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FACUDADE BRASILEIRA MULTIVIX CARIACICA

JOBERTE DE MATOS ALVES.

RESENHA CRÍTICA SOBRE O LIVRO “O MERCADOR DE VENEZA”

CARIACICA/ES
2022
JOBERTE DE MATOS ALVES.

RESENHA CRÍTICA SOBRE O LIVRO “O MERCADOR DE VENEZA”

Trabalho apresentado à disciplina de Direito


Metodologia do Trabalho Científico, do curso
de Direito da Faculdade Multivix de Cariacica,
como intuito de obtenção de nota.
Orientador: Prof. (a): Áquila Gadioli

CARIACICA/ES
2022
Resenha crítica - Livro: O MERCADOR DE VENEZA

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho é uma resenha crítica e tem o escopo de destrinchar o livro "O
Mercador de Veneza". O conteúdo segue à risca a idéia proposta, sendo assim,
seguiremos a estrutura de um texto dissertativo-argumentativo: introdução,
desenvolvimento e conclusão. Também é objetivo do material relacionar o conteúdo
do com a disciplina de Direito Processual Civil, sobretudo com o tema execução, no
qual analisaremos. Serão, ainda, mencionados na atividade pontos que envolva a
disciplina de Direito Constitucional, devido à necessidade de salientar aquilo de
relevante vinculado ao Direito. O texto apresenta uma síntese do livro aonde, no
decorrer desta, serão abordados elementos precípuos apresentados na produção
literária que têm relação com o Direito Processual Civil.

“O mercador de Veneza” é, na verdade, uma obra de William Shakespeare, escrita


por volta de 1596. A história tem lugar entre Veneza e a fictícia Belmonte e mostra o
antagonismo entre Antônio, o mercador do título da obra, comerciante cristão de
prestígio, e Shylock, um usurário judeu que leva o outro ao tribunal no intuito de
cobrar uma dívida.
A leitura do livro "O Mercador de Veneza" nos leva a pensar sobre questões
diversas, como: o uso do poder e da força estatal como fator da ruína humana, o
contraste existente entre o direito veneziano e o direito atual, a inexistência de
princípios essenciais que hoje norteiam o Processo Civil, o aparente progresso da
execução de dívidas, e, principalmente, o conflito entre a justiça e a misericórdia.

A história tem início em uma conversa entre Bassânio e Antônio, este último
revelando uma extrema melancolia. Antônio não consegue explicar a depressão que
lhe incomoda. Bassânio desesperadamente pede ajuda ao amigo, Antônio, alegando
que precisa ir até Belmonte, onde vive Pórcia, a quem amava, e a quem queria fazer
a corte. Antonio se propôs a ajudar Bassânio. No entanto, deixou claro que não
possuía, no momento, dinheiro para isso, posto que aplicou tudo que tinha em
algumas expedições marítimas, com às quais almejara alcançar muitos lucros.
Antônio, na obra literária, é um mercador, por isso todo seu capital estava investido
em um conjunto de navios mercantes que navegavam em águas estrangeiras. Em
seguida, ambos combinam negociar um empréstimo do qual ele, Antonio, seria
fiador.
Em Veneza, Antonio procurou Shylock. O encontro foi tenso. O judeu condenou o
cristão já que por muitos anos este declarar-se grande opositor dos judeus e de suas
práticas. Após o atrito e certa resistência, Shylock concordou com o empréstimo.
Exigiu, no entanto, como condição de entrega dos três mil ducados, que Antonio
empenhasse uma libra de carne do próprio corpo, para garantir o acordo e ser
cobrado como multa. Na verdade, o que Shylock queria com essa negociação era a
chance de se vingar de Antônio, que várias vezes o ofendera por suas práticas de
emprestar dinheiro a juros, por sua origem judaica e, ainda, prejudicou seus
negócios. Mesmo sem a aprovação de Bassânio, diante do objeto medonho do
contrato, Antonio fechou o acordo, na expectativa de ajudá-lo, crente de que não
teria qualquer problema para executar a dívida.

