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PAIXÃO E GLORIA

Título original: "Wings of Gold"


Suzanne Ellison
Digitalização: Joyce
Revisão e Formatação: Cynthia M.

Por amor a um homem uma mulher deve renunciar ao ideal de sua vida?
Acariciando-se em silêncio, Érica e Cristian permaneceram abraçados na areia da
praia, ouvindo o barulho das ondas nas pedras e olhando as gaivotas que voavam na
brisa leve e refrescante do oceano. Por mais que tentassem, era impossível esquecer
todo o sofrimento.
'Case-se comigo, Érica. Agora!', dissera ele, com o irresistível charme de aviador da
Marinha, que a fazia derreter-se em seus braços como uma adolescente apaixonada.
Com o risco de perdê-lo, ela teria de desistir de uma brilhante carreira na NASA... E
desistir também de realizar o maior sonho de sue vida: será primeira mulher a viajar no
ônibus espacial Odyssey!
CAPITULO I

— Érica! Dra. Érica Newman! Abra a porta!


Ao ouvir o chamado na voz grave de homem, Érica estremeceu de leve, remexendo-se
languidamente na espreguiçadeira, o escultural corpo feminino generosamente despido
por um biquíni sumário. Fugindo da correria cotidiana, ela se isolara no jardim de sua
casa, aproveitando a tarde de folga no centro espacial. Depois de alguns mergulhos na
piscina, deitara naquela cadeira c adormecera, não subia por quanto tempo. Nem de
longe, desconfiava que aquela noite lhe reservava grandes surpresas.
Érica sonhava com o projeto que ajudava a desenvolver para a NASA, como médica-
pesquisadora do Centro Espacial Johnson, em Houston, no Texas, quando a campainha
soou: era o sinal para disparar o foguete que a levaria ao espaço, na primeira missão do
ônibus espacial, em que seria feita uma cirurgia em órbita da Terra. O coração batia
acelerado pela emoção, ela se preparara durante toda a vida para isso.
— Doutora, por favor, abra a porta!
Érica arregalou os olhos, sobressaltada, ao reconhecer a voz de Cristian Tatum, oficial
aviador da Marinha que servia também na NASA, na base aérea local. Dormira além da
conta, havia escurecido.
— Pelo amor de Deus, Dra. Newman. . . É uma emergência! Ainda atordoada, Érica
levantou-se, apressada, ao perceber um acento de angústia no chamado de Cristian: na
certa, alguém precisava de seus conhecimentos médicos. Com esse pensamento, afastou
por completo o torpor do sono e correu a abrir a porta, sem se lembrar de cobrir o corpo
semidesnudo.
Um arrepio de excitação percorreu-lhe a espinha, ao se deparar com a figura de
cabelos negros e feições bem-feitas, sob o batente da porta: alto e musculoso, Cristian
Tatum tinha porte atlético e parecia que já nascera dentro daquele uniforme da Marinha
dos Estados Unidos. Com seus lindos olhos azuis, ele a encarou, primeiro
respeitosamente e, em seguida, sem disfarçar um impulso apaixonado, devorando-lhe o
corpo exuberante e seminu, as formas perfeitas, a pele bronzeada. . . os seios fartos. . .
Érica sentiu-se corresponder à mensagem secreta que os olhos daquele visitante
inesperado lhe enviavam. Afinal, dentre todos os pilotos da NASA, Cristian era o que lhe
despertava maior interesse. Com os lábios úmidos, incapaz de pronunciar qualquer
palavra, ela estava pronta para o beijo. Parecia que o desejo, refreado há muito tempo,
queria explodir naquele momento.
Uma tossida peculiar a fez voltar a cabeça e só então notar a presença de Jeb Henson.
Visivelmente embaraçado com a cena, ele estava encostado à parede, um pouco atrás.
Érica engoliu em seco: além de cultivar a fama de ser um dos profissionais mais
rigorosos da NASA, Jeb era o chefe do projeto em que ela trabalhava, considerada a
missão mais importante da organização, e tinha poderes suficientes para determinar os
rumos futuros de sua carreira na empresa.
Diante do ar de reprovação estampado no rosto dele e já prevendo o que isso poderia
lhe custar, Érica armou-se de coragem e, readquirindo o controle, rompeu o silêncio
constrangedor que se formara:
— Parece que ouvi a palavra "emergência". . . Jeb adiantou-se.
— Lamentamos ter que incomodá-la, Dra. Newman — falou gentilmente —, mas
acontece que houve um imprevisto. . . Um dos integrantes do projeto saiu ferido num
acidente e precisamos de um médico... da NASA...
Érica sentiu um aperto no coração. A emoção e o desejo evaporaram-se por completo,
e ela, apesar de desconcertada por estar com o corpo sensual exposto, procurou agir
formalmente, como se trajasse o tradicional uniforme branco.
— Um momento, vou apanhar minha valise. Vocês podem descrever os sintomas do
paciente durante o caminho. . . — disse, e fez menção de se afastar em direção ao
quarto. Mas Cristian a deteve.
— Não há necessidade! Isto é, já temos médicos demais. . . O que precisamos é nos
livrar deles. . .
— O que Cris está tentando lhe dizer, doutora, é que precisamos de sua ajuda para
obter mais informações sobre o estado de Roger — Jeb falou pacientemente. — Os
médicos da Santa Casa se recusam a nos atender. .
— Quem? Roger Shaw? — ela perguntou, incrédula. Diante do silêncio afirmativo,
Érica sentiu a cabeça girar.
De todos os companheiros, naquele projeto, nenhum significava tanto para ela quanto
Roger Shaw. Não apenas por ser um homem alegre, simpático e cativante, nem
tampouco por achá-lo a pessoa mais gentil que já conhecera, mas principalmente porque
ele era o exemplo de profissional que ela sempre almejara ser. Médico-cirurgião
excepcional, Roger chefiava a equipe médica do projeto e também tripularia o ônibus
espacial comandado por Jeb Henson, onde era o encarregado daquela cirurgia histórica.
Demorou um pouco pura ela se refazer da péssima notícia o finalmente perguntar,
preocupada:
— Mas o que aconteceu?
— Não se trata de um problema médico, mas burocrático — antecipou-se Cristian,
nervoso e impaciente, passando seguidamente as mãos pelos cabelos. — A questão é
que aquele hospital precisava era de um bom comandante. . .
Érica não compreendia.
— Se há um homem machucado e sou médica, preciso saber o que aconteceu, quais
as condições físicas dele...
— Érica, por favor. . . — Jeb interrompeu-os novamente, dirigindo a Cristian um olhar
de censura. — Roger voltava para casa, quando algum idiota atravessou o sinal
vermelho, bateu no seu carro e fugiu. Ele chamou Cris para ir buscá-lo, não estava ferido.
— Como sabe disso?
— Ora, por favor! — Cristian explodiu. — Já me feri várias vezes em combate! Sei o
que é um ferimento!
— Então, já deve saber que uma pessoa pode estar seriamente ferida e agir em...
—. . .em estado de choque. — Ele não a deixou completar a frase. — Mas Roger
estava lúcido! Até brincou, quando falei de irmos ver um médico. Ele não queria e. . .
tive de brigar para levá-lo à Santa Casa. — Olhou para Jeb e voltou a encará-la. — Você
faz plantão lá nos fins de semana, não é? Cada vez mais nervoso, ele continuava a
passar as mãos pelos cabelos. Nem parecia o mesmo homem que a olhara com tanta
volúpia momentos antes. Sem esperar resposta, continuou:
— É um hospital civil e não querem nem saber qual é a minha patente. Não me deixam
ver Roger! Dizem que está em cirurgia. . . Mas é impossível! — Interrompeu-se para
tomar fôlego e continuou: — Faz quase seis horas que o levei para lá e continuam dando
desculpas. O Dr. Jefferson não quer nem ao menos nos receber e os outros médicos nem
ligam para a nossa aflição! Estão escondendo alguma coisa. Não é normal. . .
— Não é normal?! — Érica interrompeu-o, irritada e ofendida com as acusações contra
seus colegas de profissão. — Talvez a enfermeira-chefe tenha tentado ensinar-lhes um
mínimo de boas maneiras. Às vezes, vocês, pilotos, pensam que são os donos do mundo!
— Roger não é piloto! Roger. . . Roger é meu amigo!
Ao ouvir estas palavras, Érica caiu em si. Apesar de forte, Cristian estava à beira de um
colapso, tentando evitar a idéia de que o acidente fora mais sério do que aparentava, e
Jeb Henson, impassível, escondia o mesmo temor. Incrível como ela, sendo uma médica
experiente e bem treinada, não percebera isso antes. . . Só havia uma explicação: seus
instintos de mulher, afetados pela forte atração que sentia por Cristian, ocultaram os
sinais que o treinamento profissional a ensinara a reconhecer.
Correu ao telefone para ligar à Santa Casa, mas, antes mesmo que a atendessem,
pressentiu o que acontecera a Roger. Conhecia aquela equipe médica muito bem e
acreditava na competência profissional dos colegas. Havia, portanto, apenas uma razão
para que ocultassem o verdadeiro estado de um paciente.
Do outro lado da linha, a voz do plantonista confirmou suas suspeitas: a situação de
Roger era grave, talvez fatal! Ele estava em coma.
Apesar da longa vivência com fatos dessa natureza, Érica custou a vencer a vertigem
antes de comunicar a eles que não havia mais nada a fazer, a não ser esperar. Assim que
se viu
sozinha, deixou-se cair pesadamente no sofá, abalada demais para conseguir dormir.
Há dois anos, escondia, cuidadosamente, seu interesse por Cristian, mas sua reação
nesta noite fora uma revelação até para ela mesma. Admitir que se sentia atraída por ele
não a deixava nem um pouco admirada. Ao contrário, aumentava sua apreensão, pois
poderia significar um impedimento à brilhante carreira que desenvolvera até ali.
Subir de posto na NASA não era fácil, nem divertido. Havia momentos em que cogitava
até em abandonar os sonhos acalentlados desde a infância e desistir da boa parte deles
que concretizara com muita luta. Embora tivesse se tornado uma cirurgiã respeitada na
organização, a ambição de operar no espaço ainda parecia quase impossível de realizar.
Entretanto, desistir no meio do caminho não era de seu temperamento.
Em nome desse ideal, sacrificara-se muito. Trocara a vida social e afetiva por noites de
estudo e trabalho. Logo cedo percebera que uma mulher, para ser bem-sucedida ali,
deveria evitar encontros ou envolvimentos emocionais com colegas de trabalho do sexo
masculino. Portanto, embora uma multidão de admiradores a rodeasse, convidando-a
para sair, ela sempre recusara, pois sabia que poderia ser prejudicada na designação
para uma missão, não por falta de competência, mas por sua conduta na vida particular.
Cristian, no entanto, fora uma exceção. Nunca se misturara ao grupo dos que a
cortejavam insistentemente e limitava-se a observá-la à distância. Apenas depois que
Érica fora transferida para um departamento afastado do dele é que se aproximara e,
muito formalmente, a convidara, primeiro para jantar; depois, para assistir a uma peça de
teatro; e, finalmente, para conhecer uma famosa companhia de bale que se apresentaria
na cidade.
Ela recusara sempre e, após cada negativa, ele esperava algumas semanas, antes de
tentar novamente, nunca demonstrando qualquer sentimento ou decepção. Parecia muito
atraído por ela, embora, após as três recusas, tivesse se afastado completamente,
limitando-se a cumprimentá-la formalmente nos corredores. Agora, o acidente com Roger
fizera com que se encontrassem fora do rígido ambiente de trabalho.
Perdida nesses devaneios, Érica ficou arrepiada ao se lembrar dos olhares trocados à
porta, há pouco, e do desejo que os consumira naquele momento. Mesmo tendo
consciência do risco que corria, não conseguia esquecer a sensação de prazer que a
invadira por ver que ele a cobiçava. Era fácil imaginar o que teria acontecido caso Jeb
Henson não estivesse lá.
Por mais que tentasse se convencer de que todos os pilotos eram iguais, que apenas
queriam uma mulher para viver à sombra deles, cuidando dos filhos e da casa, uma voz
interior sussurrava-lhe: "Cristian é diferente..."
Recostada no sofá, Érica acabou adormecendo com a imagem daquele homem
insinuante a povoar-lhe os sonhos.
Na manhã seguinte, a notícia se espalhou por toda a NASA com a rapidez de um raio:
Roger Shaw permanecia internado na Santa Casa, em estado de coma. As lesões
internas provocadas pelo acidente poderiam ser fatais.
No fim da tarde, ao chegar àquele hospital para seu plantão habitual das sextas-feiras,
Érica encontrou Cristian na porta da Unidade de Terapia Intensiva. Ao vê-lo despenteado
e abatido, sentado desajeitadamente numa cadeira desconfortável e vestido com o
mesmo uniforme da noite anterior, não foi difícil para ela adivinhar que ele passara a noite
e o dia todo ali.
Naquele instante, vendo-o assim, tão vulnerável, ela concluiu que o que sentia por ele
era tão forte que nem mesmo o risco que um amor inoportuno representava para sua
carreira seria suficiente para afastá-la dele.
Silenciosamente, foi se aproximando devagar, mas ele a viu.
— Érica. . . Olá! Você sabe algo mais sobre Roger?
Enquanto falava, Cristian ia se levantando para cumprimentá-la, com os olhos tristes e
ansiosos por uma esperança. Ela, porém, sentindo-se impotente, não pôde satisfazer-lhe
a expectativa. Mas tentou achar forças para encorajá-lo.
— Ele ainda está vivo. É o melhor que posso lhe dizer.
— Vendo o desespero crescer na expressão dele, continuou:
— Quer que traga alguma coisa para você? Algo para beber ou comer, talvez um livro.
— Notícias de que ele está se recuperando. É só disso que preciso. — Ele abaixou os
olhos azuis.
A energia com que essas palavras foram pronunciadas paralisou-a. Cristian não estava
preparado para ser ajudado. Precisava de comida e repouso, mas, enquanto estivesse
naquele estado, seria inútil insistir.
— Eu... Eu voltarei mais tarde — ela declarou. Sentia-se inútil e incapaz de alterar a
situação, mas havia uma única coisa que estava a seu alcance: interceder junto ao Dr.
Jefferson, o médico-chefe, para que Cristian pudesse entrar no quarto de Roger.
Com esse plano em mente, ela rumou para o pronto-socorro, onde uma noite de
trabalho árduo a aguardava. Os fins de semana eram sempre movimentados, e aquele
não seria nenhuma exceção.
Enquanto caminhava para lá, Érica ia pensando em Roger. Todos os médicos do
Centro Espacial Johnson, ela inclusive, sentiam grande dificuldade em conciliar a
pesquisa espacial com a prática da medicina hospitalar, por isso mantinham um plantão.
Roger também tivera esse problema. Tomada de uma súbita curiosidade, ela se
perguntava como um cirurgião tão brilhante conciliava os dois trabalhos, ambos tão
absorventes? Pensando nisso, lembrou-se de se apresentar como voluntária para
substituí-lo em seu plantão.
Ao voltar à Unidade de Terapia Intensiva, oito horas depois, Érica encontrou Cristian da
mesma maneira como o deixara.
— Alguma novidade? — ele perguntou, sabendo que as chances do amigo eram
poucas. Nenhuma atividade anormal nos corredores próximos ao quarto de Roger teria
escapado ao olhar observador de um piloto treinado como ele.
— Você conseguiu vê-lo? — Érica sentia-se determinada a encontrar uma maneira de
acalmá-lo.
— Duas vezes. Sabe. . . pode fazer uma grande diferença ele saber que tem alguém,
neste mundo, esperando que sare.
Érica colocou as mãos nos ombros dele, num gesto instintivo de conforto e consolo, e
sentiu o calor que emanava dele penetrar-lhe o corpo. Embaraçada, retirou-as
rapidamente.
— Roger tem família? Há alguém que devíamos chamar ou avisar? — perguntou,
tentando recompor-se.
— A ex-mulher não ligaria a mínima. A mãe vive no Oregon, é inválida e falei com ela
esta manhã. Preferia não tê-lo feito, não há nada que ela possa fazer — ele explicou, a
voz entrecortada pelo sofrimento.
Embora procurasse palavras de conforto, Érica sentia-se incapaz de achá-las. Não
havia o que dizer.
— Posso fazer alguma coisa por você, Cris?
— Não. Nada.
A rapidez da resposta a assustou e feriu. Dessa maneira, Cristian a reduzia
exatamente ao que ela representava: uma fonte de informações. Apesar da atração física
que existia entre ambos, ela não seria o consolo, nem o ombro amigo onde ele choraria.
Ao contrário, era um estorvo.
Desanimada, Érica se levantou e ficou parada por um momento à porta do quarto de
Roger. Sentia-se exausta e deprimida. A seu lado, Cristian, sem dormir por duas noites,
parecia disposto a permanecer ali até que o amigo recuperasse a consciência.
Comparada às duas vigílias dele, a dela parecia-lhe brincadeira.
Teve um impulso de abraçá-lo, mas apenas observou o semblante sério e os olhos
distantes, que a proibiam. Ele queria sofrer em paz.
Nesse instante, uma enfermeira a procurou:
— Dra. Newman, é verdade que a senhora vai cobrir o plantão do Dr. Roger na
próxima noite?
Sem ânimo para falar, Érica apenas concordou com um movimento de cabeça.
— Alguma novidade sobre ele? — a enfermeira se interessou, fazendo menção de se
retirar.
Érica balançou negativamente a cabeça, enquanto a enfermeira se afastava na direção
oposta, pensativa.
— Érica! — Cristian a chamou.
Ela olhou e sentiu-se melhor. Valera a pena todo o esforço.
— Foi você que conseguiu a permissão para que eu pudesse vê-lo, não foi?
Sem ter o que dizer, ela apenas concordou com um movimento de cabeça.
— Obrigado. . . — ele murmurou. — Foi. .. muito gentil.
Parecia que, para ele, pronunciar qualquer palavra de agradecimento era um grande
sacrifício. Percebendo isso, Érica sofreu com ele.
— Você vai trabalhar no lugar de Roger esta noite. .. Deve estar cansada.
— Não mais do que você.
Certa de que ele não lhe pediria para ficar, tomou coragem e perguntou:
— Será que... se importaria... se eu sentasse aqui apenas por alguns minutos? Roger
também é meu amigo!
Foi o primeiro sorriso franco e aberto que Cristian lhe dirigiu em meses.
— Ao contrário, é um prazer.
Toda a fadiga desapareceu, substituída pela magia que voltava a aproximá-los,
enquanto eles viam o dia amanhecer, sentados lado a lado. Os primeiros raios do sol
matinal entraram pela janela, ofuscando-lhes os olhos, e uma aura dourada os envolveu,
libertando-os de todo o sofrimento e cansaço daquela vigília.

CAPITULO II

Sentada ao lado de Cristian, Érica sentia o coração se apertar. Não eram apenas
cuidados de amiga que desejava lhe oferecer. Havia muito mais que simpatia entre eles.
— Você trabalha aqui às sextas-feiras? — Cristian perguntou. Retomara a postura
formal, no entanto a voz era rouca, como se as palavras que quisesse dizer fossem
outras.
— Depois deste plantão, tenho o resto do fim de semana livre.
— Você. . . deve sair muito. . . — Um sorriso cauteloso acompanhou a observação.
— Na verdade, não. Leio a maior parte do tempo. Não é fácil manter-me atualizada em
medicina e trabalhar em tempo integral na NASA — ela respondeu, envergonhada, ao
pensar no número de vezes que deixara de aceitar os convites dele.
Os olhos azuis de Cristian, perturbadores, interrogavam-na sobre os motivos que a
haviam levado a recusá-lo, mas ele nada perguntou. Fitaram-se com ardor e ele
finalmente falou, tentando sair daquela situação embaraçosa:
— Você sabia que eu estava ensinando Roger a pilotar aviões?
— Não, ele nunca me falou sobre isso.
— Ele ainda não está muito bom, mas chega lá: tem jeito para a coisa.
Érica estremeceu ao pensar que talvez Roger nunca mais pudesse voar e que,
provavelmente, nem chegasse a recuperar a consciência, mas evitou lembrá-lo.
— Sabe, Érica, o que mais me magoa? Se estivéssemos na Marinha, tudo seria
diferente... Eu não estaria sozinho aqui. Os outros não teriam desistido tão rápido, o
saguão estaria cheio de amigos.
— Talvez a guerra tenha tornado os homens diferentes — ela comentou.
— Essa distância que mantemos dos civis também incomoda... Antes de vir para a
NASA, eu não tinha um único amigo que não fosse da Marinha. Depois de ter trabalhado
com pessoas de fora das Forças Armadas, estou certo de que temos de nos unir. Não
interessa se somos da Marinha, Exército ou Aeronáutica. É o ser humano que importa,
não sua farda.
Essa lógica não era comum em pilotos ou militares, geralmente mais preocupados
consigo próprios e um tanto preconceituosos com relação aos civis. Érica ouvia-o
satisfeita, sentindo-se bem por tê-lo tão próximo. Ele precisava desabafar. . .
— Veja Roger, por exemplo. Quando o conheci, não gostei dele. Parecia simpático e
amigável em excesso, era demais.. . Nós o chamávamos de "Roger, o Magnífico". O
supercirurgião: além de médico, civil. . .
Confuso, interrompeu-se, ao lembrar que Érica também era médica e civil Entre os
pilotos, havia uma folclórica resistência contra esses profissionais. Afinal, um cirurgião de
vôo poderia aposentá-los a qualquer momento. Mesmo conhecendo esse preconceito,
Érica sentiu-se ofendida com aquelas palavras.
— Então, o que o fez mudar de opinião em relação a ele? — perguntou, tentando
superar o constrangimento momentâneo.
— Não muito depois de ter chegado à NASA, comecei a sentir dores no peito, que
poderiam me ameaçar. Eu sobrevivera à guerra, a testes de aviões, casara com Vivian. . .
Tenho cardíacos na família...
— E um astronauta não pode, nem em sonho, ter problemas no coração — ela o
interrompeu, para incentivá-lo a continuar.
— Isso mesmo! Estava com medo de perder o controle nos testes e ser afastado.
"É um caso típico", pensou Érica. "Prefere espatifar-se, por falta de cuidados médicos,
a ver-se com as asas cortadas."
— Então, um dia, Roger me pediu carona. Assim que entrou no carro, começou a
perguntar sobre as dores. Chegou a me ameaçar. Disse que colocaria uma nota sobre
mim no relatório, a menos que eu permitisse que me examinasse.
— Que coragem! — ela sorriu, concordando com a atitude do colega.
— Coragem e estupidez! Quase o matei. Quis saber como descobrira e o que queria
em troca da chantagem. Coitado!
Respondeu que sabia quanto a NASA significava, para mim e que, quando jovem,
também sonhara com a idéia de ser piloto. Como astronauta, ele não poderia me desligar,
mas, como médico, não podia esquecer os sintomas.
— Roger é mesmo especial. . . Você tem bom gosto para escolher amigos.
Ao fazer esse comentário, instintivamente, Érica tocou-lhe o braço musculoso. Era
como se uma nova energia os unisse. Cristian pousou a mão sobre a dela. Nunca haviam
se tocado, mas, se aquilo tivesse acontecido antes, Érica sabia que não teria encontrado
forças para recusar os insistentes convites dele.
Os olhos de Cristian fitavam-na desejosos. Recuando um pouco, ele retirou a mão e,
com uma voz incerta, murmurou:
— Na verdade, era apenas esgotamento nervoso. A falta de coleguismo, as disputas
internas e o clima de competição da NASA haviam me chocado e eu me sentia meio
inadaptado. Roger sugeriu uma pequena licença e tudo se arranjou.
— Às vezes, o corpo sabe mais o que nos convém do que a mente. O meu, por
exemplo, reclama um café da manhã reforçado. Você se importaria de me acompanhar à
lanchonete? — Érica falou e, antes que ele protestasse, concluiu: — Podem me encontrar
em qualquer lugar do prédio, caso haja mudanças no estado de Roger.
Hesitante, Cristian concordou. Mas acompanhou-a em silêncio durante o trajeto ao
restaurante. Diante de tudo que havia se passado entre eles, era compreensível que
tentasse sufocar os sentimentos e desejos em relação a ela, mas não poderia impedir que
continuassem existindo.
— Que confusão! — ele exclamou, quando entraram na lanchonete.
— Há um pequeno pátio com alguns bancos e árvores ali atrás — Érica apontou. —
Não costumo freqüentá-lo, pois geralmente está muito abafado. Mas, a esta hora, deve
ter uma leve brisa para nos salvar.
— Acho que seria bom.
Cristian precisava se alimentar. Preocupada com isso, Érica procurou no cardápio tudo
o que fosse mais nutritivo. Subitamente, sentia vontade de cozinhar para ele, aconchegá-
lo no calor de sua casa.
Depois de pagarem a conta, rumaram para o pátio. Ele parecia mais animado e
disposto a conversar.
— Você não parece gostar muito do clima daqui, não é? — perguntou quando se
sentaram.
— Nem um pouco. Acho que Houston tem o pior clima da face da Terra.
Ele deu uma sonora gargalhada e ela protestou, afetando indignação:
— Não vá me dizer que gosta desse clima horrível! É muito quente e úmido, e. . .
Outra gargalhada, ainda mais sonora que a anterior, a interrompeu, impedindo-a de
terminar.
"Talvez ele tenha esquecido de Roger por alguns instantes", Érica pensou, sentindo-se
feliz por poder ajudá-lo de alguma forma.
— Não discordo... — ele disse, afinal. — O clima não é bom, mas é que já estive em
lugares muito piores! Sem ar condicionado. . . sem piscina.. . sem esperança... — Voltou
a ficar sério. — De qualquer maneira aqui não há insetos e, dentro de casa, conseguimos
escapar do calor. Podemos, até mesmo, comer frutas e verduras frescas, sem medo! A
propósito, de onde você é?
— Sul do Arizona. Lá, os dias são quentes e secos e as noites frescas e agradáveis. O
problema de Houston é a umidade.
— Você quer muito ser astronauta, não? Para suportar Houston ... — Cristian estudou-
a, para depois sorrir.
— Além de suportar esta cidade — continuou ela —, há o trabalho estafante, a falta de
vida social e a espera interminável por uma designação. Faz dois anos que estou aqui e
nem cheguei a participar de uma equipe de vôo. Nem mesmo na turma de Roger. Talvez
eu seja a pessoa da NASA que melhor conheça o trabalho dele. E ainda assim.. .
Ao falar nisso, Érica se deu conta de que, caso Roger não se recuperasse, ela seria
uma provável substituta dele na viagem. Afinal, era uma das poucas pessoas que
possuíam determinados
conhecimentos sobre a missão que poderiam ser vitais para o sucesso da viagem do
ônibus espacial.
— Ouça meu conselho, Érica. — Cristian tornara-se sério. — Ser designado para uma
missão não ajuda a vida de ninguém. Tudo o que se pode conseguir é dor de cabeça e
preocupação. Quanto mais perto do dia do lançamento, maior a expectativa de que algo
saia errado.
— O que poderia acontecer? Pelo que sei, o seu trabalho, pelo menos, vai correndo
muito bem.
Cristian estava ligado às pesquisas com raios laser no projeto que os jornais
chamavam de "Guerra nas Estrelas".
— No que depender de mim, não saberá mais nada. É um projeto militar com
implicações internacionais. As informações sobre essa área não foram liberadas para
conhecimento geral.
"Eu não sou qualquer pessoa, também sou da NASA", Érica pensou. "Acho que
mereço um pouco mais de confiança." Mas ela nada disse. O mais importante era que ele
falava de outro assunto, que não o acidente do amigo, e finalmente comera alguma coisa.
— Foi bom termos vindo, mas tenho que voltar para perto de Roger — ele lembrou. —
O Dr. Jefferson disse que eu poderia vê-lo às oito.
— É muito importante para você, não?
Como médica, Érica achava que ele deveria descansar, mas, como mulher, sentia que
falhara na missão que se impusera. Cedo ou tarde, seria necessário enfrentar o
verdadeiro estado de Roger.
— Para mim, não: para ele — Cristian disse. — Não sei se você acredita que pessoas
inconscientes possam ouvir. Eu acredito. Em algum lugar, no íntimo de Roger, ele sabe
que estou aqui, esperando por ele. Eu, pelo menos, não desisti. Dessa maneira, ele não
vai se entregar. — Esse discurso apaixonado brotara-lhe dos lábios espontaneamente.
Era possível que Roger sentisse a presença das pessoas, mas exagerar no valor do
tempo que ficavam juntos não o ajudaria muito. Caso Roger morresse, e havia essa
possibilidade, restaria a sensação do fracasso e o sentimento de culpa.
— Não acha que poderia descansar um pouco entre as visitas? Talvez fosse mais útil.
— Não. Não posso relaxar. Ele tem que saber que eu não descanso, que ele me
atrapalha a vida. Do mesmo modo que você me trouxe para comer porque o meu estado
a incomodava.
— Não! Não foi por. . .
— Já entendeu, não? Tenho que ficar.
— Sei que tem uma dívida com Roger, mas. . .
— Não devo nada a ele. Faria isso por qualquer pessoa que socorresse na rua e
trouxesse para cá. Devo isso a Martin.
Érica arqueou as sobrancelhas, sem entender.
— Ouça o que Martin fez por mim e vai deixar de se preocupar tanto. Quando me
feriram no Vietnã, Martin foi a primeira pessoa que vi, quando a turma de resgate me
encontrou. Era um rapaz do interior, desses com a cara salpicada de sardas e a cabeça
povoada de sonhos. Pela experiência e o contato íntimo com a morte, todos os dias, eu
sabia que tinha chances de sobreviver, mas eram poucas. O pobre rapaz, ao contrário,
que nunca vira tanto sangue, estava desesperado.
Érica estremeceu só de pensar nesse homem forte e sadio caído sobre uma poça de
sangue em algum lugar imundo, impossibilitado de se mexer.
— Quando perguntei o nome dele, ele respondeu e disse que havia entrado há pouco
no corpo médico. Vendo a insegurança dele, perguntei se ele já tinha visto um homem
morrer antes. Sabe o que ele me respondeu? — Embora tenso, Cristian sorriu, o olhar
perdido em algum lugar distante. — "Tenho dezenove anos, tenente. Nunca estive na
linha de frente e também nunca vi um homem morrer, mas sei que o senhor não vai ser o
primeiro." Lá estava eu, às portas da morte, tendo a meu lado um garoto cujo maior temor
era me ver morrer. Respirei fundo e disse que, se ele me levasse inteiro para minha
mulher, eu iria pessoalmente ao Havaí, pediria à minha mãe para que lhe preparasse o
melhor jantar do mundo e até arranjaria para que ele pudesse sair com a minha irmã.
Com uma inesperada intimidade, Cristian fez uma pequena pausa e acariciou as mãos
de Érica.
— Depois disso, não me lembro de mais nada. Só sei que, quando acordei, três dias
depois, soube que Martin se recusara a sair do meu lado. Desde que chegara ao hospital,
ele falava comigo todo o tempo. . . Perguntava detalhes sobre a minha irmã, reclamava
que estava cansado de ficar esperando eu levantar, dizia que nunca estivera no Havaí,
que eu estava sendo covarde, tentando fugir da guerra. Perguntava-me se aquele era o
exemplo que os novos recrutas deveriam seguir. Até hoje, não sei quanto ouvi, nem
quanto me disseram depois. Mas tenho certeza de que Martin e sua obstinação me
mantiveram vivo. Não os médicos e as aparelhagens sofisticadas. Um garoto do interior
com a cara cheia de sardas e que nem sequer sabia direito o meu nome. Era importante
para ele que eu sobrevivesse. Agora eu me impus a fazer o mesmo como uma obrigação.
O silêncio que se seguiu à narrativa foi mais eloqüente do que qualquer comentário.
Cristian parecia ter esquecido o hospital. Era como se estivessem em algum outro lugar,
sem problemas ou preocupações.
— E algum dia ele encontrou sua irmã?
— Eu não tenho irmã... — Cristian afirmou vagamente.
— Mas como?
— Meu pai apresentou Martin para a filha de um amigo da família. A garota era linda,
uma verdadeira miragem aos olhos do rapaz.
— Você gosta muito de seu pai? — Érica perguntou, sentindo-se alegre por tê-lo a seu
lado, vivo e inteiro.
— Oh, sim, ele sempre foi um grande companheiro. Papai teria abandonado a Marinha
só para me ver vivo. Mesmo sabendo que isso significaria a morte para ele.
— Como assim? — Érica sabia que estava pisando em um terreno delicado.
— Ele nunca aceitou o fato de se reformar. Racionalmente, sempre soube que iria para
a reserva com muitas honras, mas, ainda assim, não admite imaginar-se fora da Marinha.
Era fácil entender os sentimentos do pai de Cristian. Ela própria não conseguia ver-se
abandonando a carreira, nem mesmo para ter filhos. O que para muitas das amigas de
colégio e faculdade era natural, para.Érica seria inconcebível.
— Sei que precisa descansar, Érica. .. Mas, quando estiver voltando do serviço, talvez
possa passar no quarto de Roger. — Olhando o relógio, Cristian mudara de assunto.
Há algumas semanas, ele não teria feito tal pedido. Érica entendeu que a atração
mágica que havia entre eles não fora produto da imaginação, mas um sentimento real.
— Pode contar comigo — prometeu. — Não o deixaria sozinho novamente.
O rosto moreno e cansado do oficial iluminou-se e ela saiu silenciosamente para a
manhã quente.
Cristian voltou ao alojamento onde morava no domingo à noite. Sem tirar o uniforme,
atirou-se na cama e, exausto, dormiu dezesseis horas seguidas. Quando acordou, sentia-
se confuso, vazio e perdido. Passeou o olhar ao redor, analisando o quarto.
A Marinha oferecia aqueles alojamentos para os oficiais que não fossem casados.
Amplos e confortáveis, garantiam privacidade e boas acomodações. Mas Cristian, mesmo
sem ter queixas, sentia falta de um verdadeiro lar, de uma mulher carinhosa que o
compreendesse e respeitasse. Seria possível conseguir isso tudo com Érica?
O casamento com Vivian dera-lhe mais tristezas que alegrias. Após seis meses de vida
em comum, a esposa revelara-se uma pessoa egoísta, exigente e insensível. O
relacionamento tornara-se tão insuportável que ele recebera a convocação para o Vietnã
com um sentimento de alívio. Ao contrário de vários pilotos amigos seus, que levaram a
esposa para o Japão, Cristian nunca cogitara essa possibilidade. Nem mesmo Vivian não
se interessara, pois não queria se afastar dos pais e do conforto a que estava
acostumada.
"Com Érica seria diferente", ele pensou. "Por certo ela se apresentaria como voluntária
para o corpo médico, atenderia os feridos e lhes daria novo alento para a vida." O
pensamento dele voou para aquele sorriso franco que o cativara desde o primeiro
momento. Apesar da legião de admiradores que a rodeava, Érica pairava intocável, acima
de todos, orgulhosa e determinada.
Cristian jamais sonhara envolver-se com mulheres ambiciosas profissionalmente, muito
menos astronautas. Por ter recebido uma educação conservadora, até conhecê-la não
estava certo se concordava com a idéia de as mulheres serem astronautas. Érica,
entretanto, seduzira-o. Fora amor à primeira vista.
Apesar de ela ter recusado todos os convites para sair que lhe fizera, os olhares que
ela lhe lançava não deixavam dúvida: eram encorajadores. Mas Cristian não pudera
compreender aquela atitude, afastando-se por completo e tentando convencer-se de que
ela não o queria. Porém, não havia argumento que conseguisse impedir seu coração de
bater mais forte cada vez que se cruzavam nos corredores..
Imerso nesses pensamentos, Cristian demorou a escutar a voz de Jeb que o chamava
lá fora, trazendo-o de volta à realidade. Vestindo um roupão, sobre a farda amarrotada, foi
abrir a porta.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, ansioso por notícias de Roger.
— Nenhuma novidade. Telefonei para lá há pouco e disseram que a Dra. Newman
deixou ordens expressas para ser avisada imediatamente, caso houvesse alguma
mudança no estado dele.
Cristian suspirou aliviado. Ela cumprira a promessa de manter-se atenta com relação
ao amigo.
— Parece que vocês passaram a maior parte do fim de semana juntos no hospital,
não? — Jeb perguntou friamente.
O tom formal do companheiro deixou Cristian apreensivo. Os dois tinham se tornado
grandes amigos desde que lutaram juntos no Vietnã e Jeb fora designado para a NASA
bem antes dele, que, quando transferido para lá, encontrara-o já experiente em viagens
espaciais. Aquele comportamento cerimonioso, comum entre oficiais da Marinha, só
mantinham em público; a sós, agiam como amigos comuns.
— É verdade.
Durante o fim de semana, Érica fora como um milagre abençoado. Nos momentos
difíceis, animara-o, livrara-o do desespero e dera-lhe novas esperanças. Ouvira-lhe os
discursos apaixonados e desconexos. Deixara-o sozinho, quando ele precisava de
solidão, e aparecera, como que do nada, quando precisara de uma alma amiga-.com
quem desabafar. . . Ela não o abandonara por um só momento naqueles dois dias.
— Por que acha que ela ficou com você? — Jeb perguntou, incisivo.
— Não sei, e não entendo onde você quer chegar — Cristian respondeu, atônito com o
súbito interesse do outro.
— Por que acha que ela passou todo o fim de semana com você, no hospital, sendo
uma mulher tão ocupada?
— Pedi que ela ficasse. Além do mais, acho que o acidente também a transtornou. —
Cristian olhou para aquele rosto impenetrável à sua frente.
— Talvez fosse mais seguro pensar que o resultado do acidente a interessasse. ..
Imediatamente, Cristian concluiu que, caso Roger estivesse impossibilitado de
participar na missão, Érica seria a candidata com mais chances de ocupar-lhe o lugar. E a
opinião de Jeb teria muito peso na escolha do substituto dele. Se o pior acontecesse, só
havia uma pessoa capaz de influenciá-lo nessa decisão, e essa pessoa era ele. Mas não
conseguia acreditar que todo o carinho e atenção que ela lhe dirigira tivessem objetivos
tão mesquinhos.
— O que quer insinuar com isso, Jeb? — Cristian perguntou, esforçando-se para
pensar com clareza. — Fui eu que pedi que ela ficasse comigo. Não pode nem imaginar
como me ajudou.
— Imagino, sim! Ela deve ter sido realmente excepcional! — Jeb comentou de maneira
amarga e irônica.
— Jeb... — Cristian sentia-se incapaz de responder às suspeitas do amigo.
— Pense bem: você já tentou se aproximar dela em outras ocasiões e nunca foi bem-
sucedido. Não é muita coincidência esse súbito interesse, justamente quando Roger
sofreu um acidente tão grave que poderá tirá-lo da missão?
— Tudo bem. Tem razão. Me dei mal com ela antes. Mas agora é diferente. Érica
parece que começou a perceber que eu existo. Ironicamente, sob circunstâncias difíceis.
Mas o que me importa é tê-la perto de mim.
Cristian poderia ter completado que ela fora o único remédio naqueles dois dias
sofridos, mas o orgulho o impediu de confessar. Até mesmo para Jeb que, como se não
tivesse ouvido as explicações, continuou:
— É uma questão de tempo, até decidirmos a substituição de Roger. Érica sabe disso.
Ela. ..
— Mas não pode substituí-lo ainda! São apenas três dias. Tem, não é certo.. .
— Não disse que achava certo, apenas que era uma questão de tempo.
— Diga logo o que quer! — Cristian começava a se irritar com a calma do outro.
— Não estou certo se sei o que vim falar. Gosto de Érica, já lhe disse isso antes.
Também já lhe falei que ela é muito ambiciosa para poder fazê-lo feliz, embora a respeite
como mulher e como profissional. Sei que Roger também a respeita. Acho bom que ela
tenha ficado com você no fim de semana, mas. . . você poderia esperar um pouco.
Perguntou-me por que. ..
— Por que o quê?
— Por que ela está tão interessada em você e em Roger. . .
Durante a semana seguinte, Érica permaneceu ansiosa, esperando que Cristian a
procurasse. Apesar de todas as demonstrações de carinho e da simpatia que os atraía,
ele não telefonara. Devia haver algo errado.
Por várias vezes, tentou se convencer de que talvez ele estivesse muito ocupado ou
que seus sentimentos com relação a ela eram passageiros. Tentava acreditar que não
tinham ido além do coleguismo. .. Mas era tudo em vão.
Não adiantava fingir. Estava apaixonada e prestes a quebrar a regra que se impusera
de nunca sair com colegas de trabalho. Mas o silêncio dele a desesperava.
Todos os dias, saía do trabalho e corria para casa, apenas para esperar uma chamada
que nunca vinha. Quando chegou o sábado, recusou um convite de amigos para uma
festa, optando por ficar em casa.
Deitada no sofá, começou a estudar alguns relatórios. O comando responsável pela
missão decidira substituir Roger. Mesmo se ele recuperasse a consciência, não teria
condições de continuar nela. Para o lugar, concorriam três médicos-astronautas. O nome
dela fazia parte da lista.
Pessoalmente, a idéia de substituir Roger era muito difícil. Todas as noites, ela ia ao
quarto dele inspecionar os aparelhos que registravam as funções vitais, à procura de
qualquer sinal que indicasse mudanças no quadro clínico, mas em vão. Por experiência,
sabia que pacientes em coma podiam voltar à consciência passo a passo ou de um
momento para outro; enquanto outros... morriam. No caso de Roger Shaw, não havia
prognóstico possível.
A oportunidade de participar da missão com o ônibus espacial a nível profissional
deixara-a exultante. Depois de dois anos na NASA, cansara-se de auxiliar outros
médicos, enquanto esperava por tudo o que sempre sonhara. Como qualquer astronauta,
ir para o espaço era sua meta e não conseguia deixar de sonhar com as possibilidades
abertas pela cirurgia realizada em gravidade zero. Essa experiência poderia ser a base
para que, no futuro, fosse implantada uma estação espacial com sistema de pronto-
socorro.
A competição pela vaga, porém, era acirrada. Não havia motivos para grandes
esperanças. David Porter estava na NASA há muito mais tempo que ela e possuía uma
ficha impecável; e ainda havia Michael Fischer, um excelente cirurgião, também mais
cotado que ela, certamente, embora de convívio um pouco difícil.
Érica tentava rever as razões pelas quais mereceria a convocação. A NASA possuía
cirurgiões tão bons quanto ela, mas nenhum melhor. Sua ficha profissional era impecável
e tinha a imagem de ser uma profissional honesta e obstinada, e qualquer um que
entrasse no lugar de Roger seria obrigado a colocar a missão acima de tudo na vida.
Finalmente, havia um último ponto que não poderia ser colocado na entrevista: ela
admirava Roger Shaw como um ídolo e faria tudo que estivesse a seu alcance para
concluir o trabalho, como ele mesmo teria feito.
Estremeceu só de pensar na idéia de ir para o espaço. A data do lançamento era, para
todos os astronautas, fonte de angústia e temor. No seu caso, não bastaria ser boa o
suficiente, deveria estar à altura de Roger Shaw. Essa indicação poderia ser o
auge de sua carreira. Significaria o fim de todos os sacrifícios e de todas as lutas. Ela
teria vencido o maior obstáculo que, além das dificuldades normais, sempre lhe
atrapalhara o caminho: o preconceito.
Refletindo nas dificuldades que já enfrentara e nas que poderiam estar por vir, Érica
apanhou algumas fotos do chão e começou a estudá-las com atenção. A primeira delas
mostrava Roger apertando a mão do chimpanzé que seria operado no espaço.
Dezenas de testes vitais separavam a espécie humana da primeira cirurgia na
ausência de gravidade. Os problemas eram infindáveis, a começar da dificuldade de se
evitar que paciente, médicos e instrumentos flutuassem na cabina, isso sem contar a falta
de experimentos com transfusões de sangue, infecções e anestesia naquelas
circunstâncias.
Roger insistira em manter um contato amistoso com o paciente, o que até fora
classificado como um. exagero tolo da ética profissional pelos outros membros do projeto.
Mas Érica achava deliciosa essa forma de tratamento. Ele chamara o companheiro peludo
de "Quinto", em razão de ser o quinto membro da equipe.
Em todas as fotos, Quinto usava um míni-uniforme da NASA, com seu nome e o do
programa para o qual fora designado. O animal olhava com verdadeira adoração para
Roger, que sorria para a câmara, parecendo orgulhoso do paciente.
— Você não pode morrer dentro de nós, Roger — Érica disse para si mesma, com
convicção. — Mesmo que outra pessoa continue o trabalho, esta vai ser sempre a sua
missão. Todos os méritos são seus, pela dedicação e a energia com que se aplicou.
Algum dia, a vida de pessoas no espaço poderá ser salva graças a você — ela concluiu,
olhando o rosto bonito e sorridente da foto.
Então riu também de si mesma, por flagrar-se conversando com um homem que nem
estava ali. Pensando nisso, lembrou-se da história de Cristian e perguntou-se se esse
inflamado discurso que acabara de fazer não poderia ajudar Roger a recuperar a
consciência. Mas logo afastou a idéia, como absurda. Além de tudo, era Cristian a pessoa
importante para Roger e não ela, que não passava de uma colega.
Suspirando fundo, voltou a concentrar-se na pilha de boletins e relatórios a seu lado,
até chegar finalmente à coleção de biografias dos astronautas. Havia uma, em especial,
que desejava ler. . .
A foto mostrava Cristian muito sério, de uniforme. Sob o rosto bonito, os dados
pessoais: cidade natal, honras militares, antecedentes, estado civil... A palavra que Érica
procurava, ansiosa, parecia sobressair-se das outras com destaque: "Divorciado".
Cristian não pertencia mais a quem quer que fosse!
Mas, mesmo satisfeita com essa informação, Érica intrigou-se. O que levaria um
homem como ele à separação? No momento crucial em que Martin o salvara na guerra,
pedira a ele que o levasse para junto da esposa, mas fora a hospitalidade da mãe que
oferecera com orgulho. Quem deveria estar ao lado dele pedindo para que vivesse teria
de ser a esposa e não um herói anônimo. ..
Sozinha, na sala vazia, Érica perdeu-se em cogitações sem fim. Durante o fim de
semana anterior, no hospital, acostumara-se à presença de Cristian. Novos sentimentos
brotaram-lhe no coração, pois ele conseguira aquecer e derreter as barreiras de gelo que
ela própria construíra. Agora ele a deixava no escuro, à espera de um telefonema. . . uma
visita. . . um sinal. . . que, no fundo, sabia, não chegariam.
Apesar de toda a NASA já começar a encarar como inevitável a morte de Roger,
Cristian mantivera sua determinação em não abandonar o amigo. Mesmo voltando a
trabalhar, continuara a visitá-lo diariamente. O médico, entretanto, não dera o menor sinal
de melhora e, naquele domingo, não fora diferente.
Cristian tentara manter-se afastado de Érica durante a semana que se seguira ao
acidente. Fora difícil, mas conseguira. Mesmo ansioso por saber se ela continuava
controlando o estado de Roger. Mas orgulhoso demais para perguntar, fizera um grande
esforço para não encontrá-la. Sabia que seria impossível escapar à sedução daquele
sorriso.
Depois da visita no alojamento, Jeb não mencionara mais o nome dela. Mas ele não
poderia esquecer facilmente a fria argumentação do amigo. Mesmo que quisesse negar,
os fatos falavam por si mesmos. Ela era a candidata provável para substituir o cirurgião e
Jeb, que tinha papel importante nessa escolha, já havia sido abordado por mais de um
amigo na defesa de um ou outro candidato.
Após dois anos de Houston, Érica nunca saíra com ninguém da NASA e recusara-lhe
os vários convites. Depois do que acontecera a Roger, parecera disposta a qualquer tipo
de relacionamento que ele sugerisse. Finalmente, era difícil andar nos corredores do
hospital sem cruzar com sua presença magnética. Até que o amigo se recuperasse, ou
até que surgissem provas que a inocentassem, deveria fazer todo o esforço possível para
manter-se longe dela.
Perdido nessas cogitações, Cristian sentiu a presença de Érica, antes mesmo que ela
dobrasse a curva do corredor. Então seus olhares se cruzaram e uma atração mútua os
uniu novamente, fazendo todas as considerações de instantes atrás parecerem idiotices.
Ele a desejava, mas estava dividido e confuso.
— Olá! Você parece bem melhor! Descansou bem? — ela disse assim que se viram, o
olhar escondendo mil promessas e segredos. Parecia um pouco insegura, mas feliz em
vê-lo.
Fazendo que sim com um movimento de cabeça, Cristian se levantou para
cumprimentá-la. Os sorrisos se encontraram e a magia continuou existindo entre eles.
Não fora imaginação, Jeb devia estar errado, ela não queria usá-lo.
— Você também parece estar muito bem. Aliás, está melhor que eu! — Cristian
comentou ternamente.
De fato, ela parecia aliviada, talvez por saber que ele ainda a desejava. Durante toda a
semana, havia se perguntado se ela ficara confusa com o fato de não ter telefonado. Mas
não imaginara que estivesse tão ansiosa por vê-lo. Ele fora cruel! Fizera-a sofrer!
— Já soube que querem designar outra pessoa para o lugar dele? — Érica perguntou,
evitando falar sobre a situação de Roger.
Cristian pareceu não gostar da pergunta, nem do entusiasmo que ela demonstrava.
— Sim, soube — respondeu secamente.
— Estão cogitando meu nome para substituí-lo. Não posso nem dizer quanto estou
honrada por isso.
A magia desapareceu de um momento para o outro dos olhos de Cristian, que se
perguntava se a expressão radiante dela seria por causa da designação ou por revê-lo.
— Sabe, sempre o admirei muito e já estudei tudo o que ele fez. Tenho certeza de que,
se existe alguém capaz de continuar o trabalho dele, essa pessoa sou eu. Sinto isso, é
meu destino.
— Não tem que me convencer de nada. Guarde essas palavras para a comissão que
vai entrevistá-la — Cristian interrompeu-a bruscamente.
Meio confusa, Érica o encarou e perguntou, entre gentil e receosa:
— Você almoçou hoje, Cris?
— Não.
— Tenho uma idéia. Por que não vamos à minha casa e fazemos uma refeição caseira
para o jantar? Desde aquele dia, na lanchonete, quando olhei para a comida artificial que
serviam, senti vontade de cozinhar para você. — Enquanto falava, Érica sorria de modo
hesitante.
— Eu. . . não quero causar nenhum transtorno. Na verdade, não estou com fome.
— Ei, tenho que cozinhar para mim, de qualquer maneira.
— Érica. . .
— Além do mais, realmente você poderia me ajudar a colocar algumas idéias em
ordem. Está designado para outra missão no espaço, tem mais experiência, poderia me
dar algumas informações que procuro. Tenho cópias de tudo o que se relaciona, mesmo
que remotamente, a esta missão. Mas não gosto de deixar escapar nenhuma
possibilidade.
— Suponho que eu também seja uma possibilidade, não? Atordoada com a resposta,
ela esforçou-se para sorrir.
—Se não quiser, não precisamos falar sobre trabalho. Vamos apenas comer alguma
coisa e relaxar.
Antecipando-se, Érica pegou-lhe o braço e puxou-o na direção do estacionamento, mas
Cristian não se moveu.
— Eu. . . sinto muito. . . Não vou poder aceitar o convite. Movendo a cabeça de um
lado para o outro, completamente
desestruturada, Érica olhava-o de modo interrogativo. Cristian, no entanto, manteve-se
firme, sufocando a angústia e pensando na obrigação com o amigo deitado a poucos
metros de onde estavam.
— Também creio que nem mesmo poderei aceitá-lo em qualquer outro dia. Ando muito
ocupado — ele concluiu com dificuldade.
Pálida, Érica tentava esconder a surpresa e a decepção. Ele a recusara.
Educadamente, a esbofeteara com luvas de pelica.
— Não vou prendê-lo por mais tempo — disse finalmente, com voz triste e
desanimada. Depois, recuperando-se, acrescentou, forçando um tom descontraído: — A
gente se vê por aí, então.
— Claro. Obrigado por tudo — Cristian respondeu de maneira formal. Não acreditava
que ela tivesse forjado a reação. Érica realmente gostava dele.
Impassível, ele a viu sair, certo de tê-la magoado profundamente. Segurando ao
máximo suas emoções, Cristian murmurou entredentes:
— Tudo isto é por você, Roger. . .

