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NOTA DE REPÚDIO

A Rede de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes


em Pernambuco é a primeira no Brasil a ser composta por organizações
governamentais e da sociedade civil. Sendo um espaço de mobilização,
articulação política para o enfrentamento e luta pelo fim das violências sexuais,
repudia com veemência qualquer tipo de violação de direitos de crianças e
adolescentes, em especial, das violências sexuais que ferem a dignidade
humana.

No domingo, 16/08, em frente ao Centro Integrado de Saúde Amaury de


Medeiros – CISAM-UPE, um grupo de manifestantes liderado por parlamentares
promoveu aglomeração na porta desse serviço de saúde, desconsiderando o
momento de pandemia que se está vivendo, para tentar impedir a realização de
aborto legal e seguro numa criança de 10 anos de idade, grávida em razão de
ter sofrido violência sexual praticada por um tio.

A presença desses manifestantes, cuja ação se baseia numa perspectiva


fundamentalista que se expressa numa suposta defesa da vida, se soma às
múltiplas violências pelas quais essa criança tem passado. Segundo notícias
veiculadas na imprensa nacional, a menina, hoje com 10 anos, era violentada
pelo tio pelo menos desde os 6 anos de idade. Descoberta sua gravidez, pela
restauração de sua proteção e pela defesa de seus direitos, a criança poderia
ser submetida ao procedimento de aborto legal e seguro. O abortamento era
possível tanto porque a gravidez foi resultante de estupro e se justificava ainda
pela idade da criança e pelo risco à sua saúde, caso a gestação fosse levada
adiante.

Pelas características do caso, o abortamento legal e seguro poderia ocorrer


porque está previsto legalmente. Segundo o Código Penal brasileiro, em seu
artigo 128, o aborto não é punível em caso de estupro ou se é realizado para
salvar a vida da gestante. No caso da menina de 10 anos, a legalidade do aborto
foi ampliada, pois o procedimento foi autorizado judicialmente pelo Tribunal de
Justiça do Espírito Santo. Assim, foi duplamente garantido à criança de 10 anos,
o que está previsto legalmente para a interrupção da gravidez em razão do
estupro e do risco de morte se a gestação fosse continuada.

Contudo, o procedimento não foi realizado no estado de origem da criança, por


recusa da equipe médica do hospital que deveria realizar o aborto legal e seguro.
Essa recusa configura, pois, mais uma violência, dessa vez institucional, a que
a criança foi submetida. Para garantir o seu direito, a menina foi encaminhada
para outro estado para realizar o abortamento, tal como previsto pela lei e
autorizado judicialmente.
Por se tratar de uma criança, todas as ações relativas à apuração da violência
sexual a que ela foi submetida, assim como as medidas tomadas para seu
enfrentamento, deveriam ser sigilosas, para preservar a privacidade e a
integridade física e mental da menina. Mas, a identidade da criança foi exposta
em várias redes sociais pela extremista Sara Giromini, conhecida por seus
posicionamentos fundamentalistas, entre os quais, contrários ao aborto. Além
disso, Sara Giromini divulgou que a criança estava em Pernambuco para realizar
o abortamento legal e seguro no CISAM e convocou seguidores, para, em nome
de uma suposta defesa da vida, baseada em princípios religiosos
fundamentalistas, tentarem impedir a interrupção da gravidez. Ao devassar e
expor a privacidade da criança de 10 anos, Sara promoveu a ampliação de
violações de direitos vivenciadas por essa menina.

Vários religiosos fundamentalistas locais – entre eles políticos, que pela função
pública que exercem, deveriam respeitar a laicidade do Estado – atenderam à
mobilização feita por Sara Giromini, provocando não apenas aglomeração de
pessoas, mas também realizando tumulto para tentar impedir que se efetivasse
o direito da menina de 10 anos de ser submetida ao aborto legal e seguro e
assim, interromper uma gravidez resultante de violência sexual.

Diante desses fatos, a Rede de Enfrentamento vem a público repudiar:


a) A atitude dos profissionais de saúde do Espírito Santo, que se negaram a
realizar os procedimentos necessários para o atendimento da criança.
b) As ações que ponham em risco a integridade física e que não preservem a
saúde emocional dessa criança, impedindo que supere os traumas físicos e
psicológicos decorrentes da violência sexual sofrida.
c) Qualquer ato de violência contra os profissionais da saúde que estavam no
exercício do seu dever.

Exigimos ainda a responsabilização legal:


a) Do tio da menina, que cometeu contra ela o crime de estrupo de vulnerável.
b) Daqueles que repassaram para Sara Giromini as informações sobre a menina
e sobre as particularidades de sua situação.
c) De Sara Giromini, pela divulgação de informações sigilosas da menina e pela
mobilização do ato fundamentalista em Recife.
d) De todas as pessoas que se manifestaram em frente ao CISAM-UPE na
perspectiva de constranger os profissionais de saúde desse serviço, para tentar
impedir a realização do abortamento legal e seguro garantido à menina. Pela
função pública que ocupam, essa responsabilização deve ser exemplar para os
políticos que tentaram impedir que a menina tivesse garantido e efetivado o
direito de ser submetida ao abortamento legal e seguro: a deputada Clarissa
Tércio (PSC); o deputado Cleiton Collins e a vereadora Michelle Collins, ambos
do PP; o vereador Renato Antunes (PSC); o deputado estadual Joel da Harpa
(PP) e a ex-deputada Terezinha Nunes (MDB),
(https://www.brasildefatope.com.br/2020/08/16/grupos-conservadores-invadem-
hospital-para-tentar-impedir-aborto-legal-no-recife)
Recomendamos:
a) Que a criança continue a receber o acompanhamento médico e psicossocial
pelo tempo necessário à superação dos traumas vivenciados.
b) Que a criança seja protegida do assédio da mídia sensacionalista e de
fundamentalistas que, por desaprovarem o desfecho do caso, podem colocá-la
em risco.

A situação vivenciada pela menina de 10 anos não é um caso isolado, tendo em


vista a violência sexual contra crianças e adolescentes ser um ainda um grave
problema a ser enfrentado pela família, comunidade e, sobretudo, pelo Estado
brasileiro, a quem cabe garantir políticas que estejam ética e tecnicamente
comprometidas pela preservação ou recomposição de direitos de crianças e
adolescentes.

A Rede de Enfrentamento PE manifesta a sua solidariedade com a criança, com


os seus representantes legais, com as autoridades judiciárias e ministeriais do
Espírito Santo e com a equipe de profissionais da saúde do CISAM que
contribuíram para a realização do procedimento, garantindo o que é estabelecido
por lei.

Por fim, a Rede de Enfrentamento PE parabeniza o Fórum de Mulheres de


Pernambuco e a Marcha Mundial de Mulheres, entre outros movimentos
feministas, que no domingo, 16.08.2020, enfrentaram os fundamentalistas,
afirmando e defendendo o direito da menina de 10 anos de ser o que é: uma
criança que deve ser protegida.

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