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O Câncer na Visão de Pietro Ubaldi

Por Gilson Freire

(Palestra proferida no XIX Seminário Pietro Ubaldi, no dia 4 de agosto de 2012, em Belo Horizonte, MG e repetida no XV
Congresso Brasileiro Pietro Ubaldi, em Rio Verde, em agosto de 2013 - se desejar assisti-la acesse:
http://www.youtube.com/watch?v=vHrzHSjwKTo&feature=c4-overview&list=UUJgBaGm8XEEkVKTZDaaGQTQ

“Nenhum problema pode ser verdadeiramente resolvido, se não partirmos de uma orientação cósmica que o enquadre no
funcionamento orgânico do Todo” - Pietro Ubaldi 5

INTRODUÇÃO
O câncer é uma das mais intrigantes patologias que ameaçam a vida e a felicidade humana na Terra. Provocando
deformidades indescritíveis, desorganizando anatomias muito bem estabelecidas e devorando destinos, essa estranha
doença não pôde até então ser devidamente compreendida e controlada pelo homem. A ciência busca desvendar sua
origem e sua fisiopatologia, a fim de estabelecer métodos terapêuticos eficazes em seu combate e prevenção,
procurando no cerne da própria matéria as razões últimas de seu desenvolvimento. Enquanto as chamadas ciências
espiritualistas, entre elas a Doutrina Espírita, estabelecem explicações outras, todas calcadas no campo sutil do espírito
e no desvio de seu comportamento moral, tem-se a nítida impressão de que as grandes religiões oficiais não se
manifestam, talvez por entender que tal dramática enfermidade não diga respeito ao Criador, tratando-se nada mais que
acidentes próprios da vida na matéria.
E o que nos disse Pietro Ubaldi, um dos mais eminentes enviados do Cristo entre nós? No capítulo V de sua 13ª obra,
Problemas Atuais, utilizando como guia a mais abrangente e espetacular visão da fenomenologia universal, o sábio
missionário empreendeu interessante análise da patogênese (estudo da origem e da evolução das enfermidades) do
câncer, como nenhum outro pensador até então o fez. Por isso, vale a pena ressaltarmos para o estudioso do espírito as
ricas considerações que o profeta da Nova Era legou-nos.

Antes de penetrarmos, contudo, nas ponderações de Ubaldi, convém conhecermos, ainda que sucintamente, um pouco
da história dessa intrigante patologia, o que nos diz a ciência atual sobre sua patogênese, as pertinentes revelações da
Doutrina Espírita e um pouco das interessantes conjecturas acenadas pela homeopatia.
Tina já era uma senhora madura. Ainda criança, recebera esse apelido de sua bisavó, uma velha italiana que
mantinha vivo o sotaque de sua terra natal e insistia em trocar “Betinha” por “Betina”. Casada, com dois filhos,
acabara de ganhar a primeira neta e se encontrava sobremodo feliz. Vivendo em uma cidade interiorana, Tina era
uma pessoa de comportamento impecável. Amada e admirada por todos que a conheciam, os familiares tinham-
lhe verdadeira paixão. Boníssima, não sabia medir esforços para ajudar qualquer um que necessitasse.
Sobrinhos, irmãos, cunhados, sogros e pais, tios e avós ofertavam-lhe nada mais que elogios e agradecimentos.
Adorava bordados e passou a frequentar uma sala de serviços voluntários no grupo espírita de sua cidade,
produzindo trabalhos manuais, enriquecidos pelo seu carinho, dedicação e vontade de fazer o bem. O futuro
prometia-lhe uma velhice tranquila. Desfrutaria de sua merecida aposentadoria para usufruir dos netos e conviver
com os familiares, aos quais se dedicava como ninguém. Tudo caminhava ao sabor das mais simples e exultantes
promessas da vida. Nem tudo, porém... Um exame ginecológico de rotina identificara uma lesão no colo do útero
que logo revelou sua natureza ameaçadora na lâmina do patologista: um câncer. Era apenas o começo do
drama...

O QUE É O CÂNCER?

Nossas células nascem e morrem em um ritmo assustador. Estudos com radioisótopos demonstram que a cada dois
anos renovamos 80% dos átomos que compõem nosso corpo, comprovando-se o acelerado compasso reprodutivo de
nossas entidades celulares. Por exemplo, as hemácias, as células sanguíneas responsáveis pelo transporte dos gases
circulantes em nosso organismo e uma das mais pródigas em multiplicar-se, são geradas à razão de 300 bilhões de
unidades por dia. Desse modo, a cada sete dias, trocamos completamente os 5-7 litros de sangue que possuímos.

Os ciclos de vida, morte e reposição de nossas células são determinados, segundo o conhecimento médico atual, pelo
DNA, que comandaria, em cada linhagem celular, um próprio e adequado ritmo reprodutivo. No câncer, perde-se esse
controle, levando assim as células a se multiplicarem em uma cadência frenética e desregrada.

Assim, o câncer seria nada mais que o aumento desordenado da multiplicação celular, provocado pela ativação dos
genes estimulantes do crescimento e da divisão celular, ou a perda do controle sobre essa atividade. Estaríamos,
portanto, diante de uma doença de origem genética. No entanto, como já compreenderam os estudiosos, esses genes
que desencadeiam a desordenada tara de multiplicação celular não seriam estranhos ao nosso genoma. São genes
normais que adquirem, em determinada época de nossas vidas, um comportamento distorcido – o que em genética é
chamado de mutação, e o gene mutante, de mutagene. Assim, a doença faz parte da natureza e seria desencadeada
nada mais que por um acidente genético, uma fatídica casualidade a acometer aleatoriamente não só os seres humanos,
mas todo e qualquer ser vivo.

E, de fato, encontra-se comumente o câncer entre os animais, ainda que os silvestres, e até mesmo no reino vegetal.
O câncer na natureza: na raiz de uma planta, em uma pitangueira e em um animal silvestre (da esquerda para a direita).

O aumento do ritmo de crescimento celular segue duas orientações básicas: pode dar-se de forma ordenada, ainda que
aceleradamente, ou ocorrer de maneira completamente caótica. No primeiro caso, temos os chamados tumores
benignos, os quais crescem de forma mais lenta e organizada, não comprometendo sobremodo a saúde humana. O
segundo caso corresponde aos denominados tumores malignos, todos englobados sob a denominação geral de câncer.
Pouco tempo depois de diagnosticado, o tumor cervical de Tina foi removido cirurgicamente. O cirurgião, por
segurança, optou por intervir por via superior, abrindo-lhe a parede abdominal, a fim de lhe permitir maior acesso
à lesão tumoral. E assim foi feito. Ele não economizou seu bisturi e extirpou boa parte dos tecidos adjacentes à
massa tumoral, limpando inclusive o assoalho da bexiga, além de retirar não apenas o colo, mas todo o útero. O
exame anatomopatológico revelou uma massa maligna de menos de dois cm de diâmetro. Boa evolução pós-
operatória. Bom prognóstico. Tudo indicava que o câncer havia sido totalmente eliminado. Todos respiravam
aliviados. O terrível fantasma fora enxotado, ao que parecia.

A célula cancerosa, sempre ávida por crescer ilimitadamente, adapta-se com sabedoria a ambientes orgânicos muito
diferentes de onde partiu, espalhando-se facilmente por todo o organismo – comportamento esse denominado
metástase. Trata-se, portanto, de uma entidade aparentemente muito mais poderosa que uma célula normal, dotada da
mais incrível vontade de viver e de se expandir. E no desempenho desse objetivo, ela se habilita a impressionantes
perícias de sobrevivência e de domínio de suas congêneres normais.

E pode originar-se de qualquer de nossos órgãos. No entanto, sem que se saiba exatamente por que, alguns sítios
mostram-se mais propícios ao seu desenvolvimento, como as mamas nas mulheres, e a próstata nos homens. A seguir
apresentamos uma tabela com os principais locais onde se originam tumores malignos em nossa espécie:

A medicina moderna serve-se de várias palavras para designar o câncer, que consideram o local onde crescem e as
características de suas células de origem. No entanto, duas são as mais comuns: carcinoma e sarcoma. O primeiro
termo refere-se aos tumores malignos que nascem dos tecidos epiteliais ou glandulares. Já o segundo, designa aqueles
que proliferam a partir de células mesodérmicas, ou seja, as células dos tecidos conjuntivos, abaixo dos epitélios, que
formam ossos, músculos, vasos sanguíneos, gorduras etc. Os sarcomas, de modo geral, fazem-se acompanhar do nome
do órgão de onde se originaram, por isso encontraremos nos textos médicos denominações como osteossarcoma (tumor
ósseo), mielossarcoma (tumor da medula) etc. Já os carcinomas que se desenvolvem ou se manifestam em glândulas e
têm características secretoras são chamados de adenocarciomas.

UMA DOENÇA MODERNA?

Ao contrário do que muitos pensam, o câncer não é uma doença moderna. Sua incidência sempre foi significativa em
nossa espécie, assim como na própria natureza. Ocorre que se trata de uma enfermidade de modo geral relacionada à
idade – exponencialmente em certos casos. Como hoje a vida humana está sendo prolongada, as chances de
desenvolvimento de tumores estão consequentemente aumentando. Além disso, os métodos diagnósticos são na
atualidade inquestionavelmente muito mais precisos, propiciando-se a correta identificação das reais patologias que
acometem e levam os seres humanos à morte. Por isso, a ocorrência de câncer encontra-se em franco aumento em
nossa espécie. Representa hoje, de modo geral em todos os países, a segunda causa de morte humana. Em 2010, 7
milhões de pessoas morreram de câncer no mundo2. E uma mulher em cada três e um homem em cada dois
desenvolvem câncer ao longo da vida, representando 15% de todos os falecimentos no planeta2. A seguir apresentamos
uma tabela com as principais causas de morte em nosso país, lembrando que o termo “neoplasia” (13,7%) é a
designação médica geral para os tumores, como veremos a seguir8.
O CÂNCER ATRAVÉS DOS TEMPOS

O câncer deixou vários vestígios de sua manifestação nos registros da história humana. Na Antiguidade, o caso mais
famoso é o descrito por Heródoto (485?-420 a.C.). Relata-nos o historiador grego o drama da rainha Atossa, esposa de
Dario, o célebre imperador persa que governou sobre o vasto território, da Líbia ao Golfo Pérsico, no século V a.C.
Atossa, que contava com 40 anos, apresentou-se, segundo Heródoto, com uma massa tumoral na mama. Tratada sem
sucesso pelos médicos da corte de Dario, pediu ao escravo grego Democedes que lhe extirpasse o seio doente, o que
precipitou sua morte.

Busto da rainha persa Atossa

No entanto, há relatos ainda mais antigos do que o de Heródoto. Em 1862, em Luxor, no Egito, foi descoberto um papiro
datado do século VII a.C., contendo uma transcrição dos ensinamentos do médico egípcio Imhotep (aproximadamente
2650-2600 a.C.), elevado pelos egípcios à condição de “deus da medicina”. Nesse papiro, escrito, segundo estimativas,
no ano 2625 a.C., Imhotep discorre sobre 48 casos de doenças, sendo o 45º um câncer de mama. Ele o descreve como
uma massa dura, fria e saliente no seio de uma mulher, acompanhado de inchaços menores espalhados ao redor,
também firmes e frios ao tato. Comparando o tumor a uma hemat verde, uma fruta típica de sua época, ele finaliza seu
texto considerando laconicamente: “não existe terapia”.

O papiro de Imhotep – 2625 a.C.

Além desse famoso relato, em 1914, arqueólogos identificaram, nas catacumbas de Alexandria, uma múmia de dois mil
anos com um tumor no osso da bacia. E mais recentemente, Salima Ikram, uma pesquisadora da American University in
Cairo, realizando estudo de tomografia computadorizada de alta resolução, descobriu que outra múmia egípcia de 2.200
anos morrera aos 40 anos com câncer de próstata.

Em 1990, o professor Arthur Aufderheide, da Universidade de Minnesota, descobriu também entre as múmias do deserto
de Atacama, no Peru, datadas de mais de mil anos, uma mulher, com aproximados 30 anos de idade, com os sinais da
patologia que a levara à morte: um osteossarcoma, um tumor maligno dos ossos.
E Louis Leakey, outro arqueólogo moderno, descobriu, na África, uma arcada de um hominídeo de 2 milhões de anos
com a mandíbula tomada por uma massa cancerígena.
O arqueólogo Louis Leakey
Todas essas descobertas atestam-nos que estamos diante de uma enfermidade antiquíssima que vem acompanhando e
“torturando” o espírito em evolução desde priscas eras, expressando-se, inclusive, nos mais primitivos reinos de sua
manifestação na matéria.
Um cuidadoso acompanhamento ginecológico se fazia doravante indispensável para Tina, pois não havia inteira
segurança de que o processo fora completamente erradicado. Infelizmente, decorridos cerca de seis meses, uma
tomografia revelava a presença de pequena lesão expansiva no baixo-ventre, internamente, nas adjacências da
bexiga – um nódulo metastático. Era o temível tumor que insistia em voltar. Foi-lhe então indicado um
procedimento combinado: nova remoção cirúrgica do insistente tumor e quimioterapia por seis meses. O drama se
instalara. Havia necessidade de transferir-se de sua pequena cidade para a capital de seu estado, entregando sua
vida a Deus e deixando seu coração entre os familiares. A incerteza tomara conta daquela boa alma, que então
passou a desconfiar de que o destino poderia estar preparando-lhe uma indesejada peça. Amigos e parentes
assustaram-se ante a ameaça da doença. Os médicos, contudo, tranquilos, prometiam-lhe resultados favoráveis.

BREVE HISTÓRIA DO CÂNCER

Acredita-se que foi Hipócrates (460-370 a.C.), o famoso médico grego, considerado o pai da medicina e criador da
primeira escola médica instituída no mundo no século V a.C., quem pela primeira vez empregou a palavra “karkinos” para
designar os tumores malignos encontrados nos seres vivos. Traduzido por “câncer”, em latim, esse termo significa
caranguejo em nosso idioma. Conta a tradição que Hipócrates, ao palpar as formações malignas superficiais, julgou-as
muito parecidas a esse crustáceo, pela mesma sensação que nos dá ao toque a sua dura e fria carapaça, sendo as
ramificações em torno do nódulo principal muito semelhantes às suas dez patas.
Os mesmos gregos evocaram também a palavra “onkos” para designar os tumores. Termo que significa “fardo”, traz-nos
a ideia de um verdadeiro peso ou carga, difícil de suportar-se, que os doentes devem transportar pela vida, sem que o
desejem. Dessa palavra a medicina moderna formou os vocábulos “oncologia” e “oncologista”, para designar a
especialidade e os profissionais que estudam e tratam os tumores, respectivamente.