CAPITULO III

Nas duas semanas que se seguiram, Érica esteve todo o tempo ocupada por
entrevistas, conferências e conversas não-oficiais com Jeb Henson e o resto da equipe.
Porém, em nenhum momento, seu pensamento abandonara a imagem do homem forte e
másculo que tomara de assalto seu coração.
Não fora efeito da imaginação a ternura que os envolvera durante o fim de semana do
acidente de Roger. Mas aqueles momentos pareciam tão distantes que era como se não
tivessem existido. Só os seus olhos ainda o procuravam nos corredores. Afinal, não era
possível que as emoções que julgara compartilhar com Cristian fossem ilusões.
De modo cortês e educado, ele se recusara a jantar ou sair com ela. Mesmo assim, ela
sabia, era sincero o brilho que percebera nos olhos dele, antes que o convidasse. Agora,
a vontade desesperada de que ele a procurasse alternava-se com o desejo de que seus
destinos nunca mais se encontrassem. . .
— Kika, o que houve com você? Há algo errado? Não abriu a boca desde que cheguei!
— A voz angelical da moça que, sentada à sua frente, chamava-lhe pelo apelido de
infância, tirou-a dessas reflexões. — Se estiver muito ocupada para conversar comigo,
não tem problema.
— Não seja boba, Katie — Érica a interrompeu, sentindo-se culpada, pois convidara a
amiga para almoçar e quase não lhe dera atenção.
Katie era companheira de infância de sua irmã mais moça. O marido fora recentemente
transferido para Houston e ela, grávida, precisava de alguém com quem pudesse
conversar sobre o bebê, discutir as aflições e expectativas. No começo, Érica não se
mostrara muito interessada por esses problemas; mas, após um mês de convivência,
aprendera a gostar da admiração que aquela jovem lhe devotava. Além do mais, Katie era
um elo com a família distante...
— No dia em que não tiver tempo para os amigos, não fará sentido viver! — disse,
dirigindo-lhe um sorriso fraterno. — Como vai o bebê?
Érica sabia que tocara no assunto predileto da amiga. Falar sobre a decoração do
quarto ou o preparo do pequeno enxoval sempre animava a futura mamãe.
— Tenho certeza de que será menina. Quis decorar o quarto de cor-de-rosa, mas Bill
acha muito precipitado. Resolvemos, então, escolher um tom neutro, talvez amarelo ou
verde-claro.
— Bill está certo. Nunca se sabe o que pode vir. Além do mais, o acolchoado que estou
fazendo é amarelo. — Com esse comentário, pensava no que aconteceria a Katie,
quando o marido fosse pela primeira vez para o mar. Ela ficaria sozinha em terra, às
voltas com a gravidez e com todos os problemas decorrentes desse estado.
— Você está fazendo um acolchoado para o meu filhinho? Mesmo com tanto trabalho
que tem na NASA? — Um brilho intenso nos olhos de Katie demonstrava felicidade e
prazer. Isto, para Érica, valeu todas as horas gastas naquele trabalhinho.
— Claro. Aprendi com minha avó. Quando eu era menina, ela ficou um verão inteiro me
ensinando. E, já que não pretendo ter filhos, cuidarei do seu.
— Kika! Não fale assim. Claro que você vai ter um bebê. Não é tão velha!
— Não me sinto velha. Afinal, estou com apenas trinta anos, mas sou muito ocupada e
até o fim do projeto vai ser muito difícil pensar em ter um lar.
— Diz isso porque não encontrou a pessoa certa. Sei que somos diferentes. Uma
carreira bem-sucedida é muito importante para você, mas isso não significa que não
consiga amar alguém para sempre.
Não era fácil discordar desse comentário. Namorar nunca fora tão importante para
Érica, como para as amigas. Não conseguia entender como mulheres inteligentes
abandonavam a profissão por um homem. Mas, naquele momento, com a carreira
rumando para o ápice, Érica já não estava tão certa de que seus argumentos fossem
válidos. Perguntava-se de que adiantaria uma carreira bem-sucedida, se não
conseguisse aproveitá-la ao lado de Cristian.
— Kika, conheço-a desde que era a moleca da turma. Quando fez sua primeira
operação na minha boneca, lembra-se? Não tente me enganar. Há algo errado. Mesmo
que não possa ajudar, pelo menos deixe-me ouvir, talvez você se sinta melhor
desabafando.
O sorriso confiante e amigo levou-a de volta a Tucson, onde todos se orgulhavam dela.
Suspirou e, tamborilando nervosamente os dedos na mesa, respondeu:
— Não é nada importante, apenas fiz uma besteira que não consigo esquecer. Acho
que, de alguma maneira, interpretei mal o interesse de um amigo, um astronauta.
Convidei-o para jantar e ele não aceitou. Embaracei-o, e a mim também.
— Não quis jantar com você? Érica, nenhum homem em seu juízo perfeito recusaria
um convite desses. Você é tão bonita! Inteligente! Você... — Katie olhava-a, chocada.
— Ei! Não preciso de compaixão. Estou bem. Guarde-a para Cris. Talvez eu esteja
colhendo o que semeei. Venho recusando convites para sair por tantos anos que esqueci
o que era ser recusada. Cris é o único homem que sempre desejei. Por tanto tempo. . .
— "Cris"? É um nome elegante. . .
— Cristian Tatum é elegante. Muito formal e tradicional para mim. De um jeito ou de
outro, estamos terrivelmente mal.
— Qual é a patente dele? — Katie tentava, a seu modo, racionalizar a situação.
— Patente? Sei lá! — Érica encolheu os ombros. O pessoal da Marinha dava muita
importância a essas coisas, mas as pompas militares não a atraíam.
— Não sabe? — Katie balançava a cabeça desaprovando o desinteresse da amiga. —
Érica, se você gosta dele, tem que saber, tem que ligar para esses detalhes,
especialmente se ele é oficial de carreira. Segundo o Guia para a Esposa do Oficial da
Marinha, o grau de sensibilidade da mulher para esses detalhes pode impulsionar a
carreira do marido ou destruí-la.
Calada, Érica surpreendeu-se com a ingenuidade da jovem.
— Há algumas dicas para determinar a patente de um oficial... Na maioria dos casos,
tudo o que temos a fazer é olhar para os ombros do uniforme ou para as insígnias da
gola. Agora, se o seu piloto é. . .
— Katie. .. Em primeiro lugar, os pilotos designados para a NASA só usam uniformes
em ocasiões especiais, o que, aliás, acho ótimo: já temos chauvinismo demais por aqui.
Em segundo lugar, tudo o que sei sobre uniformes é que Cris fica lindo dentro deles.
Especialmente no de verão. Branco. . . detalhes em dourado. . .
— Pois acho que ele vem vindo para cá... — Katie sussurrou.
Passaram-se alguns segundos até que Érica entendesse a quem a amiga se referia.
Com o coração batendo forte, ela viu Cristian em seu lindo uniforme de verão, com as
asas douradas, o emblema dos pilotos, dirigindo-se para a mesa onde elas estavam
sentadas. Era o seu piloto que chegava.
— Com licença — ele dirigiu-se polidamente a Érica. — Você poderia me dar um
minutinho?
Essas palavras foram ditas num tom firme, nem rude, nem assustador. Inicialmente, ela
não conseguiu encará-lo.
— Cristian Tatum, gostaria de apresentar uma amiga de infância e muito querida, Katie
Miller. O marido também é piloto e serve em Heron Bay. — A voz tentava esconder a
emoção que sentia, o coração disparado.
Cristian voltou-se para Katie e, notando o seu ventre crescido, inclinou-se, saudando-a
com uma reverência.
— Prazer em conhecê-la, Katie! É um privilégio ser apresentado a uma amiga de
Érica. Vejo que vai ser mãe. Seu marido deve estar muito orgulhoso!
— Sim, "comandante"! — Katie enfatizou a forma de tratamento, na Marinha, relativa a
capitão-de-fragata, para que a amiga percebesse. — Ele está muito feliz e espera que
seja o primeiro de uma série.
Érica estava surpresa e confusa pelo desembaraço e amabilidade de Cristian, mas
Katie nem parecia perceber a atenção especial. Era como se os dois estivessem
acostumados àquele
procedimento.
— Minha mãe queria ter dez filhos, mas quase morreu quando eu nasci, e ela desistiu
de ter outros. Por isso, sempre fui especialmente mimado — Cristian comentou com bom
humor.
— Acho que todo bebê deve ser mimado, senhor. Algumas pessoas criam-nos apenas
nas horas vagas, como a um canteiro do flores. Mas, para mim, não há nada mais
importante do que a maternidade. Nenhum sonho se equipara a esse. — Katie
Interrompeu-se, momentaneamente embaraçada. — Desculpe-me, comandante, Kika
sempre diz que me empolgo demais.
"Kika" está certa. E eu acho lindo. — Ele piscou para Katie, mas sem tirar os olhos de
Érica. — Não valorizaria uma mulher que não se encantasse com os próprios filhos. Se
você não fosse tão bem casada, ficaria tentado a convidá-la para sair.
Incrédula diante do que via e ouvia, Érica comparou a cena a um antigo filme
romântico. Sabia que Cristian era antiquado, mas aquela fascinação por bebês a
surpreendia. Havia charme nesse prazer em conversar sobre crianças. Mesmo não
pensando na possibilidade de vir a ter um filho, achava atraente a idéia. . . para quem
tivesse tempo e disposição para isso. Era sedutor ver alguém empolgando-se com isso.
Desde que se formara em medicina, Érica havia ajudado muitos bebês a nascerem. E
ver os dois ali, tão felizes, exprimirem livremente seus sentimentos, agradava-a. "As
crianças devem ser mimadas!", pensou e se entristeceu. Como poderia conciliar a vida
profissional com crianças, se nem para os amigos adultos ela se dedicava?
Decidida a não sonhar com b impossível, levantou-se e pegou a bandeja.
— Foi bom revê-lo, Cris — disse, fingindo que o encontro nada significava para ela. —
Depois nos falamos, Katie. Obrigada por ter vindo. Até logo.
Dirigindo um sorriso afetuoso para a amiga, Érica saiu apressada. Pretendia deixar o
refeitório o mais rápido possível, queria ficar sozinha. Desesperada, correu para o
elevador, mas Cristian a seguiu.
— Érica! Érica, espere um minuto, por favor!
Ela suspirou e se deteve. Já imaginara essa cena. Ele iria desculpar-se por não ter
aceitado o convite, diria que não tivera a intenção de magoá-la; ela daria um sorriso ao
responder que não tinha importância e que nem se preocupara. Mas piedade não
aceitaria. De ninguém.
Cristian alcançou-a e gentilmente segurou-a pelos ombros, virando-a para si. Havia,
mais mistérios entre eles do que as palavras poderiam revelar.
"Cuidado, Érica! Mantenha-se longe desse homem", ela pensou, tentando proteger-se,
e falou com frieza:
— Estou com pressa. Por favor, seja breve.
Dor e confusa o assaltavam-lhe o coração, e Cristian percebeu o que se passava.
— Não vim aqui para conversar com a Katie! Queria saber se ainda posso desfrutar de
um delicioso jantar caseiro, uma noite dessas. . . Não quero incomodar. Podemos fazê-lo
juntos, de maneira informal.
— Achei que você tinha deixado bem claro que não lhe sobrava tempo para jantares.
— A raiva que a dominava transparecia claramente em seu tom de voz. Piedade era a
última coisa que queria.
— O horário mudou. Esta semana tenho todo o tempo do mundo — ele respondeu,
sem soltar-lhe os ombros.
— Acontece que estou muito ocupada e não conseguiria arranjar tempo para cozinhar.
Embora não estivesse mais irritada, Érica esforçava-se para que ele pensasse que sim.
Na verdade, sentia apenas dor. Cristian continuava segurando seus ombros, disposto a
não deixá-la escapar. Ela então sentiu que sua resistência parecia diminuir e baixou a
cabeça, à espera das próximas palavras dele.
Nesse momento, queria saber mais sobre aquelas insígnias que ele trazia no ombro, o
motivo pelo qual usava uniforme de gala, mas não conseguiu adivinhar, com seus parcos
conhecimentos sobre a etiqueta militar. Katie estava certa: quem amasse um piloto naval,
devia conhecer e gostar da Marinha, pelo menos um pouquinho.
— Sinto muito ter recusado antes — ele murmurou-lhe junto do ouvido. — Havia razões
muito sérias, que não tinham nada a ver com a minha vontade, acredite! Não sei se posso
explicar ...
— Bom, eu posso. Não precisamos de meias palavras. No fim de semana do acidente
de Roger, você precisava de alguém, qualquer pessoa, e, por acaso, eu estava por perto.
Assim como um soldado qualquer, longe de casa, em algum lugar perdido onde esteja em
combate, encontra uma mulher. . . Nada mais.
Érica sentia que perdia a resistência. Com os olhos angustiados, Cristian parecia se
censurar. "Se ele realmente sofreu durante essas duas semanas como eu", ela pensou,
"se foram tão duras para ele como para mim, por que não aceitou meu convite?"
Incapaz de responder às próprias dúvidas, Érica falou:
— Já explicou, Cris. Deixe tudo como está.
— Não quero deixar nada como está — ele retrucou entredentes, o desejo estampado
nos olhos, na voz, em todo o corpo.
Entrando no elevador, com ele atrás, Érica sentiu-lhe a mão forte deslizando por seus
cabelos, pela sua nuca... Alguém poderia vê-los ali!
Incapaz de falar, ela o ouviu repetir:
— Não quero deixar as coisas como estão. . . Então a porta do elevador se fechou
atrás deles.
— Cris, que bom que você finalmente decidiu juntar-se a nós! Você parece ótimo, hoje!
Cristian levantou a caneca num gesto de saudação. A cerveja com os amigos, após o
dia de trabalho, era uma tradição na Marinha. Ninguém faltava sem um bom motivo. No
entanto, em um mês, aquela era a primeira vez que ele aparecia.
Desde o acidente com Roger, não tivera ânimo para se divertir. Além do mais, sabia
que os companheiros consideravam o amigo praticamente morto. Todos. . . menos Érica.
Soubera que ela continuava a visitá-lo todas as noites, depois que ele saía.
Com o passar dos dias, Cristian tornara-se conhecido das enfermeiras que cuidavam
de Roger. E não ficara muito surpreso quando, um dia, a conversa ao entardecer
convergira para as relações de trabalho entre Érica e Roger. Com uma agradável
surpresa, acabara descobrindo que, mesmo sem que a comissão de seleção soubesse,
ela continuava cuidando do amigo.
— "A Dra. Newman fala com ele tanto quanto o senhor, comandante" — dissera-lhe
uma enfermeira da noite. — "Desde que começaram os rumores de que iria substituí-lo na
missão, ela vem ao quarto, todos os dias, para mantê-lo atualizado. Sempre pergunta o
que fazer. Uma vez, ouvi-a dizer que, no começo, sentia-se culpada por pensar em
ocupar o lugar de alguém tão especial quanto ele. Mas, depois, percebera que deveria ser
escolhida. Dessa maneira, poderia dar-lhe todos os créditos. Parecia ter medo de que o
Dr. Fischer, se fosse o escolhido, tentasse pegar as glórias para si. Já com o Dr. Porter,
não estava muito preocupada."
Sem saber, a enfermeira descortinara para Cristian uma nova faceta, de Érica e seu
interesse pela missão. Ele se sentia envergonhado: a jovem doutora não poderia tentar
usá-lo.
"Uma noite" — continuara a enfermeira — "ela confessou que fora checar se tratavam
bem do chimpanzé que ele iria operar. É engraçado, comandante, nunca ouvi a Dra.
Newman falar daquela maneira com ninguém; parecia que olhava para ele como uma
criança olha a primeira professora, mas nunca deixou que ele percebesse quanto o
admirava."
Intimamente, Cristian agradecia à enfermeira. Por três semanas, a dúvida o consumira.
Procurara escapar desse problema por todos os meios, mas nunca imaginara que a
solução estaria ali, com uma completa estranha.
— Não sei o que vão resolver sobre isso. — A voz de Alan trouxe-o de volta à realidade
e Cristian tentou prestar atenção à conversa. Alan Claybum era o chefe da equipe dele e,
assim como Jeb, fora seu companheiro de vôo, no pequeno círculo de amigos da
Marinha. — Os russos estão agindo como se ninguém nunca tivesse feito observações do
espaço antes.
Obviamente, a missão de ambos abrangia muito mais do que mera observação
espacial. Explorariam a possibilidade de lançar mísseis não-balísticos da órbita terrestre,
o que eliminaria a possibilidade de ogivas nucleares soviéticas atingirem os Estados
Unidos. Elas seriam eliminadas no próprio espaço aéreo soviético. Naquele momento,
parecia um sonho distante, mas, considerando-se as possibilidades, era realizável.
— Não posso dizer que estou feliz com o rumo que as conversações estão tomando na
Casa Branca — Cristian acrescentou às preocupações de Alan. — Nunca vi tanta
interferência civil antes.
— A NASA é uma organização civil — Jeb retrucou, lembrando que era o veterano da
mesa. — Quando estiverem há mais tempo aqui perceberão que, enquanto
permanecerem na NASA, estarão com apenas um pé na Marinha.
— E somente uma asa no ar — Cristian reclamou. — Se não voar em nada melhor que
um T-38, vou pedir transferência.
— Ah! Claro! — Alan caçoou. — Vai sair da NASA seis meses antes do lançamento.
Todos riram do absurdo da sugestão de Cristian e encheram novamente as canecas.
— Não estou certo de estar brincando — Cristian acrescentou, mais sério. — Gostaria
de voltar a testar aviões.
O co-piloto de Jeb, no ônibus espacial, Mark Hudson, continuava não levando a sério a
conversa. Pequeno e simpático, tinha sempre um sorriso nos lábios.
— Você terá tempo suficiente para isso quando terminar a missão. O que pode ser
antes do que imagina, se os russos se derem bem!
De repente, Cristian percebeu que, pela primeira vez, havia outro fator a considerar,
antes de pedir transferência. Pondo os sentimentos sobre a NASA de lado, havia um
motivo muito importante que o prendia a Houston. Desejara Érica por dois longos anos,
sem a menor possibilidade de aproximação. Naquele momento, parecia que, após tanto
tempo, seus sentimentos estavam sendo correspondidos. Havia a possibilidade de que
alguma coisa acontecesse e, enquanto esta chance existisse, ele não a abandonaria.
— Afinal, Cris, por que você está tão sorridente hoje? No mínimo, é algum encontro
muito importante para o jantar, não?
Quem perguntara fora Alan. Se estivessem a sós, Cristian provavelmente contaria tudo
sobre Érica e ele. Mas a presença de Jeb, alerta, observando-o do outro lado da mesa,
impedia-o.
— Nada importante. Amanhã vou apreciar uma deliciosa comida caseira. Você sabe
que isso é motivo mais do que suficiente para fazer um homem solteiro sorrir.
— Você nunca sorri dessa maneira quando eu o convido para jantar em minha casa,
mesmo insistindo que Leslie é ótima cozinheira — Alan brincou.
Todos riram do comentário, menos Jeb. Sentado à frente de Cristian, ele franziu o
cenho e falou:
— Você vai ver Érica?
Jeb não perguntara. Ele declarara, demonstrando desaprovação.
Ninguém pareceu perceber a observação, exceto Mark Hudson, que ouvira o nome e
sabia que Érica era a mais provável candidata para substituir Roger.
— Érica Newman? Pensei que ela nunca saísse com pilotos. — falou, meio inseguro.
— São boatos, mas quem liga para eles? — Alan intrometeu-se, olhando divertido para
Cristian.
— Pessoalmente, já desisti de dar ouvidos a comentários. Geralmente, dão mais dores
de cabeça do que o necessário — Cristian, também sorrindo, respondeu.
Ao falar isso, levantou a caneca de cerveja e tentou, em vão, não olhar para o
companheiro.
— A decisão será anunciada sexta-feira, Cris. Você podia esperar até lá. .. — Jeb
revelou esse fato em tom tão baixo que ninguém ouviu.
— Não!
Cristian sabia que a preocupação do amigo era real e seu conselho, sábio. Mas era
hora de seguir seus próprios sentimentos e não o raciocínio. Além disso, estava perto
demais para perdê-la.
— Ela está me esperando amanhã à noite e não vou abandoná-la novamente — disse
afinal, num tom de voz que não deixava margem a qualquer dúvida.

CAPÍTULO IV

Naquela noite, Érica sentia-se ansiosa ,è aflita. Sabia que Cristian não faltaria ao jantar,
mas não se permitia antecipar nenhum prognóstico sobre o que aconteceria. Embora o
último encontro tivesse sido declaradamente sensual, depois de tantos desentendimentos,
ela temia estar enganada mais uma vez.
Como se fosse uma adolescente apaixonada, não conseguira mais dormir direito
depois do encontro no elevador e tivera uma dificuldade enorme para se concentrar no
trabalho, planejando uma infinidade de vezes o cardápio da janta. Exímia cozinheira, não
poderia admitir uma refeição qualquer.
Finalmente, depois de muito refletir, decidiu preparar um prato simples: rosbife com
batata sautée e molho ferrugem, acompanhados de salada de vegetais frescos. Na noite
anterior, ficara acordada até tarde, preparando uma torta de morangos, pois queria uma
refeição perfeita e, mais do que isso, pretendia conquistá-lo. . .
Programara tudo com o máximo cuidado. A casa limpa, enfeitada com flores, e a mesa
do jantar decorada com uma fina toalha de linho branco e talheres de prata. Não queria
que qualquer problema atrapalhasse essa segunda chance. Juntos, poderiam recuperar a
magia daquele fim de semana passado no hospital e até mesmo, quem sabe, começar a
construir um relacionamento. ...
"Esses não são pensamentos inteligentes", ela ponderou ao se olhar no espelho. "Você
está demasiado entusiasmada para conseguir pensar com clareza. Cristian, na verdade,
procura uma delicada menininha, como Katie, que norteie a vida pelo Guia para a Esposa
do Oficial de Marinha. Você não é nada disso. Não quer casar e não liga muito para a
Marinha. . ."
Depois de se maquiar discretamente, colocou um perfume suave, prendendo de leve
na nuca os longos cabelos louros: queria ressaltar o contorno sensual dos ombros, que o
provocante e vaporoso vestido de alças deixava à mostra.
Às sete horas em ponto, a campainha soou e Érica, com o coração disparado, correu
para atender. Disposta a deixar que Cristian conduzisse a noite, ela abriu a porta.
Em pé, diante dela, Cristian sorria meio encabulado. Estava vestido de maneira
informal, trajava calças azuis ligeiramente desbotadas e de corte perfeito, acompanhadas
de uma bata vermelha, em estilo mexicano, uma solução que os americanos importavam
do país vizinho para enfrentar o calor sufocante de Houston. A cor vibrante da bata
acentuava o contraste entre os olhos azuis e os cabelos negros.
— Você está incrivelmente linda, Érica.
— Digamos que você também não é um homem sem atrativos, "comandante".
O emprego do título correto, de maneira tão casual, fez Cristian sorrir. Ele trouxera
consigo um pacote um pouco maior que um livro, envolto em um papel decorado com
peixinhos dourados e estrelas do mar, que entregou-lhe ao entrar.
— Não sei por que, mas achei que não gostaria de flores. São tão... convencionais —
justificou-se.
Érica teve vontade de dizer que adoraria receber flores, mas não comentou nada. Com
o tempo ele iria perceber que, para ser uma mulher que dirigia sua própria vida, ela não
precisava desprezar galanteios tradicionais.
— Se está tentando ser original, talvez seja aconselhável eu vestir luvas de proteção:
neste embrulho pode haver uma tarântula ou pedras da Lua, preciso me prevenir.
— Não exatamente. Apesar de me esforçar para ser criativo, procurei algo útil, que
você realmente usasse.
— Não era preciso trazer nada. Queria apenas que viesse jantar aqui — ela declarou,
já bastante relaxada. Mas não teve tempo de desembrulhar o presente, pois Cristian se
aproximou de modo insinuante.
— Sei disso e agradeço — ele disse e, bem próximo do rosto dela, murmurou: —Esta é
a parte em que você deveria ter um colar ou zíper para eu fechar. Qualquer coisa que
pudesse ser usada como desculpa para eu morder o seu pescoço.
— Acho que esqueci o script. Talvez o diretor pudesse pensar em qualquer outra
"deixa"... — ela respondeu, sussurrante-, respirando fundo.
Ambos riram e, nesse instante, o laço do vestido que segurava a alça do ombro
esquerdo dela começou a se soltar. A risada tornou-se um olhar cúmplice e sensual, e
Cristian a impediu de reatá-lo.
— Não, por favor. Permita-me.
Com movimentos lentos e provocantes, ele terminou de desfazer o nó, com um dedo.
— Sempre quis desfazer um laço seu. Desde o dia do acidente com Roger. Aquele
incrível biquíni. . . Agora, este vestido provocante. — A voz sensual e cálida deixou-a
arrepiada.
Envolvendo-a nos braços, Cristian sorriu e, deliberadamente, desviou os lábios para a
pele que o laço descobrira, dando-lhe um beijo quente e úmido, perto do pescoço. Mal
Érica começou a sentir o prazer daquele abraço, ele já refizera o laço e soltava-a.
— Acho que está mais apertado que antes — ela comentou.
— Agora vejo por que é médica. — Ele ria, divertido. — Quanto poder de observação!
Quando ela tentou desatar o nó, ele a impediu com um gesto negativo de cabeça.
— Apertei-o de propósito. Deixe assim.
Com o olhar fixo ora na sua boca, ora no fundo de seus olhos, Cristian aproximou ainda
mais o rosto. Depois, com incrível lentidão, começou a descrever pequenos círculos com
a língua ao redor dos lábios dela, até que o desejo os consumiu e mergulharam num
longo e apaixonado beijo.
Érica sentiu que nunca mais poderia gostar tanto de outro homem. Ao toque inebriante
daquele corpo ardente e sensual, todo o seu ser se aquecia e ela sentia a paixão inflamá-
la.
Cristian afastou-se apenas o suficiente para respirar fundo e murmurar:
— Érica... Érica... — Havia uma nova magia naquelas cinco letras. — Agora. . . que
decidimos o rumo que a noite seguirá, talvez seja uma boa idéia jantarmos. Antes de...
chegarmos à sobremesa.
Tudo mais que acontecesse, seria bom, depois do magnetismo daquele beijo.
— Então, por que não vem sentar-se na cozinha, enquanto termino o jantar? Só falta
temperar as batatas.
— Essas batatas são de verdade? — ele perguntou, irônico.
— Assumo total responsabilidade por tudo que comer aqui. Você não faz idéia do
tempo que gastei preparando esse jantar. Por isso, acho bom que tenha, um pouco de
gratidão —ela brincou.
— Sim, senhora. Prepararei um pouco de gratidão e humildade.
— Se você se comportar direitinho, teremos torta de morangos, depois do jantar.
— Morangos verdadeiros ou aqueles que compramos em vidro? — Ele sorria
deslumbrado.
— Verdadeiros, meu querido amigo naturalista. Importei-os do Arizona.
Continuaram brincando até que o jantar ficou pronto. Cristian, sentado à mesa da
cozinha, segurava entre os dedos uma toalhinha de acolchoado colorido.
— Foi feita à mão?
— Pode apostar.
— Pelas suas próprias mãozinhas?
— Duvida da minha habilidade? Como ele não reagira, Érica continuou:
— Eu mesma fiz, assim como todos os trabalhos à mão
desta casa.
— É muito bonito. Minha mãe fazia blusas e cachecóis para mim quando eu era
pequeno.
Blusas e cachecóis eram trabalho de principiante, perto da arte folclórica dos
acolchoados. O tempo em si já aumentava o valor desses trabalhos, uma vez que se
tratava de uma arte centenária. Mas ela não comentaria tal fato com ele.
— Essa não é a minha especialidade — Érica comentou. — O único trabalho para
crianças que faço é o acolchoado para o bebê de Katie.
— Você é alérgica a crianças? — Cristian perguntou, distraído.
— Claro que não! A cada semana ajudo uma ou duas a nascer. Pelo menos, ajudava. ..
quando trabalhava em tempo integral no pronto-socorro.
— Não foi exatamente o que perguntei. — O brilho no olhar diminuíra.
— Adoro bebês, Cris. Só que não tenho tempo para eles e duvido que, algum dia,
venha a ter — ela respondeu. Então, percebendo que iriam tocar num assunto de que ela
fugia, desde os dezessete anos, tentou mudar o rumo da conversa. — Que tal lhe
parece? — perguntou, enquanto colocava o molho sobre um descanso e, sentava-se. Na
mesa estava exposto um verdadeiro banquete.
— Isto. . . poderia. . . algum dia. . . mudar, não?
Não seria fácil passar o jantar inteiro discutindo sobre crianças, mas á reação dele
perante a gravidez de Katie sublinhava o apelo gentil existente na voz. Com. muita
paciência, finalmente, Érica resolveu ser honesta.
— Cris, dediquei toda minha vida à medicina. Não foi fácil e tenho sobrevivido graças à
vontade de vencer. . . Agora. . . suponho que, algum dia, possa me cansar disso tudo.
Talvez, algum dia. .. a idéia de ter filhos me agrade. Mas, francamente, tenho minhas
dúvidas. A única coisa certa é que minha vida está totalmente voltada para ir ao espaço.
Talvez, quando eu chegue lá, veja o mundo de uma nova perspectiva e mude de idéia.
Talvez. . .
A tristeza nos olhos dele era evidente. Parecia que Cristian arrependera-se de ter
perguntado. Tentando aliviar o mal-estar que se instaurara, Érica serviu-lhe carne e
salada.
— Não sejamos formais. Apenas coma com prazer — disse. — Seu desejo é uma
ordem, madame. — O sorriso ameaçou
voltar.
— Você queria ser astronauta, quando era pequeno? — ela perguntou, disposta a
relaxar e mudar de assunto.
— Imagine! Queria ser piloto. Érica riu.
— Acho que fiz uma pergunta estúpida e vou fazer outra: seu pai era aviador, também?
— Tem razão, mais boba ainda. Ele nasceu piloto da Marinha. Eu também. Minha
família podia até ter-me registrado como almirante Cristian Tatum III.
— Talvez seja conclusão precipitada, mas... você nunca teve que lutar por isso?
— E como lutei. . . Nunca recebi nenhuma proteção por causa da família. Ao
contrário, sempre vivi para as expectativas do meu pai.
— Isso é realmente importante para você?
— Claro! Que pergunta! Ê muito importante para mim. A família não é importante para
você?
— É, mas nunca senti que deveria ser alguém em especial para agradar meu pai. Acho
que ele teria ficado feliz se eu tivesse permanecido em Tucson e tido filhos, ou se eu me
tornasse jogadora de vôlei. "Érica Elizabeth", ele sempre dizia, "apenas siga seus sonhos,
querida. Escolha sua montanha favorita e não pare de escalá-la até ter chegado ao topo."
Cristian parecia estranhamente tocado pelas palavras que ela acabara de dizer.
— Os seus pais ainda vivem em Tucson?
— Não. . . morreram juntos, há alguns anos.
Ele permaneceu calado por uns instantes e, depois, acrescentou:
— Sinto muito, Érica. Deve ter sido muito duro para você.
— Foi, mas agora já estou superando. Tenho boas lembranças deles.
— Eles sempre a chamavam "Érica Elizabeth"? — perguntou sorrindo.
— Só quando queriam chamar minha atenção para eles. O resto do tempo, usavam
apenas o apelido: Kika.
— Então diga, Érica Elizabeth, esta missão é a montanha que está tentando escalar?
Todos os seus sonhos estão ligados a ela?
— Pensei que era, quando cheguei aqui — ela respondeu, surpresa por perceber que
fora obrigada a pensar para continuar. — Suponho que seja. . . Sei que, se eles me
escolherem, será. Mas já gastei muito tempo pesquisando e esperando para poder viajar
no espaço. Estou exausta e sobrecarregada. Alguns dias, na NASA, paro e me pergunto o
que estou fazendo. Vejo mais livros do que pacientes. Não é propriamente o que imagino
que seja praticar medicina.
Olhando para a face séria de Cristian, culpou-se por ter começado esse longo discurso,
mas precisava terminar.
— Então, há dias em que venderia minha alma para poder ir logo para o espaço.
Cristian inquiria-a cautelosamente.
— Acho que as coisas se tornariam bem mais fáceis para você, se fosse escolhida
para o lugar de Roger, não?
— Daria meu braço direito por esta missão — ela disse e suspirou, incapaz de
esconder sua ansiedade.
— Seria difícil operar sem o braço direito — ele atalhou. Érica não poderia dizer se ele
brincava ou não.
— Talvez o meu apêndice, então — sugeriu, esperando que fosse uma brincadeira. —
Afinal, suspeito que seja exatamente o que será extraído do chimpanzé.
— Você fala como se já tivesse certeza da indicação.
A tensão crescia entre eles. Não havia dúvida quanto a isso. Incerta sobre o que
responder, Érica optou pela verdade.
— Alguns dias, tenho certeza de que serei escolhida. Sinceramente, não acho que
tenha outro cirurgião melhor que eu na NASA, e teria muito tempo para treinar e superar
qualquer deficiência. Estou disposta a trabalhar todo o tempo necessário para o sucesso
desta missão.
— Não precisa fazer propaganda para mim — Cristian atalhou rudemente.
— Não quis fazer propaganda, mas você perguntou por que achava que seria
escolhida. Além disso, não creio, que fosse chamada tantas vezes para reuniões se
alguém na comissão pensasse que não tenho possibilidades.
— Ah! Você acha que tem um protetor a ajudá-la? Suponho que isso possa fazer muita
diferença caso a disputa esteja muito acirrada.
— Não. Não tenho nenhum protetor, já que mencionou. Mas agradeceria, se tivesse. —
Érica estava irritada e desesperada para mudar de assunto.
— Quem está na comissão? — Cristian a interrompeu.
— Dodson, Rafner e, claro, a equipe de vôo. Além de Paul Stevenson, o anestesista,
uma pessoa muito quieta.
— Conheço Paul — ele disse, mais calmo.
— Mark Hudson é o co-piloto. — Ela gostava de Mark: ele destruíra muitos de seus
estereótipos sobre astronautas. — E, obviamente, Jeb. Ele é o chefe. Parece... muito
distante. Tudo o que sei é que vocês são amigos.
— Deixe-me dizer algo sobre Jeb Henson que talvez você não saiba. — Como todas as
vezes em que o assunto ficava sério, os olhos de Cristian escureceram. — Ele é
escrupulosamente honesto e objetivo. A amizade não tem nenhuma influência nas suas
decisões profissionais, quaisquer que sejam. \ O empenho dele em substituir Roger tão
rapidamente deve ter sido suficiente para demonstrar isso. ..
— É, acho que foi difícil para ele. Pessoalmente, quero dizer. — Ela não poderia
esquecer a fisionomia preocupada de Jeb no dia do acidente de Roger. Por mais honesto
e objetivo que Jeb fosse, afinal Roger era um grande amigo seu.
Por alguns momentos, Cristian pareceu ter-se desligado da conversa. Tenso e sério,
ele permanecia distante. Érica não sabia para onde os pensamentos o levavam, mas quis
trazê-lo de volta, tocando-lhe as mãos cautelosamente. Então, ficaram ambos quietos,
olhando-se profundamente, os dedos juntos até que Cristian pareceu relaxar.
Decidida a mudar de assunto, Érica perguntou:
— Jeb não é tão apaixonado pela Marinha quanto você/ é?
— Não, madame — respondeu divertido. — Ele veio de fora, da Academia Preparatória
de Oficiais.
— E você... — deduziu — deve ter se formado na Academia Naval.
— Tão evidente quanto Houston é quente em setembro — ele comentou com ironia,
ainda mais divertido com a situação.
— Não sei, não, Cris. Fico tentando entender vocês, pilotos, mas há algumas
discrepâncias que me confundem — Érica disse, levantando-se para tirar a mesa. Os
joelhos dele resvalaram nos seus por debaixo da mesa e fizeram-na sentir-se leve.
— Como, por exemplo?
— Bem, julgando-se pelo pessoal da Marinha e da Força Aérea que conheço. Já vi
muitos astronautas deixarem a ativa para ficar na NASA depois que terminam os sete
anos de serviço. Isso me faz perguntar sobre a sinceridade deles.
Quando ela foi tirar a travessa de batatas, Cristian antecipou-se e colocou as mãos
sobre as dela. Esse gesto e o olhar que se seguiu aqueceram-na.
— Vou responder apenas por mim. Adoro a idéia de ser astronauta e sou dedicado a
isso, mas ir para o espaço como passageiro ou como civil não significaria nada para mim.
Sou um piloto da Marinha, um oficial e um cavalheiro. Até você saber o que tudo isso
significa, não estará nem começando a conhecer o verdadeiro Cristian Tatum.
Érica beijou-lhe a mão, incapaz de pensar em algo para dizer. Apaixonada, desejava
desesperadamente saber um pouco mais sobre a vida dele. Não conhecia a maneira
certa de tratar um "piloto da Marinha, um oficial e um cavalheiro", mas não podia
perguntar-lhe. Passara muito tempo de sua vida lutando contra homens que a olhavam
"como concorrente.
— Você está pronto para a torta? — ela perguntou.
— Estou satisfeito. . . Kika. Foi maravilhoso. Seu molho é quase tão bom quanto o da
minha mãe — Cristian respondeu, enquanto soltava-lhe a mão e levantava-se.
— Quase?! — Ela fingiu estar ofendida, adorando ser chamada pelo apelido.
— Por favor, moça! Você cortaria o coração dela se eu dissesse que prefiro o seu.
— E eu vou ficar com o coração partido se você não disser que o meu é, pelo menos,
tão bom quanto o dela.
— Esse pedido é meio complicado. Será que você não conhece nenhuma forma de
conquistar meu voto?
Aceitando o desafio, ela largou a travessa, deu a volta na mesa e abraçou-o
calmamente.
— Posso fazer coisas que sua mãe não pode.
— Será que devo pedir uma demonstração? — Cristian abraçara-a e acariciava-lhe as
costas nuas.
Nesse momento, o laço que ele atara tão fortemente desprendeu-se novamente e os
dois explodiram numa gostosa gargalhada. Com o ombro descoberto, ela sentiu a fúria e
a paixão dos lábios dele sobre seu corpo ardente.
Subindo do colo para a boca, ele beijou-u ternamente nos lábios. Depois, com um
fervor quase selvagem, agarrou-a, disposto a devorá-la.
— Nada mau para uma demonstração. Gosto igualmente dos dois — ele falou
suspirando, quando, finalmente, se separaram.
— Igualmente dos dois? — Ela se esquecera do motivo daquele beijo.
— Do molho, Kika, Seu suborno foi muito eficiente.
— Tem certeza de que não quer a torta?
— Não. Mais tarde. Por que não vamos andar um pouco?
— Andar? — Parecia uma estranha sugestão para aquela noite tão quente. Mas
Cristian estava determinado.
— Gosto de andar depois do jantar. Mesmo que seja apenas na varanda ou no convés
do navio. Em noites estreladas, como hoje, os marinheiros com saudades de casa podem
fingir que estão passeando com suas namoradas. . .
Aquele comentário a agradou. Ela gostara do som daquela voz: gostara daqueles
olhos. . . daquele corpo. . . gostara. . .
— Você me convenceu.
— Sabia que conseguiria — ele respondeu com um toque levemente pretensioso na
voz e, sorrindo amoroso, conduziu-a para a saída. — Acho melhor abrir logo esta porta ou
pensarei que você não quer ir — ele a convidou, pegando o presente que trouxera.
Lá fora, o perfume de jasmim, forte e romântico, dominou-os. A piscina, iluminada por
pequenos e sutis focos de luz, emanava um leve brilho azulado.
— Desconfio de presentes de pilotos da Marinha. E de sua criatividade. . . — Érica
brincou enquanto abria o pacote.
Contente, desembrulhou o presente, um colchão inflável para piscinas, e disse
sorridente:
— Cris, que ótima idéia! Vamos experimentá-lo hoje? Estava uma noite deliciosamente
quente e a piscina deveria
estar muito refrescante. Cristian olhava alternadamente para a piscina e para os olhos
dela, enquanto considerava o convite.
— Não trouxe calção de banho — respondeu afinal, esperando pela reação dela.
Érica teve vontade de dizer que não era importante, que terminar a noite ao lado do
corpo dele, nu na piscina, seria maravilhoso, mas evitou fazer esse comentário. Sabia que
seria precipitado: Cristian devia ter sido criado com a idéia de que garotas de boa família
não se entregam com facilidade. Então, resolveu esperar por outra oportunidade. . .
— Da próxima vez, traga um. A propósito, como sabia que tinha piscina em casa?
— Está brincando comigo? Além da obsessão pelo calor de Houston, do biquíni
daquela noite, sempre achei que você recendia, ligeiramente, a cloro. Não pensei que
fosse algum produto usado em cirurgia. . .
— Cloro?! — ela resmungou, pensando no perfume que usara especialmente para ele.
— Essa foi a coisa menos romântica que um homem já me falou.
— É a primeira vez que sou chamado de pouco romântico. Incuravelmente tradicional,
superprotetor e sentimental, vá lá, além de mais algumas coisas que não repetiria na sua
frente. Mas pouco romântico?
— Tudo bem, tudo bem. . . Retiro o que disse. Você é a pessoa mais romântica,
irresistível e sexy que já vi.
— Boa menina! Continue.
— É muito perigoso falar assim.
— E seria perigoso perguntar por quê?
— Seria perigoso continuar nosso passeio? — Érica perguntou, querendo, mais uma
vez, mudar de assunto, para não estragar aquele momento com discursos feministas.
— Talvez, se o seu corpo se superaquecer.
— E quem disse que meu corpo se superaquece facilmente?
— Menina atrevida! Vou deixá-la tão quente que pedirá para chamar os bombeiros.
Então veremos quem será o atrevido e orgulhoso — provocou-a, com uma pequena
mordida no lobo da orelha.
Envolvendo-a com os braços, Cristian apertou-a contra o peito largo e Érica retribuiu o
abraço, gostando do contato com o calor que exalava dele. Passearam abraçados ao
redor da piscina, depois rumaram para o jardim. Não conversavam nada sério. Apenas
apreciaram a noite clara, as estrelas que brilhavam no céu de lua cheia.
-— Quando era criança, adorava astronomia — Eriça disse.
— Costumava sentar no quintal de casa, ou deitar na grama, e olhar para o céu,
procurando a estrela polar.
— E você acha que é melhor procurá-la sentada ou deitada?
— Cristian perguntou, com os lábios em seus cabelos.
A emoção de tanta proximidade fazia as pernas de Érica tremerem e ela, preocupada
com o que poderia acontecer e querendo ter uma noite perfeita, respondeu:
— Sinto que as aulas de astronomia na NASA roubaram um pouco a magia de olhar o
céu, sonhando — comentou e ficou esperando que ele respondesse.
Foi então que sentiu os braços fortes enlaçarem-na pelas costas e começarem a tocar
seus seios, subindo até o laço desfeito do vestido.
— A noite perdeu a magia e o mistério para você, Kika?
— A voz baixa e insinuante acompanhava a doçura da noite.
— O que acha que seria mais excitante: uma viagem à Lua ou uma em torno da Terra?
Posso levá-la ao espaço. — Enquanto falava, Cristian acariciava-a nos ombros com a
ponta dos dedos e com o braço roçava levemente os seios fartos, que pediam mais...
Érica sentiu a ponta dos mamilos se enrijecerem e seus sentidos começarem a falhar,
mas fez força para não responder, evitando o duplo sentido da pergunta. "Respire fundo e
acalme-se. Não se precipite ou poderá estragar tudo", pensava, procurando controlar-se.
— Durante o jantar, você me disse que faria qualquer coisa para voar, doutora. O que,
exatamente, tinha em mente?
Sem conseguir ordenar os pensamentos, confusa, Érica sentia-se bombardeada por
indiretas. Algumas com objetivos bem claros: o desejo e o interesse por ela. Entretanto,
havia mensagens secretas, indecifráveis. "Sou um oficial e um cavalheiro. Minhas razões
não se relacionavam com meus pensamentos." "Será que algum dia terá tempo para um
bebê?"
Debatendo-se entre tantas dúvidas, Érica sentia o corpo arrepiado. Aquele era o
homem por quem esperara durante toda a vida, mas poderia não passar da empolgação.
Não seria bom dormir com ele logo no primeiro encontro. Com tantos pensamentos
povoando-lhe a cabeça, ela estava confusa.
Enquanto isso, Cristian deslizara a mão por debaixo do vestido e subira na direção dos
seios, passeando a milímetros dos bicos eretos, que denunciavam todo o desejo que
sentia.
— Você é o comandante e o piloto da espaçonave — ela murmurou, querendo mandar
a lógica para o inferno. — Conhece a trajetória. Viajarei para onde você quiser.
Este deveria ser o momento em que, finalmente, seus seios seriam aprisionados por
aquelas mãos fortes. Eles se beijariam, as estrelas brilhariam mais fortemente, o calor
aumentaria e a paixão latente explodiria. Mas, ao contrário, as mãos estrategicamente
colocadas pararam de se mover.
— Qualquer lugar? — ele sussurrou, desafiador. Alguma coisa que ela dissera o
desagradara. Érica sentia-se
confusa. Afinal, ambos apreciavam jogos de palavras e estiveram fazendo-os durante
toda a noite. Subitamente, acabara a brincadeira. Fora lançado um desafio para testá-la
ou machucá-la. As mãos anteriormente tão doces já não eram mais as mesmas.
Ainda assim, ela se sentiu abandonada quando Cristian a largou e um sentimento de
solidão a invadiu. Os seios permaneceram rijos, mas o corpo endurecera, perdera a
languidez de instantes atrás.
— Obrigado pelo jantar, Érica. Mas tenho que ir. . . Essas palavras foram
acompanhadas do gesto nervoso que
Érica já aprendera a reconhecer. Cristian passara as mãos pelo cabelos, em seguida,
colocara-as nos bolsos.
Incrédula e confusa, ela não esboçou nenhuma reação. Apenas ficou parada,
esperando que ele continuasse.
— Quer me acompanhar até o carro? — ele perguntou em voz baixa.
Ainda paralisada de surpresa, ela concordou e Cristian pegou-lhe a mão, enquanto
andavam pelo jardim. Mas já não era o mesmo toque ardente e apaixonado de antes,
agora era leve e descompromissado.
Quando chegaram ao carro esporte vermelho, estacionado em frente à casa, ele a
encarou e o tom escuro de seus olhos demonstrou toda a confusão em que ele se
encontrava, procurando algum sinal que Érica não conseguia compreender.
— Foi muita gentileza sua. A noite estava realmente especial.
— Foi um prazer — ela respondeu friamente, lutando para ordenar os pensamentos.
"Confie nele, deve haver algum bom motivo para essa atitude", pensou.
— Sinto ter que ir.
Não era preciso ter feito aquele último comentário. Um beijo puro e quente seria o
pedido de desculpas por não ficar. Estática, Érica não fez nada.
Então, como se lesse seus pensamentos, Cristian a beijou novamente, desta vez
exigindo reciprocidade, ordenando, implorando compreensão. Era o beijo tão esperado no
jardim. Havia algo acontecendo entre eles. As palavras falavam menos que os olhares e a
cumplicidade que se instaurava.
Quando se separaram, gentil e penosamente, as perguntas não formuladas e não
resolvidas pairavam entre eles, como uma sombra a ofuscar o brilho daquela noite.
— Telefono em breve, Kika. — A voz prometia e revelava desejos. — Há um problema
que preciso resolver antes de ficar.

