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Hegel e o Estado. Captulos 01 02 e 03. WEIL PDF
Hegel e o Estado. Captulos 01 02 e 03. WEIL PDF
Hegel e o Estado. Captulos 01 02 e 03. WEIL PDF
Editor
Edson Manoel de Oliveira Filho
Gerente editorial
Bete Abreu
Revisão técnica
Marcelo Perine
Revisão
Paulo Furstenau
Capa éprojêto grãfico
Maurício Nisi Gonçalves / Estúdio É
Pré-impressão e impressão
Prol Editora Gráfica
TR A D U Ç Ã O
CAR.LOS NOUGUÉ
R e a liz a ç õ e s
E d ito ra
*4 *
1.0 L ugar H istõrico da
Filosofia P olItica de H egel
Apesar de toda uma série de bons livros aparecidos ao lon
go dos últimos trinta anos, tanto na Alemanha como na Fran
ça, Hegel é de todos os grandes filósofos o menos conhecido,
ou, ao menos, o mais mal conhecido. Isso não impede, de
modo algum, que certa imagem dele se tenha estabelecido so
lidamente, um desses retratos que deixam atrás de si os gran
des pensadores - historicamente grandes justamente porque
deixaram tais retratos, que agem muito mais à maneira de um
ideal muito mais que à maneira de um conceito. Assim como
Platão é o inventor das ideias e do gênero de amor que toma
seu nome, assim como Aristóteles é o homem da lógica for
mal e da biologia, e Descartes é o herói da clareza, e Kant é o
rigorista, Hegel é o homem para o qual o Estado é tudo, o indi
víduo nada, a moral uma forma subordinada da vida do espí
rito: em uma palavra, ele é o apologista do Estado prussiano.
Certamente, sabe-se que Hegel se voltou para outros pro
blemas, que ele foi, como se diz, panlogista, que ele elaborou
uma filosofia da natureza declarada romântica e de todo in
compreensível, pior que isso, não científica, que ele deu cur
sos sobre a filosofia da religião, sobre a estética, sobre a histó
ria; sabe-se ainda que seus livros exerceram uma influência
amiúde decisiva, seja diretamente, seja fixando o pensamento
de autores que se caracterizam por sua oposição às soluções
hegelianas, mantendo com respeito aos problemas, porém,
quase inconscientemente, a forma que Hegel lhes dera; po
der-se-ia dizer que, para combater as ideias de Hegel, seus
adversários se servem ainda de suas categorias. Mas isso são
lembranças da história da filosofia: a medalha que circula en
tre o grande público (que, ao fim e ao cabo, termina por ser o
público tout court) é cunhada com os traços do prussiano, do
reacionário, do inimigo inconciliável dos liberais, do homem
mais criticável, mais detestável para todos os que constituem
no século XIX a “esquerda”. Seria uma temeridade querer cor
rigir tal imagem.
Sem dúvida, é fácil citar fatos para justificar tal tentativa.
Hegel, por exemplo, foi um dos censores mais duros da Prús
sia no momento em que, no fim de sua juventude, ele se volta
para os problemas políticos, abandonando o domínio da teo
logia, que tinha sido o seu anteriormente.1Concluir-se-á que a
* É F ich te q uem , em c e rto m o m e n to d e su a carreira, teria d ire ito , m u ito m ais
q u e H egel, ao titu lo d e filósofo d o E sta d o p ru ssia n o , se se p en sa n o E sta d o p o
licial, feito d e reg u lam en to s, d o m in a d o p o r u m a a u to rid a d e cen tral e ab so lu ta.
H eg el escarnece d e tal reg u la m e n ta ç ã o d e to d o s o s d e ta lh e s d a v id a , d e sd e o
artigo so b re "A D ifere n ç a e n tre o S istem a d e F ic h te e o d e S chelling” (1 8 0 1 ),
ed. L asson, p. 6 4 ss e p . 6 7 , n o ta , a té a F ilosofia do D ireito (abr.: P h D ), prefácio,
p. 14 ss, ed. L asson, 3* ed . O tex to d a C onstituição p ro v a q u e o p e n sa m e n to ,
e n ão apenas o gosto, d e H e g e l recu sa o E sta d o d a a u to c ra c ia fre d e riq u ia n a e
p ó s-fred eriq u ian a {La C o n stitu tio n d e l A
’ llem agne, ed . Lasson, 2 a ed., p . 3 1 ): “É
in fin ita a diferen ça e n tre u m p o d e r estatal (.Staatsgew alt) d e tal m o d o a rra n ja d o ,
q u e tu d o aq u ilo c o m q u e eic p o d e c o n ta r se e n c o n tra e m su as m ãos e, e m c o n
trap artid a, ju sta m e n te p o r causa d isso , n ã o p o d e c o n ta r c o m n a d a alé m d isso ,
e (u m p o d e r estatal) q u e , a lé m d o q u e te m nas m ãos, p o d e a in d a c o n ta r c o m
a livre adesão, c o m o o rg u lh o (Selbstgefliht) e o p ró p rio esforço d o p o v o , n u m
esp frito o n ip o te n te e in vencível q u e esta h ie ra rq u ia e x p u lso u e q u e só é vivo
aii o n d e o p o d e r su p re m o deixa o m á x im o possível (os negócios, o s assuntos)
à p ró p ria iniciativa {Besorgung) d o s cidadãos. A p reen d er-se-á a p en as n o fu tu ro
c o m o , e m tal E stad o m o d e rn o o n d e tu d o é reg u lad o d o alco, o n d e n a d a q u e
p o ssu a u m lad o universal é e n tre g u e à a d m in istra ç ã o e à execução pelas p a rte s
d o povo q u e nele estão interessadas — cai é a fo rm a q u e se d e u a R ep ú b lica
