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F im do milênio mistura terror e utopia

A ntônio Araújo

F
im dos tempos ou começo de uma nova era? A crença no fim dos tempos parece dizer
Este final de milênio parece conter ambos respeito não apenas à ansiedade provocada por
os comportamentos: o temor da aniquila- uma data numérica no calendário, mas também
ção total e a utopia de uma nova civiliza- a essa nossa própria condição. Aqui, os horizon-
ção. Daí o interesse em investigar esta zona tes individuais e coletivos se interceptam. À per-
de tensão e ansiedade em que vivemos, em to- cepção subjetiva da passagem do tempo, do en-
das as suas contradições. velhecimento e morte que cada um de nós vi-
Não acredito em transformações milagro- vencia, mistura-se um sentimento coletivo, uma
sas nem em recompensa dos Eleitos. Mas me consciência universal sobre o confronto com a
intriga essa idéia de um Julgamento Final, de Morte e a transitoriedade. Um final de milênio
uma punição final e todos os temores por eles parece nada mais fazer do que intensificar e
provocados. E é curioso que se tal idéia instiga ampliar essas percepções.
o desejo e a urgência por uma purificação e con- Vivo sentimentos confusos em relação ao
seqüente salvação, ao mesmo tempo, vê-se uma próximo século. Não me sinto totalmente con-
crescente onda de barbarismo e violência. Atos fiante em relação ao futuro, mas resisto a acre-
terroristas, crimes em massa, guerras étnicas es- ditar em profecias de destruição. Nem Nova Je-
tão na ordem do dia. rusalém, por um lado, nem Queda da Babilônia
E guardo até hoje o sentimento de per- por outro. Espero, na verdade, que possamos,
plexidade e horror quando li, numa banca de com essa pesquisa, mais do que pintar quadros
jornais, sobre a “queima” do índio pataxó em de salvação ou destruição, questionar e refletir
Brasília por um grupo de jovens de classe mé- sobre a dialética de esperança e temor, presente
dia. A violência gratuita, sem causa e justificati- nos últimos anos deste nosso findante milênio.
va, lança-nos na região do absolutamente in- E o que talvez esse trabalho proponha seja, de
compreensível e confronta-nos com a questão fato, um mergulho nesta época de confusão e
do Mal. Decadência de valores? Manifestações crise, nesse tempo de transição e, em última ins-
da Besta Apocalíptica? Ou simplesmente traços tância, um confronto com a inevitabilidade dos
característicos, ainda que indesejáveis, da con- nossos próprios apocalipses pessoais.
dição humana?

Antônio Araújo é professor do Departamento de Artes Cênicas da ECA-USP e encenador.

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