Você está na página 1de 19

A Entrevista

Sem santo nem senha

10R JOAQUIM LEITAO


-
/

. i

O ESCRIPTOR FIALHO D'ALMEIDA


F11llecido em 4 de )Jar.;o dt> J9 1l

l
N.º 2 O - Numero avulso 60 reis - 15 - IV - 1914
Editor e proprletario: MARIO ANTUNES LEITÀ O
- -1·1·- -
(
r.om11osto e J111nrM!!.7 na Tvoo1tranhla d e A. 1. da Siiva Teixeira. Successor - Rua da Can-
A EN'IRETl ISTA

Numeras publicados:

Numero 1. - Entrevista com JOIO D'j_ZEVEDO COl~TINIIO.


Numero 2. - Entrevista com o notabilíssimo estadista hespanhol D. El'"-
G l~XfO MO~TERO RlOS.
Numero 3. - Entrevista com o Sr. CONDE D1~ JlANGU.ALDE.
Numero 4. - Entrevista com o antigo :Ministro do ~Iexico em Paris, D. ~H­
GUgrJ DL\Z LO:JlBARDO.
Numero 5. - T~ntrevista com o DR CUNHA E COSTA.
Numero 6. - Entrevü;ta com FERHEIRA DB :MESQLITA, ajudante do
Sr. Co11rle de :Mangualde.
Num ero 7. - I~ntrevista com o PADRE DOMfNGOS--0 guerri lheiro de
Cabecoi ras de Bastos.
Numero 8. - ~ntri:::vi sta com a Senhora Uarqueza de Hio-:\faior so-bre a
S~~NHOBA D. JULIA DE BRITO E CUNHA.
Numero 9. -Entrevista com o Sr. Conselheiro .JOSÉ D'AiEVEDO CAS-
TELLO BHANCO.
Numero 10. - - Entrevista com o PADRE AMADEU DE YASCONCELLOS
(:JL\RIOTTE). Primeira parte. ·
Numero 11. - Entrevista com o PADHE AillADEU DE YASCO~CELLOS
(JlAHIOTfE). Segunda parte.
Numero 12. - Entrevista com JO,\QCTU OEIRAS - Historia d'uma eva-
i->ão do presidio d' J~I vas.
Nun1ero 13. - Entrevista com . o CAPITÃO-rrJiJNENTE DA ARUADA
BHAíjLLELR~\. SR .AMERlCO PL\lJ~:\TT~L - Commcmorandu a H.eti-
nula do Sr. Bernardiuo 'Machado - A H.epublica P0rtugue1,a o a Hepu-
blica Brnzileirn.. ·
Numero 14. - Entrevista com o DR. LUIZ 'rJ~LLES DE VASCONCEL-
LOS - A foga do presidio .do S. B'.irirnbé-lllusões o entbusiasmos.
Numero 15. - Entrevista com JOS8 Dl~ FARfA MA.01 [ADO, Secretario de
Legação (lo Sua Ua.gestade Fidelisr.;ima.
Numero 16. - Entrevista com o Tl~~ENTE SATURfO PIRES, Official da
l'olumna do Paiva Couceiro.
Numero 17. - Eu tl'evista com o COXS l~LI-HJIHO .AYRES D'ORXELL.\.S,
Capitão do B-;tado-Maior.
Numero 18. -Entrevista com o PADHE CAETA~O DOS SANTOS BAS-
TOS XN~O, Antigo Capellão de Lanceiros d'El-]{ei. ,
Num ~ro 19. -- Entre\'ista com o SR. CONSELHEIRO JOSE Ll:CIANO
Dl~ C.\S'l'HO - Unia propheria de joão Arroyo - A morte de Hintze
Hi beiro - A rcsi:-:;tenci a do Partido Progressista -- A obedienci.a do par-
tido ao seu Chefe - Um trecho de historia da ruptura dos frauquistas e
progrcss:stas - Dias Costa - Uma reforma da Carta constitucional·- etc.
A _EN1_,REVIST A
Sem Santo nem Senha
POR

JOAQUIM LEITÃO

N.º 20 8- 5-1914
• • 11 • 11 • li. tl+ ll• U• ll • li• ll • H • ll • n • u • n • H • H • I • 11• tt• H• U . .. . ... U • 11 • 11 • U •li• U• H• n • 11• ll• U• t1 • 11 • H • 11• 11 • li • H • n • 1t• ll • n • t1 • 11• ll • ll• 1t• U• 11 • t1 • 1t • ll • 11 • U • lf+ U• I

FIALHO D'ALMEIDA
Prophetisa-nos, numa entrevista, no dia 7 de
outubr o de 1910, o que i a ser, e de facto tem
si do, a 'qepublica; e no seu leit o de morte, em
4 de mar ço d e 1911. t em a visão do naufr agio
da Patri q, ag onis ando e f~llece n.do em horri -
1

veis angustia s a amaldiçoar os republicanos


portuguêses.

1
Esbocêto d'um retrato de Fialho -d' Almeida

Os poucos escriptores d'esta defi- Tavares Cardoso, de chapéo côr de


nhada idade portuguêsa parece não pinhão, as barbas e o bigode a que-
darem pela falta de Fialho d'Almeida rerem algodoar-se e metê-lo a velho,
que ha tres annos (4 março 1911) se o grosso busto dentro d'um jaquetão,
finou no seu esconderijo natal, lá para os pulsos muito delgados saindo de
um vago povoado alemtejano. Noutro uns punhos redondos, de trespasse,
país, ou mesmo neste, mas noutra muito la1gos, para deixar as duas
éra, nanja esta, sobre o coval de mãos chegar ao castão da bengala
Fialho não cresceriam assim tam bas- que, no seu habitual almofariz - a
tas as hervas do esquecimento. pedra da soleira do livreiro - moía de
A nós não deslembra elle. Es- cór a sociedade que passava, e a
tamos a vê-lo á porta da Livraria qnem dir-se-ia ser tambem dirigid(j
004 A ENTREVISTA