francesa — (co m o em cal E stad o ) se e n g e n d ra rá u m a v id a seca e te d io sa (lie.:
d e c o u to ) e sem espfrito, se esse to m pcdaneesco d o g o v e rn o p o d e m an ter-se;
ora, q u e g énero d e v id a e q u e secu ra d o m in a m e m o u tr o E stad o , reg u lad o d a
m esm a m an eira, n o E sta d o p ru ssia n o , isso im p re ssio n a c a d a u m , assim q u e
ele e n tre n o p rim eiro p o v o a d o d este E stado, o u aq u e le q u e veja aí a fâlta to ta l
d e g énio científico e a rtístico , o u a q u e le q u e n ã o c o n sid e re a força (prussiana)
seg u n d o a en erg ia efêm era à q u a l u m g é n io iso lad o a so u b e fo rçar p o r c e rto
14 1 HegeleoEstado
Prússia que ele tinha então em vista não era a Prússia que, de
pois, ele citou como exemplo,*2ao passo que é a primeira a for
necer a imagem popular deste Estado. Acrescentar-se-á que a
Prússia histórica, a de Frederico Guilherme IV, a dos Guilher
mes, a que foi o centro do III Reich, não tinha o sentimento de
dever muito ao filósofo: ao contrário, morto este, o governo
real fez tudo o que podia para acabar com sua influência, cha
mando o velho Schelling a Berlim, excluindo os hegelianos das
cátedras; e que, em suma, Hegel a partir da Revolução de julho
de 1830, teve enorme influência no mundo inteiro - menos na
Prússia: inferir-se-á disso que a Prússia real não se reconhece
no pretenso retrato traçado por Hegel, que este o terá pintado
mal, ou que ele o terá pintado muitíssimo bem.3
161 HegdeoEstado
mais, todo o mundo está de acordo: olhemos o velho liberal
que é Haym* - sem falar de espíritos de menor estatura, mas
de não menos influência, como Welcker ou Rotteck, líderes
do Partido Constitucional da Grande Alemanha olhemos
a extrema esquerda com os Bauer e seu grupo: seu veredicto
é unânime.67 Voltemo-nos para a direita, para Schelling, para
os herdeiros do romantismo, para a escola histórica de Savig-
ny; se para eles Hegel não está do seu lado,8 é porque ele não
acompanhou o tempo - pois a “direita” sempre é compos
ta de pessoas que creem ter enfim compreendido a verdade
eterna é porque ele não captou as aspirações de uma épo
ca renovada, purificada dos miasmas do século XVIII: ainda
para eles, Hegel é um retardatário.
Um só texto, portanto, é exceção. Eis do que se trata: al
guém publicou um artigo em que se fala de Hegel; o artigo
aparece num jornal e, por estarmos em 1870 e Hegel estar es
quecido na Alemanha, o editor julga por bem mandar acres
centar uma nota para dizer que Hegel é conhecido do grande
público como aquele que descobriu e glorificou a ideia “real-
prussiana” de Estado. Depois disso, o autor do artigo se abor
rece e escreve a um amigo comum:
20 [ Hegel eo Estado
pedra. Mas Hegel não parece ter abandonado nunca a m enor
parcela do essencial de sua teoria.
2 2 1 HegeleoEstado
e ainda muito lentamente - um direito, um sistema admi
nistrativo local e nacional que não estejam inteiramente nas
mãos das corporações e das grandes famílias, ao passo que a
Prússia mantém em suas províncias ocidentais praticamente
todas as instituições do Império Napoleônico e empreende a
modernização de suas outras possessões.
2 4 1 Hegel e o Estado
desenvolveu um quadro de funcionários profissionais,
porque o direito não está codificado, mas permanece como
segredo e como propriedade de uma corporação, porque
a Coroa é demasiado fraca para permitir a transformação
necessária das instituições sem choques nem violência.17
No continente, declara Hegel, realizou-se há muito tempo
o que os ingleses buscam às cegas: em outras palavras, a
Prússia é para ele o modelo da liberdade realizada, ao me
nos quanto aos princípios, o Estado do pensamento, da li
vre propriedade, da administração que só depende da lei, o
Estado de direito. Em 1830 como em 1818, Hegel considera
pois a Prússia como o Estado moderno por excelência (o
que parece exato do ponto de vista do historiador), e a vê
assim porque a vê fundada na liberdade.
32 | Hegdeo Estado
A vida do homem é racional, e ele sabe que é assim, ainda
que esse saber só seja (e continue sendo desde sempre) o que
dá o sentimento de sua relação imediata ao mundo moral.
Se nos interessássemos sobretudo pela ontologia hege-
Liana ou pelo fundamento ontológico de sua política, insisti
ríamos no fato de que o emprego dos conceitos de sentimento
e de saber imediato (o termo se encontra mais adiante em
nosso texto) mostra por si só a necessidade da passagem
do mundo moral e do sentimento ao Estado. Mas o que nos
importa a este respeito é outra coisa: o mundo no qual os
homens vivem, no qual eles se sabem nesse mesmo mundo
(pois mesmo seus descontentamentos só têm sentido com
relação a ele), esse mundo é racional, as leis desta vida são
cognoscíveis, e elas o são eminentemente , porque é nelas que
a razão não só se realiza (ela se realiza também em todas as
partes alhures), mas ainda acaba por saber qiie se realiza.
