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  REVISTA  LOGOS  &  EXISTÊNCIA:  REVISTA  DA  ASSOCIAÇÃO  BRASILEIRA  DE  LOGOTERAPIA  E  ANÁLISE  EXISTENCIAL  1  (1),  72-­‐  78,    2012  

FELICIDADE E SENTIDO DE VIDA NA SOCIEDADE DE CONSUMO


HAPPINESS AND MEANING OF LIFE IN CONSUMER SOCIETY
Daniele Cajaseiras Matos
Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Exisencial

Resumo. Este artigo discute a busca da felicidade e o sentido de vida na sociedade contemporânea. Procurou-se
analisar o conceito de felicidade vigente na sociedade de consumo e o conceito de felicidade da logoterapia de
Frankl com o objetivo de discutir a busca pelo sentido de vida na contemporaneidade. O ser humano na
contemporaneidade vive na constante busca da felicidade, de um sentido para a sua existência. Dentro dessa
perspectiva percebeu-se que ele segue os mais diversos caminhos procurando preencher seu vazio existencial
muitas vezes no ato de consumir. Porém para Frankl o que faz feliz um indivíduo é a busca de seus valores que
redundam em exigências do dia e em missões pessoais, o que dá ao homem um caráter de algo único e
irrepetível.

Palavras chave: Felicidade, Sentido, Sociedade de Consumo.

Abstract. This article discusses the pursuit of happiness and the meaning of life in contemporary society. We
seek to analyze the concept of happiness in the current consumer society and the concept of happiness of
Frankl's logotherapy in order to discuss the search for meaning in contemporary life. The human in
contemporary lives in constant pursuit of happiness, of a sense for its existence. Within this perspective it was
perceived that he follows the most various ways seeking to fill its existential emptiness many times in the act of
consuming. However for Frankl which makes happy an individual is the search for their values that redounds to
demands of the day and in personal missions, that gives the man a character of something unique and
unrepeatable.

Keywords: Happiness, Meaning, Consumer Society.