Para explicar sua origem, Hipócrates seguia a tese aventada pelos gregos de modo geral. Segundo eles, o universo seria
um composto de quatro elementos, o fogo, o ar, a água e a terra. Da mistura dessas substâncias originavam-se todos os
compostos existentes em nosso mundo. O corpo humano seria igualmente formado por esses quatro elementos – o
sangue corresponderia ao fogo, a bile amarela ao ar, a linfa ou fleuma à água, e a bile negra à terra. As diversas
patologias humanas seriam então produzidas por um desequilíbrio, em falta ou excesso, desses chamados quatro
humores. Intuía assim Hipócrates que o câncer adviria de uma produção excessiva do mais denso e agressivo dos
humores: a bile negra. Desse modo, a massa tumoral seria o resultado da absorção do nocivo acúmulo desse quarto
elemento. Curiosamente, também segundo os gregos, esse mesmo líquido viscoso e negro seria o responsável pela
depressão. Essa é a razão pela qual se denominava essa enfermidade de “melancolia” – palavra então formada por
“melas”, que significa negro, e “khole”, a bile.
Hipócrates havia já observado que a simples remoção do tumor principal agravava a condição do doente, levando-o ao
mais rápido desenlace. Por isso, deixou-nos a recomendação: “Melhor não tratá-lo, porque assim os doentes vivem mais
tempo”.
Galeno (129?-217), o segundo mais importante médico grego, dando sequência ao pensamento hipocrático, estava
convencido também de que o câncer era produto da bile negra aprisionada, a qual, não tendo por onde escoar,
concentrar-se-ia em determinado sítio, formando assim a massa tumoral. E confirmava a observação do pai da medicina:
se o tumor principal fosse extirpado, a bile negra excedente voltaria a refluir, infiltrando-se por outros cantos do
organismo. Em razão dessa assertiva, durante toda a Idade Média e até o final do século XIX, era considerado grave erro
médico a retirada de um tumor. Curiosamente, nos nossos dias, os oncologistas já observaram que um tumor em
avançado grau de desenvolvimento, por algum motivo ainda ignorado, inibe o crescimento de tumores menores, e a sua
remoção de fato quase sempre leva a uma rápida disseminação de metástases.
Tina teve novamente uma boa evolução cirúrgica, a despeito de a toalete operatória ter sido muito mais
abrangente na nova intervenção. Logo, no entanto, perda do apetite, vômitos incoercíveis, emagrecimento
acentuado, queda completa dos cabelos, fraqueza e mal-estar indescritível invadiram-lhe a existência, antes tão
confortável. Tina, que era uma madona rechonchuda e de bela aparência, desfigurou-se por completo, após a
primeira investida dos necessários venenos químicos. A tez empalidecera, os olhos afundaram e perderam o
brilho, a face já não expressava alegria, a caminhada era hesitante e encurvada. Seu simpático sorriso tornara-se
um esforço para esconder a permanente indisposição. Passava os dias acamada, aguardando as sessões de
quimioterapia que pareciam jamais ter fim.

Mas tudo passa na vida. A quimioterapia cumprira seu papel. O tumor de Tina já não se mostrava mais nas
tomografias de controle. Completo sucesso, assegurava-lhe o oncologista. Ela ia agora se restabelecer e pronto
retornaria à normalidade da vida. Os ânimos de todos se serenaram. Tina não tardou a recuperar um pouco de
peso e ganhar novos cabelos. No entanto, ela não estava de alta. O acompanhamento médico permanecia
indispensável. Nunca se sabe... Os tumores são traiçoeiros... Poucos meses de trégua se passaram e nova
tomografia revelava o indesejado: o retorno do malfadado câncer. Desespero! Era hora de negociar com Deus.
Tina era pessoa de muita fé e acreditava que o Pai amantíssimo não a abandonaria. Precisava ficar boa a fim de
prosseguir sua vida de inteira dedicação ao próximo. E agora havia a netinha que rapidamente crescia e a quem
desejava ardentemente ofertar o imenso carinho a transbordar de seu bondoso coração. Em absoluto, como todos
concordavam, Tina não merecia passar por aquele cruel destino.

A medicina medieval, afeiçoada aos ensinos de Galeno, intentava toda sorte de artifícios para evacuar a bile negra
acumulada. Quase sempre com graves prejuízos para os enfermos, empregavam-se sangrias, vesicatórios (substâncias
que produzem vesículas na pele), ventosas, purgativos e laxantes. Além disso, utilizava-se também uma série de
medicamentos, todos destituídos de qualquer fundamento lógico, dentre os quais os mais conhecidos eram extrato de
chumbo e de arsênico, dente de porco do mato, pulmão de raposa, pó de marfim ou de coral, esterco de cabra, rãs, pé
de corvo, erva-doce, fígado de tartaruga e uma lista interminável de novos compostos, renovando sempre as promessas
de uma cura milagrosa.
Esse quadro perdurou até o início da Idade Moderna, quando o médico belga, Andreas Vesalius (1514-1564),
considerado o pai da anatomia, disposto a escrutinar o corpo humano em busca de sua exata configuração anatômica,
terminou por descobrir a inexistência da chamada “bile negra”. Ele identificara precisamente o sangue a percorrer artérias
e veias, a linfa acomodada nos vasos linfáticos e a bile restrita ao fígado, mas não encontrara em nenhum lugar o líquido
lodoso que se responsabilizaria pelo câncer e pela depressão. E tampouco reconhecera os canais que transportariam a
bile negra pelo organismo. Essa descoberta, somada ao fim da medicina dos humores, encorajou os médicos, a partir do
século XVII, a retomarem a remoção cirúrgica dos tumores, prática que se disseminou, sobretudo, após o advento da
anestesia, em meados do século XIX.
A natureza do câncer, do ponto de vista material, fora, no entanto, definitivamente desvendada pelo médico e
pesquisador alemão Rudolf Virchow (1821-1902). Virchow teve a ideia de empregar o microscópio, já utilizado desde o
século XVII pelo neerlandês Leeuwenhoek (1632-1723), para estudar as enfermidades humanas. Facilmente ele
constatou que toda doença era na verdade um distúrbio da célula e não uma perturbação de humores, como até então se
acreditava. Com Virchow, então, a patologia humana deixou definitivamente as “partes humorais” para se fixar nas
“estruturas sólidas” do organismo.
Ao examinar tecidos cancerosos no microscópio, Virchow facilmente verificou que as células mostravam-se bizarras e
grotescas, com os núcleos dilatados e presença de mitoses (a divisão celular) anormalmente elevadas. O pesquisador
terminou assim por constatar que o câncer era produzido por uma exagerada e desordenada reprodução das células. Ele
criou o termo hipertrofia para designar o excessivo crescimento da célula; hiperplasia, para o aumento do número de
células de um dado tecido; e neoplasia, para o aparecimento de novos tecidos que de forma inexplicável incorporam-se
aos já existentes. O câncer caracterizou-se assim, com Virchow, como uma hiperplasia patológica, na qual as células
adquirem vontade própria e passam a se reproduzir de forma autônoma e anárquica.

Pouco depois das observações de Virchow, em 1879, Walther Flemming (1843-1905), um biólogo alemão, descobriu que
os núcleos celulares transportavam estruturas (coradas em azul pela anilina), as quais denominou cromossomas (corpos
corados). E verificou que esses cromossomas apresentavam-se curiosamente em uma quantidade fixa e em pares, em
todas as células de cada espécie de ser vivo. As células humanas, por exemplo, mostravam invariavelmente a presença
de 23 pares de cromossomas, em qualquer delas (exceto espermatozoides e óvulos que trazem 23 cromossomas não
em pares, mas em formações unitárias). Abria-se o caminho para a genética
moderna, pois logo se constataria que essas estruturas, em forma de bastão e entretecidas com seus delicados fios
azuis, transportavam os genes. Os genes, cujo conjunto se chama genoma, por sua vez, são formados por uma
complexa molécula, o DNA (abreviatura em inglês de ácido desoxirribonucleico), que traz gravado em informações
bioquímicas o exato sequenciamento de átomos que formam as proteínas, os tijolos de nossas células. Essa sequência,
inscrita em impecável lógica, é o chamado código genético.

David Paul von Hansemann (1858-1920), outro patologista alemão, assistente de Virchow, aproveitando a descoberta de
Flemming, constatou, em 1890, que, nas células cancerosas, os cromossomos apresentam-se desfigurados, partidos e
reagrupados, não nos comuns pares, mas em grupos de três ou quatro. Descobria-se, enfim, a natureza genética dos
tumores malignos.
E hoje, os geneticistas terminaram por identificar com precisão vários grupos de genes, aos quais se responsabiliza o
desenvolvimento do câncer. A doença revelou-se assim ser essencialmente uma enfermidade provocada por mutações
em nossos genes. E constatava-se que essas mutações podem ocorrer por mero acaso ou ser induzidas por agentes
físicos (irradiações), químicos (asbesto e cigarro, por exemplo), ou mesmo biológicos (bactérias e vírus). Especialmente
os vírus, pela capacidade que detêm de incorporar pacotes anômalos de genes no genoma celular. Além disso, alguns
tumores alimentam-se de estímulos hormonais, naturais ou induzidos, como o estrógeno e a testosterona – são os
chamados tumores hormônio-dependentes.
Nova intervenção cirúrgica e nova série de quimioterapia, agora seguida de radioterapia, foram indicadas para
Tina. Outro longo e penoso processo. Os poucos cabelos que insistiam em voltar logo se foram. Vômitos,
inapetência, fraqueza, mal-estar, emagrecimento e todo o rol de efeitos colaterais eram novamente por ela
colhidos com a resignação que sempre a caracterizara ante as adversidades da vida. Não havia lugar para a
revolta. Apenas a tristeza estampada na face daquela alma sempre tão suave e meiga revelava seu intenso
sofrimento.

A radioterapia deixara marcas profundas nos delicados tecidos perineais de Tina. As irradiações queimaram-lhe o
reto, provocando uma lesão incômoda e dolorosa. Ela não mais poderia evacuar sem experimentar lancinantes
dores. Não havia medicamentos capazes de lhe proporcionar qualquer alívio. A solução era extravasar seu
padecimento em pungentes gemidos no necessário ato de frequentar o vaso sanitário. A bexiga ficara
incontinente, provocando-lhe urgência urinária quase constante. No entanto, o enorme sacrifício despendido
resultara em benefícios. Os exames de imagem não mostravam mais lesão alguma. Em meio às dores e às
muitas indisposições, havia motivos para se respirar aliviado e agradecer à bondade divina. Novas esperanças
enchiam seu coração. A tomografia nada mais revelava. O malvado tumor, enfim, fora dominado. A notícia de sua
cura se espalhara em sua cidade natal e todos, mais uma vez, davam graças a Deus.

A NATUREZA DO CÂNCER, SEGUNDO A CIÊNCIA MODERNA

O mau funcionamento (ou um funcionamento bem conjugado a despeito de mal intencionado, como veremos a seguir)
dos genes está na raiz de todo câncer. No entanto, descobriu-se, não se trata de genes estranhos ao organismo, mas
sim, dos próprios agentes genéticos inseridos em nossas células. Por isso, diz-se em medicina que o câncer é uma
doença endógena (palavra formada por endos = interior, e gene = origem).

Desse modo, os geneticistas foram convocados ao trabalho da identificação precisa dos oncogenes (os genes
cancerígenos), a fim de se permitir futuro desenvolvimento de agentes químicos eficazes, capazes de interferir na
sequência de eventos produtores de tumores. Abria-se, assim, a esperança de uma cura tecnológica para a mais grave
enfermidade a “constranger o pobre ser humano”.

E logo, de fato, nos últimos anos do século passado e primeiros de nossa era, foram reconhecidos vários oncogenes,
denominados ras, myc, Rb, neu, BRCA-1, BRCA-2 e muitos outros.

Entrementes, assustados, os geneticistas modernos descobriram que as mutações que levam ao desenvolvimento do
câncer não são simples modificações em um único gene, mas envolvem complexas alterações em intricados grupos de
genes. Além disso, verificava-se que o sequenciamento genético dos tumores não se dá ao acaso, mas faz-se segundo
uma ordem lógica e concatenada. Diversas mutações se combinam perfeitamente para produzir um resultado que, ao
que tudo indica, está bem determinado e conhece seu objetivo: produzir um grupo de células ávidas por crescer,
reproduzir e adaptar-se à sobrevivência nos mais diferentes ambientes orgânicos, como se almejassem nada mais que
assumir o comando do próprio organismo onde se assentam. Trata-se de uma finalidade muito bem planejada que não
se pode explicar por simples mutações casuais, pois, de modo geral, adulterações impostas ao acaso ao genoma
terminam simplesmente por inviabilizar o funcionamento da célula – ao contrário do que ocorre no processo oncogênico.

No câncer de mama, por exemplo, já foram identificados 127 sequenciamentos mutacionais muito bem concatenados, as
chamadas mutações condutoras, que desempenham papel fundamental na oncogênese7. Além do mais, novas
mutações são criadas pelo tumor, à medida que ele avança, a fim de serem vencidos certos obstáculos, como a
formação de uma vasta rede sanguínea de abastecimento do tumor (angiogênese) e a criação de mecanismos de
resistência às drogas desenvolvidas pela inteligência humana. Isso faz do câncer uma verdadeira e inteligente
heterogeneidade genética. Na atualidade, a ciência humana arvora-se em desvendar toda a trama genética dos tumores,
perseguindo com ardor o chamado Atlas do Genoma do Câncer – assim como o Projeto Genoma Humano fizera com
nosso código genético normal. Os olhos modernos dirigem-se agora para a oncologia molecular, capaz de identificar,
como o vem fazendo, as peculiaridades genéticas dos tumores, para então atacá-los em seus pontos frágeis com
medicamentos e procedimentos altamente específicos, alcançando assim melhores chances de impor um controle
definitivo à doença. Por exemplo, os tumores hormônio-dependentes são atualmente tratados com bloqueadores de ação
hormonal; outros, pelas suas características, são submetidos à exérese cirúrgica, à radioterapia e à quimioterapia,
combinados ou isoladamente; enquanto aqueles que se mostram mais suscetíveis à angiogênese recebem inibidores da
formação de vasos sanguíneos, visando a cortar o suprimento da lesão.
Foram meses de parcial recuperação para nossa Tina. Os cabelos voltaram, a disposição fora parcialmente
recomposta e o olhar readquirira um parcial brilho. O peso, no entanto, insistia em se manter abaixo do normal. A
disposição física teimava em não comparecer. A cama continuava sendo sua permanente companhia. A
esperança acenava em seu coração e um sorriso forçado teimava em desenhar-se na face daquela alma agora
tão sofrida. Os olhos ainda sem vida deixavam entrever que o mal não fora sanado. Poucos meses se passaram
para revelar a terrível verdade: ameaçadoras nodulações metastáticas extravasavam além da bexiga e cresciam
agora no fígado. E logo estavam presentes também na coluna lombar e nas imediações do rim direito. Não havia
nada mais a ser feito. Apenas paliar e esperar que a vida a levasse, o mais rápido possível...

As dores na coluna eram incoercíveis. A massa tumoral comprimia o ureter, prejudicando o fluxo urinário,
instalando-se dolorosa hidronefrose (inchaço do rim). Tina somente experimentava certo alívio mediante doses
diárias e crescentes de morfina. As noites eram terríveis, povoadas de tormentos, alucinações, dores físicas e
desesperos inenarráveis. Alimentação deficiente, fraqueza enorme. O tumor a consumia. Devorava suas carnes
com incontida avidez. Era penoso ver tamanho sofrimento em uma alma tão bondosa, tão resignada... Mas o
destino deve se cumprir conforme determinações superiores que não compreendemos. Como nos ensina a
Doutrina Espírita, a despeito de Tina vestir-se de genuína bondade na presente encarnação, nada se podia dizer
sobre o seu passado reencarnatório...

A célula cancerosa, a despeito de seu comportamento aparentemente desordenado, segue algumas regras básicas.
Suas mutações genômicas, que são muito numerosas, executam alterações conjugadas em uma sequência lógica,
determinando trajetórias genéticas altamente intricadas. Enquanto alguns genes mutantes inibem, outros estimulam
funções celulares, em uma ação coordenada e inteligente que curiosamente termina por produzir o efeito desejado: o
crescimento ilimitado e o domínio de todas as reservas orgânicas. Trata-se, portanto, de uma complexidade mutacional
que conhece finalidades a serem alcançadas e não de alterações aberrantes e casuais em um único segmento do nosso
DNA.