As primeiras indagações são as seguintes: pode ser considerado lícito um contrato


cujo objeto seja capaz de ferir a integridade física de um homem? Seria razoável
exigir a execução de uma dívida diante de tamanha má-fé de uma das partes? Em
contraste, caso a supracitada situação ocorresse nos dias atuais brasileiros, ela
seria flagrantemente inválida, pois feriria o requisito manifestação de boa-fé e objeto
lícito e possível, visto que, no primeiro caso, o comerciante judeu inegavelmente
agiu de má- fé, é o que nos mostra o filme na cena em que Shylock fala sobre
Antônio: "Como se parece com um hipócrita republicano! Eu o odeio...se um dia
conseguir agarrá-lo, saciarei o velho ódio que sinto por ele!”.
Desta forma, pode-se inferir que houve má-fé, o que seria contra o artigo 14 do CPC
(“CPC/Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma
participam do processo: II – proceder com lealdade e boa-fé”). Quanto ao objeto
ilícito, está clara a inconstitucionalidade por afronta aos princípios fundamentais,
especificamente ao fundamento da Dignidade da Pessoa Humana expresso na
constituição federal.

Mais tarde, infelizmente, os navios de Antônio, os quais eram sua base financeira e,
conseqüentemente, as seguranças para a restituição do valor emprestado,
afundaram. Shylock descobriu que os navios de Antônio naufragaram e ficou
profundamente otimista. Bassânio imediatamente retornou para Veneza por causa
do amigo. Disfarçadas de homens, Pórcia e Nerissa, criada de Pórcia, também
correram para Veneza. A questão seria discutida num tribunal, dirigido pelo Duque
que comandava a cidade.

Shylock, após, diabolicamente, ter mostrado contentamento com o desastre, levou o


contrato ao Duque, exigindo a execução do título. Chegamos a parte final do filme
onde ocorre o julgamento, o Duque anunciou a chegada de um juiz. Era justamente
Pórcia, que ninguém reconheceu como tal. Pórcia pediu clemência a Shylock, que
não admitiu outra solução, que não o corte da própria carne de Antônio.

Na primeira parte, do parágrafo acima, entendemos ser impossível a execução da


dívida por afronta ao princípio da boa fé, o qual é um dos princípios fundamentais do
direito privado brasileiro e tem como função principal estabelecer um padrão ético de
conduta para as partes nas mais diversas relações obrigacionais. Em uma das
últimas cenas, Baltasar (Pórcia), tentando a conciliação, propõe o recebimento de
três vezes o valor da dívida, para rasgar o contrato. Absurdamente, Shylock resiste,
aceitando apenas a multa, sob o argumento de que quer ver cumprida a literalidade
da avença. Resta óbvio que o objetivo não é sanar o prejuízo adquirido e é,
exatamente, essa pretensão de causar a morte daquele que considera seu inimigo,
que caracteriza a má-fé de Shylock. Além disso, a grave descumprimento do
Princípio da utilidade da execução, o qual diz que a execução deve ser útil ao credor
e, portanto, não se permite sua transformação em instrumento de simples castigo ou
sacrifício do devedor.

Sobre a segunda parte, vale destacar que o duque tinha escolhido um juiz, no
entanto, como resultado do plano pactuado para tentar salvar Antônio, quem
comparece é Pórcia disfarçada de juiz, identificando-se como Baltasar, substituto do
juiz que ficara doente. A comunicação da doença foi feita por carta lida no tribunal.
Houve para ambas as partes o direito de falar, durante a resolução do conflito, e
defender-se, o que traz a idéia de contraditório e ampla defesa, pouco expressivas
no filme, mas de fato existentes.