aquelle assobiar constante do critico hombros, ás vezes até tossir, reco-


dos Gatos. lhendo-se á li vraria.
Ali estava horas sem fim, de olhar Uutras vezes era elle que, em·
perdido, fa rto e refarto de conhecer quanto ia corrrspondendo aos cum-
as figuras de cêra da capital, de lhes primentos dos passeantes, c1iticava
saber as vidas, as mazéllas, os tics, um facto ou um livro, com aqnelle
os ridículos, os maleficios, os postiços, renovado es tylo, pictural, que á força
desinteressado, como que a armaze- de côr cegava o leitor co mo as jorna-
nar razão para aborrecer Lisboa, e se das ard entes cegam os ceifeiros.
refugiar na sua Cuba. Nun ca se sa- Uma senhora, cum prim entada pelo
bia quando voltava nem quando par- grupo qu e rodeava Fialho, mere-
tia. cia-lhe uma exclamação de condoi-
- Quando vae ? mento:
- Não sei. Talvez passado manhã. --:- Martyr 1
E partia nesse dia. - Porque'l
- Quando vem? -Mulher do escri ptor, acha pouco?
- Quando os obreiros derem licen- São uns telhudos l Não fala m, não
ça. qu el'em que se fale em cnsa, são in-
E remergulhava o olhar na peque- su pportaveis. Quando me lembro da
nina onda humana qu e das repartiçôeR min ha mulher, coitadinha, que , se en-
começava a collear, direita á ifJfallivel trava no meu quarto de trabalho e
Avenida. Por entre a turba-multa, me via a ler, sabia em bicos de pés,
a onda trazia de quando em vez ten ho pêna de todas as mulheres de
uma personalidade : um escript or, escriptores.
um actor, um caricaturista, um poe- Mas, para desvanecer essa sombra
ta. Aos mais íntimos, Fialho estendia de en termecimento, logo o critico
a mão e o braço para o lado direito, rompia sarcástico :
sem voltar a cabeça, para não perder -Só atu rar-lhe as c1hms de talen-
de vista um instante o aspecto da rua, to! . . Só terem de cuncordar com
com essa attenção do pintor que em- os maridos quando ellcs querem que
bora cump1imente, fale ou sorrie do lhes digam qu e são genios !
q ue ouve, não desfila o modêlo senão Luzes accêsas, o «Salão» de Fia-
para o comparar com a téla. lho ia-se despovoando. Conversava-se
Uma mendiga chagava o grupo dos então, mais a serio. Sempre que o
litteratos que nem a ouviam. Fialho apanhavamos assim, cxiggiarnos-lhe
descia, então, da soleira, estendia o trabalho, producção, livros novos.
braço o mais que podia e, tapando - Como querem vocês qne eu tra-
christãmente a esmúln. com a mão, balhe l Onde ? Na Cubn? Não posso.
voltava muito confuso para o seu Falta-me isto l . . . ·-e apontava a rua.
pouso. A tarde avançava. As carrua- -Porqne não reorganisa a sua vida,
gens reaes já regi essa va m da Avenida, não vem de vez para Li ~boa? E$sas
desciam melancolicamen te os janotas idas e vindas dispersam-lhe o tempo.
pobres e os pretendentes que a pro- Venha, fixe· ~e, installc-se.
messa governamental trazia á. corda, - .t\ ão posso 1 A terra paga peor do
no marty1io das luvas e no dispendio que os editores l
do Francfort. Manuel Penteado, Ma- - Mas o senhor tem o dever de
lheiro Dias, Lopes Vieira, Francisco escrever, de nos dar obras, isso é urna
Teixeira, falavam, falavam, falavam, avareza, ahi com e8se talento aferro-
e Fialho d'Aimeida ria, sacudindo os lhado •..
• A ENTREVISTA 305

Então. num repellão , sacudia os soa que lh e dizia estas palavras e ,


homhros e as harbaçanas e deixava- subitamente commovido , os olhos
nos, indo para a porta, como se o razos d'ag ua, respondeu-lhe :
ti vessemos offendiclo. E tínhamos, ti- - Eu sei, eu sei. .. mas não me
nhamas offend ido a sua timidez, que force a ir, e u não vou a parte ne-
só perdia a escrever, a crit.icar , a ata- nhuma, aceitem-me como eu sou:
<a r, porqu e , então, o que elle t emia bicho do hnraco.
e ra não ser j us to ou não ser corajoso. Dentro d'esse, como de quasi to-
Na vida, no t racto era o home m mais dos os pam phletarios e de todos os
timido que t e mos conhecido. Por essa vi olentos, sarec'tsticos e ironistas , ha-
timidei se negava a toe.lo o conviviü, via uma ~en ti m e ntali dade qu e a timi-
fôra dos cafés ele litteratos e dos res- dez occultava e a violencia do escri-
tau rar1tes. ptor não deixava adivinhar. Em Fialho
Malheiro Dins deu-nos um inverno não exis tia esse convencionalismo
deli cioso, reu nindo aos sabbados es- qu e foz das medias da sociedade as
cripto1os e alg un s artis tas : J ulio Dan- re pug nantes «: pessoas a ma,·eis » tra-
tas , Mann el Pr.nteado, Lopes de Men- duzi veis por a perfidia dentro d'um
donça, O:;cnr da Silva, etc ., e tc . Era assucareiro . N unca protestava ami-
um salão do tamanho clf~ um coracão zade a ning ue m, e e ra . todavia tão
on de 8Ó cabiam amigos , e onde nnnca affeiçoado q ue m uita vez vi explora-
Pntrou a pol itica. Nes~e tem po o s r. rem-lhe o valor e o nome , suppondo
Lopes de Mendonça ai nda festejava e m es tar a empregar o seu valimento
verso O<i a nniversa1ios da Rainha Se- e m sinceros ade pt os qu e afinal o
nho ra Dona Amclia , e ainda o s r. J ulio odiavam porqu e o in vejavam.
Dan tas não fazia ve rsos ao sr. Affonso E co ntudo nunca vi um mest re ter
Costa : fazia-os ao logar de medico da t ão fraca idea da propria obra, e tão
R eal Camara. Mas os sei ões e ram de pouca vaidade no seu nome . Não
li ttera tu rn e ele ar te. Não havia gente descia a essa peganhenta e pis tologra-
de sociedade. Era o cenáculo. Pois , phia co m que nas letras o~ velhos '
nem asi-im Fialho d'A.lmeida appa- c ul tiva m a sym pa thia dos novos, es-
receu na Rua elas Chagas todo e~se perando q ue ell es se encarreguem
inverno de 1809 a 19UO, e só no anno da esta tuasinha .
seguinte lá foi ja ntar uma vflz. Mas se de ntre a car neirada dos
Algucm da fam ili a do fo llecido li· plumitivos alg um s urgia indicando
vreiro editor Tavares Cardoso, que t er nascido com azas, Fialho d' A1-
fôra amigo de Fialho, insis tiu co m meida não n'o dizia a elle, não o'o
este para ir janta r a s ua casa nu m escrevia mas dizia-o a toda a gente,
dia de Natal. con trib uindo assi m pa ra o desb rava-
Fialho prom ettc u vagamente : t al- mento da treva da obscuridade, em
vez fosse, se es liv esse em Lisboa, fa vor dos q ue s urdiam na ancia do
mas não dava a certeza. Já nas ves- no me e do editor .
peras, essa pessoa encontrou Fial ho, Qua ndo nos dirigimos, ao então
e di:::;se-lhe : geren te da Livraria Tavares Cardoso,
- «Não t enho mais ninguem a a propôr a edição do 1omance de
jantar senão V. Nenhuma cerimonia Malheiro Dias O Filho das Heroas, na
e m uita e::>tima é o qu e encontrará segunda vez q u e trata mos do ass u m-
lá em casa. Ulhe qu e ha muito anno pto (na ausencia do romancista que
qu e você é eE timado naquella casa ... » estava passando um anno no Porto)
Fialho d'Aln1 cida abraçou-se á pes- 1 o livreiro disse-nos :
A ENTREVISTA

