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Imagine que o seu filho chega para você – e isso


já está acontecendo em famílias no mundo intei-
ro – e pergunta: por que eu preciso escrever a re-
dação que o professor mandou redigir se a inte-
ligência artificial pode fazer isso por mim?

Ou então ele diz: por que que eu preciso escre-


ver a análise do livro que já fui obrigado a ler se
a inteligência artificial também pode fazer isso
por mim?

Em resumo, a criança ou o jovem pensa: se há


uma maneira mais fácil de fazer alguma coisa, por
que não se pode usar essa solução?

Aliás, é o que a maioria das pessoas pensam. Es-


tamos sempre em busca do mais fácil, daquilo que
nos dá menos trabalho.

Precisamos ir no caminho inverso e mostrar os


benefícios que a escrita pode oferecer para quem
se dispõe a fazer esse exercício, ou seja, mostrar

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o quê cada um pode ganhar se estiver disposto
a escrever – e isso vale inclusive para os que já
são escritores.

Na verdade, meu caro, quando se trata da escrita,


há um ponto central que não podemos esquecer:
o ato de escrever cria um espaço solitário em que
nós entramos em contato com as nossas ideias e
sentimentos, onde podemos pensar, refletir e ra-
ciocinar com calma e em silêncio.

Escrever nos obriga a desacelerar o fluxo dos nos-


sos pensamentos – e você provavelmente sabe
que na maior parte do tempo não temos controle
algum sobre esse fluxo. Então, quando paramos
para escrever, isso nos obriga a pensar de manei-
ra mais calma, lenta e também um pouco mais
profunda.

Não podemos esquecer que diariamente somos


bombardeados por milhares de informações nas
redes sociais e na mídia em geral. Informações

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inúteis em sua maioria, mas que sequestram a
nossa atenção e um tempo valioso para nós – e
transformam nossos pensamentos apenas em rea-
ções àquilo que vemos, ouvimos ou lemos de ma-
neira superficial.

Então, para pensar realmente, precisamos apren-


der a brincar com as ideias, criar suposições a res-
peito de cada ideia, pensar na contramão de tudo
que nós vemos, ouvimos e lemos, e claro, descon-
fiar de tudo sempre – e o meio ideal para fazer isso
é escrevendo.

A escrita nos força a demorar sobre os assuntos,


nos força a refletir sobre as questões que apare-
cem para nós, nos força a ver cada questão sob
diferentes pontos de vista, mas não podemos es-

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quecer de um outro ponto importantíssimo: a es-
crita só pode fazer tudo isso se você estiver real-
mente comprometido com a verdade.

Nesse sentido é importante lembrar do que dizia


Mortimer Adler: a pessoa que diz saber o que pen-
sa, porém não consegue expressar essas ideias,
geralmente não sabe o que pensa.

Ou seja, emitir uma opinião qualquer um pode


emitir, mas a questão é: você consegue justificar
o que você pensa? Você consegue provar que você
realmente sabe o que pensa? Você consegue de-
monstrar que a sua opinião expressa a verdade,
mesmo que não seja uma verdade factual, mas se
trate de ficção ou de poesia?

Um outro ponto é que o bom escritor descobre


coisas novas enquanto escreve a respeito dos
seus pensamentos. Ele sempre vai buscar a ori-
gem deles, vai lutar para expressar as suas ideias

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de forma perfeita e durante todo esse processo vai
descobrir coisas inesperadas – e acrescentar es-
sas descobertas aos seus textos.

Mas a gente pode se perguntar também: por que


o escritor descobre coisas novas? Por que muita
vezes ele consegue estabelecer relações que nun-
ca alguém tinha pensado antes?

A resposta é muito simples: quem escreve apren-


de a prestar atenção ao que se passa dentro de
si mesmo e no que acontece à sua volta. E quan-
do nós realmente prestamos atenção, entramos
muitas vezes numa espécie de espanto, de ma-
ravilhamento, de admiração. A escrita abre por-
tas que nos levam a encontrar beleza e complexi-
dades que desconhecíamos – e também detalhes
que nunca perceberíamos sem escrever.

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Dizendo de outra forma,
escrever nos ajuda a
apreciar o mundo de
maneira mais rica e
profunda.
Aristóteles dizia: o maravilhamento é o primei-
ro passo para conhecer, mas quando ele se refe-
ria ao maravilhamento – e isso que também pode-
mos chamar de espanto – Aristóteles não estava
apenas se referindo a uma resposta meramente
emocional. Ele se referia a uma febre de curiosi-
dade, de fazer perguntas, a um desejo sincero de
investigar tudo que nós encontramos dentro de
nós e ao nosso redor, sempre com o objetivo de
realmente compreender as coisas.

Mas não basta a febre, é preciso colocar as ideias


no papel, exatamente como o Platão, Aristóteles,
Thomas Mann, Kafka e todos os grandes escrito-
res fizeram, porque só a escrita nos permite essa
conexão plena com todos os elementos que com-

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põem a vida, com todos os elementos que formam
o nosso eu. Só a escrita nos permite ver a vida em
todas as suas dimensões. Só a escrita nos permite
ir muito além das nossas próprias respostas para
a vida.

Portanto, escrever é a melhor forma de demorar


sobre tudo o que você vê e sente – e encontrar no
centro de tudo isso o que realmente vale a pena, o
que realmente pode, inclusive, mudar a sua vida.

É isso, meus caros.


Um forte abraço em
todos!

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