CAPITULO V

Érica não conseguira dormir direito àquela noite, pensando nos momentos agradáveis
passados ao lado de Cristian durante o jantar. A forte sensualidade que os atraía se
intercalara com instantes de tensão e depois, quando ele partira, ficara a sensação de
prazer mútuo pairando no ar. Sabiam que estavam às vésperas de se entregar a uma
forte paixão. Talvez. . . amor.
Amor. . . amor. . . Incrível como uma palavra tão pequena tivesse o imenso poder de
mudar a vida das pessoas. Significa muito mais do que noites de paixão e lindas manhãs
de sol. Poderia também ser o fim de uma carreira tão almejada.
Desde que chegara a Houston, apenas um homem, Cristian Tatum, conseguira
prender-lhe a atenção. Todos os outros pareciam-lhe desajeitados e sem graça.
Enfim, era quase hora do almoço e logo mais seria anunciado o substituto de Roger
Shaw, mas os pensamentos dela não conseguiam se concentrar em outro assunto que
não Cristian.
— Dra. Newman? — A voz de um mensageiro despertou-a do devaneio. — "Eles"
querem falar com a senhora.
Não seria necessária nenhuma outra explicação. Todos na NASA sabiam quem eram
"eles" e só havia uma boa razão para desejarem vê-la.
Subindo apressada as escadas que a separavam de seu futuro profissional, Érica
pensou no quanto tudo aquilo significava para ela. Poderia ser o começo de uma grande
carreira ou o fim de todas as suas pretensões.
Ao entrar na sala de reuniões, deparou com Arthur Rafner, Cari Dodson, Jeb Henson,
Mark Hudson e Paul Stevenson. Todos rijos, em silêncio, sentados em semicírculo em
torno da mesa no centro. Os olhares concentraram-se, então, em Jeb.
— Comandante, gostaria de fazer as honras? — Paul perguntou em tom falsamente
formal.
Sério, Jeb se levantou e dirigiu-se a ela:
— Bem-vinda a bordo, doutora. Estamos orgulhosos por tê-la no programa.
O entusiasmo que ela demonstrou divertiu Mark e embaraçou Paul. Jeb permaneceu
impassível, avisando-lhe que ia fornecer outros detalhes durante o almoço e mais nada.
Terminados os cumprimentos e formalidades, ordenou-lhe que resolvesse todos os
detalhes da convocação e que se preparasse para falar à imprensa no final da tarde. A
partir de segunda-feira de manhã, seu corpo e alma passariam a pertencer inteiramente à
NASA.
Caminhando silenciosamente ao lado de Jeb pelo corredor, pareceu a Érica que ele
não estava muito feliz com a escolha da equipe. Mas deixou para tratar desse assunto
mais tarde.
— Quero que conheça bem todos os trabalhos preliminares. Nosso cronograma está
em dia e não pretendemos atrasar a missão, apesar do problema que tivemos. — Foram
as primeiras palavras que ele pronunciou, assim que entraram em seu gabinete. O tom
brusco e impessoal não dava o menor sinal de que aquele "problema" era Roger, um
amigo íntimo em coma no hospital. — Resumindo — ele prosseguiu —, você tem cinco
meses para se inteirar de tudo o que fizemos até agora e solucionar o que ainda não foi
resolvido. Terá que juntar tudo o que estava nas anotações, nos relatórios e na mente de
Roger e avançar alguns passos à frente, para conseguir operar. Neste momento, você
está entusiasmada e agradecida, mas deixe-me avisá-la: até o lançamento do Odyssey,
vai desejar que nunca tivéssemos ouvido falar no seu nome.
— Não os decepcionarei, quero dar à missão o melhor de mim. Esperei por isso
metade da minha vida, e nada se colocará no meu caminho — ela retrucou de maneira
grave e formal.
— Talvez seja necessário lembrá-la dessas palavras de tempos em tempos. Posso?
Leves batidas à porta os interromperam, antecedendo a entrada de um oficial alto e
moreno que, antes de voltar-se ou ouvir-lhe a voz, Érica já sabia quem era.
— Érica. . . — Cristian murmurou com surpresa, demonstrando saudade na voz.
Tensa e preocupada, ela não sabia o que fazer. Não queria que Jeb percebesse que
apenas metade do seu coração pertencia ao programa. A outra já estava comprometida. .
— Cris... — foi tudo que conseguiu dizer naquele momento, desesperada para que ele
compreendesse sua necessidade de discrição.
Mas a mensagem velada em sua voz não foi entendida. Os olhos dele turvaram-se,
decepcionados e tristes.
— Desculpe-me, Jeb. Não queria atrapalhar. Vim aqui saber se a designação já foi
anunciada — disse, de modo formal, como se ela não estivesse presente.
— Já! — Jeb continuou impassível.
— E quem vai substituir Roger?
— Érica Newman.
Sem demonstrar surpresa, Cristian voltou-se para ela.
— Gostaria de almoçar comigo, Érica?
Ela não sabia o que se passava na cabeça dele, mas não poderia aceitar. Embora Jeb
não tivesse comentado, já devia ter mandado buscar café e sanduíches para os dois.
— Acho. . . que estarei ocupada, discutindo o programa.
— Claro. Talvez pudéssemos celebrar juntos, hoje à noite, no Obsession. Comeríamos
um delicioso grelhado de frutos do mar. É um lugar bonito e refrescante. — Essas
palavras, à primeira vista gentis, escondiam uma ameaça.
— Deixe para algum outro dia. Vou ter que trabalhar à noite.
— Amanhã à noite, então? — ele insistiu, parecendo irritado.
— Sinto muito. — Era seu turno em substituição a Roger, na Santa Casa. — Também
vou trabalhar.
A cada vez que se encontravam, Érica descobria novas facetas na personalidade de
Cristian. Mas, naquele instante, no auge de seu sucesso, ele a forçava para baixo.
— Entendo — ele disse, sem sair do lugar.
— Não, acho que não entendeu — ela retorquiu com a voz trêmula. Apesar da
presença de Jeb na sala, parecia mais importante esclarecer tudo. — Além do meu
plantão, estou fazendo. ..
— Talvez seja você quem deva convidá-la para jantar, Jeb. — Ele a interrompeu
bruscamente, encarando o outro homem na sala. — Desta vez você ganhou. Deve haver
algum restaurante em Houston que sirva cobras e lagartos para você. — Ao dizer isso,
virou-se e saiu.
Jeb permaneceu indiferente, enquanto Érica lutava para manter a compostura. Afinal,
era sua primeira hora como membro efetivo do programa espacial e prometera que nada
iria impedi-la de dar o melhor de si. Não poderia sair correndo atrás de Cristian.
— Você poderia me dizer uma coisa, Jeb? Isto é, se a resposta não for confidencial.
— Claro! Não deve haver segredos entre nós, daqui por diante.
— Gostaria de saber se minha eleição foi. . . unânime.
— Sim. Mas por quê? Agora que foi escolhida, isso não importa.
— É que. . . bem, tenho a impressão de que você gostaria que outra pessoa fosse
escolhida. O que foi que fiz para você? — Sua vontade era perguntar: "E o que foi que fiz
a Cristian?"
— Nada. Foi escolhida apenas por seu currículo e por nenhuma outra razão. Faça seu
trabalho e nos daremos bem.
As acusações de Cristian ainda ecoavam na mente de Érica, duas horas mais tarde,
quando finalmente conseguiu se desvencilhar de Jeb. Subiu, então, desesperadamente, o
lance de escada que a separavam do escritório dele e, vendo que a porta estava apenas
encostada, ela entrou sem se anunciar.
Ao vê-la, ele pareceu surpreso.
— Será que me esqueci de dizer adeus? Desculpe-me, tenho muito o que fazer —
falou, entredentes.
— E nós temos muito o que conversar sobre nosso relacionamento. Você pensa que
pode falar docemente comigo na quinta-feira à noite e descartar-me na sexta à tarde? —
O medo se transformara em indignação.
— O que a faz pensar que temos um "relacionamento"? — Ele começou a se levantar
enquanto continuava num tom frio. — Apenas trabalhamos no mesmo prédio. E, se
pensa que a tratei docemente, Dra. Newman, lamento informar que a senhora nunca me
viu cortejar uma mulher ou... talvez, a senhora esteja há muito tempo sem namorado.
Érica quase explodiu de raiva. Então ele a beijava, abraçava, acenava com promessas
e depois a deixava sozinha? Não via motivo para ser tratada com tamanha frieza, mas
também não imploraria amor. Acabara de ser designada para a missão de sua vida e o
chefe da equipe deixara bem claro que não haveria tempo para crises emocionais, muito
menos para os jogos de esconde-esconde do tipo que Cristian insistia em jogar. Com os
punhos cerrados e rubra de indignação, Érica desfechou:
— Sinto ter interpretado mal suas atitudes, "comandante". Não o incomodarei mais.
— Não sei por que incomodaria, se já conseguiu o bastante ...
Érica enxugou as lágrimas que começavam a brotar.
— Então é isso? Você está com ciúme porque vou trabalhar com Jeb?
— Ciúme? Para poder sentir ciúme, é preciso em primeiro lugar estar apaixonado.
Creia-me, doutora, não olharia duas vezes para uma mulher que venderia a alma para
roubar o lugar do meu melhor amigo.
Cada vez mais magoada, Érica não conseguia ordenar os pensamentos, diante
daquelas palavras duras.
— Sabe o que é mais patético em tudo isso? — ele caminhou para ela. — É que não
faria nenhuma diferença. Você poderia ter dormido comigo, com Jeb ou com toda a
equipe! Jeb não se corrompe. Trabalha seriamente e nunca mistura trabalho com
emoção. Além disso, a decisão final não era dele. Você me bajulou por nada, entendeu?
Érica retrocedeu, concluindo que a distância que os separava era enorme.
— A única coisa que entendi é sobre a maneira como um oficial e um cavalheiro julga,
condena e executa seus amigos. Agora posso dizer que conheço o verdadeiro Cristian
Tatum — disse entre lágrimas e saiu da sala.
No sábado à noite, Érica já havia sido cumprimentada por todos os colegas e amigos, e
entrevistada por todos os repórteres. Procurara parecer feliz, mas depois, em casa, numa
ligação para Katie, acabara desabafando toda a verdade. Sua felicidade não durara mais
que vinte minutos. Cristian estragara tudo.
Só agora ela compreendia os comentários soltos durante todas as semanas que
antecederam a designação do sucessor de Roger, o olhar inquiridor, as questões não
formuladas, as insinuações e... a acusação implícita, que desabara sobre ela, afinal.
Enquanto Cristian se sentira usado, ela se julgava traída. Seria praticamente
impossível ele admitir sua inocência, porque se recusava a reconhecer seu lado
verdadeiro. Todo o esforço para harmonizar feminilidade e coragem profissional
subitamente haviam perdido o sentido.
Depois de desligar o telefone, ficou um tempo pensativa, tentando se situar. Entretanto,
em meio a tantos relatórios, memorandos e manuais, não conseguia se encontrar. Os
pensamentos perdiam-se na lembrança daquele homem que invadira sua vida.
Estava assim distraída e não percebera a campainha tocar. Foram necessárias
chamadas insistentes até ela se dar conta e levantar para atender, esperando encontrar
mais um grupo de repórteres. Vestindo uma blusinha de algodão sobre o biquíni, dirigiu-
se à porta.
Não era nenhum repórter. À sua frente, com as mãos nos bolsos da calça e a camisa
entreaberta, Cristian a esperava impaciente.
Mas Érica estava decidida a não ceder à sedução que aquela imagem lhe despertava e
perguntou friamente:
— Em que posso ajudá-lo, comandante?
— Acho que lhe devo desculpas. ..
— Quanto a isso, estamos de pleno acordo.
Cristian Tatum não parecia ser do tipo que deixasse de reparar um erro que
cometesse. Érica sabia que ele viria, cedo ou tarde, e estava feliz por ter sido tão cedo.
Mas, ainda magoada para admitir seu perdão, não queria se render aos encantos dele.
— Se veio pedir desculpas, continue, comandante. Ou. . . vá para casa. Tenho menos
de trinta minutos para me aprontar e sair para o trabalho.
Surpreso, ele empurrou a porta, fechando-a atrás de si.
— Se a julguei mal, Érica, por favor, desculpe-me. Sinto muito.
— "Se" você me julgou mal?! Então essa é a idéia que um oficial faz de um pedido de
desculpas?
— Veja bem, Kika. Estou tentando. ..
— Kika é um apelido familiar. Não lhe dei o direito de usá-lo.
— Disse que sentia muito. Vim para resolver tudo. Não sei por que... — ele tentou
continuar, aturdido pela agressividade das palavras dela.
— Será que, algum dia, o senhor pensou que posso não estar preocupada com seus
sentimentos? — Érica estava decidida a não se deixar convencer por algumas poucas
palavras doces. — Agora, é muito tarde para resolver qualquer coisa. Está tudo acabado
entre nós.
— Sei que tem todo o direito de estar brava comigo. Disse coisas horríveis ontem. . .
— Disse que eu venderia o corpo para qualquer homem que pudesse ajudar minha
carreira!
— Sentia medo de estar sendo usado. Era como se estivesse traindo Roger. Sempre a
desejei... por tanto tempo... Não conseguia entender por que você, sem mais nem menos,
tinha resolvido ficar comigo. Precisava de uma boa razão para isso. Por favor, diga-me
qual é.
— Pois ainda não sabe?
— Preciso ouvir de você.
— Um homem que me desdenha sem provas não merece ouvir o que você está
pedindo, Cris.
— Érica! Eu tinha meus motivos. Lembro de muitas palavras suas que levantavam
suspeitas.
— Quer dizer então que agora sou eu a culpada? O próximo passo será a acusação de
que estaria, secretamente, drogando Roger para ele não acordar. Se é assim, por que se
deu ao trabalho de vir até aqui?
A calma aparente dele despedaçou-se no gesto nervoso de tirar as mãos dos bolsos e
levá-las ao cabelo.
— Não posso suportar a idéia de magoar a mulher que penso que você é. . . com
palavras que dirigi à que suspeitava que fosse..Já sabia que a designação fora anunciada
e você nem se incomodara em ir me contar. Mas eu queria estar absolutamente certo, por
isso fui ao gabinete de Jeb. Quando você se recusou a sair comigo três vezes, pensei. . .
— Pensou errado! Não fui contar-lhe porque estava com Jeb e a comissão. E, mesmo
que não estivesse ocupada, procuraria ser mais discreta. — Com muita ironia na voz,
Érica completou: — Certamente, esperava mais sutileza de sua parte. Será que você
esperava que eu aceitasse o convite, ou melhor, a ameaça para sair, na frente de Jeb? —
As palavras brotavam, sem que ele tivesse tempo de responder. — Já não basta estar
quebrando minha promessa de nunca sair com alguém da NASA.
— É. .. — Envergonhado, Cristian não conseguia encará-la.
— Apenas para sua informação — ela continuou implacável —, precisava mesmo
trabalhar ontem à noite. E tenho que trabalhar hoje de novo. Por acaso, estou substituindo
um médico que está em coma.
Feliz por ter pago todo o seu sofrimento na mesma moeda, Érica percebeu que ele se
encontrava num estado lastimável. O que não a impediu de concluir, com amargura:
— Cris, vou estar ocupada demais para aturar crises de mau humor. Mesmo que
precisasse de um homem para ser feliz, não escolheria um peso para meus ombros. Há
homens mais bonitos e simpáticos, que não seriam um empecilho para minha carreira.
Quando terminou de falar, Érica saiu correndo para o quarto, antes que começasse a
chorar na frente dele. Mas, antes mesmo de enxugar os olhos, ele entrou porta adentro.
— Acho que ainda não sei nada sobre oficiais e cavalheiros!
— Não se faça de boba comigo. Pare de jogar isso na minha cara. Quinta-feira, você
parecia bastante decidida a me convidar para dormir aqui. Agora é muito tarde para
desfazer o convite.
— Aí é que você se engana...
A cama ainda desfeita dominava o quarto todo. Ela não poderia negar que desejava
dormir com ele, mas era muito arriscado... O que seria deles no dia seguinte? Poderiam
estar separados...
— Então você nega que queria fazer amor comigo quando vim jantar? .
Érica não poderia fazê-lo, e respondeu:
— Se quer mesmo saber, sempre quis. Desde o primeiro momento em que o vi, e mais
ainda desde o acidente de Roger. Desejei-o tanto que ignorei nossas diferenças e saí
com você. Mesmo com o risco de prejudicar minha carreira.
— Érica...
— Preste atenção: não há desculpas para o que disse ontem. . . e muito menos para a
maneira como você, só você, conseguiu destruir minha alegria. Não quero continuar
vivendo no caos em que fiquei desde que me envolvi com você. Não posso me dar ao
luxo de sair com alguém enquanto estiver na missão. . . especialmente com quem não
acredita em mim.
— Sinto muito! Sei que está magoada, mas a decisão é sua — ele retrucou, em voz
doce.
Pouco a pouco, as emoções, os desejos que ele despertava nela foram destruindo sua
resistência e ela percebeu que o fascínio dele ganhava terreno. Mas não estava disposta
a deixar-se vencer naquela batalha.
— Já é muito tarde. Essa nossa relação... é incapaz de resistir a tantos obstáculos.
— Todas as pessoas merecem uma segunda chance. Por que não eu?
— Acabou tudo. . . — Mais gentil, ela ainda tentava lutar.
— Tenho que ir trabalhar, preciso me vestir.
— Se vai mesmo para o hospital, agora é o momento de fazermos as pazes. Por favor,
não me deixe esperando até amanhã de manhã — disse, e segurou o rosto dela entre as
mãos.
— Tudo bem, está perdoado. Mas, preciso ir. . . Saia do quarto. . . por favor.
Aliviado, mas cauteloso, ele perguntou:
— Posso esperar lá fora, enquanto você troca de roupa? Posso levá-la para o hospital.
— Sei dirigir — ela retorquiu, enquanto se esquivava do beijo que ele oferecia. Não
estava mais brava, apenas confusa.
— Amanhã, depois que você tiver descansado, posso telefonar?
— Não. Não quero sair com você.
Incrédulo, a face tensa, o brilho desaparecendo dos olhos, Cristian ainda conseguiu
falar:
— Érica. . . acabou a cena de fúria e briga. Agora é a parte em que nos beijamos e
fazemos as pazes. A que horas quer que eu ligue?
— Não quero que telefone. — As lembranças de todos os momentos felizes que
haviam passado juntos minavam suas forças. — Darei um jeito de avisar se houver
alguma mudança no estado de Roger, mas não quero continuar me encontrando com
você.
Ele recuou, sabendo que era o único culpado por aquele desastre.
— Não vou implorar... mas quero que reconsidere. Não se ganha uma guerra na
primeira batalha.
— Não é só pelas acusações, nem pela maneira como estragou meu dia de glória.
Você me machucou muitas vezes e muito profundamente nessas últimas semanas.
Ignorou meus direitos como pessoa e profissional. Atraiu-me quando quis e, ao menor
sinal de suspeita, descartou-me. Saia da minha vida! Tenho muito o que fazer.
— Mas eu. . . não dei nada em troca, para compensar esses momentos?
— Sinto muito, queria de verdade ficar com você, mas somos muito diferentes.
Érica esperava que ele não a tocasse. Caso contrário, seus argumentos se
desvaneceriam como fumaça no ar.
— Érica, não tivemos "encontros" simplesmente — ele disse, aproximando-se. — Será
que não entende? Precisamos superar esses mal-entendidos, que não passam de
pequenos arranhões, aliás, muito comuns entre duas pessoas que começam a se
apaixonar.
Olhando-a, de modo insinuante, ele permanecia perto dela, e se aproximou ainda mais.
— Não. . . estou muito certa se o que estávamos.. . vivendo era o começo de uma
paixão — Érica falou, com medo de amá-lo. Preferia a segurança da vida profissional a
envolver-se com aquele homem tão doce e que tanta angústia lhe causara.
Mas ele a atraía com seu magnetismo irresistível.
— Tive a impressão de que. . . caminhávamos nessa direção.
— Ele aproximou os lábios dos dela. — Será que me enganei, Kika?
Por mais que tentasse, Érica não mais conseguia esconder a única verdade: já
estavam apaixonados. Mas o silêncio, naquele instante, poderia ter muitos significados e,
se ela o recusasse agora, talvez nunca mais tornasse a vê-lo.
— Não suportaria perdê-lo! — soluçou afinal por entre lágrimas.
— Querida!
Abraçaram-se, invadidos por emoções incontroláveis, querendo aliviar a dor dos
momentos amargos. Naquele instante, era como se fossem uma única pessoa.
— Estou com você, Cris. Nunca duvidei disso.
Beijaram-se, sentindo a fúria do desejo dominá-los. Ele, querendo possuí-la, circundou
com a língua os lábios carnudos dela, até, impaciente, penetrar no doce refúgio que o
esperava. Os corpos comprimidos irradiavam promessas.
Quando se separaram, Cristian arrancou, violento, a blusa que ela usava, como se o
leve tecido ameaçasse a proximidade que os unia, e suas mãos fortes deslizaram ávidas
por todo o corpo ondulante de Érica. Extasiada, ao sentir-lhe os dedos quentes sobre a
pele nua, ela o beijava incessantemente, como que para confirmar o perdão pelas horas
amargas.
-— Sinto um peso muito grande no coração. Não consigo respirar. Será que a doutora
poderia me ajudar? — falou Cristian com sarcasmo, roçando a barba por fazer contra a
pele delicada do rosto dela.
Apesar da brincadeira, Érica sabia que o magoara e, ignorando por um momento que
outras pessoas dependiam dela, desabotoou-lhe a camisa, passeando as mãos pelo peito
largo.
— O que você precisa é de uma pequena massagem no coração. Uma boa profissional
poderia fazê-lo sentir-se melhor.
Érica beijava-o no pescoço, ouvindo-lhe os gemidos suplicantes.
— A melhor solução para essa dor seria uma internação, a começar por amanhã, de
manhã, por todo o fim de semana, sob a supervisão pessoal de um médico — concluiu,
esfregando de modo provocante os bicos dos seios eretos contra o peito peludo dele.
— Você tem mesmo que trabalhar? — ele gemeu angustiado, beijando-a com um furor
selvagem.
Incapaz de responder, ela confirmou, com um movimento de cabeça. Nunca, em sua
vida profissional, passara por momentos como aqueles. Mas, por mais que estivesse
dividida, era sábado à noite e o pronto-socorro estaria cheio de vidas em perigo à espera
de seus cuidados.
Cristian beijou-a mais uma vez e ela se viu invadida por ondas de desejo e prazer,
sentindo as costas serem acariciadas com fervor por suas mãos fortes. Quando
finalmente elas se detiveram sobre o laço do biquíni, onde os dedos dele brincaram, Érica
esteve a ponto de desistir de ir trabalhar.
— Se você tem mesmo que ir, então é melhor não começarmos nada que não
possamos terminar — ele concluiu, pegando-a de surpresa.
Abraçaram-se, apertado, enquanto suas línguas se comunicavam silenciosamente o
que as palavras não poderiam dizer.
— Cris, você vai ter que me ajudar — ela disse, separando-se dele. — Se fosse
qualquer outro compromisso. . . Mas não o hospital.
Lentamente, ele tirou as mãos do corpo dela e colocou-a nos bolsos. Estava
desapontado.
— Telefono amanhã ao meio-dia.
Ela o olhou meio chorosa, sentindo profundamente a separação.
— Você sabe que não tenho escolha. Senão. . . ficaria com você. Mas agora tenho que
voar para chegar a tempo. Estou atrasadíssima!
— Tudo bem. Estou com o meu T-38 estacionado na porta
— Cristian ainda brincou.
Sorrindo, Érica empurrou-o para a porta e disse:
— Dê o fora daqui!
— Antes de ir, cara senhora, há uma coisa que eu gostaria muito de fazer. . . com sua
permissão — ele curvou-se em jocosa reverência.
— Seu desejo é uma ordem, comandante — ela retrucou, num tom falsamente formal,
mas no íntimo delirando com o retorno da magia que sempre existira entre eles.
Vitorioso, Cristian aproximou-se e desfez um laço imaginário em uma alça inexistente
sobre o ombro esquerdo dela. Acariciando-a, em seguida, deslizou a mão até a altura do
seio, penetrando devagar sob o sutiã do maio sem alças.
Sentindo a carícia dos dedos ágeis, Érica começou a vislumbrar o que seria uma noite
de amor nos braços dele. Docemente desesperado, ele apertou-lhe um mamilo,
excitando-a, e ela deu um gritinho sensual, agarrando-se mais a ele.
Então Cristian curvou-se e beijou ardorosamente o seio que se descobrira. A seguir,
passou para o outro mamilo, que também se eriçava de prazer. (
Érica chegou a pensar que perdera a parada e não mais iria trabalhar, mas ele a soltou
e, balançando a cabeça negativamente, encarou-a.
— Desde aquela noite venho sonhando em fazer isso.
— Tive a mesma fantasia — ela falou, sufocada.
— Já estou saindo.
— Boa-noite, querido.
De volta ao seu alojamento, Cristian estava de muito bom humor. Sua ânsia de possuir
aquela mulher não diminuíra, mas conseguira deixá-la igualmente desejosa. E ela
admitira que o amava.
Ao meio-dia de domingo, telefonaria para ela e passariam o dia juntos. Então, ele faria
tudo para que ela soubesse que ele, e apenas ele, era o coração e a alma de sua vida. E
não permitiria que ela o deixasse.
Mesmo sabendo que poderia seduzi-la quando bem entendesse, tinha intenção de
manter a calma. Não valia a pena arriscar tudo numa única cartada. Planejava excitá-la
ao máximo, até que admitisse que tudo o que desejava era ele. Seria romântico, faria com
que ela se sentisse mulher e passaria o dia todo cortejando-a, antes de possuí-la.
Ainda inebriado com esses pensamentos, Cristian foi acordado pela campainha do
telefone que tocava. Àquela hora da noite, só podiam ser más notícias.
— Comandante Tatum - atendeu com voz calma e forte, conveniente para um oficial.
O que ouviu, entretanto, tirou-lhe o maior peso da consciência. O longo mês de espera
por mudanças no estado de Roger terminara.

CAPITULO VI

— Falei com ele, Cris. Ele está acordado! Lembrou-se do meu nome.
Érica não conseguiu terminar de falar porque a explosão de alegria de Cristian a
impediu de explicar qualquer outra coisa. Apenas combinaram de se encontrar no quarto
de Roger.
— Você vai poder ficar pouco tempo com ele. Se eu não estiver quando chegar. . .
— Vou voando...
O trajeto da base à Santa Casa demorava aproximadamente vinte minutos. Em pouco
mais da metade desse tempo, os passos de Cristian ecoavam no corredor do hospital.
— Cris...
Antes que acabasse de pronunciar o nome dele, Érica sentiu-se abraçada, girando pelo
corredor.
— Kika! Ele conseguiu! Sabia que iria escapar! Mostrou para todo mundo que é
forte! Martin estaria orgulhoso!
Essas palavras foram entremeadas por breves intervalos, enquanto ele a beijava,
eufórico. Felizes, esqueciam que estavam num hospital e que a razão de tanta alegria os
esperava a poucos metros dali. Roger, porém, apesar da milagrosa recuperação, ainda
estava fraco e merecia cuidados especiais. Érica reassumiu a postura séria de médica
responsável.
— Cris, sei que você quer muito entrar no quarto, mas antes... preciso dar uma de
médica com ele.
— Também quero ir. Tudo que você ordenar eu farei — ele respondeu sorridente.
— Falo sério.
— Sei que ele ainda está em perigo e você tem muito que fazer. Mas este é o momento
decisivo. Agora veremos se ele vai voltar a ser o velho Roger de sempre ou não. —
Cristian tinha a ansiedade estampada no rosto.
Vencida por esses argumentos, simples e reais, Érica o beijou antes de concordar.
— Mas é claro que ele voltará a ser o mesmo de antes. Só que levará algum tempo.
Nesse instante, porém, ele está muito fraco e até mesmo um sorriso poderia cansá-lo. É
importante que ele veja o velho companheiro feliz por encontrá-lo nova- mente, mas nem
por um minuto dê a impressão de que duvidou da recuperação dele.
— Mas. . . eu nunca duvidei! Não se preocupe comigo, sei o que fazer. Três minutinhos
de conversa amena, tipo clube dos oficiais. Posso ir agora?
Entraram no quarto de mãos dadas. Érica ficou quieta, enquanto Cristian se
aproximava da cama. Sem dizer nada, ele só olhou o amigo, ainda envolto em bandagens
e com tubos nos braços e nariz. Depois comentou carinhosamente:
— Tem gente que faz qualquer negócio para fugir por uns tempos do trabalho!
Exatamente como um certo doutor que resolveu passar as férias num hospital.
Roger piscou um pouco e retrucou, bem-humorado:
— Foi um truque que aprendi com um amigo astronauta. A única diferença é que não
precisei da ajuda de ninguém. Consegui sair sozinho do combate.
— Alguns têm mais sorte que outros. . .
— Por que você demorou tanto para vir me ver? Será que tiveram que ir buscá-lo em
alguma cama de cetim ou, quem sabe, no bar?
— Muito engraçado! Por coincidência, tenho ao lado uma pessoa que pode atestar
meu bom comportamento, a Dra. Newman.
Pelo tom alegre e debochado da conversa, nenhum deles parecia surpreso com os
acontecimentos. Eram apenas dois bons amigos se reencontrando.
— Aposto que ela poderia atestar muito mais que isso. . .
— Roger esforçou-se para rir com o próprio comentário. — Juro que nunca mais fico
em coma para você conseguir uma mulher. Da próxima vez, vai ter que se virar sozinho!
— Nada de cenas de ciúme! — Cristian declarou, aproximando-se ainda mais da
cabeceira da cama. — E não pense que ela pode sair com você, nem como parte da
terapia.
Desta vez, Roger apenas tentou sorrir para Érica, mas o esforço o esgotou.
Contrariada, por ter que interferir, ela esperava que Cristian percebesse o momento certo
de sair. Mas, apenas com uma troca de olhares, tudo se resolveu. Quando saíam do
quarto, depois de se despedirem de. Roger, o alto-falante começou a anunciar:
— Dra. Newman. . . Dra. Newman. . . Emergência. . . Código azul... Emergência...
Dra. Newman.
Em um segundo, ela sabia que em algum lugar do hospital um coração parara de bater.
Era um ser humano que não poderia esperar. Enquanto se virava, para sair correndo,
ainda olhou para Cristian e sorriu.
Ao meio-dia em ponto o telefone tocou na casa de Érica. Ela custou a atender, pois na
noite anterior demorara a dormir.
— Bom-dia, Cris — disse afinal, esforçando-se para parecer sedutora e esconder o
sono.
— Boa-tarde, Kika! — A resposta veio no mesmo tom do cumprimento. — Ainda está
dormindo?
— Mais ou menos.
— Bom, já vou para aí.
— Pensei que você fosse mais sutil. . . — ela disse, bem-humorada.
— Até mesmo eu tenho limites e. . . — Sem meias-palavras, ele foi direto ao assunto:
— Que tal um piquenique na praia?
Normalmente, naquela época do ano, o calor era intenso e as pessoas evitavam ir à
praia. Mas talvez o vento soprasse e amenizasse a temperatura.
— Parece bom. Vou ver o que posso levar.
— Não se preocupe. Seu fiel e eficiente acompanhante já providenciou tudo. Vista um
daqueles seus biquínis que deixam pouca margem à imaginação e aguarde. Daqui a
pouco estarei aí.
Meia-hora depois, ele chegou com a cesta de comidas, muito lindo e esguio, vestido
com uma camiseta branca, que desenhava seu corpo atlético e um calção vermelho. As
pernas longas e musculosas, expostas pela primeira vez, desde que o conhecera, eram
mais atraentes do que ela poderia imaginar.
Érica vestiu uma pequena e discreta saída-de-banho azul: sentia-se encabulada,
depois dos comentários ao telefone, para pôr um biquíni ousado.
— Venha aqui! — ele ordenou, em voz baixa.
Quando ela se aproximou, ele a enlaçou em seus braços fortes e a levantou do chão,
beijando-a com tanta paixão que seu peito queria explodir. Teve vontade de colocar as
mãos dele sobre seus seios, mas se controlou.
— Agora, vamos! — Cristian sugeriu, ainda colado a ela. Érica poderia dizer que
preferia ficar em casa, mas, como ele
tinha planejado tudo, resolveu não estragar o programa. De qualquer forma, era um dia
maravilhoso.
— Esta terra é horrível para morar — ela reclamou, após o terceiro mergulho no mar
azul. — A NASA bem que poderia transferir a base para algum lugar mais agradável.
— E vai. A Força Aérea está planejando nos levar para a Califórnia, em um ou dois
anos. O clima lá é praticamente
perfeito.
— Não me diga que você se sujeitaria a uma base da Força Aérea! — ela perguntou
incrédula. Era folclórica a rivalidade existente entre Marinha e Força Aérea.
— Claro que não. Jamais suportaria moleques metidos a aviadores. Mas é que, por
coincidência, nosso pessoal irá para lá restaurar um tipo de lançador de foguetes. É uma
longa história.. . No fim, é a Marinha sempre que abre caminho para a Força Aérea.
— Aposto que para o Exército também. Não?
— Claro! Os outros tentam, mas são apenas novatos na defesa do país. A Marinha
dos Estados Unidos tem mais de duzentos anos de tradição. — Não seria possível negar
o orgulho presente na voz, apesar do tom brincalhão que ele usara.
— E o que temos para lanchar? — Érica perguntou, decidida a não deixar a Marinha
roubar aquela tarde mais que perfeita.. .
— Legítimos pasteizinhos chineses e cerveja. Apesar de exótico, me pareceu perfeito.
— Hoje, tudo estaria perfeito, estou morrendo de fome.
Comeram em silêncio, enquanto as gaivotas voavam próximo a eles. Cristian falava
com elas como se fossem velhos amigos.
— Esses pássaros nunca chegam tão perto assim de seres humanos. Devem saber
que você dá a vida, nunca tira — ele comentou eufórico.
— Nunca machucaria um animalzinho.
— Vivian sempre detestou pássaros — Cristian falou de repente. — Quando servi na
base de Point Mugu, vivíamos numa casinha onde as andorinhas vinham fazer ninho no
verão. Eram barulhentas, faziam muita sujeira e geralmente nos irritavam, mas eu nunca
permiti que ela destruísse nenhum ninho quando os pequenos pássaros nasciam. — Ele
fechou o pote de pasteizinhos e olhou-a. — Foi assim que soube que ela me abandonara,
quando voltei do Vietnã. . . até mesmo antes de entrar na casa. Além de ela não ter ido
me encontrar na base, havia no jardim de casa mais de trinta ninhos espalhados pelo
chão. As pequenas andorinhas recém-nascidas ainda piavam. — O olhar perdido no
infinito, triste, ele concluiu: — Acho que a época era propícia para bebês. Vivian também
teve um, não muito antes da minha volta.
Estática, Érica não conseguia raciocinar. Cristian tinha um filho! Lembrava-se de como
ele fora terno com Katie, da adoração que tinha por crianças, e se perguntou por que ele
esconderia isso dela por tanto tempo.
— Você tem um filho, Cris? — Não conseguiu se conter.
— Não. A menos que Vivian tenha tido uma gestação de trinta meses — ele retrucou
com a voz amarga. — É muito estranho: ela engravidou justamente quando eu estava
ausente. Durante o tempo em que ficamos juntos, ela sempre se recusou.
Érica acariciou-lhe o rosto, em silêncio, tentando apagar da memória dele o sofrimento.
Permaneceram daquela maneira por muito tempo, sentados, na areia da praia, ouvindo as
gaivotas e o marulho das ondas a baterem nas pedras, e sentindo a brisa leve do oceano
que amenizava o calor.
— As lembranças ainda o machucam muito, não é? Espero poder ajudá-lo a esquecer
isso.
— Já esqueci. Só não me conformo com a minha ingenuidade. Embora fosse bem
jovem e apaixonado, já era um oficial, e não se justificava fazer o papel de bobo a que ela
me obrigou. Confundi desejo e paixão com amor verdadeiro. — Cristian deslizou a mão
pelas costas dela, em carícias sutis. — Estava disposto a abandonar tudo, só para tê-la
na minha cama. Não sei se meu pai já me perdoou de verdade.
— Perdoar você? — Érica estava indignada. — Ela é que foi infiel.
— Mas fui eu que casei, em segredo, trazendo desgraça para a minha família.
Antes que Érica comentasse qualquer coisa, Cristian a beijou e sorriu. Suas mãos
continuavam passeando pelo corpo dela e aproximavam-se perigosamente dos seios.
— Minha mãe foi a única pessoa que ficou do meu lado. Agora, já aprendi:-levo todas
as candidatas a se casar comigo para que ela aprove, antes de me decidir — disse, com
um sorriso maroto.
— E há muitas candidatas a essa posição?
— Umas poucas aqui e ali — ele respondeu rindo, mas negando com gestos
entusiásticos de cabeça. — Mas isso foi antes de ter vindo para Houston, porque nos
últimos dois anos tenho meus olhos Voltados para uma linda médica que não podia gastar
algumas horas do dia comigo.
Ele aproximou-se e beijou-a com tanta intimidade que parecia esquecer que estavam
em público.
— A propósito, já lhe contei que meu pai vai se reformar em julho? — Cristian
perguntou, afastando-se um pouco, sério.
— Em julho?
— Haverá uma cerimônia de mudança de comando, a que poucos civis serão
convidados. Gostaria que você fosse comigo.
Surpresa, Érica não estava muito certa de saber qual a relação entre a passagem do
pai dele para a reserva e a conversa que estavam tendo. Mas o brilho daquele olhar,
ansioso por uma resposta afirmativa, demonstrava a importância da cerimônia para ele.
— Adoraria, se você acha que seria apropriado levar uma mulher. Não sei se seu pai
vai achar minha presença digna de figurar na lista de convidados.
— Meu pai ficará surpreso. Nunca pedi para levar nenhuma mulher a reuniões dessa
natureza. E... provavelmente, você vai ter que enfrentar o julgamento de minha mãe.
Érica ficou intrigada com o papel da mãe dele como censora nos relacionamentos do
filho, mas evitou pensar no assunto. Ambos estavam aproveitando o dia na praia e não
haveria razão para preocupações com problemas futuros.
— Mas não fiz nada que merecesse julgamento — ela falou provocante.
— Pode deixar: até lá, tratarei para que tenha feito. — Puxou-a para perto e deu-lhe um
beijo apaixonado.
Preocupada com aquelas carícias, em público, ela o afastou.
— Cris. . . Você não sente o chamado do mar? Talvez fosse melhor a gente dar um
tempo. . . — Ela apontou para as pessoas que os rodeavam.
Sem se mostrar ofendido, ele dirigiu às pessoas da praia um olhar de falsa indignação
e, fazendo uma careta, falou:
— Volto já. Quer mais alguma coisa?
— Dê o fora daqui! — ela gritou afogueada. Perguntava-se o que aconteceria quando
ele quisesse seduzi-la de verdade. . .
Três horas depois, quando acordou, Érica estava praticamente só na praia. Mas tinha
um guarda-sol que a protegia de queimaduras. Com certeza mais uma das muitas
demonstrações de atenção do homem que conseguira derreter seu coração.
Levantando-se, para procurá-lo, viu só um casal num outro guarda-sol e duas crianças.
Mas, observando melhor, percebeu que o homem era Cristian!
As crianças gritavam, fingindo medo, enquanto ele as ameaçava, fazendo-se de
monstro. Só parou a brincadeira quando teve os dois meninos presos pelos braços. Então
ele os deixou fugir.
Voltando-se para Érica, ele sorriu. Provavelmente, estivera a tarde toda a observá-la.
Sem demonstrar embaraço, pelas brincadeiras, despediu-se das crianças, que
protestavam. Depois, ajoelhando-se ao lado da mulher, tocou-lhe as costas e sorriu.
De onde estava, Érica não conseguia ver o rosto dela e sentiu uma pontada de ciúme.
Apenas quando ambos se voltaram, para olhá-la, ela percebeu que a mulher devia ter
mais de sessenta anos e, apesar de seu aspecto saudável e simpático, não era motivo
para ciúmes tolos.
— Amigos seus? — Érica perguntou, quando Cristian se aproximou.
— Agora são. Os pais dos meninos estão se divorciando e a vovó está cuidando dos
pequenos. Ela não teria energia suficiente para brincar de tudo que querem, então resolvi
ajudar.
— Ainda bem que achou alguma coisa para fazer, enquanto eu dormia. Não queria
abandonar você, mas foi uma semana dura e varei muitas noites estudando.
— Nada de desculpas. Estou feliz por você conseguir descansar. Além do mais, foi
bom brincar com os meninos. Já que não tenho filhos, empresto os dos outros.
Sem poder responder como queria, Érica resolveu beijá-lo. Era a única atitude possível.
Já era tarde quando chegaram em casa. Cristian a levou até a porta e a beijou
longamente.
— Foi um dia maravilhoso, Kika. Obrigado.
Sem saber o que dizer, ela não podia acreditar que terminasse com a despedida na
porta.
— Você vai. .. — interrompeu-se, tentando permanecer serena. — Quando eu o vejo
novamente?
— Quando quiser. — Cristian sorriu do desconforto e da hesitação que se apoderaram
dela.
— Bem, estava pensando. . .
— Quem não arrisca, não petisca.
Hesitante, não sabia se entendera a mensagem daquele comentário. Muitas vezes ela
já se arrependera por parecer demasiado ansiosa. Não queria cometer os mesmos erros
novamente.
— Será que é tão difícil para você? Por que não pede para eu ficar e pronto?
— Fique, por favor.
Os lábios sedentos se encontraram e o desejo tomou conta
deles novamente.
— Prometi a Roger ir vê-lo hoje à noite. Será que você me daria uma hora e meia para
ir até a base, trocar de roupa e, depois, passar no hospital? Enquanto isso, você
descansa e se enfeita para mim. Depois, podemos jantar e dançar num restaurante na
praia.
— O que você quiser! — ela respondeu, eufórica. — E... lente não se atrasar.
Ao retornar, Cristian vestia calças brancas e camisa azul-clara. Trazia flores e um lindo
colete colorido, para ela, insistindo em ajudá-la a experimentar. Tarefa muito difícil,
porque Érica usava uni vestido esvoaçante de crepe, sendo necessário abaixar as alças
para conseguir vestir o colete.
— Não me provoque tanto assim. . .
— E agora? Fica melhor? — perguntou ela, subindo as alças.
— Você quer, ou não, ir jantar?
— Bem, o plano era esse. — Intimamente, Érica desejava seduzi-lo naquele instante
mesmo, mas era muita precipitação.
Foram a um restaurante, ao ar livre, perto de Heron Bay. Comeram frutos do mar de
aperitivo e ouviram o conjunto romântico, que tocava música dançante. A varanda onde
estavam era reservada e calma. Enquanto esperavam o jantar ser servido, Cristian
contou-lhe da conversa com Roger.
— Ele está feliz por estar vivo. Mas muito fraco para perceber que todos os sonhos que
alimentou acabaram.
Em três dias, ela e Cristian haviam se tornado bem mais íntimos e, quando ele a
convidou para dançar, Érica sentiu o corpo estremecer de desejo. Depois, na pista de
danças, o contato com aquele peito másculo que tanto a seduzia colado ao seu lhe
provocava vertigens e ela receou continuar em público.
— Nunca entendi muito bem o rock, pelo menos não como música para dançar —
comentou, para relaxar. A orquestra tocava músicas românticas. — Nada derrete mais o
coração de uma mulher que o choro triste e melancólico do saxofone, não acha?
Não houve resposta. Cristian a puxava cada vez mais para perto e, de repente, com
uma das mãos, começou a percorrer-lhe a pele macia das costas, que o vestido não
escondia.
Por momentos intermináveis, o passeio sedutor continuou, e o desejo tornou-se
insuportável para ela que, baixando os olhos, apoiou-se ao peito forte do acompanhante.
Não havia, naquele
instante, nem o conjunto, nem os outros casais, nada e ninguém. Era como se
estivessem sozinhos em alguma ilha deserta.
Sempre lentamente, as mãos dele procuravam os tesouros que aquele corpo de mulher
ocultava. Cada vez mais, aumentando o raio de ação, sempre mais atrevidas... até que
pararam na curva sedutora da cintura.
Arfando de desejo, Érica afastou-se um pouco. Estavam em local público, o que ele
pretendia com aquilo?
— Kika. . . sinto muito, mas você me enlouquece — Cristian disse, temeroso de que ela
o interpretasse mal.
Érica sentia-se impotente para expressar os verdadeiros sentimentos.
— Não estou brava. Mas você me conduz aos limites do desejo e, depois, me
abandona por três longas semanas. Não consigo suportar mais isso. Nunca desejei tanto
um homem em minha vida. Não conseguiria começar alguma coisa que não pudesse
terminar.
Na escuridão, que os envolvia, ela ouviu o eco das próprias palavras. Pairava entre
eles o convite crucial que nem precisava ser feito. Desistiram do jantar.
— Venha, querida. Vou levá-la para casa.
Cristian nem perguntara nada. Era uma ordem.
No carro, durante o trajeto, permaneceram calados. Não havia nada a dizer. Quando
chegaram à casa, o desejo que mal conseguiam conter saturava o ar.
Calmo e sereno, ele a acompanhou até a porta e falou, quando ela se preparava para
lhe dar as boas-vindas:
— Sei que está cansada. Se sentir necessidade de. . . ficar sozinha e descansar,
entenderei perfeitamente — murmurou,
meio sem jeito.
— Será que minhas palavras no restaurante deixaram essa
impressão?
— Não. Certamente que não — ele respondeu sorrindo. — Mas pensei que seria
cavalheiresco de minha parte dar oportunidade para você desistir, se quisesse. . . Agora
que teve tempo para respirar e pensar melhor.
— O que o fez imaginar que eu desistiria? Afinal de contas, o verão de Houston está
tão quente que me deixou em brasa. . . o problema — ele sugeriu e então riram juntos,
mais relaxados.
— Acho que um rápido mergulho na piscina poderia resolver.
— Excelente sugestão, comandante. Gostaria de juntar-se a mim?
— Seria um prazer, madame. Mas, pela segunda vez, tenho que confessar minha
falha: esqueci o calção.
— Não tem importância. Não será, espero, muito necessário. — Érica perdera a
inibição que, da primeira vez, a impedira de falar.
Ainda à distância, ele esperava fazer amor com ela, a sua maneira.
— Também não acho que você vá precisar. Mas, se quiser me agradar, vá vestir algo
menor que essa roupa. De preferência com laços.
— O verde está bom? — ela perguntou, numa alusão à primeira vez que a vira de
biquíni.
— Ah! Mais uma coisa: não amarre muito forte. Aquele seria um presente dela para ele,
sua fantasia. Rumou
para o quarto e se despiu, antevendo os acontecimentos da noite que mal começava.
Chegando à beira da piscina, encontrou-o no colchão de água, nu, deitado de bruços.
Quando voltou a cabeça para ela, os olhos azuis devoravam-lhe o corpo bronzeado que o
pequeno biquíni esforçava-se inutilmente para cobrir.
— Venha, junte-se a mim — ele convidou com voz tentadora. — Há lugar para dois,
aqui.
Mergulhando, Érica aproximou-se do colchão e derrubou-o, gritando, excitada:
— Ei! Você me convidou. Agora o melhor que pode fazer é satisfazer meus desejos.
Não havia nada no mundo além dos dois. As pernas entrelaçadas, dentro da água, e a
excitação tomando conta de suas ações. Érica tentou apoiar-se nele, mas ficou
agradavelmente surpresa quando sentiu a corda de seu biquíni ser puxada e a parte de
cima sair flutuando pela água.
Com os seios fartos, livres e tesos, viu-se enlaçada por dois braços poderosos que
levantaram-na para que seu dono lhe acariciasse o ventre.. . os seios... o corpo inteiro,
até chegar com os lábios em sua boca, ansiosos por mais. .. muito mais...
Beijaram-se com paixão e fúria, em movimentos desconexos pelo desejo que, afinal,
seria satisfeito.
Cristian levou-a para a parte mais rasa da piscina e percorreu com os lábios todo o
corpo dela. Primeiro, os seios ardentes e o ventre aveludado; depois, as pernas perfeitas,
até que, desesperada, ela gemeu:
— Quero ser sua!
— Venha, querida!
Levantando-se, ele carregou-a até a grama e aproximou seu corpo com delicadeza. A
mão acariciava-lhe a fonte dos desejos, entre as coxas, disposta a fazê-la sofrer as
agruras da volúpia.
— Eu também quero carinho, Érica — ele sussurrou. Sentindo-se agradavelmente
egoísta, Érica colocou a mão
em torno do membro viril, acariciando-o. Deliciada, apreciou o sangue latejar, enquanto
ele se contorcia de prazer. Então curvou-se e beijou todo aquele corpo adorado.
Cristian, finalmente, virou-se sobre ela, cobrindo-a de beijos, e a possuiu num ritmo
alucinado, enquanto Érica delirava, procurando acompanhar seus movimentos fortes e
ritmados.
Quando os corpos serenaram, eles permaneceram abraçados, trocando carícias e
juras de amor...