Outro ponto a ser destacado é que Baltasar (Pórcia) atua como um conciliador o que
semelhantemente ocorre no direito atual. O § 2º do art. 3º da lei 13.105/2015
(CPC/2015) estabelece que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução
consensual dos conflitos". Por sua vez, o § 3º, do mesmo artigo, dispõe que "a
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial". No tocante aos poderes,
deveres e responsabilidades, o art. 139, inciso V, preceitua que incumbe ao juiz
"promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de
conciliadores e mediadores judiciais".
Sendo assim, da leitura de todos os dispositivos acima reproduzidos, é possível
depreender que o Estado-juiz, além de outros deveres, deve tentar buscar a solução
consensual de conflitos (CPC/2015, art. 3º, § 2º) e deve estimular a solução
consensual de conflitos, inclusive no curso de processo judicial (CPC/2015, art. 3º, §
3º), o que comprova a afirmativa. Por fim, não se trata de novidade o que foi exposto
até aqui, pois o art. 125, inciso IV, do CPC/1973 (lei 5.869/1973), já estabelecia que
competia ao juiz "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes".

Bassânio fez uma intervenção e propôs pagar a Shylock o dobro da dívida. Pórcia
examinou o contrato, insistiu na validade das cláusulas e argumentou que Shylock,
de fato, deveria receber o combinado. Shylock sorriu; sentiu-se vitorioso.
Surge, então, uma nova indagação: o pronunciamento de Bassânio, pode ser
considerado uma modalidade de intervenção de terceiros, mais especificamente, a
denominada assistência? Vejamos: A assistência simples, consoante os
conhecimentos de processo civil, é caracterizada pela intervenção de um terceiro em
um processo para auxiliar uma das partes, sendo apenas um sujeito daquele
processo, e não parte dele. O assistente pode entrar no processo a qualquer tempo,
recebendo este da forma em que se encontra naquele momento. O interesse jurídico
do terceiro é fundamental para seu ingresso, também é preciso que esse terceiro
seja atingido pela sentença proferida. Bassânio, como se percebe na análise do
filme age, finalísticamente, com o propósito de salvar a vida do amigo, isto é, não há
interesse jurídico, mas afetivo. Entendemos não ser ele atingido pela sentença, pois
o litígio passou a ser entre Antônio e shylock, apenas; a partir do momento que
vence o prazo para a restituição dos três mil ducados, a responsabilidade passa a
ser de Antônio que foi fiador de Bassânio. A decisão do juiz, de forma alguma, pode
atingir Bassânio; os efeitos da sentença serão suportados, apenas, por Antônio que
terá seu corpo cortado.

No decorrer do julgamento Pórcia sugere que Shylock receba três vezes o valor do
empréstimo, mas o mesmo mostra-se irredutível, assim como nas outras tentativas
de conciliação. Não havendo mais o que fazer e desconsiderando-se a possibilidade
de abrir mão da justiça para poupar a vida do inadimplente, visto que tal atitude
prejudicaria o direito veneziano, após ter sido dado voz a Antônio, que se expressou
em poucas palavras, Shylock arma a espada para a cobrança da multa. Pórcia, no
entanto, interrompe a ação, a qual seria hoje uma terrível afronta a dignidade da
pessoa humana e aos direitos fundamentais, e passa a explorar muito bem uma
subtilidade. Como Shylock havia pedido apenas a letra da lei, então ele teria de
contar uma libra justa, nem mais nem menos, e sem derramar uma gota de sangue
veneziano, pois a avença não o dava este direito.
Se a balança se movesse o equivalente a um fio de cabelo morreria e todos os seus
bens seriam confiscados. Assustado, e acuado, Shylock desistiu de executar o
contrato e aceitou a oferta de Bassânio. Tarde demais. Pórcia adverte: "se for
provado que um forasteiro atentou direta ou indiretamente contra a vida de qualquer
cidadão, a pessoa contra a qual conspirou receberá a metade de seus bens e a
outra metade vai para os cofres do estado. Para Shylock, no final das contas, não
restaram opções úteis: ele só tinha direito à letra da lei, isto é, uma libra da carne de
Antônio, se derramasse sangue, seria morto e seus bens confiscados, não tinha
mais direito a aceitar a oferta que recusará e inevitavelmente, independente da
decisão, perderia todos os seus bens.