A teoria do Estado, do Estado que é, não de um Estado ideal
e sonhado, é a teoria da razão realizada no homem, realizada
p o r ela mesma e para ela mesma.
Uma teoria, não um desejo, uma investigação do Estado:
pode-se buscar o bom Estado porque há Estado; mas o que se
busca sob o nome de Estado bom nunca é senão o Estado tout
court, tal como é em si mesmo pela razão. Mais ainda, esta
investigação só poderia ser uma procura teórica, uma busca
do que é real: a ciência, e é de ciência que se trata, ocupa-se
do que é; “a filosofia é sua época captada pelo pensamento”.9
E, todavia, diz Hegel, se se desse ouvido aos que requerem
ou propõem teorias novas e originais do Estado, acreditar-se-ia
“que não teria havido ainda pelo mundo Estado ou cons
tituição de Estado, e que não existiriam no presente, senão
que se deveria começar do começo agora - e esse agora dura e
persiste - , que o mundo moral esperaria o tempo todo que se
procedesse agora à elaboração e à análise e à construção dos
Que isso não queira dizer, que isso não possa querer dizer
que qualquer Estado é o Estado perfeito, que qualquer Esta
do tem razão em tudo o que faz, que o indivíduo sempre tem
de ter obediência cega, isso já decorre dos textos que citamos
mais acima13e que indicam com evidência que a lei, se é rea
lidade no sentido mais forte, é também a realidade menos es
tranha ao homem: na concepção hegeliana, toda a história é
esta reconciliação entre o indivíduo e o universal.
3 4 1 Hegeleo Estado
Dado, porém, que é sobre esse ponto que se baseia a maior
parte dos ataques dirigidos contra o conformismo de Hegel,
será útil apresentar alguns outros textos que mostram que ele
soube tirar todas as consequências de seu princípio.
“Quando se fala da ideia de Estado, não se devem repre
sentar Estados particulares nem instituições particulares;
deve-se contemplar a ideia, o Deus real (wirklich) à parte (für
sich). Todo Estado, ainda quando fosse declarado mau segun
do os princípios que se tenham, ainda quando se lhe reconhe
cesse tal imperfeição, todo Estado, particularmente quando é
do número dos Estados desenvolvidos de nosso tempo, traz
em si momentos essenciais de sua existência. Dado, todavia,
ser mais fácil encontrar defeitos que compreender o positivo,
incorre-se demasiado facilmente no erro de se fixar em lados
isolados e de esquecer o organismo do Estado. O Estado não
é uma obra de arte; ele se ergue no mundo, partindo, na esfe
ra do arbitrário, do acaso e do erro, e uma má conduta pode
desfigurá-lo sob muitos aspectos. Mas o homem mais feio,
o criminoso, o aleijado e o doente são ainda homens vivos;
a vida, o positivo, perdura apesar do defeito, e se trata aqui
desse positivo.”14 ,
A volta para o interior (Hegel fala do indivíduo que se afas
ta do Estado, em particular de Sócrates como aquele que opõe
14 E ste é u m dos aden d o s q u e os p rim e iro s ed ito res das O brai C om pletas extraí
ra m dos cursos d e H egei. N ó s o citam o s p o rq u e os textos seguintes g a ra n te m
q u e a expressão está to ta lm e n te d e a c o rd o co m as o p in iõ es d e H eg e l — “B ei
d er Id ee des Staates m uss m an n ic h t besondere Staaten vor A ug en haben, n ic h t
besondere In stitu tio n en , m an m uss vielm eh r die Idee, diesen w irklichen G ott,
f i i r sich betrachten. Jeder S ta a t, m an m ag ih n auch nach den G rundsätzen, d ie
m an h at, fü r schlecht erklären, m a n m a g diese oder je n e M a n g elh a ftig keit daran
erkennen, h a t im m er, w enn er n a m en tlich z u den ausgebildeten unserer Z e it ge
hört, d ie w esentlichen M o m en te seiner E xisten z, in sich. W eil es aber leichter is t
M ä n g el a u fzu fin d en , als das A ffirm a tiv e z u begreifen, verfä llt m an leich t in den
Fehler, über ein zeln e S eiten den inw en d ig en O rganism us des Staates selbst zu
vergessen. D er S ta a t ist kein K unstw erk; e r steh t in d er W elt, so m it in d er Sphäre
der W illkür, des Z u fa lls u n d des Irrtu m s, übles B enehm en ka n n ih n nach vielen
Seiten defigurieren. A b er d er hässlichste M ensch, der 'Verbrecher, ein K ranker u n d
K rüppel ist im m er noch ein lebender M ensch; das A ffirm a tive, das Leben, besteht
tro tz des M angels, u n d um dieses A ffirm a tiv e ist es h ier z u tu n . “P hD , A cr. ao §
2 5 8 , ed. Lasson, p. 3 4 9 ss.
13 "... in Epochen, uro das, w as als das Rechte u n d G ute in der 'W irklichkeit u n d
S itte gilt, den besseren W illen n ich t befriedigen ka n n; w enn d ie vorhandene W elt
d er F reiheit ih m ungetreu gew orden, fin d e t er sich in den geltenden P flichten n ich t
m ehr. "P h D , § 138.
,s "Eine Rechtsbestim m ung ka n n sich aus den U m stän d en u n d vorhandenen Rechts
in stitutionen als vollkom m en gegründet u n d k o n seq u en t zeigen lassen u n d doch
an u n d fü r sich unrechtlich u n d unvernünftig sein. ” P hD , § 3. Cf. T am b d m § 30.
