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29/10/19

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

DIREITO CONSTITUCIONAL I
AULAS PRÁTICAS

Licenciatura em Direito , 1.º Ano , 1.º Semestre


Ano Letivo 2019 / 2020

Eduardo António da Silva Figueiredo


Assistente Convidado – Secção de Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra

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PARTE III.1

CONCRETIZAÇÕES:
DIREITO CONSTITUCIONAL PORTUGUÊS

Génese e Evolução da CRP

Apesar das descontinuidades, prevalecem as continuidades: (1) fiscalização difusa da


constitucionalidade das leis pelos tribunais; (2) poder legislativo ordinário do executivo, que constitui
um traço distintivo do constitucionalismo português.

Incoerências e tensões no seio da CRP originária:


o Constituição liberal e democrática vs. Constituição dirigente e autoritária;
o Legitimidade democrática vs. Legitimidade Revolucionária;
o Constituição programática vs. Constituição processo.

É possível distinguir três momentos constitucionais:


o Momento Revolucionário: subjacente à Constituição de 1976 esteve a Revolução de 25 de
abril de 1974, que implicou uma transformação a nível político e social, nomeadamente a
substituição de uma classe política por outra;
o Momento Desconstituinte: dissolução da Assembleia Nacional; afastamento dos
dirigentes políticos.
o Decisões Pré-constituintes: escolha do procedimento constituinte a seguir; emanação
de várias leis constitucionais transitórias.
o Momento Extraordinário: momento de intensa participação popular;
o Momento Maquiavélico: houve alguns atos, protagonizados pelo poder revolucionário e
constituinte, de legitimidade duvidosa, de excesso revolucionário (p.e. incapacidades cívicas
automáticas de pessoas com cargos no Estado Novo, incriminação retroativa dos agentes da
PIDE, expropriação sem indemnização).

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Génese e Evolução da CRP

Caraterísticas formais da Constituição da República Portuguesa:

o Unitextual: não há mais documentos com valor constitucional e não existem leis
de revisão fora da Constituição.
o Rígida: As normas constitucionais têm uma especial resistência à derrogação, não
valendo o princípio de que a lei posterior derroga lei anterior; a revisão pressupõe
a observância de um procedimento específico e exigente; só as leis de revisão
constitucional derrogam as normas constitucionais.
o Hoje fala-se de uma rigidez relativa, imposta pela interpretação atualista da
Constituição no seio de uma “sociedade aberta de intérpretes” (P. Häberle).
o Longa: A nossa Constituição é longa e tem 296 artigos. Opõe-se ao conceito de
Constituição breve.
o Programática: Está ligada a normas-fim ou normas-tarefa que incumbem o Estado
de um determinado programa.
o Compromissória: Traduz um compromisso entre o princípio liberal de direitos
individuais e o princípio socialista de direitos económicos e sociais; a forma de
governo parlamentar e presidencial; o princípio da unidade do Estado e da
autonomia regional; o sistema de fiscalização da constitucionalidade difusa e
concentrada.

Poder Constituinte Derivado

O poder constituinte derivado assenta em três linhas de força: (1) desideologização; (2)
adaptação ao direito internacional; (3) autonomia política e administrativa de entes
públicos territoriais.

o 1.ª Revisão – 1982 (ordinária)


o 2.ª Revisão – 1989 (ordinária)
o 3.ª Revisão – 1992 (extraordinária)
o 4.ª Revisão – 1997 (ordinária)
o 5.ª Revisão – 2001 (extraordinária)
o 6.ª Revisão – 2004 (ordinária)
o 7.ª Revisão – 2005 (extraordinária)

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Revisões Constitucionais

Revisão Tipo Objetivo

1982 Ordinária • Eliminação das “fórmulas linguísticas típicas das narrativas emancipatórias
da legitimidade revolucionária”.
• Atenuação da componente ideológica ao nível da organização económica
e agrária.
• Desmilitarização do projeto constitucional.
• Criação do Tribunal Constitucional.

1989 Ordinária • Revisionismo de matriz económica: supressão da irreversibilidade das


nacionalizações.
• Possibilidade de reprivatização dos meios de produção e de bens
nacionalizados.
1992 Extraordinária • Adesão de Portugal à CEE – receção do Tratado de Maastricht.
• Revisão dos artigos 7.º/6, 15.º e 105.º da CRP
1997 Ordinária • Reforma da organização do poder político.
• Melhorias no leque de direitos fundamentais (inclusão do direito ao livre
desenvolvimento da personalidade e proibição do trabalho imposto)
• Constituição Biomédica (p.e. proteção da identidade genética do ser
humano)
• Alargamento do universo eleitoral a eleitores portugueses recenseados no
estrangeiro para referendos e eleições do Presidente da República.
• Quebra da unidade legislativa da República, com divisão entre leis centrais
e regionais.
• Desconstitucionalização do poder militar.
• Etc.

Revisões Constitucionais

Revisão Tipo Objetivo


2001 Extraordinária • Criação do Tribunal Penal Internacional.
• Inserção do art. 7.º/7 da CRP.

2004 Ordinária • Aprofundamento da autonomia político-administrativa das Regiões


Autónomas dos Açores e da Madeira, aumentando os poderes das
respetivas ALR’s e substituindo o cargo de Ministro da República pelos
Representantes da República.
• Clarificação das normas referentes às relações e ao direito
internacionais, nomeadamente relativa à vigência na ordem jurídica
interna dos tratados e normas da União Europeia.
• Aprofundamento do princípio da limitação dos mandatos, nomeadamente
dos titulares de cargos políticos executivos.
• Reforçou-se o princípio da não discriminação, nomeadamente em função
da orientação sexual.
2005 Extraordinária • Aditamento do art. 295.º, admitindo-se a realização de um referendo
sobre a aprovação do Tratado Constitucional Europeu, o qual visava a
construção e aprofundamento da União Europeia.