CAPÍTULO VII

Na manhã seguinte, Érica acordou com a agradável sensação de ter o braço forte de
Cristian em torno de sua cintura. Aconchegando-se melhor a ele, ficou apreciando o corpo
másculo entregue a um sono tranqüilo. Apesar da incrível felicidade que os envolvera, na
noite anterior, sentira-se um pouco tímida por estar nua ao lado dele.
Espreguiçando-se, ele abriu os olhos e fitou-a surpreso e sonolento.
— Então não foi um sonho tudo o que aconteceu. . . — disse, sorridente.
— Não.
— Você não está arrependida, está?
— Quem, eu? Não! A menos que você esteja — ela retrucou de bom humor.
— Dra. Érica Elizabeth, posso ter cometido muitos erros com você, nos últimos tempos,
mas nenhum à noite passada.
— Hum. .. Pelo jeito, você se julga o máximo — ela brincou aliviada.
— Não estou aceitando provocações, hoje — ele se defendeu, gozador. — Mas, se
ainda restou alguma coisa que você quis e não conseguiu...
— Tive tudo o que quis — Érica o interrompeu. — Mas. . . isso foi ontem. ..
Cristian não precisou de mais nenhuma indireta. Rapidamente afastou os lençóis, de tal
maneira que pudessem se ver e tocar por inteiro, e começou a acariciar os seios dela com
a ponta dos dedos. Ao mesmo tempo, foi se aproximando ainda mais e, em poucos
instantes, Érica gemia, pedindo mais. Então, eles se amaram com paixão desenfreada,
sem a preocupação de ocultar a atração que os aproximava. E quanto mais se
entregavam um ao outro, mais aumentava a necessidade de se possuírem.
— Acho que vamos acabar viciados um no outro — Cristian sussurrou-lhe próximo ao
ouvido.
— Eu já fiquei — ela sorriu.
— Eu a desejava tanto. .. Várias vezes tentei desistir de você mas. . . não consegui
resistir.
— Ainda bem. Neste exato momento, não consigo entender como desperdicei dois
longos anos de nossas vidas.
— Eu também não. Mas, já que o erro foi seu, deve passar os próximos dois pagando
por isso.
— A começar por agora?
Cristian beijou-a de modo insinuante e deu-lhe um sorriso radiante.
— Qualquer hora é uma boa hora.
Algumas horas depois, ao entrar em sua nova sala, a que fora de Roger, Érica se
sentia outra pessoa. Aquele era o momento supremo de toda sua vida, o prêmio por todos
os esforços, a coroação de êxitos para os dias de estudos. E ela se achava feliz,
sobretudo porque, afinal, tinha com quem partilhar os sonhos e sucessos.
Cristian não gostara quando ela se recusara a aceitar carona para o trabalho,
percebendo que queria manter o relacionamento em segredo. Mas aceitara a decisão,
respeitando-lhe os sentimentos e, quando se despediram, o beijo que trocaram falou mais
que mil palavras.
Apesar de estar atrasada dois dias, em seu cronograma, ela acabara concordando em
jantarem juntos. Bem que tentara convencer-se de que não tinha tempo, mas não havia
lógica que prevalecesse diante do olhar apaixonado daquele homem.
Além da discussão no sábado, Cristian não voltara a fazer comentários sobre a missão
em nenhum outro instante. E ela, embora preocupada com o silêncio dele sobre o
assunto, agradeceu-lhe intimamente a discrição.
Toda a equipe já estava pronta quando ela chegou à sala de reuniões. Com exceção
de Jeb, todos interromperam o que estavam fazendo para dar calorosas boas-vindas à
nova companheira de trabalho. O chefe, entretanto, recebeu-a de maneira muito formal.
— Bom-dia, Érica. Espero que esteja pronta, pois o dia vai ser muito puxado — falou
friamente.
— Estou ótima — respondeu séria, antes de voltar a atenção para Seth, o treinador de
vôo, um homem de meia-idade, com quem ela já trabalhara anteriormente.
— Presumo que a senhorita já tenha estudado bastante tudo isso, não? — ele
perguntou, amistoso.
Érica acenou afirmativamente com a cabeça, mas intimamente sentia-se frágil e
vulnerável. Graças a Cristian, pouco fizera pela missão durante o fim de semana. Lera
alguns trechos dos relatórios, apenas o suficiente para conseguir sobreviver ao primeiro
dia na missão. Mas não estudara o material com profundidade.
— Primeiramente, vamos fazer um pequeno teste, para que você sinta o que está
acontecendo. Depois disso, estudando com atenção as notas de Jeb e Roger, perceberá
melhor o que elas significam, certo? — Seth explicou.
— Certo.
O resto do dia foi estafante. Érica nunca trabalhara tanto. Durante a manhã,
preocuparam-se apenas com pequenos detalhes da vida cotidiana no espaço: onde
sentar durante o lançamento, as refeições, a organização do equipamento e os cuidados
a serem tomados. A tarde foi dedicada a estudos sobre detalhes da anatomia do
chimpanzé, na biblioteca da NASA. Estavam correndo contra o tempo. O maravilhoso fim
de semana estragara todos os seus esquemas de estudo e ela se via forçada a recuperar
seis horas em uma.
Quando Cristian chegou ao hospital, naquela noite, após o trabalho, Roger já o
esperava. Apesar de tenso, os olhos refletindo a dor que os analgésicos não conseguiam
eliminar, o convalescente estava mais corado e tinha menos tubos pelo corpo, mas ainda
assim parecia muito mal.
— Acho... que estou melhor, velho amigo — falou com dificuldade. — Pelo menos o
suficiente para saber que estou em péssimo estado.
— É um bom sinal. De qualquer modo, não mentiria se dissesse que já o vi em melhor
forma — Cristian falou, tentando ocultar a tristeza de ver o amigo daquela maneira.
Dessa vez, Roger nem tentou sorrir. Virou o rosto na direção da janela e perguntou
com voz insegura:
— Eu não vou poder subir, não é?
— Não, Roger. — Enquanto respondia, Cristian se perguntava como sofreria se fosse
ele que perdesse a missão. O amigo estava decepcionado. — Não desta vez.
— Quem escolheram para me substituir? — Roger perguntou, após minutos de tensão.
O silêncio de Cristian respondeu.
— Droga, eles escolheram Érica, não? — Roger murmurou.
— Você acha que não foi uma boa escolha? Do seu ponto de vista, quem deveria ter
sido.
— Do meu ponto de vista, qualquer pessoa seria uma péssima escolha. É a minha
missão! Eles poderiam ter adiado um pouco.
— Eu disse a Jeb. Fiz o possível, Roger — Cristian não poderia discutir contra esse
argumento.
— Não o estou acusando. Não acuso ninguém. Apenas sinto. .. como se. . . — Ele não
terminou a frase, ficando subitamente em silêncio. Finalmente, perguntou: — Você e Érica
estavam juntos antes de ela ter sido escolhida?
— Não, até que eu tivesse certeza da escolha. Qualquer estranho não compreenderia
a explicação dele, mas
Roger entendeu.
— Agradeço, deve ter sido muito duro.
— Não foi fácil, quase a perdi.
— Bem, pelo menos escolheram alguém importante para você, velho amigo. Mande-a
vir falar comigo quando eu estiver melhor, tentarei passar-lhe alguns detalhes. Sempre a
achei melhor que todos os outros. — Calou-se, o rosto contorcido pela dor.
— Mandarei. Ela vai precisar de toda ajuda que puder para conseguir substituí-lo à
altura — Cristian sorriu.
— Ela tem que crescer um pouco para me alcançar. — Roger esboçou um sorriso e
depois fechou os olhos, exausto.
— Só espero que ela não fique parecida com você. É tão linda do jeito que está!
Roger levantou os olhos, aceitando a brincadeira, mas logo virou-se para o lado.
Cristian seguiu para a porta e, antes de sair, fitou o amigo por instantes.
— Roger? — falou baixinho.
— Humm?
— Estarei todos os dias aqui. Chova ou faça sol. Sem virar-se, Roger falou:
— Conto com isso. . . Martin.
Roger sorria quando o amigo foi embora.
Érica mal olhara as anotações do dia de treino na cabina de simulação de gravidade,
quando Cristian entrou em casa. Apesar do grande desejo estampado nos olhos, ele
parecia um pouco triste.
— Roger já sabe que você o substituiu — falou como cumprimento.
— E como reagiu? — Não era bem o tipo de noite que planejara.
— Como Roger Shaw. Não há nada que o deixe deprimido por muito tempo.
— Ainda bem. Érica estava aliviada. — Detestaria pensar que ele estivesse deprimido.
Sempre foi. . . tão entusiasmado.
— Não sabia que você conhecia Roger tão bem.
— Sempre o admirei à distância. Digamos que ele seja o meu herói.
— Você se importaria em corrigir esse comentário? — ele perguntou, fingindo estar
bravo.
— Vejamos... ele é o médico que mais admiro. Meu modelo de profissional.
— Agora ficou bem melhor — Cristian sorriu. — Está com fome?
— Não me importaria de comer alguma coisa leve — Érica sugeriu. — Você se
incomoda de esperar um minutinho, enquanto eu acabo de ler?
— Não vou resistir por nem mais um segundinho. . . — ele disse. E pegou-a nos
braços, silenciando sua risada com um longo beijo, que afastou definitivamente os
problemas do dia. Então, soltando-a, abriu a porta da frente.
— Primeiro as damas. Vamos voltar àquele restaurante, mas hoje terminaremos o
jantar.
A lagosta excelente, o conjunto romântico, tudo completou a noite maravilhosa. Dessa
vez, conseguiram terminar o jantar. Mas, após despedidas à porta, Érica desistiu de
estudar de madrugada e levou-o direto para a cama. Quando saiu para o trabalho, na
manhã seguinte, ele ainda dormia.
As três semanas que se seguiram obedeceram a um mesmo esquema: Érica
trabalhava durante todo o dia, depois ia para casa, tomava um banho, colocava uma
roupa leve e lia desesperadamente até que Cristian chegasse, para entregar-se a mais
uma noite gloriosa nos braços dele. Muitas vezes, acordava três ou quatro horas mais
cedo e ia para a sala, onde ficava estudando. Várias vezes, adormecera no sofá; outras,
Cristian acordava e procurava distraí-la para que pudesse adormecer.
Os fins de semana não aliviavam as tensões. Embora o hospital tivesse designado
outro médico para o plantão de Roger, ela ainda trabalhava às sextas no período noturno.
Sempre jurava estudar mais e apenas encontrar Cristian no sábado à noite, mas nunca
conseguia cumprir o prometido. Não importava qual o plano de estudo, acabava sempre
abandonando.
Por saber que estava atrapalhando os estudos dela, Cristian ficava tenso, o que a
deixava muito desconfortável. De manhã, quando ela se vestia para o trabalho, ou à noite,
depois de terem feito amor, flagrava um olhar distante e inquisitivo no rosto do homem
amado.
Certa manhã, ela não conseguiu mais agüentar.
— Por que você sempre me olha assim? — perguntou. Era segunda-feira e Érica
estava deprimida. Nada fizera, adorara estar com ele, mas naquele instante sentia o
preço dos momentos maravilhosos que haviam passado juntos. — Parece que não está
muito seguro de mim.
— E não estou mesmo. Durante todo o fim de semana, você foi minha, querida Kika.
Agora, vai tornar-se a Dra. Newman, entrar para um mundo onde não posso acompanhá-
la. . .
— Pensei que tivesse ficado claro que não misturo a vida profissional com a pessoal.
Certamente, você não pode reclamar dos nossos momentos juntos.
— Por que reclamar? Adoro passar as noites ao lado de livros sobre anatomia de
macacos.
— Cris, quando nos deixamos envolver, você sabia muito bem das minhas ocupações.
Para falar a verdade, passei muito mais tempo com você do que deveria. Estou com pelo
menos duas semanas de atraso nos estudos — Érica falou com os lábios apertados.
Ele se sentou na cama.
— Estou profundamente honrado com seu sacrifício! — O sarcasmo envenenava-lhe a
voz. — Não posso acreditar que eu seja tão desprezível a ponto de não merecer um
cumprimento durante seus momentos de trabalho.
— Você não entende. O problema não é apenas profissional.
— Será que você tem que ser astronauta e médica o tempo todo? Já percebeu que
nunca me deixou levá-la até a base. . . nunca pude apresentá-la a meus amigos? Força-
me a não compartilhá-la com pessoas de quem gosto. Enquanto você mantém nosso
relacionamento secreto, penso que deve haver algo de. . . sujo nele. Como se fôssemos
apenas amantes, no sentido mais vulgar da palavra. Será que é isso que sente?
— Claro que não! Sinto orgulho por estar com você.
— Será que é tão difícil assumir isso? — perguntou. Érica o observava em silêncio.
Era a primeira discussão desde que começaram a se encontrar, e não gostava disso.
— O que você espera de mim, exatamente? — perguntou devagar.
Ele virou-se para ela, enquanto vestia as calças. Os olhos refletiam tanta frustração
que a chocaram. Eles passavam tão pouco tempo juntos! Um tempo tão curto. . .
atormentado. . . Mas os momentos eram tão bons! Qual seria a razão daquela tristeza?
— Em primeiro lugar, gostaria de falar a todo mundo que é minha namorada. Não me
importaria nem um pouco de vir morar com você, imediatamente. Além do mais, nunca fui
o tipo de homem que perde tempo desejando o que não pode ter — ele falou, muito sério.
Aproximando-se o suficiente para apoiar a cabeça no peito dele, Érica beijou-o e
enlaçou-o com delicadeza pela cintura. Ato contínuo, sentiu os cabelos acariciados pelas
mãos fortes tão conhecidas. . .
— Você conseguiu me prender — confessou ela em voz baixa à trêmula. — Sou sua e
não consigo pensar em mais ninguém, ou na minha vida, sem você.
— É bom saber, querida, mas gostaria de poder mostrar meu novo amor a todo mundo
— disse, abraçando-a ainda mais forte.
A despedida entre eles não foi muito apaixonada. Cristian era demasiado teimoso e
possessivo, e não toleraria mais manter em segredo a mulher que amava. Além disso,
não seria fácil fazê-lo compreender que ela não queria colocar o papel de esposa em
primeiro lugar e que considerava a posição de astronauta, conquistada com tanto
empenho, muito mais importante.
Érica mal chegara à sua sala, após a difícil despedida com Christian, quando Jeb
entrou e fechou a porta.
— Bom-dia, Érica. Podemos conversar francamente? — ele a cumprimentou,
formalmente.
— Claro! — respondeu apreensiva, enquanto indicava uma cadeira para ele sentar.
Durante o mês que se passara, Jeb fora cortês, mas nunca a recebera calorosamente.
Naquele instante, estava especialmente frio. A planejada manhã de estudos estava
perdida. As feições graves dele indicavam que conversariam seriamente por um bom
tempo.
— Antes de dizer o que vim fazer, gostaria de esclarecer um ponto — ele começou,
ligeiramente apreensivo. — Quando cogitávamos seu nome para a missão, achei... um
pouco estranho . . . que você, sem mais nem menos, de repente, começasse a se
interessar por Cristian, que é tão ligado a mim. Na ocasião, externei minhas
desconfianças a ele, mas agora vejo que estava enganado. Gostaria de pedir desculpas
por qualquer problema que minhas dúvidas possam ter criado.
Érica não sabia o que dizer. Cristian nunca culpara o amigo pelas suspeitas iniciais, e
todo o incidente ficara sepultado por semanas.
— Obrigada pela honestidade. . . e pela desculpa, Jeb. São coisas do passado. Cris e
eu já esquecemos.
Com essas palavras, Érica percebeu que estava admitindo seu relacionamento com
Cristian e perguntou-se por que não assumi-lo. Afinal, tinha seu lugar garantido na NASA
e, como ele mesmo havia dito, ganhara o direito de tornar o relacionamento público, pelo
lugar que ocupava no coração dela.
— Você também esqueceu que não deixaria nada interpor-se no caminho que a separa
da missão?
— Claro que não! — Érica respondeu surpresa. — Tenho trabalhado muito. Durmo
menos de seis horas. Obedeço a qualquer ordem dada por quem quer que seja, treinador
de vôo ou membro da equipe...
— Então responda uma coisa, Érica. — O tom dele a amedrontava. — Você está no
programa há um mês. No final desta semana, vão começar a me perguntar como está
indo, se está conseguindo recuperar o tempo perdido, se está dando tudo de si, se foi a
escolha certa para substituir Roger.
— E você. . . vai ter problemas com a resposta? — ela perguntou, sentindo uma
náusea momentânea.
— Vou — foi a resposta direta. — Quando está aqui, trabalha muito bem; mas não faz
os deveres de casa e está nos atrasando. Pensa que pode recuperar em cinqüenta
minutos o que deveria ter estudado em seis horas na noite anterior?
Sem saber o que responder, Érica sentia-se confusa. Olhava-o meio desesperada, mas
ele não dava motivos de qualquer tipo de compreensão ou condescendência.
— Estou atrasada com minhas leituras, porque há muito o que fazer. Tenho trabalhado
de dez a doze horas por dia.
— Pois não é o suficiente! Este não é um emprego de escritório. É como estar em
combate. Toda a concentração e devoção deve se dirigir à unidade! Esses cinco meses,
desde o instante em que você foi escolhida até a última entrevista coletiva para a
imprensa, são a missão. Você pertence a Mark, Paul e a mim. E às centenas de pessoas
que nos auxiliam! Não pode ter tempo para brincar de cupido, até setembro! Entende?
— Não estamos falando sobre amizade aqui. Falo sobre deveres! Se meu
relacionamento com outra pessoa estivesse atrasando a missão, romperia com ela. Não
peço nada a meus homens que eu mesmo não faria. E. . . no momento. . . você é como
qualquer homem que já esteve sob meu comando. — Parou para deixá-la meditar sobre
essas palavras. — Ou será que você pensava que seria tratada de modo diferente?
— Não, mas. .. Isso não lhe dá direito a dizer o que devo fazer com meu tempo livre.
— O problema é que você não tem tempo livre. Você está dando nosso tempo para
Cris. Deixe-o em suspenso até setembro, ou esqueça-o, Érica. Se você planeja cumprir
seu papel na missão.
— Ê uma ordem, comandante? — perguntou, sem conseguir esconder a raiva que
sentia.
— Não. É uma sugestão. — Jeb mantinha-se calmo, estava apenas tentando fazer seu
trabalho. — Se você tentar satisfazer a Cris e a missão, terminará dividida ao meio, e não
terá sido bom para ninguém. Estava esperando que você percebesse por si mesma, a
tempo de fazer alguma coisa. Já que não descobriu, decidi colocar o dedo onde não
devia, para dar-lhe uma segunda chance. Vou colocar em meu relatório exatamente o que
vi, mas, se você mudar radicalmente de atitude nas suas prioridades entre esta e a
próxima vez que eu tiver que apresentar outro relatório, vou relatar seus progressos com
satisfação.
Érica endireitou-se na cadeira, ainda indignada. Jeb faria exatamente o que dissera,
não importando a quem doesse.
— Ninguém terá que trabalhar por mim nesta missão. Estarei em dia com tudo até o fim
da semana quando for para casa.
— Isso! Era o que queria ouvir. — Ele fez um gesto de aprovação e virou-se para sair.
— Jeb?
— Fale.
— Não vou desistir de Cris por causa da missão e não tenho a menor intenção de ficar
para trás, nela. Sou muito boa nadadora.
Jeb acenou com um movimento de cabeça e abriu a porta.
— Espero que você consiga esse milagre. Se eu soubesse como consegui-lo, ensinaria
a você.
Quando chegou em casa à noite, Érica estava muito tensa. Trabalhara o dobro do
normal durante todo o tempo. Correra de um ponto a outro, estudara durante o almoço e
até enquanto esperava na fila para usar o simulador de gravidade zero. Fizera um plano
de estudo para a semana e pensava que com cinco horas de sono por noite conseguiria
fazer tudo até a sexta-feira. Cristian chegou às sete horas e ela correu para beijá-lo,
puxando-o para a cozinha e fazendo-o sentar-se numa cadeira.
— Precisamos conversar .— falou de imediato. — Nós. . .
— Desligue seus motores, amor. Qualquer que seja o problema, pode esperar até você
relaxar um pouco — ele falou, enquanto a colocava no colo, afastando a tensão e
restaurando a magia do ambiente.
Condescendente, ela apoiou-se nele, antes de dar outro beijo, mais apaixonado que o
primeiro. Queria afundar-se nos braços do homem mais generoso e dedicado que
conhecera. Mas forçou-se a manter distância.
— O que há de errado?
— Estou com problemas no nosso trabalho. Fui repreendida por não estar dando
tempo suficiente para a missão. Pensam que estou atrapalhando e atrasando o
cronograma. — Érica evitou dizer o nome de quem lhe chamara a atenção.
— Quem?
Ela relutou um pouco mas, diante da pressão dele, acabou confessando.
— Jeb.
— Claro, para que servem os amigos?
— Ele disse isso honestamente, para me ajudar. Na verdade, está tentando me dar
uma segunda chance, antes de fazer o relatório definitivo sobre meu desempenho.
— Érica, você é uma pessoa de fibra. Disse a ele que está trabalhando duro?
— Claro! Mas não é o suficiente. Ele me disse que. . . até setembro, não devo ter
nenhum momento livre. Sou escrava do projeto.
— Então suponho que terei de voar para fora da sua vida. . . — Cristian falou sorrindo e
beijou-a, mas Érica manteve:se impassível.
— Não é engraçado, Cris! Ele me fez sentir como se estivesse em perigo de perder o
lugar na missão. Chegou a sugerir que eu não deveria vê-lo até. . . setembro.
Cristian ficou sério, endurecendo a fisionomia, e o calor que trouxera desapareceu.
— E. . . o que foi que você decidiu? — Ele se preparava para o pior. — Concorda com
ele?
— Claro que não! Disse que daria um jeito.
— Foi mesmo?
— Disse que o nosso relacionamento é problema meu. Mas também prometi fazer o
possível e o impossível para estar com tudo pronto na sexta-feira. Isso significa que não
devo encontrá-lo até lá. Não posso perder nem um minuto.
Olharam-se por um longo tempo. Então, ele se levantou, desviou o olhar e foi até a
janela, onde ficou observando o jardim, como se aquela fosse pela última vez que o
fizesse. Depois voltou para junto dela e beijou-a ternamente, num triste gesto de
despedida.
— Boa sorte no estudo, então. Telefono um dia antes.
— Cris. . . são apenas alguns dias — Érica falou, enquanto tentava impedi-lo de chegar
à porta, colocando-se à sua frente.
— Claro! Alguns dias da semana agora, depois mais alguns na semana que vem. . .
Uma semana inteira no mês seguinte. Será mais fácil quando perder o hábito de esperar
meu telefonema.
— Não me assuste! — Ela segurou-o, para mantê-lo próximo de si.
— Kika. . . — Cristian falou, com voz amargurada. — Nunca desejei que escolhessem
você para a missão. Sabia que iriam sugar toda sua energia e que, cedo ou tarde, seria
forçada a escolher entre eu e a carreira. — Afastando-se dela, continuou.
— Só esperava que acontecesse mais tarde. Para que eu tivesse tempo de achar um
jeito de despertar seu amor ou, pelo menos, para que não me deixasse partir.
— Cris. . . Não quero que você vá. Disse a Jeb. . .
—... que talvez precisasse procurar outra pessoa para substituir Roger? Que a missão
estava roubando o pouco tempo que você tem para dividir comigo? Que, se tivesse de
escolher entre a missão e eu, ficaria comigo?
— Não pensei que as coisas tivessem chegado a esse ponto
— Érica falou, lamentando interiormente que ele não percebesse quão delicada era a
sua situação.
— Mas chegaram. Você já está dando sinais de estafa e eu estou começando a ficar
na dúvida sobre a gente.
— Na dúvida? — Érica assustou-se, não conseguia imaginar que Cristian pudesse
questionar sua lealdade em relação a ele.
— Cansei de ser deixado para trás, por causa da missão. E, mais que tudo, não
agüento mais manter nosso relacionamento em segredo. — Passando as mãos pelos
cabelos dela, completou: — Agora, parece que não haverá muito a ocultar.
— Não é verdade! Apenas preciso de tempo para me organizar. — A respiração
entrecortada a impedia de falar claramente. — Depois que arrumar o horário, conseguirei
conciliar os estudos e você — falou, enlaçando-o pela cintura,
— Você vai organizar o seu horário e eu venho correndo quando Sua Alteza quiser, e
puder, receber meu carinho?
— Não gosto disso, Cris! Está insinuando que só quero sexo de você? — ela o soltou,
irritada.
— Será que há algo mais que queira? Tempo? Compromisso? Um anel de casamento?
Érica não sabia o que responder.
— Você já reparou que nunca usa palavras carinhosas comigo? — ele continuou,
ameaçador. — Sempre confessa desejo, mas nunca amor. Tem tempo para passar a
noite comigo, mas não parece disposta a ir a qualquer lugar que eu queira. .. nem se
interessa em saber sobre minha vida. Não acho que saiba uma única coisa a mais sobre
a Marinha que já não soubesse antes de me conhecer. Quer saber o que aprendi sobre
cirurgia em chimpanzés?
Sem conseguir argumentar, Érica ficou ouvindo, enquanto que ele continuava.
— Não acho que já tenha percebido que, nesse relacionamento, há duas pessoas
envolvidas. Sempre fazemos o que você quer. Mantemos os segredos que você quer
manter! Por quê? A sua carreira vem primeiro. Pela missão! Acredito que você já
esqueceu que também tenho uma carreira. Que minha missão também será realizada
dentro em breve e que, talvez, queira de vez em quando falar sobre isso. Há pessoas que
talvez eu queria encontrar. Um futuro que eu quero discutir. Um futuro que eu posso
querer que você faça parte.
Envergonhada, Érica baixara a cabeça. Ele se excedera um pouco em sua indignação,
mas estava completamente certo. Era óbvio que estavam passando por uma fase em que
seria inevitável para ela ser um pouco egocêntrica, mas interpretara a boa vontade de
Cristian como natural e gratuita. Nunca pensara no ponto de vista dele. "Você vai ficar
dividida e não conseguirá satisfazer nenhum dos dois lados", Jeb lhe avisara.
Érica levantou a cabeça lentamente e olhou para Cristian, começando a sentir seu
coração dilacerado.
— Este. . . pode ser o momento. . . para discutirmos seu trabalho e seu futuro —
Érica forçou-se a dizer. — Não. . . estou fazendo nada de... tão importante. . . esta noite.
Calou-se, procurando palavras de carinho para dizer, mas todas elas morriam-lhe nos
lábios. Não estava acostumada a elas. Seus pais sempre encontravam outras maneiras
de demonstrar carinho e afeto.
— Desculpe-me, Érica, mas é que às vezes sinto-me usado.
— Você tem razão. Fui egocêntrica demais. A missão não é desculpa.
Ela chegou um pouco mais para perto dele, esperando aconchego, mas ele apenas a
olhou friamente, sem tocá-la.
— Sei que tem muito que fazer, Kika — disse. — Telefono daqui a alguns dias e
veremos como estão caminhando os estudos.
Virou-se para sair, mas Érica o deteve, pousando uma das mãos sobre seu peito largo.
Em seguida, passando o braço ao redor da cintura dele, beijou-o ternamente.
— Por favor, não vá embora dessa maneira. Não conseguirei fazer nada sem você —
pediu, aninhando-se entre os braços musculosos.
Sem poder resistir a tanta meiguice, Cristian abraçou-a longamente e eles
permaneceram quietos, dando tempo para que a tensão amainasse. Quando já estavam
mais calmos, ele a levou para o sofá e acomodou-a no colo.
— Está bem. Não precisamos discutir isso, agora — ele sugeriu com voz macia, para
que ela não se perturbasse mais. — Sei que você precisa de tempo para meditar.
— Você fez. . . com que parecesse que o ignoro. Nunca desejei isso. Tudo que for
importante na sua vida me interessa, Você falou na missão. . .
— Não posso comentar muito sobre isso. Temos tentado solucionar alguns problemas
políticos, não técnicos. Acho.., — interrompeu-se. — Mas não é nada disso que quero
falar.
— Estou ouvindo.
— Amor, virá um tempo. . . talvez não agora, mas virá. . . em que você deverá escolher
o que é mais importante em sua vida: eu ou a missão. Não vou ficar aqui para sempre.—
Parou ao ver o pânico no rosto dela. — Não quero dizer que não estarei com você, mas,
em quatro anos, minha designação para a NASA terminará. Não sei para onde minhas
ordens me levarão. Mas é provável que não ficarei em Houston. Talvez você queira
pensar, quero dizer. . . considerar se é. . . válido matar-se por uma carreira que, qualquer
dia, talvez tenha que abandonar.
Érica estava em pânico. A idéia de que ele planejava continuar com ela por mais de
quatro anos era confortadora, mas pensar em abandonar a NASA. . . a carreira. . .
aterrorizava-a.
— Tudo o que preciso dizer — ele continuou — é que, antes de tomar qualquer decisão
que possa me varrer de sua vida, deve saber sobre meus sentimentos por você. Eles são.
. . permanentes e profundos.
— O que está sugerindo, Cris? — ela falou.
— Estou pedindo para pensar sobre passar o resto da vida a meu lado. Não acho que
seja tempo de propor alguma coisa. .. mas estou inclinado a seguir nessa direção — falou
e aproximou os lábios, beijando-a carinhosamente.
Ao se separarem, Érica o olhava, muda de perplexidade.
— Sei que isso a assusta, que falar em casamento lhe dá medo. Mas, afinal, não sei
bem por quê. Sou uma pessoa fácil de se conviver, financeiramente estável e
impecavelmente fiel. Sei cuidar da casa e adoro crianças. E.. . amo você. Muito mesmo.
Antes que ela pudesse organizar os próprios pensamentos, ele continuou:
— Nunca esperei casar com uma mulher que tivesse uma carreira, mas também não
sou tão antiquado para não perceber que você seria infeliz sem a profissão,
desperdiçando, além disso, todo seu talento. Não vou dizer que gosto da idéia de me
casar com uma médica, mas conseguirei conviver com isso, se você encontrar um jeito de
conviver com a Marinha. Embora, como oficial, eu deva ser transferido com freqüência, o
que pode ser prejudicial para sua carreira, você pelo menos, como médica, poderá
arrumar colocação em qualquer lugar. Érica não conseguia falar, nem tocá-lo.
— Só quero que pense no assunto e avalie bem quais são suas opções.
Lentamente, ela foi se aproximando, até sentir o rosto dele tocar o seu. Sabia que
precisava dizer alguma coisa!
— Cris, embora meus sentimentos por você também sejam sérios, nunca havia
pensado em casamento. Aliás, a proposta não é apenas de um casamento entre a gente.
Você fala da união entre a NASA, a Marinha e Cristian Tatum, e. . . não sei se faz idéia do
que está me pedindo.
— Não estou pedindo nada mais do que poderia oferecer a você, em troca. Quero viver
a seu lado, construir um lar... uma família.. . uma vida juntos.
— Você... já tem vida em comum comigo. Dorme mais aqui do que na base. — Ela se
esforçava para dar alguma palavra de conforto.
— Droga, Érica! Você não entendeu! — ele explodiu, abruptamente. — Não procuro um
lugar para dormir. Quero um lar! Para nós dois! — Lutava para expressar claramente os
seus sentimentos. — Falo de bolas e bonecas na sala! Jovens pedindo a chave do carro.
Alguém que se preocupe comigo, sinta minha falta, quando não posso estar em casa para
o jantar!
Afastou-se dela e enfiou as mãos nos bolsos. Fora paciente até onde agüentava. Não
era fácil para um homem como ele falar sobre casamento com alguém que não parecia
nem um pouco interessado.
— Cris, sinto muito, não estava...
— Vivi em todos os cantos do mundo. Selvas. . . desertos. . . navios... A única coisa
que tenho certeza é que lar não é o lugar onde se dorme, mas para quem você está
indo. .. quem espera por você, mesmo que não possa estar em casa por meses inteiros.
Se eu tiver que pedir permissão para ligar para uma mulher, terá que ser por algo mais
que ser bem recebido em sua cama!