17 "D ie p o sitive Rechtsw issenschaft... darf... sich w enigstens n ich t absolut verw un
dern, w enn sie es auch als eine Q uerfrage fü r ihre B eschäftigung ansieht, w enn nu n
gefragt w ird, ob denn nach alten diesen Beweisen e in t R echtsbestim m ung v ern ü n f
tig ist. “P hD , § 212.
la ■Dass es nun geschichtlich Z eiten u n d Z u stä n d e von B arbarei gegeben, wo altes
höhere G eistige in der K irche seinen S itz h a tte u n d d er S ta a t n u r ein w eltliches
R eg m en t d er G ew alttätigkeit, der W illkü r u n d L eidenschaft u n d je n e r abstrakte
G egensatz das H a u p tp rin zip d er W irklich keit w ar, gehört in d ie Geschichte. "P hD ,
p. 2 1 5 . § 2 7 0 .
36 | Hegeleo Estado
Estado. 0 Estado empírico pode ser imperfeito, e nem tudo
é sempre o melhor no melhor dos mundos; o direito positivo
pode ser não razoável, o Estado concreto pode ser ultrapassa
do pela história. Permanece a verdade simples de que não se
pode dizer nada de válido antes de saber de que se fala, de que
se não pode julgar os Estados sem saber o que é o Estado.
■ ***
Pode-se afirmar que “nada disso tem sentido”, que não há
Estado em si mesmo, que a ideia de um a política filosófica é
absurda, que não há senão que viver e deixar viver, que todas
as opiniões se equivalem, e que ao fim e ao cabo há apenas o
sucesso que decide - não decide quanto a teorias, pois já não
há teoria, mas quanto à sorte dos indivíduos que se servem
de pretensas teorias. Pode-se, em uma palavra, afirmar que
não há história, mas somente uma sequência de acontecimen
tos destituídos de sentido, porque destituídos de qualquer
estrutura que desse aos acontecimentos coesão e unidade.19
Talvez seja assim, mas então segue-se que aquele que invoca
a violência já não tem direito de protestar contra a violência.
Ê verdade que se pode observar (e amiúde se observou desde
Platão^ que os defensores teóricos da violência tomam o par
tido da moral a partir do momento em que sofrem violência,
e que os que praticam a violência apelam, ao primeiro fracas
so, ao tribunal do fa tu m ou da divindade, do sentido da His
tória, das regras anteriores a toda norm a positiva, sendo os
3 8 1 Hegel eo Estado
a verdade, ele nem sequer se encontra, porque ainda não se
opõe a si mesmo: ele é, e seu ser é ser consciente, não de si,
mas do exterior. É só no momento em que ele começa a se re
fletirem si mesmo , para empregar a curiosa expressão hegelia-
na, em que é relançado sobre si mesmo, que a vontade já não
é somente, mas aparece para o homem mesmo: ele se toma
consciente de si graças ao fracasso, graças à derrota que ele so
fre na luta com outra vontade à qual ele não consegue impor-
se;21 mostrando-se assim ao homem, a vontade se mostra a
ele como pensamento.22Nada mais surpreendente à primeira
vista, nada mais evidente à reflexão: com efeito, a vontade que
é minha, que eu sei ser minha, é o pensamento da negação de
toda condição, é o pensamento de minha liberdade, o pensa
mento cujo dado posso recusar.
Mas, recusando todo dado, toda determinação exterior
(condição natural, necessidade, etc.) e interior (desejo, pen
dor, instinto, etc.), tomando consciência de mim mesmo
como da negatividade livre e da Uberdade negadora, eu en
contro ao mesmo tempo uma nova positividade, tão essencial
quanto essa negatividade: eu nego para pôr, eu sou liberdade
absoltita para me determinar a algo em particular, eu recu
so isto para escolher aquilo, querendo-o até segunda ordem,
sempre certo de poder negar o que eu acabo de escolher, mas
também sempre me determinando em e por esse novo ato da
liberdade. A liberdade, como se proclama hoje em dia, crendo
ter feito uma grande descoberta (ter encontrado uma pana
ceia filosófica) é Uberdade “em situação”.23
40 | HegdeoEstado
livremente, a consciência é consciência de si, mas o homem
em sua vida o ignora; somos nós que constatamos que o ho
mem atingiu uma etapa que o situa acima dos animais, ao
passo que ele tem o olhar fixo no mundo: o homem é livre em
si (ou seja, para nós, que somos filósofos), não por si; ele tem
certeza de sua liberdade, mas não tem ciência dela.
A consciência "normal" detém-se neste ponto. Ela é e não
é senão esta certeza de poder negar todo e qualquer dado,
de poder opor-se a toda e qualquer limitação, de recusar o
que é imposto, ou simplesmente posto, de fora. Aí está o
que explica os protestos que se elevam em todas as partes a
partir do momento em que os termos da vontade racional,
de vontade universal, são introduzidos. Mas tais protestos
esquecem o positivo que está indissociavelmente ligado a
essa negatividade: a vontade tem sempre um conteúdo, e,
enquanto esse mesmo conteúdo não for determinado pela
vontade, enquanto for aceito ao acaso das preferências, dos
gostos, dos caracteres individuais, enquanto for arbitrário,
será verdadeira a tese do determinismo segundo a qual a
negatiyidade não tem nenhum emprego fora da situação
concreta e que esta é dada como são dadas as "reações” do
indivíduo à situação: que eu escolha, isso resulta de minha
liberdade; como eu escolho (a única coisa que importa), isso
depende da causalidade.