30P

- «O Fialho lambem u,e fez muito tendo occas1ao de ver como a pri-
boas referencias d'esse rapaz. Diz meira fundição da idea, era naquelle
qu e tem talento.:& mes tre já perfeita e proxima da final
Esse rapaz era Malheiro Dias, que refundição. De repente, sentimos ar-
regressava do Rio de Janeiro consa- rebatarem-nos o caderno : era Fialho,
grado no Brasil por um premio ganho córado como um escolar a qu em o
no concurso Jitterario da Semana, monitor surprehende o manuscripto
mas q ue ainda não tinha em Port u- dos primeiros verso!-' .
gal nem nome, nem publico, nem - Deixe ver ao menos os desenhos .. .
editor. A nós coube a facil missão de - Não tem que ver. Isso está uma
lhe encontrar o editor ; mas q uem co- porcaria : são méros motivos para
nhece os homens, e sobretudo os edi- relembrar o descriptivo, eu não sei
tores , não deixará de a ttribuir ao au- dese nhar - retorquin, zangado.
torisado depoimento de Fialho, - E nunca mais largo u o caderno.
tanto ou mais do que ás nossas re- Pedimos·lhe varias vezes q ue nos
ferencias de amigo e camarada de M. deixasse folhear o que elle chamava
Dias, - a brevidade com que se fe- os seus « apontamentos:& sob re a
chou o contracto para a edição dos Hespanha, e que eu vou jurar se-
cinco mil exemplares do Filho das rem publicaveis tal qu al. Recusou ,
Hervas, fabulosa tiragem a esse tem- sempre irri tado, como se irritava
po, no mercado português. sempre qu e se lhe falava na s ua per-
Não sei se, algum dia, Fialho d'Al- sonalidade litteraria.
meida teria dito a Malheiro Dias, Fizemos-lhe outro pe dido : que
tão aberto elogio como lhe fez junto désse o $eu nome para um projecto
do editor, antes. Verbalmen te, tal- que nós tivemos a candura de suppór
vez não. Para elogiar, para affü mar realisavel numa temporada que vi-
consideração intellectual ou pessoal, vêmo8 no Por to - um monumento a
Fialho reconia á penna; nas suas car- Camillo. Accedeu por telegramma. E,
tas , sim, era expansivo, directamente a seguir, mandou-nos numa carta, o
a sua timidez confundia· o, como a esboço da methodisação do estudo a
todos os timidos, n um inacessível fazer sobre Camillo Castello Branco.
displicente e imposão. Não temos aqui os nossos papeis,
Até litterariamente essa timidez o porque viria a proposito publicar esse
perseguia quando em contacto com plano do es tudo do gigante que se-
o leitor, elle tão independente e indif- roou em S. Miguel de Seide. ~fas
ferente, tão sobranceiro aos juízos tanto q uanto a memoria pôde ser res-
dos homens. Nos ultimos verões, Fia- ponsavel por u ma reconstituição de
lho d'Almeida andando pelo norte leitura feita ha bons doze annos, Fia-
de Portugal, foi cair na Galliza, e lho indicava : Camillo rom ancista ; Ca-
voltou de Já com os cadernos cheios millo polemista ; Camillo mestre de
de apontamentos. Uma vez pousou lí ngua, etc.; e desti nava, para cada'1m
distrahido um caderno d'uma d'essas dos capítulos do polychroma facetado
excursões, sobre uma caixa de livros ; do genio camilliano, o especialista que
pegámos no caderno , folheamo·lo ra- devia estuda-lo e trata-lo.
pidamente, e dé mos com, pelo meio Essas munographias, entregues a
da sua prosa inconfundível, deliciosos camillianistas, ent re os quaes me re-
esquissos de cathedraes e motivos ar- cordo estar marcado Ricardo Jorge,
chitectonicos , desenhados á penna seriam lidas na Vellada que com a
por Fialho. Lêmos ainda uma pagina, geração portuense projectavamos fa-
A ENTREVISTA 307

zer no Palacio de Cristal, do Porto, muita gente q ue serviu de modêlo na


d'onde vi ria a receita complementar galeria camilliana.
da subscripção para o monumento, E não nos deixára m andar .. .
subscripçào q ue quelia1.nos fosse po- Fialho já, porém, havia levantado
pular e não ofílcial. um mon u men to a Camillo na dedica-
Silva Pinto fracassára no se u in- toria d'um dos seus volumes.
tento de monumentalisar Camillo. Quem levan tará. ao menos uma me-
Oliveira Alvarenga prophetisou-nos moria a Fialho l
a mesma sórte : ainda estava viva
II

ENTREVIS TA
CO~I

FIALH O D ' ALMEIDA


As .appr ehensões de ],ialho sobre a decaden-
cia dos politicos port uguéses - Na vespera do
28 de j aneiro - Os republicanos sentenciados
por Fialho - Encontr o com Fialho d'.A lmeida
no dia 7 de outubro -A~pecto de Lisboa nos
dias de outubro seguint es á proclamação da
Republica - Uma cav algada de h eroes- No
Terreiro do Paço -O v a•icinio do regimen r e-
publicano - O sr . B rito Camacho julgado por
Fialho - E t am b em o sr. Ber nardino Ma chado
- Um m anuscr ipt o de F ialho offer ecido ao
.:Correio da Manhã » - Elegi a de F rederico P i-
nheiro Chagas por Fialho d'Almeida.

