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CAPÍTULO II

A ESCOLA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA

2.1. POR UMA SOCIOLOGIA DO CURRÍCULO

Abordar o tema currículo nos dias atuais, necessita de uma ampla visão dos
vários conceitos e perspectivas diferentes que se tem do mesmo, pois são vários os
autores que tentam compreender e cingir o seu significado e papel no âmbito
escolar. Esse processo de compreensão do currículo perpassa pela visão simplista
de meros conteúdos aleatórios e enxerga o mesmo como uma construção cultural
que deve ser sempre analisado como um aspecto que vive em constante
modificações e reconstruções no decorrer no tempo.
A palavra currículo, em seu termo etimológico, vem do latim curriculum, que
resinifica o conjunto de dados e conhecimentos específicos para cada ser humano,
analisando as habilidades, necessidades, interesses e problemas que contribuem
para o desenvolvimento individual e coletivo do mesmo. Atualmente segundo
Soares, 1993, p. 68. O currículo tem sido interpretado como “lista de materiais a
estudar sob orientação do professor, experiências de aprendizagem para
desenvolver habilidades que preparem para a vida; seriação de estudos realizados
na escola” (apud Lima Campos, 2009, p.31). Como afirma o mesmo, além da
importância de desenvolver habilidades para a vida, o mesmo de uma forma ampla
torna o papel de se moldar a organização da sociedade e o contexto histórico que se
está inserido.
Observando a história do currículo é possível perceber que o mesmo surgiu
gradualmente, e foi perpassando por um processo de transformações básicas com o
intuito de manter uma relação direta entre os alunos e a escola, e
consequentemente também com à sociedade. Logo de início, por volta do início do
século XIX a proposta de trabalho e abordagem dos assuntos girava na formalidade
dos conteúdos, estes que eram resultantes da influência da era industrial vivida na
época, então a aritmética, artes plásticas, linguagem, estudos sociais entre outros
conteúdos eram trabalhados com maior enfoque e rigorosidade.
Ao longo do tempo, o currículo passou a ser analisado a partir de duas
partições: as teorias conservadoras tradicionais que se resumiam ao conhecimento
centrado no professor, e o aluno era somente um sujeito passivo que deveria
absorver esse conhecimento, para desenvolver por si só suas características
políticas e sociais, e as concepções críticas onde o aluno passa de ser passivo, que
recebe conteúdos, a ser um ser ativo, que produz e já traz de casa um amplo
repertorio de vida e conhecimento. Foi a partir da década de 30, por influência de
John Dewey1 que se passou a pensar em um currículo que fosse voltado para o
modo de vida e contexto em que se vive o aluno, como também um currículo que
incluísse na sua integra, a transmissão de alguns valores que eram tidos como
necessários para a construção social do mesmo.
Nessa mesma linha de construção, Dewey (1959, p.80) já afirmava que:

“O valor do currículo está na possibilidade de mostrar ao mestre os


caminhos abertos à criança para o verdadeiro, o belo e o bom, permitindo a
esse mestre, determinar o ambiente, o meio necessário para o
desenvolvimento do educando e, assim, dirigir indiretamente a sua atividade
mental, porquanto, segundo ele, tudo se resume na atividade em que entra
a inteligência reagindo ao que lhe é externamente apresentado” (Apud Lima
Campos, 2009. P.31)

Essa linha traçada por Dewey compreendia e defendia a necessidade de um


currículo que tivesse como uma das incumbências para com o professor, a
organização e a preparação do ambiente, para que assim a aprendizagem e o
desenvolvimento do aluno ocorram. Kilpatrick 1956, p.84 também contribuinte
acerca dos estudos sobre o currículo, complementa a definição de currículo, quando
ressaltou a importância de um currículo voltado para a reconstrução da experiência
do aluno. Seguidamente o autor Frankin Bobbitt, denominou o currículo como a
junção de coisas e ações que os alunos deveriam vivenciar para desenvolver as
habilidades necessárias para capacitá-los a vida adulta, suas ideias eram
conservadores e propunham que a escola se assemelhava a uma empresa
comercial.
Foi a partir disso que as discussões sobre como se constitui a estrutura do
currículo e a sua relação com a sociedade teve início, pois as concepções que se
tinham do mesmo na década de 60 e 70 se baseavam em um modelo que
atendesse e se adaptasse a ordem capitalista, a racionalidade do homem e meios

1
Professor e filósofo americano, que defendeu a ideia de unir a teoria e a prática no ensino. Foi um
dos fundadores da escola filosófica de Pragmatismo, pioneiro em psicologia funcional, e
representante principal do movimento da educação progressiva.
para que tornasse as pessoas mais eficientes e rápidas em seu trabalho. Por tanto,
a seleção e organização dos conteúdos, levavam em sua integra uma maior
rigorosidade pautadas em teorias cientificas, ora psicologizante 2, ora empresarial.
Segundo segundo Eyng (2015, p. 138) apud (Hennerich 2017 p. 2798).