Para Hegel, esta verdade relativa do determinismo se fun
da no fato de a vontade individual, tal como ela se concebe
a si mesma aqui, não ainda, propriamente falando, vontade
humana, de ainda ir imediatamente a seu objetivo, de não ser
mediatizada pela razão que age, pela organização consciente
da vida em comum, em suma, pelo fato de ser natural (como
tudo o que não é mediatizado). É necessário um novo passo, e
a vontade deve captar-se como vontade que não quer somente
tout court, senão que quer a liberdade. Só quando se dá seu
conteúdo é que a vontade realiza a liberdade: ora, o conteúdo
de uma vontade livre e que não depende de um dado só pode
ser a liberdade mesma.
46 | HegdeoEstado
pode estabelecer esta unidade e julgar as pretensões à unida
de. E é este o ponto que é preciso notar: o sujeito tem o direito
-absoluto de ser julgado segundo sua intenção, tem o direito
absoluto de só ser julgado segundo uma lei que ele mesmo re
conheceu, que ele pensou:
“O direito da vontade subjetiva é (exigir) que o que ele
deve reconhecer como válido seja compreendido por ele
como bem.”28
Compreende-se, pois, por que Hegel, por uma vez, fala a
este respeito de Kant com admiração:
“Não foi senão pela filosofia kantiana que o conhecimen
to da vontade ganhou um fundamento e um ponto de partida
sólidos, graças ao pensamento de sua autonomia infinita.”29
E é ainda falando do princípio da vontade individual que
ele reconhece um mérito a Rousseau, que comumente não en
contra muito favor de sua parte.
“Rousseau teve o mérito de estabelecer como princípio do
Estado um princípio que é pensamento não somente segundo
a forína (como, por exemplo, o instinto social, a autoridade
divina), mas segundo seu conteúdo, a Saber, o Pensar {das
Denken) mesmo, ou seja, a vontade.”30
É verdade que em seguida Hegel reprovará a Rousseau o ter
transformado o Estado em contrato, o pensar apenas na von
tade individual e o negligenciar o outro lado da vontade, a ob
jetividade racional; é verdade ainda que a homenagem a Kant
se segue da observação de que o ponto de vista desta moral
® "D as R eche d a su b jek tiv en W ille n s ist. dass das, usas er als g ü ltig anerkennen
soll, von ih m als g u t ein g e se h e n w erde. "P h D , § 132.
29 " ... w ie d en n d ie E rken n tn is d a W illens erst d u rch d ie K a n tisc h c P hilosophie
ih ren fis te n G ru n d u n d A u sg a n g sp u n kt d u rch den G edanken seiner unendlichen
A u to n o m ie gew onnen h a t. "P h D , $ 135.
h a t R ousseau d a s V erdienst g ehabt, ein P rin zip , dtss n ic h t n u r seiner F orm
nach (w ie etw a S o zia litä tstrieb , d ie g ö ttlich e A u to ritä t), sondern dem In h a lte rsach
G e d a n k e ist, u n d susar das D e n k e n selbst, n ä m lich den W ille n als P rin zip d a
Staa ts ausgestellt z u haben. " P h D , § 2 5 8 , p. 196 ss. - O b serv ar-se-á a fó rm u la:
"o p e n sa r m e s m o ”, o u seja, a v o n ta d e .
5 2 1 Hegel eo Estado
funda na fortuna social, na qual a pessoa participa por sua
fortuna pessoal: assim, a sociedade se organiza por e para e no
trabalho: estado (Stand) dos que trabalham em contato ime
diato com a natureza (agricultura)1,estado dos que vivem pelo
trabalho transformando e distribuindo (indústria, comércio),
estado dos que organizam o trabalho social e que são libera
dos de todo trabalho no sentido primeiro e segundo, seja pela
fortuna pessoal, seja pelo tratamento que lhe dispensa a socie
dade. Esses estados são fixos, mas, se a sociedade em que ele
vive é livre, o indivíduo, cada indivíduo pode ter acesso a cada
um deles segundo sua capacidade.
É ainda a sociedade (que Hegel também chama, para opô-
la ao Estado da liberdade e da razão - ver-se-á por quê -, de
Estado da necessidade e do entendimento - Notund Verstan
desstaat) que criou a primeira organização conscientemente
desenvolvida: o sistema judiciário resolve os conflitos entre
as pessoas privadas, a polícia protege os interesses de todos
os indivíduos, as corporações organizam as formas particu
lares de trabalho.
Passemos rapidamente por esta parte, de um lado porque
temos pressa de chegar à teoria do Estado, e de outro porque
voltaremos aos problemas da sociedade a partir da concep
ção de Estado: evitaremos assim a objeção clássica segundo
a qual tudo o que é afirmado da sociedade na Filosofia do Di
reito, ainda que pudesse ser aprovado, não tem consequência,
porquê a teoria do Estado virá suprimir o que a precede. 0 que
se deve pensar desta objeção, já o dissemos mais acima.1Mas
será mais seguro não nos expormos ao risco constituído por
uma tradição bem estabelecida e enfrentarmos antes de tudo
o Estado hegeliano.
' P. 33 e 51 ss.