CAPITULO VIII

Naquela noite, Érica dormiu pouco e estudou menos ainda. Cristian saíra muito irritado.
As paredes silenciosas pareciam impregnadas pela raiva dele. Ele não se desculpara,
nem dissera palavras conciliadoras. Nem mesmo reafirmara a promessa de ligar.
Era de esperar que, cedo ou tarde, ele propusesse casamento. Entretanto, mesmo
sentindo-se emocionada e comovida por ser alvo de sentimentos tão honestos, Érica não
conseguia pensar em trocar a missão espacial por um trabalho voluntário qualquer, numa
associação de caridade, enquanto Cristian voava perdido em alguma guerra.
Quatro dias se passaram e o telefone permaneceu silencioso. A mesa onde tantas
vezes jantaram juntos parecia inútil e grande demais, a piscina enorme sem o corpo
masculino de Cristian. E a cama. .. Érica não suportava pensar nela. Cada noite solitária
intensificava seu desejo de tocá-lo. . . senti-lo. . . e vê-lo sorrir de manhã.
Adiantara bastante as tarefas, mas o fim de semana prometia ainda mais estudos. Um
sábado e domingo cheios de trabalho não eram suficientes para disfarçar a falta que ele
fazia. Toda noite esperava um telefonema que não vinha. Ia dormir sabendo que deveria
procurá-lo. Mas não podia telefonar e dizer que sentia saudades: ele pedira um
compromisso sério, como prova substancial de que compartilhavam dos mesmos
sentimentos.
Quando afinal se preparava para ligar, a campainha do telefone soou. Controlando o
desespero, Érica esperou tocar três vezes antes de atender.1
— Boa-noite, Érica — Cristian cumprimentou do outro lado da linha. — Espero que a
semana tenha sido produtiva.
— Senti tanta falta de você!... ela confessou, o coração disparando desde o momento
em que reconhecera a voz dele. Tudo parecia normal! Uma sensação imediata e intensa
de alívio tomou conta dela. Eram oito e meia: se corresse, poderiam ter algum tempo
juntos, antes de voltar ao trabalho. — Tive uma semana horrível. Tentava me concentrar,
mas não conseguia.
— Apenas segui as ordens e fiquei fora do caminho — ele disse. — Entretanto, se não
for roubar muito do seu tempo, gostaria que gastasse um pouco dele comigo, amanhã. Ao
meio-dia, haverá um show de acrobacia aérea na base. Os Anjos Azuis vão fazer uma
apresentação. Sempre vou com amigos, mas pensei que talvez você gostasse de me
acompanhar.
Os Anjos Azuis eram a esquadrilha da Marinha para vôos acrobáticos e tinham fama de
serem ótimos. Qualquer pessoa que se interessasse por aviões gostaria de assistir a uma
demonstração deles. Mas Érica estava tão atarefada que não poderia perder tempo com
nada.
— É uma boa idéia, Cris, mas não sei se posso ir. Tenho muito que estudar. . .
— Não tem problema — ele a interrompeu, indiferente.
— Apenas pensei que não custaria perguntar. Sei que tem que trabalhar, por isso não
vou atrapalhar mais.
— Cris! — ela gritou, antes que ele desligasse.
— Disse alguma coisa? — A calma dele a perturbava.
— Eu. . . eu. . . quero saber quando vou vê-lo. — Sentia-se como uma adolescente.
— Ah! Não sei. Telefonarei em uma semana ou duas. Talvez possamos ir ao cinema.
— Uma semana ou duas? — ela repetiu, atônita. — Cinema? Quero vê-lo hoje — falou
rapidamente.
— Agora? — A voz dele demonstrava surpresa. — Havíamos marcado algum encontro
para hoje? Não me lembro! Sinto muito, tenho outros planos.
— Outros planos? — Não poderia ser com outra mulher! Uma semana atrás ele a
pedira em casamento. Érica não entendia o que estava acontecendo. — Quero. . . mesmo
vê-lo, Cris
— confessou. — Essa semana foi interminável. Acho que precisamos conversar. Será
que não poderia vir aqui apenas por uns instantes?
— Não, Érica. Sinto muito, não posso. Tenho que sair em dez minutos, esperava vê-la
amanhã. Mas, se você não pode ir ao espetáculo, acho...
— Então eu vou a esse maldito espetáculo! — ela explodiu do outro lado da linha.
— Como?
— Disse que mudei de idéia, vou com você amanhã. Adoraria ir — respondeu, após
respirar fundo.
— Mas isso é ótimo! — Cristian parecia entusiasmado. — Tenho certeza de que vai
gostar.
— Acho que sim.
— Sei que você terá muito em comum com meus amigos, a maior parte deles trabalha
na NASA.
Érica não tinha dúvidas com relação às intenções dele. Forçava-a a assumir
publicamente o relacionamento deles. Mas não ousou discutir.
— Está tudo bem, Cris. Não há necessidade de mantermos nossa relação em segredo.
Uma vez que Jeb e Roger já sabem sobre nós, todo mundo vai, provavelmente, ficar
sabendo. Ia dizer-lhe. . .
— Você pensou que, se não aceitasse, eu iria embora?
A cada momento ele se mostrava mais frio e distante. Em lugar de uma proposta de
encontro, Cristian viera com uma ameaça. Ainda estava bravo com ela. . .
— Disse que vou amanhã — lembrou-o. — Não haverá mais segredos. Pode dizer aos
quatro cantos do mundo que sou sua, enquanto eu ainda sou. — Ela não queria
demonstrar o pânico que sentia por perdê-lo. O coração batia desesperado no peito.
Estava insegura.
— Sou um homem racional e muito orgulhoso... — ele falou, após longo silêncio. — É
ridículo colocar minha vida à mercê de uma mulher que não demonstra a menor intenção
de assumir publicamente um compromisso comigo. — Ele se interrompeu para respirar
fundo. — Se você quer que eu passe o dia inteiro a seu lado, pode ser. Mas, se quer me
encontrar apenas quando o seu esquema de trabalho permitir, esteja certa de que eu vou
vê-la quando o meu horário possibilitar. Sei de muitas mulheres que adorariam dispor de
algumas horas comigo.
— Fez uma pausa para certificar-se de que as últimas palavras fossem bem
compreendidas.
— Amo você, Cris. Por favor, não saia com nenhuma outra mulher — Érica disse,
sentindo o corpo queimar e o coração doer.
— Na verdade, não tenho nenhum encontro hoje, querida. Acontece que a filha do
almirante Jackson chegou, depois de ter-se formado na universidade, e está oferecendo
uma festa. Já que não tenho nenhum tipo de compromisso oficialmente, sou considerado
um bom partido. Então fui "convidado" a participar da reunião.
— Você já a conhece? Ela é bonita? — Ela se sentiu dominada pelo ciúme.
— Você sabe que é a única mulher que amo! — ele falou, exasperado pela
infantilidade dela, ao demonstrar ciúme.
Sentindo-se aliviada e ridícula, Érica decidiu parar de agir como uma idiota e contar a
verdade.
— Pensei muito sobre nossa discussão de segunda-feira à noite.
— Discussão? Que discussão? — Ele fingia não saber do que se tratava.
— Sobre lar... compromissos. . . e casamento.
— E o que decidiu? — ele perguntou cauteloso.
— Não suportaria perdê-lo.
— Também não vou desistir de você, meu amor. Mas não está muito disposta a me
oferecer o tipo de compromisso que quero. Precisa de mais tempo e liberdade para
trabalhar e decidir. — Fez uma pausa. — Você não vai querer que eu espere sentado a
seu lado, enquanto decide sua vida.
— Do jeito que você diz, faz com que me sinta a mais cruel das mulheres. Se
imaginasse como eu sofri esta semana.. . — Ela quase chorava. — Foi horrível! Senti
tanto a sua falta! Não é justo você me machucar agora. Estou com medo. Por favor, não
vá à festa. Venha para cá e resolveremos tudo.
— Não! — Cristian parecia irredutível. — É uma obrigação social e não poderia deixar
de ir, mesmo que quisesse. E não quero. Preciso continuar minha vida. Se tivesse juízo,
nunca mais a veria. Aliás, mais cedo ou mais tarde, chegaremos a isso mesmo, não é?
— Não! Não! — Érica chorava, não conseguindo conter os soluços que entrecortavam
suas palavras. — O que você quer?
Depois de um longo silêncio, Cristian atalhou:
— Acho que a pergunta correta seria: o que você precisa para tornar tudo bem entre
nós?
— Quero que venha morar aqui, hoje à noite. Permanentemente. Vá à festa, se tem
mesmo que ir. Mas lembre-se de quem o espera em casa. E pode dizer, para quem
quiser, para toda a Marinha, que não é mais um homem livre!
— Resta saber, Kika, quais serão os termos desse acordo de moradia. Será que nós
planejaremos casar ou apenas dividiremos despesas?
— Estaremos admitindo publicamente um compromisso, tentaremos construir um lar,
dividir nossas vidas enquanto. . . estivermos felizes juntos... — Érica estava amedrontada,
mas não queria fazer promessas que, mais tarde, poderia não cumprir. — Será um
período de experiência para. . . resolvermos nossas diferenças. Com a esperança de que,
de alguma forma, possamos achar um modo de nos entregarmos um ao outro sem o
sacrifício de nossas almas.
— O que está tentando dizer é que não sabe como poderia algum dia casar comigo,
mas está disposta a fingir que há uma saída se essa farsa ajudar a me manter mais
algum tempo em sua rede.
— Não é farsa. . . Não sei como dar o que você quer. . . crianças... ser dona-de-casa. .
. e tudo o mais. .. sem tornar-me outra pessoa. Mas quero mesmo dividir minha vida com
você. Não acho que isso vá mudar. Se há uma saída, qualquer que seja, eu vou
descobrir. Então, caso com você e ainda continuo com minha carreira. . .
Até pronunciar essas palavras, Érica não se dera conta de quanto Cristian era
importante para sua vida. Não poderia permitir que ele a deixasse. Tudo faria para ficarem
juntos.
— Quando eu chegar, você vai estar trabalhando — Cristian respondeu bruscamente.
— Não seria melhor se esperássemos até amanhã de manhã?
— Tenho uma chave extra. Deixarei embaixo do vaso, na varanda da frente. Pode
pegá-la. — A idéia de chegar em casa e encontrá-lo em sua cama a excitava.
— Embaixo do vaso... — ele repetiu, meio atordoado com a proposta.
— Sim! Você virá? Servirei o café da manhã na cama. Faremos o que quiser, amanhã.
Pode ficar tranqüilo. Amanhã trancarei os livros na escrivaninha. O dia será todo seu. —
Fez uma pausa, sentindo a garganta apertada, e completou: — Você estará aqui quando
eu chegar em casa?
— Estarei esperando por você — ele prometeu. A alegria invadiu o coração de Érica.
No dia seguinte, bem cedinho, quando chegou, Érica logo viu o carro vermelho que
tanto conhecia estacionado à porta de casa. Não havia nem sinal de Cristian. Procurou na
sala. . . na cozinha.. . Mas a porta do quarto estava fechada. Ao entrar, lá estava ele.
Adormecido, as roupas penduradas no cabide, as chaves no criado-mudo.
Naquele instante, o alívio era muito maior do que a dúvida se aquela fora a melhor
solução. Fizera uma promessa que prejudicaria muito seu trabalho, mas fora honesta
consigo mesma. Aquele era seu homem, seria insensato lutar contra isso.
— Você está atrasada. Prometeu café de manhã às sete horas quando me registrei
neste hotel. — Cristian falou com os olhos semicerrados.
— Sinto muito. Tive que fazer uma cesariana de emergência, a mulher já estava com
mais de quarenta anos e. . .
— Hush! Você esteve de pé a noite toda. Deve estar exausta. Acha mesmo que eu
esperava café na cama? — ele disse, puxando-a para perto de si.
Érica olhava-o atentamente, o cabelo em desalinho, o rosto recém-acordado, o calor da
cama. . . Mas não ousava tocá-lo. . . Não queria lembrar das acusações que ele fizera.
— Acho que não sei o que esperar.
— Pode esperar o mais amoroso, compreensivo e paciente companheiro de quarto que
já teve. Prometo não atrapalhar.
— Estou com tanto medo! — Érica falou, apoiando a cabeça no ombro dele.
— Sei disso e sinto muito. — Cristian beijou-a. — Não queria amedrontá-la.
Simplesmente não podia agüentar a sensação de estar sempre em segundo plano na sua
vida. — Dizendo isso, estendeu-se na cama. — Quero vir em primeiro lugar. Quero que
seja a pessoa mais importante na minha vida também.
— Vamos tentar e ver o que acontece. Como você quer o café? — ela disse suspirando
por entre os cabelos negros dele.
— Érica. . .
— Por favor, deixe eu fazer isso. Apenas esta vez.
— Está bem. Quero meu café na piscina com a garçonete vestida exatamente como da
primeira vez que fizemos amor.
— Antes ou depois de termos nadado? — Érica perguntou, com as lembranças
daquele dia inesquecível ainda muito vivas.
— Isso é com você — ele respondeu, sorridente.
— Você quer me derrubar na água novamente, hein? — Érica nunca servira café nua,
antes. Mesmo na privacidade da piscina.
— Não. . . Isso será feito oportunamente, em lugar macio. Para servir a refeição, ela
passou sombra azul brilhante nos
olhos, amarrou os cabeços em tranças com laços azuis e, para compensar a falta de
roupa, completou essa fantasia erótica com um lindo colar de prata e perfume.
— Está tudo conforme seu desejo, senhor? — apresentou-se, imitando o cumprimento
típico das garçonetes.
Cristian examinou a bandeja enfeitada com os mesmos laços azuis da servidora.
Deliberadamente, deteve o olhar em seus seios, até que os bicos se eriçassem, como que
para saudá-lo.
— Exatamente como eu queria. Até melhor do que imaginei.
Vestido de short azul ele estava bem acomodado na espreguiçadeira. Érica sabia que
aquela era a maneira de dizer que se sentia em casa.
— Posso me sentar? — ela perguntou docemente.
— Por favor. Está com fome? — ele disse, puxando-a para sentá-la no colo.
Acariciava-lhe o ventre macio e os seios.
— Não, comandante. Se não se importa, ficarei apenas observando.
— Hum... Excelente! Acho que serei obrigado a vir mais vezes aqui. — Foi o
comentário dele, após experimentar o que ela lhe trouxera.
— Quando quiser, senhor. A casa é sua.
— Minha?— ele perguntou, abraçando-a com mais força.
— Ao menos até amanhã.
— Se terei esse tratamento apenas por um dia, o melhor que tenho a fazer é aproveitar
ao máximo. — Ele riu.
Com apetite, Cristian terminou o café em silêncio. E, quando Érica pensou em recolher
a bandeja, o sol matinal começava a esquentar.
— Sabe de uma coisa? — ele perguntou, antes que ela se levantasse, com a cabeça
sobre os seios dela.
— O quê?
— Acho que estamos precisando de uma loção protetora contra os raios solares, não
quero ver minha garçonete predileta com queimaduras.
Érica se contorcia, sentindo a língua dele circundar-lhe os seios. Ele queria excitá-la.
Seria essa a punição pela semana passada?
— Vá! Pegue a loção que eu passo em você.
Quando ela voltou, Cristian estava sentado com as pernas abertas e acenava para que
ela sentasse no meio delas, com as costas voltadas para ele.
— Muito bom este creme. Sem ele, garotas como você não poderiam servir café sem
roupa — ele falou, enquanto espalhava sensualmente a loção nas costas dela.
— E playboys como você teriam que arranjar outras formas de sedução para as pobres
meninas indefesas.
— Mas como?! Aqui estou eu, fazendo o possível para proporcionar o máximo de bem-
estar. — Propositadamente, ele passava o creme nos seios eretos. — E você me acusa
de falta de cavalheirismo? Estou profundamente ofendido!
Érica estava perturbada pelas carícias, mas não dizia nada. O jogo do amor tem suas
regras, que devem ser seguidas, custe o que custar. Cristian nunca tentara seduzi-la tão
ardentemente e ela queria ver até onde ele chegaria. Não sabia se aquela era uma
demonstração de força e poder, ou se ele planejara outra coisa. No momento, ele não
parecia interessado em aliviar os desejos que tão habilmente despertava nela.
— Acho melhor você se levantar, Kika, para eu poder passar o creme nas suas pernas.
— Deixe, eu mesma passo. — Érica perdia a paciência com o jogo de sedução.
— Também, posso. Hoje é meu dia, lembra-se? Você prometeu!
Cristian parecia uma criança com um brinquedo novo. Suspirando, exasperada, ela se
levantou e deixou-se acariciar nas pernas.
Ele começou pelos tornozelos. Lentamente, movia as mãos até a altura dos joelhos, e
parava para recomeçar na outra perna. Até que, finalmente, chegou a vez das coxas.
Sempre devagar, as mãos se aproximaram daquele ponto mais sensível do corpo
feminino, mas não o tocaram.
— Vamos nadar! — ele ordenou de repente, esquecendo as carícias que fizera.
— O quê?
— Não aceito a velha desculpa da falta de roupa apropriada. Antes que ela pudesse
argumentar, ele deu um mergulho e, depois, passou a chamá-la insistentemente para que
se juntasse a ele, só sossegando quando ela mergulhou, com todos os laços e o colar.
Então passou a abraçá-la, cada vez mais violentamente, e a beijá-la inteira, ou melhor,
quase inteira. A parte mais delicada e feminina de seu corpo foi poupada.
Quando não agüentava mais, Érica resolveu puxá-lo para fora da piscina.
— Posso saber aonde a senhorita está me levando?
— Ao banho.
— Quente ou frio?
— Juntos!
Correram para o chuveiro e, no caminho, os laços do cabelo dela se desfizeram. . .
Debaixo do jato de água morna, as carícias continuaram.
— Está bom? — Cristian perguntou.
— Muito — ela admitiu, ensaboando o corpo, antes que ele o fizesse.
— E agora? — ele perguntou, passando os dedos pela pequena trilha do umbigo até o
meio das coxas.
— Muitíssimo melhor — ela murmurou.
Vendo-o nu, Érica percebia que o desejo dele era tão intenso quanto o seu.
"Finalmente, ele vai aliviar meu tormento", ela pensou, antes de fechar os olhos, pronta
para segui-lo para lugares nunca antes visitados...
Excitada, não percebeu que rumavam para a cozinha. Cristian pegara a toalha e
enxugava-lhe todo o corpo. Ela, então, abriu gentilmente as pernas para que ele a
acariciasse.
— Será que o banho lhe fez bem? Está se sentindo melhor, depois da longa noite de
trabalho? — ele perguntou.
Com avidez, a sua língua viril descrevia pequenos círculos no vértice das pernas
morenas de Érica. A cada vez, chegava mais próximo do centro de prazer que se ocultava
atrás dos pêlos.
— Muito melhor agora — Érica sussurrou, agonizando de desejo.
— Ótimo! — ele interrompeu as carícias. — Deixe-me pendurar a toalha, logo estarei
de volta.
Era atordoante aquele jogo! Ele a deixava desesperada, mas permanecia calmo.
Irritada, Érica foi para a sala e recostou-se no sofá. Prometera não trabalhar, mas,
sentindo-se provocada, resolveu dar o castigo que ele merecia.
Pegou o primeiro livro que encontrou e tentou se esforçar para ler as linhas iniciais.
Não conseguiu. Cristian colocou o rosto na frente do livro, antes que ela pudesse
protestar.
Nu e sorridente, a excitação era evidente em todos os seus membros, e novas ondas
de desejo a invadiram.
— Você já viu alguma vez os Anjos Azuis? — Érica perguntou, decidida a fazer o
mesmo jogo com ele.
— Ê um show incrível. São pelo menos seis Phantom voando ao mesmo tempo. E
chegam tão perto que qualquer deslocamento de ar inesperado poderia levá-los ao
desastre.
O tom da conversa era convencional de propósito, mas as carícias transmitiam outro
significado. De repente, sem aviso, Érica sentiu-se puxada para cima dele e, de
imprevisto, força e paixão penetraram-na. Depois, cavalgando sobre ele, sentiu as mãos
ardentes que dirigiam o ritmo da dança erótica.então Cristian a invadiu inteira e eles se
tornaram um corpo único que vibrava em espasmos alucinantes. Quando estavam felizes.
Pouco a pouco, a lucidez retornou, mas restava a pergunta não respondida: O que ele
tentara provar? Olhando languidamente para ele, que recostara a cabeça sobre seus
seios, ela acariciou-lhe o rosto. Agora sabia. . . Aquela era a mais doce de todas as
declarações de amor que um homem poderia oferecer a uma mulher.
— Não queria que você pensasse que a mágica acabaria quando eu mudasse para cá
— ele segredou-lhe ao ouvido.
Com a cabeça, Érica acenava afirmativamente, incapaz de falar.
— Não se arrependerá, querida. Seremos felizes.
— Acredito em você — ela sussurrou. — Na verdade, estou noventa e nove por cento
convencida.
— Acho que vou ser obrigado a trabalhar no último um por cento, não?
— Conto com isso, comandante. — Érica apertou as pernas contra as dele.
Érica vestia bermudas e uma miniblusa, e já se considerava pronta, quando Cristian
entrou no quarto e perguntou, desajeitadamente, se ela se importava em trocar aquela
roupa e colocar algo menos provocante. Tomada de surpresa, ela não conseguia
entender a atitude dele. Afinal, a maior parte das vezes em que ele se preocupara com
sua maneira de vestir, fora para pedir trajes mais provocantes!
— Bem, prometi que faria o que você quisesse, hoje, Mas no futuro... — Érica
argumentou por fim.
— Kika. . . — ele parou, colocando as mãos no rosto dela. — Não tem nenhuma
relação com nossas fantasias sexuais. Não ficaremos na piscina de sua casa. Hoje, você
será apresentada como minha companheira a oficiais da Marinha e suas esposas. Isso
significa que assumimos um compromisso e, durante o resto do dia, você deve governar
seu comportamento pela etiqueta da Marinha.
O comentário parecia ter sido retirado do livro de Katie, mas Érica sabia que era sério.
— Posso entender os interesses da Marinha em relação aos oficiais, quando estão em
horário de trabalho, mas não sei qual o interesse pela minha aparência num dia de folga.
— Não importa por quê. Pense que a Marinha significa muito para mim e, por esse
motivo, deve ser importante para você também. Morar junto sem ser casado é meio
incompreensível para alguns oficiais mais velhos. Quero que cause boa impressão. Vista-
se modestamente e aja como uma dama. Acho que não será difícil para alguém com a
cultura que você tem.
Apesar do sermão, Érica estava decidida a não deixar pequenas coisas estragarem o
seu dia. Trocou de roupa, vestindo um lindo conjunto azul-claro, estampado de pequenas
flores, e amarrou um laço discreto no cabelo.
A base estava cheia de gente quando chegaram. O emblema de oficial no carro de
Cristian garantiu um bom lugar no estacionamento. Foram para o gramado perto de um
alto-falante, de onde poderiam ouvir melhor as informações, e Cristian fez questão de
corrigir e complementar os avisos gentilmente, durante toda a apresentação.
O espetáculo estava maravilhoso. Os aviões realizavam malabarismos incríveis em alta
velocidade e, apesar de suas asas quase se chocarem, em cruzamentos inesperados,
quedas em parafuso e vôos de cabeça para baixo, tudo saía perfeito.
Enquanto a demonstração prosseguia, os oficiais amigos de Cristian, acompanhados
das esposas, começaram a se aproximar. Muitos haviam trazido os filhos, que
acomodavam em cadeiras de sol ou esteiras, e todos tentaram fazer com que Érica se
sentisse à vontade, mesmo sem a conhecerem direito.
— Agora sabemos o motivo da sua ausência do clube dos oficiais — comentou
amigavelmente Alan Clayburn, o chefe de Cristian.
Sua mulher, Leslie, jovial e muito falante, lembrava um pouco Katie, embora fosse um
pouco mais velha. Bem-humorada, comentou em tom falsamente bravo com o marido:
— Mas não induza Cris a levá-la ao clube, antes que eu possa informá-la do
regulamento. — E, voltando-se para Érica, confidenciou: — No momento em que
atravessar a porta do clube, você será vista como "território livre". Pelo menos até provar
que não está disposta a nada, enquanto seu marido ou noivo estiver fora, em missão. Não
importa quão ciumento e possessivo ele seja. Da cintura para baixo, é como você. . .
— Eu. . . não tenho muita experiência com bares, mas acho que as mulheres,
geralmente, conseguem o que procuram... — Érica conjecturou, constrangida com o
modo de pensar de Leslie.
— Na Marinha é muito pior. Todos sabem quando seu marido está fora e por quanto
tempo. Qualquer gesto pode ser mal interpretado pelo homem errado — a moça
completou.
— Lindo vestido o seu — Érica observou, decidida a não continuar com aquela
conversa. Ela havia notado um lindo broche dourado, com duas asas, que a outra usava.
— Onde você conseguiu esse broche?
— Ganhei de Alan, claro. — Leslie parecera um pouco surpresa com a pergunta. — Ele
me deu, pouco antes de nos casarmos. — Sorriu para Érica, meio sem graça. — Tinha a
impressão de que você e Cris estivessem juntos há mais tempo. Estou surpresa que
ainda não tenha um par de asas.
— A primeira vez que Cris foi jantar em casa, deu-me um colchão de ar para a piscina!
— Érica respondeu, meio sem jeito.
Antes que Leslie pudesse continuar, Érica voltou-se para ouvir o que o grupo de
homens falava. Discutiam sobre a demonstração dos pilotos, o que não a surpreendeu,
mas nenhum deles parecia interessado em comentar assuntos oficiais.
Apesar de muitos deles serem da equipe de Cristian, ou participarem da missão dela
própria, ninguém falava da NASA. Trocavam novidades, com a chegada de um velho
amigo deles, Chip Desmond, que recebera novas ordens e passaria por Houston em
poucos dias. Mas o assunto dominante da conversa eram as acrobacias dos jatos. Érica
também notou que era Cristian quem explicava as manobras, para os filhos dos outros
oficiais, quando surgia alguma dúvida.
— Érica!! Que surpresa encontrá-la aqui.
Ela sentiu um calafrio na espinha ao ouvir a voz de Jeb, que a cumprimentava com
emoção estudada.
— Por que deveria surpreendê-lo, Jeb? — respondeu Cristian, aparecendo
subitamente por trás dela e a abraçando possessivamente. — Você a teve durante toda a
semana. Hoje ela será minha. — Os dois homens se enfrentavam. — A propósito, se
precisar me encontrar, não estou morando mais no alojamento da base.
Jeb concordou com um movimento de cabeça, como se não estivesse surpreso, e
depois voltou-se cortesmente para Érica, antes que a tensão entre eles se tornasse
evidente para os outros.
— Esse deve ser um espetáculo muito interessante para você. Pode ser uma amostra
do que Cris faz quando não está brincando de astronauta.
— Você sabe voar como eles? — ela perguntou surpresa.
Ele concordou.
— Não seja modesto, Cris. Não contou que perdeu a oportunidade de ser um dos
Anjos Azuis por um triz?
Érica sentiu o estômago apertar com mais medo que admiração. -
— Não há nada de que se orgulhar — Cristian murmurou, incapaz de disfarçar a
mágoa por não poder juntar-se àqueles pilotos. — Quem se lembra de todos os rapazes
que quase foram alguma coisa?
— Ainda bem que não foi — Érica disse sem pensar. — Isso parece muito mais
perigoso que viagens espaciais.
Leslie, que ouvia a conversa, fechou os olhos como se o comentário fosse uma ofensa
imperdoável. Jeb suspirou exasperado. Até mesmo Cristian olhou-a surpreso, antes de
declarar:
— É mais seguro do que voar em combate.
Por vários segundos, ela o fitou desconcertada: perdera uma ótima oportunidade de
ficar calada. Estava apaixonada por um piloto, apenas designado temporariamente para a
NASA. Mas, de repente, a Marinha poderia resolver mudá-lo para qualquer
outro lugar.
"E o que vou fazer, quando ele tiver que defender as cores da bandeira americana?",
Érica se perguntou.

CAPÍTULO IX

Nas semanas que se seguiram à mudança de Cristian para sua casa, Érica encontrou-
se extremamente atarefada com os preparativos finais para o lançamento. Gastava a
maior parte do tempo tentando superar as diferenças entre cirurgia humana e animal.
Embora aparentemente semelhantes aos homens, os chimpanzés apresentavam maior
taxa de mortalidade em cirurgias experimentais. Para superar esses problemas, ela
conseguira contactar o maior especialista do mundo nesses animais. Um veterinário do
zoológico de Nova York, que se dispusera a se encontrar com ela pelo menos uma vez,
durante o treinamento.
Naqueles dias, chegara, endereçado a ela, o convite formal para a cerimônia de
afastamento do almirante Tatum. Logo após receber uma carta pessoal da mãe de
Cristian, que a convidava para o fim de semana e, sutilmente, oferecia-lhe as boas-vindas
à família.
Roger se recuperara o suficiente para ajudar nas pesquisas, mas ainda permanecia no
hospital. Todas as manhãs, Érica encontrava-se com ele, para discutirem os problemas
da missão. Entretanto, por mais prestativo que se mostrasse, ele não conseguia esconder
a tristeza quando mencionava "cirurgia espacial".
Exatamente como prometera, Cristian se tornara a alegria da casa. Limpava tudo que
sujava, não atrapalhava, nunca reclamava, e sua presença era sempre reconfortante.
A única vez que discutiram foi quando Leslie telefonou, convidando-os para o jantar em
homenagem a Chip Desmond, e Érica esqueceu de dar o recado.
— Acabo de tomar um aperitivo com Alan — falou Cristian certo dia, ao chegar. —
Estava muito preocupado com o jantar de sábado.
Deu um tempo, esperando que essa palavras a alarmassem, antes e continuar.
— Estudei pilotagem com Chip — continuou irritado. — Faz seis ou sete anos que não
o vejo. Nem mesmo conheço a esposa dele.
Em pânico, Érica se lembrara do telefonema e sentia-se culpada e envergonhada.
— Vão ficar em Houston só alguns dias. — Cada vez mais bravo, Cristian apoiou-se no
braço do sofá. — Alan jamais falaria comigo sobre uma festa na casa dele sem me
convidar. Fiquei pensando que talvez uma das duas mulheres tivesse esquecido de me
avisar. Como não sabia qual delas, fiquei quieto.
Não havia como aplacar a raiva que se apossara dele.
— A verdadeira questão é saber se você esqueceu ou pensou que, se não contasse,
não precisaríamos ir.
— Não é justo, Cris! — Finalmente, ela conseguiu responder. — Quando Leslie ligou,
eu estava saindo para o hospital, na sexta-feira à noite.
— Hoje já é quarta-feira. Qual a boa desculpa para os outros dias?
— Sinto muito, não foi de propósito. Esqueci.
— Talvez não conscientemente. É importante que eu receba todos os recados.
Sempre. Tenho certeza de que, se você quisesse ir ao jantar, não esqueceria.
Ela não respondeu.
— Na verdade — ele continuou —, se tivesse alguma consideração pelo fato de que eu
quero ir, talvez se lembrasse com mais facilidade.
Era verdade. Ela não pretendia desperdiçar seu escasso tempo livre jantando com
desconhecidos.
— Ouça bem — ele continuou num tom aparentemente mais calmo, embora ainda
estivesse irritado —, Alan e Leslie estão dispostos a superar todos os preconceitos e
tratá-la como. . . minha mulher. Em alguns círculos da Marinha, as pessoas não teriam
tanta vontade. Uma vez. . . que nosso relacionamento é aceito, não quero continuar
explicando para todas as pessoas. Sempre seremos convidados como um casal...
— Você tem que ficar explicando?
— Mais do que eu gostaria — ele respondeu, contrariado.
— Muitas pessoas vivem juntas sem casarem. Não é um caso incomum hoje em dia.
— Não na Marinha — ele suspirou. — Não entre oficiais. Não é o comportamento
adequado. Na NASA, estamos misturados aos civis e conseguimos escapar melhor
dessas situações. Há muitas bases onde não teríamos a mesma sorte.
— Será que é um mau comportamento para um oficial casar-se com uma mulher que
trabalha? — ela perguntou. — Alguém que não tenha tempo, nem inclinação, para jogos
de cartas e chás das cinco?
— É estranho, mas poderia ser aceito. Se a mulher em questão soubesse contornar a
situação com graça. — Seus olhos escureceram. — Nunca sugeri que abandonasse a
medicina para se casar comigo, mas é um grande sacrifício de minha parte. Maior do que
pode imaginar.
— E sobre o sacrifício que você me pede? Abandonar o programa espacial por... por...
— Se você nem sabe por que, suponho que não esteja interessada. — Ele levantou-se
e começou a andar pela sala. O aspecto dele era de resignação, mais do que raiva.
— Sinto muito, Cris. Quero viver com você, mas não desistir dos meus sonhos. Não
pretendo cair da montanha no meio do caminho para o -topo. Entende isso?
— Meu sonho é casar com você. — A resposta veio em seguida.
Por momentos, ficaram calados, imóveis.
— Será que não encontraremos outra maneira? — Érica sugeriu, quebrando o silêncio.
— Qual, por exemplo?
— Uma vez, disse que não importava onde fosse o lar, desde que soubesse quem o
esperava. Será que nosso lar não poderia ser sempre aqui? Onde quer que a Marinha o
mandasse? Poderíamos casar. E eu teria algo mais a fazer, além de sentar, esperar e me
preocupar com você.
— E as crianças?
— Crianças?
— Claro! Onde você acha que elas deveriam morar? Será que vamos começar uma
nova moda? Brincar de pais separados antes de nos divorciarmos?
— Esta discussão não vai nos levar a nada. — Érica, derrotada, desviou o olhar.
— Não vai mesmo. Vou à festa de Alan e Leslie, e quero que venha comigo —
anunciou ele, por fim, irritado.
— Cris, mal e mal consigo manter minha cabeça à tona da água, não conseguirei
arranjar tempo...
— Você não tem tempo para mim. Nunca tem. Mas quando pediu, ou melhor, implorou
para eu vir morar aqui, prometeu dar ao nosso relacionamento o melhor de você. Parte
disso é a Marinha, com todos os benefícios e obrigações. — Ela tentou segurar-lhe a
mão, mas ele ignorou e, levantando-se, olhou pela janela da frente.
— Se ao menos estivesse morando sozinho, seria livre para marcar algum encontro —
completou.
— O que você quer dizer com isso?
— Que você não pode ter os dois. Ou é minha mulher ou não. Essa opção estará
sempre clara. Depende de você aceitá-la ou não — respondeu, desabotoando a camisa e
saindo da sala.
Érica abandonou os estudos e foi para o quarto. Encontrou-o, sentado na cama, lendo
um relatório sobre a própria missão.
— Você acha que é. . . muito tarde para ligar para Leslie? — ela falou com esforço.
— Desde sábado é muito tarde. A essa hora já sabem que não vamos e que nem
tivemos a educação de ligar recusando o convite.
— Queria ligar para avisar que vamos.
— Antes tarde do que nunca.
Na manhã seguinte, tudo parecia mais calmo. Érica sabia que não fizera o suficiente
para aceitar a Marinha e abdicara de muito pouco para ir à festa. Ainda assim, estava
incomodada com alguns comentários da noite anterior.
À noite, quando Cristian chegou, a casa estava agradavelmente iluminada por luz de
velas. A mesa arrumada oferecia peru à Califórnia e, de sobremesa, bolo de morangos
com creme chantilly.
Vestida com uma minissaia verde, com os cabelos presos por flores naturais, Érica
deu-lhe as boas-vindas, sorrindo de modo tentador.
— Kika? Será que esqueci alguma coisa? — Cristian perguntou inquieto.
— Não, que eu saiba.
— Então. . . o que estamos celebrando?
— Nós. Nosso amor. Nosso futuro.
— Quanto tempo teremos para a comemoração?
— Até amanhã de manhã. Arrumei tudo para tirar a noite do folga. — E, para si mesma,
ela completou: "Mesmo sabendo que pagarei caro por ela".
Mas o brilho nos olhos dele compensava qualquer sacrifício.
Jantaram, foram ao cinema e, até mesmo, pararam no clube dos oficiais, antes de
voltar para casa. Gastaram uma hora conversando com dois amigos dele. Érica aprendeu
mais sobre os antecedentes de piloto de Cristian do que em todo o tempo que se
conheciam. Uma ou duas vezes, ele mencionou o Vietnã. . .
Orgulhosa, a seu lado, Érica não pensara no cansaço que, fatalmente, a castigaria na
manhã seguinte. Aquela noite pertencia a ele. Ela também era dele.
— Há algumas poucas coisas que gostaria de contar sobre
O jantar na casa de Alan — disse ele, no caminho de volta. — Será tão informal quanto
a Marinha permite, mas não fique surpresa se sentarmos por patente.
— Patente? Não tenho nenhuma! — ela falou, surpresa.
— Você terá sempre a mesma posição que eu. As mulheres têm uma hierarquia quase
tão rígida quanto os maridos. O único que está acima de mim é Tom Rallings. Felizmente,
a mulher dele não abusa da posição como algumas outras.
Katie já mencionara que a esposa de um jovem oficial estava sempre à mercê de
quase todas as outras mulheres da base. Algumas eram muito boas, outras não. Mas
Érica nunca tivera tempo nem curiosidade de perguntar detalhadamente sobre essa
situação.
— Será que eu a chamo pelo posto?
— Não na festa. Seja apenas respeitosa. — Cristian sorriu.
— Todos são meus amigos. Não haverá problema. Mas, às vezes, haverá lugares onde
os caminhos serão mais tortuosos. Tentarei avisar quando formos encontrar alguém que
possa influenciar minha carreira.
— Tudo bem. — Ela não sabia o que falar. Queria apenas agradá-lo.
— É mais perigoso quando a anfitriã é você mas, se prestar atenção em Leslie,
aprenderá muito. Teremos que retribuir a hospitalidade deles em uma semana ou duas.
Aquela era uma conseqüência que ela não previra. Não saberia conciliar a NASA, os
estudos em casa e a etiqueta da Marinha. Mas respirou fundo e disse:
— Farei o possível.
— Sei disso, querida. E será mais do que suficiente para mim. Para o jantar na casa de
Alan, Érica aproveitou algumas dicas
de Leslie e escolheu um sofisticado vestido cor de damasco, com pequenos enfeites
nos ombros e um cinto trabalhado. Resolveu sacrificar-se um pouco e colocou meias e
salto alto. Cristian vestia um terno azul-escuro, parecido com o uniforme da Marinha.
— Amo você, Kika — ele sussurrou com um charme devastador, antes de tocar a
campainha.
Beijaram-se, com carinho surpreendente para a véspera de uma recepção tão formal.
Devia Érica estar preparada para uma noite com o comandante Tatum e não com seu
ardoroso e apaixonado Cristian.
— Cris! Érica! — Alan falou entusiasmado ao abrir a porta. Também ele estava de
terno escuro. — Que bom terem vindo. Chip e Sara já estão aqui. Leslie está na cozinha.
A casa era modesta, pouco imponente, mas muito graciosa. Fotografias e enfeitinhos
lembravam-na da casa de seus pais. O cheiro de rosbife invadia o ambiente, garantindo o
talento culinário da anfitriã.
Na sala de visitas, Érica encontrou dois homens e uma mulher. Esta, séria e muito
desconfortável, dava o braço ao marido, que a protegia gentilmente.
— Chip! — Cristian gritou. — Como vai você?! Soube que esteve em Guam por uns
tempos!
— Guam e mais dezesseis outros lugares — o amigo concordou. Era um homem
enorme, de olhos e cabelos muito escuros e fisionomia sorridente.
— Mas veja o que achei antes de sair dos Estados Unidos! — Orgulhosamente,
apontou para a mulher. O vestido branco simples que ela usava contribuía ainda mais
para aumentar sua palidez. Ela sorriu timidamente.
— Esta é Sara — o gigante anunciou, amoroso. — Procurei por ela no mundo inteiro e
fui encontrá-la no meu quintal.
Sara olhava para o marido com muita estima. Cristian falou:
— Sara, estou honrado por conhecê-la. As cartas de Chip não deixavam transparecer
como você era pessoalmente.
— Ele é muito apaixonado por mim. — Sara esboçou um sorriso.
— Também sou muito apaixonado por minha mulher — disse Cristian, virando-se para
Érica, carinhosamente. — Esta é Érica — anunciou, protetor.
— Olá! É um prazer conhecer todos vocês. Érica olhou para o outro homem que
Cristian parecera ignorar até o momento. — Acho que não ouvi seu nome.
— Tom Rallings. Chip serviu no meu esquadrão em San Diego. — Sorriu, alegre,
fazendo-a se perguntar por que esperara encontrar um homem sério apenas por ser um
oficial mais graduado. — Minha mulher, Joana, está na cozinha, ajudando Leslie.
Érica aproveitou a deixa e anunciou:
— Acho que é um bom lugar para mim também. Se vocês me desculparem...
Saiu com o estranho sentimento de que Sara lamentava vê-la ir embora.
O jantar transcorreu normalmente. Chip, o convidado de. honra, sentou-se ao lado de
Leslie, e Sara ao lado de Alan. Os convidados restantes sentaram-se informalmente.
Após a festa, Érica estava decidida a perguntar a Cristian todos os postos e patentes, e
esforçar-se para memorizá-los, se ele achasse conveniente.
Um outro casal, Don e Carol Harrison, chegou pouco depois do jantar. Após a ceia, as
mulheres sentaram-se perto da varanda, enquanto os homens, todos pilotos, sentaram-se
na sala de estar. Érica podia vê-los através da janela. Discutiam animados e riam, falando
alto. De vez em quando, as vozes abaixavam, sinal de que conversavam sobre a Marinha.
— Não eram tão silenciosos quando contavam as proezas aéreas. Chip e Cris
comparavam quem fora o mais corajoso da primeira vez que "atingiram o alvo". Essa era
a expressão que os pilotos usavam para quando conseguiam aterrissar um jato na
pequena pista de um porta-aviões.
Katie contara que a Marinha aconselhava as esposas de alunos da escola de aviação a
se prepararem para as dramáticas mudanças no comportamento dos maridos, logo após
terem "atingido o alvo" pela primeira vez. Euforia, orgulho, exultação e sentimentos de
onipotência, tudo podia ser esperado. Com o tempo, acostumavam-se com o fato.
— Afinal, você deixou suas coisas em algum depósito ou já as mandou na frente,
Sara? — Leslie perguntou, enquanto sentava numa poltrona. — Quando nos mudamos
para Heron Bay, demorei seis meses para achar tudo.
— E isso já é tempo para mudarmos novamente — comentou Joan.
Todas riram, menos Sara e Érica.
—- Na verdade, espero que não seja tão normal desta vez. — A mulher de Chip
admitiu cautelosa. — Na mudança para Guam, perdi muitas coisas.
— E o que Chip vai fazer na Califórnia? Não consegui saber nada do Alan.
— Eu não sei muito, ainda estará voando, supervisionando algo novo — ela respondeu
meio desconfortável.
— Que tipo de "algo novo"? — Carol perguntou. — Um avião, um projeto?
— Não sei — Sara respondeu, ruborizada.
— Calma, meninas — Joan interveio. — Parece que Sara também recebeu ordens.
Érica começava a sentir pena dela. Encontrava os amigos do marido pela primeira vez
e esforçava-se para transmitir uma boa impressão. Mas a lealdade ao Chip e a dele à
Marinha tinham precedência. Havia coisas que a mulher de um oficial, simplesmente, não
podia contar. A natureza da missão de Chip era, obviamente, uma delas.
— De onde você é, Sara? — perguntou, com o intuito de mudar de assunto.
— Arizona. Meu pai trabalhava para o governo e ficamos numa reserva Navajo.
— É mesmo? — Érica respondeu com verdadeiro interesse. Também sou de lá. Tenho
uma amiga na base que é de Tucson. Katie Mathews. Vocês duas devem se conhecer.
— É muito bom encontrar gente de nosso estado. — Sara estava feliz.
Antes que pudessem começar a conversar, uma criança veio engatinhando de dentro
de casa.
— Oh, não! Dei ordens a Cristie para não sair da cama — Leslie reclamou.
— Quer que eu tome conta dela? — Joan se ofereceu. — Você trabalhou muito hoje.
Um pouco hesitante, Leslie admitiu.
— Se você não se importar. Faço isso toda noite.
— Os meus já estão crescidos. Agora, esses problemas de bebê já parecem divertidos
para mim — disse, sorrindo para Sara e Érica.
— Você já esqueceu como é? — Carol brincou.
— Dentro em breve, espero ser avó. Tenho que praticar. Érica nada dissera. Não
queria gastar toda a noite discutindo sobre bebês e a razão pela qual não tinha um. Sara,
ela percebera, também não fizera nenhum esforço para contribuir com o assunto.
— Sara! — ela tentou novamente — Cris me disse que estudou com Chip na
academia. Estava muito ansioso para conhecê-la.
— Chip ficou animado com a idéia de encontrar todos os colega — Sara sorriu. — Às
vezes, ficamos numa base com vários amigos, outras não conhecemos ninguém. Há
épocas em que você fica tão pouco tempo na base que não consegue saber quem está
designado para lá, também. — Ela abriu um sorriso cauteloso. — Chip foi co-piloto de
Alan no Vietnã. Don serviu sob seu primeiro comando. Acho que já ouviu que Tom estava
junto com ele em San Diego.
Érica ouvira muito mais do que isso. Percebera a profundidade do sentimento que
aqueles homens nutriam um pelo outro. Assim como por todos aqueles com quem
compartilhava alguma missão, não importava quanto tempo atrás. Observara também a
maneira que as mulheres honravam esse compromisso dos maridos, prestando-lhes seu
apoio. De alguma maneira, tudo parecia se encaixar.
A idéia de que a vida na Marinha era racional e confortável era novidade para ela.
Entretanto, antes que pudesse investigar se essa descoberta era o resultado de suas
recentes experiências, ou de seu amor por Cristian, Joan voltou sozinha.
— Já dormiu? — Leslie duvidou.
— Não. Ia trazê-la para cá, quando fui interceptada na sala de estar por um papai
voluntário.
— Alan? Alan voluntário? Não é possível!
— Não. Acredite: Cris — Joan anunciou, parecendo confusa. Todos os olhares
convergiram para Érica, enquanto Joan
anunciava.
— Esse homem parece ter nascido para ser pai. Nunca vi nada igual.
Érica voltou-se para ver Cristian segurando o bebê. A menininha de oito ou nove
meses estava vestida com um lindo pijaminha amarelo. Ria, enquanto ele a balançava
para baixo e para cima, imitando o barulho de um avião.
— Será que há algo que você não nos contou? — Carol perguntou, com a voz cheia de
alegria maternal.
— Claro que não! — Leslie interrompeu. — Eles nem são cas. . . — parou, olhando
para Érica.
Procurando não demonstrar, ela estava surpresa porque Leslie não contara aos outros
a verdade. Na dúvida, a anfitriã preferira não revelar o que poderia ser segredo. Agora
estava meio sem graça e, honestamente, não sabia como resolver o impasse.
— A verdade é que Cris e eu estamos para concluir nossas missões nos próximos
meses. Portanto, não temos condições de pensar em bebês, no momento — Érica
respondeu, tentando evitar o mal-estar da dona da casa.
— Alguém quer sobremesa? — Leslie ofereceu, rapidamente.
— Eu! — Carol adiantou-se. — Deixe-me ajudá-la.
— Eu também! — Joan completou, novamente escolhendo ajudar, apesar do posto de
seu marido permitir que ficasse sentada.
Sara e Érica ficaram sozinhas de novo. Érica tentou pensar em algum assunto, mas,
antes que pudesse falar, a outra mulher declarou.
— Você é astronauta! — O olhar estranho dela parecia esconder inveja ou
desaprovação.
— Sou — Érica declarou orgulhosa.
— Aposto que você se sente muito bem por isso. — Sara terminou por ela.
— Muito! Não é algo de que se deva envergonhar ou pedir desculpas — falou,
cautelosa. "Apesar de muitas mulheres acharem o contrário", pensou.
— Érica! Não queria insinuar nada... Por favor, não se irrite — a jovem exclamou num
impulso. — Sou muito tímida. Em lugares novos, fico desajeitada. As pessoas pensam
que sou Iria. Mas mal começo a conhecer melhor as outras mulheres da base, Chip
recebe novas ordens e. . . — Parou quando o nome de seu marido foi pronunciado. —
Não que eu esteja reclamando. Não mudaria em nenhum momento de minha vida com
ele. Essa é a vida que ele quer. Você sabe o que significa casar com um piloto. Ele não
seria o mesmo sem a Marinha. Mas. .. às vezes...
Embaraçada, calou-se. Nunca poderia saber como essas desculpas poderiam ter
conquistado a afeição da interlocutora.
— Oh, Sara! Sei exatamente o que sente. Não tenho a menor idéia do que fazer com a
Marinha. Mas estou tentando. .. não tanto quanto deveria, mas. . . Cris é do mesmo jeito.
As vezes, gostaria que existisse alguma maneira de livrá-lo da Marinha, mas. . .
— Mas você não conseguirá tirá-lo dela — Sara declarou, peremptoriamente. — E, se
conseguisse, não seria o mesmo homem por quem se apaixonou.
Érica concordou, feliz por saber que alguém entendia o que ela sentia.
— Essa é apenas a segunda vez que vou a um encontro com pessoas da Marinha.
Não estou acostumada a me preocupar com patentes, ordens e promoções.
— Isso já consigo saber. — A outra riu. Sabia que encontrara uma amiga. — Difícil
para mim é o constante assunto de bebês.
— Sei o que quer dizer. Pensam que o mundo gravita em torno de crianças! Por que as
pessoas não conseguem entender que há mulheres que são felizes sem elas? Talvez até
mais felizes! Tenho tanto o que fazer.. . — Parou, desejando engolir as palavras.
Enquanto lia nos olhos da amiga que entendera errado seus comentários. — Há quanto
tempo estão casados? — perguntou então em voz baixa.
— Três anos.
Érica estava quase colocando seus conhecimentos médicos em prática, para
aconselhá-la sobre infertilidade, quando Cristian entrou na sala. Ele carregava o bebê,
que dormia calmamente.
— Será que você poderia me ajudar um pouco, amor? — ele perguntou, depositando o
nenê em seus braços. — Há uma deliciosa torta de morango e limão à minha espera.
Acho que mereço a recompensa. Fazer uma criança dormir é a tarefa mais difícil, não?
Dou-lhe a parte mais fácil.
Enquanto segurava aquele pedacinho de gente, Érica sentiu um velho sonho sussurrar-
lhe no coração. Ouviu Sara suspirar quando Cristian saiu da varanda, mas não ousou
olhar para ela, nem para o bebê.
Cristian estava enganado. Segurar um ser tão pequenininho, cheio de lacinhos e
pompons, não era tarefa fácil.