Naquellas funestas jornadas de mais solidari edades com o mundo da


908, ao expirar janeiro, Fialho d'Al- e~ th eti ca do que com o pequenino
meida mostrou-se-nos muito appre- torrão natal. Depois os annos foram-
hensivo sobre a marcha da política se sommanclo, e o indisciplinado, o
portoguêsa e concomitan tes Cot;se- f'rondeur deu ou rn conscie11te e fer-
quencias pátrias. Passára para elle o vorcso inte ressado pela g1andeza e
gôzo dem0lidor. A idade e a pleni- pela conservação pall ias.
tu de mental soffriam agora de ver
corno as insigniíicancias ameaça ... arn Fi& lho d'Almeida e Oliveira
vir a demolir o edificio nacional. Martir.s.
A epoca irreverente e negadora dos
Gatos fôra essa de~cu idosa phase em Até ahi a politica só se podia gabac
que os escriptores se acontentarn em de ter tido uma breve visita de Fialho.
prelios singulares com o co nvencio- Fóra no jornal O Reporte1·, que fico u
nalismo e o existente, seja elle qu al na imprent-a d' essa eµoca, como o mais
fôr. E' a idade em que o litterato tem brilhante e completo triumpho liltera-
A ENTREVISTA 3Q9

1io do jornalismo português, pois que - Sabe de meu irmão? . •.


foi, por assim dizer, d'essa epoca o E, como se lembrasse de que eu
unico escripto por e~criptores . não a conhecendo não podia saber
Fialho d' Almeida foi a té ao Repm·tet· quem era o seu irmão, accrescentou
pelo braço e pela consideração litte- o nome d'e-;se irmão, um antigo mi-
ra1ia por Oliveira Martins. nistro progres8ista.
No dia e m qu e encontrou sobre a - Vi-o antes de hontem.
sua banca de redactor - e secretario, - Mas, hontem, hontem, não ou -
salvo êrro - , a papeléta communi- viu falar d'elle, não sabe se elle saiu
cundo-lhe a drmissão de Oliveira de Lishoa 'l
Martins, Fia lho nas costas do mesmo - Não sei, minha senhora.
papel escreveu o pedido e deferimento - A qu e horas saiu de Lisbua?
da s ua demissão, pego u no chapéo e - Neste comboio, eram nove ho-
no val'ino, e nem o jornalismo diario ras da noite .
nem a politica o tornaram u ver. -E não tinha ainda havido ne·
Para o fim do reinado de D. Carlos, nhum aconteciment o grave'?
Fialho d' Almeida interessou-se pela - Toda a gente falava ou presentia
ten tativa de reuernpçào politica que que se iam dar acontecimenLos, mas
foi o fru11quismo, chegando a publicar até essa hora ainda na Baixa se não
no o rgào franquista portuense, o Dia- sabia nada.
rio Nacional, alguns artigos escriptos Tinha-se dado o 28 de ja neiro, e
nos seus dias de pompa. como se vê essa senhora ia, á che-
Quando nas vesperas do 28 de ja- gada do comboio de Lisboa, infor-
neiro -justamente na vespera, se a mar-se dos resultados da conspiração
memo ria me não falha - o encontrei e das con::>equencias para o conspi-
em Lisboa, Fialho estava em plena rador seu irmão, que pelos vistos
apprchensão pelos t1 istes destinos trazia as senhoras da familia ao cor-
porlug uêses. Eram as ultima horas rente da politica, ou não houvesse
do cêrco ao ministe1 io João Franco. ver berado tanta vez o facto noutros
Ouvia-se já aperrar a pistola do Sa- politicos. De 1908 a 1910, as apre-
bino e o arcabuz do Buiça. hensões de Fialho não fizera m senão
- E se d'isto tudo sae um governo aggravar-se. Chegou o 5 de outub ro,
republicano·?- preguntamos a Fialho. que provou a prirneir& par te das sua s
- Que horror J - exclamou o mes- a pprehensões. Assim no dia 7 de ou-
tre - são lá caµazes de nada 1 Isso é tubro em que encontrei Fialho em
gente sem juizo !. .. o ultimo tP.rmo da Li~boa, não estranhei o tom desillu·
decadencia em governantes! Pala vro- d ido com que me falou d'aquelle
sos, mms . nad a .1 o: triumpho » republicano.
Sahia eu de entrevist ar o sr . dr.
No Terreiro do Paço -A Theophilo Rraga, quando á porta do
fall encia da republica é Ministerio da Fazenda topei com Fia-
avistada por Fialho a dois lho d'Almeida. Fazia mezes que nos
dias da victoria. não viamos. As primeiras palavras fo-
ram reciproca mente cautelosas, tan-
Na noite de 2'3 , seguimos para o ta surpreza elle e eu havíamos já
Porto. no comboio noc turno, e na áquella hora tido com inopinadas,
estação de Campanhã appareceu-nos vulcanicas profissões de fé republi-
uma senhora, perguntando-nos, ex- cana assolapada.
citada e inquieta : Mas trocadas essas primeiras pala-
310 A ENTREVISTA

vras, cada um de nós teve a satisfa- nhuma pratica da administração pu-


ção de verificar a consistencia das blica, a ven tureiros l
suas horas a nteriores, e Fiaiho d'Al-
meida prophe tisou en tão: O Srs. Bernardino Ma-
- «Você vae assis tir ao mais desen- chado e Brito Camacho
freado assalto ao emprêgo, ao nicho. j ulgados porFialho de
E' uma h orda de esfomeados que Almeida.
caiu sobre o lnt{fet publico. l>
-Teem lá o Bernardino ...
- É u m bacôco, muito mais bacôco
O bôdo do advento - Fes- que aquelle a quem ce<.leram o co-
tim da fom . gnome. O estalào d'essa gente é o
Camacho.
- Talvez, não . .. -arlmittimos nós, - O Brito?
com menos clareza e mais ; inespe- - h:sse. O Brito Camacho, homem
riencia do que eJle. ele estuclo ! homem de situação! E'
- Não lhe restem sombrns de du- de a gente se benzer tres vezes. O
vida. E se lhe dis::-:er que já começou o Camacho não passa d'um folheti-
festi m ? Já se entre norn ei:l m directo- ni:)ta. Nem medico, nem d~pu lado,
res geraes, e até já se agatanham os nem orador , quanto mais homem do
super-homens do advento, de guéla E~tado ! Um folhetin ista é que elle é!
secca e fa minta.
-O quê, já? A prophecia negra de Fia-
- Sim, já. Tal lhe digo. En t retanto lho sobr e a Republica.
durou o assedio e a miseria, lá se fo.
ram cozendo uns com os outros, por - A rep ublica, a seu ver, vae ser...
honra do convento e instinclo de He - Um voltar de pagina escripta
não a mostrarem taes elles ~ão, des- com pe01 calligrnphia, e nenh u ma or-
uuidos e roidos de odios mor tae8. thogrnphh, imi tando o que de peor
- Então, agora ... rezava a lauda retró. Você vae ver
- Agora, o desapparecimento do as perseguições ...
inimigo comm um fa-los, na costu- - 11stào affirmando tolerancia fra-
meira da guerrilha e na bebedeira da ternal . .
lucta, virarem as armas contra os - A fomti dos cor religionarios não
fieis do mesm o convento. Elles não lhes permittirá efteetivare m essa to-
se podem ver. Pelo que ouço vae ~e rancia <la hora condesccnte da che-
por ahi o diabo ! E a assaltada aos gada. Veem ahi as perseguiçõf's aos
nichos é escandalm::issima . . . tunccionarios por môr de aboletar ua
- l\las serão ao meno8 capazes de cooperadores precisados que recla-
governar? mam já o pago dos seniçu::;. Ernr ôs,
- Só são capazes de devorar o vhá a taboa raza da legi!:ilaçào no de-
orçamento e de se de\ orarem uns lirio de perseguidus· ~ erseguidores.
aos oulros. Nàü teem gente. ~ão, no Vá de falar no esbanjamento LI.o nosso
total, aprendizes metitlus a me~tres. oiro , na camoéca de innovaçõcs que
Vocô nau vê que a hura da ti ibu- dai ao apenas um degringolar do q ue
nét:a passou? Ha que ter outras ha feito e ha custado á g1 ey seculos
qualidades, e elles não nas tem: são de labor esforçado. Con te-8e com o
um; falaciosos ' aramophones de ar- de~lassamento do pa trimonio colo-
o
rnial 1 Nenhuma cornpetencia, ne- nial, com a desavença do equilibrio
A ENTREVISTA 311