2 "D er S ta a t ist die W irklichkeit der sittlichen Idee - der sittliche G eist als der
offenbare, sich seihst deutliche, substanzielle W ille, der sich d en kt u n d weiss u n d
das, was er weiss u n d insofern er es weiss, voüführt. A n der Sitte h a t er seine u n m it
telbare, u n d an dem Selbstbewusstsein des E inzelnen, dem Wissen u n d T ätigkeit
desselben seine verm ittelte Existenz, sowie dieses durch die G esinnung in ihm , als
seinem Wesen, Z w eck u n d P rodukte seiner Tätigkeit, seine substantielle Freiheic
hat. “PhD , § 257.
5 "Der S ta a t ist als die W irklichkeit des substanziellen Willens, d ie er in dem zu
seiner A llgem einheit erhobenen besonderen Selbstbewusstsein hat, das an u n d Ju r
sich Vernünftige. Diese substantielle E inheit ist absoluter unbewegter Selbstzweck,
in welchem die F reiheit zu ihrem höchsten R echt kom m t, sowie dieser E ndzw eck
das höchste R echt gegen die E inzelnen hat, deren höchste Pflicht es ist, M itglieder
des Staats zu sein .' P hD , § 258.
5 4 1 Hegeleo Estado
do homem enquanto ele quer racionalmente, enquanto ele quer
(lembremo-nos da definição hegeliana) a vontade livre. E isso
sem nenhuma hipóstase mítica ou mágica: este Estado tem rea
lidade na consciência dos indivíduos, das pessoasyque, por esta
consciência mesma, deixam de ser pessoas puramente priva
das. 0 Estado é real no sentimento patriótico de seus cidadãos,
assim como o cidadão é concretamente livre ao reconhecer no
Estado a liberdade concreta, ou seja (pois é a mesma coisa), o
campo da ação racional: só o Estado tem fins ao mesmo tempo
conscientes e universais; ou melhor, por sua essência, ele tem
mais que fins - tem um só fim, o fim acima do qual nenhum fim
é pensável: a razão e a realização da razão, a liberdade.
Se, ao que parece, o sentido das afirmações hegelianas
é daro, ele, porém, ao menos pareceu amiúde ameaçador.
0 Estado é a razão realizada; enquanto razão realizada, ele é
a liberdade positiva acima da qual nenhuma liberdade con
creta é pensável; contra o Estado não há senão a opinião, o
desejo individual, as platitudes do entendimento: que resta
do que ordinariamente se entende por liberdade? Pouca coi
sa, dir-se-á. A vontade individual já não conta, ao menos se a
vontade individual é o que ela crê ser. A consciência moral é
aufgehoben, sublimada, realizada, mantida, tudo o que se qui
ser, mas ela também deixou de ser a instância suprema.
***
Nada talvez seja mais apto para ilustrar neste ponto a ati
tude de Hegel que sua teoria da relação entre o Estado e a reli
gião. A religião, com efeito, afirma que a Verdade reside nela,
que todo ato humano está sob a jurisdição de seu tribunal, que
a fé, o coração e a consciência não podem reconhecer nenhum
juiz terrestre. A analogia entre os problemas religiosos e os
morais é impressionante.
É evidente que não poderiamos entrar aqui na discussão
da posição religiosa de Hegel.4 Se ele foi cristão ou ateu, isso4
4 A luta entre os hegelianos “de esquerda" e os “de direita" continua nos nos
sos dias. Cf. para a interpretação “ateia”, Kojève, loc, c it.\ para a interpretação
56 J Hegeleo Estado
transcendente, superior em relação ao Estado, pois este não
seria então um Estado cristão.7 A fé do indivíduo é invio
lável, mas somente enquanto ela permanecer fé íntima: a
ação pertence a este mundo. “Não é suficiente que a religião
prescreva: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus; pois se trata preçisamente de saber o que pertence a
César.”®Se, pois, houvesse conflito entre os representantes
da religião e o Estado - conflito que só poderia ser um con
flito superficial, dada a identidade do fundamento - , seria o
Estado que teria de decidir: pois é ele que, contra a imagem
e o sentimento, representa o pensamento e a razão, que é a
realidade (racional) da fé (representativa).
Por isso Hégel, com uma severidade que muito o prejudi
cou na Prússia “cristianíssima” de Frederico Guilherme IV e
dos dois Guilhermes; rejeitou toda e qualquer intervenção da
Igreja nos negócios políticos.
“A religião é a relação com o Absoluto em forma de senti
mento, dé representação, de fé, e em seu centro, que contém
tudo, não é senão enquanto acidental que tudo desaparece
igualmente...” “Dos que buscam o Senhor e se persuadem de
tudo possuir deforma imediata em sua grosseira opinião, em
lugar de se dar ao trabalho de elevar sua subjetividade ao co
nhecimento da Verdade e ao saber do direito objetivo e do de
ver, (desses que assim agem) não pode provir senão a destrui
ção de todas as relações morais, necedade e abominação...”
É verdade que “o Estado não pode ocupar-se do conteúdo
enquanto se relacione com o interior da representação”, que
“a doutrina tem seu domínio próprio na consciência e se man
tém no direito da liberdade subjetiva da consciência-de-si -
7 É em estrita analogia com esta concepção de Estado cristão - que, por cristão,
não tem necessidade de controle religioso - que o Estado de direito e da lei não
conhece, em Hegel, uni poder judiciário como poder constitucional à parte,
precisamerire porque a lei é a alma deste Estado.
a "Es ist n ich t genug, dass in d er Religion geboten ist; Gebt dem Kaiser, was
des Kaisers ist, und Gott, was Gottes ist; denn es h a ndelt steh eben darum
zu bestim m en, was des Kaisers sei, d. i. was dem w eltlichen R egim ente gehöre.