E, de forma intrigante, sem que se conheça exatamente o motivo, as células cancerosas são dotadas de uma refinada
sabedoria que as leva a sobreviver em ambientes muito diferentes daqueles em que foram geradas. Criam resistências
ao ataque das células sadias, e aos medicamentos que se desenvolvem para combatê-las. Podem se espalhar pelo
organismo, invadindo qualquer sítio, mas parecem escolher locais reservados para se desenvolverem mais à vontade –
muitos tumores, por exemplo, terminam por se assentar no resguardado sistema nervoso central, protegido pela
chamada barreira hematoencefálica, onde dificilmente podem ser atacados pelo sistema imunológico ou os
quimioterápicos. Cuidam de gerar uma vasta rede de vasos sanguíneos extras, a fim de ter assegurado o aporte de
nutrientes para suas sempre ávidas células – a angiogênese tumoral. E um sábio mecanismo genético, denominado
ampliação, multiplica a ação dos oncogenes, propiciando aos tumores maior agressividade, tornando-os praticamente
imbatíveis pelo organismo e altamente resistentes às drogas antineoplásicas.

Vê-se, assim, que, na aparente desordem do câncer, há princípios organizacionais e um claro objetivo a ser cumprido,
cujas origens desafiam a compreensão humana. Esses fatos levaram muitos pesquisadores a suspeitar da existência de
hierarquias mais profundas e superiores produzindo o câncer, da qual poderia derivar a complexa e bem concatenada
sequência mutacional que orienta a sua formação.
Por isso hoje se pergunta se a batalha contra o câncer deve seguir o caminho tecnológico, penetrando cada vez mais
nos mecanismos genéticos da intrigante enfermidade. Não estaríamos combatendo nada mais que as consequências e
não as verdadeiras causas dos tumores? Não vale questionar a existência de um comando central que tanto criaria
quanto manteria o funcionamento normal de nosso código genômico? Nesse caso, a doença poderia ter sua origem
nessa direção superior, que, uma vez adulterada, induziria ao sequenciamento lógico observado na mutagene tumoral.
Com certeza continuaremos a carregar o pesado fardo de “onkos” até o dia em que compreendermos que a doença está
consolidada como uma perturbação da própria natureza humana e mesmo da vida na Terra. E dispormo-nos a modificar
substancialmente as reais e mais profundas causas que desencadeiam a indesejável ocorrência de “karkinos” em nossas
vidas.
Tina agora negociava com Deus, em seus breves momentos de lucidez. O Criador não haveria de querer levá-la.
Ela tinha uma velhice para desfrutar, uma neta para cuidar, e muito o que fazer pelos demais entes queridos. Mas,
acima de tudo, ela não queria que ninguém sofresse por ela. Incomodava-lhe sobremodo pensar que sua família
poderia estar em desespero pelo seu drama. Esse era seu maior sofrimento. Preces fervorosas e uma fé
inquebrantável passaram a ser seu único refúgio.

Tina dedicara inteiramente ao câncer os dois últimos anos de sua vida. Seu mundo fora tomado pelo tumor. Mas
não bastava ao implacável facínora que ela lhe houvesse entregado sua felicidade, suas esperanças, seu bem-
estar e sua saúde. O monstro queria mais. Seu objetivo era consumir-lhe até a última gota de vitalidade. E ele,
indomável, seguia seu cruel anseio: crescer sem limites, invadir todo o organismo, e tornar-se o próprio
organismo. Embora terminasse com a morte, ainda assim, o impiedoso assassino avançava como se jamais fosse
sucumbir junto com o organismo que consumia. E insaciável, devorava não só as carnes de Tina, mas também
seu mundo, sua alegria, seu futuro.

METAFÍSICA DO CÂNCER

Naturalmente que, do ponto de vista fideísta, pressupõem-se que nosso Universo esteja sob o domínio absoluto de uma
Inteligência Superior que o criou e orienta a condução de todos os seus íntimos processos. Assim, de acordo com as
teses espiritualistas, não se concebe a existência do acaso em qualquer instância da Criação, pois nada poderia escapar
ao preponderante controle divino.

Por isso, busca-se diferentes explicações para a origem de tão curiosa e agressiva enfermidade, fora do campo do acaso
e da atuação do caos – fundamentos que se pressupõem inexistentes em uma obra de um Criador perfeito e atuante.
Dentro desse princípio é que se erguem as teses espiritualistas, entre as quais a principal e mais difundida em nossos
dias, sobretudo em nosso meio, é a derivada da ciência espírita. Apresentemo-la, ainda que rapidamente, buscando
pelas suas ricas possibilidades. Não nos eximiremos, no entanto, de ressaltar seus pontos ainda obscuros. Nossa
intenção não é criticar crença tão bem assentada e tão consoladora, porém unicamente demonstrar que lhe falta a
revelação de Ubaldi para que suas proposições alcancem maior exatidão.

A ciência espírita parte do acertado pressuposto de que nossa organização física é uma entidade orientada pela
consciência, nosso ser eterno, através de um segundo corpo, o perispírito. Estruturado em substância não física, ainda
incompreendida pela ciência humana, tal organismo sutil seria o responsável não só pelo sustento energético como pela
orientação de nossas células, promovendo-lhes as inúmeras diferenciações, necessárias aos trabalhos específicos que
executam. Chamado Modelo Organizador Biológico (MOB) pelo Dr. Hernani Guimarães Andrade, Campo Biomórfico pelo
biólogo inglês Dr. Rupert Sheldrake e perispírito pela ciência espírita, esse corpo etéreo guiaria a anatomia e a fisiologia
celular, desde a intricada embriogênese no seio uterino até as interações e especializações celulares encontradas na
organização humana. Formas, disposições, ritmo de crescimento e a afanosa e organizada tessitura biomolecular
empreendida pelas células seriam, portanto, funções orientadas com sabedoria por esse campo espiritual, sob a regência
do espírito imortal. E assim se explica a coerência, a harmonia e a eficácia de entidades menores, que não podem
conhecer as necessidades e o fim último do conjunto ao qual pertencem. As células, por exemplo, sintetizam enzimas e
hormônios com a exata conformação de receptores em membranas de outras células, posicionadas em sítios muito
distantes de onde vivem e com as quais jamais estiveram em contato – uma tarefa parecida com um chaveiro que deve
confeccionar chaves para fechaduras que não tem em mãos para conhecer o preciso molde.
A noção desse comando central, conferindo interatividade e coordenação ao vasto trabalho celular a serviço da vida, não
é um conceito novo. Muitos pensadores o imaginaram e o deduziram por suas observações. O próprio pai da fisiologia
médica, o ilustre francês Claude Bernard (1813-1878) já havia constatado essa necessidade em seus estudos,
afirmando: “Em todo ser vivo há uma ideia dirigente a manifestar‐se e a desenvolver‐se em sua organização”.

Uma vez que aceitamos a tese da existência de um controle diretor, o espírito, e seu sutil campo de ação, o perispírito,
compreenderemos com facilidade que modificações desse ordenamento central podem promover roturas no tecido
biomagnético sustentador das formas biológicas, a refletir-se diretamente na conformação, no trabalho e na vida celular.
A medicina nada mais podia fazer por Tina. Nenhum recurso estava disponível. Os familiares mais próximos
sofriam intensamente com a inexorável constatação. Como continuar sorrindo e prometendo-lhe que a cura viria?
Ela insistia por nova intervenção cirúrgica, absolutamente contraindicada. Como lhe fazer ver essa realidade?
Como prosseguir vivendo como se nada estivesse acontecendo?

Os dias se tornaram longos e penosos. Tina agora era só um tumor e nada mais. O melhor a se fazer por ela no
momento era levá-la de volta para a terra natal, onde poderia falecer com mais paz, junto aos seus familiares e
amigos mais próximos. A notícia abalara todos que a conheciam e sofriam com ela. E o desespero tomou conta
de todos...

Segundo André Luiz, famoso orientador espiritual, nossas células são “animálculos infinitesimais domesticados”1, a
serviço de nossa unidade orgânica. Recebem, assim, permanentemente, instruções e executam ações determinadas
pelo campo energético perispirítico que as orienta. Na falta dessa sábia orientação superior, as células deixam-se
conduzir nada mais que por seus cegos automatismos, segundo suas próprias naturezas.
Dessa maneira, defeitos nessa interface físico-etérea é que se responsabilizariam, em última instância, pelas patologias
celulares, dentre elas, naturalmente, o câncer. Sem o sustento e a orientação do campo perispirítico, as células
desorientam-se, modificando substancialmente suas formas e funções, desencadeando, dessa maneira, nossos diversos
tipos de tumores. Nessa condição, as células perdem suas características e a orientação espacial que lhes é própria,
tornando-se indiferenciadas, facilmente passando à multiplicação descontrolada.
Resta, assim, explicar exatamente o que causa essa falha energética da fisiologia transcendental, definida por muitos, no
caso do câncer, como um “esgarçamento do perispírito”. Segundo estudiosos da Doutrina Espírita, embasados por vasta
literatura mediúnica, nossos delicados tecidos perispiríticos são altamente suscetíveis à prática da maldade. A violência e
a crueldade desferidos contra os demais, voltam-se, por efeito da lei de ação e reação, contra seu próprio autor,
ocasionando o esgarçamento energético típico dos tumores malignos. O câncer então, em última análise, seria um
trauma causado pela introjeção da própria violência humana8.

“Perturbações em prejuízo dos outros, plasmam, nos tecidos fisiopsicossomáticos que nos constituem o veículo de
expressão, determinados campos de ruptura na harmonia celular. Desarticulado, pois, o trabalho sinérgico das células
nesse ou naquele tecido, aí se interpõem as unidades mórbidas, quais as do câncer” – assevera-nos o mentor André
Luiz, na famosa obra Evolução em dois mundos1, psicografada por Francisco Cândico Xavier em 1958.
“Toda violência praticada por nós, contra os outros, significa dilaceração em nós mesmos” – afirma-nos também Dias da
Cruz, na obra Vozes do Grande Além, também psicografada por Chico Xavier em 1957.

O definhamento de Tina era galopante. A caquexia se instalara. Ela não podia mais ser reconhecida. Estirada no
leito, era um cadáver que definhava rapidamente, consumida pelo câncer. As doses de morfina, agora elevadas
ao máximo, provocavam-lhe delírios que a faziam retroceder à infância. Por vezes pedia colo ao seu pai, como se
fosse uma criança, enquanto em outros momentos parecia distante, com os olhos esgazeados, fixados em outro
mundo. Já não conseguia mais alimentar-se. Enorme massa, dura e fria, ocupava quase metade de seu abdome.
Não era mais a Tina... Era uma massa tumoral. Somente a morte poderia lhe trazer alívio.

Seus últimos dias foram em um triste leito hospitalar. E não demorou para que aquela pobre e sofrida alma
abandonasse o que lhe restara de corpo, para alívio e ao mesmo tempo imenso pesar de todos. Fora uma longa
jornada de dois anos de intensos sofrimentos...

Aqueles que a conheceram perguntavam-se por que uma pessoa como ela precisava passar por tamanha dor.
Estudiosos da Doutrina Espírita acorriam a consolar-se na certeza de que seus padecimentos, embora tão cruéis,
eram necessários para que ela ressarcisse antigos débitos de seu passado, já que na presente encarnação ela
nada realizara de mal para quem quer que fosse. Mas será que a Lei de Deus funciona exatamente dessa
maneira? Precisamos pagar por atos cometidos, mesmo já tendo superado por completo a capacidade de realizá-
los? Isso não nos soa como uma punição divina?

Não podemos imputar o processo ao acaso e muito menos acusar a Lei de Deus de imperícia ou de
desconhecimento da piedade. E aceitamos que, a despeito de tamanhas dores, haverá, para a alma eterna,
benefícios a serem colhidos de tão exaustivo e doloroso processo. Certamente que sim. Sem compreendê-los
adequadamente, aguardamos nossa passagem para o outro lado da vida, a fim de esclarecê-los como a razão e o
coração nos exigem...

Uma vez desencadeado o esgarçamento perispirítico, as células físicas perdem o íntimo contato com as ordenações
fisiopsicossomáticas, ficando assim à mercê de seus próprios automatismos. E, tal como o sangue, que, ao transbordar
de um vaso sanguíneo, amontoa-se desordenadamente na tentativa de deter a evasão do fluxo, nossas células
igualmente se espalhariam, multiplicando-se apressadamente em formações caóticas, no intento de estancar a
esgarçadura biomagnética9.
Um intuito de reparação energética estaria então na raiz da patogênese metafísica do câncer, representando, portanto,
nada mais que um processo de cura da alma imortal. Ainda que desencadeie a completa desorganização física e possa
levar ao desenlace final do enfermo, o processo resulta invariavelmente em ganho por promover a recomposição da
lesão perispiritual básica. Segundo os ensinos espíritas, a natureza priorizaria, nesse caso, a integridade de nossa
consciência e a saúde de nosso corpo perispirítico, sacrificando, para isso, muitas vezes, nossa vida e nosso bem-estar
na carne.
E compreende-se que tal processo de cicatrização perispiritual poderia ocorrer na mesma encarnação em que foi
desencadeado ou, o que parece ser mais frequente, em existências carnais muito posteriores aos atos praticados. Não
obstante, tudo nos leva a crer que enfermidades de tais montas resultam de profundas e antigas lesões perispiríticas,
que tardam séculos para aflorar na carne. Fato que justificaria sua ocorrência em indivíduos comumente dotados, no
momento em que as sofrem, de bom e aparentemente adequado comportamento, não trazendo em suas histórias de
vidas atuais qualquer traço do mínimo delito que seja contra a felicidade alheia.
A partir dessa rotura perispiritual básica é que os fatores predisponentes entrariam em ação. Assim, hábitos, exposição a
radiações, perturbações emocionais, ambientais e agentes infecciosos permanecem como agentes secundários, que
determinariam não a origem em si de um tumor maligno, mas a sua excitação, a partir da predisposição cármica
individual. Explica-se, assim, exatamente, por que uns adoecem gravemente enquanto outros se mostram imunes à
interferência desses elementos desencadeantes.
Seguindo a coerência desse raciocínio, a cura efetua-se pela própria precipitação do fenômeno no corpo físico, o que
comumente chamamos de drenagem mórbida. Contudo, o real processo de cura passa a incorporar agora elementos de
ordem moral e comportamental, que interferem não só na gênese de novos tumores como também na real solução da
lesão vigente. Por isso, André Luiz agrega, categoricamente, na obra citada: “Quando o doente adota comportamento
favorável a si mesmo, (…), as forças físicas encontram sólido apoio nas irradiações de solidariedade e reconhecimento
(…), conseguindo circunscrever a disfunção aos neoplasmas benignos, que ainda respondem à influência organizadora
dos tecidos adjacentes”.

Shana fora encontrada na rua, quando apenas acabara de nascer. Albergada em um apartamento, fora cuidada
com extremo carinho pela sua proprietária. E logo se desenvolvera, tornando-se uma gata extremamente bela,
enfeitada por reluzentes olhos azuis e vestida por pelagem completamente alva. E respondera aos bons tratos,
tornando-se dócil e amorosa, sempre procurando por um colo onde se deliciar com um prolongado cochilo. De
hábitos tranquilos, gostava de dormir com as patas voltadas para cima, e a pança esborrachada na cama ou
mesmo no piso de porcelana, nos dias mais quentes, demonstrando sua total ausência de estresse ou temores.
Seu maior receio, no entanto, era a rua, a qual evitava com todas as forças. Apesar disso, dispunha-se a sair,
acomodada no fundo de uma grande sacola de compras, para as regulares visitas ao veterinário. Não lhe faltaram
as vacinas, os medicamentos quando necessários e as melhores rações disponíveis no mercado. Quatro anos se
passaram tranquilos e benfazejos para Shana até o dia em que passou a mostrar-se indisposta para comer.
Começava a mastigar sua ração para logo abandonar o intento. Levada ao veterinário, este denotou que três
dentes superiores do lado esquerdo da maxila estavam bambos. Julgando tratar-se de pulpites, o profissional
prescreveu antibióticos. Ante o insucesso da empreitada, o único a fazer era remover os dentes. E assim fora
feito. No entanto, a ferida deixada
pelos molares extraídos não cicatrizava, ainda que o tempo se mostrasse suficiente para isso. Um sangramento
corria constante. Havia algo de anormal no processo.