[...] os conceitos fundamentais de: “ensino, aprendizagem, avaliação,


metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência, objetivos”
(SILVA, 2007, p. 17). Tais conceitos subsidiam modelos curriculares
hegemônicos, etnocêntricos e supostamente neutros. Nessa linha, os
currículos são entendidos como normatização, prescrição, centrados nos
conteúdos disciplinares e/ou listas de objetivos. Esses modelos difundiram a
ideia de currículo como equivalente à grade curricular (EYNG, 2010).

Como afirma o autor, o currículo baseava-se em uma organização e gestão


que tinham uma forma burocrática e mecânica de regerem-se, geralmente
procurava-se encontrar o foco de habilidades dos indivíduos e tentavam desenvolvê-
las com primazia para denominar qual a ocupação de trabalho que o indivíduo
desempenharia com maior afinco, dotados de etnocentrismo 3 a objetificação do ser,
proposto pelas teorias do currículo que se tinham na época acabavam reproduzindo
as estruturas sociais4 e as desigualdades sociais.
As primeiras teorias críticas do currículo decorreram dessa visão de um
currículo voltado para a preparação do indivíduo para o mundo do trabalho, e o
questionamento pertinente de como a sociedade era organizada. Teóricos como
Pierre Félix Bourdieu (1930-2002) e Jean Claude Passeron (1930) começaram a
questionar a realidade marcada pelas desigualdades sociais e injustiças decorrentes
da organização da sociedade da época, e também, como a escola reproduzia essas
desigualdades, e contribuía para a reprodução da estrutura social. O papel da escola
passou a ser colocado em pauta, visto que as teorias emergentes que se tinham da
grade curricular levantavam maiores interesses a classe dominante, em detrimento
dos grupos menos favorecidos.

2
Palavra cujo significado; 1. Que psicologiza 2. Que tem cunho psicológico: Atribuir às frustrações da
sociedade a causa da violência, é uma visão psicologizante.
3
Visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade
socialmente mais importante do que os demais.
4
O termo estrutura social usado por autores como Alexis de Tocqueville e Karl Marx, significa um
sistema de organização da sociedade que decorre da inter-relação e posição (status social) entre
seus membros.
Segundo os autores anteriormente citados, a sociedade capitalista tende a
reproduzir as práticas econômicas, e a escola, sendo um fruto da sociedade também
propaga a estratificação social, visto que os grupos sociais que constroem e
determinam o conhecimento e conteúdo a serem transmitidos no currículo
beneficiam prioritariamente os conceitos e interesses das classes dominantes. Essa
insatisfação com o modelo de escola seletivo e excludente se tornou visível
principalmente pelos novos movimentos sociais, que se incomodavam com o
desprendimento de preocupação da educação acerca do tradicionalismo e marcas
conservadoras na época.
EYNG (2010, p. 36) aponta que:

As teorias críticas operam os conceitos fundamentais de: “ideologia,


reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações
sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo
oculto, resistência” (SILVA, 2007, p. 17). Tais conceitos subsidiam a
compreensão de que os currículos são ideologicamente situados e inseridos
nas relações de poder, especialmente nos interesses das lutas de classe.
Nessa linha, os currículos são entendidos como espaço de resistência,
como forma de libertação da opressão econômico-capitalista e possibilidade
de emancipação a partir da conscientização (EYNG, 2010, p. 36).

O currículo sendo um produto do meio cultural, que transmite os valores e


construções sociais de um determinado grupo, é então utilizado como um meio para
legitimar a ordem social, visto que, analisando profundamente como se dá as
relações de poder, é possível vislumbrar que a mesma ocorre através daqueles que
se encontram nos espaços de maior prestigio social e que são estes que
determinam o que deve ser considerado conhecimento e como ele deve ser
distribuído. MONTEIRO (2018, p.48) em sua análise de estudos sobre a obra do
sociólogo francês Bourdieu, afirma que “classe dominante, detentora do capital
econômico, define o gosto legitimo. O gosto que serve de referência aos demais
agentes da sociedade, pertencentes às classes médias e populares” o que interfere
também no conhecimento e saberes transmitidos.