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Poder Constituinte Derivado

Vários problemas podem ser colocados a este nível.

o Intensidade da revisão à quando é que se pode dizer que uma alteração


consubstancia uma nova Constituição pela rutura que representa face ao regime
constitucional vigente?
o Revisão total vs. Revisão parcial
o Nos casos em que a revisão total não está expressamente consagrada,
entende-se que a mesma é um limite da revisão parcial (i.e. a revisão total da
Constituição não pode ser efetuada pela via da revisão parcial).

o Legitimidade do exercício do poder à associada à função de tendencial perpetuidade


que uma Constituição encerra relativamente a um determinado conjunto de valores
sociais, políticos e nacionais, que deve resistir às “maiorias ocasionais” e aos
populismos.
o Não impede o chamado “desenvolvimento constitucional” num mundo
dinâmico e aberto à evolução.

o Limites formais e materiais do poder de revisão

Limites formais ao poder constituinte derivado

Limites relativos ao titular do poder de revisão

o Entre nós, a revisão ou modificação da Constituição é feita pelo órgão legislativo


ordinário: a Assembleia da República. A apresentação de projetos de revisão cabe,
apenas, aos deputados (art. 285.º/1 CRP; 161.º/a CRP). à Respeito pelo princípio
democrático representativo.
o Entre nós, está afastada a possibilidade de se recorrer a referendos como meio de
revisão constitucional ou de ratificação das leis de revisão (art. 115.º/4/a CRP).

Limites temporais (assegura estabilidade às instituições constitucionais)

o A AR pode rever a Constituição decorridos 5 anos sobre a data da publicação da


última lei de revisão ordinária – revisão ordinária (art. 284.º/1 CRP).
o Nenhuma AR poderá, assim, efetuar mais do que uma revisão ordinária.
o A AR pode rever a Constituição em qualquer momento, desde que observe o
requisito previsto no art. 284.º/2 CRP – revisão extraordinária.
o A assunção extraordinária de poderes de revisão constitucional só aproveita à AR
que a efetuou, caducando se esta não vier a proceder à mesma.
o A sua realização não interrompe o prazo para a realização das revisões
constitucionais ordinárias.

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Limites formais ao poder constituinte derivado

Limites relativos às maiorias deliberativas (para garantir adesão e consenso inequívocos)

o Nas revisões ordinárias, as alterações à Constituição têm de ser aprovadas por maioria de 2/3
dos deputados em efetividade de funções (art. 286.º/1 CRP).
o Nas revisões extraordinárias, aplica-se um processo agravado: exigência de uma maioria de 4/5
dos deputados em efetividade de funções para que a AR possa assumir poderes de revisão; as
alterações devem, depois, ser aprovadas por uma maioria de 2/3 dos deputados em
efetividade de funções (art. 284.º/2 e 286.º/1 CRP).

Limites circunstanciais

o Proíbe-se que a revisão da Constituição seja feita em situações de anormalidade constitucional.


Ex: estado de guerra ou estado de emergência (art. 289.º CRP).

E ainda:
o A revisão deve ser feita de modo expresso (proibição das revisões tácitas).
o Forma: Lei Constitucional (art. 161.º/a e 166.º/1 CRP)
o Promulgação: o Presidente da República não pode recusar a promulgação da lei de revisão (art.
286.º/3 CRP).
o Publicação: Quer se trate de supressão de normas, quer se trate de uma substituição do texto
constitucional, quer de aditamentos, todas estas alterações devem ser inseridas no lugar próprio da
Constituição, publicando-se conjuntamente a Constituição, no seu novo texto, e a lei de revisão
constitucional (art. 287.º CRP).

Poder Constituinte Derivado

Revisões constitucionais que se materializam em leis de revisão constitucional

o Normas que contemplam as alterações da Constituição, as quais são


posteriormente inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, as
supressões e os aditamentos necessários, incluindo a publicação do novo texto
da Constituição. É o caso da Constituição portuguesa (arts. 166.º/1 e 161.º/a
CRP).

Emendas Constitucionais

o Novos documentos, paralelos ao texto constitucional e com idêntico valor em


relação a este, que podem consubstanciar um aditamento, uma supressão ou
uma alteração, tornando este modelo de revisão constitucional mais complexo
no momento de interpretar a Constituição em vigor. É o caso da Constituição
norte-americana.

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Limites materiais ao poder constituinte derivado

Visam a conservação do valor integrativo da Constituição, isto é da identidade constitucional.

Limites superiores e inferiores (H. NEF)

o No que respeita aos limites inferiores, coloca-se a questão de saber se uma lei de revisão
poderá inserir na Constituição qualquer matéria. A resposta parece ser positiva, inexistindo
uma qualquer “reserva de matéria constitucional”. Não se aceitam, pois, limites inferiores de
revisão.
o No que respeita aos limites superiores, coloca-se a questão de saber se há normas da
Constituição que não podem ser objeto de revisão. A resposta parece ser positiva,
remetendo-nos para a temática dos limites expressos e tácitos.

Limites expressos e tácitos (autónomos / heterónomos)

o Os limites expressos são aqueles limites ao poder de revisão que estão expressamente
consagrados no próprio texto constitucional (Art. 288.º CRP). Correspondem ao núcleo
essencial da Constituição. Também designados de limites imanentes de revisão.
o Os limites tácitos são aqueles que não estão expressamente consagrados na Constituição.
Alguns podem deduzir-se do próprio texto constitucional (limites textuais implícitos) e outros
são imanentes a uma ordem de valores não positivados (limites tácitos propriamente ditos).

Limites materiais ao poder constituinte derivado

HANS NEF

Limites Autónomos Limites Heterónomos

o Limites expressos o Limites tácitos propriamente


o Limites textuais implícitos ditos à são aferidos por
uma ordem jusnaturalista ou
ordem social justa.
Resultam da interpretação o Limites heterónomos
literal, sistemática ou histórica expressos à submissão do
da Constituição poder constituinte derivado
a convenções internacionais.