economico, o galgar doido, de maré mentas em armas. Andava-se aos en-


viva, da corrente fianciaria: ponha os contrões, difficilmente se rompia, e a
se us olhos na perspectiva do qu e será todo o momento se esbarrava com
este parlamen tari::>mo, -· alembra-se uma roda de povo ouvindo admira-
do estrangeiro que não perde de olho tiva a narração é pica d'um dos maru-
este manicomio; ajunte.lhe a perse- jos que, de ca rabina a tiracólo, e la-
guiçãosinha local, a fa tal parodia da çaró-tes verdes e encarnados pelo pei •
lei da Separação da Igreja do Estado, to, e pelos braços, andavam por entre
com seu divorcio de preceito, odes- a multidão rondando e alforjando ci-
bridar de toda a guiza de respeito, garros fórtes e charutos de picar.
no sins-culotte luzo, e o derrubar da Não se via senão soldadesca tres-
familia, e terá esq uissado o pavor que malhada, tonta de som no e de fo-
ahi vem, com seus impre\ istosinhos lia, armada e enfeitada, sorvendo
ele complicação na estranja, á mistura, aquella curi osidade pascácia das gen-
e urna indisciplina de todas as clas- tes alfacinha::;, que interrogavam os
se::; de portas adentro. D e~m iolado, e a: heroes », apalµando-lhes as caravi·
muito, será qu em es tiver em crêr nas, enchendo-lhes os bolsos de ci-
que tem co11sistencia esse exercito garros e os ôd.res de vinhaça que,
trabalhado pela indisciplina que a valha a verdade, a não ber as alucina-
hossana vae definitiva e irremediavel- ções audi ti vas dos tiros do Quelhas e
mente desmanchar. A.hi o tem . de Campolide, outro mal não fez que
habituar a praça a ficar fóra do quar-
Aspectos de Lisboa nos tel sem licença do recolher, e o sol-
dias de outubro seguintes dado a ver-se hombro a hombro se-
á proclamação da repu- não arriba do senhor orficial.
blica. Longe do aspecto de uma r evolu-
ção era o burgo.
Entre esgridar acclamatorio de ra- A dessaruinação, eis a impressão
pazio, uma cavalgada de a: heroes » d'essas horas: nas ruas, nos cerebros
rompia ren te á Arcada (onde Fialho e estava tudo de pernas para o a r,
nó::; conven;ávamos) di reito ao Minis- como a mobilia dos Ministerios que
terio da Guerra. os con tínuos acau telaram da onda
Era aspec to já monotonisante d'es- enth usiastica dos sauda ntes. Pelo des-
ses dius. A povoação gozára- se lisboe- alinho e desarrumação poc.lia-se dizer
tamen te o es pectac ul o~inho grátis . qu e Lisboa e~ta va uma a: verdadeira
Meninot:1 , mamàs e papás visitavam republica», no sen tido indh;ciplinante
os ralados Jogares da façan ha, de na- e cahotico qu e lhe dava o po vo e lhe
riz no ar pela Avenida, a considerar o deram ao depois praticamente estes
gra11izado das pedras pela bala. Fa- governanteB.
milias burguezas vh;itavam o can- A todo o canto e esquina se viam
diei1 o <.los Hestauradores e a Granada populares cercando marinheiros e
q,~e tomou fórma caprichosa, deixando praças de terra que se gabarolavam
só o gato em casa, e levando a ama cada qual de ter arrimado a pedrada
com os paninhos do fu turo presidente decisivamente derrubadora á arvore
da republica. Avenida acima, o poder secular da Monarchia.
elo mundo ia ver o sr. Machado San- E o mais confrangente era a mas-
tos com a mesma curiosidade que po- carada da soldadesGa, embrulhada
diam ir ver leões a um museu zoolo- em fitas, os bonés trocados, e trun-
gico. No Rocio bivacavam ainda regi- cados, estafada de gloria, encos~
312 A ENTREVISTA