A estratificação do conhecimento aqui transmitido, pode ser dividido em dois


segundo Lawton (1975, p.58) apud Candido (1980, p.58) ora, as áreas de alto e
baixo status; onde são elas que apontam uma hierarquia entre quem ensina, o que
se ensina e a quem se é ensinado. Então o alto conhecimento passa a ter um
público especifico, e algumas determinadas áreas no currículo são especificamente
dedicados para os alunos tidos como mais “capazes” e que detém um capital
econômico relativamente alto. Então assim, o currículo como principal fator
determinante para a educação, de uma forma mal administrada pode resultar em
reflexos que irão influenciar os caminhos futuros e as ocupações sociais que os
sujeitos virão a ter.

Silva (2009, p. 35) define como a cultura influencia no ambiente escolar


ideologicamente quando ele vem afirmar que:

[...] a escola não atua pela inculcação da cultura dominante às crianças e


jovens das classes dominantes, mas, ao contrário, por um mecanismo que
acaba por funcionar como mecanismo de exclusão. O currículo da escola
está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem
dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante. As
crianças das classes dominantes podem facilmente compreender esse
código, pois durante toda sua vida elas estiveram imersas, o tempo todo,
nesse código [...]. Em contraste, para as crianças e jovens das classes
dominadas, esse código é simplesmente indecifrável.” SILVA, T. T.
Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009.

O currículo aqui citado pelo autor traz dentro de si através de suas matérias
suscetíveis uma ideologia5 que atua de forma discriminatória e desigual, visto que os
diferentes campos de estudos vão ter uma enorme diferenciação entre os níveis de
prestígios e o acesso ao conhecimento, consequentemente oportunidades sociais,
ora que, o mesmo decai sobre as pessoas das classes dominadas como submissão,
perante as classes dominantes, classe essa que ficará encarregada pelo comando e
controle social. Por tanto, os lugares sociais e os cargos ocupacionais de alto poder
aquisitivo pertencerão assim aos membros da elite, que já nasceram dotados de
privilégios políticos, educacionais, financeiros e sociais.

2.2. A ESCOLA CONSERVADORA DE BOURDIEU

Pierre Bourdieu6, alguns grupos de indivíduos tomaram por si a determinação


do gosto predominante e os espaços mais privilegiados, vindo então a se
5
No marxismo, totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de ideias que
legitima o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o que expressa os interesses
revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou socialista).
6
Pierre Bourdieu, (1930-2002) foi um importante sociólogo e pensador francês, autor de uma série de
obras que contribuíram para renovar o entendimento da Sociologia e da Etnologia no século XX.
apoderarem dos meios de dominação, e como o sistema escolar sendo fruto de uma
sociedade completamente estruturada, se posiciona e legitima essas desigualdades
sociais.
Ora, vimos que a cultura de uma determinada sociedade é o fator principal
para a seleção de conteúdos culturais presentes no currículo da mesma, e que é a
partir da ação do privilegio cultural 7 que irá determinar os conhecimentos passados
aos alunos, sendo assim; maior enriquecimento para os indivíduos com alto poder
aquisitivo e menor favorecimento para a classe trabalhadora.
Essa hierarquização então, determinará quem irá ficar no topo da escala
social, e estas, determinarão quais os valores, hábitos, e costumes serão
considerados “culturais” para que sejam propagados e seguidos pelos grupos
dominados. Bourdieu em suas obras vem apontar como a sociedade não é um
espaço harmônico, mas sim estruturado a partir das distâncias e posições sociais
que separam os agentes, e do capital adquiridos pelo os mesmos.

“Os capitais estruturam os campos, estes entendidos como


espaços de práticas. É a quantidade de capital acumulada pelos agentes
que permite ao sociólogo mensurar empiricamente a posição que eles
ocupam. Aqueles que possuem maior quantum de dinheiro se posicionam
no polo dominante do campo da estrutura do espaço social” MONTEIRO.
J.M. 10 lições sobre Boudieu. Petrópolis, RJ. Editoras vozes, 2018, coleção
10 lições p. 42.