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Limites materiais ao poder constituinte derivado

E será que podemos dizer que os limites ao poder de revisão são para sempre? Será
que os mesmos vinculam o próprio poder constituinte derivado?

A Constituição é um documento vivo, o espelho de um determinado contexto histórico-


político e cultural. Por isso, é um documento alterável. Mas isso não significa que se
aceite a possibilidade de uma revisão total. O órgão de revisão não é o titular do poder
constituinte originário, logo ele não poderá fazer uma nova Constituição, nem aniquilar
a identidade constitucional concreta.

Limites materiais ao poder constituinte derivado

Limites absolutos e relativos

o Limites absolutos são aqueles que não podem ser superados pelo exercício do
poder de revisão.
o Limites relativos são aqueles que visam apenas condicionar o poder de revisão,
mas que não impedem a modificação das normas constitucionais, desde que se
cumpram as condições agravadas estabelecidas por esses limites.

Segundo o curso, terão os limites expressos uma natureza absoluta? Sim, são “normas
superconstitucionais” colocadas no texto pelo poder constituinte originário.

Qual é, porém, o significado e alcance jurídico-constitucional destes limites materiais


de revisão? Tudo dependerá do sentido intrínseco de cada um deles. Segundo J. J.
Gomes Canotilho, podemos distinguir entre:
o Limites materiais genuínos (respeitam a autoidentificação material da esfera
jurídico-constitucional)
o Limites conjunturalmente justificados (a sua consagração só se justifica atenta a
conjuntura)

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Limites
Limites Materiais
Conjunturalmente
Genuínos
Justificados
(Absolutos)
(Relativos)

As alíneas d), e), n), o) do art. 288.º são matérias de Já no caso das alíneas j) e l) do art. 288.º da CRP,
importância superior e fulcral, sendo limites que estamos ante limites que surgem como garantia de
funcionam como garantia dos princípios fundamentais cada princípio na expressão concreta que têm na
da Constituição. Por conseguinte, não pode o regime Constituição.
jurídico dessas matérias ser tocado.
Assim, não se impede a alteração do seu regime
A revisão constitucional tem de respeitar o seu regime constitucional, podendo tais matérias ser tocadas,
constitucional como limite absoluto. mas com limites (não é possível a sua eliminação ou
substancial modificação).
P.e. Al. d): a revisão constitucional só poderá acrescentar
outros direitos fundamentais, mas nunca eliminar os P.e. Al. j): a revisão constitucional pode alterar o
atualmente reconhecidos. sistema de governo, mas não eliminar a separação,
nem a interdependência entre os órgãos de
soberania.

Limites materiais ao poder constituinte derivado

Deve, porém, rejeitar-se a chamada técnica de dupla revisão (Jorge Miranda / Galvão
Telles).

Segundo uma tal posição, qualquer norma da Constituição pode ser modificada desde
que se respeitem os limites materiais da Constituição. Assim, as normas constitucionais
protegidas pelos limites não são alteráveis, mas os limites em si mesmos já o são. Desta
forma, é possível que se alterem os limites e, depois, as normas constitucionais à luz da
lei constitucional que aprova a alteração dos limites de revisão.

A doutrina tem, porém, entendido que tal conduz a uma verdadeira situação de fraude
constitucional. Além disso, as normas constitucionais que estabelecem os limites de
revisão são “superconstitucionais”, já que resultam do exercício do poder constituinte
originário, sendo com base nelas que se controlam as alterações à Constituição, i.e. o
poder constituinte derivado.

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Revisão Constitucional e Inconstitucionalidade

A não observância, pela lei de revisão, dos limites (formais, circunstanciais e materiais)
estabelecidos na Constituição acarreta a desconformidade constitucional da lei de revisão.
Segundo J. J. Gomes Canotilho:

(1) Casos de falta de competência absoluta do órgão que Inexistência (da lei de revisão
emanou a lei de revisão (p.e. aprovação pelo Governo);
(2) Leis de revisão aprovadas pela AR, mas fora dos casos
constitucional)
em que esta, nos termos constitucionais, tem poderes de
revisão (v. art. 284.º/2 e 289.º CRP);
(3) Leis de revisão votadas pela AR no uso de poderes de
revisão, mas não aprovadas pela maioria qualificada
constitucional exigida (v. art. 286.º/1 CRP).
Não indicação taxativa e expressa das alterações a Inexistência (da lei de revisão)
introduzir no texto constitucional (art. 287.º CRP)
Desrespeito do processo próprio previsto no art. 285.º/1 Inconstitucionalidade Formal
CRP (p.e. aprovadas mediante proposta do Governo)
Infração dos limites materiais de revisão (art. 288.º CRP) Inconstitucionalidade Material

A inconstitucionalidade material e formal das leis de revisão pode e deve ser apreciada pelos
tribunais (art. 204.º CRP) e pelo Tribunal Constitucional nos termos dos arts. 280.º e 281.º da
CRP – processo de fiscalização sucessiva (há dúvidas quanto à possibilidade de controlo
preventivo).

Exercícios de Exame

a) A primeira revisão da Constituição de 1976, que ocorreu em 1982, foi uma revisão
extraordinária.
b) A terceira revisão à Constituição de 1976 resultou de exigências relativas à adesão, por
Portugal, do Tratado de Maastricht.
c) Foi com a segunda revisão à Constituição de 1976, que ocorreu em 1989, que se criou
o Tribunal Constitucional.

A) Entre nós, a revisão constitucional parte sempre da iniciativa do Presidente da


República.
B) De acordo com a Constituição, há limites materiais de revisão que devem ser
observados.
C) Na história constitucional portuguesa não se detetam descontinuidades formais.

1) As revisões constitucionais em situações de estado de sítio ou de emergência


dependem de uma maioria de 4/5 dos deputados em efetividade de funções.
2) O Governo pode iniciar um processo de revisão constitucional.
3) Não há consenso na doutrina quanto ao valor absoluto dos limites materiais.

