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25/07/2022 07:54 Gmail - Você realmente sabe o que é "atenção", Flávio Felipe Ribeiro?

Flávio Felipe Ribeiro <flavioferi@gmail.com>

Você realmente sabe o que é "atenção", Flávio Felipe Ribeiro?

1 mensagem

Rodrigo Gurgel <suporte@orodrigogurgel.com.br> 6 de fevereiro de 2022 20:02


Para: Flávio Felipe Ribeiro <flavioferi@gmail.com>

Olá, Flávio Felipe Ribeiro!

Espero que você esteja bem.

Hoje teremos uma conversa longa, a respeito de um texto que me acompanha há muitos
anos. Texto maravilhoso, que se chama “Reflexões sobre o bom uso dos estudos
escolares para o amor de Deus”, escrito por uma pensadora francesa chamada Simone
Weil. Vocês o encontram facilmente na internet. O texto faz parte do livro Espera de
Dios (minha edição é argentina, de 1954). No original francês, Attente de Dieu.

Simone Weil diz que, quando se trata da nossa vida de estudo, ou seja, também da
nossa vida de leitura, nosso
verdadeiro fim, nosso verdadeiro objetivo deve ser a
formação da faculdade da atenção. Esse deve ser nosso único interesse.

O verdadeiro fim dos estudos, nosso verdadeiro objetivo, não seria ter boas notas? Não
seria passar de ano? O verdadeiro fim, o verdadeiro objeto da leitura não seria
aperfeiçoar nossas ideias, permitir que pensemos e analisemos a realidade de forma
clara, ou até mesmo de forma genial, surpreendente?

Não. Para ela, o verdadeiro fim dos nossos esforços deve ser o desenvolvimento da
atenção. O resto também virá… mas como consequência de se desenvolver a atenção.
Porque um verdadeiro esforço de atenção jamais se perde. Simone diz que cada
esforço de atenção se torna eficaz de alguma maneira, em algum momento no futuro.

Se buscamos, com verdadeira atenção, a solução de um problema ou, por exemplo, se


queremos compreender um texto e, depois de uma hora de leitura, avançamos muito
pouco,
acredite, assim mesmo aprimoramos nossa atenção. Esse esforço
aparentemente estéril vai produzir frutos mais tarde, em alguma área da nossa vida.

Um dia, esse esforço aparentemente sem frutos, permitirá que você seja capaz de
captar melhor a beleza de um determinado autor, ou o sentido de um filme, de uma peça
de teatro, ou, quem sabe, a solução de um determinado problema, ou até mesmo obter
uma faculdade inesperada.

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Todas as vezes que você realiza um esforço de atenção com o único desejo de se tornar
mais apto para captar a verdade, você adquire maior aptidão, ainda que esse esforço
não produza, de momento, frutos visíveis.

Se o que move você é um desejo sincero, se o objeto do seu desejo é realmente a


verdade, o desejo de verdade vai produzir, necessariamente, verdade.

E há um verdadeiro desejo quando há esforço de atenção.

Repito: ainda que os esforços de atenção sejam aparentemente estéreis


durante anos,
um dia uma luz exatamente proporcional a esses esforços vai surgir. Porque cada
esforço aumenta um tesouro que nada no mundo pode arrebatar, que nada no mundo
pode arrancar de nós.

Você certamente conhece a história do Cura D’Ars, São João Maria Vianney. Esse santo
teve uma vida muito curiosa. Tentou, durante anos, aprender latim, filosofia, teologia… e
todos os seus esforços foram inúteis, porque aprendeu algumas coisas, mas sempre de
forma medíocre. Ele viveu entre o final do século 18 e início do século 19. Chegou a ser
expulso do seminário, porque não conseguia aprender nem mesmo o básico. Era
considerado um insignificante, um estúpido. Não que não se esforçasse. Esforçava-se
— e muito. Mas os resultados eram pífios.

No fim, acabou sendo ordenado padre por deferência de um bispo, que percebeu que
ele podia não ser um homem brilhante, de grande inteligência, mas tinha lá suas
qualidades.

Pois
bem, os dolorosos anos que ele passou estudando, de forma sincera e humilde,
produziram fruto. Ou seja, o exercício para desenvolver a faculdade da atenção deu
frutos. E ele se transformou num homem de discernimento incrível. Os biógrafos dizem
que ele olhava uma pessoa e sabia exatamente o que se passava dentro dela, os seus
problemas, as suas angústias, as suas dúvidas. De maneira que, em pouco tempo,
multidões imensas começaram a procurar por ele na cidadezinha de Ars… E a procura
foi tão grande, que o governo precisou construir uma linha de trem que chegasse até ali.