CAPÍTULO X

— Você está exausta, Érica! — Roger comentou certo dia. — Para falar a verdade,
acho que está pior que eu!
Era verdade. Cansada, ela gastava os dias no simulador de gravidade zero e as noites
na eterna disputa entre Cristian e os estudos. A paciência notável dele e sua dedicação
enorme aumentavam o sentimento de culpa que sentia. A vontade de ficar com ele
conflitava com as exigências da missão.
Embora afastado, Roger ainda queria fazer parte do projeto, mas considerava-se
diminuído por receber apenas o cargo de "controlador" da missão, ou seja, como
consultor cirúrgico de Érica. Todos sabiam que era apenas honraria: quando a nave
decotasse, ela não precisaria de mais ninguém.
— Sei que pensam que tenho alguma lesão no cérebro — ele falou, enquanto andava
até a janela do quarto do hospital para ver a rua. — Mas estão enganados.
Havia várias semanas, ele já conseguia se vestir sozinho e andar pelo quarto, mas os
exames, vários e complicados, ainda o mantinham no hospital. A frustração começava a
alterar-lhe o humor.
— No começo, por causa dos remédios, não tinha certeza. Mas, agora, sei que estou
bem. Ainda entendo mais da missão que você, Érica. Será que isso não significa nada?
— Claro que sim. Não é a mim que deve convencer. Sabe que sempre fui sua fã
número um. — Ela levantou os braços e bufou. — Roger! Roger!
— Obrigado, Érica — disse ele com um de seus sorrisos que derreteriam o coração de
qualquer mulher. — É bom saber que você e Cris estão comigo. Sabe que ele não deixou
de vir me ver em nenhum dia? Com tudo o que tem suportado, sempre consegue um jeito
de aparecer por aqui.
— O que quer dizer com isso? — ela perguntou. — Ele está designado para a missão
que é o sonho de sua vida, temos vivido bem juntos, o que mais poderia querer?
— Sinceramente, você acha que Cris é feliz? — Roger estava sério. — Que não há
nada com que se preocupar?
Érica fechou o livro de notas e olhou o amigo. Não sabia se ele brincava ou falava
sério, tentando dizer-lhe algo que ela precisava saber.
— Estamos juntos há seis semanas, Roger. Sem a menor discussão, desde que ele se
mudou. Todas as brigas que tivemos antes parecem ter sumido. Estamos no paraíso, se
me permite o lugar-comum.
Roger não respondeu a tanto otimismo. Seu olhar parecia ainda mais sério.
— O que. . . está tentando dizer? — ela perguntou.
— Não quero destruir seu sonho. Aviso desde já que Cris nunca reclamou da vida com
você. Mas. . . conheço aquele homem. Está ferido. Não vai falar nada sobre a missão
dele, nem sobre a sua. A tristeza em seu olhar não combina com o quadro harmonioso
que você tenta pintar.
Fez uma pausa para que ela refletisse.
— Érica, já fui casado. Devo meu divórcio a esse maldito projeto. A única maneira de
duas pessoas viverem juntas todo o tempo sem brigas é um dos dois suportar tudo para
assegurar a paz e a alegria. Por acaso, você sente algum peso nas costas? — perguntou,
olhando firmemente em seus olhos.
— Estou preocupado com Roger — Cristian comentou, horas depois.
Ele passara mais tempo que o normal no hospital e não contara muito do que
conversaram. Permanecera calado desde que chegara em casa.
— A cada dia, parece mais deprimido — continuou. — Temos que fazer alguma coisa.
Érica aproximou-se, desejando ter a solução. Cristian estava preocupado com Roger,
que se preocupava com ele. E ela não estava certa de estar ajudando a qualquer um dos
dois.
— Um especialista em chimpanzés de Nova York vem no
final de julho conversar comigo. Roger poderia encontrá-lo em meu lugar.
— Um pensamento nobre. Mas acho que ele perceberia imediatamente a manobra.
Pensava em. . . sei que você está sobrecarregada, mas. . . haveria possibilidade de
fazermos uma festa de boas-vindas para ele? Receberá alta dentro em breve — ele
completou antes que ela pudesse replicar. — Apenas um grupo... poucos amigos
íntimos... pessoas que gostem dele.
A primeira reação dela foi calar-se. Não conseguiria conciliar mais uma noite sem
estudos com a festa de Roger. Principalmente, sabendo que a Marinha tinha protocolos a
serem seguidos. Ao lado desse problema, havia o desejo de ver os dois felizes.
— É uma boa idéia. Mas não sei se Roger vai ter condições. .Quando um paciente sai
do hospital, normalmente está muito cansado e...
— Érica, ele está deprimido! Atualmente, é seu maior problema. Seu mundo acaba de
ruir. Precisamos mostrar que esta missão não é o começo nem o fim da vida de ninguém.
O amor das pessoas que gostamos é muito mais importante.
Aquele discurso poderia ter sido feito para ela tanto quanto para Roger, mas ela não
fez nenhum comentário. Cristian a observava com cuidado.
— Farei todo o trabalho — ela disse. — Vou mandar fazer um bolo, encomendar
salgadinhos, manteremos tudo informal. Você só precisará sorrir e dar um grande abraço
no nosso amigo.
Érica cedeu. Afinal, como poderia apenas uma noite com amigos deixá-la mais
cansada do que já estava?
— Tudo bem. Você cuida também dos convites?
— Sim, madame. Prometo que não deixarei isso tudo tornar-se um peso para você —
sorriu, feliz com a capitulação dela. — Falando em convites, você já respondeu para
minha mãe?
"Não de novo. Por que será que esqueço tudo que é importante para ele?", Érica
pensou, fechando os olhos antes de criar coragem para responder.
— Sinto muito, Cris. Ainda não tive tempo.
— Querida! Já faz três semanas que ela escreveu! Claro que já decidi tudo por
telefone. Pensei que tivesse ficado claro que meus pais estão acostumados com
expressões de cortesia mais formais. Queria que você deixasse boa impressão... —
explicou, entre surpreso e ligeiramente irritado.
— Não pretendia embaraçá-lo com a festa de seu pai.
— Não é festa — ele atalhou, soltando-lhe o braço. — É uma cerimônia formal a bordo.
Uniforme de gala. O almirante-de-esquadra estará lá e todas as pessoas importantes.
— Sei disso, já me contou tudo, simplesmente é mais fácil chamar de festa do que
utilizar a terminologia da Marinha.
— Acho que uma mulher com a sua educação consegue guardar a simples frase
"mudança de comando" — ele falou, olhando de esguelha para a pilha de relatórios em
cima da escrivaninha.
— Talvez você devesse me dar uma lista de frases para estudar — ela retrucou
irritada. Mas, ao ver os olhos claros dele escurecerem de mágoa, se arrependeu. Cristian
não merecia aquilo. Sentia-se exausta e insegura com as expectativas que os pais dele
depositavam naquele fim de semana. Nada deveria ser motivo para descarregar a
ansiedade nele. — Sinto muito. . . — colocou a mão sobre o peito dele. — Acho que estou
com medo da fes. . . cerimônia de mudança de comando de seu pai.
— Pensei que você já se sentisse mais à vontade com a vida social da Marinha nestes
últimos dias — ele disse, aproximando-se.
— E estou — Érica concordou. — Quase consegui relaxar na festa de Alan e gostei de
Sara. Já disse isso. Mas a cerimônia de seu pai parece tão formal, tão terrivelmente
importante. .. Como um casamento, acho, ou. . .
— É esse o problema — ele a interrompeu e levantou-se, deixando-a só no sofá. —
Você evita conhecer meus pais. Sente-se pressionada.
Érica não tinha a menor dúvida de que a viagem a Washington era a oportunidade de
inspeção final sobre a escolha dela como noiva, papel que ela não estava disposta a
assumir. Naquele momento, só estava em condições de assumir o de especialista
designada pela NASA para a missão espacial com o ônibus especial Odyssey. Nenhum
outro.
— Devo estar nervosa. É isso. — Procurou a mão dele, que estava apoiada no sofá. —
Tenho certeza de que tudo dará certo.
— Você. . . vai escrever logo, não?
— Amanhã, eu prometo.
Vários dias se passaram até que Érica se lembrasse novamente da carta. Mas era a
noite da festa de Roger e havia muito a ser feito, antes da chegada dos convidados.
O dia fora uma loucura. De manhã, gravara uma entrevista para a televisão e, à tarde,
praticara cirurgia no simulador de gravidade zero. Nada parecia dar certo.
Às cinco horas, quando chegou em casa, estava exausta. Queria dormir, tomar banho
e ter a possibilidade de conversar com Roger sobre os problemas da missão. Com
alguma sorte, poderia prendê-lo por instantes durante a festa.
Cristian entrou animado, minutos depois. Trazia consigo um lindo bolo de sorvete,
enfeitado com o nome de Roger em chocolate.
— Você já está pronta? — perguntou distraidamente.
— Estou pronta para morrer — Érica olhou-o das profundezas de sua fadiga. — Meu
maior desejo, agora, era dormir.
No início do relacionamento deles, Cristian adoraria a idéia de juntar-se a ela para
animá-la por baixo dos lençóis. Naquela noite, entretanto, apenas terminou a decoração
em silêncio, enquanto ela procurava descansar um pouco no sofá.
A festa não era apenas uma homenagem a Roger, significava a oportunidade de
abrirem a casa aos amigos da Marinha. Ele sempre quisera retribuir a Alan e Leslie o
convite do jantar e também receber os amigos do clube dos oficiais. Até mesmo Jeb fora
convidado, mesmo com a crescente animosidade entre eles.
— Preciso ir ao supermercado — ela falou, minutos antes da hora em que planejara
entrar no banho. — Esqueci de comprar creme de leite.
— Deixe que eu compro — Cristian se ofereceu. — Não há necessidade de correr.
— Não consigo me lembrar do tipo que a receita recomenda. Preciso ir para ver a
embalagem. Não demorarei nada.
— Pelo menos, deixe-me levá-la. Você parece tão cansada! Érica nem discutiu. Não
conseguia lembrar-se de algum dia
em que se sentira tão exausta. O papel de anfitriã numa festa que nunca desejara
oferecer parecia demais. Estava ressentida e não conseguia esconder esse fato.
— Quer que eu vá com você? — ele perguntou.
— Não. Apenas deixe eu acabar logo com isso.
— Disse que não precisávamos fazer a festa. Explicitamente. ..
— Deixou bem claro que diversões são parte da vida de um oficial da Marinha. Sabia
que a última coisa de que precisava até o fim da missão era essa festa.
— Roger não pode esperar. Precisa de apoio agora. Se precisasse de uma operação,
você não pediria para esperar até que estivesse mais bem-disposta. O que faz você
pensar que os sentimentos dele são menos importantes?
Cristian estava certo.
— Quero fazer o melhor possível por Roger. . . E por você. Mas sinto-me ameaçada.
Não precisava da pressão dessa festa. Nem mesmo com pessoas que não exijam
qualquer prova de mim. Ainda mais com estranhos com asas e âncoras nos corações.
Cristian manobrou calado no estacionamento do supermercado.
— Sinto muito, Cris. Não sei o que estou dizendo. Estou cansada. — Ela sentia-se
culpada por agredir um homem tão bom e condescendente.
— Vá comprar esse maldito creme e vamos voltar logo para acabar rápido com essa
festa. Assim você descansa.
Ela saiu do carro emburrada. Cristian batia irritado as mãos no volante e esperava.
Podia ser que a festa fosse muito cansativa para ela, mas havia outras pessoas
envolvidas.
Ele, principalmente, precisava divertir-se, relaxar com os amigos, saber que a casa não
era só dela, mas deles. Queria provar que era livre para fazer o que quisesse lá.
Quanto a Roger, era fundamental que ele soubesse que os amigos acreditavam nele e
o amavam.
Perdido nesses pensamentos, ele se sobressaltou ouvindo o apito de uma sirene. Era
uma ambulância, que estacionava na frente do supermercado. Ao vê-la, saiu correndo,
procurando desesperado por Érica.
"Ela me disse que estava à beira de um colapso. Não devia ter inventado mais trabalho
para ela", pensou.
Encontrou-a perto do caixa, de joelhos, de costas para ele. Os dois homens de branco
correram instantaneamente para ela, dificultando a aproximação dele. Um grito morreu
em seus lábios ao perceber que não era ela quem estava com problemas.
Érica mantinha as mãos sobre o peito de um homem velho e gordo.
Os enfermeiros o levantaram, sem afastar as mãos dela de cima. Ela gritava ordens
que Cristian não conseguia entender. Seus olhos passearam de relance sobre os dele,
mas, se ela reconhecera o homem a quem prometera amor, não demonstrou.
— Afinal, onde está a estrela da missão do ônibus espacial? — Roger perguntou,
chegando uma hora atrasado. Seus olhos contemplavam um lindo ramalhete de flores, os
balões e serpentinas que adornavam a casa de Érica. — Não estou acostumado a vê-lo
de avental, Cris.
— Nem eu — murmurou o outro, esforçando-se para se manter calmo. — Acho que
Érica teve que brincar de médica esta noite.
— O que isso quer dizer? Será que o hospital está com a equipe desfalcada?
— Não. É que estávamos no supermercado procurando creme de leite e ela terminou
numa ambulância ao lado de uma vítima de ataque cardíaco. Não tenho a menor idéia de
quando voltará para casa. — Ele não conseguia esconder a frustração.
— Não é o fim do mundo — Roger afirmou. — A festa, afinal de contas, é para mim. E
eu entendo. Você não?
— Entender é uma coisa, mas ficar contente com isso é outra, muito diferente.
— Não acha que ela deveria tê-lo deixado morrer, acha?
— Claro que não! Mas será que não poderia deixar outra pessoa continuar cuidando
dele no hospital?
— É muito difícil para uma profissional do calibre dela — disse Roger. — Quando a
vida de outra pessoa está em nossas mãos, não podemos entregá-la a outra pessoa
como. .. um monte de louças sujas. — Parou por um momento e continuou: — Puxa vida!
Cris! Poderia ser seu pai! Poderia ter sido eu!
— Sei disso. Ela é médica! Tem que fazer o que os médicos fazem! Mas que droga! A
verdade é que eu estaria muito mais feliz se vivesse com uma cozinheira mediana ao
invés de uma supercirurgiã. Fama e fadiga não são coisas que, particularmente, eu
aprecie em uma mulher.
— Então, você, provavelmente, não aprecia muito a mulher que tem. Essas duas
palavras descrevem-na muito bem.
— Tomara que seja uma condição apenas temporária. Continuo tentando me
convencer. . .
— Tente dizer para você mesmo a verdade. Érica nunca vai se tornar a doce e humilde
esposa de seus sonhos. Francamente, não acho que precise ser. Mas a questão é outra.
— Qual é, exatamente?
— Érica sempre será uma mulher talentosa, bem-sucedida e ambiciosa. Pode, de
tempos em tempos, obscurecer-lhe o brilho, mas jamais apagá-lo. Mesmo que ela se
case, tenha filhos e nunca "mais trabalhe fora de casa, o que seria uma tragédia para a
medicina, achará uma maneira de fazer qualquer coisa incrivelmente bem. Se ela for
dirigir a Liga das Senhoras Católicas de Houston, será a melhor liga que a cidade já teve.
Se entrasse para o clube de jardinagem, seria o melhor clube. . .
— Está bem, ela é maravilhosa. Mas não está aqui! — Cristian interrompeu-o,
batendo o punho sobre a mesa. — Nunca está! Não, realmente. Apenas cai no sono,
veste-se e estuda sempre que não está na NASA ou no hospital. Pensei que, se me
subordinasse a tudo isso, ela me veria melhor. Mas tudo o que consegui foi tornar mais
fácil para ela me ignorar. Uma noite, saí de casa por uma hora e ela nem percebeu. Não
estou certo se agüentarei muito mais. — Calou-se.
— Não estou muito certo se ela vai agüentar. Está à beira de um colapso. Tem muita
pressão sobre si. .. — Roger interveio, sentando-se.
— Pressão? Roger, estou suportando tudo para tornar a Vida dela mais agradável!
— Ela sabe disso. Você acha que ela não está preocupada porque o tem
negligenciado?
— Não! Acho que está certa de que estou ao lado dela. Roger ficou quieto por um
longo tempo, antes de voltar a falar.
— Você sempre a amou. Apenas espere até o fim da missão. Talvez, então, veja com
mais clareza o. que ela pode oferecer.
Cristian não respondeu e ele continuou.
— Um sorriso dela vale mais do que a risada de dúzias de mulheres. Você não percebe
isso? Tenho certeza de que muitos outros homens já o notaram.
— Inclusive você?
Roger deixou aquelas palavras silenciarem e olhou para o amigo, muito sério.
— Tento perdoar meus amigos, sob certas circunstâncias.
— Sinto muito.
— Ainda bem! — Roger retorquiu sem misericórdia. Cristian sorriu feliz porque a
amizade deles conseguia sobreviver a essas rusgas.
— Ela fala de você o tempo todo. Passa mais tempo com você do que comigo. Sinto-
me um figurante de musical, esperando que a estrela me dirija um sorriso de vez em
quando, mais nada. Tenho ciúme de todo mundo. Até daquele estúpido chimpanzé! A
última vez que ela foi vê-lo, ficou mais de meia hora contando o que ele fizera. Acho que
nunca pensou em mim por mais de quinze minutos, exceto. . . — Interrompeu-se porque
ia dizer: "exceto quando quer ir para a cama". Mesmo irado, não conseguiria desonrar a
mulher que tanto adorava.
Quando a campainha tocou novamente, Roger foi atender, sutilmente preenchendo o
lugar que faltava. Metade dos convidados era da Marinha e o resto do hospital. Todos
pareceram entender muito bem a ausência inesperada da anfitriã.
A festa transcorreu normalmente. Depois de Roger ter recebido muitos brindes e
manifestações de carinho, Jeb perguntou a Cristian se o grupo poderia ligar a televisão
para assistir à entrevista que Érica gravara pela manhã. Todos pareceram muito excitados
com o noticiário, menos Cristian. ..
Ficou parado na porta da cozinha, assistindo a sua mulher na tela da televisão.
Começou a se perguntar o que fazia naquela casa. Era o anfitrião, mas sentia-se um
convidado, um intruso.
Durante a entrevista, ela tentou repetidamente congratular Roger como parte vital da
missão, embora o repórter não parecesse muito interessado nos colegas. Estava
determinado a torná-la uma celebridade.
— É, sem dúvida, uma equipe muito estranha essa nossa, não? — Roger falou
devagarzinho, enquanto Cristian saía da sala. — Três homens, uma mulher, um
chimpanzé e um tolo — disse, batendo no próprio peito, ao mencionar a última palavra.
Todos riram da brincadeira, menos Cristian. Doía-lhe ver Roger esperando do lado de
fora, enquanto Érica — ausente — era o centro das atenções. Aquilo fora demais para
uma festa de boas-vindas. ..

CAPITULO XI

Érica chegou em casa às quatro da madrugada. As luzes da porta da frente e do hall


estavam acesas. Não havia sinal de festa, nem de decoração. A porta do quarto estava
fechada.
Atordoada, atravessou a sala e pegou a caixa de tricô. Sentou-se e começou a fazer
um dos pés do sapatinho que começara, para o filho de Katie.
Menos de cinco minutos depois, pressentiu a raiva de Cristian por detrás dela. A porta
do quarto se abrira e ele atravessara a sala.
— O que você pensa que está fazendo? Tricotando? Está louca? Não sabe que deve
trabalhar daqui a três horas?
Érica poderia ter argumentado que trabalhos manuais acalmavam e que ela precisava
de ajuda para poder conseguir dormir. Poderia explicar que já passara a fase de tensão,
cansaço ou qualquer outro pensamento racional. Poderia ter contado que as últimas
horas haviam sido as piores de sua vida. Mas calou-se.
— Como foi a festa? — ela perguntou, após um longo silêncio.
— Festa? Ah! Foi incrível. .. Jeb andava pela casa com ar de quem já conhecia o
enredo e o grande aplauso que planejei para Roger foi um solitário bater de palmas.
Mas...— Abruptamente, ele parou. Olhou para o rosto dela, frio e sem expressão, e com
uma voz em que já não havia mais vestígios de ira, apenas ternura, perguntou:
— Kika, o que aconteceu?
— Eu o perdi. Ele morreu à uma hora. — Lentamente, ela levantou os olhos, sabendo
que ainda era amada.
Cristian se ajoelhou a seu lado e acariciou-lhe o rosto.
— Sinto muito, querida. — A ira desaparecera. — Sei que você fez o melhor possível.
— Não! Não fiz! — disse, a histeria começando a tomar conta dela. — Qualquer
estudante poderia ter feito melhor. Não conseguia me concentrar. Pensava em você. . . na
festa, em Roger. . . Às vezes, simplesmente não conseguia pensar em nada! — Começou
a soluçar convulsivamente. — Estou tão confusa! Sinto como se estivesse me
despedaçando. Eu... Eu... O resto da frase foi abafado nos braços de Cristian, que
sussurrou-lhe palavras de conforto, enquanto ela derramava toda sua angústia.
— Não faço nada certo, ultimamente. Estou sempre dividida: metade na NASA, a outra
no hospital. E não lhe dou o que merece. Amo você, Cris. Não sei o que faria se não
estivesse comigo. Estou tão triste pela noite de hoje. Perdoe-me.
Apertando-a junto de si, Cristian não falou nada. Não adiantava. O que ela pais
precisava era de um grande abraço. Érica chorou até não ter mais lágrimas ou palavras e,
finalmente, adormeceu.
— Está tudo bem, Kika — Cristian sussurrou. — Prometo tomar conta de você. É uma
promessa.
Levou-a para a cama. Uma hora depois, ainda estava acordado e continuava
abrigando Érica nos braços fortes e aconchegantes.
Quando Érica acordou, era quase noite. Cristian lhe tirara a roupa e vestira um robe
amarelo, de seda. Vagamente, ela percebeu que perdera o dia de trabalho, mas estava
certa de que Jeb recebera alguma desculpa convincente. Infelizmente, ainda deveria fazer
plantão. Andou até a cozinha, onde encontrou seu companheiro preparando o jantar.
— Olá! — cumprimentou, ainda um pouco tonta de tanto dormir. — Sinto, muito ter. . .
desabado.
— Não seja tola. Você me ajudou a rever valores e preconceitos. Passei o dia todo
pensando em uma solução para seu problema.
— Também não foi trabalhar, não é? — perguntou.
— Não, senhora. — Ele estava sério. — Não sabia se precisaria de mim ou não.
Érica afundou a cabeça nos ombros dele, lembrando-se de que na noite anterior ele
dissera que os sentimentos de Roger eram tão vitais quanto as condições médicas.
— Eu. . . não mereço alguém como você — confessou.
— Talvez tenha razão. Mas, por sorte, não conseguirá escapar de mim. Quer saber
como resolvi seus problemas?
— Está bem.
— Na verdade, considerei várias alternativas — ele disse, e sentou-se na cadeira mais
próxima, colocando-a no colo. — A primeira, seria você abandonar a missão
imediatamente, mas não aceitaria.
Ela concordou com um gesto de cabeça.
— A segunda seria deixar você continuar exatamente como está, até que morresse de
estafa. Esta, eu não aceitaria. Então, alguma coisa deverá ser feita. A começar por sexta-
feira no hospital.
— Não. Antes de ser astronauta, sou médica. . .
— Errado. Você é astronauta em primeiro lugar. Se quer continuar na missão, é uma
decisão importante que você tem de tomar. Pensei que os acontecimentos da noite
passada tivessem deixado alguma lição. Esse tempo extra, gasto no hospital, não está
ajudando nada. Nem a seus pacientes, nem ao trabalho na NASA. Não vai esquecer
como se opera uma apendicite em dois meses. O maior risco é errar a operação no
macaco por cansaço e não por falta de experiência.
— Talvez esteja certo. Mas a cirurgia não é o que toma mais tempo. — Detestava ter
que concordar com ele, mas era sensato.
— Não. Sou eu. — As palavras foram tão facilmente pronunciadas que Érica espantou-
se. — É por isso que resolvi voltar para a base.
— Não! Preciso de você a meu lado. Você. .. é minha vida, Cris. . . — As frases se
atropelavam.
Ele tentava acalmá-la com beijos.
— Por favor, não desista de mim. Espere até o fim da missão. — Ela o abraçava cada
vez mais apertado.
— Querida, ouça bem. Não estou desistindo de você. Nós nos encontraremos sempre
que tiver tempo para mim. Além disso, vou arranjar uma faxineira para você não ter
preocupações com a casa. Poderá trabalhar o tempo todo que precisar, parando apenas
para comer e dormir. É a única maneira para conseguir sobreviver a tudo isso.
— Não quero viver sem você. Não me deixe. Frustrado, ele apertou-a contra o peito.
— Kika, estou tentando fazer o que é melhor para você. É difícil para mim sacrificar o
pouco tempo que passamos juntos. Não torne isso impossível.
— Mas é impossível. Se fôssemos casados, você não iria mudar de casa toda vez que
eu tivesse uma semana dura.
Não houve resposta.
— E. . . se.. . começasse a ter mais tempo com seus amigos? — ela continuou. —
Preciso ter certeza de que está tudo bem entre nós.- Só assim consigo ir em frente.
Em silêncio, ele pesava todos os argumentos. Parecia que Érica o queria perto apenas
para não precisar se preocupar com mais nada, além da missão. Ela insistiu:
— Sei que as coisas não aconteceram como pretendíamos. Fizemos um pacto, um
compromisso. Seríamos.. . — ia dizer "uma família", mas se deteve — . . .um casal.
Unidos. Agora, só porque estou em péssima fase com meu trabalho, isso não muda nada.
Pelo menos, não afeta o amor que tenho por você.
Com o olhar distante, ele não a via.
— Por favor, não volte para a base. Não importa quais sejam os motivos, sentiria como
se estivesse me abandonando. Nada seria como antes.
Érica implorava. Nada no relacionamento deles mudara ou transcorrera da maneira
como Cristian pretendia. Se não ocorresse uma alteração, agora, não haveria grandes
esperanças para eles no futuro.
Cristian estava quieto, e aquele silêncio fazia crescer a angústia no coração dela.
— Tudo bem, amor — ele suspirou, derrotado. — Fico aqui por mais um tempo. Vamos
ver como as coisas se encaminharão. Farei o possível para não exigir nada do seu
precioso tempo. Exceto. . . — ele hesitou, mas Érica o apressou.
— O quê? Diga!
— Será que conseguiria arranjar um dia para ir a Washington comigo? Poderíamos ir
apenas para a cerimônia e voltar em menos de quatro horas. Assim, você não perderia
todo o fim de semana. — O olhar era honesto. — Kika, odeio pedir isso, mas minha
família está contando com você. e acho que ficaria desapontada se não fosse. * “*
Era óbvio que ele também ficaria desapontado. Érica o decepcionara muitas vezes e
recebera perdão por tudo: a falta de tempo. . . o cansaço. . . Cristian falava nessa viagem
desde o primeiro dia na praia. Não havia nenhuma possibilidade de recusar.
— Claro, Ainda está combinado. Não importa o que aconteça. Encontrarei tempo para
ir com você. — "E tempo para escrever a sua mãe antes que me pergunte novamente",
ela completou para si mesma. (
Ele sorriu, depois a beijou gentilmente.
— Eu te amo. Farei o que puder para você poder passar bem esses dois meses que
faltam.
Essas palavras tocaram-na profundamente.
— A começar por agora? — ela perguntou, sentindo desejo por ele.
— Desde já.
Ela abriu o robe apenas o suficiente para que despontassem seus lindos seios diante
dele.
— Acho que preciso relaxar.
— E. . . o que a doutora prescreve?
Devagar, os dedos ágeis dele passeavam pelos dois montes que convidavam a mil
delícias. Érica segurou-o pelos cabelos e dirigiu-lhe a boca para um dos mamilos.
Previam o que se seguiria e ofegavam. Com a língua, Cristian acariciava os círculos
rosados, descrevendo desenhos eróticos que intensificavam cada vez mais o prazer.
Instintivamente, Érica, que estava no colo dele, colocou suas pernas ao redor da
cintura dele, sentindo o membro viril crescer de volume. Ele a puxou ainda mais para
perto e abriu o robe, para acariciar-lhe as nádegas perfeitas.
— A doutora acha que precisa de mais tempo na cama.. . Será que deveríamos
recolher outras opiniões? — ela disse, suspirando.
De pé, segurando-a com intimidade cada vez maior, ele deixou o robe cair, beijou-a e
acariciou-a com delicadeza.
— O piloto concorda com a opinião — ele murmurou bem perto do ouvido dela. — Será
que conseguimos unanimidade?
Sem esperar resposta Cristian caminhou para o quarto carregando-a no colo.
Na manhã seguinte, Érica acordou como se tivesse visto o melhor filme erótico de sua
vida.
Alguns dias de repouso deram a Érica esperanças de melhora. Cristian pouco ficara
em casa durante o fim de semana e ela conseguiu dormir e ler muito.
Na segunda-feira, quando foi trabalhar, era outra mulher. Devia ter desistido do hospital
quando recebera a convocação.
— Érica? — Jéb cumprimentou-a preocupado. — Você se sente melhor?
— Muito. Sinto ter perdido um dia, fiquei aquela noite inteira no hospital e não acho que
teria sido de alguma utilidade aqui. — Ela estava com medo de uma possível reprovação.
— Érica... — Sei que está trabalhando duro para cumprir o cronograma. Gostaria de
dizer para acalmar-se, mas tudo o que posso falar.é que está fazendo um bom trabalho e
acho que será recompensada no final.
— Nisso, estamos de acordo. Sorriram.
— Sei que. .. não tenho parecido muito grato. . . por seus esforços. Acho mesmo que
você deve pensar que não tenho sido justo. Mas nunca trabalhei profissionalmente com
uma astronauta. Há momentos em que não sei.. . como tratá-la. Se fosse apenas a
mulher de Cris, ou só membro da minha equipe, acho que seria mais fácil para mim. Mas,
muitas vezes, fico dividido entre o que é melhor para meu melhor amigo e para a missão.
Pode entender isso?
Érica apenas desejava que ele tivesse dito isso no primeiro dia, ao invés de ter sido tão
seco.
— Acredito e entendo. Porém não me agrada, mas... sei que as decisões são sempre
para o bem da missão. Haverá um dia em que talvez precise agradecê-lo por isso. Uma
vez, Cris disse que ficaria muito preocupado comigo se não fosse você o comandante.
— Ele disse? — Jeb estava lisonjeado e surpreso com o comentário.
— Sim. E, se bem me lembro, ele estava muito aborrecido com você. Acho que isso
torna a opinião ainda mais justa.
— Nós todos conseguiremos escapar disso — Jeb sorriu novamente. — Ficaremos
muito orgulhosos do que conseguirmos. Até Cris.
O desejo dela era completar que ele merecia parte do crédito, mas se calou.
— Vamos nos encontrar lá embaixo? Hoje é o grande dia, brincaremos com aquele
macaco em gravidade zero.
Érica quase esquecera de Quinto. Após todo o tempo gasto. no simulador, iriam
colocá-lo a bordo, pela primeira vez. Apenas para terem uma noção de como seria.
A equipe parecia mais alegre e receptiva do que o normal, para não dizer tola. Mark
imitava Quinto e até mesmo Paul parecia brincalhão.
O chimpanzé, mesmo sob sedativos, saudou com um alegre e festivo abraço sua
médica. Mark tentou fazer igual.
— Lembrem-se, a NASA só permite a presença de um macaco em cada missão —
Érica brincou.
— Então é melhor que seja eu. — Foi a resposta. — Sempre tive tendências simiescas.
Além do mais, Quinto não sabe pilotar — Mark caçoou.
— Talvez ele se saísse melhor que você — Jeb o provocou. Os dois homens
começaram a brincar de luta. Desta vez,
Paul Stevenson riu e falou para Érica:
— Resolveram colocar as luvas. Acho melhor sairmos de perto. — Já estavam
acostumados às brincadeiras dos pilotos.
— Muito bem, rapazes! — disse Seth, o treinador de vôo, gritando ao entrar na sala. —
Teremos que ligar esse menino aos aparelhos muito bem ligadinho. Façamos tudo com
calma, para ver como nos saímos.
Demorou mais tempo do que imaginavam. Ao final, Quinto estava conectado de todas
as maneiras possíveis aos aparelhos. Cada ligação de seu corpo monitorava um sinal
vital, que fornecia valiosos dados à análise. O pobre macaquinho parecia uma criatura
miserável. Érica sabia que deveria encará-lo como um animal de laboratório mas, desde
que soube do carinho com que Roger o tratava, sentia-se inclinada a cuidar dele da
mesma maneira.
— Érica, acho que o efeito dos calmantes está acabando — Mark falou, depois de uma
hora no simulador.
— Claro, Mark — ela respondeu, certa de que era brincadeira.
A duração do sedativo era um dos aspectos mais importantes do teste e uma das
muitas coisas que precisariam ser determinadas precisamente. Em excesso, poderia até
matar Quinto; a menos, iria deixá-los com um macaco, acordado numa atmosfera de
gravidade zero, desgovernado. Felizmente, Quinto era bastante calmo para um macaco
de seu porte. Muitos chimpanzés adultos, do tamanho de um homem pequeno, podiam
tornar-se ferozes e perigosos quando provocados.
De repente, Quinto levantou-se e começou a desconectar todos os plugues que o
ligavam à aparelhagem, com uma expressão selvagem de triunfo. Vagando pelo
simulador, ele gritava e dava voltas, até que, subitamente, aninhou-se nos braços de
Érica e abraçou-a como uma criança carente de afeto.
A essa altura, toda a equipe sorria e até mesmo Seth foi forçado a rir.
— Eu também! — Mark balbuciou, imitando Quinto, enquanto tentava puxá-lo do colo
dela. — Preciso de um abraço, um beijo, ou...
— Um psiquiatra! — Jéb terminou por ele.
Érica, diligentemente, carregou o paciente para cuidar das escoriações que sofrera
com aquela correria.
— Não posso permitir tamanha bagunça na minha sala de operações — falou,
zombeteira. — A responsabilidade é sua, Dr. Stevenson. Que tipo de anestesista é o
senhor?
O chimpanzé colocou os longos braços peludos ao redor de Paul, que o ameaçava,
dizendo que o colocaria em sono eterno. O resto da equipe saiu da cabina e desistiram de
trabalhar mais aquele dia.
Com o apoio de Cristian, a pressão diminuiu por várias semanas. Miraculosamente,
uma empregada aparecera. As louças estavam sempre lavadas, a casa limpa e o jantar
preparado todas as noites. Cristian chegava a tempo de comer com ela, mimá-la um
pouco, fazer algumas brincadeiras e, depois, desaparecia por várias horas, enquanto ela
estudava; mas sempre voltava a tempo de dar boa-noite. Aos sábados e domingos,
visitava Roger.
A ternura em casa crescia dia a dia. Até que um dia, no final de julho, Cristian chegou
em casa com um envelope na mão.
— Peguei as passagens, querida — ele a cumprimentou, jogando-se no sofá para
beijá-la mais confortavelmente. — Acho que vou ser obrigado a voar com Alan, para
cuidar de alguns assuntos da NASA, por isso você vai ter que ir por sua conta, mas
prometo que eu vou encontrá-la no aeroporto. Será que há alguma coisa que precisa
saber até lá? Vou amanhã de manhã.
Érica levantou a cabeça do livro e fitou-o vagamente.
— Neste momento, agradeceria poder passar umas férias com você em qualquer lugar,
Cris. Mas será que poderia dar-me uma dica sobre o que estamos falando?
— Washington, meu amor — lembrou-a, paciente. — Sexta-feira é a mudança de
comando.
A expressão demonstrava que ela deveria dizer: "Ah! A cerimônia de mudança de
comando!" Mas aquele era o dia em que marcara com o veterinário do zoológico de Nova
York. Esquecera a solenidade.
— A que horas?
— Que importância tem isso? Oito ou nove da manhã, imagino. Mas meus pais a
esperam na quinta; e a mim, quando eu conseguir resolver os problemas no Pentágono.
Quando você disse à minha mãe que iríamos? Quando respondeu à carta?
Um simples olhar para o rosto dela foi o suficiente para revelar tudo.
— Você não escreveu! — Cristian estava com raiva. — Érica, sei que o momento é
difícil, mas não posso acreditar que deixou escapar esse detalhe tão importante para mim.
Nas circunstâncias atuais, é muito mais do que impensável. É rude. Minha mãe.. . — Ele
parou. Os olhos desaprovadores, tornaram-se incrédulos. — Você. .. ainda planeja ir
comigo, não?
— Tenho um encontro inadiável na sexta-feira. Não terei tempo.
— Que diabo de compromisso é esse? Será que você está morrendo e não me falou
nada?
— É sobre a missão.
— Claro! A missão! Ela bloqueia o acesso a seu coração como uma cerca de arame
farpado. Já corri muito tempo ao lado dela, procurando uma brecha. Desde que você
invadiu minha vida, estou sempre sendo deixado para trás.
— Cris. . . — Ela o fitava envergonhada. — Eu amo você. Estou fazendo o possível
para não sacrificá-lo mais. . .
— Sacrificar. Essa é uma boa palavra. Quando carregamos três coisas na mesma mão,
uma sempre acaba no chão. Parece que fui eu. Tenho as feridas para provar.
— Cris, sei que tem feito muito por mim nestas últimas semanas e estou infinitamente
grata. — Érica lutava contra o desespero que começava a se apossar dela.
— E o que você tem feito por mim? Algum dia, pelo menos uma vez, notou que eu
também estou me preparando para uma missão; que para cada problema seu, na sua, eu
tenho pelo menos dez outros? Alguma vez fez esforços para acomodar seus planos, até
mesmo os futuros, com a minha vida na Marinha? Alguma vez parou para pensar em
como eu gostaria de constituir um lar a seu lado?
Érica não respondeu.
— Fiz todo o possível para amenizar esta sua fase, apesar de nunca ter desejado que
pegasse essa maldita missão. Sabia que a tensão poderia transtorná-la e destruir nosso
amor, antes que tivéssemos a possibilidade de consolidá-lo. — Ele ficou mais calmo. —
Há noites em que tudo o que queria era ficar em casa e descansar. Mas preciso sair para
você poder estudar. Finjo que estou em casa só para você ficar segura. Sabe do que mais
sinto falta, nos últimos tempos? Do meu quarto na base. Honestamente, não me sinto em
casa, aqui. Lá, pelo menos, não preciso pedir permissão para entrar no meu próprio
quarto.
Ele afaStou-se dela, com as mãos nos bolsos.
— Já perdi a conta das vezes que desejei encontrar uma mulher sorridente que me
perguntasse como foi meu dia, que fizesse um carinho para aliviar-me a tensão. Alguma
vez, pedi isso? Tentei, de alguma forma, aumentar seu stress? Não. Pedi uma única
coisa: um dia do seu tempo, para o fato mais importante da carreira de meu pai. E você
não pôde conceder-me nem ao menos isso. Não conseguiu nem sequer se lembrar.
Érica observava-o. Ele estava calmo, a voz baixa, o olhar triste, mas ela desejava que
gritasse, brigasse, enquanto procurava palavras que pudessem servir de desculpa para o
indesculpável.
— Cris, sei que estou errada. Cometi uma falha grave. Sinto muito, de verdade, me
esqueci da carta. . .
— Não foi da carta que você se esqueceu. Foi de mim. — Angústia e desespero se
mesclavam naquele rosto. Ele atravessou a sala e pegou o bilhete da passagem aérea. —
Acho que já é hora de esquecê-la — murmurou, antes de sair.
Os cinco minutos que se seguiram foram para Érica muito confusos. As palavras dele
continuavam ecoando em seu cérebro. Depois, começou a tremer tanto de frio que se viu
obrigada a enrolar-se num cobertor, mesmo com o calor de Houston. Seu mundo
desabara. Não sabia o que fazer para consegui-lo de volta. . . Ele a abandonara.
Pensou em alguém que pudesse ajudá-la a reencontrar Cristian. Colocou uma calça
jeans e uma camiseta e foi para a casa de Roger.
— Érica?! — ele exclamou quando a viu na porta, com os olhos inchados de tanto
chorar.
— Ele me abandonou, Roger! — sussurrou, com agonia. Sem palavras, o amigo
abraçou-a, enxugando-lhe as lágrimas.
Sabia que ela temia ouvir dele uma dura sentença: que ela construíra sua própria
solidão. . . Ao contrário, ele a embalou, sentindo o pânico que havia dentro dela.
Passaram-se quase vinte minutos até que ele conseguisse acomodá-la na cadeira de
balanço. Sem perguntas, nem comentários, apenas trouxe café e acariciou-lhe os
cabelos.
— Sinto-me tão miserável! — Ela chorava. — Você me avisou, eu não quis ouvir.
Estava tão certa de que ele me amava.
— Ele a ama. — A voz era baixa como um acalanto. — Não é esse o problema. Nunca
foi.
— Estava tão indiferente quando partiu, tão quieto. Foi como se tivesse tomado a
decisão de recomeçar vida nova sem nem olhar para trás.
Roger nada disse, tratando de confortá-la com um sorriso. Finalmente, algum tempo
depois, falou:
— Quero que passe a noite aqui. Acho que não está em condições de ir sozinha para
casa.
A primeira reação de Érica foi de alívio. Se Roger pudesse ficar com ela, conseguiria
sobreviver aos próximos dias.
— Oh, Roger! Você é tão bom para mim. Eu. .. — Interrompeu-se, surpresa por
descobrir sentimentos conflitantes dentro de si. Pensava em Cristian. — Sinto muito,
Roger. Não poderia ficar.
— Mas claro que pode. Tenho um quarto de hóspedes, onde teria todo o conforto.
Seria um privilégio retribuir todo o cuidado que tenho recebido nestes últimos meses.
— De mim ou de Cris?
— Dos dois.
Mas Érica sabia que a amizade de Cristian por Roger superara muito a sua por ele. Ela
também sabia que seu homem jamais aceitaria uma explicação. Nunca entenderia por
que ela passaria uma noite na casa de Roger.
— Não vê? Ele não entenderia. Tanto quanto confia em nós dois, sempre diz que
passo mais tempo com você do que com ele. Pensaria que apenas corri de um para o
outro.
— Bem, talvez seja hora de ele acordar. O mundo não pode funcionar por esquemas
antiquados. Sabemos exatamente quais são os motivos para você passar a noite aqui.
Por que se interessar pelo que ele pensa? Resolvo isso mais tarde. Seus sentimentos são
o que me preocupa, no momento.
— Não importa. Já falhei muitas vezes. Apesar de não estar mais com ele, sei que
sofreria muito por pensar que temos um caso. Não farei isso para ele. Não o magoarei
nem mais um pouquinho.
Em seguida, cobriu o rosto com as mãos, sentindo a dor invadi-la novamente.
— Roger! Que farei? Será que ainda posso recuperá-lo? Calado, o amigo pensava.
Depois, perguntou:
— O que você mudaria se pudesse tê-lo de volta? Faria alguma coisa diferente?
— Tudo! Passaria a chamá-lo de "meu amor", daria abraços quentes e reconfortantes
quando ele chegasse em casa, honraria a Marinha, iria ver os pais dele e jogaria metade
dos meus relatórios na lata de lixo. Mas não tenho a menor idéia de como fazer para tê-lo
de volta. Mesmo se eu implorasse de joelhos. . .
— Seria a sua melhor chance!
— Melhor? Roger, não viu a fisionomia dele quando disse adeus! Não acho que ele
queira me ver outra vez. Se você acha que me faria algum bem implorar para que ele
volte, está maluco!
— Pense, Érica. Cris não foi embora porque você esqueceu a cerimônia do pai dele,
isso foi apenas a gota d'água. Conheço Cris! — Olhou-a. — Sei o que Vivian fez ao
orgulho dele. Sei o que você fez a ele e à sua auto-estima. Ele poderia ter agüentado até
o final da missão, se você não tivesse insultado sua família.
Andou e sentou-se ao lado dela, antes de continuar:
— Ele a ama profundamente. Nunca será feliz sem você. Mas, se o quer de volta,
deverá provar que está pronta para deixar a missão em segundo plano na sua vida. O que
significa que terá que agir conforme a Marinha em Washington e esperar calmamente que
ele resolva decidir que já pagou pelo desprezo dos últimos meses.
— Quero fazer isso, Roger, de qualquer maneira.
— Está disposta a desistir da missão?
— Seria esse o preço? — perguntou, tensa.
— É sua melhor chance.
— Você disse que implorar seria a melhor idéia.
— Vai ter que suplicar para conseguir falar com ele a sós. Ainda precisa de algo para
barganhar.
— Não posso trocar a missão. Não estou nem mesmo certa de poder implorar, perder
meu orgulho. Nunca ajoelhei para homem nenhum.
— Então, esqueça. Desista dele aqui e agora. Porque não há outra maneira de
conseguir Cristian Tatum de volta.
Com a ajuda de Katie, Érica chegou ao clube dos oficiais, naquela mesma noite, às oito
horas. O jantar acabara e muitas pessoas já haviam saído. Aqueles que permaneciam no
local, viravam a cabeça interessados nela, enquanto andava. Seus instintos não
falhavam: ninguém se aproximara dela enquanto pertencera a Cristian.
Ela o encontrou perto da pista de dança, sentado numa grande mesa, que acomodara
seis ou sete pessoas. Estava entre duas belas mulheres. Uma usava o par de asas
douradas na blusa. . . prova de que pertencia a algum piloto. A outra parecia estar com
Cristian.
Pálido e com expressão vazia, ele a olhou e percebeu as olheiras que a maquiagem
não conseguia esconder. Nada em seu rosto dava a menor razão para esperanças.
— Olá! — ela o cumprimentou, com voz sufocada.
— Você precisa de alguma coisa? — ele perguntou, de forma indiferente.
— Quero. . . será que poderia falar com você por uns segundos?
— Claro, fale! — ele ordenou.
— A sós, por favor. Se você puder fazer a gentileza. Olharam-se por um longo tempo.
Ela estava nas mãos dele.
Poderia humilhá-la na frente dos amigos. Em casa, falara em tom neutro. Mas, naquele
momento, parecia menos disposto a perdoar.
— Se você quiser que eu implore. . . Estou implorando. Aquelas foram as palavras
mais difíceis que ela já dissera.
Se ele risse, diante dela, nunca mais o perdoaria.
Mas o olhar dele mudou e Érica vislumbrou traços do amor que ainda existia. Então,
ele se levantou e, pedindo licença aos amigos, conduziu-a para uma mesa num local
reservado, no fundo do salão. Quando se sentaram e ficaram a sós, a rudez voltou.
— Você está grávida?
— Estou o quê?
— Grávida. Com uma criança. Não consigo imaginar o que mais pudesse forçá-la a
suplicar. — Antes que ela respondesse, ele completou: — Desculpe o raciocínio errado:
se estivesse mesmo esperando um bebê, simplesmente se livraria dele. Não deixaria que
outro ser humano se colocasse entre você e sua carreira, não é mesmo?
Ferida, ela se esforçou para falar.
— Vim para ver. . .
Érica estava muito magoada. Nunca pensaria em abortar um filho dele. Não podia
continuar. Tentou acalmar-se.
— Não há o que discutir — ele a interrompeu, sem nenhuma inflexão na voz. —
Tivemos um bom tempo juntos, no começo. Mas já não está mais divertido. Tão ocupada
como anda, não sentirá minha falta por mais do que uns poucos dias. Até lá, já estará se
congratulando com os progressos que minha ausência proporcionou.
— Cris, por favor! Tenho que falar.
— Érica, quando me disse que não haveria tempo para encontrar meus pais, que não
se lembrara disso, disse tudo o que eu precisava ouvir. — Levantou-se.
— Por favor, ouça-me. ..
— Kika. .. — ele disse ternamente, penalizado com o desespero dela — Estou muito
triste por magoá-la. Não queria isso. Nem mesmo me sinto maravilhoso por ter feito o que
fiz. Mas não vai dar certo, querida. É tempo de admitir e dizer adeus enquanto ainda
podemos ser amigos.
— Você queria casar comigo. Como pode simplesmente ir embora? E se eu fosse sua
mulher?
— Você não é minha mulher. O problema todo é esse. Queria uma relação sem
compromissos. Combateu todas as minhas tentativas nesse sentido. Da maneira como
vejo as coisas, conseguiu exatamente o que procurava. E acho que é exatamente o que
merece.
— Você deve a oportunidade de me desculpar. Pelo menos ouça-me. ..
— Não lhe devo nada — voltou-se para ela surpreso e hostil.
— Naquela noite em que. .. pela primeira vez, nós estivemos juntos... eu não queria
ouvir nada. Você disse coisas imperdoáveis. Mas eu o amava o suficiente para ouvir.
Escutei. Apenas faça isso por mim. — Lágrimas corriam de seu rosto, enquanto
continuava. — Eu te amo tanto! Apenas porque não sei demonstrar, não quer dizer que
não sinta. Estou morrendo. — Cobriu o rosto, subitamente descontrolada. — Estou
morrendo ...
Ele não disse nada. Apenas sentou-se à mesa.
— O que você quer dizer? As pessoas estão esperando por mim. Tenho um vôo muito
importante amanhã.
Ela acalmou-se e voltou a respirar. Então percebeu que não sabia o que dizer.
— Eu nunca, nem mesmo por um segundo, pensei que você pudesse me abandonar.
Talvez eu o considerasse meu, pensando que havíamos superado as crises, por não
conversarmos mais sobre compromissos. Mas nós. . . tínhamos um. Estávamos tão
juntos. Gostaria de ter-lhe dado mais atenção e não ter sido tão egocêntrica. Não posso
mudar o que se passou, mas tudo o que posso dizer é que vou, de qualquer maneira,
para Washington. Por favor, dê-me mais uma chance. Arranjarei um jeito de tornar as
coisas certas com seus pais. Não leve ninguém mais em meu lugar. — Não era o que ela
desejara falar, mas as palavras simplesmente brotaram em seus lábios.
Lentamente, Cristian moveu a cabeça. Seus olhos refutavam todas as palavras que ela
dissera.
— Vou buscar minhas coisas depois que voltar de Washington. Deixarei um cheque
para a faxineira.
— Esperava mais que isso de você — ela falou baixinho.
— Você é a única mulher que quero e sabe disso. Mas tenho que aceitar o fato de que
não posso tê-la. Muito menos como esposa. Ir para Washington em nada mudaria essa
situação.
— Não. Mas eu vou mudar nosso relacionamento. Vou ouvi-lo, saber o que espera de
mim e fazer tudo o que for necessário para colocá-lo em primeiro lugar na minha vida. —
Ela se desesperava. — Não sei como, mas vou. Por favor, volte para casa. Não destrua o
que podemos ter. Não, enquanto ainda estamos nos amando.
Ele olhou para trás da mesa.
— Você já acabou? Posso ir?
— Você vai embora assim? — ela perguntou, em pânico.
— Já disse tudo o que queria?
Ela fechou os olhos, não conseguira nada. Mas havia ainda mais uma coisa a tentar.
— Será que há... alguma coisa. . . qualquer coisa.. . que eu possa fazer, para tê-lo de
novo a meu lado?
Cristian percebeu sua determinação de fazer o que fosse necessário para reconquistar
o amor perdido.
— Há. Uma coisa que poderia ser feita. . .
__ Qualquer coisa! Diga. — Ela sentou-se corretamente, sentindo novas esperanças
preencherem seu coração.
— Você abandonaria o programa e se casaria comigo amanhã?
Ela tentou ler em seu rosto, mas não conseguiu. O treinamento dos oficiais da Marinha
para esconder as emoções era muito bom. A derrota surpreendeu.
— Eu. . . eu falo sério, Cristian! — Não entendia por que ele pedira a única coisa que
não poderia dar.
Ele levantou-se e empurrou a cadeira para baixo da mesa.
— Eu também. Érica. Eu também.