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Exercícios de Exame

II.

Um grupo de deputados apresentou hoje à Assembleia da República uma proposta de


revisão constitucional com o seguinte conteúdo:

“O artigo 41.º, número 4, da Constituição da República Portuguesa passa a ter a seguinte


redação:
Sem prejuízo da liberdade religiosa individual, a religião Católica Apostólica Romana é a
religião oficial do Estado.”
Alguns dias depois, a proposta foi discutida e votada, tendo ambos os artigos sido aprovados
por 170 dos 230 Deputados em efetividade de funções.

O decreto foi enviado ao Presidente da República, que o promulgou, tendo a lei de revisão
constitucional sido publicada, juntamente com a Constituição com as alterações inseridas em
lugar próprio.
A revisão constitucional é válida? Justifique.

Exercícios de Exame

III.

No dia 15 de dezembro de 2018, o Governo apresentou à Assembleia da República uma


proposta de revisão constitucional com o seguinte conteúdo:

“O artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa passa a ter a seguinte redação:

Os tribunais são independentes perante o Governo, estando apenas sujeitos a orientações


vinculativas por parte da Assembleia da República.”
No dia 10 de janeiro de 2018, esta proposta foi discutida e votada, tendo a alteração sido
aprovada por 170 dos 230 Deputados em efetividade de funções.

Posteriormente, o decreto foi enviado ao Presidente da República, que o promulgou, tendo o


diploma sido publicado em Diário da República, como “Lei Constitucional n.º 1/2018”, e
mandada anexar a todas as cópias da Constituição existentes.

Analise a conformidade constitucional desta revisão constitucional em todos os seus


aspetos.

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Tópicos de Resolução

o Poder Constituinte Derivado


o Noção;
o O poder constituinte derivado como “poder constituído”;
o Razão de ser dos seus limites.

o Limites Circunstanciais (art. 289.º CRP)


o Limites Temporais (art. 284.º CRP)
o Revisão Ordinária;
o Revisão Extraordinária.
o Limites Procedimentais (285.º a 287.º CRP)
o Iniciativa – Deputados;
o Votação – Aprovação por maioria de 2/3 dos deputados em efetividade de funções;
o Dever de promulgação pelo Presidente da República;
o Publicação (no próprio texto da CRP – proibição das emendas).
o Limites Formais – reveste a forma de “Lei Constitucional” (art. 161.º/a e 166.º/1 CRP)
o Limites Materiais (art. 288.º CRP) – Limites Absolutos vs. Limites Relativos.
o Vícios: (1) Inexistência da lei de revisão; (2) Inconstitucionalidade formal; (3)
Inconstitucionalidade material.

Princípio Fundante da CRP

Dignidade da Pessoa Humana

Este princípio é simultaneamente fundamento e limite de todo o poder político (art.


1.º CRP). É um fim em si mesmo e, portanto, as dimensões estruturantes ou constitutivas
do Estado de Direito visam a proteção do mesmo.

Consequências normativas do reconhecimento do princípio da dignidade humana:


o Proibição da pena de morte (art. 24.º CRP)
o Proibição da prisão perpétua
o Proibição da tortura (art. 25.º/2 CRP)
o Direito a um mínimo para uma existência condigna (Ac. TC n.º 509/2002)

Em suma, este princípio assume-se como:


o Tarefa ou obrigação jurídica a cargo do Estado;
o Limite ou parâmetro da atividade do Estado;
o Fundamento da invalidação dos atos do Estado tidos como violadores do
seu conteúdo regulativo.

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Princípio do Estado de Direito

É um princípio constitutivo, de natureza material, formal e procedimental, que visa


dar resposta ao problema do conteúdo, extensão e modo de proceder da atividade do
Estado.

A Constituição de um Estado de Direito visa conformar o exercício do poder político


e a organização da sociedade segundo a medida do Direito.

à Medida material: conjunto de princípios materiais informados por uma certa


ideia de justiça e que funcionam como meio de ordenação racional de uma comunidade
organizada.
à Medida formal: princípios orgânicos, formais e procedimentais que cumprem
essa função organizadora.

Dimensões formais e materiais:


o Juridicidade
o Constitucionalidade
o Sistema de Direitos Fundamentais
o Divisão dos Poderes
o Sustentabilidade Ambiental

Juridicidade

Parte de uma ideia de Estado submetido a um conjunto de regras formais, materiais e


procedimentais.
o Exigências valorativas que o poder deve respeitar;
o “Quem” e “como” deve o poder ser exercido.

Michael Kloepfer referia-se, neste sentido, a um “Estado de Distância”, o qual garante ao


indivíduo uma esfera de liberdade, autonomia e privacidade – marcada pela diferença e
pela individualidade – subtraída à ingerência ou intervenção do poder político.

Este é, além do mais, um Estado de justiça concretizado em princípios materiais que se


reconduzem à afirmação e respeito pela dignidade da pessoa humana, a realização da
igualdade, etc. à Fundamentação do Estado no próprio Direito e num sentido
socialmente justo.

A juridicidade sempre implica a proteção dos indivíduos, não só contra o Estado, mas
também contra os outros indivíduos.

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Constitucionalidade

Todos os poderes públicos estão vinculados à Constituição, a uma ordem jurídica fundamental à
Supremacia da Constituição.

Desde logo, podemos afirmar que existe uma vinculação do legislador à Constituição:
o As leis têm de ser feitas pelo órgão definido pela Constituição, através procedimento e
com a forma por ela fixados.
o Proíbem-se as leis de alteração da Constituição que não sejam leis de revisão (art.
161.º/a, 284.º a 289.º da CRP)
o Todos as leis devem ser conformes à Constituição.

