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Vivemos acreditando que a realidade se oferece a nós de forma evidente — mas a verdade é que nem tudo é simples.
Estas 7 reflexões sobre a arte de escrever são uma releitura dos vários textos em que
trato desse tema — e que podem ser encontrados aqui no site. Aprofundo neste artigo
algumas questões e recupero outras, que avalio como essenciais:
Mas não se trata de uma observação passiva. O escritor deve se colocar na pele das
pessoas e tentar compreender suas reações — e, a seguir, imaginar como ele próprio
reagiria em situações semelhantes. Muitos têm o poder inato de fazer esse exercício —
mas não é impossível treinar tal capacidade de observação.
A realidade inteira deve servir ao trabalho do escritor: dos sonhos a um diálogo rápido
no ponto de ônibus; das lembranças da infância às decepções, incertezas e alegrias que
ele testemunha ou experimenta. É preciso permanecer atento à vida; e abandonar a
ideia, tão difundida hoje, de que “só é realidade o que eu considero real” — verdadeiro
absurdo.
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17/07/2020 7 reflexões sobre a arte de escrever | Rodrigo Gurgel
Vivemos acreditando que a realidade se oferece a nós de forma evidente — mas a verdade é que nem
tudo é simples.
Sim, jamais desprezar a realidade. Mas não esquecer, como afirma Henry James, que “a
experiência nunca é limitada e nunca é completa”. Para esse genial romancista, a
experiência é semelhante a “uma espécie de vasta teia de aranha, da mais fina seda,
suspensa no quarto da nossa consciência, apanhando qualquer partícula do ar no seu
tecido”. Ou seja, a experiência — a abertura ao real, deve ser “a própria atmosfera da
mente”, ela deve levar “para si mesma os mais tênues vestígios de vida”, deve
“converter as próprias pulsações do ar em revelações”.
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17/07/2020 7 reflexões sobre a arte de escrever | Rodrigo Gurgel
Sob meu ponto de vista, o escritor deve se afastar da agitação social, da euforia urbana,
da fugacidade das panelinhas e das mesas de bar. Silêncio e recolhimento são
fundamentais se desejamos descobrir um método de trabalho, um processo organizado
que permita à criação fluir com o mínimo de obstáculos. Tal método, quando repetido e
aprimorado, permite ao escritor aproveitar o tempo — isto é, não malgastar o que, por si
próprio, se dissipa com facilidade.
O trabalho criativo demanda tempo — e, portanto, uma forma especial de ócio, que não
é a completa ausência de perturbações ou inquietações da mente. Ao contrário, o corpo
pode passar a ideia de inatividade, mas a mente trabalha de forma profusa — se não
fosse assim, o Ponto 1 deste texto, o exercício da observação constante, seria
impossível.
O escritor também deve ter claro que seu trabalho é um contínuo exercício de superação
do medo. Por trás da sua mente sempre existirá o juiz incansável que ficará sugerindo o
que as pessoas falarão ou pensarão a respeito dos seus textos.
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Se tal censor existe em todas as consciências, nas mais pequenas decisões, estará ainda
mais presente no trabalho criativo. Aceitar esse censor é o primeiro passo para saber
utilizá-lo em nosso próprio benefício. Ele não é de todo mau, se pensarmos em quantas
idiotices já nos impediu de fazer — e escrever. O homem — e o escritor — que não tem
nenhuma autocensura é também o que não possui nenhuma autocrítica.
Trata-se, assim, de aceitar a sentença do juiz — mas pelos motivos corretos. E, entre
estes, não se encontra a opinião dos outros.
Da mesma forma, é preciso aprender a conviver com o desconforto que certas ideias
causam, com o desânimo, com a dúvida, com pensamentos que vão e voltam,
irrequietos, muitas vezes prontos a colocar o escritor diante de decisões angustiosas,
labirínticas.
6. Escrever, apenas
O escritor deve entender seu ofício sob uma perspectiva prática: da mesma forma que
aprende a contornar ou ceder ao juiz interior, não deve se prender aos seus próprios
limites. Ou seja, no ato da escrita, no momento da criação, não deve preocupar-se com
dúvidas gramaticais, com lacunas inevitáveis da formação intelectual, ou deixar-se
desanimar pela insegurança em relação à qualidade do seu texto.
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17/07/2020 7 reflexões sobre a arte de escrever | Rodrigo Gurgel
paciência. Antes de tudo, deve ser ele mesmo — deve permitir que sua personalidade
fale — e escrever no ritmo dela, com as palavras dela.
O principiante pode se sentir mais seguro seguindo duas sugestões: primeiro, imaginar
um leitor. É mais fácil alcançar objetividade quando não se escreve para todos, o que
equivale a escrever para qualquer um. Não se trata, contudo, de escrever para agradar a
esse leitor ou grupo de leitores; trata-se apenas de ter uma referência. À medida que a
história for construída, o escritor talvez acabe se divertindo em contrariar o leitor
imaginário.
Em segundo lugar, deve ter um plano — o mais minucioso possível. Mas sentir-se livre
para mudá-lo, pois nenhum escritor sabe, com todos os detalhes, começo, meio e fim da
sua história. Além disso, o escritor tem poder absoluto sobre sua criação e seus
personagens — o que significa que não precisa se preocupar em escrever seguindo a
ordem cronológica do seu plano. Pensando nos personagens, pode matá-los e, meses
depois, contar seus nascimentos.
***
De resto, ninguém mais do que o escritor acredita no poder das sinapses — os neurônios
conversam entre si, criam conexões inusitadas a cada milésimo de segundo. Não
esqueçamos o evento sináptico experimentado por Victor Hugo: explorando a Catedral
de Notre-Dame de Paris, encontrou da palavra “fatalidade” gravada à mão numa parede;
a forte impressão causa por essa descoberta desencadeou o processo de criação do
romance O corcunda de Notre-Dame.
Rodrigo Gurgel
http://www.rodrigogurgel.com.br
Sou professor de literatura e escrita criativa — e crítico literário. Minha Oficina de Escrita Criativa (com
turmas semestrais) e meus outros cursos são transmitidos on-line, aqui neste site. Tenho quatro livros
publicados: Muita retórica — Pouca literatura; Esquecidos & Superestimados; Percevejos, Ideólogos — e
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17/07/2020 7 reflexões sobre a arte de escrever | Rodrigo Gurgel
alguns Escritores; e Crítica, Literatura & Narratofobia. Você pode acompanhar meu trabalho também no
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