Finalizando, conclui-se facilmente, que, sob a ótica espírita, as neoplasias não são castigos divinos, mas sim processo de
recomposição e cicatrização de nossas malhas perispirituais, esgarçadas pelas crueldades que praticamos contra nossos
irmãos de jornada, normalmente em vidas pregressas9.
Explicação que, naturalmente, não se pode contrapor pela imensa lógica que traz e a capacidade de recompor a Justiça
Divina, que não permitiria que adoecêssemos de enfermidade tão drástica ou mesmo outra qualquer escabrosa moléstia
sem uma imprescindível razão que a justificasse.
Restaria, porém, à tese espírita, explicar alguns pressupostos que escapam à sua dialética. Por exemplo: por que os
animais, e mesmo os vegetais, também desenvolvem câncer; por que a doença se torna necessariamente mais incidente
à medida que a raça humana aumenta sua longevidade na carne; e por que a maldade é tão severamente coibida pelas
leis divinas em seres humanos que a empreendem quando ainda ignorantes, deixando-se levar nada mais que pelos
hábitos necessariamente automatizados ao longo do demorado estágio na selvageria dos mundos primitivos e bárbaros.

Em exame mais acurado, o veterinário descobriu uma distinta massa de tecidos no fundo da maxila de Shana.
Uma biopsia, enfim, revelara a verdadeira natureza da doença: um sarcoma ósseo. Radiografias mostraram que o
tumor crescera em demasia e invadia todos os tecidos vizinhos, tornando-o inoperável. Shana fora então tratada
com radioterapia e quimioterápicos. Sobrevivera ao processo, à custa de muito sofrimento, grande abatimento e
acentuado emagrecimento. Foram-se seus quilinhos sempre a mais e o viço de sua pelagem. A esperança,
porém, de uma cura radical compensava a imposição de tamanho padecimento ao bichano.

Todavia, a massa tumoral, apesar de mostrar pequena redução inicial, logo ganhara força e continuava seu
inexorável avanço. Invadira o olho esquerdo, que então murchou, passando a purgar constantemente. A face fora
distorcida e agora o tumor aflorava pela narina esquerda, de onde vertia escura secreção. A gengiva fora
igualmente tomada pelo agressivo câncer, e sangrava sem cessar. Alimentar-se? Impossível. A mandíbula,
tomada também pelo tumor, terminou por fundir-se à maxila e não mais se move. Shana é agora mantida por
sonda gástrica, a despeito dos grandes incômodos que o tubo lhe provoca. Tanto que, em duas ocasiões, ela
conseguira livrar-se do dispositivo, com insistentes golpes de pata no cordão que o prendia ao pescoço.
A constante expressão de dor do bichano, demonstrando a ausência de resposta aos analgésicos mais comuns,
levou o veterinário a prescrever-lhe injeções diárias de morfina.

O CÂNCER SOB A ÓTICA DA HOMEOPATIA

Completando a metafísica do câncer, é bom que conheçamos, ainda que ligeiramente, um pouco do que nos revela a
ciência médica instituída na Terra pela sabedoria de Samuel Hahnemann. O fundador da homeopatia, a partir das
observações dos efeitos de seus medicamentos ultradiluídos, desenvolveu uma interessante teoria, segundo a qual a
vida seria produzida por um impulsor fundamental, de natureza imaterial ou dinâmica, que ele denominou força ou
energia vital. As enfermidades adviriam fundamentalmente de perturbações dessa força vital, as quais posteriormente
terminariam impressas no corpo físico, na forma dos diversos e conhecidos distúrbios orgânicos e seus muitos
sintomas11.
Por faltar-lhe palavras adequadas para denominar os novos conceitos que suas observações e sua apurada intuição lhe
suscitavam, Hahnemann chamou de miasma a essa pulsão alterada da força vital. Definida por ele como uma
perturbação dinâmica, esse campo sutil mórbido impregnaria o organismo como uma emanação essencial, induzindo-o
ao adoecimento natural12.
Palavra em desuso no jargão médico, se consultarmos o termo miasma nos dicionários correntes encontraremos que
designa espécie de “emanação a que se atribuía o contágio das doenças infecciosas e epidêmicas”, além de referir-se à
“exalação pútrida que emana de animais ou vegetais em decomposição” (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa). A homeopatia incorporou-o, no entanto, com o significado de uma pulsão ou força enfermiça, não pertinente
ao domínio físico do ser humano, de natureza energética e indutora das subsequentes perturbações orgânicas.

O moderno conceito de campo da Física ajuda-nos a entender muito bem o que seria o miasma homeopático. Define-se
campo como a “região sob influência de alguma força ou agente físico – por exemplo, campo eletromagnético, campo
gravitacional etc.” Assim, de igual modo, poderíamos admitir a existência de uma força ou tendência orgânica capaz de
gerar em seu raio de manifestação um campo mórbido. Este seria o miasma hahnemanniano, passível de impregnar uma
determinada região do organismo, levando suas células a se perturbarem. Hahnemann introduz-nos assim no conceito
de uma entidade dinâmica ainda não identificada ou definida pela ciência atual, mas que pode muito bem ser constatada
pelos seus efeitos11.

Shana agora não consegue mais levantar-se. Apática e sonolenta, traz uma expressão de infinda tristeza no olhar,
antes tão brilhante e vivo. Inteiramente consumida pelo tumor, dorme o tempo todo, despertando às vezes para
proferir sentidos e prolongados gemidos. O ouvido esquerdo estufado demonstra que as células cancerosas já se
desenvolvem livremente no sistema nervoso central. Ela perdera completamente o equilíbrio e não mais consegue
erguer-se. O mínimo movimento agora lhe provoca incoercíveis vômitos, desencadeados, seguramente, por grave
vertigem.

Shana permanece internada na clínica veterinária... Seis meses já se passaram desde o início do processo. O
profissional que amorosamente a cuida, sugere uma eutanásia. A dona oscila entre acatar ou deixá-la partir
quando a natureza assim o determinar...

Uma pergunta paira no ar de todos que conheceram Shana ou ouvem sua cuidadora relatar, entre lágrimas, todo
seu triste drama: por que será que isso acontece com um inocente animal? Um mero acidente genético da
natureza? A ordinária ação da dor-evolução, visando estimular o progresso do animal? Ou simplesmente o
resultado de forças primitivas próprias dos mundos primitivos? Caso o fenômeno se enquadre na normalidade da
vida e sua mecânica evolutiva, não poderíamos entendê-lo como uma lamentável falha da Inteligência divina?

Observando o comportamento das perturbações miasmáticas em nossa espécie, o fundador da homeopatia, nos
profícuos oito últimos anos de sua vida, compreendeu que elas podem se manifestar de três maneiras distintas: existem
aquelas que se restringem a perturbar as funções celulares; outras produzem perda de massa orgânica, ocasionando
ulcerações e eliminações pútridas; e temos as que induzem o organismo a construções impróprias, que crescem além de
seus naturais limites. As primeiras são as doenças funcionais, responsáveis pelas disfunções orgânicas, os defeitos de
funcionamentos de nossos órgãos, sem que sofram perda ou ganho de massa; as segundas representam as
enfermidades de caráter destrutivo, aquelas que levam à subtração de tecidos; e as últimas assinalam as moléstias de
aspecto neoformativo ou produtivo, que produzem sempre o aumento de biomassa. Em resumo, para Hahnemann
existiriam então três formas básicas de se produzir o adoecimento humano: a doença funcional, a degenerativa e a
hiperformativa, respectivamente. O mestre da medicina dos semelhantes, mais uma vez, por faltar-lhe terminologia mais
adequada, denominou o primeiro distúrbio, a disfunção, de Psora (termo grego que significa mancha); o segundo, a
perturbação de caráter destrutivo, de Sífilis, por ser esta, em sua época, a mais comum das enfermidades que roubam
massa do organismo; e ao adoecimento hiperformativo de Sicose (palavra também de origem grega que significa
verruga, o mais frequente dos crescimentos orgânicos impróprios)12.

Psora, Sífilis e Sicose passaram então a designar, em homeopatia, as três formas de adoecimento “miasmático” ou
energético do homem, capazes de induzir-lhe as lesões orgânicas conhecidas. Ressaltemos que Hahnemann referia-se a
forças mórbidas que levam o organismo a adoecer, e não a entidades clínicas propriamente ditas12.

Com o avanço das perquirições e pesquisas homeopáticas, chegou-se, enfim, à compreensão de que os miasmas
partem não de meros caprichos da força vital, mas dos estados psíquicos e emocionais do ser humano, os quais se
tornam então o foco de toda e qualquer enfermidade. A Psora foi compreendida como oriunda da instabilidade
emocional, da vivência inadequada de nossas angústias existenciais, em suas expressões de carências, temores e
culpas, experienciadas como ansiedades, inquietudes e inseguranças. Se encontramos então um ser humano com seu
sofrimento fixado em angústias, sentindo-se portador de carências as mais diversas e sofrendo-as de modo inadequado,
identificamos nele a manifestação da Psora. Se, no entanto, esse mesmo indivíduo encontra-se dominado pelo
desalento, com intenção de abandonar suas atividades e refugiar-se em estados depressivos, ele estará alimentando o
miasma sifilítico. E, pelo contrário, se o entusiasmo lhe excede e ele parece estabelecer-se em um patamar de
superioridade de suas forças psicofísicas, então o veremos sob os embalos da Sicose. Identificamos assim um estado
mental distônico fundamental, um hipotônico e outro hipertônico, a alimentar, respectivamente, a Psora, a Sífilis e a
Sicose, nos domínios dinâmicos e físicos do ser humano, configurando posteriormente suas correspondentes
enfermidades físicas15.

A partir dessas pertinentes observações, modernos estudiosos da homeopatia propuseram então que a Psora fosse
também denominada egodistonia, representando as desarmonias do ego humano; a Sífilis homeopática, egolise (do latim
ego, o eu de qualquer indivíduo, + lýsis, do grego, que é rotura ou quebra), configurando os estados degenerativos
endógenos do homem; e egotrofia (ego+trophía, do grego, nutrição ou desenvolvimento) para os quadros de manifesto
exagero do ego15,16.

A homeopatia passou assim a entender e estudar os miasmas como consequência direta dos estados vividos e
alimentados pela personalidade humana. São hábitos com que se veste a personalidade. E chega-se, assim, à
compreensão de que o homem adoece como um todo, desde seus planos mais profundos aos superficiais, sendo o
corpo físico um espelho daquilo que se passa em sua intimidade psíquica, emocional e dinâmica. Se identificamos,
então, uma doença degenerativa de qualquer natureza, encontraremos seguramente o predomínio dos estados egolíticos
em algum momento da vida do enfermo. E se estamos diante de um nítido adoecimento hiperfuncionante e
hiperformativo, seja orgânico ou mental, reconheceremos que a egotrofia está ou esteve atuante na maior parte da
existência do indivíduo.

Essas pulsões mórbidas nada mais seriam, no entanto, do que a expressão no campo orgânico da mesma dualidade de
forças que impera em todo o nosso universo. Ou seja, todos os fenômenos universais estão subordinados a dois
impulsos alternantes e complementares que se fundem para produzi-los: a contração e a expansão. Assim é que nosso
cosmo se faz, em todas as suas instâncias, uma dança permanente de construções e destruições, mediante a
combinação dessas duas potências, uma positiva e outra negativa. Psora e Sífilis correspondem ao estado negativo ou
de contração das forças ego-orgânicas, e a Sicose, ao de expansão. E encontramo-nos com o fato de que nossa
personalidade, assim como o universo, está permanentemente embalada por um pulso duplo de forças em oposição. São
as mesmas forças yin e yang abraçadas na unidade do Tao, da concepção taoista e que embalam todos os seres vivos.
E são os mesmos instintos erótico (amor, vida) e tanático (morte), identificados por Freud e em ação na instância
psíquica do homem.

O tema abre-se a muitas conjecturas, porém não se trata do enfoque deste pequeno texto. E embora seja também
importante o estudo detalhado da egodistonia e da egolise, devemos deixá-los para analisar com um pouco mais de
detalhes o que ora nos importa na etiogenia do câncer: a tão comum egotrofia humana – a hipertonia do ego. Esse
hábito, com o qual se expressa o ego em seus aspectos sentimentais e comportamentais, caracteriza-se pela
supervalorização do próprio indivíduo em relação aos demais, ou seja, o egoísmo franco, a soberba desenfreada e as
atitudes autoritárias e imperialistas, próprias daquele que se posiciona e se impõe sobre os demais – tendência
normalmente acompanhada de excessivo entusiasmo, desmedida vontade realizadora, impetuosidade e agressividade,
visando nada mais que a projeção da própria personalidade acima dos semelhantes15,16.

Deduz-se, assim, que por trás de toda doença de caráter hipertrófico e hiperformativo (as neoplasias) existe uma tara
sicótica impulsionando as células ao exagerado desenvolvimento. E essa pérfida desorientação do campo vital advém
nada mais que dos hábitos humanos de crescer além dos limites e impor-se sobre os demais – a expansão do ego além
de suas barreiras naturais, ou a “supervalia” do eu. E assim se compreende que o câncer, do ponto de vista
homeopático, é o resultado de nossos hábitos egotróficos empreendidos durante a vida (ou nossas muitas vidas) – uma
sicose maligna, na linguagem de Hahnemann. Ou seja, se o organismo é impulsionado a produzir mais biomassa é por
estar embalado por um correspondente pulso hipertônico (se há mais energia haverá também mais massa, por lei de
equilíbrio). O câncer seria, então, o resultado, na carne, da máxima egotrofia do homem, nada mais que o reflexo de seu
perverso comportamento ególatra diante de seus semelhantes. Observemos que essa perversão sicótica muitas vezes
pode dar-se apenas no plano das intenções, uma vez que o homem adoece não somente por agir e atuar, mas
igualmente por pensar e sentir de uma forma inadequada na vida15,16.

