Você está na página 1de 2

A arte e a imagem-questão

Os grandes poetas só são poetas porque se surpreendem e apreendem acossados pelas questões, pelas
grandes questões. Mas suas veredas são densificadas pela sedução e sabor da linguagem de toda poiesis.
Seus caminhos e descaminhos são o canto encantatório da memória: o que foi, é e será. Sua Linguagem é
a Palavra, como questão-poética. Cada Palavra-imagem-questão traz em si o sentido e a verdade
manifestativa. Por isso não precisa das proposições como lugar da verdade lógica e científica. Cada
Palavra, quando poética, é núcleo de múltiplos sentidos e possibilidades de revelação. Diante da riqueza
ofuscante e da ressonância sem limites da linguagem do silêncio, eles movem-se na fonte inaugural das
palavras-imagens-questões. Uma imagem é sempre um dizer sonoro do silêncio. O apropriar-se (amar) é a
imagem-questão-poética. Poiesis é radicalmente apropriação enquanto amar. Toda imagem se torna
imagem-questão na medida em que nela age, se concentra e consuma a ambigüidade da realidade
(“on”/”res”). A imagem como questão é um entre, um entre-imagem-questão onde a realidade
(“on”/”res”) se apropria como realidade. É o que nos provoca e invoca a pensar sempre o frag. 123 de
Heráclito: O desvelar-se apropria-se no velar-se. O apropriar-se é o “lugar” (imagem-questão-entre) de
convergência e divergência da physis enquanto desvelar-se e velar-se.
Em vista disso, jamais pode ser conceituada. Imagem-poética é sempre questão. A imagem-questão, como
a linguagem, não é, dá-se. E, dando-se, é. Por isso a obra de arte, enquanto operar de poiesis, não é ente,
opera. E operando é. Como a linguagem, é doação do ser. Por isso a imagem-questão não é ente, a obra-
de-arte não é ente, como a verdade (aletheia) não é ente. Em vista disso a verdade (aletheia) não pode ser
um paradigma, um ethos-valor-moral. Enquanto imagem-palavra, a imagem é linguagem e, como a
linguagem, não-é. A imagem-palavra-poiesis não pode ser nunca determinada como um ente, porque não
se lhe pode atribuir um limite. E não se lhe pode atribuir um limite porque é a própria poiesis poietizando,
e isso é o ser se doando como desvelamento e velamento. A imagem-questão é poiesis de experienciação
e nunca este ou aquele ente. Riobaldo, como imagem, não é, porque Riobaldo é personagem-questão,
enquanto é imagem-poético-manifestativa de questões, é imagem-personagem-questão. Na obra de arte
tudo é questão: as imagens, os personagens, os eventos, a narração, o narrador ou narradores, o tempo, o
lugar. Como imagem e verbo toda obra de arte é a dinâmica poética (tautologia) de manifestação do real
em sua verdade. Hermes, Palavra, Verbo, Imagem, Verdade são poiesis.
A escuta erótico-amorosa da linguagem poética do silêncio se tece e entretece mergulhando tanto mais
nas profundezas, como raiz, quanto mais eclode no livre aberto de toda abertura e clareira apropriante e
manifestante das questões. A imagem-questão não é nem pode ser reduzida a uma figura de linguagem,
seja retórica, seja gramatical. Nela vige e vigora uma ambigüidade poético-ontológica, fonte inaugural e
originária de tempo e mundo, memória e linguagem, possibilitando sempre novas leituras e
interpretações.
Cada texto poético não é como tal um ente ao lado do que propriamente é um ente, p. ex., algo dotado de
código genético ou funcionalidade, como sendo isto ou aquilo, este ou aquele utensílio. Então os textos,
melhor, as obras-de-arte, que são obras porque operam, se constituem de imagens-questões. Por exemplo,
“Campo”, no ensaio de Heidegger “O caminho do campo”, é uma Imagem-questão. “Sertão” e “veredas”,
em Grande sertão: veredas, são imagens-questões. Que questões essas imagens nos colocam? Aí é só
começar a pensar, dialogando com a fala da obra-de-arte. E então podemos ligar, por exemplo, "campo" a
lugar, a mundo, a Terra, a Céu, aos mortais, aos imortais. Para fugir da terminologia retórico-metafísica
usamos a denominação: Imagem-questão, ou seja, uma questão (que nós não temos, mas que nos tem)
dita, centralizada e condensada na imagem escolhida. Todos os mitos são figurados em imagens-questões.
Na literatura, Diadorim, Mme. Bovary, Capitu, Dom Quixote, Édipo, Riobaldo etc. são imagens-questões.
Estas se entre-tecem com o poder ambíguo-verbal da metá-fora, ou seja, literalmente: um conduzir (fero)
no e pelo vigor do "entre" (metá). A imagem-questão é ambígua e retira sua ambigüidade do "entre", na
medida em que a linguagem é a própria manifestação do Da-sein como Entre-ser. O poder e vigor da
imagem-questão está no fato de que congrega: tempo, linguagem, memória, verdade, narrar. Por isso ela
repousa, como quietude enquanto tempo ontológico, "entre" o ser escrita e o ser lida, dialogada, entre o
ser vista, pensada, figurada e o ser narrada, mas onde ela, ao ser experienciada como escuta do que somos
e não somos, ambigüamente se retrai em sua fala silenciosa. A imagem-questão é um modo concentrado e
verbal de poiesis, enquanto narrar. Como tal, concentra a fala de toda escuta e aguarda o desvelo poético
da leitura do leitor, aberto à escuta do logos ou à fala da Memória enquanto Musas. Nesse horizonte toda
leitura só é leitura se houver diálogo. Quando o diálogo acontece, dá-se no leitor uma aprendizagem. O
que é aprendizagem? A apreensão da "Cura" como fonte de todas as questões que essencialmente fundam
o ser humano como Entre-ser. A imagem-questão não é uma figura de linguagem. É um acontecer. Por
isso o “deus”-imagem caminho se diz em grego Hermes, enquanto imagem-questão da essência do agir,
pelo qual chegamos a ser o que somos. Hermes é a própria palavra que funda o lugar, o ethos. Toda
linguagem que revela o real como verdade o revela e funda como caminho e lugar. Como Hermes, diz
sempre a verdade, mas não toda a verdade. Hermes é o verbo ambíguo de desvelamento e velamento. O
lugar, em útlima instância, é o próprio ser se manifestando tanto mais quanto mais se vela, enquanto
mundo e linguagem: clareira. Por isso, o caminhar é a travessia "entre" o velado/silêncio/vazio E o
desvelado, a excessividade poética e o vazio excessivo.

Você também pode gostar