tada pelas humbreiras a dormir o de Frederico Pinheiro Cha-


somno errante da indisciplina. gas.
Mas de todo esse aspecto, o mais
typico, o mais completo que vimos Mas a cada trecho de prophecia
foi essa cavalgada de a heroes)) que que ve1ificava na historia do inter-
passou por Fialho e por nós nessa regno republicano, eu relembrava
tarde de 7: eram marujos, de alpar- esta e ntrevista com Fialho, colhida
gatas, a cavallo, cabos de infantaria, nas primeiras horas do advento.
desnudando espadas, e em montadas Este trecho --, que a penna ju!:.ti-
de officiaes, destribados e roucos, ao~ ceira e indcpenuente do mestre es-
vivas , um rapazio agarrando-lhes as creveu para o numero qu e o Correio
pernas e as rédeas, tudo uquillo num da Manhã µrujectava publicar (e que
roldão do vivas á republica, e enro- o empastelamento impediu) em mo-
dilhado em sor ponliu us de papel, a num en to a Frederico P. Chagas-,
acabar do carnavnlisar a tristeza do fica pela fülelidadc ua
entrevista que
quadro. Nisto, ouviram-se palmas se- hoje damos a luz.
guidas d'urn silt-:ncio, e um viva ao Estes t res onernsos annos de repu-
exercito e á marinha : eram os minis- blica attes tam e confirmam á sacie-
tros qu e alvoroçadamente recebiam dade a justeza com que F. d' Almeida
das sacadas a cavalgada de (( he · marcou a trajectoria d'este grave. Es-
roes». cripta semanas depois, essa pagina
Fialho d' Almeida considerou com sobre Frederico P. Chagas já assim
uma profunda tristeza aquelle qua~ era límpida a quarenta e oito horas
dro, e despediu-se, cortando para a de implantada a repuulica.
estação a saber se já estava restabe- Fialho d'Almekla nà0 ~e enganou.
lecida a carreira do Barreiro. E depois de escripta esta elegia ao
Nunca mais o vimos. nobre tenente da Armada Real Por-
tu guêsa, não fez Fialho d'Almeida se-
Um manuscripto de Fial ho não fortalecer-se no pessimismo com
d'Almeida para o o: Cor- que recebeu o bamburrio . ..
reio da manhã )) - Elegia Mas, primeiro, transcrevámos o

Original do m estr e :

FRE DERICO CHAGAS


Quando d'aqui a annos se fi zer a historia a unica sob cuja incidencia a historia cos-
tranquilla do cinco d'outub1·0, e fóra das hy· tuma vêr as att1tudes militares - e d'esse
perboles ronflantes e das romanticidades for- exame necessariamente ha·de ~ai tar o erro
çadas do triuinpho se houver posto em prosa grave q ue é desvia r regimentos d'outra mis-
simples (a prosa simples da vida, a prosa são que nào seja deft'l nder o pais dos inimi·
scientifica dos automati..mos nervosos colle- gos de fóra, e dar cá dentro ás aspirações theo-
ctivo3) este acontecimento que deu de si a ricas das massas uma expressão de conscien·
proclamação da Republica, vêr-se-ha que o eia que as liberte dos pesadêlos da fronteira.
melhor da ruidosa epOJiêa se reduziu na es- Da leitura de numerosas entr('wistas com
seocia a alguns casos brilhantes de bravura officiaes combatentes, dos mais dignos, mi-
pessoal, e a uma successão de correrias, es- nistros das ultimas chapas monarcliicas, dQs
caramuças e vedetas que deve m trazer a pro- mais dubios, e próceres revolucionarios re-
porções menores o facto historico. publicanos, dos mais vermelhos, resalta una-
Será j ulgada então a attitude do exercito nimemente que o exercito como está seja um
a uma luz em vez de partidaria, patriotica,- perigo não só para a integridade do territo-
A ENTREVISTA 313

rio, como até mesmo para a integridade da Ninguem l hes estranha a febre de corre-
Republica. rem eropós da illusão d'um Portugal trans-
Officiaes enervartos das incoherencias dis- formado e rejuvenescido - ai ! - rejuvenes-
solutas da política, chefes hesitantes ou cre- cido por uma fórn1a que dada a incultura do
tinisados pelos sedentarismos gordos da che- povo e o seu nenhum valor como agregado
fia, solrtadl)s analphabetos com pratica d'm- pensante, nem se póde chamar rejuvenesci-
subordinações que viram applaudidas como mento, u1as sunples111ente a apparencia epbe-
cousas grandio::;as e magnanim&.s, proruoçõl'S mera · 4ue resulta d' algum córte novo de ca-
na fileira por actos de 1 evolta, precedendo as bello, e do doairo trazido por qualquer casa-
dos militares tranquillos, e provocando ipso cão que se voltou, ptirccendo novo.
facto ciumes e prefer encias irritantes, etc., São phantasistas esses, que reintegram a
tudo isto dl've ter ernado, ou estará creando, alma µortuguêsa 11a velha aspira<,:ão aventu-
um livre pensctdefri:Jmo propicio á instabili - r eira, sonbadorns d'alma celt ica convictos da
dade moral e material rlas gentes d'arrnas, e transeendencia solcnme das missõ·}s histori-
& propaganda anti-militarista que mui pela cas dos povos , e por egnal dessiminados nas
certa de todos os lados esµreita esta desor- fileiras de todvs os partido:,;, os mais liberaes
dem. como os mais n·aceionarios, os colll historia
Ao mcimio t CJ)l pr> não é melhor a disci- e os sem histMia, porque não é previleg•o
plina da~ ruas , o fnnito d'alrna das clac;ses d 'esti.; ter por correllgionarios só anjos. nelll
populares, que Lendo dcb11Lado ern poliLica mau séstro d'aquelle ter nas suas mcsóadas
por vias de facto anarchistas, pretendem só dernonios - a porcenLa~Am de bons e maus
a~ora fazei· parte da nova policia urbana (!) estando por · e1,5ual d1stribuida. nas vanas
e 111tromoter-se a julgar o pas;o;ado de certas classes da familia portul6uêsa.
fi guras do regímen transacto, generahsando E' o momento em que todas as bochechas
apupadas e pensando mesmo em fazer perse- sopram marchas do ~loria em phat1ca aos
guições, sob a inacreclitavel tolerancia do go- v encedores.
v erno republicano a dar-lhes força. l\las, dirão outros, e a intemerata nobrez'i
Nós não $abemos o alcance remoto d'es- d'al ~uns vencidos?
tes e outros frcmilos epidemicos dõ crocod1- Naquelles dias ele rratricidio as sub.;er-
lo rovol ucionario, mas sem duvida são estes viencias foram tantas que qu~m se salvar do
indicio d'uma aura ep1leptica que se não fõr atoleiro precisa ser cant•L•10 em verso he-
sustada a breve trecho, dará de si talvez roico. Ora entre os heroes legi ti mos uma
p erturbações sociais de n arca tragica. admiravel figura destaca-se : Frederico Cha-
Nestas circurnstancias não é pes,,;imismo gas, sym bulo resplandescente d'~ssa cou.:a
dizer que a Ropublica e republicanos mal supcrflua, a lealda Je; FreJenco Cha~as, que
avisados vão suppondo q 11e tres dia::; de tiros não querendo render.se em Vall0 de Zebro á
mudassem em Clára d'alm~s a estru1neira marinhagE-tn revoltada, mette no coração
d'interesses, e filosse1n. d o tango rnefitico, duas cargas de revt1lver.
atelie1· d'estatnas de Carrara. Agora é que Sacnficio roniantico, inutil como escudo
verdadeiramente o caso é grave, porque se d'uma causa perrlida, inutil como syndroma
sommam ás corrupções da monarch1a, as d'urna alma integra e orgul hosa, inutil como
cobiças da republica triurnphante, porque os protesto, inutil como exemplo •• .
grandes problenias nacionaes continuarão Mas por essa inutilidade lllesma, sacrifi-
insoluveis, por falia do 4uem nos resolva e cio sublune, lance intangivol, supremo, numa
quem nos pague, e ainda porque se a monar- epocha em que o ideal cavalheiroso se afun-
chia era infame, ao menos tinha um exercito da, e á u1ed1da quo as f;OCieda1ie:3 avançam
e uma rua tranqu11la. parece que o car acter vae retrocedendo.
E agora ..• A susceptibilidadt:l ll•.J pudôl' militar d'este
Houve na r evolU<;ão poetas de harricada marinho, como as exhalaçõt1s do nardo, fuma
que julgaram ter feito obra salubre precipi- do seu sopulchrcJ e enche o &mbit:nte heroico
tando a queda elas rumas 111onarquicas? Os de lc ~ endas.
que por esta 0himcnca oiudauça de taboleta, Quantos entenJerão o sentido d'este ca-
que ~ a sub.;;tituição u'uma rnonarcbia cons- valbe1roso aniquillamentv í
titucional por UIJla republica, arriscaram
d'1mpulsão fortuna e vidas. FIALHO D'ALMElDA .
JII