A seguir, no desenvolvimento de nosso pequeno trabalho, veremos que essa brilhante hipótese é inteiramente
corroborada pelas revelações de Ubaldi, mostrando-se um retrato da realidade. Portanto, dificilmente conseguiremos
contrapor-nos ao legado de Hahnemann. E agreguemos, sem demora, que ela encontra também uma correspondência
na Doutrina dos Espíritos. André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos1, informa-nos que “o perispírito, (...) é
suscetível de sofrer alterações com alicerce na adinamia, proveniente de nossa queda mental, ou na hiperdinamia,
imposta pelos delírios da imaginação”. E agrega que nossas enfermidades “nascem do estado de hipo ou hipertensão do
movimento circulatório das forças que nos mantêm o organismo sutil”. (Os destaques são nossos.) Vemos assim que o
sábio mentor espiritual deixou-nos esboçada a mesma tese miasmática vislumbrada por Hahnemann, atestando-nos que
os movimentos orgânicos de hipo ou hipertrofia são ocasionados por campos perispiríticos hipo ou hiperdinâmicos,
respectivamente.
Abre-se assim para nossas conjecturas a perspectiva de que o câncer não resultaria de um esgarçamento perispiritual,
ou seja, uma rotura de suas malhas energéticas, o que levaria ao pressuposto movimento de cicatrização dos tecidos
físicos. Seria, sim, produto de um impulso hiperpositivo mórbido, uma hiperdinamia do campo biomagnético que nos
sustenta – a “hipertensão das forças sutis”, como exarou André Luiz. Hiperdinamia que então estimula o alucinado
desenvolvimento celular típico do câncer e que advém, em última análise, da egolatria humana. Poderíamos, assim,
deduzir que aquilo que o mentor denominou de “delírios da imaginação”, talvez por faltar-nos ainda melhores condições
de compreensão, refira-se às nossas comuns megalomanias, induzidas pelos desvarios da arrogância e do orgulho,
desencadeados pelo ego doentiamente hipertrofiado.
Dessa forma, como sugere a homeopatia, faz-se a perfeita correspondência entre o caráter do câncer e o da pulsão
enfermiça com a qual se move a personalidade. Ou seja, ambos situam-se na hiperpositividade doentia. E elucubramos
que uma fenda biomagnética, como propõe a “teoria do esgarçamento perispirítico”, diria respeito muito mais a uma falha
ou hipotonia dinâmica, e como tal, não se ajusta à natureza hiperformativa dos tumores.
E O QUE NOS DIZ UBALDI DE TUDO ISSO E QUE SE PODE DEDUZIR DE SUAS REVELAÇÕES?
O missionário da Úmbria deixou-nos como máxima revelação a informação de que vivemos em um universo deteriorado
pela Queda do Espírito. Nas obras Deus e Universo e O Sistema, ele esclarece-nos, de forma magistral, como se deu a
derrocada do Espírito, que somente pode ter sido criado no Seio do Absoluto, como herdeiro dos atributos divinos. Parte
dos infinitos filhos de Deus, gerados sob o signo do amor e da liberdade, fora do tempo e do espaço, em um eterno
presente, optaram por vivenciar, na máxima plenitude possível, todas as possibilidades do egoísmo. Em decorrência
dessa infeliz escolha, essa facção de seres sofreu uma contração dimensional, cujo resultado foi a produção de matéria e
energia, em uma nova e provisória realidade então inexistente: o ambiente espaço-tempo que ora nos acolhe. Nasce
assim a criação relativizada em que vivemos, feito de matéria, energia, tempo e espaço. Esta não é, portanto, a obra
original de Deus, mas um mundo secundário e degenerado, produzido pela revolta de uma porção dos infinitos filhos de
Deus que negaram o convite da plena vivência do amor, usando o atributo da autonomia, que igualmente lhes fora
conferido pela Bondade paterna.
Remetemos o estudioso interessado em aprofundar esse intrigante tema para as obras mencionadas, pois esta pequena
dissertação não se propõe a revisar e discutir todo o alcance, bem como os possíveis empecilhos, dessa estupenda tese
chamada Teoria da Revolta e da Queda do Espírito. Importa-nos agora considerar que essa Falência original
responsabilizou-se pelas injunções que caracterizam nosso universo, as quais nos guiarão na compreensão do câncer, o
escopo principal do nosso estudo.
Observemos essas características: a primeira delas é a revolta. Um motim contra a ordem estabelecida pelo Criador
encontra-se então na base dessa Queda espiritual. Ela intentou impor uma nova ordem à Criação, fundamentada em
uma imprópria expansão do autocentrismo – um dos atributos dos filhos de Deus. Força indispensável à individuação da
substância criativa original, o autocentrismo requeria o equilíbrio do amor para que o eu sou menor se mantivesse íntegro
na perfeição absoluta. Os filhos da revolta, no entanto, negaram esse amor, optando pela dilatação do autocentrismo,
gerando assim o egoísmo. Apartando-se do Todo, caíram na ilusão separatista, construindo, desse modo, um novo
cosmo, feito de matéria, energia, espaço e tempo, o qual chamamos Relativo.

Rompendo com a ordem divina de origem, esse novo universo inicia-se na desordem absoluta de todas as suas forças.
Sob o amparo da inteligência do Criador, que não o abandonou à própria sorte, esse novo cosmo, no entanto, logo inicia
sua reorganização, fazendo-se um império de energias e matérias, e se estabelece no campo do espaço-tempo. A
consciência espiritual, antes plena e preponderante, encista-se e morre na intimidade atômica. O anjo caído perde a
“Vida Eterna” e se prende no átomo, tornando-se o próprio átomo. Como uma reação à contração inicial, deflagra-se a
expansão evolutiva, a grande jornada de volta à Casa paterna. Os espíritos contraídos, no entanto, movidos por assaz
egolatria e ávidos por dominar e sobrepor-se aos demais, como um eco da primeira revolta, instituem nos improvisados
mundos primitivos que se formam, a grande luta pela sobrevivência – um regime impróprio de existência no qual a vida
de um passa a depender da morte do outro. Nasce o inferno da matéria, feito de conflitos de interesses, destruição, dor e
morte. Esse é o regime em que passamos a viver e que agora caracteriza o nosso cosmo, o qual muito mais que uma
construção provisória, representa, na realidade, uma “doença no seio da eternidade”, no dizer de Ubaldi.
Um tumor encistado no homogêneo e puro campo divino original é outra comparação de que se serve o inspirado da
Úmbria. Habitado por células tumorais, que são os espíritos que caíram, o universo degenerado somente poderia
produzir desordem, dor e destruição, não fosse a preponderante intervenção divina que instiga todos a evoluir, a
reorganizar-se e a eleger o amor como norma de conduta, na escalada dos milênios. E após cada derrocada dos filhos
rebeldes, a sabedoria divina, agora oculta na intimidade fenomênica dessa nova realidade, reergue todos para a grande
batalha da vida. Batalha que gera atrito, dores e mortes, mas cujo resultado final é a cura do imenso mal gerado pela
Queda. Por isso, o progresso, impondo paulatina ordem à desordem da Queda, terminará por reconduzir todo o universo
falido ao seu estado originário de perfeição.
Essa é a história do nosso cosmo e nossa própria história, cuja raiz se assenta na Grande Queda do Espírito,
simbolizada na Bíblia pela desobediência e expulsão de Adão e Eva do Paraíso e pela Revolta e Queda dos Anjos.
Ubaldi chamou nosso universo, por situar-se nos antípodas da criação original, de Antissistema (AS). E o Mundo
celestial, a original criação divina, absoluta e perfeita, de Sistema (S). AS e S integram, assim, as duas realidades da
Obra divina. Enquanto, todavia, o primeiro, o AS, é provisório; o segundo, S, é que de fato detém o critério de Eternidade.
Enquanto o S é absolutamente harmônico, o AS é desordenado e mórbido, e caminha, pela evolução, para o seu
reordenamento. E assim, caracterizou Ubaldi o AS como um “tumor no seio do S”4.

O AS, o nosso cosmo, é um tumor, um verdadeiro câncer, dentro da Realidade Divina, o S.

Cada espírito que caiu passou a se comportar como uma célula tumoral e nosso imenso universo como uma descomunal
neoplasia. Estabelece-se, assim, no AS, o espírito caído como um rebelde inato, sempre pronto à negação da ordem e à
dominação do outro, movido por permanente anseio de explorar ao máximo os seus semelhantes. Sua vida tornou-se o
exercício constante de agressões alheias e de sobreposição de sua própria ordem à ordem vigente. E cada um passou a
viver da morte do outro, em uma abominável arena de aparentes ganhos, mas dor e derrotas para todos. Regime de
existência que não foi o idealizado pelo Criador para os filhos do Seu amor. E nenhum ser, em nosso cosmo, escapa a
esse selvagem modo de viver, a luta pela sobrevivência, em um constante prélio completamente distanciado dos
imperativos divinos de ordem e concórdia. E assim nosso universo passou a se distinguir pela presença da luta de egos,
imbuídos do permanente desejo de hegemonia. Hábitos e costumes que passaram a caracterizar a alma caída e seu
impróprio sistema de vida.

Esse positivismo ególatra mórbido e desenfreado, típico do espírito caído, que atenta contra as ordenações do amor e da
ordem, termina sempre por tudo destruir, inclusive seus próprios protagonistas. Os produtos do ego degenerado jamais
criam vida e felicidade, atributos que somente o amor pode produzir. Eis por que o resultado final dessa malfadada
aventura é a geração dos aparentemente intermináveis ciclos de conflitos, caos, dores, destruições e mortes – a “roda da
vida”, os ciclos reencarnatórios de mortes e renascimentos aos quais estamos presos.

Todas essas atribuições, evidentes ao nosso derredor, são próprias de uma criação que não pode ser imputada à
Sabedoria divina. E compreende-se facilmente que outra coisa não poderiam ter gerado aqueles que negaram a
perfeição e o amor do Criador.
Enumeremos, para que se nos torne claro, as principais características desse distinto modo de vida, livremente escolhido
pelos filhos da Queda, e de seu novo ambiente de manifestação, o cosmo físico:
1) Desmedido crescimento de egos;
2) Egocentrismos separatistas;
3) Desejo de expansão e domínio;
4) Produção de matéria instável e degradável;
5) Imposição de uma nova ordem contrária à ordem vigente;
6) Desordem;
7) Predomínio do indivíduo sobre o coletivo;
8) Conflito e luta de interesses;
9) Destruição e dor;
10) Degeneração e morte.
E surpreendemo-nos ao constatar que são esses exatamente os mesmos atributos que caracterizam a célula cancerosa.
Assim, ante tal estupenda revelação, fácil se nos torna compreender a razão última da existência do câncer em nossa
natureza degenerada: os tumores malignos nada mais são do que a realização em um plano menor daquilo que
caracteriza a vida do espírito no universo derrocado. Vivemos, todos, desde os primórdios da evolução, como células
egoicas e contraídas, desejosas de expandir-se e sempre dispostas a rebelar-se contra a ordem vigente – o que
representa exatamente o comportamento e a natureza da célula cancerosa: um pequeno ego contraído e rebelado, que
se arvora contra a ordem orgânica imposta pelo comando central do organismo que as alberga. Ávidas por domínio e
imposição de suas ególatras vontades, terminam, da mesma forma que todo espírito caído, gerando nada mais que
destruição, dor e morte. Tal extraordinária verossimilhança de comportamento e fim leva-nos a considerar o câncer nada
mais que uma reverberação da psicologia da Queda, que subsiste em nosso inconsciente como um eco da primeira
Revolta. Repete-se, em plano menor, a mesma motivação que originou nossa derrocada, que agora se volta contra nós
mesmos. O câncer é então, em última análise, a precipitação das forças do AS em nosso próprio e provisório campo de
manifestação: o corpo físico. E assim, a lesão, propriamente chamada de maligna, nada mais é que o reflexo da própria
malignidade que trazemos nos arcanos do ser caído que todos somos. Basta recordarmo-nos de que o Cristo nos
caracterizou como “raça de víboras” e “pecadores” (Mt 12:34).

O câncer, portanto, confirma-nos plenamente a Teoria da Queda e da Revolta do Espírito. Não seria possível a sua
existência em uma criação absolutamente divina e perfeita. Se ele existe, é porque existiu a Queda – é a mais sincera
conclusão que a lógica nos leva a adotar. Assim como afiançamos que a Queda se deu porque existem o mal, a dor, a
destruição e a morte, os quais jamais poderão ser imputados ao nosso Pai, mas unicamente aos filhos revoltosos do Seu
infinito Amor.

Podemos assim considerar o câncer, com Ubaldi, como a lesão típica da Queda do Espírito, aquela que repete no cerne
da carne o que se deu no seio do Espírito puro: a Queda cósmica. A mesma revolta e o idêntico desejo de desmedido
crescimento não deixam dúvida alguma da identidade de princípios e fins entre as duas fenomenologias. Como nos
afirma o missionário do Cristo: “O motivo da Queda se repete em cada reencarnação, porque tudo é regido por um
esquema de tipo único, que se repete em todos planos” (pág.252)5.

Corroborando esse raciocínio, observemos o que o inspirado missionário da Nova Era exarou na obra O Sistema4: “A
liberdade é tal que contém a possibilidade do arbítrio e do abuso, significando poder quebrar a unidade orgânica do
Sistema. Neste caso, portanto, o ser livre podia não querer mais mover-se harmonicamente no Todo, produzindo assim,
um tumor canceroso no seio do próprio Sistema, pronto a alterar a estrutura sadia.

“Mas, se esse egocentrismo egoísta pode ter parecido como uma vantajosa expansão do eu, ele representava o princípio
subversivo e antiorgânico, que reaparece no câncer, no organismo humano. Rompeu-se, dessa forma, a harmonia
hierárquica do Sistema, na qual toda individuação existe, como acontece com as células no corpo humano, que vivem
umas em função de outras, sem o que, desmorona a unidade orgânica.

“Pode-se compreender, dessa maneira, como deve ter ocorrido a Queda e o desastre que ela produziu, quando as
células do organismo, ao invés de continuarem a viver disciplinadamente, em função da ordem geral, quiseram tornar-se
independentes dela, e se puseram a funcionar anarquicamente, como ocorre com as células do câncer numa sociedade
de células disciplinadas, num organismo sadio.
“Por isso, tanto no Antissistema como no câncer, tudo desmorona na dor, no mal e na morte. Acontece isto porque os
seres menores, construídos para viver em função de outros, e todos em função do todo orgânico, ao colocarem-se na
posição de primeiros, em lugar de últimos, e ao assumirem funções de direção que não conhecem, emborcam o Sistema,
que assim aparece invertido, ao negativo, com as qualidades opostas. Acontece o que fatalmente aconteceria se um
soldado se fizesse general ou um simples cidadão, chefe de Estado.” (Todos os destaques são nossos.)
E assim compreendemos exatamente por que encontramos disseminado em nossa natureza esse estigma da Queda,
precipitando-se em todas as manifestações do espírito caído, seja no reino físico, biológico ou hominal, uma vez que
todos, desde os minerais aos seres mais evoluídos deste universo, somos espíritos degenerados pela Queda de Origem.
Eis exatamente por que todos padecemos de câncer e continuaremos fadados a expressá-lo em nossas carnes, por
tempo ainda ignorado. Sofremos, como nos ensina a Doutrina Espírita, exatamente o que provocamos – a desordem, o
mal, a destruição e a morte que disseminamos ao redor dos próprios passos, motivados pelos insanos desejos
expansionistas de nossos egos, voltam-se contra nós mesmos, segundo uma Lei justa e sábia que devolve a cada um o
móvel de seus anseios e atos. Somente estamos agregando que sofrer as agonias do câncer não é uma atribuição
unicamente dos homens, que comumente expiam em uma encarnação o que provocaram em outra. A presença de
tumores malignos nos animais e inclusive entre os vegetais patenteia-nos essa realidade. Ela é o eco da Primeira
Revolta – uma anarquia no seio da ordem orgânica do Todo – a expressar-se em todos os reinos de manifestação do
espírito caído, desde os físicos aos biológicos e aos planos espirituais ainda impuros.
Em qualquer canto do AS, encontraremos essa e outras reverberações da Revolta original, manifestas nos acidentes
genéticos, nas malformações fetais, quer dos animais quer dos homens, nas construções anômalas e malignas,
adulterando a ordem vigente, sempre prontas a devorar os semelhantes. E poderíamos identificá-las até mesmo nos
fenômenos físicos e macrocósmicos e não apenas nos biológicos. Um buraco negro, por exemplo, ávido por sugar e
destruir toda matéria que se lhe aproxime, poderia ser o correspondente do câncer biológico, no plano das manifestações
siderais.
Isso explica-nos exatamente por que a mutagene (malformação genética) que leva ao câncer atua sempre com o nítido
propósito de produzir uma exitosa massa tumoral hipertrófica, capaz de sobreviver nos mais adversos ambientes
orgânicos e superar todos empecilhos que o organismo saudável lhe impõe ao desenvolvimento. Ela age de fato
conhecendo o objetivo a ser atingido e cria mecanismos sábios para alcançá-lo. Tal sabedoria e propósito não se poderia
jamais esperar de uma adulteração nada mais que casual em nossos cromossomos. Defeitos acidentais seguramente
ocasionariam a morte da célula pela desordem que lhe imprimiriam. E, no entanto, como a ciência humana já descobriu e
já nos referimos, a desorganização do câncer é curiosamente bastante inteligente e encadeada em uma sequência de tal
modo lógica o bastante para lhe conferir o êxito demonstrado.
Esse é o tipo de sabedoria que denominamos inteligência satânica. Embora aja em anteposição aos propósitos divinos
do amor, ela sabe confeccionar unhas, garras, dentes, músculos e desenvolver astúcias propiciando aos seus seres
devorar e destruir os semelhantes nos reinos inferiores da matéria. Ela conhece a química dos poderosos venenos de
que são dotados os animais peçonhentos. Por meio dela é que todos se armam contra todos, na grande batalha de vida
e morte que caracteriza o inferno do AS. Não caiamos no grave erro de imputar essa perversa sabedoria a Deus, pois
não é ela compatível com o supremo Amor e a impecável Sabedoria de nosso Pai Eterno. É então essa mesma
inteligência que vemos em ação na massa tumoral, arquitetando meios genéticos astuciosos para se instalar no
organismo sadio e fazer das células uma máquina de produzir câncer. Essa é a natureza dos tumores malignos, que
corresponde exatamente à natureza do universo derrocado em que vivemos, o AS.

