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CARIACICA/ES
2022
JOBERTE DE MATOS ALVES.
CARIACICA/ES
2022
Resenha crítica - Livro: O MERCADOR DE VENEZA
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho é uma resenha crítica e tem o escopo de destrinchar o livro "O
Mercador de Veneza". O conteúdo segue à risca a idéia proposta, sendo assim,
seguiremos a estrutura de um texto dissertativo-argumentativo: introdução,
desenvolvimento e conclusão. Também é objetivo do material relacionar o conteúdo
do com a disciplina de Direito Processual Civil, sobretudo com o tema execução, no
qual analisaremos. Serão, ainda, mencionados na atividade pontos que envolva a
disciplina de Direito Constitucional, devido à necessidade de salientar aquilo de
relevante vinculado ao Direito. O texto apresenta uma síntese do livro aonde, no
decorrer desta, serão abordados elementos precípuos apresentados na produção
literária que têm relação com o Direito Processual Civil.
A história tem início em uma conversa entre Bassânio e Antônio, este último
revelando uma extrema melancolia. Antônio não consegue explicar a depressão que
lhe incomoda. Bassânio desesperadamente pede ajuda ao amigo, Antônio, alegando
que precisa ir até Belmonte, onde vive Pórcia, a quem amava, e a quem queria fazer
a corte. Antonio se propôs a ajudar Bassânio. No entanto, deixou claro que não
possuía, no momento, dinheiro para isso, posto que aplicou tudo que tinha em
algumas expedições marítimas, com às quais almejara alcançar muitos lucros.
Antônio, na obra literária, é um mercador, por isso todo seu capital estava investido
em um conjunto de navios mercantes que navegavam em águas estrangeiras. Em
seguida, ambos combinam negociar um empréstimo do qual ele, Antonio, seria
fiador.
Em Veneza, Antonio procurou Shylock. O encontro foi tenso. O judeu condenou o
cristão já que por muitos anos este declarar-se grande opositor dos judeus e de suas
práticas. Após o atrito e certa resistência, Shylock concordou com o empréstimo.
Exigiu, no entanto, como condição de entrega dos três mil ducados, que Antonio
empenhasse uma libra de carne do próprio corpo, para garantir o acordo e ser
cobrado como multa. Na verdade, o que Shylock queria com essa negociação era a
chance de se vingar de Antônio, que várias vezes o ofendera por suas práticas de
emprestar dinheiro a juros, por sua origem judaica e, ainda, prejudicou seus
negócios. Mesmo sem a aprovação de Bassânio, diante do objeto medonho do
contrato, Antonio fechou o acordo, na expectativa de ajudá-lo, crente de que não
teria qualquer problema para executar a dívida.
Mais tarde, infelizmente, os navios de Antônio, os quais eram sua base financeira e,
conseqüentemente, as seguranças para a restituição do valor emprestado,
afundaram. Shylock descobriu que os navios de Antônio naufragaram e ficou
profundamente otimista. Bassânio imediatamente retornou para Veneza por causa
do amigo. Disfarçadas de homens, Pórcia e Nerissa, criada de Pórcia, também
correram para Veneza. A questão seria discutida num tribunal, dirigido pelo Duque
que comandava a cidade.
Sobre a segunda parte, vale destacar que o duque tinha escolhido um juiz, no
entanto, como resultado do plano pactuado para tentar salvar Antônio, quem
comparece é Pórcia disfarçada de juiz, identificando-se como Baltasar, substituto do
juiz que ficara doente. A comunicação da doença foi feita por carta lida no tribunal.
Houve para ambas as partes o direito de falar, durante a resolução do conflito, e
defender-se, o que traz a idéia de contraditório e ampla defesa, pouco expressivas
no filme, mas de fato existentes.
Outro ponto a ser destacado é que Baltasar (Pórcia) atua como um conciliador o que
semelhantemente ocorre no direito atual. O § 2º do art. 3º da lei 13.105/2015
(CPC/2015) estabelece que "o Estado promoverá, sempre que possível, a solução
consensual dos conflitos". Por sua vez, o § 3º, do mesmo artigo, dispõe que "a
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial". No tocante aos poderes,
deveres e responsabilidades, o art. 139, inciso V, preceitua que incumbe ao juiz
"promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de
conciliadores e mediadores judiciais".
Sendo assim, da leitura de todos os dispositivos acima reproduzidos, é possível
depreender que o Estado-juiz, além de outros deveres, deve tentar buscar a solução
consensual de conflitos (CPC/2015, art. 3º, § 2º) e deve estimular a solução
consensual de conflitos, inclusive no curso de processo judicial (CPC/2015, art. 3º, §
3º), o que comprova a afirmativa. Por fim, não se trata de novidade o que foi exposto
até aqui, pois o art. 125, inciso IV, do CPC/1973 (lei 5.869/1973), já estabelecia que
competia ao juiz "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes".
Bassânio fez uma intervenção e propôs pagar a Shylock o dobro da dívida. Pórcia
examinou o contrato, insistiu na validade das cláusulas e argumentou que Shylock,
de fato, deveria receber o combinado. Shylock sorriu; sentiu-se vitorioso.