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A
tualmente percebemos homens e mulheres novos membros da sociedade são formados. Pois na
que buscam a felicidade cada vez mais no sociedade contemporânea a criança tem que integrar
ato de consumir. Isso levanta um uma imensa complexidade de interações e imagens,
questionamento para nós, porque a partir das quais tem que organizar um sentido
percebemos muitas doenças e insatisfações das estável do seu eu. Além disso: “aspectos parciais do
pessoas na sociedade contemporânea. Será que outro estão incorporados no sentido do eu ou em
realmente o homem contemporâneo está imagens idealizadas, poderosas e destruidoras. Uma
encontrando a felicidade tão almejada? Porque os verdadeira intersubjetividade se torna impossível.”
níveis psicopatológicos têm se elevado tanto na (Sloan, 2002, p.44). Ora, o fundamento da
atualidade? Porque vivemos na era do vazio intersubjetividade é a possibilidade concreta de ser,
existencial? Dessa forma é relevante direcionarmos o de se expressar e de se comunicar com o mundo:
nosso olhar para a maneira como a subjetividade dos “por meu corpo me expresso mundanamente e ao
indivíduos da sociedade contemporânea está sendo mesmo tempo sou consciência da existência do
construída e como a sociedade de consumo outro” (Rovaletti, 1984, p. 491) Dessa forma
influencia sua saúde emocional. podemos dizer que o sujeito contemporâneo está
seriamente ameaçado em sua forma de ser-no-
PSICOPATOLOGIA E mundo.
CONTEMPORANEIDADE Estamos presenciando a colonização do
Lebenswelt, do mundo da vida simbólico, espiritual e
Toda a atmosfera cambiante da cultura cultural. Essa colonização gera: “ausência de
ocidental tem proporcionado questionamentos sobre subjetividade, alienação, desorientação, perda de
o impacto dessas mudanças nas mais diversas sentido, reações automáticas no comportamento,
dimensões. Interessa-nos uma discussão que ocupa etc.” (Sloan, 2002, p. 46). Ao apontarmos os
teóricos e clínicos das áreas “psi”: os sintomas sintomas contemporâneos que têm tomado as
psíquicos contemporâneos ou pós-modernos. discussões entre os estudiosos, não buscamos
Embora a discussão tenha se tornado recorrente nos enquadrar a expressão do sofrimento, mas trazer à
meios acadêmicos, ainda está longe de um consenso. superfície a reflexão em torno da construção
Para Sloan (2002), alguns filósofos da modernidade representativa do sofrimento diante da relação
estão dispostos a aceitar, como a condição imbricada com o social: “a realidade psíquica não
fundamental do sujeito no mundo, o fato de que existe no vazio” (Mezan, 2002, p. 166). É na relação
nunca houve e nunca haverá um sujeito autônomo, com o mundo, com o outro, que se constrói e
crítico e centrado. É uma concepção que afirma uma reconstrói a vida interna do indivíduo, o que inclui
visão de personalidade que poderíamos chamar de as manifestações do sofrimento psíquico.
“pós-moderna”. Sloan (2002) afirma que esta Moreira (2002) afirma que,
concepção:
estudos epidemiológicos sobre saúde mental sugerem
atribui essa nova realidade pessoal à “globalização”, que as pessoas que vivem um estilo de vida moderno
um processo de comunicação internacional que nos nas sociedades contemporâneas avançadas pagam um
permite dar-nos conta de que o sujeito da sociedade preço psicológico, vivendo sintomas como ansiedade
liberal ocidental não é único no mundo e inclusive vaga, impulsos para machucar a si mesmo e ao outro,
que desde a época de Descartes esse sujeito tem perda de fé, a sensação de que nada vale a pena, o
representado a si mesmo falsamente. As desejo de se drogar, hábitos maníacos de trabalho,
representações científicas da pessoa sempre têm um aborrecimento com outras pessoas, fantasias com uma
caráter ideológico, mas, nesse caso, temo que a nova mudança radical no estilo de vida, estranhamento,
concepção nos levará a fazer referências à alienação, dependência exagerada da opinião dos
personalidade pós-moderna, ignorando suas outros, solidão e depressão. Muitos destes sintomas,
dimensões psicopatológicas (p.45). explicados como existenciais, médicos, ou
simplesmente psicológicos, podem ter raízes sociais
no mundo capitalista contemporâneo, onde impera o
Aceitar esse caráter como uma visão de
nervosismo pela permanente crise de identidade
normalidade ou como um avanço da civilização seria (p.135).
um equívoco de nossa parte, pois ele representa uma
ausência de progresso em aspectos nos quais os
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Esse é o preço que os sujeitos pagam por problema. Esse intento de ajuste forçoso é que o que
viverem em nossa sociedade, que se perde em um é considerado doença em si, pois mediante esse
consumismo cego chamando a isso de proceder o ser humano busca sentir-se alguém ante
desenvolvimento. Na grande maioria dos quadros um grupo determinado, uma vez que, com esta
psicopatológicos, a cultura biomédica vigente adaptação, pretende encobrir e não enfrentar suas
prescreve a medicação de forma generalizante, próprias carências, tais como seus sentimentos de
desprezando a singularidade do sujeito e o fato do vazio ou menos valia, a necessidade de decidir por si
sintoma ter um cunho social (Moreira, 2002). mesmo, o assumir a solidão existencial, etc.. É
Adoecemos psiquicamente em conformidade com a importante também deixar claro que as
cultura em que eclode a forma insidiosa da consequências deste ajuste forçoso também são
instauração do sofrimento e do adoecimento, que patológicas, pois a pessoa restringe seu próprio
descem garganta abaixo, irreflexo, dotado de total potencial criador, deixando de assumir