·A Morte de Fialho d'Almeida


A agonia d ' um Português.

Depois d'estes períodos não houve- para o Brasil persistisse em não !o-
mos mais noticias de Fialho. brigar senão farellos dentro do caco
A vida febril, que os redac tores do da sua cumprimenteirissima conse-
«Correio da Manhã l> levaram nesses lheilia. »
trez mezes de batalha, nem deixava
tempo a cartear amigos. Era-nos, po- Bem decerto o mestre contempo-
rém, consolador penl:lar que Ramalho raneo teria provado do exílio, se a
Ortigão e Fialho d' Almeida, os primei- morte não se tem adean ta do ao sr.
ros escriptores portuguesês d'aquella Bernardino.
hora> haviam ficado . dignamen te do Mas a este, se a Republica o não
outro lado d'essa onda aven tu reira; desterrou, fez peor: matou-o. Porque
e, pensavamos uelles tranquillamente evidentemente a morte de Fialho teve
certos de que cada jurnada d'esta in- suas causas mediatas na negra appre-
tranquilla epoca nos havia de confir- hensão em que o trazia o futuro da
mar na sua esti ma d'elles. Só agora Patria.
deprehendêmos que Fialho continuou Fialho vivia já a idade desinteres-
nos jornaes: brazileiros a mal-augurar sada, a hora da renuncia. Não o soli-
da Republica. citava a gloria, que aliás lhe era fo- _
E' Annibal;Soares que, na sua bri- reira, nem tão pouco a ambição, os
lhante Chronica Politica 1, ao historiar seus cabedaes bastando-lhe e sobran-
a expulsão d'elle e 'nossa, em janeiro do-lhe.
de '191 l, conta : Nem necessidade nem despeito o
fazia ver mal a Republica.
«Mais tarde, por uma Carta de Fia- A suacondemnação deterrnina-lh'a o
lho d'Almeida para um jornal do:Bra· patriotismo, a voz do propheta pessi-
sil, viémos a saber que todos estes mista vinha-lhe do peito de grande Por-
banimentos foram :~ promovidos pelo tuguês. Consciente, esse pavor does-
nosso viridente e jovial sn r. conse- phacelamento patrio torturava-o, tão
lheiro Bernardino, o qual, logo depois nítido, tão cláro, tão mathematico lhe
e eru co nselho~ de ~ ministros, falou pareda. Torna-se a má companhia de
em se exilar tambem o insigne artista todos os momentos, o nssumpto sem-
dos Gatos caso em .. correspondencias pre presente ao seu e~piri to desenga-
nado. Longe ía a quadra da vida na-
cional em que Fialho ria ás casquina-
1 Annibal Soares, Clwonica Politica - das. Agora, a Patria não dava vonta-
P11 blicação1S~manal. , Redoeção e Act1111ni:>tra- de de rir, dava para affligi r todos os
ção1 70 -1. 0 Rua da Cancella Velha, Pol'to. homens qu e previssem, e se não con-

'
A ENTREVISTA 315

formassem, que iamos deixar de ser o cerebro do grande homem não per-
Portuguêses. dia de vista o seu supremo cuidado
E, cinco rnezes dobados sobre a de Portuguê:;. As forcas eram cada
éra do advento republicano, essa ap- vez menos, o alento já vinha em lu-
prehensào, esses arreceios de ver a fadas anciosas, mas o moribundo pa-
bandeira de Portugal mudar defini- recia não querer deixar a vida, ~por
tivamente de côr, trocando a zôna uma especie de instintiva noção que
verde por duas listras amarellas, essa lhe dissesse. como eram precisos agora
miragem de 1ucto, essa visão telepa- o seu talento e o seu amor á Pa-
tica do naufragio da nacionalidade at- tria.
tingia e ficava-se na grandeza horrível De joelhos no leito, apontando para
e solemne de um delirio agónico. os µés da cama, os cabellos empasta-
Fialho d' Almeida es tava a expirar, dos, a barba emmaranhada nas vagas
e, no delírio da agonia não se revia a do estertor, Fialho d'Almeida teve,
elle; o seu batalhar de moribundo en-tào, a mais horrorosa das agonias :
era o naufragio nacional, a perda da tremendo da visão horrível, gritava,
Patiia, o desapparecimento de Por- espavorido do sacrilegio:
tugal, a invasão es trangeira. Ao pas- - « Elles, elles ! Veem dar cabo da
so qu e no seu peito faltava o ar, Fia- Patria ! . . . matar Portugal ! . . . Por-
lho d' Almeida gemia horrorisado da tugal ! . . . elles, os republicanos ! . .. »
visão da Patria com o joelho do es- Depois, recuando o busto, a face,
trangeiro a amolgar· lhe a taboa do as mãos, recolhendo os braços, como
peito. que para se salvar do abutre, vendo
A sua figura naquelle leito de mor- que a visão avançava, gritou :
te tinha a grandeza dos sonhos sym- - «Malditos 1 Maldito~ 1... »
bolistas: por entre a bruma do delírio, E caiu morto.