Além disso, existe uma clara vinculação de todos os atos do Estado à Constituição:
o Todos os atos dos poderes públicos, incluindo atos políticos, têm de respeitar a
Constituição.
o Todos os atos dos poderes públicos não podem violar a Constituição através do não
cumprimento de deveres jurídicos de legislar.

Fala-se ainda de uma reserva de Constituição, na medida em que determinadas matérias só podem
ser reguladas pela Constituição e não por lei ordinária.
o Princípio da tipicidade constitucional de competências (art. 111.º/2 da CRP);
o Princípio da constitucionalidade das restrições aos direitos, liberdades e garantias (art.
18.º/2 da CRP)

Força Normativa da Constituição (Konrad Hesse)

A supremacia da Constituição, assim


concretizada, revela a sua força
normativa. Esta é uma força que
impede que a sua supremacia seja
anulada por interesses políticos ou de
natureza económica, por exemplo
sendo neutralizada pelo legislador
ordinário.

Em suma, sempre que uma


determinada matéria for regulada pela
Constituição, tal disciplina jurídica não
pode ser revogada livremente.

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Sistema de Direitos Fundamentais

O Estado de Direito assenta numa jusfundamentalidade, i.e. numa base antropológica


que preserva e protege o Homem em todas as suas manifestações juridicamente
relevantes – como pessoa, cidadão, trabalhador, administrado, arguido ou contribuinte.

o Afirmação da integridade física e espiritual do Homem;


o Garantia da sua identidade e integridade através do livre desenvolvimento da sua
personalidade;
o Libertação da angústia da existência da pessoa mediante mecanismos de socialidade;
o Garantia e defesa da autonomia individual através da limitação dos poderes públicos;
o Garantia da dignidade social e da igualdade de tratamento normativo.

Divisão dos Poderes

Visa proteger a liberdade individual contra os abusos de poder.

Dimensão negativa – a separação funciona como “divisão”, “controlo” e “limite”,


evitando a concentração de poderes (divisão de poderes)

Dimensão positiva – a separação visa a constitucionalização e organização do Estado de


forma a que se logre uma justa e adequada ordenação das suas funções (separação de
poderes)

Horizontal – Hierarquia interna de poderes.

Vertical – Organização do poder em termos territoriais.


o Em geral: confederação, federalismo, Estados unitários regionais.
o Entre nós, unidade do Estado (art. 6.º/1 da CRP).

Divisão pessoal do poder – é garantida através do princípio da incompatibilidade entre o


cargo executivo e o mandato parlamentar (art. 154.º e 216.º/3 da CRP).

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Divisão Horizontal de Poderes

Atribuição dos poderes a diferentes órgãos à Estado de poder limitado e moderado

o A função legislativa, a função administrativa e a função de julgar devem ser


atribuídas, cada uma delas, principalmente, a um determinado órgão.
o Poder Legislativo: Assembleia da República (Lei); Governo (Decreto-lei);
Assembleias Legislativas Regionais (Decretos legislativos regionais) (arts.
112.º/1, 165.º/c), 198.º, 227.º/1/a) CRP)
o Poder Executivo: Governo; Autarquias; Outras entidades (arts. 182.º, 235.º e
266.º CRP)
o Poder Judicial: Tribunais (art. 202.º CRP)

Salvaguarda do núcleo essencial da ordenação constitucional dos poderes

o Este princípio não implica uma rigorosa separação orgânica dos poderes. Por
exemplo, o Governo também exerce a função legislativa. Basta, portanto, que
estas partilhas de poder não ponham em causa o núcleo essencial da ordenação
de poderes feita pela Constituição. Neste sentido, ele é um princípio normativo-
autónomo.

Divisão Horizontal de Poderes

Adequação funcional da função

o A distribuição das diferentes funções pelos diferentes órgãos tem de ser feita
com base em critérios. Cada função deve ser atribuída ao órgão que pela sua
estrutura, titularidade e modo de trabalho, possa exercer de forma mais eficaz
uma determinada função. O exercício de cada função deve ser funcionalmente
adequado.
o AR: arts. 147.º, 148.º, 171.º a 181.º da CRP;
o Governo: arts. 183.º e 184.º da CRP;
o Tribunais: art. 202.º da CRP.

Interdependência entre poderes

o Para que o poder seja limitado e moderado, não basta que haja uma distribuição
de cada um deles por diferentes órgãos (arts. 2.º e 111.º CRP). O próprio poder
tem de se controlar reciprocamente (checks and balances).

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Divisão Vertical de Poderes

o Garantia da autonomia político-regional dos Açores e da Madeira (art. 6.º, 225.º e


288.º/o) da CRP)

o Garantia da administração autónoma local (art. 6.º/1, 235.º e 288.º/n) da CRP) à


Descentralização administrativa, através da criação de vários níveis de autarquias
locais: (1) regiões administrativas; (2) municípios; (3) freguesias. Cada uma delas tem
os seus próprios órgãos legislativos (Assembleia Municipal e Assembleia de
Freguesias) e executivos (Câmara Municipal e Junta de Freguesia).
o Maior participação democrática;
o Controlo recíproco do exercício do poder entre autarquias locais e o Estado
Central.

Sustentabilidade Ambiental

Existência de um Estado cujas políticas sociais, económicas e jurídicas viabilizem


uma situação de sustentabilidade, procurando alcançar harmonia entre a exploração dos
recursos naturais, o respeito pela dignidade humana e a preservação do meio ambiente,
ao mesmo tempo que evita qualquer tipo de ecofundamentalismos.

Sustentabilidade em sentido amplo capta três pilares distintos: (1) sustentabilidade


ecológica; (2) sustentabilidade económica; (3) sustentabilidade social.

Sustentabilidade em sentido estrito ou em sentido ecológico aponta para a


proteção dos recursos a longo prazo por via do planeamento, economização e imposição
de obrigações de conduta e de resultado.

Concretizações constitucionais: art. 9.º/d)/e) , art. 66.º/1/2 e art. 81.º/a)/m) da CRP.