E nciclopédia, ibid.
9 'D ie Religion ist tias Verhältnis zu m A bsoluten in Form des Gefühls, der
Vorstellung, des Glaubens, un d in ihrem altes enthaltenden Z en tru m ist alles n u r
als ein Accidentelles, auch Verschwindendes. ”... "Von denen, d ie den Herrn suchen
u n d in ihrer ungebildeten M einung altes unmittelbar z u haben sich versichern,
sta tt sich die A rb eit aufzulegen, ihre Subjektivität, z u r E rkenntnis der W ahrheit
u n d zu m Wissen des objektiven Rechts u n d der P flicht zu erheben, ka n n n u r
Zertrüm m erung aller sittlichen Verhältnisse, A lbernheit u n d A bscheulichkeit aus
gehen. ”... "A ufden Inhalt, insofern er sich a u f das Innere der Vorstellung bezieht,
kann sich der S ta a t nicht einlassen. " . . . “D ie Lehre selbst aber h a t ih r G ebiet in
dem Gewissen, steht in dem Rechte der subjektiven F reiheit des Selbstbewusstseins, —
der Sphäre der Innerlichkeit, die als solche n ich t das G ebiet des Staates ausm acht. ”
... “D ie E ntw icklung... h a t erwiesen, dass der Geist, als fr e i u n d vernünftig, an sich
sittlich ist, u n d die w ahrhafte Idee die wirkliche V ernünftigkeit, u n d diese es ist,
welche als S ta a t existiert. ” ... "Gegen ihren Glauben u n d ihre A u to ritä t über dos
Sittliche, Recht, Gesetze, Institutionen, gegen ihre subjektive Ueberzeugung ist der
S ta a t vielm ehr das Wissende. ” ... "W eil das, P rinzip seiner Form als Allgem eines
wesentlich der Gedanke ist... "P hD , 5 270.
10 Aí está o fundamento da crítica hegeliana ao catolicismo, que, separando o
sagrado do profano, não permite ao Estado compreender-se como a realização
da razão. “Pode haver uma relação de não liberdade na forma, ainda que o
conteúdo da religião tal como é em si seja o espirito absoluto. ... Na religião
católica, este espírito (no qual Deus é conhecido) é rigidamente oposto na reali
dade ( W irklichkeit) ao espírito consciente-de-si. Antes de tudo, na hóstia, Deus
é apresentado à adoração religiosa como uma coisa exterior, ... Dessa primeira
relação de exterioridade, que é a mais elevada, decorrem codas as demais rela
ções exteriores (que são), portanto, sem liberdade, sem espírito, supersticiosas:
o estado dos laicos que recebem do exterior e de oucro estado o saber da verdade
divina e a direção da vonrade c da consciência moral. ... Ademais, o sujeito
58 j Hegeleo Estado
0 que Hegel diz do sentimento religioso vale para a refle
xão moral. A supremacia terrestre do Estado decorre de seu
conteúdo espiritual: ele realiza soberanamente, porque realiza
o espírito e a liberdade, “o valor infinito do indivíduo”. Pode
haver - já o vimos - Estados tirânicos, Estados injustos, Esta
dos que não atingiram a etapa que é a do espírito de sua época,
e veremos como esses Estados serão arrastados ao tribunal da
história, para nele ser condenados.
renuncia a se dirigir dirctamentc a Deus c roga a outros que roguem por ele.
... A esse princípio, a esse desenvolvimento da não liberdade no domínio da
religião, corresponde no Estado real uma legislação e uma constituição da não
liberdade jurídica c moral (sittlich ) c um estado de coisas feito de injustiça e de
imoralidade... A não liberdade da forma, ou seja, do saber e da subjetividade,
tem por consequência, no que concerne ao conteúdo moral, que a consciência-
de-si não é representada como imanente (i.e., ao conteúdo moral), que ele (i.e.,
esse conteúdo) é representado como transcendente (entrückt) a esta, de modo
que é considerado como verdadeiro somente enquanto negativo com respeito à
realidade da conscíência-de-si. Nesta não verdade, o conteúdo moral se chama
‘o sagrado’. Mas, quando o espirito divino se introduz na realidade, quando a
realidade <í libertada (para ir) para ele, (então) o que deve ser no mundo san
tidade é substituído pela moral concreta (S itd ich keit). ... (Segundo a distinção
católica entre o profano e o sagrado), as leis aparecem como obra humana nesta
oposição contra o que a religião declara sagrado. ... É por isso que de rais leis
(baseadas nos princípios racionais), ainda que seu conteúdo seja verdadeiro,
esbarram na consciência morai (cacólica) cujo espírico difere do espírito das
leis e não as sanciona. ... £ cão somente no princípio (protestante) do espírito
que sabe sua essência, que em si é absolutamente livre e que tem realidade na
atividade de sua própria libertação, 6 tão somente nesse principio que exiscem
a possibilidade e a necessidade absolutas de que o poder do Escado, a religião
e o princípio da filosofia coincidem, que se conclui a reconciliação da realida
de enquanto tal com o espírito, do Estado com a consciência moral religiosa
e também com o saber filosófico. ... Assim a moral concreta do (Sittlichkeit)
Estado e o espírito religioso do Estado constituem um para o outro garantias
mútuas e sólidas”. Enciclopédia, 3a ed., § 552, particularmente p. 466 e 469
(2a ed. Lasson). —Cf. também Philosophie der Weltgeschichie, ed. Lasson, p.