Agora, a pergunta que se faz é, no que concerne a relevância da resolução do litígio,


o desfecho pode ser considerado de interesse social, tendo em vista que a retirada
de uma libra de carne, junto ao peito, consoante determinara o acordo, seria o
suficiente para causar a morte da parte inadimplente? Não seria a morte de um
indivíduo, como objeto de execução de uma dívida, algo de grande impacto e
relevância? A resposta para esta pergunta só pode ser positiva. Sendo positiva,
podemos raciocinar, dentro da disciplina de direito processual civil, pela necessidade
de participação no julgamento do que se convencionou chamar de Amicus curiae ou
amigo da corte. O amicus curiae intervém no processo a título de auxiliar do juízo,
com o objetivo de aprimorar as decisões e dar suporte técnico ao magistrado; é
utilizado para democratizar determinado precedente judicial, pluralizando o debate
sobre temas de reconhecida repercussão social. Atualmente, o estado democrático
de direito proíbe, expressamente, através do texto constitucional, lei maior do nosso
estado, a pena de morte. Uma eventual morte como pagamento de dívida seria um
verdadeiro caos, sendo assim, não seria cabível o instituto mencionado.

No final, o Duque resolveu poupar a vida de Shylock, mas com a perda de todos os
seus bens. Antônio pede que seja perdoado metade do confisco dos bens e Shylock
teve que se tornar cristão. Aqui desejamos refletir um pouco mais sobre o assunto
execução. Sabemos que a sociedade atual vive em torno do capital e que sem ele é
verdadeiramente improvável viver em boas condições de existência.
O estado brasileiro assegura o direito à vida que em seus desdobramentos
consubstancia, também, o que se entende por dignidade da pessoa humana. Logo
seria ilógico no nosso ordenamento jurídico uma execução que propicie desonra ao
cidadão e vida indigna. No livro, ao contrário do que se espera há a efetiva
pretensão de retirar todos os bens de uma das partes, o que nos dias de hoje seria
inviável. Neste sentido, o Duque agiu, errado quando determina a retirada de todos
os bens.
Tal atitude lesiona o princípio do respeito à dignidade humana, cujo conteúdo
determina que a execução não deve levar o executado a uma situação incompatível
com a dignidade humana” não pode a execução ser utilizada como instrumento para
causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações
incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Neste sentido, institui o Código a
impenhorabilidade de certos bens como provisões de alimentos, salários,
instrumentos de trabalho, pensões, seguro de vida etc. (NCPC, art. 833).

Não se sabe ao certo quando surgiu á república de Veneza, o que se sabe é que
desde o primeiro momento a organização da república esforçou-se para evitar que
apenas um homem, o doge, tivesse todo o poder. Através de uma série de
mecanismos políticos o doge teve seu poder reduzido e quem mandava mesmo era
o conselho. Percebemos uma cidade politicamente progressa em relação àquele
século, posto que centenas de anos mais tarde começaram a surgir os primeiros
estados nacionais, cujo poder era exercido pelo rei, sem limitações, e em seguida os
primeiros estados democráticos de direito, cuja forma de governo é a República.
Em contrapartida, a boa organização política, pelo menos a mais adequada na
época, não implicava em um direito progresso, como vemos no livro quando as
decisões foram pautadas precisamente no que estava escrito e não no que seria
razoável, e quando o apego à literalidade foi tão demasiado que impossibilitou, por
um lado, a execução do direito do judeu e, por outro lado, à razoabilidade no
julgamento, viabilizando a morte de um ser humano como garantia de dívida. Foi por
isso que ao longo do trabalho fomos capazes de refletir sobre tantos pontos
divergentes entre o direito moderno e o contemporâneo.

Por fim, trazemos à baila os principais assuntos descrito na obra literária para
compararmos uma época diferente com a atualidade, como a religiosa, ganância e
os esdrúxulos maneiras pactuar acordos que explicitamente ferem direitos
fundamentais dos indivíduos e em muitas vezes com o intuito de apenas causar
prejuízos por uma simples vingança.
A obra também nos leva crê na transformação de uma trama de comédia em uma
das mais polêmicas peças românticas de Shakespeare. Por vezes beirando o drama
de tribunal, a discussão embarca em assuntos filosóficos que versam sobre a
natureza da alma humana e o valor do dinheiro. Inegavelmente, uma verdadeira
dádiva em forma de livro, cuja essência incorpora temas dos quais nosso mundo
anda extremamente carente.

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