placidez ingênua e anestesiante (Rovaletti, 1998). construtivamente sua experiência. Tudo isto implica
O que a modernização conseguiu então, em na renúncia à sua liberdade e ao seu projeto de vida
termos psicológicos, foi a destruição violenta dos no mundo, trazendo, como consequência, o
mecanismos tradicionais para a construção da aparecimento de vários tipos de sintomas
identidade. Essa mudança deixa o indivíduo à mercê psicopatológicos, objetivamente observáveis, como
de seus instintos biológicos, com seu eu frágil meio desesperado para encobrir o vazio criado.
aprisionado por imagens tecnológicas alienantes. Moreira & Sloan (2002) propõem a
Esse indivíduo naturalmente concebe a vida como compreensão da psicopatologia de forma crítica e
uma série de aquisições, compras e jogos (Sloan, não-dicotomizada, portanto mundana e
2002). Corroborando com tal ideia, Kehl (2009) desideologizadora, culturalmente produzida. A vida
ressalta a velocidade alucinante dos acontecimentos humana se encontra envolvida na cultura. O mundo
da vida cotidiana e seu contraste com a delicadeza sensível seria a extensão do homem, existindo em
inegociável da vida psíquica. Sobre isso Sloan (2002) mútua constituição com este. “O ser humano-
afirma: doente ou sadio está implicado no mundo e sua
abertura a este mundo histórico não é um a priori
a modernização não é algo que afeta a cada um da ou uma ilusão, mas uma característica inerente ao
mesma maneira. Para um indivíduo, a modernização ser” (Moreira, 2002, p. 127). Torna-se fundamental
é ver que o seu emprego de sempre desaparece devido
a uma nova máquina, para outro é não contar com
uma perspectiva crítica para a devida compreensão
uma grande família que cuide dos seus filhos, para do fenômeno psicopatológico, de forma a abranger
outros é ter que abandonar a sua casa para dar lugar à sua complexidade e suas determinações múltiplas.
construção de uma nova estrada (p. 41). Somente com tal perspectiva é possível compreender
o fenômeno psicopatológico em suas nuanças
Assim, percebemos uma luta cotidiana culturais e ideológicas. Neste enfoque, o
travada dentro de todos nós, para tentar conviver individualismo é analisado como sintoma social que
com as novas configurações de mundo que a contribui para a compreensão do fenômeno
contemporaneidade instaurou em nossas existências. psicopatológico na contemporaneidade. Em nossa
Tal modernização embotou a busca da construção sociedade contemporânea, os sujeitos são mais
da autonomia, o desenvolvimento da capacidade de vulneráveis a manifestações psicopatológicas que
ser sujeito mundano (Merleau-Ponty, 1945/2006), e envolvem sua autoestima e seu sentimento de
a cultura, onde o consumo tornou-se palavra de despotencialização, já que há uma marcante
ordem, vende a cessação do incômodo causado pelo exigência e valorização, pela sociedade, do indivíduo
vazio instaurado pela impossibilidade de fazer autônomo, bem-sucedido e belo. A psicopatologia
escolhas legítimas. fenomenológica, inspirada no contexto sociocultural
Correa e Chacón (2008) afirmam que, na do sujeito e fomentando uma visão mais ampla,
atualidade, o indivíduo vivencia um intento questiona a “compreensão macroscópica da etiologia
desesperado e forçado por adaptar-se. A neurose é do fenômeno psicopatológico, seja a partir da
precisamente o método que ele usa a fim de cultura, seja a partir da sociedade” (Moreira, 2002,
preservar seu próprio centro, sua própria existência. p.122). As condições concretas de vida, prevalentes
Ela é uma adaptação, e é aí onde reside seu
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na sociedade contemporânea globalizada, Ao invés de apenas promover a remissão do sintoma,
desempenham importante papel na geração do é importante compreender aquele vivido, pois
sofrimento psíquico emocional. Claro está que não culturalmente os mesmos sintomas carregam
queremos dizer que a vida tem sido fácil no planeta, diferentes significados. Desta forma, mais do que
ao longo da História e que só hoje enfrentamos uma categoria nosológica, interessa-nos a
dificuldades. Porém, que é importante ressaltar que compreensão fenomenológica da experiência da
na contemporaneidade, os ideais estão ausentes e psicopatologia e o seu significado existencial.
parecem substituídos por frenesis fundamentalistas
de consumo, trazendo consigo um quadro novo, SENTIDO DA VIDA E
desconhecido em épocas históricas anteriores. A vida CONTEMPORANEIDADE
perde sentido e torna-se, deste modo,
verdadeiramente absurda, o que gera um sofrimento A humanidade em nossa época, imersa em
emocional importante. Dessa forma, como afirma problemas econômicos, de produtividade e
Moreira (2002), o objetivo da psicopatologia crítica consumistas, vem perdendo cada vez mais as
também será explicitamente de redirecionar as tradições como uma referência e ao mesmo tempo
atenções para o contexto social, sem perder de vista vem perdendo o "sentido" da vida; falta uma visão
o biológico, considerando particularmente aspectos antropológica que permita enfrentar os problemas
como a distribuição social de bens e o poder social relativos à existência humana de um ponto de vista
que contribuem para o sofrimento psíquico. mais global, que leve em conta aquilo que o homem
A psiquiatria tradicional tem buscado é, antes ainda daquilo que o homem deve fazer.
modelos classificatórios, cada vez mais precisos, para Hoje os problemas humanos são enfrentados mais
as doenças mentais. Atualmente, os sistemas em termos de "fazer" do que em termos de "ser".