E compreendamos muito bem, essa inteligência maligna, luciferina, tem sua origem na própria fenomenologia do AS,
sendo mantida, qual imenso inconsciente coletivo, pela massa dos espíritos que caíram. Dela deriva a chamada
sabedoria dos instintos, onde são arquivadas, em forma de memória imperecível, as experiências dos seres degradados
na matéria. Portanto ela é nossa, pertence-nos, sendo inerente à nossa natureza, pois deriva de nossas próprias e
mórbidas intenções. Ela traz-nos de volta, em cada encarnação, os automatismos que arquivamos nas lutas do AS. Por
isso, ela está impregnada dos anseios típicos do ser caído: crescer, dominar, expandir, destruir e conquistar – os anelos
da egolatria, que sempre nos moveu nas furnas avernais da matéria. São exatamente esses mesmos impulsos que
entram em ação na formação da massa tumoral maligna. Por isso dizemos que o câncer faz parte de nossa natureza
derrocada, está na substância de nosso ser rebelado e caído. É nosso legado da Revolta de origem.
Ubaldi explica-nos magistralmente que o AS, qual tumor patológico, foi envolvido e isolado pelo Sistema, a fim de que ele
se desenvolvesse nos limites da Lei, colhendo o resultado de seus intentos em seu próprio campo de manifestação. Ao
destruir a si mesmo, pela imposição de seus inerentes e degenerados fundamentos, ele terminará, entrementes, por
reorientar-se rumo à impreterível ordem do Amor. Esse é o escopo final dessa maceração de egos imposta a todos. E é
exatamente o mesmo que ocorre em nosso organismo, tomado por um câncer. Somos obrigados a albergá-lo e alimentá-
lo, ainda que a contragosto, para que os impulsos destrutivos que criamos e alimentamos esgotem-se e sejamos
propelidos a restabelecer em nós a superior ordem orgânica que nos caracteriza como filhos do Divino.
E assim atingimos a inevitável conclusão de que o câncer é nosso estigma de Queda. Suas causas fundamentais se
acham enraizadas na Revolta do espírito, em ação desde priscas eras, acompanhando-nos na longa noite dos evos. Sob
a insídia do ódio e o signo da crueldade, há bilhões de anos vivemos, todos, como células cancerígenas, ignorantes dos
doces e suaves alvitres do amor ao semelhante. Por isso, criamos em nós as condições propícias ao desenvolvimento de
nossos tumores. Estamos entendendo, portanto, que não somos seres inocentes, criados “simples e ignorantes”, atirados
em um universo sem fins e sem ordem, apenas para evoluir. Não, em absoluto. Somos anjos caídos, transformados em
seres demoníacos, que há muito vivem disseminando dor e destruição ao redor dos próprios passos, a despeito de
continuarmos imersos na preponderante e sábia Lei divina do Amor.
E podemos conjecturar, além disso, que o câncer seja a lesão curativa da Queda. Por princípio de lei, toda causa se
esgota nos efeitos, por isso o câncer está, na verdade, endireitando-nos os impulsos da Queda, que ainda reverberam
em nós. Assim, ao precipitarmos na carne nossas lesões malignas, estamos exaurindo nossa própria malignidade, uma
vez que os “malignos” somos nós mesmos. Ao drenar a revolta e degeneração egoica que nos caracteriza em nossos
tecidos orgânicos, o câncer os consome, reduzindo-lhes o potencial destruidor de nós mesmos. Assim, ele termina por
anular a desordem e rebeldia que alimentamos em nosso longo passado, devolvendo-nos à ordem superior. Ainda que
para isso leve-nos ao sofrimento e à dor e, por vezes, à completa falência orgânica – fenômeno naturalmente provisório,
uma vez que voltamos sempre à nova encarnação, mais renovados e dotados de maior potencial de equilíbrio.

O câncer então é o desafogo do impulso da Queda que até hoje reverbera na intimidade do espírito que caiu, fazendo
precipitar em si mesmo exatamente o que ele provocou no Organismo divino de origem. E dessa forma o câncer nos cura
da reverberação das forças da Queda, fazendo-nos consumir sua inércia original. Por isso podemos dizer ainda que o
câncer existe para que se reconstrua em nós o Reino de Ordem e Amor instituído pelo nosso Pai e que nos foi ofertado
por Sua bondade. Sem o câncer, essa Ordem e esse Amor não seriam refeitos em sua proposta original. Repetimos,
desse modo, o mesmo que respondeu Jesus aos apóstolos que Lhe questionaram o que motivara a existência de um
cego de nascença, se seria “ele ou seus pais que haviam pecado”; e o Mestre explicou que nenhum nem outro, mas isso
se dera “para que se realizasse a obra de Deus” (Jo 9:1-3).
E continuamos também corroborando o que nos diz a Doutrina Espírita, pois o câncer continua sendo, de fato, o mais
genuíno produto da maldade. No entanto, sabemos agora que não é simplesmente a maldade promovida pela ignorância
humana, mas outra, muito mais expressiva, aquela que nos trouxe para a prisão da matéria e fez-nos optar pela prática
desenfreada do egoísmo: a negação do Amor. Opção que elegemos ainda no plano do Espírito Puro e não como meros
seres humanos. Consciências parcialmente despertas e recém-egressas do reino animal, como homens, não poderíamos
tomar outra atitude senão persistir nas lições da selvageria. Não seria justo então que a Lei nos penalizasse por aquilo
que tão bem aprendemos nos estágios da vida animal, por incontáveis anos. Se é do nosso interesse aceitar que Deus
seja a justiça e a bondade infinitas, somos obrigados a situar essa escolha muito antes de ingressarmos no roteiro da
evolução, que se torna assim um regime de correção de almas degradadas e não de um normal processo de educação
de seres inocentes.
Ubaldi, na obra Problemas Atuais5, afirma-nos categoricamente: “O câncer é o resultado de uma desarmonia de ritmos
vitais e exprime o estado patológico de todo o complexo humano” (pág.168). “Representa o homem, a célula anárquica”
(pág.171). “Uma célula subversiva, anárquica e criminosa é a expressão da desordem e do mal no campo orgânico”
(pág.167).
Sempre dispostos a impor-nos aos demais e subverter todo bem coletivo no próprio interesse, é natural que nosso ego
patológico termine por destruir-nos, sendo a realização do câncer em nosso campo nada mais que a expressão daquilo
que vivemos na imensa noite do tempo, desde que deixamos o Seio divino. Continua Ubaldi a nos afirmar: “O homem
vive esmagando o próximo e impondo dor a todos, sem compreender que a dor do outro é também sua, pois estamos
esmagando parte de nosso próprio organismo, que é o ser social que nos alberga” (pág.155)5 – natural assim que o
câncer seja exatamente a realização em nós daquilo que elegemos como norma de vida e empreendemos ao longo de
nossa caminhada evolutiva.
O câncer, portanto, reflete com clareza nosso desajuste social e nossa desarmonia com a Lei de Deus, o que jamais
poderemos negar. Poderíamos considerar, como facilmente nos ocorre, que não praticamos mais crueldades, capazes de
levar-nos aos imanes sofrimentos que o câncer nos impõe. Estamos parcialmente evangelizados, dizemos. Respeitamos,
nos limites sociais, os direitos dos próximos. Realizamos obras sociais e acorremos a socorrer os mais carentes. E
permanentemente estamos nos esforçando para aplacar os instintos animalizados que sobrevivem em nós, procurando
alimentar-nos dos mais nobres anseios espirituais. Ainda assim não basta – o câncer continuará indesejavelmente
perturbando-nos a intimidade orgânica e roubando-nos o bem-estar por algumas encarnações à frente – e não sabemos
até quando.

Ora, se permanecemos geneticamente predispostos a desenvolver nossos cânceres, é exatamente porque eles ainda
correspondem à nossa própria natureza. Como Jesus nos ensinou, é “pelos frutos que se conhece uma árvore”. O fruto
do câncer então revela-nos a real natureza dos impulsores que permanecem movendo-nos o doentio ego. Ainda vivemos
como células tumorais no grande organismo divino que nos alberga. Não atingimos o pleno e verdadeiro exercício do
amor, que muito ainda nos custará. A despeito de todo o verniz de bondade que nos adorna a personalidade,
prosseguimos como revoltosos e ególatras, em luta permanente contra os interesses da coletividade que nos acolhe e
nos permite viver. A prova disso está em nossa relação com o organismo social a que pertencemos. Se prestarmos
atenção, veremos como a célula humana e sua sociedade portam-se como verdadeiros inimigos. O homem estuda as
leis do Estado procurando uma forma de subvertê-las a seu favor; o Estado confecciona leis, embasado no pressuposto
de que o indivíduo buscará sempre lesá-lo. Enquanto aqueles que governam, com raras exceções, cuidam de solapar
recursos públicos em benefício próprio. Assim vive o homem em comunidade, colocando sempre seu interesse individual
acima do bem comum. Fato que se salienta no momento em que a sociedade cobra-nos seus impostos. Comumente,
tudo fazemos para pagar o mínimo possível, ou, se pudéssemos, nada recolher ao bem público. Desse modo, não
reconhecemos a coletividade como nosso próprio organismo e portamo-nos como ególatras células neoplásicas. A dor
do outro, costuma ser do outro e não nossa. As necessidades do outro, ainda que nos sensibilizem, permanecem sendo
um problema daqueles que as experimentam. As dificuldades de cada um se restringem ao campo individual e não
coletivo. Natural então que a Lei divina devolva a todos exatamente o que todos semeiam nas conturbadas experiências
humanas: as forças da desordem e da espoliação que impomos ao organismo social precipitam-se em nosso próprio
campo de manifestação, na forma das nossas variadas e diversas neoplasias. É a única maneira de esgotar-se em nós a
inércia da desordem com que pactuamos e aprendermos a praticar verdadeiramente a Lei do Amor.

Enquanto não nos convencermos de que não se pode viver senão em função do organismo social e não formos capazes
de abdicar de todo o nosso conforto, de dispor de todo o produto de nosso trabalho e a doar nossas vidas em favor do
organismo coletivo que nos alberga, estaremos distanciados dos imperativos divinos. Justo então que o câncer nos visite
e nos cobre em forma de dor o nosso ainda vigente desajuste com a Lei Maior.

Torna-se agora facilmente compreensível que os fatores que a ciência médica considera etiológicos do câncer, como
infecções por vírus e bactérias, irradiações nocivas e substâncias impróprias, como o cigarro e o asbesto, nada mais são
que produtos excitantes da natureza cancerígena que todos portamos, como genuínos habitantes do AS.

E entenderemos que as considerações de Ubaldi suscitadas em defesa da “tese do saprófito, a espiroqueta de


Schaudinn, na gênese do câncer” é mera tentativa de se identificar um agente físico responsável pela materialização na
carne da lesão cancerígena que trazemos na alma. Não interpretemos de forma inadequada esse esforço do grande
filósofo de Cristo, pois é ele mesmo quem nos afirma: “Não existe, não pode existir, é inútil procurar um micróbio no
câncer” (pág.177)5.

Os mecanismos genéticos envolvidos na produção tumoral tornam-se facilmente compreensíveis, uma vez que o código
genômico nada mais é que um veículo de expressão da inteligência do Espírito. É nossa consciência eterna quem
promove as mutações gênicas necessárias à concretização de seus ínsitos propósitos. Propósitos que, na maioria das
vezes, não são acessíveis ao nosso consciente superficial, e traduzem sempre finalidades que nossa razão não alcança
compreender e por isso não se conforma. Logo, é exatamente a mesma inteligência que nos serve para produzir
equilíbrios e o saudável sustento na carne que se investe de um pulso desnorteado para produzir nossos tumores, em
resposta a necessidades que geramos pelas nossas constantes intensões e ações contrárias às Leis divinas.
Deflagramos, então, nesses momentos, a inteligência satânica que permanece ativa em nós e se investe contra nós
mesmos.
E reconhecemos agora que a homeopatia acertou ao considerar o câncer como produto de um campo vital doentiamente
hipergênico, alimentado pelos impulsos de um ego igualmente hipertrofiado – a Tara Sicótica de Hahnemann.
Aprendemos nos ensinos de Ubaldi que a Queda foi deflagrada por um excedente e inadequado estímulo de crescimento
do “eu menor”, que desejou ser, como Deus, um “Eu maior” (o chamado mito de Lúcifer). Ou seja, ele realizou uma
Sicose, na linguagem homeopática, a fonte primeira do desequilíbrio, vivida como uma pretensão do orgulho, e que
passou a embalar doentiamente a substância constitutiva de seu ser. Esse impulso hipertrófico, ou Sicose fundamental,
como o chamamos na homeopatia, além de haver desencadeado, por contrarreação, a contenção ou hipotrofia do eu (a
Sífilis homeopática), reverbera-se agora periodicamente em nosso próprio campo de manifestação, como um eco da
Primeira Revolta. Tornamo-nos, assim, embalados por um duplo impulso de expansão e contração, alternantes na linha
do tempo, que nos acompanha em cada encarnação, produzindo-nos crescimentos e degenerações nos limites da
chamada “normalidade orgânica”. Quando, no entanto, esses impulsos excedem esses limites, levam-nos a sofrer tanto a
redução quanto a aceleração das funções celulares. É esse último então que irá produzir todas as nossas neoplasias, de
qualquer natureza que sejam. E assim compreendemos que, nossas células, uma vez estimuladas por esse campo
hiperplásico, imprimem em seus códigos genéticos as precisas mutações, necessárias ao cumprimento do novo
determinismo que lhes é imposto.
Dentro dessa proposta, fácil se nos torna entender também que o campo hipertônico desencadeante da hiperplasia
celular existe naturalmente em todo ser caído. Por isso, trazemos conosco, bem como todo ser vivo desse nosso
universo, o câncer em potencial em nosso imo. E facilmente o ativaremos mediante nossos comuns desatinos, como um
pequeno acréscimo de raiva e ressentimento, os quais comumente identificamos na gênese do câncer, bem como a
exposição aos agentes físicos considerados oncogênicos. São excitantes do processo, uma vez que sua causa primeira
repousa na morbidez do ego caído.
E compreenderemos ainda que a simples repressão de nossa agressividade não é o bastante para se evitar o
desenvolvimento de nossos tumores. Podemos polir nossa personalidade com critérios éticos e morais elevados,
exibindo comportamentos absolutamente aferidos por uma proposta evangélica. Mas se nossos sentimentos não
acompanham tais conquistas do comportamento social, sofreremos de igual modo nossos tumores. O campo hipertônico
permanece presente e será de igual modo ativado, inclusive com mais propensão nesse caso. Observa-se que o câncer,
em nossa espécie, é muito mais comum nas pessoas reprimidas, que inibem suas pulsões de agressividade. Por isso,
em homeopatia, diz-se que “o canceroso morre no cumprimento do seu dever”, caracterizando os indivíduos que se
esmeram por não impor ao outro seu natural instinto de agressão. E paradoxalmente o câncer retratará, em nossa
espécie, não exatamente a maldade praticada, mas aquela que foi sentida e pretendida. Um estudo estatístico facilmente
poderia demonstrar que os tumores malignos são mais frequentes entre os indivíduos considerados pacíficos e
amorosos. Como a ciência médica ainda não aprendeu que o fator moral é decisivo na gênese das doenças humanas,
tais pesquisas não são até então empreendidas por aqueles que podem realizá-las.

