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Vidas Paralelas: as diplomacias de Lula e Bolsonaro comparadas

Paulo Roberto de Almeida


(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)
[Objetivo: Entrevista; finalidade: Trabalho acadêmico, Univ. Western Florida]

1. Os dois primeiros anos de Lula em seus dois mandatos e os dois primeiros de Bolsonaro.

O governo Lula – que tinha prometido manter a política econômica do governo


precedente na sua “Carta ao Povo Brasileiro” de junho de 2002 – começou muito bem no
plano econômico, mas em compensação deu uma guinada para a esquerda na política externa,
para contentar as suas bases militantes. Criou uma nova orientação para a política externa,
que chamou de Sul Global, ou seja, priorizando uma política de relacionamento especial e
prioritário com países do Sul, em contraposição ao que se tinha antes, que era uma política
externa universalista, sem discriminações geográficas.

Contou para isso o fato de que, depois de bastante tempo terem servido diplomatas
como conselheiros presidenciais em matéria de política externa, se passou a ter um
apparatchik do PT cumprindo essa função, um homem, Marco Aurélio Garcia, que foi um
aliado integral dos comunistas cubanos na montagem do Foro de S. Paulo. Muito da política
externa seguida durante todos os governos petistas tiveram essa inclinação, inclusive de apoio
às mais execráveis ditaduras do continente e de outros continentes.

Em contraste, a política externa de Bolsonaro se colocou desde o início em


confronto com essa orientação, mas exagerando do lado da extrema-direita, até exagerando
na importância do Foro de S. Paulo, e colocando o combate ao marxismo cultural como uma
das prioridades do Itamaraty, inclusive acusando diplomatas de terem servido de suporte a
essa orientação ideológica do novo governo. O relacionamento do governo Bolsonaro se fez,
ou se faz, prioritariamente em direção de outros regimes nacionalistas de extrema-direita, a
começar pela figura do presidente americano, supostamente um campeão da luta contra o
fantasma do globalismo e o multilateralismo. Com isso, essa política externa conseguiu
alienar, inclusive por outras medidas em ambiente e direitos humanos, as boas relações que o
Brasil mantinha com parceiros tradicionais na Europa.

De toda forma, não temos ainda dois anos de Bolsonaro, mas já nos dezoito meses
podemos concluir que tem sido um desastre muito maior do que os primeiros dois anos do
governo Lula, com uma ruptura completa nas grandes linhas da diplomacia brasileira, assim
como nos métodos de trabalho do Itamaraty.

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Se posso recomendar mais amplas leituras sobre cada uma das duas políticas
externas e suas práticas diplomáticas, elas figuram nestas obras minhas:

Sobre a diplomacia de Lula: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa


brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014; impresso e e-book); Contra
a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018
(Curitiba: Appris, 2019; idem). Sobre a diplomacia de Bolsonaro; Miséria da diplomacia: a
destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela UFRR; disponíveis
livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios
de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN: B08B17X5C1).
Especificamente sobre o primeiro mandato dos governos Lula, tenho este artigo: 1699. “A
diplomacia do governo Lula: balanço e perspectivas”, Brasília, 11 dezembro 2006, 14 p.
Versão completa divulgada no blog Diplomatizzando (21/05/2012; link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2012/05/diplomacia-do-primeiro-mandato-de-
lula.html).

2. Caracterizando as políticas externas de Lula e Bolsonaro

A de Lula, esquerdista moderada e desenvolvimentista; a de Bolsonaro,


ideologicamente marcada à extrema-direita, e subordinada não apenas aos Estados Unidos,
mas ao governo Trump particularmente. Uma ruptura com os padrões tradicionais da política
externa do Itamaraty muito mais profunda do que a que tinha ocorrido sob Lula. Para uma
análise mais aprofundada, valem as recomendações das leituras acima.

3. A política interna de Lula e Bolsonaro

Supostamente liberal, mas de fato com NENHUMA privatização e quase nenhuma


implementação de reformas fundamentais, a não ser a da Previdência, em grande medida feita
pelo Congresso, e uma outra de regime especial para a questão da pandemia, preservado a
reforma feita no governo Temer de controle de gastos.

Sobre a política econômica do governo Lula, posso indicar este meu artigo: 2192.
“Uma avaliação do governo Lula: a área econômica”, Shanghai, 26 setembro 2010, 9 p.
Revista Espaço Acadêmico (ano 10, n. 113, outubro 2010, p. 38-45; ISSN: 1519-6186; link:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/11273/6144).