classificatórios utilizados são o DSM-IV – Manual Em outras palavras, se poderia dizer que hoje o ser
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – humano está esquecendo que ele "é", está perdendo
em sua 4ª edição (APA, 2002) e o CID-10 – a si próprio. Massificação, despersonalização,
Classificação Estatística Internacional de Doenças e conformismo, totalitarismo, corrida ao prazer e ao
Problemas Relacionados à Saúde – em sua 10ª bem-estar demonstram a trágica experiência da
revisão (OMS, 1993). O DSM-IV (APA, 2002) frustração existencial, derivante de uma mentalidade
fornece critérios de diagnóstico para as perturbações reducionista e niilista.
mentais e inclui componentes descritivos no sentido Viktor Frankl reconheceu especialmente na
de conduzir ao diagnóstico de tais perturbações. psicanálise freudiana e na psicologia individual
Podemos afirmar que os distintos aspectos que nos adleriana, o mesmo problema – a preocupação com
oferece o DSM IV (APA, 2002) sobre a um equilíbrio interno, numa perene busca pela
psicopatologia, se referem exclusivamente a dar cessação de tensão, como objetivo maior da
clareza sobre todos os sintomas da doença, mas não gratificação dos instintos e da satisfação das
esclarecem a base ou estrutura da existência sobre a necessidades, constituindo-se, assim, o fim de toda
qual os sintomas se constituem e, por conseguinte, atividade que envolva a vida. O que de fato
não nos dá clareza sobre como compreender o impulsiona o homem não é nem a vontade de poder
significado da doença mental para quem a está (como aponta Adler), nem a vontade de prazer
vivenciando. Por isso, é necessário enfatizar que o (como em Freud), mas sim o que Frankl chama de
DSM IV por si só, divorciado da experiência vontade de sentido (Frankl, 2009).
concreta e do contexto psicológico no qual os Para Frankl (1989), o homem só se torna
sintomas se apresentam, conduz a um olhar homem e só é completamente ele mesmo quando
unidirecional, ignorando o significado da fica absorvido pela dedicação a uma tarefa, quando
experiência do outro e obscurecendo a compreensão se esquece de si mesmo a serviço de uma causa, ou
de sua psicopatologia. Tudo isto levará a um no amor a uma pessoa. É como o olho, que só pode
julgamento teórico da experiência do outro, antes de cumprir sua função de ver o mundo enquanto não
compreendê-la. Neste caso, as condutas do sujeito vê a si próprio. O sentido tem um caráter objetivo
serão aceitas ou não de acordo com uma concepção de exigência e está no mundo, não no sujeito que o
prévia de psicopatologia (Correa & Chacón, 2008). experiencia.
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A vontade de sentido é orientada para uma responsabilidade, todavia, significa sempre
realização de sentido, a qual provê uma razão para a responsabilidade perante um sentido.
felicidade; isto é, com uma razão para ser feliz, a Padecer de vida sem sentido é um
felicidade surge automaticamente como efeito sofrimento, mas não uma doença. Porém, é a vida
colateral. Nesse contexto, as noções de "felicidade", realmente destituída de sentido? E se o tivesse, seria
de "prazer" ou de "poder", como objetos da busca possível comunicá-lo? A sociedade contemporânea
última do homem, são negadas. E essa busca satisfaz praticamente a maioria das necessidades do
patológica de uma felicidade incondicional foi homem e algumas delas são criadas principalmente
denominada por Frankl como "princípio pelo consumismo. Todavia, só uma necessidade
autoanulativo", segundo o qual quanto mais o nada recebe, e ela é a necessidade de sentido do
homem persegue uma ideia acabada de felicidade, homem, ou seja, sua vontade de sentido. Um
prazer ou sucesso, em detrimento da realização de exemplo apontado por Frankl: o que deprime as
sentido, mais ele se distanciará desse objetivo. Para pessoas não é o desemprego em si tão comum na
Frankl, não se deve buscar a felicidade, pois à sociedade atual, mas a sensação de falta de sentido
medida que houver uma razão para ela, então ela decorrente disto. O peso maior não é ônus
decorrerá espontânea e automaticamente. Assim, a financeiro, e sim as pressões psíquicas sofridas pelos
"autorealização, se transformada num fim em si desempregados (Frankl, 1989). Ademais, em
mesmo, contradiz o caráter autotranscendente da qualquer situação humana o indivíduo pode
existência humana" (Frankl, 1988, p. 38). encontrar o sentido; mesmo no último momento da
Ao falar de sentido, estamos fazendo vida há possibilidades de tê-lo.
referência ao significado, à coerência, à busca de O sentido não é moldado pela mente, mas a
propósito e finalidade. Frankl nos expressa como o mente pelo sentido. Em vez de criar um sentido, a
homem que perdeu o sentido cai em um vazio mente tem de submeter-se a ele, uma vez
existencial e sofre; esta frustração existencial pode encontrado. Segundo Frankl, o sentido da vida é
desembocar em uma sintomatologia neurótica que uma realidade ontológica e não uma criação
ele denomina noogênica . A neurose noogênica cultural. O sentido da vida simplesmente existe:
surge de problemas existenciais contrasta das trata-se apenas de encontrá-lo. Universal no seu
neuroses psicogênicas que se originam na dimensão valor e individual no seu conteúdo, o sentido da
psicológica. vida é encontrado mediante uma investigação do
Ao utilizar o termo noodinâmica, Frankl paciente e do terapeuta em busca de resposta à
critica as concepções de saúde mental a partir do questão sobre o que somente o paciente, e
ideal do equilíbrio homeostático, pois segundo ele, absolutamente mais ninguém, pode fazer. Para
