelo teorema
anterior, temos que f é uniformemente contı́nua; isso implica que, fixado o
número  > 0, podemos encontrar δ > 0 tal que |(x, y 0 ) − (x, y)| < δ implica
|f (x, y 0 ) − f (x, y)| < 
d−c ,

para todo ponto (x, y) ∈ [a, b] × [c, d]. Seja x0 ∈ [a, b] um ponto qualquer; se
|x − x0 | < δ, então temos que |(x, y) − (x0 , y)| = |x − x0 | < δ. Isso implica que,
para todo ponto y ∈ [c, d], vale

|f (x, y) − f (x0 , y)| < d−c .

Assim, Z
d Z d
|g(x) − g(x0 )| = f (x, y) dy − f (x0 , y) dy

c c
Z
d
= f (x, y) − f (x0 , y) dy

c
Z d
6 |f (x, y) − f (x0 , y)| dy
c
Z d
 
< dy = (d − c) = .
c d−c d−c
219 C. Derivação sob o Sinal de Integral

Provamos que, dado  > 0, podemos encontrar um número δ > 0 tal que
|x − x0 | < δ implica |g(x) − g(x0 )| < , ou seja, g é contı́nua em x0 . Como o
ponto x0 é arbitrário, concluı́mos que g é uma função contı́nua.
Agora suponha que D1 f existe e é contı́nua em [a, b] × [c, d]. Nesse caso,
D1 f é uniformemente contı́nua em [a, b] × [c, d]; como visto acima, dado  > 0,
existe δ > 0 tal que

|D1 f (x, y) − D1 f (x0 , y)| <
d−c
sempre que |x − x0 | < δ e y ∈ [c, d]. Portanto, se |t − x0 | < δ, temos
Z Z
x  x |x − p|
D f (t, y) − D1 f (x0 , y) dt 6 dt =  . (C.1)

x0 1 d − c x0 d−c

Considere a função
F (t) = f (t, y) − tD1 f (x0 , y),
definida para |t − x0 | < δ. Temos que F é derivável e F 0 (t) = D1 f (t, y) −
D1 f (x0 , y), ou seja, F é uma primitiva de ϕ(t) = D1 f (t, y) − D1 (x0 , y). Pelo
teorema fundamental do cálculo vem que
Z x Z x
D1 f (t, y) − D1 f (x0 , y) dt = ϕ(t) dt
x0 p
(C.2)
= [f (t, y) − tD1 f (x0 , y)]t=x
t=x0
= f (x, y) − f (x0 , y) − (x − x0 )D1 f (x0 , y).

Combinando as equações (C.1) e (C.2) temos


|x − x0 |
|f (x, y) − f (x0 , y) − (x − x0 )D1 f (x0 , y)| <  , (C.3)
d−c
para todo y ∈ [c, d] e |x − x0 | < δ.
Por fim, note que (C.3) implica

g(x) − g(x ) Z d
0
− D1 f (x0 , y) dy

x − x0

c
R d
f (x, x ) dy − R d f (x , y) dy Z d


c 0 c 0
= − D1 (x0 , y) dy

x − x0 c
Z
d f (x, y) − f (x , y)
0
= − D1 f (x0 , y) dy

c x − x0
Z d
f (x, y) − f (x0 , y)

6 − D1 f (x0 , y) dy

x − x

c 0
Z d
 
< dy = (d − c) = .
d−c c d−c
220

Isso é o mesmo que


d
g(x) − g(x0 )
Z
lim = D1 f (x0 , y) dy,
x→x0 x − x0 c

o que demonstra o resultado.


N.B. Observe que provamos mais do que foi enunciado. De fato, como D1 f
é contı́nua em [a, b] × [c, d], segue pela primeira parte do teorema que g 0 (x) =
Rd
c
D1 f (x, y) dy é uma função contı́nua, ou seja, g é uma função de classe C 1 .

N.B. Não é difı́cil verificar que a demonstração acima pode ser adaptada para
o caso de funções com mais de duas variáveis. Explicitamente temos o seguinte:
se f : [a1 , b1 ] × · · · × [an , bn ] → R é uma função contı́nua, então a função
g : [a1 , b1 ] × · · · × [an−1 , bn−1 ] → R, definida por
Z bn
g(x1 , . . . , xn−1 ) = f (x1 , . . . , xn−1 , xn ) dxn ,
an

é uma função contı́nua. Além disso, se para 1 6 i 6 n − 1 a derivada Di f existe


e é contı́nua em [a1 , b1 ] × · · · × [an , bn ], então Di g existe e
Z bn
Di g(x1 , . . . , xn−1 ) = Di f (x1 , . . . , xn−1 , xn ) dxn .
an
Índice Remissivo