CAPITULO XII

Às cinco horas da manhã seguinte, o telefone tocou. Érica ainda estava acordada. Seu
primeiro pensamento foi para Cristian. Seria ele?
— Alô! — atendeu bocejando.
— Bom-dia, senhora. —- A voz era estranha, fria, precisa e, inquestionavelmente,
formal. — Sinto perturbá-la a essa hora, mas é urgente que o almirante McDonald fale
com o comandante Tatum antes que ele voe para Washington.
Imediatamente, ela se pôs em estado de alerta. Não sabia o que dizer. Sua resposta
poderia atrapalhar a carreira do homem que amava. Não importava se Cristian morava ali
ou não. Ela era a mulher dele. . .
Mas ignorava seu paradeiro. Sua única referência era Alan. Eles viajariam juntos pela
manhã. Talvez já tivessem partido. O fato de não saber e das circunstâncias que
envolviam esse fato não deveriam atrapalhar a vida dele.
— Sinto muito, senhor, mas o comandante Tatum já saiu. Posso fornecer o número do
Centro de Operações Aéreas da base, para o caso de ele não ter decolado. Tenho,
também, o telefone da residência do comandante do programa, Alan Clayburn, que pode,
provavelmente, entregar a mensagem. Estão indo juntos para Washington.
Aquela pareceu a atitude correta. O homem anotou os dois números e agradeceu o
auxílio.
Érica não gostou de pensar que Leslie talvez soubesse mais sobre os passos de
Cristian do que ela. . . Era estranho. No momento em que o perdera, começara a se
preocupar com os problemas militares dele. Nunca antes recebera chamado tão grave e
urgente.
"Érica, você já pensou que, para cada problema da sua missão, a minha apresenta dez
outros?", ele lhe perguntara furioso. Quais eram esses problemas, ela ignorava. As
poucas questões que fizera foram respondidas com evasivas. Ele estava preocupado.
Talvez sua ira fosse devido a dificuldades com o trabalho.
Era verdade que ela esquecera os pais dele, mas, pior que isso, não o apoiara quando
se sentira pressionado. Agora começava a pensar como esposa, justo quando estavam à
beira do divórcio.
As respostas a tantas dúvidas eram humilhantes e não mudaria nada. Cristian era um
homem orgulhoso, suportara até o limite. Como última atitude, abandonara a mulher que
selara seu próprio destino. Ela recebera exatamente o que procurara e, se o desejasse de
volta, teria que lutar para reverter as forças que os separavam.
Os dois dias seguintes custaram a passar. Érica esteve confusa e trabalhara
atordoada. De nada adiantara Jeb insinuar, gentilmente, que o rompimento fora o melhor.
Quando ela o interrogara sobre a missão e a viagem de Cristian, ele se recusara a
fornecer qualquer detalhe.
Mark tentara, em vão, animá-la. Paul dissera estar triste por saber de Cristian. Mas o
pior de tudo fora o telefonema do especialista em chimpanzés, adiando o encontro por
motivos pessoais.
— Espero não causar nenhum inconveniente com a mudança — dissera ele.
A vontade dela era gritar que aquele encontro pusera fim ao relacionamento mais
importante de sua vida. Mas controlara-se e marcara outra data para a reunião.
Durante aqueles dias, o único consolo fora o convite de Katie para jantar na quarta-
feira à noite. Quando a amiga descobriu o fracasso da expedição ao clube dos oficiais,
insistira em tentar animá-la. .
A princípio, isso parecia impossível, mas a agonia diminuía ao lado da bem-humorada
amiga. E esta, embora já estivesse adaptada à ausência do marido, pois fizera muitas
amizades que prometiam assistência antes e depois da chegada do nenê, pedira a Érica
que ficasse a seu lado durante o trabalho de parto. Não como médica, mas como amiga.
Após o jantar, foram até o quarto do bebê ver o enxovalzinho.
O pequeno aposento era um mundo maravilhoso, todo decorado com animais
selvagens. As cortinas enfeitadas de lindas girafinhas eram, ao mesmo tempo, originais e
charmosas.
— Não comprei muitos cobertores por causa do acolchoado que você está fazendo
para ele. Como está o trabalho?
Érica, não tendo como explicar ou esconder, limitou-se a perguntar:
— Quando virá seu próximo filho?
Katie percebeu o embaraço da amiga e procurou mudar de assunto.
— Veja o que minha mãe mandou — disse, segurando um coelhinho que parecia ter
saído das páginas de um livro de histórias infantis. — Não é lindo?
Apesar de deprimida, Érica sorriu e sentiu-se na obrigação de concordar. Uma das
orelhas bem grandes cobria quase metade do rosto do bichinho. O pijaminha de
patchwork tornava-o quase humano.
— Veja as blusinhas. — Katie abriu a gaveta com miniaturas de roupas. — Meu livro do
bebê diz que precisarei de pelo menos seis, mas compramos apenas quatro para
começar. Estes pequenos sapatinhos. . .
Érica não conseguia prestar atenção na voz da amiga, perdida com o pequeno par de
sapatos nas mãos. Eles caberiam no dedo maior de Cristian, e um pequeno ser iria usá-
los. Um recém-nascido do tamanho do coelhinho que a mãe de Katie enviara. Sem
pensar, ela pegou os sapatinhos e calçou no bichinho.
— Fiz a mesma coisa quando ele chegou aqui! — Katie observou surpresa e alegre.
Não havia nenhuma alegria naquele gesto. Era tarde demais para ser sentimental
quanto a bebês. Mesmo se aquela fosse apenas uma recaída momentânea por causa das
acusações de Cristian. Pressionou o coelhinho contra os ombros e tentou segurar as
lágrimas que insistiam em cair a cada momento que se lembrava da acusação de aborto
que ele lhe lançara.
— Kika, por que você não casa logo? Agora, enquanto ainda tem tempo? — Katie
finalmente falou.
— Ele quer filhos, eu quero ficar em Houston; ele quer que eu desista de anos de
trabalho e esforço, para segui-lo por todo o mundo, eu tenho minha carreira...
— Você tem certeza de que ele não estaria pronto para fazer um sacrifício, se você
demonstrasse que também se sacrificaria por ele?
— Katie, recebi um ultimato: "desista da missão e case-se comigo amanhã". Será que
parece com algum tipo de sacrifício?
— Bem. . . não! — Katie teve que concordar. — Mas, ao que parece, até o momento
foi ele quem se mostrou o mais abnegado dos dois. Talvez, se você fizesse algo
grandioso...
— Já fiz! Fui me ajoelhar para pedir uma "audiência" com ele, implorei na frente dos
amigos dele! O que mais poderia fazer?
— Desista da missão e case-se com ele. Ainda poderá ser médica em qualquer lugar
que a Marinha o leve. Todo esse negócio de. . . astronauta está ligado mais ao seu
orgulho que à sua carreira de médica. Você acha, de verdade, que uma semana em órbita
terrestre vale mais que toda a vida ao lado do homem que ama? — Katie estava
afogueada.
Sem responder, Érica voltou para casa, levando um presente que a amiga lhe dera: o
Guia para a Esposa do Oficial da Marinha. Ela insistira para que fizesse um esforço para
aceitar a Marinha, pois assim esta acabaria por aceitá-la também.
Sem disposição para ler, jogou o livro numa prateleira, pensando se não seria melhor
atirá-lo no lixo. Decidiu, então, ler a correspondência que chegara pelo correio e que não
fora aberta.
Ao lado de várias brochuras de anúncios, abriu um envelope de uma companhia de
aviação. Esperava encontrar propostas de excursões de verão ou coisa parecida. Mas,
logo que reconheceu o carbono colorido com seu nome, percebeu que teria uma última
chance. Era uma passagem de ida e volta para Washington.
Os Tatum viviam fora da base, numa casa confortável, rodeada de plantas. As crianças
que brincavam na rua abriam caminho para que o almirante Tatum pudesse entrar,
chamando entusiasmado pela mulher.
A viagem do aeroporto à casa fora muito mais difícil do que a de Houston a
Washington. Ela não sabia o que conversar. O senhor de cabelos brancos, pai de
Cristian, afirmara ser uma honra receber o maior tesouro do filho e cuidar daquela relíquia
enquanto ele estivesse no Pentágono.
Cristian quase nada dissera sobre ela aos pais. Eles não sabiam sobre sua carreira
médica, nem sobre o seu trabalho na NASA e, menos ainda, que viviam juntos. Sem
imaginar o que esperavam dela, permanecera quieta a maior parte da viagem. O pai dele,
provavelmente, pensara que ela não era muito inteligente para ter o que falar.
Érica não recebera notícias de Cristian desde que chegara o bilhete da passagem, o
único vínculo com o futuro incerto. Desesperada, passara a noite debruçada sobre o livro
que Katie lhe dera. Gastara parte do tempo fazendo compras. Arrombara o orçamento
para não estragar sua última chance.
Comprara roupas modestas, femininas e formais. Até mesmo o chapéu e luvas, tão
antiquados, mas, segundo o livro, adequados para a cerimônia a que assistiria.
Ao abrir a porta da casa, o pai de Cristian pegou o jornal da noite, como qualquer
homem normal fazia, enquanto contava-lhe da infância do filho.
— Cris gostava que eu jogasse bola com ele. Logo será a vez dos filhos dele — disse a
Érica com um sorriso. — Você já percebeu a adoração de meu filho por crianças?
— Claro! — ela suspirou, perguntando-se por quanto tempo teria que fingir ser o que
não era. Cristian não a preparara para aquela recepção.
— Acho que a vontade de ter filhos é por causa das memórias que ele guarda da
própria infância. — Olhou-a para dar mais peso a essa observação. — Nós nos
orgulhamos muito dele, Srta. Newman. Mesmo se a Marinha não o considerasse um
herói, nós continuaríamos achando! — Pegou as malas dela e fez um gesto para que
entrasse.
Tentando preencher o silêncio e satisfazer a curiosidade, Érica perguntou:
— Por que a Marinha o considera um herói: porque vai voar numa nave espacial?
O pai de Cristian riu como se tivesse ouvido uma boa piada. Então os olhos dele
encontraram a expressão confusa do rosto dela.
— Você deve estar brincando. — Espantado, colocou as malas no chão.
— Não. — Ela sentia-se afundando. — Ele é um herói para mim, claro, mas. . .
— Você nunca o viu de uniforme? Nunca perguntou sobre suas medalhas? Nem sobre
as façanhas no Vietnã?
— Já o vi de uniforme — ela respondeu titubeante, sem saber explicar como pudera
examinar-lhe a ficha apenas para verificar se era divorciado. — Notei todas as insígnias,
mas não sabia o que significavam.
Os olhos do velho reprovavam-na por nunca ter perguntado. Mas, como o filho, era
também um cavalheiro e permaneceu quieto.
— A mãe de Cris está preparando o jantar. Por favor, sinta-se em casa.
Érica não conseguia sentir-se menos à vontade. Observou o prato de ouro especial
para cartões em recepções formais da Marinha. Ainda pensava na reprovação do
almirante Tatum quando. . . para seu alívio, Betty Tatum entrou na sala.
Admirando-a com olhos ternos, a mãe de Cristian usava um vestido cor de salmão,
com brincos combinando, complementos perfeitos para sua pele macia e seus cabelos
avermelhados. Sem falar nada, pegou as duas mãos de Érica e apertou-as como
demonstração de boas-vindas. Ela queria abraçá-la. Agora Érica percebia por que Cristian
falava sempre tão carinhosamente da mãe.
— Betty, esta é Érica Newman! — O pai dele apresentou-as formalmente.
— Estou tão feliz por conhecê-la! — Érica disse. — Cris fala tanto na senhora que sinto
como se já fôssemos amigas.
— E somos mesmo — ela sorriu. — Que acharia de subirmos para você se instalar
antes do jantar? Planejei uma refeição que poderemos fazer agora mesmo, se estiver
com fome, ou depois, se quiser descansar. Você é quem decide.
— Para falar a verdade, daria tudo por um bom banho e um pouco de descanso. Se
não for incômodo, Sra. Tatum.
— Considere seu desejo atendido. E, por favor, pode me chamar de Betty.
— Betty. . . quando espera que Cris chegue? — Érica recomeçou, enquanto subiam a
escada.
— Realmente, não sei. — Ela estava acostumada aos homens daquela casa. Indo e
vindo sem previsão, seguindo os esquemas que a Marinha traçava. — Disse para não o
esperarmos para o jantar.
No andar superior, Betty conduziu-a para um lindo quarto azul-claro, cheio de lencinhos
e almofadas, bem feminino. Sobre a cômoda, havia uma galeria de fotos de Cristian. Uma
colagem de toda sua vida.
Quando seus olhos passearam pelas fotos, era como se não houvesse mais ninguém
no quarto. O rosto de Cristian preencheu-lhe o coração tão completamente que ela quase
sentia o calor de suas mãos. Estava bem evidente que não dormiriam no mesmo quarto
mas, ainda assim, o desejo continuava intenso e a dor consumiu-lhe por dentro. Estava
diante de tantas fotos, quando o original lhe era negado.
Lentamente, Érica dirigiu-se mais para perto dos retratos. Observou o menino de dez
anos que jogava bola com o pai; o bebê rechonchudo de olhos azuis; o oficial no dia da
formatura; o adolescente com a primeira namorada. Ele parecia tão inocente, ingênuo!
Ainda não fora tocado pelas más lembranças de Vivian e do Vietnã.
Enquanto olhava para tudo aquilo, percebeu as asas douradas presas na blusa de
Betty Tatum em uma delas. Pouco tempo atrás teria caçoado daquela besteira, mas ver
outra mulher usando-as transformava-lhe as emoções. Se aquela era a forma como os
pilotos demonstravam amor por uma mulher, por que ela ainda não recebera as suas?
O livro de Katie dizia que muitas ganhavam as asas no mesmo dia em que seus
maridos se formavam na escola de oficiais e conquistavam o direito de usar as próprias.
Era uma forma de agradecer o papel importante que haviam tido. Ganhá-las de presente
significava honra pública, demonstração de respeito e afeição. Alguns pilotos havia,
entretanto, que nunca ofereciam esse presente à mulher ou namorada.
— Érica! — Betty falou calmamente, interrompendo-lhe o devaneio. — Anthony trouxe
as malas.
— Sinto muito. . . estava apenas admirando as fotos. .. Não tenho nenhuma dele... Ele
está longe desde terça-feira — disse, virando-se. Nem sequer ouvira o pai dele entrar no
quarto com as bagagens.
Achou-se ridícula, mas Betty pareceu entender.
— A espera torna-se mais fácil com o tempo. E. .. tem suas vantagens. Um casamento
na Marinha permanece sempre jovem . ..
Érica não poderia explicar a verdadeira causa de sua angústia, então aceitou o
conselho da outra mulher da maneira como ela pensara.
— É a mais longa separação desde que estamos juntos. Não consigo imaginar-me
acostumada a isso.
Sorrindo, a mãe dele mostrou o outro lado do quarto. Na parede, um único quadro, com
um retrato grande de Cris, emoldurado.
— É o último retrato dele que tenho. Foi tirado pouco antes de se mudar para Houston.
Ansiosa, Érica aproximou-se da foto colorida do homem que tanto amava. Forte e
glorioso, usava o uniforme branco de verão. Ao invés de laços e fitas que tão
freqüentemente pendiam-lhe do peito, havia uma série imensa de medalhas, entre as
quais, como sempre, o par de asas.
Entretanto, outra medalha, que nunca vira antes, lhe chamou a atenção. Não era maior
que as outras, mas havia uma estrela de ouro e uma pequena âncora que pareciam se
destacar, pois não estavam presas no uniforme e, sim, pendiam de seu pescoço.
Lembrou-se das palavras do pai dele: "Mesmo se a Marinha não o considerasse um herói.
.." Ela, que nunca prestara atenção a honras militares, naquele momento, sentiu
necessidade de saber sobre cada uma daquelas medalhas.
Decidiu perguntar diretamente a ele...
A noite passou agradável. O charmoso pai de Cristian respondia favoravelmente ao
entusiasmo da esposa por ela e, depois do jantar, as mulheres conversaram sobre
trabalhos manuais, a missão de Cristian e a vida na Marinha.
Betty considerava uma honra e um privilégio ser mulher de almirante e gostava da
Marinha tanto quanto ele. Entretanto, preocupada com a saúde do marido, insistira para
que ele se retirasse.
O pai dele morrera do coração ainda muito jovem e Betty não queria o mesmo destino
para Anthony. Pedira que diminuísse o ritmo de vida, enquanto era cedo.
À hora de dormir, Érica acreditava não ter dado nenhum passo em falso, salvo a
pergunta sobre o passado heróico do filho... A insônia, única companheira desde que
Cristian a abandonara, a manteve acordada até a hora em que alguém bateu à porta:
— Érica, posso entrar? — A voz familiar tinha um timbre emocionado.
— Claro! — ela falou sem pensar e, levantando-se, foi recebê-lo.
Ele estava incrivelmente pálido e pela primeira vez ocorreu a Érica que os contatos.em
Washington deviam ser muito mais sérios do que imaginara.
— Minha mãe achou que você estaria acordada.
— É verdade.- Esperava-o — ela respondeu, sentindo-se desajeitada com a distância
que os separava.
— Sinto não ter podido ir recebê-la no aeroporto. Não queria que ficasse insegura na
chegada. — Ele parecia apressado. — Mas fiquei preso numa reunião desde à tarde e
mal tive tempo para conseguir ligar e pedir a meu pai para ir buscá-la.
— Oh, Cris! Você deve estar exausto. Já comeu alguma coisa?
— Sim.
Mas ela não conseguiu suportar mais e correu na direção dele. Respondendo aos
apelos do coração, abraçaram-se e beijaram-se.
— Preciso de você — ele falou por entre os cabelos sedosos dela.
— Estou aqui. Você terá tudo o que quiser. Tudo. . . — Com desesperada saudade,
continuavam juntos.
— Querida! Como gostaria de estar longe daqui, a sós com você. Acho que já estou há
muito tempo nesta cidade — terminou, aumentando a distância, meio desajeitado.
Pouco à vontade, com os pais dele embaixo, ela notou que algo de muito sério acabara
de acontecer. . . algo relacionado à missão dele, não ao relacionamento deles. Superando
os próprios temores, ela sussurrou:
— Será que você não pode gastar nem um minuto de seu tempo para contar o que
está acontecendo? O que houve no Pentágono? Apenas para desabafar.
— Não posso, Kika. Mas. . . obrigado por perguntar. Falarei com meu pai, depois que
minha mãe for dormir. — E abraçou-a com força. — Não a estou afastando de minha vida.
Vou falar com meu pai porque ele é oficial também. Mas não posso comentar. . . Será
que você entende?
— Claro — ela respondeu, na verdade sem compreender.
— Érica, às vezes, como médica. . . não ouve coisas em confidência que não se
sentiria bem em contar para mim? Mesmo confiando que não contaria a outra pessoa,
mas apenas para não violar uma confissão profissional? Não há um tipo de ética entre
paciente e médico?
Agora ela compreendia e sentia-se melhor.
— Claro. Há segredos que uma pessoa íntegra não pode revelar.
Tentaram sorrir, mas falharam. Érica começou a chorar.
— Eu te amo, Cris! — Toda a semana sufocada em seu peito parecia ter explodido. —
Não sabia que alguma coisa poderia machucar-me tanto quanto isso tudo. . .
— Ora, querida! Não queria magoá-la — ele murmurou, apertando-a ainda mais. —
Mas não tive outra saída.
— Sei disso — ela soluçou, escondendo o rosto nos ombros dele. — A culpa foi toda
minha. Tive muito tempo para pensar no que aconteceu. — Por um momento, os olhos
dela se encontraram com os dele. — Mas vai ser diferente desta vez. Juro! Vou torná-lo
tão feliz que nem todos os aviões do mundo vão conseguir afastá-lo.
Desta vez, ele sorriu, mas ainda triste demais para confortá-la.
Ternamente, curvou-se para beijá-la, mas foi um beijo amargo, de aceitação e perdão.
— Cris? — Érica respirou fundo, sentindo pânico. — Quando me mandou a passagem,
sabia que ia me conceder outra chance?
— Sim.
— Então, por que está me olhando dessa maneira? Por que ainda sinto medo?
Mais uma vez, ele a beijou como se não pudesse fazer nada.
— Kika, meu maior sonho é ficar a seu lado para o resto da vida. Mas. .. ainda tem
muito a aprender sobre como amar um piloto da Marinha.
— Sei disso, Cris. — Ela respirou contra o peito dele. — Mas estou pronta e ansiosa
para aprender. Quero compreendê-lo. Entender a Marinha e o que ela significa para você.
Ela queria contar que passara horas sobre o livro de Katie, mas achou melhor guardar
para si as horas desse estudo. E se aquilo não tivesse importância?
Ele poderia ter perguntado se ela já estava disposta a atender seu pedido, mas não o
fez. Ao contrário, apenas disse:
— Claro. Espero que. . . nós dois possamos aprender tudo o que for necessário para
conseguirmos viver juntos.
Após breve pausa, continuou:
— Mas temos que ser honestos um com o outro. Encaremos a realidade. — Ele
acariciou-lhe os cabelos. — Mandei a passagem porque não agüentava mais ver seu
sofrimento. Porque a amo muito para desistir da batalha sem uma boa luta antes. Não
porque ache que, realmente, temos alguma chance de mudar nosso relacionamento.
Na manhã seguinte, a da solenidade, Cristian estava distante e formal. Frio como a
fotografia pendurada no quarto. Cortês, mas distante. Nada, nas atitudes, revelava-lhe os
sentimentos. Érica esperava que a sobriedade fosse apenas reflexo da gravidade da
ocasião.
Não foi senão quando já estavam perto das docas, em um carro que seguia o do pai
dele, que Érica, brincando, tocou a estrela de ouro e murmurou:
— Nunca o vi com esta aqui antes. . .
Ele não a olhou, surpreso com o toque curioso.
— A medalha de honra não tem miniatura para usar no bolso, é apenas para ocasiões
especiais.
— A medalha de honra? Você quer dizer aquela outorgada pelo Congresso? — Érica
estava surpresa, o pai dele não mentira!
— É assim que os civis se referem a ela. Todas as medalhas da Marinha são,
originariamente, outorgadas pelo Congresso. Para nós, ela é simplesmente a medalha de
honra.
Respirou fundo. Apesar de ignorante no assunto, ela sabia que poucos homens tinham
o direito de receber essa condecoração! Era incrível que ele nunca houvesse
mencionado. Ela menosprezava muito sua devoção pela carreira e pelo serviço!
— Como você. . . a mereceu? — perguntou cautelosa, não muito certa de que ele
contaria.
— Ajudei alguns amigos em perigo.
Ele jogara as palavras, desafiando-a a entendê-las. Antes que ela perguntasse
qualquer coisa, completou:
— Curiosa como é, deve ter perscrutado minha ficha de serviço. . .
— Há muita coisa com que me preocupo agora, que nem ligava no começo.
Não havia outra resposta a dar. Ela precisava preocupar-se em não perder mais
terreno do que o necessário.
Trocaram um olhar cúmplice. Cristian ainda mantinha poucas esperanças no futuro e,
quando a olhava como naquele instante, era difícil para ela manter as suas vivas.
Aquela situação precisava ser mudada.
Érica já estivera nas docas antes, mas nunca num dos navios da Marinha aportados. O
enorme espaço cinza dominava a cena.
— Será que minha mãe já lhe disse o que a espera? Ou você nem se importou em
perguntar?
— Não. Fiz minha própria pesquisa.
Ele parecia confuso, sabia que ela não conhecia muitas pessoas entre o pessoal da
Marinha.
— Leslie?
— Não.
— Jeb?
Quando Érica balançou negativamente a cabeça, desistiu de tentar adivinhar.
— Afinal, o que é que você está esperando? Para que se preparou?
Érica sentia-se como uma criança numa chamada oral.
— Sei que devo segui-lo quando subirmos a bordo. Então, sentarei com os outros
convidados, recatadamente, durante a abertura. Seu pai e o oficial que.o substituirá lerão
as ordens do dia. Depois disso, desceremos para uma recepção onde devo sorrir muito,
não dizer nada e evitar qualquer tipo de exibição que possa embaraçá-lo ou a seu pai.
Devo ser tão charmosa e anônima quanto possível.
Os olhos dele se turvaram com o comentário final, mas pareciam impressionados com
o que ela sabia.
— Você ainda não me disse onde conseguiu todas essas informações.
— Será que preciso? — perguntou, com medo que ele a fizesse confessar que lera o
livro de Katie.
— Precisa. — Foi a resposta. — Não vejo por que sentiria medo de me contar.
— Porque ficaria embaraçada. — Com cuidado para não levantar a voz, explodiu. —
Katie me deu o Guia para a Esposa do Oficial da Marinha — disse e fechou os olhos. —
Como você acha que saberia como me vestir? Nunca tive um par de luvas em toda a
minha vida!
Cristian gargalhava. Na frente de todos os convidados. O primeiro impulso de Érica foi
de ficar furiosa, mas, depois de ver a alegria que ele demonstrava, exultou.
— Você conseguiu, querida! Meus pais estão maravilhados com você e está perfeita
para uma cerimônia de mudança de comando no final de julho. Desta vez, você me tocou.
— Fiz o possível.
— Fez um excelente trabalho. Sei que vou me orgulhar de você.
Érica sentia o coração querendo explodir dentro do peito, ele nunca a elogiara daquela
maneira. Já agradecera por refeições espetaculares, noites na cama, mas nunca dissera
que se sentia tocado. "Provavelmente, porque nunca antes você o havia tocado", pensou.
— Eu o amo, Cris.
— Vai dar tudo certo — ele declarou com mais esperança.
— Apenas faça o que prometeu e vamos acabar com todos os problemas.
Ignorando a ameaça implícita nas palavras, Érica concordou.
— Conte com isso, comandante.
— Hora de subirmos a bordo. Siga-me! — disse ele, ao ver o pai acenar.
Teria sido divertido subir em um barco a motor, de biquíni, num lindo dia de sol; mas,
com todo o aparato que usava, era quase impossível manter o equilíbrio, além da
dignidade.
Havia muitas bandeiras no convés e Érica percebeu que esquecera de estudar os tipos
de embarcações da Marinha. Provavelmente, esses detalhes eram insignificantes para
todas as mulheres de oficiais. Cristian era piloto e passava a maior parte do tempo em
aviões, jatos ou porta-aviões. Mas <ela não saberia reconhecer um deles.
Mesmo à distância, era óbvio que muitos preparativos haviam sido feitos. Fileiras de
homens em uniforme de gala eram visíveis do convés. Um grupo armado de fuzis
esperava a um lado da embarcação e uma banda tocava marchas da Marinha.
Érica seguiu Cristian, acompanhando o ruído das ondas do mar batendo no casco do
navio. Houve apenas um momento de tensão, enquanto ele cumprimentava outros
homens. Érica não sabia se eles o respeitavam pelo posto ou pela medalha que lhe
pendia do pescoço. Todos o saudavam com reverência e um novo sentimento tomou
conta de seu coração: orgulho.
— Este é o meu lugar — Cristian disse quando se sentaram.
— Estou apenas emprestado para a NASA. — Depois, continuou: — Mas em um navio
não é sempre assim: sol. . . bandeiras . . . e músicas. Às vezes, há noites de tempestade,
o oceano torna-se perigoso e não conseguimos encontrar o convés. Nem conseguimos
pousar nosso jato. Às vezes, você não consegue trazer o avião. . . se foi atingido.
Ela queria calá-lo, mas não podia. Aquela era a vida dele e possivelmente seria a sua
também. Era uma realidade que precisavam enfrentar.
— E todo o tempo a esposa espera: por dias.. . semanas. . . às vezes meses. Ela pode
estar em alguma base muito bonita ou, então, num buraco qualquer perto da base mais
próxima. Pode estar grávida, doente ou, simplesmente, sozinha demais. Não faz
diferença. Você tem que ir aonde as ordens o mandam. Não reclama, nem briga. Guarda
a raiva para o inimigo e, se não tiver inimigo, apenas fica alerta.
Ele continuou, sempre mais empolgado, ansioso por compartilhar com ela aqueles
sentimentos.
— Se a Marinha não estiver alerta, o país estará vulnerável. Sua mulher, seus filhos,
seus pais, o presidente. .. todos que você conhece e ama. Os civis do país dependem
disso. Não importa se eles se preocupem ou saibam disso tudo. — A voz dele parecia
desaparecer. — É por isso que pedimos à mulher que nos acompanhe e nos siga, que
sente e espere. Ela deve compreender que a Marinha tem que vir primeiro. — Era
preciso que a forçasse a aceitar essa parte da vida dele.
Esperando que não fosse quebra de etiqueta, Érica segurou-lhe a mão. Queria provar
que entendera e compreendia todas aquelas palavras tão apaixonadamente
pronunciadas. Depois, endireitou a cabeça e olhou para a frente com dignidade. A
cerimônia começava.
CAPÍTULO XIII

A semana seguinte foi muito dura, depois que Érica voltou para Houston.
Desesperadamente, desejara estar com Cristian, mas ele havia ficado em Washington.
Apesar da calma que começara a reinar durante o fim de semana, ele a levara ao
aeroporto, a beijara e prometera telefonar quando chegasse. Ela esperava que estivesse
tudo certo para poder tê-lo de volta em casa.
Até ele ligar, na quinta-feira, não houve novidades. Quando o telefone tocou e ela
correu a atender, a voz< dele mascarava indiferença ou, talvez, exaustão. Cristian
perguntou se aceitaria passar a sexta à noite no Obsession e, como aquele era o terceiro
convite para o restaurante que fazia, desta vez ela resolveu aceitar.
Se não tivesse desistido do plantão no hospital, dificilmente poderia fazê-lo. Aquela fora
uma das melhores decisões que tomara, desde que fora designada para a missão. E
Cristian era o responsável por ela. Insistira para que abandonasse rapidamente os
deveres de médica, para ser apenas astronauta.
Enquanto estivesse engajada no programa, tudo o mais deveria ficar em segundo
plano. Até mesmo Cristian. Na verdade, aquela era a principal razão que os forçava a
marcar um encontro formal, ao invés de simplesmente chegar do trabalho e mergulhar na
piscina.
Determinada a recuperar a paixão dele, Érica gastou mais de uma hora em frente ao
espelho, arrumando-se. Vestiu um camisão azul-claro, meio transparente, e uma saia
colorida. Prendeu nos cabelos uma rosa natural e usou um pouco mais de maquiagem
que o normal. Queria ter certeza de que Cristian perceberia que se arrumara apenas para
ele.
Às sete horas, ele chegou. Usava calça cinzenta e camisa azul-escura, que
combinavam com o azul dos olhos dele. Estava lindo, porém, triste e distante. Um mês
atrás, Érica teria atribuído a tristeza à tensão e ao cansaço. Mas, naquele instante, não
estava certa.
— Oi! Quer entrar para tomar um aperitivo? — ela convidou.
— Não temos tempo — ele recusou.
— Será que temos tempo para um beijo de boa-noite? Faz uma semana. . .
— Cuidaremos desse beijo mais tarde. Agora, a caminho! Ele nada disse enquanto
dirigia rumo à praia. Geralmente,
conversavam sobre a NASA, assunto que parecia descabido aquela noite. O
lançamento da nave dela seria em apenas dez dias e o da dele em poucos meses. Mas,
naquele momento, não falariam de problemas e conflitos.
— Você conseguiu passar mais algum tempo com seus pais?
— Só um pouco. Fui pescar com papai.
— Sabe que gostei muito deles?
— Acho que eles também gostaram de você. Minha mãe recebeu o livro de trabalhos
manuais que você mandou e já começou a recortar os pequenos triângulos e quadrados.
— Ela está fazendo um acolchoado para o quarto de hóspedes?
— Sim. Mandou contar que escolheu o motivo que você sugeriu.
Sem aviso, ele brecou o carro e saiu da estrada.
— O que foi — Érica perguntou assustada.
— Esqueci uma coisa. . .
— O quê?
Deixando o motor ainda ligado, ele virou-se, pôs as mãos sobre os ombros dela e
puxou-a para perto de si.
— Esqueci de dizer que senti sua falta.
Antes que pudesse responder, Érica foi beijada amorosamente. Com o coração
pulsando, ela colocou as mãos ao redor da cintura dele e, deslizando-as, acariciou a pele
do homem amado.
— Tem certeza de que não quer voltar? — perguntou, provocante.
— Mais tarde. Planejei muito bem esta noite. Não vamos desperdiçá-la fazendo amor
na sua casa.
"Na sua casa." Ela não gostara nem um pouco dessa expressão, mas não queria
estragar a noite que os esperava.
O clima permaneceu romântico até chegarem ao restaurante, que estava instalado num
velho barco ancorado, ao qual se chegava por um cais flutuante. A brisa do anoitecer era
refrescante e a lagosta que comeram estava maravilhosa. Depois do jantar, passearam
pela borda do convés e observaram o pôr-do-sol de final de verão.
— Acho que você está sempre perto do mar, não?
— Sim, e feliz. Não importa meu estado de espírito, o mar sempre me faz bem.
— É assim que me sinto perto da piscina.
Como se a memória da piscina despertasse alguma coisa dentro dele, Cristian apoiou
as mãos sobre as costas dela e brincou com as mechas de cabelo que estavam soltas.
Depois, deslizou os dedos para a coluna vertebral, massageando-a insistentemente, de
modo sedutor.
O efeito foi paralisante: Érica sentia como se tivesse se passado um ano desde que
fizeram amor pela última vez. Queria apertar-se contra aquele corpo, implorar um beijo,
apesar da presença de tantas pessoas. Mas ele a acariciava distraidamente e, se sabia o
que estava causando nela, não demonstrou.
Resolveram andar até a praia e, pouco depois, quando se aproximavam do mar,
Cristian disse:
— A menos que esteja com pressa para chegar em casa, tenho um lugar muito
especial em mente, onde poderíamos desfrutar de um delicioso champanha
acompanhado de música.
Era uma sugestão sedutora, embora ficar em casa sozinha com ele parecesse melhor.
Érica, no entanto, esforçou-se para concordar.
— Parece delicioso. Não ligo para onde vamos, desde que estejamos juntos.
Ele a beijou.
— Quero que pratique essa frase, milhares de vezes, até tornar-se habitual em seus
lábios. Da próxima vez que a pedir em casamento,- não aceitarei um não como resposta.
Afastaram-se da praia e do centro da cidade. Érica ignorava o rumo que tomavam.
— Cris, para onde estamos indo?
— Para a mais linda casa de praia de toda Heron Bay. Coincidentemente, acabo de
alugá-la por todo o fim de semana. Alguma objeção?
— Sem problemas, comandante. — Era uma pena que a noite estivesse tão escura
que ele não pudesse ver o contentamento no rosto dela.
— Ótimo, assim não preciso colocar o plano B em execução.
— E qual é esse plano?
— Amarrá-la e levá-la à força.
— Ora! Nunca fui tão difícil de persuadir, não é?
— Depende do assunto — ele respondeu calmamente.
— Como você conseguiu fazer tudo isto estando em Washington? — ela mudou logo
de assunto, disposta a preservar aqueles bons momentos que passavam juntos.
— Roger. . .
— Roger? Então ele sabia de tudo e não me contou? Estivemos juntos todos os dias
desta semana! — Ela não acrescentou que o amigo parecia cada dia mais deprimido, à
medida que se aproximava a data de lançamento do ônibus espacial.
— Pense nisso como um presente. Era um segredo para seu próprio bem.
O humor de Cristian parecia ter mudado quando chegaram à casa. Ele a levou para a
cozinha, aconchegante, depois para a sala de teto alto, forrado de madeira, e a varanda,
que praticamente dava na água. Por último, foram ao quarto ultramoderno, com cama de
água, espelhos e, ao invés de quadros, a foto de uma rosa ocupando toda a parede.
O quarto não tinha nada a ver com o dela, mas Érica o adorou. Na decoração,
predominavam o preto e o branco, com detalhes em vermelho, tudo muito chique e bonito.
Lá, como em toda a casa, havia grandes vasos com flores frescas, o que, sem dúvida, era
gentileza de Cristian.
Ele retirou uma rosa de um vaso e substituiu a que pendia dos cabelos dela. Apesar
das muitas promessas, ele ainda não a beijara.
— O que você achou? — perguntou travesso, enquanto servia o champanha.
— Estonteante! A vista do mar é maravilhosa.
— Sinto a mesma coisa. Se não "estiver muito frio, podemos ficar um pouco na
varanda.
— Adoraria sentir a brisa que vem do oceano.
Foram para o jardim, bebendo champanha. Cristian sentou-se em uma das cadeiras e
acenou para que ela ocupasse o lugar ao lado dele. A brisa do mar e o clima perfeito
combinavam com a música suave da vitrola. Demorou um pouco, até que ela percebesse
que não era imaginação: a música era a mesma do primeiro dia que saíram juntos. Ele
olhou-a, depois convidou-a para dançar.
Não havia ninguém em quilômetros. Cautelosamente, ela apoiou a cabeça nos ombros
largos e puxou-o para si.
— Lembra-se da primeira vez em que dançamos? — ele perguntou.
— Claro.
— Não estávamos sozinhos.
— Não.
— Você ficou maluca.
— E como!
Cristian puxou-a contra o peito e beijou-lhe delicadamente os cabelos.
— Você queria que eu tocasse seus seios, lembra-se? Quer que eu faça isso agora?
— Sim! — Ela já não falava mais, apenas gemia de desejo. Os mamilos começavam a
se intumescer de ansiedade, mas
as mãos dele não se apressaram, acariciando-lhe lentamente, a pele macia dos seios.
Érica mal podia suportar tanto desejo. Quando sentiu o toque daqueles dedos famintos
que penetravam pela blusa, mordeu-o de prazer. Cristian, sadicamente, circundava a
auréola dos seios fartos que a blusa meio desabotoada protegia, sem tocar os mamilos,
que pareciam a ponto de explodir.
— Sabe o que eu queria fazer, enquanto dançávamos aquela noite? — ele sussurrou,
bem perto da orelha dela. —- Queria deslizar meus dedos pelo bico de seus seios e
segurar seu bumbum perfeito em minhas mãos.
O efeito dessas palavras foi imediato. Ela sentia a eletricidade que emanava do contato
com o corpo rígido dele.
— Você gostaria que eu fizesse isso agora?
Colocando os dois braços nos ombros dele, ela concordou. Automaticamente, as mãos
dele abandonaram a linha do busto e deslizaram para as costas, descendo até a curva da
cintura. Ao mesmo tempo, sua boca tomou-lhe os seios com força, lembrando que aquela
noite era dele.
— Esses botões são lindos, mas acho que estão atrapalhando o caminho.
Impaciente, Cristian terminou de desabotoar o camisão que ela vestia e, sensualmente,
começou a soltar-lhe a saia, enquanto acariciava as partes que se descobriam. Quando a
saia já estava livre de amarras, caiu no chão. Com violência e ansiedade, ele se livrou da
própria camisa.
Vestida apenas com a calcinha, Érica viu-se puxada e comprimida contra ele, sentindo
a excitação que dominava a ambos.
— Queria despi-la enquanto dançávamos naquele dia. . . Incapaz de conversar, Érica
apenas balbuciava e gemia.
— Acabe de tirar minha roupa — sussurrou Cristian, beijando-lhe levemente a orelha.
Ela tentou desafivelar o cinto das calças dele, mas parecia incapaz de fazê-lo.
Enquanto desempenhava a tarefa, sentia as carícias que a incentivavam e, gritando de
desejo, parou.
— Se for parar por aqui, também paro — ele avisou.
As mãos se tornaram ágeis e, em poucos instantes, o homem amado estava nu,
abraçando-a. Então as mãos fortes deslizaram pela frente de seu corpo bronzeado e
repousaram, sorrateiramente, entre as coxas bem-feitas, lentamente procurando nova
excitação.
— Oh, Cris! — Érica gemeu, enquanto a única peça de roupa que os impedia, a
calcinha dela, era afoitamente retirada por ele e jogada para longe.
— Eu te amo! Isso nunca vai mudar, fique certa.
Com movimentos compassados, beijavam-se e iam se abaixando. Enfim, ele a
penetrou antes que tivesse tempo de se deitar. Mesmo assim, a espera fora longa
demais. . .
Na terça-feira de manhã o brilho nos olhos de Érica ainda não desaparecera. Nem
mesmo os avisos sobre um furacão, que obrigaram a suspensão dos testes em gravidade
zero, conseguiram diminuir-lhe o contentamento.
O fim de semana fora perfeito em quase todos os sentidos. Fizeram amor muitas
vezes, divertiram-se por dois dias gloriosos. Mas, no domingo, Cristian pegara a mala e
fora dormir na base. Apesar de toda a ternura e do amor que não diminuíra, ele estava
decidido a não entrar na casa dela.
A próxima vez que o viu, Érica estava em reunião, quando ele bateu e colocou a
cabeça na fresta da porta. Estacou ao ver que ela não estava sozinha.
— Desculpe, volto mais tarde. Não queria atrapalhar.
— Não tem problema — ela apressou-se a responder, incapaz de esconder o brilho no
olhar que a simples presença dele lhe causava.
Pediu licença a Mark e a Paul que estavam na sala e saiu.
— Kika, estou morrendo de saudade! — ele murmurou, beijando-a no pescoço e
abraçando-a fortemente.
— Eu também! — ela retrucou. A magia existente entre eles era muito grande para ser
traduzida em palavras.
— Só ia telefonar no sábado. Queria levá-la para assistir ao Sonho de uma Noite de
Verão, numa montagem ao ar livre, se o furacão passar. Mas não pude perder a chance
de encontrá-la antes.
— Sim.
— Sim? Para quê? A peça ou a desculpa?
— Ambas. E também para a proposta que você vai fazer aqui — disse, abrindo o
primeiro botão da blusa.
Esse gesto não revelava nada de mais, nem poderia ser percebido pelos que
passassem naquele momento pelo corredor. Eram as promessas implícitas nele que
importavam. . .
— Não faça isso comigo, tenho uma reunião em meia hora — Cristian argumentou.
— Venha me encontrar quando acabar.
— Estarei ocupado o dia todo. — Ele parecia sem fôlego. —- Se você quiser, vá à noite
lá em casa. — Muito tarde, ela se lembrou da objeção que Cristian fazia a sua casa. —
Ou posso encontrá-lo em qualquer outro lugar. A base. . . um hotel. .. onde você quiser...
— consertou e calou-se, embaraçada, pois sabia que avançara o sinal. Ele a desejava à
maneira dele.
— Quando eu ficar livre, telefono. Talvez possamos nos encontrar em algum lugar, se
não for muito tarde.
— Não me importa a hora. Sinto falta de você. Sei que ainda não quer entrar na minha
casa, mas, se houver outra maneira. . .
Ele afastou-se, analisando essas palavras. Érica não pretendia dizer nada que pudesse
dar oportunidade a má interpretação.
— Você ainda está magoada? Ainda sente medo? — ele perguntou inesperadamente.
— Claro. Até o fim de semana passado, não conseguia nem pensar direito. Sei que
estou sendo testada e você ainda pensa que vou abandoná-lo. Como não ter medo?
— Passei por momentos terríveis nestas últimas semanas.
— Ele parecia tenso agora. — Mas tudo será decidido hoje. Talvez, depois, seja mais
fácil para mim diminuir o orgulho de piloto que cultivo.
— Seja orgulhoso, se quiser, bravo, irritadiço, qualquer coisa. Apenas não me
abandone.
— Será que eu pareço querer escapar? — ele perguntou, malicioso.
Lembrando-se da última vez em que se encontraram no corredor, Érica temeu que ele
chegasse atrasado para a reunião, como anteriormente. Criou coragem e procurou fazer o
que era melhor para ele, falando em tom formal:
— O senhor está sendo esperado na reunião, comandante.
— Depois, mudando de tom: — Encontro-o no sábado, sem dúvida. Com ou sem
furacão, ou em qualquer momento que seu horário permita.
— Kika, esse encontro... Se eu parecer um pouco distante, não pense que é por sua
causa, está bem? Não importa o que aconteça, acho que nunca precisei tanto de você
como hoje.
Milhares de dúvidas povoavam a cabeça de Érica quando ele se foi. Envolvida com os
próprios problemas, ela percebera que não fora só para marcar um encontro que ele fora
procurá-Ia, mas para fazer uma despedida como antes de entrar em batalha.
Qual seria a guerra, quais os problemas, nada era acessível para ela. Apenas
conseguiu balbuciar, antes que ele sumisse no final do corredor:
— Eu o esperarei de braços abertos. Não importa para que, nem quando. Estarei
esperando.
No meio da tarde, nuvens negras cobriam toda a baía. Às três horas, Jeb Henson
apareceu e confirmou os pressentimentos dela.
— O que quer que estejam fazendo, pode esperar — ele anunciou aos técnicos que
trabalhavam com ela. — Preciso falar com a Dra. Newman a sós.
Ele não a chamava assim há meses, nem mesmo quando, nos primeiros tempos, a
tratava com frieza.
— Jeb... ela se antecipou em pânico.
— Érica, tenho a impressão de que Cris significa muito para você. Será que sabe o que
significa para ele?
— Acho que sou importante, mas...
— Ele tem a família, a Marinha e você; e não tenho certeza se ele sabe em que ordem
essas coisas vêem. Acredito que sei onde ele vai aterrissar hoje à noite: direto para você.
E.. . se estragar tudo, desta vez. . . — Jeb estava estranho. — Sabe que sempre
considero a missão em primeiro lugar. Mas, hoje, tenho um grande amigo com problemas
e, por sua causa, ele não virá falar comigo, nem com nenhum de nós, seus
companheiros, que poderíamos entendê-lo. Quando ele aterrissar dessa tempestade...
— Ele está voando? Com esse furacão? — O terror percorria sua espinha.
— Claro! É isso que os pilotos fazem, especialmente quando estão tão bravos que não
conseguem pensar direito.
— Jeb, pelo amor de Deus, o que está acontecendo? Nós nos despedimos bem, hoje
de manhã. Ele estava preocupado com uma reunião, mas eu não o magoei.
— Não seja tola! Acha que você é o único problema da vida dele? Cris vai acabar,
exatamente, na porta da sua casa, e se você não estiver lá para recebê-lo, torço seu
pescoço.
Sem respiração, Érica estava com os olhos em Jeb, o frio comandante da missão e o
amigo leal. Nada parecia abalar sua calma, mas agora ele estava furioso e Érica ainda
não tinha idéia dos motivos.
— Farei qualquer coisa por ele, desde que você me diga o que há de errado.
Jeb jogou-se na poltrona e, parecendo exausto, explicou:
— Não posso revelar muitos detalhes, mas em linhas gerais é o seguinte: os russos e a
Casa Branca estão negociando um novo acordo de desarmamento. De alguma maneira, a
missão de Cris entrou na barganha. Os russos se recusam a continuar negociando
enquanto estivermos testando esse sistema de satélites não-balísticos. Enfim, a verdade
é que a missão dele naufragou.
"Naufragar." À noite, o verbo continuava martelando-lhe o cérebro, significando que
tudo na sua vida e na de Cristian poderia mudar. Se era difícil para qualquer pessoa
suportar o arquivamento de sua missão, era só ver o exemplo de Roger. Com Cristian era
ainda mais complicado. Os sentimentos com relação à Marinha, o desejo de deixar os
pais orgulhosos e o amor por ela...
"Talvez tenha que engolir um pouco do meu orgulho", ele dissera naquela manhã, sem
no entanto compartilhar nada com ela. Nem mesmo quando perguntara sobre o assunto
de Washington. Seria a questão assim tão secreta? Ou era ela que nada lhe oferecera e
agora era tarde demais?
Jeb acreditava que Cristian iria para a casa dela, mas ela não estava muito segura
disso. Com aquele golpe em seu orgulho e as recusas anteriores de entrar na casa,
qualquer outro lugar pareceria melhor.
Horas se passaram. Cristian dissera que poderia chegar tarde, mas omitira quão
"tarde" poderia ser. Ele poderia querer encontrá-la em algum outro lugar... mas era muito
cortês para pedir que ela saísse no meio da noite.
À meia-noite, Érica já limpara toda a casa, fizera dois bolos e uma torta. Mergulhara na
piscina várias vezes para acalmar os nervos, mas continuava tensa.
Observando as nuvens negras sobre a baía, perguntava-se sobre o significado dos
sermões que ele lhe passara várias vezes. Precisava saber se Cristian estava a salvo.
Vislumbrou a vida das esposas da Marinha, compartilhou de suas angústias e
apreensões. Lembrou-se de que aquela guerra só acontecia dentro dele.
Intimamente, percebeu que fora egoísta, ao se preocupar com as conseqüências do
fracasso da missão, com o relacionamento deles e seus próprios sentimentos. Esquecera
de preocupar-se com ele próprio.
"Lar é para quem você está indo. . ."
Érica era o lar dele. Deveria saber que ele viria e estar pronta para recebê-lo, quando
isso acontecesse.
CAPÍTULO XIV