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4. Aliados e inimigos de Lula e Bolsonaro (econômicos, sociais, políticos)

A esquerda em geral, o governo comunista cubano em especial, e os bolivarianos da


América do Sul, no caso de Lula. No caso de Bolsonaro, demonstrou uma subserviência a
Trump jamais vista em qualquer presidente brasileiro. No plano interno, os sindicalistas para
Lula – dotações do MTb para as centrais sindicais, sem comprovação de gastos – e para os
ruralistas mais atrasados no caso de Bolsonaro, daí os ataques contra a fiscalização dos
desmatamentos na Amazônia e a denúncia das ONGs em todas as áreas.

5. Relação de Bolsonaro com Trump

Subserviência explícita, como se notou no “I love you Trump”, por ocasião da


abertura dos debates na AGNU, em setembro de 2019. Também cultiva Netanyahu em Israel
e outros líderes de direita.

6. Estratégia de segurança de Lula e Bolsonaro, preocupação com ameaças à segurança e


investimento nas forças armadas.

Ambos procuraram atender aos reclamos das FFAA e dos militares, mais no terreno
dos soldos e pensões militares do que dos equipamentos e projetos. No caso de Bolsonaro,
também conta o apoio às PMs, que ele pretende fazer uma espécie de milícia a seu serviço.
Um artigo sobre e estratégia global do governo Lula: 2207. “Never Seen Before in Brazil:
Lula’s grand diplomacy”, Shanghai, 18 outubro 2010, 20 p. Publicado na Revista Brasileira
de Política Internacional (vol. 53, n. 2, 2010, p. 160-177; ISSN: 0034-7329; link:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73292010000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=en; arquivo em pdf:
http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v53n2/09.pdf).

7. Os principais interesses da política externa de Lula e Bolsonaro

Lula era megalomaníaco e queria ser reconhecido como grande líder mundial, ou
pelo menos do Terceiro Mundo. Bolsonaro quer transformar a política externa do Brasil em
bastião da luta contra o comunismo, o globalismo e outros supostos inimigos externos.

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Procedi a um exame sintético da política externa de Lula neste artigo: 2189. “Balanço do
governo Lula: evolução do setor externo”, Shanghai, 25 setembro 2010, 6 p. Foco no
comércio exterior e na integração mundial. Publicado em Dom Total (19/05/2011; link:
http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=1981).

8. A consistência de Lula com a ideologia de esquerda

Retoricamente muito forte, mas na prática mais moderada; Lula nunca foi de fato de
esquerda, sempre foi um oportunista. Já Bolsonaro não tem nenhuma objeção a ser
identificado com a direita mais extrema. Cultivou Taiwan, antes das eleições, o que deixou os
chineses muito irritados. Sobre o papel do governo Lula na questão política, tenho um artigo:
2510. “Democracy Deficit in Emerging Countries: Undemocratic trends in Latin America
and the role of Brazil”, Hartford, 3 September 2013, 34 p. Paper for the Conference
“Promoting Democracy: What Role for the Emerging Powers?”, organized by the Deutsches
Institut für Entwicklungspolitik (DIE), the International Development Research Centre
(IRDC), and the University of Ottawa (Ottawa, 15-16 October 2013; Academia.edu (link:
https://www.academia.edu/43350326/Democracy_Deficit_in_Emerging_Countries_Undemo
cratic_trends_in_Latin_America_and_the_role_of_Brazil_2013_).

9. A consistência de Bolsonaro com a ideologia da direita

Nenhuma, pois Bolsonaro não tem capacidade de formular um pensamento político.


Apenas tem instintos primitivos de anticomunismo primário. Profundamente autoritário.

10. Bolsonaro e a pandemia do COVID-19.

Continuou um negacionista empenhado em sabotar as medidas de isolamento.


Alguns artigos meus: 3646. “Pandemia global e pandemia nacional: um futuro pior que o
passado”, Brasília, 23 abril 2020, 10 p. Notas para palestra online; disponível no blog
Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/uma-palestra-sobre-
duas-pandemias.html) e em Academia.edu (link:
https://www.academia.edu/42836086/Pandemia_global_e_pandemia_nacional_um_futuro_pi
or_que_o_passado_2020_); 3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de
pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio sobre a temática do título, para

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servir como texto de apoio a palestra online; disponível na plataforma Academia.edu (link:
https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_te
mpos_de_pandemia_global_2020_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-politica-externa-e-diplomacia.html).

11. Comparando diretamente a política externa de Lula e Bolsonaro

Não há termos de comparação. Lula era um oportunista em todos os sentidos,


inclusive e principalmente na política externa. Bolsonaro é um destruidor de todas as
instituições existentes. Remeto novamente aos meus livros já referidos anteriormente: Nunca
Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba:
Appris, 2014; impresso e e-book); Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as
relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019; idem); Miséria da
diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela
UFRR; disponíveis livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de
sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN:
B08B17X5C1).

Paulo Roberto de Almeida


Brasília, 15 de junho de 2020

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