Os campos aqui apresentados pelo sociólogo remetem aos espaços sociais


ocupados pelos agentes8, segundo o mesmo, os campos podem ser tanto
educacionais como econômicos, culturais, científicos, jornalísticos e etc. Baseado
nessa concepção de capital onde os mesmos estruturam os campos, o referido autor
elaborou três conceitos sobre o mesmo: o capital econômico, que corresponde a
todos os elementos financeiros, como dinheiro e posses acumulados pelos agentes,
o capital social que seria o pertencimento a um grupo social, com ideias ou
obrigações sociais, e por fim aquele que influencia no sistema educacional; o capital
cultural, que consiste nos valores ou direitos adquiridos a partir de uma sociedade,

7
Aqui usado para designar o valor sociocultural positivo, atribuído a um determinado grupo em
detrimento de outro.
8
Bourdieu utiliza a palavra agente para superar a noção de sujeito, pois para o mesmo, os agentes
são aqueles que agem e lutam dentro do campo de interesses, superando assim a posição de ser
estático.
da família ou pelas instituições escolares como por exemplo; a educação, as
vestimentas, a língua e os estilos de vida de um determinado grupo social.
Segundo o autor, a família transmite para seus filhos, um certo tipo de capital
cultural e um certo ethos9, essa herança cultural de valores implícitos é o que
determina inicialmente a diferenciação das crianças em suas experiências escolares,
visto que a influência deste capital interfere significativamente no êxito escolar da
criança, onde os pais irão transmitir os níveis culturais, as vantagens e
desvantagens que os próprios vivenciaram. Então, em uma análise profunda sobre
as relações familiares e as estruturas sociais é possível perceber segundo Bourdieu
que os jovens das camadas superiores estarão mais propensos a receber resultados
significativos em seus conhecimentos culturais, do que aqueles que pertencem às
classes baixas.
O nível de capital cultural proposto a uma criança de uma classe social
elevada, vai ser mais enriquecedor no que diz respeito, a educação e as
oportunidades que os pais oferecerão a mesma, seja na língua, no conhecimento e
informações de mundo, na educação ou na visão simplificada e fácil de como
ascender no meio social, enquanto as classes baixas que continuam tendo uma
visão subalternizadas e oprimidas, irão propagar para seus filhos, uma falta de
perspectiva para com o ensino, e o capital cultural que também foram recebidos
pelos seus pais e avós ao longo dos anos.

[...] assim compreende por que a pequena burguesia, classe de transição,


adere mais fortemente aos valores escolares, por que a escola lhes oferece
chances razoáveis de satisfazer a todas suas expectativas, confundindo os
valores do êxito social com os do prestigio cultural. Diferentemente das
crianças oriundas das classes populares, que são duplamente prejudicadas
no que respeita a facilidade de assimilar a cultura e a propensão para
adquiri-la[...] BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades
frente à escola e à cultura. In: escritos de educação, Petrópolis: vozes,
2003. P.48

A classe operaria não enxerga uma possibilidade de ascensão por meio dos
estudos devido a forma com que o ensino superior é passado, geralmente essa
modalidade de ensino tem um alto custo e devem ser financiadas pelos pais, com
isso também vem o reflexo das estatísticas, pois “as chances objetivas de chegar ao

9
Conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições,
afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada
coletividade, época ou região.
ensino superior são quarenta vezes mais fortes para um jovem de camada superior
que para um filho de operário” como afirma o autor. Além da baixa estatística que o
aluno da classe operaria tem para concluir o ensino superior, e a falta de
perspectivas em prol do ensino apresentadas pelo pais referente ao modelo
curricular, o aluno ainda irá se deparar com a influencia negativa da visão da
educação sobre sua própria condição, educação esta, que deveria ser igualitária e
universal, porém propaga as desigualdades e favorece a estratificação social.
As crianças dos meios mais favorecidos não se beneficiam somente do capital
econômico dos pais, onde detém e provem de todos as regalias que o dinheiro
podem oferecer, mas também desfrutam dos saberes, gostos refinados para a arte,
estética, para o teatro e outros lugares de espaço ocupados por essas classes com
alto poder aquisitivo. Por outro lado, até a língua utilizada pelas classes baixas serão
um empecilho a sua vida acadêmica, onde a falta de um refinamento das palavras
ou de um vocabulário extenso será visto pela instituição escolar com maus olhos,
pois o sistema educacional é voltado para uma cultura aristocrática 10 que privilegia
as relações econômicas e o alto poder aquisitivo.
Para Bourdieu a educação escolar sendo um patrimônio adquirido pelo capital
cultural, assim como o capital econômico, determina onde os agentes irão
permanecer ou se locomover nas classes sociais, por tanto a distribuição de
conhecimento estratificasse de individuo para individuo de acordo com o patrimônio
dos mesmos. Geralmente o espaço escolar contribui para a reprodução dos capitais
entre gerações e gerações, eliminando e marginalizando os alunos das classes
populares, estes que são forçados a receber uma educação em que a cultura
preponderante é de um nível social muito acima dos deles.