Não foi um homem culto. Não foi um filósofo ou um teólogo. Mas a faculdade da atenção
produziu frutos em outra área da vida dele, dotando o Cura D’Ars de uma intuição
inigualável, de um discernimento genial.

Simone Weil diz que outro aspecto importante do desenvolvimento da atenção é se


obrigar a olhar de frente os nossos erros. Cada exercício de leitura
ou de escrita que
fizemos mal, que, depois, quando refletimos sobre o resultado, consideramos medíocre,
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cada exercício deve ser examinado com carinho. E precisamos agir assim porque a
grande tentação é sempre fazer vista grossa para nossos próprios erros.

Estamos sempre arrumando desculpas para tudo, não é mesmo, Flávio Felipe Ribeiro?
Somos especialistas nisso, em arrumar desculpas. Estamos sempre nos protegendo
detrás de uma desculpa… Sempre tentando esconder — dos outros e de nós mesmos
— as nossas deficiências.

Mas se não prestamos atenção aos nossos próprios limites, se fugimos desse gesto de
humildade, se nos comportamos como arrogantes, bom… perdemos a chance de
aprender muitas coisas.

É fundamental olharmos para nossos erros, nossas deficiências, sem piedade. Ou


melhor, sem autopiedade.

Todos somos, em alguma medida, medíocres. Então, para se aperfeiçoar, não há melhor
caminho do que conhecer nossa própria
mediocridade, conhecer nossos limites, nossas
deficiências.

Mas Simone diz que não devemos confundir a atenção com algum tipo de esforço físico,
muscular. Quando dizemos “prestar atenção”, esforçar-se para prestar atenção, não
estamos nos referindo a um esforço físico. Trata-se, ao contrário, de abrir a alma, a
mente, a inteligência, para o desejo de conhecer, para o desejo de aprender. E para que
esse desejo se concretize, é preciso que exista prazer, que exista alegria. A alegria de
aprender e de melhorar deve ser o nosso prazer. Não se trata de uma questão de força
de vontade, mas de desejo.

A atenção é um esforço, sim, é verdade. Mas é um esforço, digamos, negativo. A


atenção não depende do cansaço, do esgotamento físico ou do esgotamento mental. E
quando o cansaço se apresenta, então é preferível parar, buscar uma distração.
Paramos e depois recomeçamos, com prazer, com alegria, com atenção. Trinta
minutos
de atenção intensa, mas sem fadiga, valem mais do que três horas se chicoteando para
se concentrar.

Essa atenção é uma espécie de suspensão do pensamento — deixar o pensamento


disponível, vazio, aberto para que a nossa mente seja penetrada pelo objeto dos nossos
estudos. E, ao mesmo tempo, manter presentes os elementos da nossa inteligência que
podemos e devemos usar nos exercícios de leitura, de estudo, de escrita.

Temos um objetivo, nos colocamos diante dele vazios de preocupações — e, ao mesmo


tempo, vibra dentro de nós tudo o que somos, tudo o que já aprendemos, tudo o que
sabemos e que pode se referir, de alguma maneira, ao objeto da nossa atenção.

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Tentamos alcançar nosso objetivo — e ao mesmo tempo esperamos. Buscamos e


esperamos, sem angústia, sem ansiedade.

Acontece isso comigo sempre que leio ou que começo a escrever um texto. Depois de
certo tempo, quando fico cansado, quando as ideias
parecem falhar, abandono o que
estou fazendo por alguns minutos, às vezes por horas, e vou cuidar de outra coisa.
Posso lavar louça, sair para caminhar, fumar tranquilamente… E quando retorno, vejo as
coisas de forma diferente, tudo se mostra claro.

As ideias surgem porque há todo um esforço de atenção acumulado ao longo de anos.


Da primeira aula em que você foi alfabetizado até o último livro que leu, tudo está ali,
presente, vibrando dentro de você. 

Mas Simone Weil vai ainda mais longe: para ela, no domínio da inteligência, poder de
atenção e humildade são a mesma coisa.

Isso é algo difícil de aceitar no mundo moderno, em que há um constante enaltecimento


do “eu”, do “ego”. Falar em humildade, nos dias de hoje, em certos círculos,
principalmente em certos círculos intelectuais, pode condenar o sujeito a ser
apedrejado. Mas Simone está certa: poder de atenção e humildade são a mesma coisa.

O que
importa é sermos sinceros, verdadeiros, conhecedores dos nossos limites — e
alegres, confiantes, abertos ao mundo, às pessoas, à realidade.

Simone dizia mais, Flávio Felipe Ribeiro. Dizia que “a atenção é a forma mais rara e
pura de generosidade”.

E você, o que tem feito da sua atenção?

Espero que você tenha uma ótima semana.

Com meu forte abraço,

Rodrigo Gurgel

 
 

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