889, 899 ss, e P hD , § 270, p. 214 ss.
Segundo Hegel, nenhum compromisso é possível entre a transcendência ca
tólica e o Estado moderno, que não é moderno e Estado da razão senão na
medida em que realiza na realidade viva o que a religião opõe como princípio
transcendental à vida terrestre. Não hí, para Hegel, Estado católico e racional
mente livre, porque a consciência católica considera o Estado como essencial
mente imoral (ou amoral): a liberdade poderá ser imposta a um povo católico,
mas, enquanto imposta, não será reconhecida como moral (» realização da
liberdade). - Qualquer que seja o julgamento que se faça desta apreciação, ela
mostra que Hegel está muito longe de conceber o Estado como aparelho de
poder: a autoridade exterior e a falta de uma moral da liberdade caracterizam
para ele o Escado defeituoso.
11 "D ie V ernünftigkeit besteht... konkret dem In h a lte nach in der E inheit der ob
jek tiv en F reiheit, d. i. des allgem einen substantiellen W illens, u n d der subjekti
ven F reiheit als des individuellen Wissens u n d seines besondere Zw ecke suchenden
W ilens — u n d deswegen der Form nach in einem nach gedachten, d h. allgemei
nen Gesetzen a n d G rundsätzen sich bestim m enden H andelns. "PhD, § 258.
60 | Hegeleo Estado
os apotegmas da natureza e do homem natural.... M. de Haller
teria devido lamentar como a mais dura das punições divinas
ele ter-se extraviado (da via) do pensamento e da razão, da
veneração das leis-e do conhecimento (que ensina) que é de
importância infinita, que é divino (saber) que os deveres do
Estado e os direitos de cidadãos, assim como os direitos do
Estado e os deveres dos cidadãos, são determinados pela lei -
ter-se extraviado a ponto de tomar o absurdo por palavra de
Deus.... G ódio à lei, ao direito fixado pela lei, é o Schibboíeth12
que revela e faz conhecer infalivelmente o que são o fanatis
mo, a idiotice e a hipocrisia das boas intenções”.13
A essência do Estado é a lei, não a lei do mais forte, a lei do
capricho, a lei da “generosidade natural”, mas a lei da razão
em que todo ser racional pode reconhecer sua própria vonta
de racional. É verdade que o Estado se apresenta nas esferas
do direito privado, da família e até da sociedade do trabalho
como uma necessidade exterior, como um poder superior;
mas, “por outro lado, ele é seu fim imanente, e sua força re
side na unidade de seu fim último universal e dos interesses
particulares dos indivíduos, no fato de eles terem deveres para
com ele na medida em que, ao mesmo tempo, têm direitos.
... Escravos não têm deveres, porque eles não têm direitos, e
vice-versa”.14
12 Cf. Jz 12,5-6,
13 “D as W ort Gottes unterscheidet vielm ehr seine O ffenbarungen von den
Aussprüchen der N a tu r un d des natürlichen M enschen sehr ausdrücklich. ”... "Hr.
v. H . hätte es aus R eligiosität vielm ehr als das härteste Strafgericht Gottes bewei
nen müssen, —denn es ist das H ärteste, was dem M enschen widerfahren kann, —
vom D enken u n d der V ernünftigkeit, von der Verehrung der Gesetze u n d von der
E rkenntnis, w ie unendlich wichtig, göttlich es ist, dass die P flichten des Staates u nd
die Rechte der Bürger, w ie die Rechte des Staats u n d d ie Pflichten der Bürger ge
setzlich bestim m t sind, sow eit abgekomm en zu sein, dass sich ihm das Absurde fü r
das Wort Gottes unterschiebt. f>... “Der Hass des Gesetzes, gesetzlich bestim m
ten Rechts ist das Scbiboleth, an dem sich der Fanatism us, der Schwachsinn un d
die Heuchelei der guten Absichten offenbaren u n d unfehlbar zu erkennen geben. ”
P hD , § 258, nota no fim do §.
14 “Andrerseits ist er ih r immanenter Z w eck u n d hat seine Stärke in der E inheit
seines allgem einen Endzw ecks u n d des besonderen Interesses der Individuen * dar
in , dass sie insofern Pflichten gegen ihn haben, als sie zugleich Rechte haben. ...
Sklaven haben deswegen keine P flichten, w eil sie keine Rechte haben; u n d umge
kehrt. "PhD, § 261.
15 "Das Gewissen ist daher diesem U rteil unterworfen, ob es wahrhaft ist oder
nicht, u n d seine B erufung n u r auf sein Selbst ist unm ittelbar dem entgegen, was
es sein w ill, die Regel einer vernünftigen, an u n d fü r sich gültigen allgem einen
H andlungsweise. D er S ta a t kann deswegen das Gewissen in seiner eigentüm li
chen Form, d. i. als subjektives Wissen nicht anerkennen, so w enig als in der
W issenschaft die subjektive Meinung, die Versicherung u n d Berufung a u f eine
subjektive M ein u n g eine G ültigkeit hat.” P hD , % 137.
Iä "W er in dieser W irklichkeit handeln w ill, h a t sich eben damit ihren Gesetzen
unterworfen, u n d das Recht der O b jektivitä t anerkannt,” P hD , § 32. '
18 Gostaríamos, uma vez mais, de remeter a Malinowski, loc. cit., onde se en
contrará uma excelente crítica da concepção negativa de liberdade e uma ótima
exposição da liberdade “positiva”, ambas fundadas numa reflexão científica que
se toma filosófica apesar dela mesma e sem que se perceba.