“É porque o ensino tradicional se dirige objetivamente aqueles que devem


ao meio o capital linguístico e cultural que ele exige objetivamente é que
esse ensino pode permitir, senão explicitar suas exigências e não se obrigar
a dar a todos os meios de satisfazê-las” BOURDIEU, Pierre. A escola
conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: escritos de
educação, Petrópolis: vozes, 2003. P.57

Bourdieu relata acima sobre como as exigências educacionais na tradição


universitária são impostos aos agentes, e que os mesmos devem vê-las como uma

10
Aristocracia significa nobreza. É a classe social superior. O termo aristocracia tem origem no grego
“aristokrateia”, que significa “governo dos melhores”. Aristocracia é uma forma de organização social
e política em que o governo é monopolizado por uma classe privilegiada.
obrigação a ser seguida; pois já que esses indivíduos estão no ensino superior,
segundo a ideologia11 do campo educacional, então são eles que devem se adequar
e agir de acordo com a cultura e estética predominantes, seja na língua, nos bons
modos ou na maneira de portar-se. Contudo, adequar um aluno a um ensino
superior que não remete as suas raízes, reproduzirá as perspectivas fracassais de
um ensino desfalcado e desigual, visto que se a língua for tratada como fundamental
em seu ensino, e em avaliações, um aluno que não se molda nem se adequa a
mesma, pois em suas raízes não teve acesso ao refinamento linguístico, irá tender
ao fracasso em um discurso oral por exemplo
O sistema educacional que impõe exigências segundo o sociólogo, somente
formará, recrutará e atrairá aqueles que são capazes de satisfazer as demandas que
a instituição pede, pois são indivíduos dotados de capital cultural que foram
construídos desde a infância pelos privilégios a eles oferecidos. Enquanto que,
aqueles que não dominam essa herança cultural da classe social dominante irão
estar condenados a uma crise de “queda de nível” 12 e se constituirão acreditando
que o espaço escolar pouco pode fazer por si, e que as condições de
subalternização são inerentes e irreversíveis.
Como ressalta Pierre (1964, p.59), a escola “transforma as desigualdades de
fato em desigualdades de direito, as diferenças econômicas e sociais em “distinção
de qualidade”, e legitima a transmissão de herança cultural” pois reproduz a
ideologia de um sistema social que permite a elite, ser detentora do conhecimento e
dos benefícios e privilégios ao longo da vida, e legitima as desigualdades quando
enclausura as classes sociais desfavorecidas a sua própria condição de
subalternidade, levando-os a acreditar que suas inaptidões são resultado da sua
condição de inferioridade e que este é seu destino de berço.

2.3. POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ: OS DIREITOS HUMANOS COMO PAUTA.

Os direitos humanos, documento criado para legitimar a paz entre as nações


foi elaborado no contexto da segunda guerra mundial, nos estados unidos em 1945,
com o intuito de garantir os direitos universais para todos os seres humanos, como a