Surge, então, uma nova indagação: o pronunciamento de Bassânio, pode ser
considerado uma modalidade de intervenção de terceiros, mais especificamente, a
denominada assistência? Vejamos: A assistência simples, consoante os
conhecimentos de processo civil, é caracterizada pela intervenção de um terceiro em
um processo para auxiliar uma das partes, sendo apenas um sujeito daquele
processo, e não parte dele. O assistente pode entrar no processo a qualquer tempo,
recebendo este da forma em que se encontra naquele momento. O interesse jurídico
do terceiro é fundamental para seu ingresso, também é preciso que esse terceiro
seja atingido pela sentença proferida. Bassânio, como se percebe na análise do
filme age, finalísticamente, com o propósito de salvar a vida do amigo, isto é, não há
interesse jurídico, mas afetivo. Entendemos não ser ele atingido pela sentença, pois
o litígio passou a ser entre Antônio e shylock, apenas; a partir do momento que
vence o prazo para a restituição dos três mil ducados, a responsabilidade passa a
ser de Antônio que foi fiador de Bassânio. A decisão do juiz, de forma alguma, pode
atingir Bassânio; os efeitos da sentença serão suportados, apenas, por Antônio que
terá seu corpo cortado.
No decorrer do julgamento Pórcia sugere que Shylock receba três vezes o valor do
empréstimo, mas o mesmo mostra-se irredutível, assim como nas outras tentativas
de conciliação. Não havendo mais o que fazer e desconsiderando-se a possibilidade
de abrir mão da justiça para poupar a vida do inadimplente, visto que tal atitude
prejudicaria o direito veneziano, após ter sido dado voz a Antônio, que se expressou
em poucas palavras, Shylock arma a espada para a cobrança da multa. Pórcia, no
entanto, interrompe a ação, a qual seria hoje uma terrível afronta a dignidade da
pessoa humana e aos direitos fundamentais, e passa a explorar muito bem uma
subtilidade. Como Shylock havia pedido apenas a letra da lei, então ele teria de
contar uma libra justa, nem mais nem menos, e sem derramar uma gota de sangue
veneziano, pois a avença não o dava este direito.
Se a balança se movesse o equivalente a um fio de cabelo morreria e todos os seus
bens seriam confiscados. Assustado, e acuado, Shylock desistiu de executar o
contrato e aceitou a oferta de Bassânio. Tarde demais. Pórcia adverte: "se for
provado que um forasteiro atentou direta ou indiretamente contra a vida de qualquer
cidadão, a pessoa contra a qual conspirou receberá a metade de seus bens e a
outra metade vai para os cofres do estado. Para Shylock, no final das contas, não
restaram opções úteis: ele só tinha direito à letra da lei, isto é, uma libra da carne de
Antônio, se derramasse sangue, seria morto e seus bens confiscados, não tinha
mais direito a aceitar a oferta que recusará e inevitavelmente, independente da
decisão, perderia todos os seus bens.
No final, o Duque resolveu poupar a vida de Shylock, mas com a perda de todos os
seus bens. Antônio pede que seja perdoado metade do confisco dos bens e Shylock
teve que se tornar cristão. Aqui desejamos refletir um pouco mais sobre o assunto
execução. Sabemos que a sociedade atual vive em torno do capital e que sem ele é
verdadeiramente improvável viver em boas condições de existência.
O estado brasileiro assegura o direito à vida que em seus desdobramentos
consubstancia, também, o que se entende por dignidade da pessoa humana. Logo
seria ilógico no nosso ordenamento jurídico uma execução que propicie desonra ao
cidadão e vida indigna. No livro, ao contrário do que se espera há a efetiva
pretensão de retirar todos os bens de uma das partes, o que nos dias de hoje seria
inviável. Neste sentido, o Duque agiu, errado quando determina a retirada de todos
os bens.
Tal atitude lesiona o princípio do respeito à dignidade humana, cujo conteúdo
determina que a execução não deve levar o executado a uma situação incompatível
com a dignidade humana” não pode a execução ser utilizada como instrumento para
causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações
incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Neste sentido, institui o Código a
impenhorabilidade de certos bens como provisões de alimentos, salários,
instrumentos de trabalho, pensões, seguro de vida etc. (NCPC, art. 833).
Não se sabe ao certo quando surgiu á república de Veneza, o que se sabe é que
desde o primeiro momento a organização da república esforçou-se para evitar que
apenas um homem, o doge, tivesse todo o poder. Através de uma série de
mecanismos políticos o doge teve seu poder reduzido e quem mandava mesmo era
o conselho. Percebemos uma cidade politicamente progressa em relação àquele
século, posto que centenas de anos mais tarde começaram a surgir os primeiros
estados nacionais, cujo poder era exercido pelo rei, sem limitações, e em seguida os
primeiros estados democráticos de direito, cuja forma de governo é a República.
Em contrapartida, a boa organização política, pelo menos a mais adequada na
época, não implicava em um direito progresso, como vemos no livro quando as
decisões foram pautadas precisamente no que estava escrito e não no que seria
razoável, e quando o apego à literalidade foi tão demasiado que impossibilitou, por
um lado, a execução do direito do judeu e, por outro lado, à razoabilidade no
julgamento, viabilizando a morte de um ser humano como garantia de dívida. Foi por
isso que ao longo do trabalho fomos capazes de refletir sobre tantos pontos
divergentes entre o direito moderno e o contemporâneo.
Por fim, trazemos à baila os principais assuntos descrito na obra literária para
compararmos uma época diferente com a atualidade, como a religiosa, ganância e
os esdrúxulos maneiras pactuar acordos que explicitamente ferem direitos
fundamentais dos indivíduos e em muitas vezes com o intuito de apenas causar
prejuízos por uma simples vingança.
A obra também nos leva crê na transformação de uma trama de comédia em uma
das mais polêmicas peças românticas de Shakespeare. Por vezes beirando o drama
de tribunal, a discussão embarca em assuntos filosóficos que versam sobre a
natureza da alma humana e o valor do dinheiro. Inegavelmente, uma verdadeira
dádiva em forma de livro, cuja essência incorpora temas dos quais nosso mundo
anda extremamente carente.