Constituição à ou da distância (Fernverfassung)à Sustentabilidade e cuidado para


com as gerações futuras.
o Hans Jonas: “Age de tal maneira que os efeitos da tua ação sejam
compatíveis com a preservação da vida humana genuína” (princípio ético de
responsabilidade).

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Subprincípios concretizadores

Como subprincípios concretizadores do princípio do Estado de Direito, podemos


identificar:

o Princípio da legalidade da administração;


o Princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança;
o Princípio da proporcionalidade (em sentido amplo) ou da proibição do excesso;
o Princípio da proibição do défice de proteção ou da proibição por defeito;
o Princípio da proteção jurídica e das garantias processuais.

Princípio da Legalidade da Administração

Surge com as Revoluções Liberais, iniciadas nos finais do séc. XVIII, à medida que o
Estado se vai subordinando ao Direito: pretendem-se regras que defendam os cidadãos
da Administração.

Antes destas, a Administração – i.e. os serviços e funcionários na dependência do


monarca – atuava sem subordinação a normas.

Classicamente, este princípio incluía dois subprincípios:

o Princípio do primado da lei (em sentido negativo): durante a época liberal, a


Administração não poderia praticar qualquer ato que desrespeitasse o que a lei
votada no Parlamento estabelecia. A lei surgia, pois, como limite da atividade
administrativa.
o Princípio da reserva de lei: estabelece que, em determinados domínios (como a
propriedade e a liberdade), só o Parlamento poderia intervir de forma inovadora. A
Administração só desempenhava aqui uma função executiva.

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Princípio da Legalidade da Administração

Com a passagem da época liberal para a época do Estado de Direito Social (transição do
séc. XIX para o séc. XX), altera-se o conceito de lei. Agora, para além de se protegerem os
cidadãos, também se visa a prossecução do interesse público.

Os subprincípios acima mencionados adquirem novos significados:

o Princípio do primado da lei


o Em sentido negativo: devido à primazia da lei, a Administração não pode praticar
atos contrários à mesma.
o Daqui decorre, p.e., que toda a norma jurídica com valor de lei derroga o
regulamento ou ato administrativo.
o Em sentido positivo/ princípio da precedência de lei: a lei tem de determinar o
fim (os interesses a prosseguir) e os órgãos competentes para o prosseguir. A lei
é o pressuposto e fundamento da atividade administrativa.

Como são muitos os domínios onde o Estado passa a intervir, a Administração está não
só subordinada à lei, mas a todo o Direito (Constituição, Direito Internacional, etc.) à
Fala-se de um princípio de juridicidade (art. 266.º/2 da CRP).

Princípio da Legalidade da Administração

o Princípio da reserva de lei

O Governo passa a dispor de competência legislativa.

Este princípio centra-se no problema da repartição de poderes entre o Parlamento e o


Governo.
à Existem matérias que só a AR pode legislar (art. 164.º da CRP). (Reserva absoluta
de competência legislativa)
à E ainda, matérias em que o Governo também pode legislar, mas desde que
autorizado pela AR. Nesse sentido, a AR emana uma Lei de autorização legislativa e o
Governo um Decreto-lei autorizado (art. 165.º da CRP). (Reserva relativa de competência
legislativa)

Existem ainda:
à Matérias de competência concorrente (art. 198.º/1/a da CRP)
à Matérias da exclusiva competência legislativa do Governo (art. 198.º/2 da CRP)

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Exercícios de Exame

a) No quadro da CRP, o princípio da separação de poderes implica que cada poder seja
atribuído exclusivamente a um único órgão.
b) O princípio da separação dos poderes é uma forma de limitar o poder.
c) Nas matérias de reserva relativa de competência legislativa, o Governo pode intervir
desde que a AR o autorize através da emanação de um decreto-lei de autorização.

A) O princípio da dignidade da pessoa humana é limite, mas não fundamento de todo o


poder político.
B) Embora impeça a sua submissão a interesses económicos, a força normativa da
Constituição não impede a sua neutralização pelo poder político.
C) O princípio da tipicidade constitucional de competências é uma decorrência da
chamada “reserva de Constituição”.

1) Segundo o princípio da precedência de lei, a lei é o pressuposto e fundamento da


atuação da Administração.
2) Apenas a Assembleia da República exerce, entre nós, a função legislativa.
3) Segundo o princípio da reserva de lei, o Governo só poderá legislar, em todos os casos,
quando autorizado pela AR.

Princípio da Segurança Jurídica

O Homem necessita de segurança para conduzir e planificar a sua vida. Exige-se, pois,
que qualquer ato de qualquer poder (legislativo, executivo ou judicial) seja fiável,
racional, transparente, claro, de forma a que o cidadão possa, com segurança, dispor da
sua vida, planeá-la e conhecer os efeitos jurídicos dos seus próprios atos. No fundo, cada
um de nós há-de saber qual o quadro legal em que nos inserimos para planificar as
nossas vidas. Protege-se, pois, a confiança que os cidadãos depositam na continuidade
do quadro legal existente.

Quanto a atos normativos, desdobra-se em três importantes princípios:

o Princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas


o As normas legais devem ser claras e suficientemente densas, para que os
cidadãos possam perceber quais são os seus direitos e deveres, para que a
administração possa aplicar a norma e para que essa mesma norma possa ser
fiscalizada.

o Princípio da proibição dos pré-efeitos dos atos normativos


o Todos os atos normativos não podem produzir efeitos jurídicos enquanto não
estiverem cumpridos os requisitos constitucional e legais para a sua entrada em
vigor. (cf. art. 119.º CRP)

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Princípio da Segurança Jurídica

o Proibição das normas retroativas

o Leis prospetivas à São as que pretendem vigorar para o futuro (eficácia ex


nunc). Em geral, estas leis respeitam o princípio geral da segurança jurídica.
o Leis retroativas (retroatividade autêntica) à Verifica-se quando a norma
pretende vigorar a partir de uma data anterior à data da sua entrada em vigor. A
norma pretende vigorar para o passado (eficácia ex tunc).
o Entre nós, não existe uma proibição genérica da retroatividade. Em nome da
liberdade de conformação da ordem jurídica que se reconhece ao legislador,
a CRP apenas proíbe a retroatividade em três casos:
o Leis retroativas restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18.º/3
CRP);
o Retroatividade da lei penal desfavorável ao arguido (art. 29.º CRP);
o Leis fiscais desfavoráveis para o contribuinte (art. 103.º/3 CRP).