Considerar que o câncer é mais comum em pessoas reprimidas, evidentemente, não nos autoriza a dar vazão aos
nossos sentimentos de raiva, com o intuito de se evitá-lo. Devemos, sim, evangelizar nossos pensamentos e sentimentos
e não apenas as ações que nos caracterizam na vida de relações. Lembremo-nos de que o Cristo nos alertou: “Ouvistes
o que foi dito aos antigos: Não matarás; e, quem matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que todo aquele que se
encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe
disser: Tolo, será réu do fogo do inferno” (Mt 5:22).
E agreguemos, antes que o tema desperte cruéis dúvidas no leitor, que a maldade livremente exercida evidentemente
será também colhida, e de forma muito mais grave, em um futuro indeterminado nas muitas vidas do indivíduo. É da Lei
que toda ação semeada seja igualmente ceifada. E o rebote da Lei faz-se de muitas outras maneiras que não através de
um câncer propriamente, mas sempre trará de volta ao protagonista do mal um sofrimento equivalente ao mal praticado.

Alcançado, com Ubaldi, esse superior entendimento, penaliza-nos assistir ao ingente esforço da ciência humana na luta
para domar o câncer, ainda fixada nada mais que em pressupostos essencialmente materialistas. Todos os seus intentos
visam a impor controle a um impulso anteriormente deflagrado, que jamais poderá ser sofreado por meios exteriores.
Agem no campo dos efeitos e não das reais causas. E nada investem no nosso necessário e essencial aprimoramento
moral. Ora, se sua verdadeira origem está na substância do espírito, somente pelo próprio espírito o câncer poderá ser
eliminado. A interferência nos seus mecanismos genéticos e bioquímicos somente poderá impor um momentâneo
obstáculo ao desafogo da lesão espiritual, ou mesmo adiá-la para uma próxima encarnação, jamais, porém, poderá saná-
la verdadeiramente. Compreendemos que, qual o fluxo de uma enxurrada, até que seu manancial se esgote de dentro
para fora, não deixará de fluir, por mais que coloquemos barreiras à sua passagem.
E assim entendemos que o atual sonho de nossa moderna ciência médica de reprimir por completo os oncogenes é
medida provisória que não impedirá o necessário desafogo da lesão espiritual. Não estamos dizendo que não se deve
tomar esse caminho terapêutico. Ele poderá ser útil e dele nos valeremos quando o câncer nos visitar, por não dispormos
ainda de outros recursos. Somente não podemos aceitar que sejam os únicos meios de alcançarmos nossa almejada
cura.
Uma nova proposta terapêutica para o câncer anuncia-se ante os postulados que agora apreendemos. Já antevista pela
Doutrina Espírita, ela consiste essencialmente na prática do verdadeiro amor, na inibição do egoísmo e na acomodação
de nossos interesses na ordem divina. Apenas agora damos maior ênfase a essa proposta, pois não nos curaremos do
câncer pelo simples esforço de inibição de nossa animalidade e a boa intenção de se exercer o amor ao semelhante.
Precisaremos mais do que isso. Deveremos imolar e fazer morrer nosso doentio ego. E teremos de nos tornar
verdadeiras células sociais, capazes de doar nossa vida e nosso trabalho inteiramente ao organismo coletivo que nos
acolhe e nos permite o sagrado exercício da vida. Até que isso aconteça, é natural que soframos no próprio campo de
manifestação a mesma multimilenar e ímpia revolta que transportamos nos arcanos do ser.
Que essas digressões não nos assustem, mas sirvam-nos de consolo. Que imenso refrigério para a alma é compreender
que não fomos criados para ter doenças escabrosas como o câncer ou mesmo qualquer tipo de enfermidade, ainda que
as mais simples. Deus não tinha esse plano para seus filhos, gerados sob o signo do mais puro Amor. Portanto, não
imputemos o câncer a um deslize da Sabedoria divina ou ao resultado de uma Lei ordinária de evolução que impõe a
todos a dor como uma pedagogia natural de educação e crescimento. Ou mesmo, mera consequência de expiações e
provas, em um roteiro normal de formação de espíritos, “criados simples e ignorantes”. Se tumores existem, é porque nos
tornamos seres degenerados, imbuídos da mais indigna egolatria e distanciados, por escolha própria, da Casa Paterna.
Portanto, apenas os “filhos pródigos”, as “ovelhas desgarradas do Aprisco divino”, como nos caracterizou o Cristo, podem
sofrer as injunções da matéria e seus terríveis danos. Um dia, no entanto, reencontraremos a “Luz Eterna, a Alegria sem
fim, o Amor infinito” e então, libertos da carne, adornados com as “vestes nupciais”, jamais conheceremos a dor, a
doença ou a morte.

E repitamos para que se nos torne claro: o câncer é um esforço da natureza divina para nos curar dos estigmas da
Queda espiritual. É nosso remédio amargo. Ao se realizar, ele esgota os impulsos mórbidos gerados pela Revolta de
origem que nos retirou da Morada Paterna. E consequentemente purifica nossas vestes para que retornemos
completamente limpos à Casa do Pai. Como nos afirma Ubaldi, o câncer “é um movimento curador, que faz parte de
nossos profundos equilíbrios (pág.161)5. E completa: “ Todo estado desarmônico ecoa e se repercute de plano em plano,
até que fique exaurido seu impulso e esteja tudo pago por nós mesmos (pág.155)5.

Além disso, reconhecemos que o câncer tem também uma função educativa para o espírito eterno. Função esta que nem
sempre compreendemos quando ainda presentes na carne e somente absorveremos em plenitude ao partir para a
erraticidade. Uma vez libertos das pesadas amarras físicas, nossa consciência amplifica-se, facultando-nos observar
melhor o produto final de nossas dores na escola da carne, permitindo-nos absorver integralmente as suas lições. Ao
devolver-nos os produtos mórbidos da egolatria, convencer-nos-emos, enfim, do grave erro de se empreendê-la, ainda
que no silêncio dos sentimentos e no recolhimento das ações não praticadas.
Vejamos, mais uma vez, o que nos diz Ubaldi em O Sistema: “Nossa sociedade humana é um corpo onde cada célula é
inimiga da outra, com prejuízo para todas. Essa sociedade não se mantém com o princípio da colaboração celular que
vigora no corpo humano em estado de saúde, mas com o princípio anárquico que vigora no câncer. Por isso, os nossos
males são até poucos, em relação ao que merecemos, e teremos de sofrer tanto até aprendermos. Para que serviria a
dor, se não fosse útil para ensinar? Trata-se de leis férreas, das quais não podemos escapar. Rebelar-se ainda mais,
piora a situação. Prova-nos isso a lógica de todo o processo. A estupidez humana é grande, mas é produzida pela
ignorância, resultado merecido da Rebelião e da Queda. E nada melhor para despertar a inteligência do que o sofrimento
merecido, como efeito daquela ignorância também merecida. E como se pode obrigar um ser, que deve ficar livre, a
compreender em seu próprio benefício; como se pode obrigá-lo a recompor-se, livremente, no caminho certo, senão (...)
fazendo-lhe compreender seu erro e as suas tristes consequências? Para o homem atual, pois, só existe um remédio que
possa curá-lo: sofrer. Ele é livre de sofrer quanto queira. Mas esse mal é um remédio salutar. (...) O homem tem de
compreender que é errado o sentido de crescimento como “eu” isolado. Este seria um crescimento invertido, o da revolta
e do Antissistema, que só pode trazer separação e destruição. (...) Agindo assim o ser pensando ganhar, perde. Tudo
está construído de modo que o crescimento não pode fazer-se isoladamente. O egoísmo pode conseguir, como débito,
resultados imediatos à mão, e por isso os míopes creem neles. (...) O egoísmo é um impulso isolado do Antissistema,
com raio de ação limitado, além do qual se torna antivital. O homem existe e só pode existir dentro da Lei, e se quiser
existir, mesmo se rebelde, só tem o caminho da evolução para regressar ao Sistema. O ser pode continuar rebelando-se
quanto queira. Com isso só conseguirá o próprio prejuízo. A revolta contra Deus jamais poderá ser vitoriosa, mas só
produzirá erros, que depois é preciso pagar” (pág. 194, 195)4.
Por tudo isso, se queremos nos libertar das terríveis peias do câncer, “é necessário começar curando a alma” (pág.181)5,
aplacando-nos o doentio personalismo, sufocando-nos o ego e imprimindo-nos o máximo amor a Deus e aos
semelhantes de que somos capazes. É imprescindível a mais “absoluta adesão à Lei e adesão à Ordem divina que
impera em toda a Criação universal (pág.172)5. Enfim, “é indispensável – como nos diz Emmanuel – romper com as
alianças da Queda e assinar o pacto da Redenção”(Caminho, Verdade e Vida – lição 176).
Belo Horizonte, primavera de 2012

Gilson Freire
Nota: os dois casos relatados são reais e foram acompanhados intensamente pelo autor deste texto. Agradeço a Rosane Fiuza,
Moacir Fonseca e Wanderley de Souza pelas correções e sugestões dadas ao texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Luiz A, Xavier FC. Evolução em dois mundos. Brasília: FEB-10ª ed.; 1987.
1. Mukherjee S. O Imperador de Todos os Males, uma biografia do câncer. São Paulo: Ed. Companhia das Letras;
2012.
2. Ubaldi P. Deus e Universo. 3ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU; 1987.
3. Ubaldi P. O Sistema. 2ª ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU; 1984.
4. Ubaldi P. Problemas Atuais. 2ª ed. Campos dos Goytacazes: Ed. Fundapu; 1981.
5. Ubaldi P. Problemas do Futuro. 3ª ed. Campos dos Goytacazes: Ed. Fundapu; 1983.
6. Site consultado: http://www.nature.com/nature/journal/v490/n7418/full/nature11412.html, em 8 de setembro de
2012.
7. Site consultado: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/, em 15 de setembro de 2012.
8. Palestra “Câncer: Uma teoria sobre a etiopatogenia espiritual”, proferida pelo Dr. Décio Iandoli Jr., apresentada no VI
Congresso de Saúde e Espiritismo de Minas Gerais, no dia 31 de agosto de 2012.
9. Bandoel, M C. Los Fundamentos Filosóficos de la Clínica Homeopática. Buenos Aires: Editora Albatros; 1986.
10. Hahnemann, S. Organon da Medicina. Buenos Aires: Editora Albatros; 1978.
11. Hahnemann, S. The Cronic Diseases. New Delhi: Jain Publishing Co.; 1983.
12. Kent, J. Filosofia Homeopática. Buenos Aires: Editora Albatros; 1978.
13. Roberts, H. Los Principios y el Arte de Curar por la Homeopatía. Buenos Aires: El Ateneo; 1983.
14. Elizalde, M. Homeopatia Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Luz Menescal; 2004.
15. Elizalde, M. Clases de Homeopatia – apostilas de aulas gravadas. Buenos Aires; 1980.
16. Kübler-Ross, E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras,
religiosas e as seus próprios parentes. Trad. Menezes, P. 4ª. Ed. São Paulo, Martins Fontes 2005.

UMA PALAVRA PARA QUEM SOFRE DE CÂNCER


Antes de abandonarmos esse tema, é de bom alvitre que aqui deixemos algumas palavras para aquele que na atualidade
enfrenta o grande desafio do câncer:

A vida lhe convocou, irmão, para vivenciar delicado processo de cura de sua alma. Acredite, você está sob cuidados
divinos, que visam a purificar-lhe o espírito, preparando-o para a emersão em planos mais elevados da vida. Não se veja,
portanto, abandonado pela providência de Deus e entregue às potências do acaso. Em absoluto, Nosso Pai jamais nos
deixou, e trabalha permanentemente para soerguer-nos dos abismos infecundos da matéria, onde nos atiramos por
ingerência própria.

Não deixe, amigo, de seguir o que lhe determina a medicina oficial. Ela pode representar também uma ajuda de Deus,
embora ainda disponha de recursos um tanto quanto agressivos para nossa delicada fisiologia celular. Ela nos transforma
em um campo de batalhas e nos cobra o pesado atributo do bem-estar físico para nos devolver à normalidade da vida, é
bem verdade. Mas não temos outro caminho no momento.
E que seja bem dito: suas chances de sobrevivência ao processo são muito grandes, pois a ciência médica, a despeito
de apoiar-se em bases meramente materialistas, trabalha na atualidade com muitos e novos recursos de supressão dos
tumores.
Além disso, você pode, e deve, valer-se de outros recursos disponíveis nas chamadas medicinas alternativas, como a
homeopatia e a acupuntura, por exemplo, bem como tratamentos ditos espirituais. Mas não deixe seu acompanhamento
oncológico oficial. Não se trate exclusivamente com esses meios. A despeito de serem eficazes, infelizmente não
estamos ainda preparados e sequer seguros de guardar méritos para alcançar a cura pelos métodos mais suaves das
terapias complementares.
Mas não espere somente pelo que pode lhe ofertar a ciência médica ou mesmo qualquer outro tipo de terapêutica, até
mesmo um tratamento espiritual. Recursos externos não bastam para nos devolver a saúde verdadeira. São, todos,
meros paliativos. Por isso, recomendamos-lhe a prática da autocura como indispensável quesito para sua recuperação.
Esta, sim, é que deveria, sobretudo, interessar-lhe. É verdade que pouco sabemos sobre ela e não detemos ainda a
capacidade de ativar as poderosas forças curativas que integram o divino patrimônio de nosso ser. Sabemos apenas que
as potências orgânicas que nos levaram à doença detêm igual capacidade de nos curar. Ou seja, da mesma forma como
adoecemos, podemos também nos restabelecer. Mas não aprendemos como fazer isso. Sejamos realistas! Não temos
ainda a fé que pode mover montanhas.
Isso, porém, não é motivo para deixar de tentar. Em absoluto. A dificuldade não é uma impossibilidade, e pode ser
superada. E com certeza você desenvolverá recursos que muito o auxiliarão na dura batalha contra o seu tumor.
Sigamos passo a passo, um breve roteiro ativador de autocura:
O primeiro a fazer é afastar do coração o peso da revolta. Convença-se de que não somos seres inocentes entregues a
uma natureza agressiva que não conhece a piedade. Não somos vítimas da vida. Portanto, receba com bom ânimo a
doença. Exercite o heroísmo cristão, entregando seu corpo ao holocausto em prol da real saúde, a saúde espiritual. Não
lute desesperadamente contra a ideia de estar com o câncer. Aceite. Concorde. Acolha. Disponha-se com coragem ao
processo. Deponha sua vida diante de Deus, para que se faça a vontade suprema do Criador e não a sua. Não Lhe peça
um milagre. Não Lhe implore pela cura. Suplique-Lhe, sim, forças para enfrentar o que a Lei superior determina para seu
destino. Nossa existência não nos pertence, lembre-se, é um presente de Deus e Deus detém sobre nós o direito sobre
ela.