Passava da meia-noite quando Cristian dirigiu-se à casa. Havia luzes em todos os


cômodos. Seria uma mensagem de boas-vindas? Talvez. Poderia, também, ser apenas
um sinal de que Érica trabalhara até tarde. Suspirou. Aquela era uma idéia redundante.
Érica não seria ela mesma se não estivesse trabalhando até muito tarde.
Saberia ela o que ocorrera na vida dele, naquele dia? Será que se importava? De
manhã, parecera ansiosa para vê-lo. A magia ainda os unia fortemente, e ele se esforçara
para fingir que seria suficiente. Entretanto, naquela noite, não poderia fingir. Precisava de
um amigo, seu melhor amigo. A outra parte de seu coração. Não poderia fingir o que
precisava, não naquela noite. Ou ela finalmente o compreenderia, ou nunca mais.
Tirou a chave do bolso, enquanto andava pelo gramado e pensava: "Apenas desta vez,
não me abandone".
A porta se abriu facilmente, como se ela já o esperasse. Surpreso, ele viu a sala de
visitas vazia, incrivelmente limpa, sem o menor traço dos livros e papéis habituais. Na
noite em que fora embora, prometera a si mesmo que só retornaria àquele lugar mágico
quando Érica mudasse ou a missão acabasse. Naquele momento, não estava certo se
mantivera a promessa. Apenas sabia que necessitava de seu conforto. . . seus carinhos. ..
A única coisa que o afastaria seria se ela o dispensasse.
Sem hesitação, rumou para o quarto. Pela porta entreaberta, avistou a pequena luz do
abajur ao lado da cama.
Ela não estava lendo. Apenas esperava. Estava ainda mais linda do que ele se
lembrava... os olhos cheios de amor e medo. Um simples lençol a cobria até a cintura, os
seios estavam protegidos por uma camisola azul-clara, cheia de lacinhos.
Enquanto observava os mamilos, que despontavam através do tecido, Cristian sentia
vontade de afundar o rosto naqueles laços, segurá-la e chorar; e depois fazer amor, sem
nada dizer. Será que ela entenderia? Apenas uma vez? Quedou-se mudo, enquanto
lutava para encontrar uma maneira de se aproximar. . .
— O que você acharia se eu... passasse a noite aqui? — ele perguntou de chofre,
quase sem graça.
Ao ouvi-lo, ela se sobressaltou, olhando em sua direção. Depois de se recuperar do
susto, tentou sorrir.
— Seria ótimo.
— E amanhã? — Ele engoliu em seco, não agüentando o desejo de segurar-lhe os
seios.
— Seria muito melhor. — Foi a resposta, acompanhada de outra tentativa de sorriso,
mas ela ainda não conseguia esconder a apreensão.
O vento pressionava a janela, lembrando-os do furacão que Cristian acabara de
enfrentar.
— E quanto. . . à noite, depois de amanhã?
Érica levantou-se. A camisola curtinha revelou-lhe as pernas perfeitas enquanto ela
corria para abraçá-lo. Afundou a cabeça contra os ombros dele e se abraçaram. Ele a
beijou fortemente. A frustração ainda não extravasada pelas horas de vôo transbordava.
Érica retribuiu todos os beijos, absorveu toda a raiva, presa cada vez mais a ele.
Subitamente, a raiva passou e ele, encostado à porta, segurou-a junto do coração, as
mãos acariciando o corpo que em breve seria seu. Pareciam uma única pessoa. Ela
procurava absorver-lhe toda a angústia e logo uma sensação de alívio intenso percorreu-
lhe o corpo.
Permaneceram muito tempo naquela posição.
— Sabe o que eu gostaria de fazer, Cris?
Ela não respondeu. O que quer que fosse, ele não queria. Não tinha vontade de nadar,
ou de comer ou de ouvir outro conselho sob como tinha sorte em ser da Marinha, que não
fora sua culpa o fracasso da missão e que receberia novas ordens que o afastariam de
Houston. Não queria que tornassem a comentar que ele não decepcionaria seu pai, nem
mesmo em relação ao filho que ele nunca teria, se continuasse insistindo na loucura de
amar Érica Newman.
— Gostaria de massagear suas costas, querido — ela continuou. — Será que
entregaria seu corpo em minhas mãos?
— Sempre tive muita fé em suas habilidades, doutora.
— Então, siga-me.
Ela conduziu-o para a cama, tirou-lhe a roupa com amor, mas sem provocá-lo. Estava
muito sexy na camisola azul-clara que usava, mas Cristian não estava pronto para tocá-la.
Não ainda. .. Primeiro precisava consertar-lhe o humor desfigurado.
— Vire-se, confie em mim e relaxe.
Sentada sobre suas costas, apoiando os joelhos na cama, Érica começou a descrever
grandes círculos com os dedos sobre os ombros de Cristian. Depois, massageou*lhe a
coluna, sentindo todos os pontos de tensão, a começar pelo pescoço. Sem dizer nada,
lentamente aliviava o stress daquele dia horrível.
A mudança de humor foi sutil, mas definitiva. Logo um leve sorriso aparecia nos lábios
dele... o primeiro desde a manhã.
— Pensei que a doutora havia prometido um relaxamento — ele provocou. — Nesse
caso, a senhora está fazendo um péssimo trabalho.
— Prometi fazê-lo sentir-se bem. Não é a mesma coisa?
— Ora, desculpe!
— Vire-se!
Ele riu e obedeceu.
Enquanto ela massageava-lhe o peito, a camisola deixava à mostra as coxas bem
torneadas. Sem resistir, ele abaixou-se e beijou-a gentilmente. Não era um beijo que
exigia satisfação. Apenas desejava aliviar a dor. Selava todo o amor e amizade que
sentiam.
Érica repetiu a mesma massagem na frente do corpo, mas, desta vez, com a pretensão
de carícia. Quando atingiu-lhe o membro viril, Cristian sentiu todo o corpo se levantar,
com o coração cheio de paz, muito além do que acreditara ser possível.
Acariciando-a agradecido, ele deslizou a mão para dentro do leve tecido e tocou-lhe os
seios com a ponta dos dedos, observando sua expressão de desejo.
Ela acariciou-o ainda mais fortemente, tentando manter o controle ameaçado.
— Não atrapalhe — ela sorriu. — Estou procurando trabalhar sem distrações.
— Você quer me convencer que esses pequenos carinhos podem desviar a atenção de
quem trabalha tão concentrada? — ele perguntou, com um dos seios dela nas mãos.
Sem esperar pelo gemido de contentamento, enquanto a acariciava provocador,
Cristian afastou com a boca o tecido que ocultava seu esplêndido corpo de fêmea e
passou a lamber-lhe cuidadosamente a ponta dos mamilos, as mãos deslizando por todo
o corpo arquejante. .. Quando ela começou a se mover no ritmo dele, Cristian soube que
a hora chegara.
— Apenas me dê uma dica, meu bem — suspirou ele entre os seios dela. — Como
posso tirar isso aqui?
Ela começou a rir.
— Comprei este baby doll especialmente por sua causa e você nem liga?
— É muito sedutor, querida. Adorei. Mas, neste exato instante, prefiro brincar com a
minha boneca.
Rindo da brincadeira dele, Érica, ávida, ajudou-o a livrar-se dos laços de cetim. Depois,
gemeu com as carícias, enquanto sentia o membro másculo dele crescer em suas mãos.
Além de alegria, ainda havia dor naqueles olhos azuis que não se desviavam dela.
Cristian sabia que Érica temera perdê-lo para o furacão, mais do que por negligência sua.
Nunca esqueceria os momentos de angústia que os uniam, como naquela noite em que,
banhada em lágrimas, ela implorara por ele na frente de todos os seus amigos. Sem
saber por quanto tempo o teria, ela colocara seus interesses de lado para cuidar de
satisfazer apenas os desejos do homem que amava.
Érica levantou o rosto para ele e recebeu um beijo que mesclava dor e medo. Nunca
antes havia desfrutado da comunhão de sentimentos tão profundos.
"Lar, afinal", Cristian pensava, quando a fez sentir-se a mais desejada das mulheres. . .
Na manhã seguinte, Érica acordou tarde, presa nos braços dele. Sentia-se leve. Seu
homem voltara para casa. Nunca mais a abandonaria.
Passou-se um tempo até que Cristian começasse a se mexer, mas Érica não se
moveu. Estava determinada a ficar ao lado dele, para que fosse ela a primeira coisa que
visse, quando se lembrasse da missão fracassada. Quando ele acordou, finalmente,
percebendo onde estava, deu-lhe um sorriso quente.
— Melhor? — ela perguntou, gentil, sabendo que a perda ainda doía, apesar do
conforto que recebera.
— Um pouco — ele concordou, sentindo as carícias dela. — Ajuda saber que não foi
minha culpa. Também é muito bom saber que não estou sozinho.
— Sou sua. E você pertence a mim. — Ela beijou-o, antes de se afastar e sussurrar: —
Será que isso significa que vou finalmente ganhar meu par de asas douradas?
— Você as quer? — ele perguntou, surpreso. Sem jeito, ela retrucou:
— Não ligaria se você não fosse piloto. Mas, já que voar significa tanto para você, não
consigo parar de pensar por que vem se esquivando desse costume comigo.
— Bem, querida, não é apenas um costume — ele falou, depois de pensar por um
minuto. — É uma honra que a mulher recebe. O máximo de respeito que pode merecer. O
direito de usá-las deve ser conquistado. Uma vez dadas, nunca mais podem ser tiradas.
— Ele parecia pensativo. — Nunca dei um par de asas douradas a Vivian.
— Demorou muito tempo para que eu entendesse o que voar significa para você, Cris. .
. Seus sentimentos com relação à Marinha. Mas acho que agora posso dizer que me
sinto honrada por ser amada por um piloto da Marinha. . . um oficial e um cavalheiro.
Ele fechou os olhos, como se tivesse encontrado a paz dentro de si.
— Estou feliz por ouvir isso de você, querida — respirou fundo, antes de continuar. —
Porque agora temos que discutir um pouco os negócios da Marinha, antes de ir trabalhar.
Érica olhou para o relógio, já estavam bastante atrasados.
— Se vai ser sério, talvez pudéssemos adiar para hoje à noite. Quero que você tenha
certeza de que terá a minha mais completa atenção.
Ele a beijou novamente, entendendo sua apreensão.
— Não é sempre que a Marinha dá tempo para meus encontros, amor. Resumindo, vou
para Washington esta tarde com Alan. E acho que não estarei de volta antes do
lançamento de sua nave.
Érica ficou desapontada, mas se conteve.
— Não acho que a noite passada seria diferente se eu soubesse disso.
— Nem eu — ele sorriu.
— Mas você já sabia!
— Não estava com ânimo para falar. — Ele afastou-se e encarou-a. — Querem discutir
alguns detalhes da missão comigo e vão ver o que vai para o lixo e o que podemos
salvar, quando as águas diplomáticas estiverem mais calmas. — Sem mudar o tom de
voz, completou: — A Marinha está precisando de treinadores de pilotos de teste e estou
com vontade de voltar a voar em jatos por tempo integral. Quando tiver completado meus
sete anos de empréstimo à NASA, será muita sorte se tiver feito pelo menos uma viagem
espacial. Senão, pode ser muito melhor para nós dois... mudar e deixar todo esse caos
para trás.
— Nós dois? — Érica sussurrou, não muito certa de ter entendido. — Você quer dizer a
Marinha e você?
— Não, querida, quero dizer você e eu. A Marinha ficaria mais feliz em me deixar aqui
por mais algum tempo, mas, francamente, acho que nós seremos mais felizes em algum
outro lugar. Estou em condição. . . de poder negociar o local de meu próximo serviço.
Então, pensei que poderia tentar conseguir alguma base que tivesse um bom hospital
para você.
Cristian fazia uma tentativa de mudar sua carreira para acomodar a dela. A oferta
comoveu-a profundamente, mas ela ainda não sabia o que responder.
— Então, o que você acha? Gostaria de deixá-la pensar depois de completada sua
missão para decidir. Mas, se vou pedir transferência, tem que ser agora.
— Não acho que seja hora para decisões precipitadas, Cris — ela conseguiu falar. —
Com você recém-saído de problemas tão sérios, deveria ter tempo para se acostumar ao
que aconteceu.
— Talvez. Mas o que preciso mesmo saber é.. . Você quer permanecer aqui e matar-se
por mais alguns anos, depois de ter terminado com esta missão, ou será que devo pedir
minha transferência agora, para sairmos daqui, tão logo nos casarmos? Nós ainda não
falamos sobre uma gravidez ou duas, mas acho...
Cristian pareceu perceber que ela ainda não dissera se gostaria de se casar com ele.
Apesar daquela noite perfeita, ela ainda não prometera segui-lo pelo mundo.
Sem olhar para os olhos dela, Cristian mudou de assunto.
— Nós vamos nos atrasar se não nos apressarmos. Quer tomar banho primeiro,
enquanto preparo o café?
O silêncio no quarto era pesado. Érica não conseguia compreender.
— Cris, eu amo você -— ela começou, hesitante, sabendo que não poderia ignorar as
palavras tão ternas que ele lhe dissera. — Eu...
— Eu também. Você quer omelete?
Era a última coisa que ela esperava que ele dissesse, então calou-se. Jogando para o
lado as cobertas, levantou-se, mas, antes que chegasse à porta, Cristian a alcançou para
beijá-la.
— Você já me disse, querida, tudo o que eu queria ouvir. .. ontem à noite.
Pelo resto do dia, Érica não conseguiu se concentrar, apesar de estarem trabalhando
em tarefas essenciais para o lançamento. A tentativa simulada de reentrada na atmosfera
terrestre fora um desastre, com toda a equipe terminando simbolicamente queimada.
Depois do "lançamento", um dos instrumentos cirúrgicos flutuara durante a prática
simulada de cirurgia e quase o paciente fictício sangrara até a morte.
O especialista de Nova York dera valiosas informações sobre cirurgia em chimpanzés,
mas pouco ajudara no que se referia a operações em gravidade zero.
No fim do dia, Érica saiu do trabalho precisando desesperada-mente dos braços de
Cristian, mas não o veria até depois do lançamento. Ele a deixara pela manhã, com beijos
doces e palavras de ânimo, prometendo esperar por ela quando regressasse da missão.
Aliás, ele nunca estivera tão entusiasmado com o projeto. Tão entusiasmado que não
parecia verdadeiro. Pior ainda, não mencionara mais a proposta de casamento, nem
discutira a transferência, recusando-se a ouvir qualquer palavra pessimista sobre o
assunto. Ao contrário, ele a confortara e tentara demonstrar que tudo estava perfeito.
No fundo, isso a assustava. Afinal, por que Cristian abandonaria sua maneira de ser,
para apoiá-la numa hora como aquela? Ainda mais que para ele parecia haver uma única
questão: o que vinha primeiro em sua vida, Cristian Tatum ou carreira espacial. Agora,
quando ela pensara estar pronta para responder, ele simplesmente deixara de perguntar.
Mal chegara em casa, Érica recebeu um telefonema do hospital da base que não a
deixou com tempo para pensar no assunto. O bebê de Katie decidira nascer algumas
semanas antes e havia um problema com o tamanho dos ombros dele. Após oito horas de
trabalho de parto, o médico se decidira por uma cesariana de emergência, mas Katie se
recusava a dar consentimento para a cirurgia sem antes falar com Érica.
— Kika... — Katie murmurou, quando viu a amiga entrar na sala de parto, quinze
minutos depois. — Pensei que nunca chegaria.
— Shhh! Vim o mais rápido que pude. Por que você demorou tanto para me chamar?
— Sei que está muito ocupada. O lançamento. . . está para acontecer em poucos dias
e você tem que dedicar todos os momentos livres para Cris. — O rosto suave da amiga
estava vermelho do esforço. Cada palavra custava-lhe uma respiração angustiada. —
Não queria atrapalhar.
Érica acalmou-a com palavras de conforto enquanto se recriminava, intimamente, por
não ter tempo nem para a medicina, nem para os amigos e muito menos para ser esposa.
Tudo por culpa de seu horário maluco.
— Ouça-me, Katie — ela falou baixinho. — Conversei com o médico e ele sabe o que
está fazendo. Quero que dê permissão para a operação. Agora.
— Quero ver Bill! — Katie falava, sentindo sua disposição minada pelo pânico e pela
dor. — Maldita Marinha! Por que eles tinham que afastá-lo de mim agora?
As palavras de Cristian a bordo do navio, na cerimônia de troca de comando, vieram-
lhe à memória. Agora enfrentava a verdade que ela mesma tentara esconder de si
mesma, por vários meses. Mas, naquele instante, via também o outro lado da moeda.
Podia imaginar como Bill se sentia, separado de sua jovem esposa, quando ela mais
precisava dele. Cristian ficaria louco se não pudesse estar com Érica no momento em que
ela fosse dar à luz.
— Katie — ela tentou novamente, afastando seus próprios sentimentos — É seu dever
assinar os papéis, assim o médico pode cumprir com sua obrigação: uma esposa da
Marinha deve aprender a levantar o queixo. Seja forte, deixe que Bill se orgulhe de você.
— Você tem certeza de que está tudo bem?
— Tenho.
— Não vou morrer?
— Não vou deixar que isso aconteça.
— E o bebê? Se eu estiver inconsciente, você toma conta dele? Segura-o até que eu
volte a mim?
— Claro!
— Promete? Não deixe que o levem para algum berçário antes que eu acorde.
— Prometo. Você vai assinar os papéis?
— Se você segurar o bebê. . . — a amiga repetiu.
Em instantes, os papéis estavam assinados, e Katie, anestesiada.
Não foi fácil para Érica assistir à operação sem poder ajudar, mas, como não estava
autorizada a trabalhar no hospital, permaneceu quieta, enquanto observava o médico
cuidar de tudo. Quando o bebê nasceu, um lindo e robusto menino, acomodou-o no
cobertozinho, como um pequeno ninho para a nova vida. Em seguida, foi para o quarto
onde Katie deveria ficar; levando o pequeno ser em seus braços. Com a boquinha ávida,
ele procurava-lhe o seio. Os olhos eram azuis, como os de Cristian . .. Seu cabelo ralo era
preto como a noite, iguais aos de. . . Cristian. Sua face avermelhada, como na fotografia
de. . .
Érica já segurara dezenas de bebês nos braços, desde que começara a se encontrar
com Cristian. Não havia razão especial para esse pequenino ser afetar-lhe tão
profundamente, a não ser por que... ela amava um homem que queria ser pai!

CAPITULO XV

Seis dias depois, toda uma vida de sonhos e esforços levava Érica Elizabeth Newman
ao meio da plataforma de lançamento do ônibus espacial Odyssey, em Cabo Kennedy, na
Flórida. Todos os sentimentos dos últimos dias eram, naquele instante, uma vaga
lembrança.
Deitada de costas, na cabina do ônibus espacial, ela estudava a parede cheia de
botões e mostradores que se tornara seu teto. Usava apenas o uniforme de vôo e o
capacete. As máscaras de oxigênio das primeiras viagens não mais eram necessárias,
mas permaneciam acessíveis, para o caso de uma emergência.
Por toda a cabina, os instrumentos estavam pregados à parede por tiras adesivas de
Velcro. A própria Érica, inclusive. Quinto, o chimpanzé, estava dopado e todo amarrado.
O lançamento só se efetuaria na manhã seguinte. Nesse meio tempo, Ética teria outras
atividades a executar. Os movimentos a serem feitos, cada botão a ser apertado, cada
instrumento a ser manipulado eram, para ela, tão familiares quanto sua cozinha. Haviam
ensaiado cada movimento centenas e centenas de vezes. Não poderia haver nenhuma
dúvida ou erro. Deveria até sobrar tempo para olhar o espaço.
O dia do lançamento amanheceu lindo, na Flórida. O céu brindava-os com um lindo
panorama azul, pontilhado de pequenas nuvens brancas. Um telegrama de boa sorte dos
pais de Cristian chegara na noite anterior, e Érica desejara que seus pais também
pudessem compartilhar daquele momento. Se fossem vivos, certamente estariam
orgulhosos. . .
Cristian falara com ela dezenas de vezes pelo telefone, desde que partira para
Washington. Todas as vezes, com o mesmo tom entusiasmado e amoroso. Parecia estar
excitado por ter sido designado como oficial de comunicações e se recusava a falar sério
sobre qualquer outro assunto que não se referisse ao projeto, esquivando-se de todos os
esforços que ela fizera para discutir o futuro deles.
Em vista do entusiasmo maternal que revelara pelo bebê de Katie, Érica lutava tanto
quanto podia para convencê-lo de que estava, finalmente, decidida a ser mãe. Ela o
amava, mas ele entregara sua vida à Marinha dos Estados Unidos e esperava que sua
mulher se rendesse a ele. Poderia ela aceitar e desistir de momentos tão mágicos quanto
aquele?
Aos primeiros ruídos do motor, a adrenalina percorreu-lhe rapidamente as veias e seu
estômago comprimiu-se.
"É isso aí!" Seu coração gritava. "É isso aí!"
— É isso aí! — Jeb gritou para a equipe.
A espaçonave começou a vibrar, pulsar, com poder diferente de tudo quanto Érica
jamais imaginara. Era uma emoção que o simulador não poderia reproduzir. A percepção
do poder humano. Odyssey tremia e roncava. Um vapor branco cobriu, por instantes, as
grandes janelas e Érica lembrou-se de que o mundo estava lá fora. O universo seria dela
por cinco dias.
— Dez. . . Nove. . . Oito. . . Sete. . . Seis. . . Cinco. . . Quatro... Três... Dois...
Um!
Ela não conseguia mais ouvir nada! Todo seu corpo tremia. A força do impulso
pressionava-a contra o assento tão fortemente, que não conseguia respirar. Seus
músculos e ossos balançavam descontrolados. Então, vitoriosamente, sentiu que a nave
partira.
Olhou para Quinto, consciente das diferenças entre homens e macacos, enquanto
pensava na capacidade criadora dos primeiros. Aos poucos, a calma passou a tomar
conta de seu corpo e ela pôde admirar a linda e enorme esfera azul que aparecia na
janela.
"Terra!", respirou maravilhada. "Oh, Cris! Como gostaria que estivesse aqui comigo!"
Era um momento incrível. Seu pulso disparou. Não da maneira como fazia quando
Cristian a tocava. A comparação surpreendeu-a. Havia algum tipo de analogia possível
entre esses dois prazeres? Se ela tivesse que fazer uma opção, e cedo ou tarde deveria
fazê-la, qual escolheria?
A resposta flutuava no espaço, enquanto abria o cinto de
segurança, para ela também aproveitar a leveza da falta de gravidade.
— Odyssey, aqui é Houston — Cristian repetiu pela quinta vez, em menos de uma
hora. — Como está o chimpanzé?
Sua vontade era perguntar pela doutora, mas conteve-se, não queria distraí-la. Por
sessenta e oito minutos, Érica estivera operando, enquanto Paul a assistia e Mark tomava
notas para completar seus comentários gravados. Roger, sentado ao lado de Cristian no
centro de controle da missão, agira como principal entusiasta e consultor. Parecia ansioso
e animado.
O excitamento de Cristian também era considerável. Érica ainda não entendera a
mudança de comportamento dele em relação à missão e pensava que, provavelmente,
havia algum motivo oculto para que demonstrasse tanto entusiasmo. Mas a simples
verdade era que, no momento em que se perdera entre os laços de sua lingerie, parara
de procurar provas de que vinha em primeiro lugar na vida dela. Não precisava mais ouvi-
la falar em casamento, nem exigir que ela desistisse da missão. Subitamente, percebera
que sempre seria o primeiro na vida de Érica Newman.
Cristian estava surpreso por ela ainda não ter percebido. Algum dia, ela saberia. Nesse
meio tempo, ficariam mais quatro anos na NASA, ele lhe ofereceria apoio e amor e,
quando a euforia inicial passasse e o nome dela se tornasse uma simples nota de rodapé,
não mais manchete, ela estaria pronta para ele.
Não sabia como resolveriam os detalhes técnicos; nem quais sacrifícios ela, ele ou a
Marinha fariam, mas era claro que, se ela poderia executar aquele milagre médico que
presenciavam, conseguiria coordenar a vida de mulher livre com a de mulher de oficial da
Marinha.
Como num filme de Jornada nas Estrelas, lá estava Érica, vestida com o traje espacial,
a máscara cirúrgica, segurando uma miscelânea de instrumentos. Estava amarrada ao
lado da espaçonave, os cotovelos atados ao corpo para maior controle. Na mesa de
operações, imobilizado, Quinto olhava o mundo pela escotilha, todos os membros de seu
corpo presos fortemente, Era uma cena esquisita demais mas, ainda assim, Cristian sabia
que aquela era a realidade pela qual sua mulher trabalhara a vida toda.
Já vira vôos espaciais pelas telas da NASA e várias operações na televisão. Mas
nunca se sentira participante do sucesso de outra pessoa, experimentando a emoção da
vitória por outro alguém.
"Eu te amo, Érica Newman." Seu coração aplaudia, enquanto ela completava a cirurgia,
levantando as mãos em sinal de triunfo. Esperava que ela entendesse a mensagem
oculta na voz quando falou:
— Congratulações, doutora! A imprensa acaba de chamá-la "Supercirurgiã do Espaço".
A resposta voltou por meio da mais sofisticada rede eletrônica que o século vinte
conseguira construir.
— Diga a eles que podem me chamar de metade do time Roger-Érica de cirurgia. Darei
maiores informações e um relatório quando pousar. Mas as linhas gerais são estas:
Quinto vai se recuperar e nós aprendemos quase tudo para fazer uma cirurgia humana de
emergência aqui em cima. — A euforia dela era contagiante, quando perguntou: — Posso
falar com Roger?
Um mês atrás, Cristian teria sentido ciúme. Roger dominara a atenção de Érica durante
toda a cirurgia. Com centenas de pessoas ouvindo, ela falara com o oficial de
comunicações Cristian Tatum, reservada e discretamente. Afinal, ele entendera a paixão
dela pelo espaço e pela medicina. Seu triunfo valia todos os momentos que ele tivera que
esperar por aquele amor.
"Vale a pena esperar por você, Érica", Cristian pensava. "Não tive tempo de voltar para
nossa casa mas, quando você aterrissar, receberá uma celebração de boas-vindas que
não vai acreditar."
— Senhor. — A voz de um mensageiro chegou-lhe aos ouvidos. — Sinto muito, preciso
perturbá-lo. É uma mensagem muito urgente.
— Urgente?! — Roger exclamou indignado. — O que pode ser mais importante que
isso?
— Odyssey, aqui é Houston — Cristian recomeçou, certo de que Roger iria resolver o
problema da mensagem. — Vocês estão abrindo champanha?
Antes que qualquer um pudesse responder, Roger colocou um pedaço de papel sobre
a mesa de Cristian, que se surpreendeu. O que quer que fosse, estava certo de que seu
amigo resolveria.
— Sinto muito, amigo — Roger murmurou. — É um recado de sua mãe.
Dia após a cirurgia em Quinto, a tripulação da nave aterrissava na Califórnia, sendo
recebida pela população local, muito entusiasmada. Érica demorou o resto do dia para
voltar a Houston, resolver as coisas mais urgentes no centro espacial e dirigir-se até sua
casa. Estava exausta, mas aliviada. Orbitara em torno do globo terrestre, operara no
espaço, triunfara sobre o cansaço, o stress e as emoções conflitantes. Não havia como
esconder a exultação que a completava, nem podia ignorar a ansiedade que apertava seu
estômago quando chegou em casa e viu a entrada vazia. O carro dele não estava lá. Não
havia sinais de boas-vindas.
Roger fora bastante evasivo quando ele desaparecera abruptamente após a cirurgia.
Érica abriu a porta da frente e entrou. Havia apenas poeira por todos os cantos para
saudá-la. Pior ainda, a cama continuava desfeita, sinal de que ele não aparecera.
— Maldito! — Érica sentia-se perdida. — Nunca havia derramado lágrimas por homem
nenhum antes de me apaixonar por você!
Memórias vibrantes rondavam sua cabeça enquanto tentava encarar a possibilidade de
que ele não voltaria mais. Nunca pretendera voltar.
Ela fora, voltara. . . por nada. Para uma casa sem o sorriso dele, para uma cama vazia
sem seu corpo. E ela, naquele momento, se perguntava se tudo valera a pena.
A aventura espacial acabara, ela triunfara sobre a falta de gravidade e fizera uma
assombrosa cirurgia. A imprensa estava ansiosa pelos seus relatórios, o presidente a
congratulara enquanto ainda estava em órbita. Atingira o ápice absoluto da carreira.
Estava orgulhosa, agradecida, mas... sozinha.
Nunca sentira tamanho vazio em sua vida. Nunca sentira suas escolhas tão
dolorosamente claras. Nunca sentira uma decisão tão fácil de ser tomada.
Mas tentava convencer-se de que Cristian nunca a abandonaria. Ele prometera estar
lá. Nunca quebrara uma promessa sem bons motivos. Ele viria. De alguma maneira,
chegaria com explicações que iriam confortá-la. E, quando chegasse, ela diria que
adorara viajar no espaço, que estava emocionada com a possibilidade de subir
novamente, que sentia falta da cirurgia e que a operação de Quinto fora a parte mais
satisfatória da missão. Chegaria um tempo em que abandonaria seu turismo à custa da
NASA e retornaria à cirurgia humana. Poderia ser em quatro anos, alguns meses ou até
em uma semana! Quando chegasse o momento, ela o seguiria, independentemente do
projeto em que estivesse engajada. Abandonaria Houston de qualquer maneira, só para
ficar ao lado dele. Nunca mais permitiria que obstáculos os separassem.
Escondeu o rosto entre as mãos, aliviada porque ninguém a veria chorando. Fizera
uma gloriosa viagem e desejava muito poder repetir o feito. Valera a pena passar por
todos os percalços, apenas para provar que de nada significavam a fama e a
consagração sem a pessoa amada ao lado.
Novamente vasculhou a casa à procura de notas, bilhetes ou vestígios dele. Não
encontrou nada. . . Seu sexto sentido a avisava de que ele estava com problemas.
"Algo errado aconteceu. Ele me ama. Não importa quanto eu o machuquei, nunca me
abandonaria assim, depois daquela noite tão especial."
A campainha tocou, interrompendo suas preocupações.
— Roger! — Exclamou ao abrir a porta e encontrar o rosto do amigo semi-oculto por
um imenso buque de rosas vermelhas. — Que bom vê-lo!
Ela o abraçou da melhor maneira possível por entre o maço de flores e espinhos.
— Obrigado pelo entusiasmo, mas devo confessar que sou apenas um mensageiro —
ele disse, enquanto entregava o buque.
— Tem sessenta e oito, Érica. Eu mesmo contei para ter certeza. Cristian me deu
instruções bem precisas, mas a primeira
eu já não consegui cumprir, porque cheguei atrasado. Ele estava muito preocupado
porque você voltaria da viagem e encontraria a casa vazia.
— Oh, Roger! Onde está ele? Por que não está aqui?
— Fiz o possível, Érica, mas o motor do carro quebrou e tive que andar dois
quilômetros — ele sorriu. — Nunca achei que pudesse fazer isso de novo.
— Você está bem?
— Sinto-me ótimo. Recuso-me a ser tratado como um inválido. A partir de agora, vou
lutar contra você pela próxima missão.
— Não! — ela o interrompeu. — Vamos subir juntos.
— Seria um prazer, Dra. Newman.
— É uma honra para mim, Dr. Shaw. — Então seus olhos turvaram-se. — Onde está
ele? Por que não está aqui?
— Minhas instruções são para evitar essas duas questões, até entregar estas três
coisas: as rosas, um beijo — beijou-lhe a face, fraternalmente — e este pacote —
finalizou, passando-lhe uma caixinha.
Apenas, depois, devo lhe entregar esta carta. Cristian pediu desculpas por usar o papel
da NASA, mas era tudo o que tinha à mão.
Ignorando a caixa, por momentos, Érica rasgou o envelope e, desesperadamente, leu
as palavras de Cris.
"Querida,
"Sinto muito por não poder estar com você para lhe dar as boas-vindas. Meu pai teve
um ataque do coração e ainda está em condições críticas. Tenho que ficar em
Washington enquanto precisarem de mim. Estarei em casa o mais cedo que puder.
Mantenha a cama quente.
Para sempre seu, na alegria e na tristeza,
“Cris.”
"P.S.: Telefone assim que acabar a entrevista coletiva. Estarei torcendo por você,
sempre."
Muitos sentimentos se confundiam no coração dela. Ele a amava! Ainda queria se
casar com ela! Todos os seus sonhos se realizariam. Exceto. . . o pai dele estava
morrendo e ele não pedia que estivesse a seu lado.
— Será que espera que eu desfile triunfante, como uma celebridade, enquanto ele
passa por uma crise dessas? — disse alto, mais para si do que para Roger.
— É exatamente o que quer. Na verdade, devo insistir para que faça exatamente isso.
Ele não quer que você se culpe. O pai dele está sob os cuidados dos melhores
cardiologistas que a Marinha pode oferecer. Por isso, não há nada que você ou eu
possamos fazer.
— Roger, Cris não podia fazer nada quando você estava em coma, mas mesmo assim
ficou a seu lado. Todo o tempo. Obviamente, Cristian não tinha todo o país esperando por
uma entrevista! Mas ela nem pensou antes de se decidir.
— Qual é o nome do hospital? Vou para Washington!
— Jeb não vai deixar. Vai ficar uma fera.. . O ponto alto da missão era a operação
médica, a imprensa vai querer falar com a cirurgiã que fez o trabalho em Quinto. Cris foi
muito explícito: não quer estragar sua festa. A última frase dele foi que, se ele podia
deixar você ir para o espaço e estar certo de que voltaria, ficaria tranqüilo por deixá-la
aqui na Terra.
Érica balançou negativamente a cabeça.
— Roger, você não entende? A coisa mais importante que aprendi nos últimos dias é
que não há nada que compense a falta dele. Seu amor é a coisa mais importante da
minha vida. Você não acha que já é tempo de colocar a lição em prática?
— Já disse. Sou apenas um mensageiro. Sigo as ordens de meu amigo — Roger
sorriu.
— E. fez um ótimo trabalho — ela elogiou, sabendo que, intimamente, ele aplaudia sua
decisão. — Agora dê o endereço logo. Assim você vai rápido embora e eu posso me
vestir.
Não demorou muito para arranjar um vôo e colocar suas coisas na valise, mas outra
coisa era conseguir uma boa desculpa para justificar-se com Jeb. Ele não podia impedi-la
de ficar com Cristian, mas sua carreira estaria terminada, se não oferecesse uma
alternativa razoável para a entrevista. Roger dissera j que a imprensa ia querer falar com
um cirurgião. . .
No caminho para o aeroporto, não conseguiu conter a emoção ao abrir a caixinha que
Cristian lhe mandara. Entre flocos de algodão, uma pequena peça de ouro, delicada e
fina, moldada na forma de um par de asas.
Eram seis horas quando Cristian chamou a mãe para verem na televisão a entrevista
coletiva da NASA. O médico do almirante Tatum acabara de dizer que seu estado era
estável, apesar de inspirar cuidados.
— Veja, meu filho! — Betty chamou, quando sentaram-se. — Só há homens. Onde
está Érica?
Era uma pergunta oportuna. Cristian procurou na tela e não a viu. Lá estavam Jeb,
Mark, Paul e. . . Roger! Ele não podia acreditar. Não via Roger com sorriso igual há muito
tempo.
— Comandante Jeb Henson, onde está a astronauta que executou a cirurgia?
Entendemos que ela estaria aqui conosco hoje. — Os jornalistas não conseguiam
esconder o desapontamento.
— Uma emergência de família deteve a Dra. Newman — Jeb sorriu. — Mas nós temos
muita sorte de contar com a outra metade da equipe de cirurgia da missão, o Dr. Roger
Shaw. Como muitos de vocês já sabem, ele estava designado para a missão, mas sofreu
um acidente de automóvel meses atrás e não pôde continuar. A Dra. Newman trabalhou
muito ligada a ele, desde os primeiros dias, na equipe. É atendendo ao pedido dela que
ele vai falar como seu representante.
Todas as câmaras focalizaram Roger. Ele pareceu confuso nos primeiros momentos,
mas logo em seguida seu carisma brilhou sobre os microfones e câmaras.
— Dr. Shaw, qual era seu papel na cirurgia que acabou de ocorrer? Como o senhor se
sentiu ao ser substituído? O senhor acha que poderia ter feito melhor?
Roger respondeu todas as questões com presteza. Seguidamente, reiterava seu
respeito por Érica, o relacionamento profissional que tivera com ela, a completa confiança
de que ela era tão boa ou melhor cirurgiã que ele.
— Não digo que não poderia ter feito serviço tão bom. Mas duvido que fizesse melhor
que ela.
Orgulhoso, Cristian sabia que era ela a responsável por dar a Roger aquela
oportunidade. Ocorreu-lhe, então, que não precisaria esperar, a entrevista terminar para
telefonar. A longa espera chegara ao fim.
Antes que se levantasse, porém, sua mãe o segurou.
— Não precisa gastar seu tempo. Vai encontrá-la. Provavelmente, já está vindo para
cá.
— Não. Pedi a Roger que não a deixasse vir. Tenho certeza de que ela fez tudo isso
por ele. . .
— Creia-me — Betty falou com um sorriso —, Érica é sua outra metade. Nada poderia
afastá-la de você numa hora dessas.
Antes que Cristian pudesse responder, viu uma silhueta feminina que corria pelo
corredor do hospital em sua direção.
Ela não parecia nem cirurgiã nem astronauta, era apenas uma mulher cansada e muito
vulnerável. Uma das mãos acariciava as pequenas asas douradas, os olhos cheios de
angústia, antes de vê-lo. Era uma mulher que acabara de chegar em casa.
Érica circundara a Terra setenta e cinco vezes antes de perceber que seu lar seria
onde Cristian Tatum estivesse. Quando o viu, não precisou dizer nada: largou a valise no
chão e deixou que seus olhos confessassem sua total rendição.
Naquele momento, havia apenas uma promessa silenciosa. O futuro... o passado. . .
desapareceram, junto com as dúvidas que não mais precisavam ser expressadas.
Em seguida, quebrando a imobilidade que se apossara deles, Érica correu pelo
corredor e se atirou nos braços de seu amado.
Nada mais importava, além do doce alívio que só aquele abraço forte podia lhe
proporcionar. Então eles se beijaram, girando em círculos pelo corredor.
Érica entrara em outro tipo de órbita. Uma que duraria a vida inteira. Seria um satélite
para sempre perdido na órbita do amor.

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