uma determinada tensão é necessária para a Frankl, nenhum homem inventa o sentido da vida:
existência humana. A noodinâmica é a tensão cada um é cercado e impelido pelo sentido da
essencialmente humana, é a própria dinâmica própria vida. O sentido não pode ser dado ou
existencial; é a tensão que se estabelece entre o criado, mas deve ser encontrado. E mais, o sentido
homem e o sentido, entre o ser e o dever-ser. E nela não só deve ser achado, como ele pode ser achado
está presente a liberdade a qual permite escolher (Frankl, 1989).
uma ou outra possibilidade (Roehe, 2005). A vida, diz Frankl (1989), permanecerá
O que o ser humano realmente precisa não é dotada de sentido, mesmo se todas as tradições
um estado livre de tensões, mas antes a busca e a desaparecerem e mesmo se nenhum valor de
luta por um objetivo que valha a pena, uma tarefa aplicação geral se mantiver. Conclusivamente, o que
escolhida livremente. O ser humano precisa não de o homem procura não é a felicidade em si, mas uma
homeostase, mas daquilo que chamo de razão para ser feliz. É a vontade de sentido na práxis
noodinâmica (Frankl, 1989). A logoterapia objetiva da existência humana. A felicidade não é um fim a
a conscientização do espiritual. Em sua especificação ser alcançado, a felicidade é uma constante a ser
como análise existencial, ela esforça-se especialmente vivida e para isto basta ter razões. Cada missão
em levar o homem à consciência do seu ser- realizada, independente de seu resultado, poderá
responsável, enquanto fundamento vital da resultar em felicidade, depende de como cada
existência humana (Frankl, 2009). Essa indivíduo encara o fato.
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Aquino (2011) afirma que: entanto, nada tem a ver com o prazer que uma ação
específica possa lhe proporcionar, já que o prazer é
O ser humano é um ser aberto ao mundo, e por este um estado, uma conseqüência e não uma meta.
motivo deve estar dirigido para um sentido, e este Reduzir a vida ao prazer é conformar-se ao niilismo,
deve ser sempre um fim em si mesmo e nunca um
meio para atingir o prazer e a felicidade colocando-os
um reducionismo de quem pouco ou nada quer
como fins em si mesmos... o ser humano necessita de fazer para não se comprometer. Agir assim é atentar
um fundamento para a felicidade e o prazer, pois estes contra a razão, pois o princípio do prazer conduz
estados não podem ser intencionados. (p. 58) inevitavelmente o homem a um nivelamento de
todas as suas finalidades, e isto lhe tira o sentido de
existir.
Não quero dizer que não podemos ficar A felicidade, portanto, não pode ser nunca
tristes, frente a fatos extremos e que nos causam dor, um bem em si, já que não reside nela própria a sua
como as perdas. É preciso, sim, vivenciar também a existência. Ela não pode ser adquirida através do ato
dor, pois mesmo nessas situações é possível de comprar ou consumir produtos e serviços como a
aprender, e isso poderá nos trazer uma ponta de sociedade capitalista contemporânea acredita. O que
felicidade. Essa é uma pergunta que podemos nos faz feliz um indivíduo é o dar-se pelo que deve fazer,
fazer sempre: “O que eu aprendi ou estou de forma histórica e concreta, no aqui e agora. É a
aprendendo frente a este fato que neste momento busca de seus valores que redundam em exigências
me causa dor?”. Assim, nenhum fato passará em do dia e em missões pessoais, o que dá ao homem
branco, todos estarão carregados de sentido, a vida um caráter de algo único e irrepetível.
estará carregada de sentido, as missões diárias terão Esta visão objetiva do que seja a felicidade
sentido, o indivíduo terá motivos para continuar exige do homem uma perspectiva interior, um olhar
vivendo e assim aprendendo a viver ainda melhor. desde dentro de si próprio de uma forma vital e
prática. É um conceito mais aristotélico que
CONCLUSÃO platônico ao levar o homem a perguntar-se sobre o
que deve fazer para alcançar aquilo que lhe é
O ser humano na contemporaneidade vive próprio. Esta visão exige a humildade de reconhecer-
na constante busca da felicidade, de um sentido, ou se no que é e a grandeza do que pode vir a ser,
significado para a sua existência. Dentro dessa contemplando em movimento o seu existir. Ser
perspectiva segue os mais diversos caminhos pessoa, portanto, na plenitude de sua condição, é
imagináveis e trilháveis, caindo muitas vezes em não se conformar em sua natureza fazendo-se capaz
extremos, apegando-se a materialidade, ou de mais. Isto todos o sentem, e felizes são os que
alienando-se a sistemas e “coisas”, procurando aí exercem esta capacidade de forjar projetos, dando-se
preencher seu vazio existencial muitas vezes no ato por eles na prática de cada dia. A infelicidade em
de consumir. Apesar de ser uma busca de séculos, contrapartida, não ocorre só quando o homem vê
percebe-se o homem cada vez mais perdido, frustrados os seus projetos, mas quando não os
desiludido, e tateando as cegas à procura de algo que busca, ou deles não se dá conta. A inconsciência e a
dê sustentação para o seu existir, e dê significado à acomodação ao fácil e prazeroso são duas vertentes
sua vida. Assiste-se o apego à materialidade, ao de um mesmo erro, a renúncia ao bem superior. Da
dinheiro, riquezas, honras, poder, prazer etc. busca pela consciência de si, de suas capacidades, e
Na visão de Frankl, o ser humano é da luta por realizar seus projetos vitais nasce o
um ser histórico, que inserido num espaço concreto, sentido da vida do homem em sua razão prática.
deve buscar sua realização. Esta realização, no
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Referências