Depois, compreenda que a doença em si é o nosso melhor remédio. Precisamos dela e devemos colher suas lições com
boa vontade. Ela objetiva curar nosso extremado individualismo e ensinar-nos que fomos criados para doar amor aos
demais, jamais exigir. Ao expor-nos a imensa fragilidade da carne, ela educa-nos, sugerindo-nos atirar ao lixo o velho
hábito do orgulho, pois nada podemos sem as forças divinas que nos sustentam a todo o instante.
Apoie-se nos demais. Assim como precisamos do amparo divino, nada nos será possível sem a ajuda do outro. Por isso,
tenha a coragem de compartilhar o seu drama com todos. Reconheça humildemente seus limites e suas imensas
necessidades e aproxime-se o máximo que puder de seus semelhantes. Aceite com humildade toda ajuda que lhe vier.
Se os cabelos se vão, tenha a coragem e a humildade de demonstrar aos demais o seu estado, ainda que lamentável.
Lembre-se, nosso corpo é construção provisória e nada justifica nosso intenso sofrimento por vê-lo, por vezes,
deformado. É uma veste que logo trocaremos por outra melhor e mais bela.
Cultive a paciência e a resignação como remédios preciosos. Aprenda a sorrir, ainda que em meio às dores lancinantes
do corpo. Tome o mínimo de analgésicos possível e procure sentir a dor de uma forma diferente. Aceite-a. Acomode-a na
alma. Não lute contra ela, mas tente experimentá-la em intensidade, desarmando-se da vã tentativa de afastá-la a
qualquer custo. Seu nível de tolerância aumentará e então você surpreender-se-á ao ver que a terrível constrição da dor
se aplaca, acomodando-se em sua máxima capacidade de sofrê-la.
É bem provável que identifique no coração a indesejável presença de rancores e raivas contra seus irmãos de jornada. É
hora então de meditar profundamente nessa questão. Comece convencendo-se de que não somos vítimas do descaso
ou da afronta de ninguém. Desfaça o equívoco de julgar que a desonra lhe é imerecida. Se ela nos chega e toca-nos tão
profundamente, patenteia-nos a enormidade do orgulho e a imperiosa necessidade de se aprender a humildade. Lembre-
se, o desafeto do outro é sempre fruto de nossa incapacidade de amar, tenha a certeza disso. Não amamos como
convém. Muitas vezes nossa frustração afetiva nada mais é que o espelho da enorme e egoica carência de amor que
portamos na alma. Observe como muitas vezes a dor que acusamos o outro de nos provocar, chama-se, na verdade,
ciúme, inveja, orgulho ferido ou frustração da vontade. E assim veremos como a doença nos convoca nada mais que a
realinhar as emoções e a cicatrizar a alma, ferida pelos próprios sentimentos, não pela agressão alheia.
Se lhe for possível, busque o diálogo com a pessoa de seu desafeto. Ouça seu ponto de vista e procure acatar suas
justificativas. Esforce-se por compreender, antes que exigir compreensão. E, sobretudo, perdoe-lhe os deslizes. Lembre-
se, o rancor é o fel amargo que alimenta nossas células cancerosas. É verdadeiramente a “bile negra” tão bem
caracterizada pelos antigos gregos e que nos envenena tanto o corpo quanto a alma. Ponha-se no lugar do agressor e,
acredite, todos podemos errar ou deixarmos trair pelo orgulho. Ninguém está isento, pois todos portamos personalidades
ainda fracas, sujeitas a se deixar levar pelas muitas e tão comuns armadilhas do ego inferior.
Se, ao vasculhar os arquivos de memória, não se recorda de qualquer raiva ou mágoa alimentada contra quem quer que
seja, ainda assim, essa terrível mazela pode estar aflorando de um passado distante, inacessível aos seus atuais
registros mnemônicos. Pense nas pessoas com quem você tem dificuldade de aproximar-se ou parecem-lhe pessoas
difíceis de se amar – elas podem representar seus antigos desafetos, exigindo-lhe corrigendas afetivas.
Se a doença parece-lhe uma imensa maldade da vida, saiba ainda que não somos seres inocentes expostos às
crueldades alheias. Somos, sim, vítimas do nosso próprio mal e com certeza trazemos do pretérito farto manancial de
perversidades praticadas contra os demais. Portanto, nossos algozes de hoje com certeza são nossas vítimas de ontem.
Nada mais que isso, pois a vida sempre nos devolve o mesmo mal que praticamos. Portanto, o perdão é o caminho
indispensável para refazer-nos equilíbrios rompidos e interromper o jogo de ações e reações a que nos sujeitamos por
Lei.
Se seu caso é muito grave, você agora enfrenta recidivas, e já está exausto de tantas e frustras tentativas de se impedir
a remissão do tumor. Metástases se anunciam em outros órgãos. Os médicos, reticentes, evadem-se de adotar novas
condutas. Então a hora é bastante séria. Logo, o primeiro a fazer é acatar com bom ânimo a possibilidade de que tenha
de deixar o palco da vida carnal em breve intervalo.
Não negue, mas aceite a notícia como uma realidade. Acolha-a como um fato inexorável. Afaste de sua mente o
pensamento que normalmente nos ocorre nessa ocasião: “não é possível, deve haver um engano”, ou: “não acredito que
isso vá acontecer comigo” – não, isso pode e vai acontecer com você, sim. Você não é diferente dos outros seres
humanos.
Uma vez que a possibilidade da morte acomodou-se em sua alma, é hora de combater com todas as suas forças a raiva,
a qual comumente toma o seu lugar após a constatação da realidade da morte. Por que eu? – você se pergunta.
Infelizmente, mais uma vez, devemos enfrentar a realidade: a morte existe para todos, e você não é diferente de
ninguém. Vencida a raiva, virá a tentativa de fazer um pacto com Deus – é a fase da negociação, e você se ilude de que
poderá superar o seu mal por meio de promessas e barganhas com a Divindade. Não tardará e você perceberá que isso
tampouco adiantará. Será então a vez de colher a última fase do processo: a depressão. A presença de intolerável
angústia e insuprível desalento demonstra-lhe que você já tem como definitivo que seu processo é irreversível, mas não
está preparado para aceitar o inexorável fim. Será preciso vencer essa depressão final para que você realize o grande
transe do túmulo com tranquilidade e segurança.
Para isso você deve entregar-se às forças superiores da vida, pois nada poderá fazer para mudar a sua sorte. É hora de
confiar sua alma a Deus. Corra então a afastar o pesar e o receio de seu coração. Procure acolher com entusiasmo o
inexorável anúncio de um fim próximo. Acomode com tranquilidade essa ideia no coração. Não é o que de mais grave
pode nos acometer em vida. Em absoluto. Se a morte se anuncia, ela lhe pede que você se prepare convenientemente
para viver uma grande existência, a qual guarda possibilidades de ser muito melhor do que a nossa vida atual. Imagine
que você está para fazer uma longa viagem para um país muito distante. Mas pense nisso como vantagem e não como
um dano. É a chance de conhecer novas paisagens do universo, entrar em comunhão com outras pessoas, quiçá antigas
amizades, e rever parentes queridos que já partiram. E aceite o processo como uma libertação do imenso drama que
você vem atravessando. O fim das dores. A entrega do corpo já carcomido pelo tumor. Nada mais que isso.

Não alimente o receio do vazio, o temor do desconhecido. Guardamos o grande equívoco de julgar que a morte nos é a
mais importante ameaça à felicidade na Terra. Representa, de fato, nosso maior pavor, por projetar-nos em zona de
incertezas. É o medo do nada, da não-existência, do vazio. Não. Não acredite nisso. A morte não é o fim. Em absoluto.
Não pode ser assim, essa não é a lógica do universo. Temos muitas evidências disso. Nada se cria como nada se destrói
em nosso cosmo, já afirmava o sábio Lavoisier. Ora, a consciência é uma força poderosa que também não pode ser
desfeita. É o produto mais precioso do universo. Ela preexiste ao nosso nascimento na carne, pois é o resultado de
nossa longa evolução pelos caminhos do tempo. Como ela não nasce com o nosso ingresso na carne, também não se
extingue com desfazimento do corpo físico. Muitos vieram do Além-túmulo para nos dar essa boa notícia:
sobreviveremos ao desenlace físico e encontrar-nos-emos em uma dimensão de muito mais ricas possibilidades do que
nossa restrita vida na matéria densa.
Creia na imensa força da prece. Converse com Deus, no imo de seu ser, e entregue-Lhe sua alma e sua vida. Como
dissemos, não negocie com o Criador e sequer barganhe vantagens com Ele, ofertando-Lhe promessas vãs em troca da
sobrevivência. Agradeça-Lhe, antes, não só por existir, mas também pela oportunidade de vivenciar a dor redentora.
Peça-lhe a cura do espírito através da educação de hábitos e da reforma de sentimentos e costumes. Não rogue
desesperadamente pela recomposição do corpo, pois a doença tem sua necessidade que será cumprida. O corpo nada
representa, ante os propósitos divinos. É construção anômala que mais cedo ou mais tarde teremos mesmo de
abandonar.
Não se sinta um fracassado ante a falência orgânica. A doença está cumprindo importante papel, e irá lhe devolver um
equilíbrio, um bem-estar e uma saúde muito maiores do que aqueles de que desfrutou em vida. Acredite nisso. Não se
permita cair no pesar desagregante de forças vitais, que somente lhe agravarão o estado físico. Não alimente
desnecessárias angústias. Não se sobrecarregue com o peso do pessimismo. A enfermidade, ainda que fulminante, se é
vista como um fracasso biológico pela curta visão materialista, não é uma derrota do espírito. É sempre uma vitória da
vida para a alma imortal, que se vê paulatinamente livre de seu fardo de maldades.
Mas se a tempestade tumoral passar, então será a hora de mudar radicalmente a sua vida. Não seja o mesmo antes e
depois do câncer. Aproveite, pois não há estímulo maior para reformularmos nosso comportamento e alinharmos nossos
propósitos com a Lei de Deus do que a ameaça da morte por um câncer. Aprenda a valorizar o que realmente convém:
aspirar somente pelo que é imponderável, pois unicamente os valores imponderáveis sobrevivem ao túmulo. Pratique o
desapego dos irrisórios bens físicos. Viva da maneira mais simples que puder. Supere necessidades supérfluas. Lute
contra o orgulho. Perdoe, “não sete vezes, mas setenta vezes sete”, as injúrias recebidas na jornada da vida. E não fuja
dos desafetos, ao contrário, aproxime-se-lhes o máximo que possa. Não repita o que comumente ouvimos: “eu o perdoo,
mas não quero vê-lo nunca mais”. Dedique-se aos estudos do espírito, e procure conhecer melhor a si mesmo. Acredite,
a doença evoca-o, sobretudo, a desvendar seus segredos mais íntimos, até onde for capaz, para que alcance o
verdadeiro e desejado equilíbrio.

Faça morrer o ego inferior, deixando de alimentar seus melindres, como o orgulho, a vaidade, a inveja, o ciúme, a cobiça,
a raiva com todo o seu rol de males. Alimente o psiquismo com leituras nobres e o coração com sentimentos elevados.
Cultive o belo, o bom, o verdadeiro e o justo. Aproxime-se o máximo possível da natureza e procure desfrutar das
alegrias genuínas e saudáveis que a vida lhe oferta.

Valorize sua existência como convém. Fuja dos vícios. Cuide do seu corpo como o precioso templo de sua alma. Faça
atividades físicas. Alimente-se moderadamente. Repouse e cultive o lazer quando puder. Tome o mínimo de
medicamentos possível. Viva a vida da forma mais singela possível, fugindo do supérfluo. A felicidade está nas coisas
mais simples da existência e não nos grandes feitos e soberbas conquistas. Não queira ser herói, ainda que de si
mesmo, e não alimente excessivas e perniciosas vaidades. Fuja do exibicionismo e não queira provar nada para
ninguém.
Faça de sua vida uma luta permanente contra a inferioridade moral que ainda nos domina a todos. Lembre-se, devemos
ter apenas um inimigo na vida, o qual temos o dever de combater com todas as forças da alma: nossos próprios impulsos
inferiores.
Dedique-se a tarefas de cunho social, servindo aos semelhantes na altura de suas possibilidades, doando de si mesmo
em prol dos necessitados. Faça contatos. Conviva. Distribua gentilezas ao redor dos passos. Atenda, quanto puder, às
solicitações alheias. Recorde-se de que o egoísmo separatista é um dos deflagradores do processo cancerígeno,
merecendo, portanto, todo o nosso empenho em saná-lo. Para isso você deve se tornar uma célula social, participativa,
zeladora e colaboradora do bem coletivo. Portanto, saia de seu individualismo. Trabalhe pela comunidade, dedique-se a
serviços sociais, tarefas socorristas ou qualquer atividade benéfica para seu semelhante. Lembre-se, os hospitais estão
cheios de doentes cancerosos, muitos deles crianças, esperando por uma palavra de consolo e um apoio amigo. E o
testemunho daquele que já passou pelo processo é um precioso conforto.

Se você é um aposentado e não precisa mais trabalhar para ganhar o sustento da vida, com mais razão deve tornar útil à
sociedade as suas horas vazias. Enriqueça-as com obras sociais. Doe amor e serviços ao próximo e receberá em troca
tudo o que precisa para a reconquista da saúde verdadeira.
Combata com todas as forças de sua alma o egoísmo e o orgulho. Esses são os venenos que alimentam nosso câncer,
creia. Talvez seja essa a tarefa mais difícil que a vida lhe pede, mas empregando todas as suas forças nesse desiderato,
você sairá vitorioso. As energias do altruísmo são as mais benéficas que a natureza nos disponibiliza, embora não as
percebamos de imediato agindo na intimidade.

Pratique a paciência e a tolerância. Iniba a raiva na raiz dos sentimentos, para que não precise depois colocar-lhe os
necessários freios sociais. Eduque o pensamento, coibindo fantasias perniciosas. Alinhe os desejos na fileira do bem
verdadeiro. Torne saborosos os seus sentimentos com o indispensável tempero do amor.

Não se esqueça do convívio familiar. Compartilhe sua vida. Divida-a com parentes e amigos, pois nossa felicidade é
essencialmente proporcional à felicidade que distribuímos ao redor dos passos. Fuja do pessimismo, da tensão e das
cobranças excessivas. Faça o que estiver ao seu alcance, da melhor maneira que possa. Reconheça os limites de suas
forças e não queira realizar o impossível. Doe o que puder, mas não queria dar o que não tem.

E não lhe digo: desfrute ao máximo os prazeres da vida. Não. Há deleites impróprios que comprometem nossa saúde
e expõem-nos a grandes quedas morais. E, sobretudo, se comprometem a alegria do outro, unicamente nos trarão
malefícios. Lembre-se, a vida é sábia e registra com exatidão não só nossos atos, mas também nossos pensamentos e
sentimentos, por mais ocultos nos pareçam.

Faça seu acompanhamento médico como convém e como lhe foi proposto. Sabemos que cada sessão de exames
laboratoriais reacenderá em sua alma o temor de uma recaída. Esse fantasma acompanhar-lhe-á os passos por um bom
tempo. Cinco anos, de modo geral, é o prazo médio que a medicina determina para conferir-lhe a alta definitiva. Aproveite
esse tempo para exercitar esse pequeno rol de necessidades terapêuticas da alma. Embora não se possa observar
diretamente a atuação desses salutares impulsores, você sentirá seus efeitos imediatos na consciência profunda. A
satisfação do dever moral cumprido é o mais precioso medicamento de que necessitamos, capaz de nos manter no
máximo equilíbrio possível. É assim que iremos velar pela ameaça do câncer que continuará espreitando-nos a
intimidade, até que desista de novo intento de investir-se contra a nossa felicidade na Terra.

Enfim, esteja certo de que, embora você tenha se livrado das ameaças iminentes de um câncer, sua alma continua
doente. Os medicamentos que a bondade da vida ofertou-lhe são de efeitos provisórios e superficiais. Não podem
alcançar a substância de seu espírito, onde repousa a verdadeira origem de seu tumor. Apresse-se a acalmar seus
impulsores, os quais facilmente poderão ser outra vez deflagrados. Tenha sempre em mente as palavras que Jesus
proferiu ao paralítico de Betesda que acabara de curar: “Não voltes a pecar para que não lhe suceda um mal maior” (Jo
5:14).
Que o Senhor acompanhe seus passos!

De coração,

Gilson Freire

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