Retroatividade exigida: leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido (art. 29.º/4
CRP)

Nos demais casos, uma lei só será inconstitucional se violar de forma ostensiva/excessiva
certas normas ou princípios jurídico-constitucionais, mormente o princípio geral da
segurança jurídica.

Princípio da Segurança Jurídica

o Leis retrospetivas (retroatividade inautêntica) à Verifica-se quando uma norma


pretende vigorar para o futuro (eficácia ex nunc), mas acaba por tocar em situações
jurídicas, direitos ou relações jurídicas que se constituíram no passado, mas que ainda
existem no momento presente.

Neste caso, os interesses da segurança jurídica e da proteção da confiança perdem


peso. Proibir este tipo de leis seria impedir que o legislador exercesse o seu poder,
satisfizesse o interesse público, pois a maioria das leis que vigoram para o futuro acabam
por tocar em situações presentes que se constituíram no passado. Assim sendo, estas leis
só serão inconstitucionais se violarem ostensivamente/excessivamente o princípio da
segurança jurídica e da proteção da confiança. E quando é que tal acontece?

1.º - Há que verificar se houve uma afetação das legítimas expetativas dos cidadãos. A
mesma existirá quando estivermos ante uma alteração na ordem jurídica com que
razoavelmente os destinatários da nova norma não podiam contar (não basta uma mera
convicção psicológica).

2.º - Essa afetação das legítimas expetativas tem de ser:


à Arbitrária, i.e. desprovida de fundamento sério e razoável;
à Excessiva, i.e. não realizada da exata medida do que seria necessário para
salvaguardar outros interesses fundamentais.

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Princípio da Segurança Jurídica

No que respeita a atos jurisdicionais, este princípio remete-nos para o instituto do caso
julgado, traduzido na estabilidade definitiva das decisões judiciais, quer devido à
impossibilidade de recurso ou reapreciação de decisões já tomadas (caso julgado
formal), quer porque a relação material controvertida é decidida em termos definitivos,
impondo-se a todas as autoridades (caso julgado material). Este princípio não está
expressamente consagrado na CRP, mas decorre de vários preceitos do texto
constitucional (art. 29.º/4 e 282.º/3 CRP). Este é fundamental para garantir a estabilidade
da jurisprudência, obrigando os juízes a tomar medidas com convicção e
responsabilidade.

No que respeita a atos da administração, fala-se em força de caso decidido dos atos
administrativos, já que o mesmo goza de uma tendencial imutabilidade traduzida na (1)
auto-vinculação da administração na qualidade de autora do ato e como consequência
da obrigatoriedade do mesmo e na (2) tendencial irrevogabilidade do ato normativo a
fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do ato.
à Apesar disso, na atual sociedade de risco (U. Beck), cresce a necessidade de se
tomarem atos provisórios e atos precários para que a administração possa reagir à
alteração de situações fáticas, prosseguindo o interesse público e salvaguardando outros
princípios constitucionais.

Casos Práticos

1.
Em janeiro de 2019, o Governo aprova um decreto-lei que aumenta a taxa de IRS,
devendo o diploma legal produzir efeitos desde fevereiro de 2018. Aprecie a validade
deste decreto-lei do ponto de vista jurídico-constitucional.

2.
Em setembro de 2019, é aprovada a Lei Y, a qual determina que o cargo de deputado
europeu passa a ser incompatível com o cargo de Presidente da Câmara. Manuel,
Presidente da Câmara de X e deputado europeu desde 2016, vê a sua situação presente
afetada. Consulta-o para que emita um parecer quanto à validade de uma tal lei do
ponto de vista jurídico-constitucional. O que lhe diria?

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Princípio da Proibição do Excesso

Vincula todos os poderes públicos (legislativo, executivo e judicial). O mesmo nasce com
vista a limitar principalmente o poder executivo (estando ligado ao princípio da
legalidade da administração, tal como entendido no séc. XVIII). Pretende garantir-se que
o Estado não afete a pessoa humana de forma desnecessária, fútil ou
desproporcionadamente.

Manifestações constitucionais: arts. 18.º/2, 19.º, 266.º/2 e 272.º CRP.

Este princípio só será respeitado se se observarem cumulativamente os seus


subprincípios constitutivos (há uma precedência lógica entre todos, i.e. a sua ordem não
pode ser alterada!):

o Princípio da conformidade ou adequação dos meios


o A medida adotada com vista à realização do interesse público (legítimo) tem de
ser apropriada, idónea, apta à prossecução do fim ou dos fins que estão na base
da sua adoção. A medida tem de ser eficaz à luz dos conhecimentos empíricos e
científicos existentes no momento da sua adoção.
o Trata-se de um controlo de prognose, que pretende apurar se o decisor
poderia ter previsto, no momento da seleção dos meios, essa inaptidão.

Princípio da Proibição do Excesso

o Principio da exigibilidade ou da necessidade


o A medida adotada tem de ser a menos onerosa/restritiva para o cidadão.
Desdobra-se em quatro elementos:
o Exigibilidade material: A medida/meio adotado tem de ser o mais
“poupado” possível quanto à limitação dos direitos fundamentais.
o Exigibilidade espacial: É necessário limitar o âmbito de intervenção espacial
ao necessário.
o Exigibilidade temporal: Tem de ter havido uma rigorosa delimitação no
tempo da medida adotada pelo poder público.
o Exigibilidade pessoal: A medida deve apenas atingir a pessoa ou pessoas
cujos interesses devem ser sacrificados.