11
Aqui utilizado como ideia proposta.
12
O sociólogo utiliza essa expressão para descrever o ato de decair socialmente, ou seja, pessoas
economicamente privilegiadas tendem a serem cada vez mais sucedidas, e indivíduos de classes baixas tendem
a cada dia mais descerem ao nível da pobreza.
liberdade, o respeito, a igualdade e a tolerância entre os diversos grupos que
compõem a sociedade, independentemente de cor, etnia, inclinação política ou
credo religioso. A educação também constitui segundo os direitos humanos como
fundamental para concretização dos mesmos, visto que é a partir dela que serão
legitimados o conhecimento e a igualdade entre as diversas culturas.
Para garantir que os direitos previstos no documento fossem reconhecidos e
amplamente difundidos, foi criado no Brasil em 1996 o primeiro programa nacional
de direitos humanos que tinha como intuito, apresentar formulações e soluções para
a efetivação de políticas públicas que viessem a viabilizar a implementação do
mesmo em todas as áreas das políticas públicas, inclusive no campo educacional.
Umas das incumbências a serem cumpridas propostas pelo CNEDH13 foi elaborar
um plano nacional de educação em direitos humanos com monitoramento para que
o mesmo fosse cumprido.
Em 2003 o primeiro modelo de plano elaborado para com a educação em
direitos humanos veio a público realizado pelo comitê em consonância com os
representantes dos estados da confederação, foi revisado e lançado novamente em
2007. Na sua vertente, a proposta seria de ressaltar a importância do mesmo em
todos os modelos de educação, fosse ela formais ou não-formais 14 articulando
“valores, atitudes e práticas sociais que expressam a cultura dos direitos humanos
em todos os espaços da sociedade” (BRASIL, 2009, p. 25), como também a
construção coletiva de práticas sociais em defesa e proteção dos direitos, bem como
o combate as diversas violações nos âmbitos institucionais de educação.
Ficou definido então que a educação voltada para os direitos humanos
poderia ocorrer segundo as diretrizes instituídas pelo conselho nacional de
educação com:
Art. 7º A inserção dos conhecimentos concernentes à Educação em Direitos
Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da
Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas:
I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos
Humanos e tratados interdisciplinarmente;
II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no
currículo escolar;
III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e
disciplinaridade.

Parágrafo único. Outras formas de inserção da Educação em Direitos


Humanos poderão ainda ser admitidas na organização curricular das
13
O Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (2003)
O sistema de educação não-formal, configura-se em uma educação que não é formalizada, mas
14

que pode ocorrer em lugares fora do âmbito escolar.


instituições educativas desde que observadas as especificidades dos níveis
e modalidades da Educação Nacional. BRASIL (2012) apud TOSI, FÁTIMA
(2014, p. 56

Essas ações foram voltadas para todos as modalidades da educação básica


como também a educação superior, educação e mídia e a educação dos
profissionais dos sistemas de justiça e segurança, e todos os lugares que compõem
uma educação não-formal, estabelecendo que as mesmas deviam ser cumpridas e
inseridas no currículo escolar, seja como disciplina ou como um conteúdo
transversal, ao longo de toda a vida escolar do aluno, de forma continuada e global
Segundo o PNEDH15, a educação dentro do cursor de direitos humanos:

“Deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica e


permear o currículo, a formação inicial e continuada dos profissionais da
educação, o projeto político pedagógico da escola, os materiais didático-
pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação” (BRASIL, 2009, p. 32)

A escola como sendo um espaço de circulações de culturas, e protagonista


de um currículo construído pelas diversidades e diferenciações da sociedade tem
como papel fundamental estabelecer e garantir que os direitos ao conhecimento e
ao saber sejam incorporados e distribuídos igualmente para todos,
independentemente das classes sociais, religião, etnia, e lugar de origem do sujeito.
O âmbito escolar constituído como um espaço social é um direito garantido no artigo
205 da constituição federal de 1998 que garante e constitui a educação como “direito
de todos e dever do estado e da família” sendo assim fundamental que seja
instituído e garantido a todos os cidadãos.
Infelizmente, uma educação totalmente voltada para os direitos humanos não
foi instituída ainda como prática nas escolas brasileiras, mesmo com os vários
instrumentos legais que procuram viabilizar esse direito, as violações destes estão
cada vez mais presentes na escola, onde a discriminação, o preconceito e as
violências se tonam presentes. Porém é o âmbito escolar que deve promover nos
espaços educacionais à igualdade, igualdade está para que todos sejam tratados
igualmente pois segundo Candau (2005, p.18) apud Flávia (2018, P.71) “Não se
deve contrapor igualdade e diferença. De fato, a igualdade não está oposta à
diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõe à igualdade e sim à

15
Plano nacional de educação em direitos humanos.
padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o ‘mesmo’, à
‘mesmice”
Para trabalhar na promoção dessa igualdade para todos, implica antes de
tudo, perceber como está constituído o âmbito organizacional da educação, e
analisar o que o currículo propõe para o enfrentamento das violações, visto que, ele
sendo um conjunto de conteúdos e conhecimentos propostos pela sociedade. Uma
sociedade, que cada dia mais se mostra estratificada e preconceituosa, onde as
classes, as relações de gêneros e raça são ignoradas e subalternizadas. O que
infelizmente acaba reproduzindo as violações de direitos ao invés de combatê-las,
como inicialmente é a proposta dos direitos humanos dentro da educação escolar,

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