Aquino, T. A. A. (2011). Logoterapia e análise existencial: uma introdução ao pensamento de Viktor Frankl. João
Pessoa: Ed. Universitária UFPB.

Correa, A.C. & Chacón, G. C. (2008). Psicología clínica. Fundamentos existenciales. Barraquilla: Uninorte.

Frankl, V. E. (2009). Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 28. ed. Rio de Janeiro: Vozes.
(Originalmente publicada em 1985).

Frankl, V. E. (1989). Psicoterapia e sentido da vida. São Paulo: Quadrante (Originalmente publicado em 1946).

Kehl, M. R. (2009). O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo.

Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes. (Originalmente publicado
em 1945).

Moreira, V. & Sloan, T. (2002). Personalidade, ideologia e psicopatologia crítica. São Paulo: Escuta.

Mezan, R. (2002). Subjetividades contemporâneas. São Paulo: Companhia da Letras.

Roehe, M. V. (2005) Revendo idéias de Viktor Frankl no centenário de seu nascimento. Revista PSICO PUCRS,
Porto Alegre, 36, ( 3), pp. 311-314.

Rovaletti, M. L. (1984). El cuerpo como lenguaje, expresión y comunicación. Revista de Filosofia, México. XVII
(51), p. 491-504.

Recebido em: 23/09/2012


Aceito em: 24/10/2012

Sobre a autora

Daniele Cajaseiras Matos. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará, mestra em Psicologia
pela Universidade de Fortaleza.

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