Apenas se respeitará este princípio se se concluir que o legislador ou a


administração não podiam ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos
desvantajoso para os cidadãos.

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29/10/19

Princípio da Proibição do Excesso

o Principio da proporcionalidade em sentido estrito

o Sendo a medida adequada e necessária, temos de saber se


as desvantagens que a mesma trará para os cidadãos são
iguais ou inferiores às vantagens dessa medida para o
interesse público. Só se as desvantagens da medida forem
superiores às vantagens alcançadas é que a medida é
desproporcional.
o Em suma, compara-se a importância ou premência dos fins
e a gravidade do sacrifício imposto.

Princípio da Proibição do Excesso

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Caso Prático

1.
Andrew, jogador de futebol reconhecido internacionalmente, é informado de que uma
fotografia sua em vestes comprometedoras tirada durante as suas férias nas Maldivas
está prestes a ser publicada pela revista X. No entanto, alertado a tempo, Andrew
consegue obter junto do tribunal uma ordem de proibição de publicação da fotografia
mencionada.

Aprecie a medida tomada pelo tribunal do ponto de vista jurídico-constitucional.

Princípio da Proibição do Défice de Proteção

Existirá défice de proteção quando as


entidades sobre quem recai um dever de
proteção adotam medidas insuficientes
para o seu cumprimento (p.e. no âmbito
dos direitos fundamentais).

Este princípio vale apenas na medida do


possível, já que não pode eliminar
totalmente a liberdade de conformação do
legislador.

A verificação de uma insuficiência de


juridicidade estatal deverá atender à
natureza das posições jurídicas ameaçadas
e à intensidade de possibilidade de lesão
dos direitos fundamentais em causa.

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Princípio da Proteção Jurídica e das Garantias Processuais

Num Estado de Direito, é necessária a existência de um procedimento justo e adequado


de acesso e realização do Direito, acompanhado de garantias gerais de procedimento e
de processo.

1) Garantias do processo judicial em geral


o Garantia de processo equitativo (art. 20.º/4 CRP)
o Princípio do juiz legal (art. 32.º/7 CRP)
o Princípio da audição (art. 28.º/1 CRP)
o Princípio da igualdade processual das partes (art. 13.º e 20.º/2 CRP)
o Princípio da conformação do processo segundo dos direitos fundamentais
(art. 32.º CRP)
o Princípio da fundamentação dos atos judiciais (art. 205.º/1 CRP)

2) Garantias do processo penal


o Garantia de audiência do arguido (art. 28.º/1 CRP)
o Proibição de tribunais de exceção (art. 209.º/4 CRP)
o Proibição da dupla incriminação (art. 29.º/5 CRP)
o Princípio do contraditório (art. 32.º/5 CRP)

Princípio da Proteção Jurídica e das Garantias Processuais

3) Garantias do procedimento administrativo


o Direito de participação do particular (art. 267.º/4 CRP)
o Princípio da imparcialidade da administração (art. 266.º/2 CRP)
o Princípio da audição jurídica (art. 269.º/3 CRP)
o Princípio da informação (art. 268.º/1 CRP)
o Princípio da fundamentação dos atos administrativos lesivos e do arquivo
aberto (art. 268.º/2 CRP)
o Princípio da conformação do procedimento segundo os direitos
fundamentais (art. 267.º/4 CRP)

O art. 20.º da CRP consagra ainda um princípio do acesso ao direito ou garantia da via
judiciária:
o Abertura da via judiciária enquanto imposição diretamente dirigida ao
legislador para dar operatividade prática à defesa dos direitos;
o Controlo judicial enquanto “contra-peso” clássico em relação ao exercício
dos poderes executivo e legislativo;
o Garantia da tutela jurisdicional efetiva;
o Garantia do patrocínio judiciário (art. 20.º/2 e 208.º CRP)

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29/10/19

Princípio da Proteção Jurídica e das Garantias Processuais

Por fim, cabe referir um princípio da responsabilidade do Estado e da compensação de


prejuízos. A proteção jurídica exige a consagração de institutos que garantam uma
compensação no caso de violação de direitos, liberdades e garantias pelos prejuízos
derivados dos atos do poder público.

o Responsabilidade do Estado e consequente dever de reparação dos


prejuízos (arts. 2.º, 22.º e 271.º da CRP);
o Indemnização dos sacrifícios especiais impostos a determinados cidadãos
(art. 62.º/2 CRP).

Exercícios de Exame

a) O princípio da intangibilidade do caso julgado é uma dimensão do princípio da segurança jurídica.


b) O princípio da proibição dos pré-efeitos das leis é uma dimensão do princípio da proteção jurídica.
c) O princípio da precisão e determinabilidade das normas significa que elas se devem aplicar de
igual forma a todos.
d) O princípio da reserva da Constituição é uma dimensão do princípio da legalidade da
Administração.

A) A CRP nunca admite a aplicação retroativa de normas penais.


B) O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança deve inspirar obrigatoriamente a
atuação dos poderes públicos.
C) Existem quatro dimensões de retroatividade expressa e perentoriamente proibida na CRP.
D) Uma lei retrospetiva é aquela que visa a produção de efeitos para o passado, não obstante poder
afetar situações que venham a constituir-se no futuro.

1) No domínio da atividade administrativa, o princípio da segurança jurídica reclama que os atos


administrativos adquiram “força de caso decidido”.
2) A reserva de constituição implica o reconhecimento tanto do princípio da proibição dos pré-
efeitos das normas jurídicas como do princípio da tipicidade constitucional de competências.
3) O princípio da intangibilidade do caso julgado é um subprincípio do princípio da proibição do
excesso.
4) Proibição do excesso e proporcionalidade em sentido estrito identificam-se.

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