UL T IMA PAGlt~A

Essas laudas, que falam de Fialho cional e p:ltriotico nos mnnuou estar.
d'Almcida e U.a sua malaventuracla- F.:' o jornal o nosso posto? Vamos
mente verosimil prophecia, foram co- para o jornal.
meçadas em Paris. En trementes, r e- Embora com sau<b.cle de terminar
gr essavamos a Portugal e ás nossas uma publicação <1ne tinha o seu exi to
telhas donde estavamas apartados ia assegurado, inflexivelmente a fecha -
para quatro anno!'. A viagem, com mos com essas p1lginas on:le o e ~ pirito
toda a dispersão de tempo provrncla de Fialho d' Almeida grita o perigo na-
da cleflocaçào, delongou a s ua con- cional e assignála aus portuguêses o
clusão. Ao depoi~, era mi::>ter, antes seu caminho. Não podia deparar-se-
de á rrcsença do puhlico virem est as nos mai:o; proprio íl.nal nem melhor
pnginn~ . saber se ellas seriam o fim arenga para homens que devem ba-
de um primeiro tomo, on se o termo ter-se.
da fiuhlicriçJ.o. De="pedimo-nos dos lei tores da En -
Edi tot'ii\lmente A Entrevista tinha t1 euista com a melancolia mas tambem
d e~afogac1 a viela qu e lh'a assegurava o com a firm eza de urn soluado que,
publico. H.estll va ap urar se o mo- rnuito agradado <.la sua ~asa e do:3
mento era para ou vir os outros ou seus, se despede e parte, ao ser cha-
falarmos nós, se eram as individuali- mado ás arm<1s pela Pntrb.
dades qu em tinhr\ a palavra ou se a Esta é, pois, a ultima pagina da
collect.ividadc. Ent1·euista, que não acaba por falta de
Provudamente , a hora é demasiado ' leitores, mas por ab undancia de on-
inquieta para um português se con- tras pngnas, mais renhidas , a trnvar.
fi nar na clescnnçada tarefo de publi- Escrevemo-la. com a saudade do
cação tal. A hora é de inquietação e soldaélo que, já da primeira curva da
de risco, de perturbada desorienta- estrada, diz o derradeiro adeus aos
ção : ha que clar mnis á patria do qu e seus, e, açodando o passo nunca rnnis
os en)born curiosos s ub:;idios para se alembra da familia, por só pensar
a his toria, ci ne são em regra as en- na Patria, em que a familia está
trevistas. Torna-se urgen te dever conglobada, e pela qmü vae para o
orientar , e assentar de novo praça no seu posto vencer ou morrer que é
activo. O nosso papel e a nossa mis- t ambem uma maneira de ajudar as
8ão é no jornalis mo, a vedêta de vic torias nacionaes.
todas as rcvol uções e de todas as
redempções modernas. J. L.
Des'que vi em os para a vida publica,
estivemos sempre onde o dever na- Lisboa, 3 maio 1914.

FIM
INDIOE

PAG.
Entrensta com JO.\O D'AZEYEDO COUTINHO ~·º 1) . . . • . • 7
Entrevil'lta com o notabilissimo o:;tadii:1ta hespanhol D. E UCH~~IO :J(O:-NTI~ RO
nros (N.º 2) . . . . . . . . . . . . . . . . . . • 25
Entrevishi com o Sr. CONDE UE MANGUALDE (N.0 i~) . . . . . • 41
Entrevü;ta com o antigo :Ministro do Mcxico cm Paris, D. MIGUEL DIAZ
L(DIBARDO (~ .º 4) . . . . . . . . . . . . • · . · · 59
Entrevista com o DH. fiUXHA E roSTA (N.0 5) . . . . . . . . 69
Entrevista com FERREIRA DE ~f1~SQUrrA, ajudante do Sr. Conde de
Mangualde (N.0 6) . . . . . . . . . . • . Sõ
E ntrevista com o PADHE Dü:JllNW >S - O guerrilheiro de Cabec<'iras de
Bastos (N.0 7) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Entrevista com a Renhora l\[::>.rqueza de Rio-)faior sobre a ~ENHORA D. J U-
LIA DE BRI'l'O E CUNHA (;-{.º, 8) . . . . . . . . . . . . 123
Entrevista com o Sr. ronselhciro .J OR I~~ D' J\7'EYEDO CASTELLO BRAN-
CO (N.0 U) • . . . . . . . . . . . . . . • . • • 137
Entrevista com o PADRE A)IADEU DE YASOONCELLOS l~[AlUOTTE) .
Prinwira part<' (N.0 10) . . . . . . . . . . . . . . . . · l õ3
Entrevista com o PA DHE AMADEU DE VASCONOELLOS (MARIOTTE).
S0gnnda parte (N.0 11 ) . . . . . 1G8
Entrevista com JO,,\QFD[ OEIRA8- Historia d'uma evas?io elo prof'idio
e1']•'1
, ' •as ,AT
,, .o 1~'>) . ~ . . . . . . . . . . . . . . . . . rn1
Entrovüita com o C_,\ PJTAO-TENKN !'E DA ATL\L\D,\ BR~\ SILEJRA RR.
AJ\fERICO PDíE'N'TEL - 1\ R<'pnblica Portugueza. o a Republica Bra-
ziloira (N.0 13). . . . . . . . . . . . . . . · · · · · 211
En trevista com o DH. LT'IZ TELLER DE VAf.irOXCELL08-A foga do
presidio de R. B<',m·1h<'.· 1 t) . . . . . . . . • . . .
LT · º 22a
Entrevü;ta com .TOSE DE F.\HL\ l\ L\ClTJ\ DO, ~ecr<'tario clf' L<'gnc;::to de
8 11a l\b!!.:cstado Fic1disi-;ima - () rrconhoc1rnPnto da Hqmhlica Portngueza
(N .º l f)) . . . . . . . . . . . . . . · 236
E ntreviRta com o TEXEXTE R.ATT'"RIO PiílER, Offi<:ial da Columna de
Paiva ronceiro - Ex0rcitoR P<'rmancntrs <' )lilicias (N.0 16) . . . . 2J7
Entrevist~t com o rons<'lhf'iro .1\ YHES D'ORNELLAR, rapitâo elo ERtaclo-
1\foior - O Futuro na Política Portuguezn. e o futuro no exercito C~ ·º 17). 267
Entrevista com o PADRI~ CAE'l'ANO DOR RANTOS BA8TOS ANAO, An-
tigo Oapcllão de Lanceiros d'El-Rci- A Lri de Separaç-ílo (N. 0 18) . 277
Entrevista c:om o Oonsrlh<'iro .TORE LPCIAXO DE C.\ STHO (:N".0 Hl) . 291
Entrevü;ta com FIALHO D'AL:METI)A. (N.º 20) 303
UI tima pagina . . . . . . . . . . . . . . . . · . · 316
,

J/;!.

Você também pode gostar