área, 87 curva
superfı́cie, 160 de Jordan, 127
ângulo sólido, 176 comprimento, 128
fechada, 127
aplicação parametrizada, 122
alternada, 189 parametrizada por partes, 125
antı́poda, 179 simples, 127
k-linear, 189 curvatura, 144
atlas, 155
derivada
bola direcional, 59
aberta, 40 parcial, 50
fechada, 40 de ordem k, 52
de segunda ordem, 52
campo difeomorfismos, 76
conservativo, 137 diferencial, 54
de vetores, 131 exterior, 191
de classe C k , 131 dimensão
gradiente, 132 espaço vetorial, 212
carta, 155 divergente, 131
centroide, 117 domı́nio
cicloide, 124 simples, 95
circulação, 133 simples, 92
conjunto
aberto, 67 elipse, 12
compacto, 67 epicicloide, 125
domı́nio estrelado, 195 equações de Frenet, 145
fechado, 67 espaço euclidiano, 2
limitado, 67 espaço tangente, 73
Conrad, Joseph, 149 espaço vetorial, 211
conteúdo, 87, 90 base, 212
coordenadas espaços vetoriais
cartesianas, 101 isomórficos, 214
cilı́ndricas, 103
esféricas, 105 faixa de Möebius, 158
polares, 102, 206 fluxo de um campo, 163

221
Índice Remissivo 222

forma lema
0-forma, 192 de Poicaré, 195
1-forma, 187 lemniscata, 209
2-forma, 189 limite, 40
diferencial, 191 Lord Byron, 49
de classe C k , 191
exata, 194 método da substituição, 99
fechada, 194
k-forma, 190 norma
pull-back, 196 de um vetor, 4
Friederich, Nietzshe, 121 da partição, 84
função, 36 orientação, 150
de classe C ∞ , 52 espaço vetorial, 215
de classe C k , 52 induzida no bordo, 167
de Lipschitz, 48
contração, 48 parábola, 14
imagem, 36 parametrização
conjunto de nı́vel, 37 curva, 122
contı́nua, 44 superfı́cie, 150
contradomı́nio, 36 partição, 84
diferenciável, 54 plano, 10
domı́nio, 36 plano tangente, 74, 157
gráfico, 37 ponto
integrável, 85 crı́tico, 64
limite, 40 de fronteira, 67
par, 75 de sela, 65
potencial, 138 exterior, 67
que preserva a orientação, 216 interior, 66
uniformemente contı́nua, 218 mı́nimo, 64
mı́nimo local, 64
garrafa de Klein, 159 máximo, 64
máximo local, 64
hipérbole, 13
ponto fixo, 48
hipocicloides, 125
princı́pio de Cavalieri, 97
integral produto
em domı́nios arbitrários, 90 escalar, 4
de superfı́cie, 160 vetorial, 7
sobre um retângulo, 85 vetorial em Rn , 214
projeção, 42
jacobiano, 74 projeção estereográfica, 154

Kafka, Franz, 185 regra de Leibniz, 217


reparametrização, 123
laplaciano, 77 equivalente, 123
em coordenadas polares, 77 pelo comprimento de arco, 129
em coordenadas esféricas, 77 retângulo
223 Índice Remissivo

aberto, 92 diferenciável, 156


fechado, 84 parametrizada, 198
subretângulo, 84 vetor
reta, 9 gradiente, 60
rotacional, 131 binormal, 145
diferença, 3
Shakespeare, William, 35 norma, 4
soma de Riemann, 84 vetores, 2
subespaço linearmente independentes, 212
gerado, 212 ortogonais, 5
vetorial, 212 unitários, 6
superfı́cie volume, 87
com bordo, 165
de revolução, 151 Wittgenstein, Ludwig, 83
gráfico de uma função, 151
parametrizada, 150
fechada, 127

teorema
da divergência, 200
da mudança de variáveis, 100
de Fubini, 88
de Stokes, 168
do valor médio para integrais, 169
fundamental do cálculo, 200
da divergência, 174
da função inversa, 76
da representação de Riez, 122, 214
de Green, 173
de Jordan, 127
de Stokes, 199
do confronto, 47
fundamental do cálculo, 129
torção, 145
toro, 184
transformação linear, 48, 212
que preserva a orientação, 215
translação, 114
triedro de Frenet, 145

variedade
com bordo, 167
de dimensão 1, 159
de dimensão 3, 160
de classe C k , 156
de dimensão 2, 155

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