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Reitor

Rui Vicente Oppermann


Vice-Reitora e Pró-Reitora
de Coordenação Acadêmica
Jane Fraga Tutikian

EDITORA DA UFRGS
Diretor
Alex Niche Teixeira
Conselho Editorial
Álvaro Roberto Crespo Merlo
Augusto Jaeger Jr.
Carlos Pérez Bergmann
José Vicente Tavares dos Santos
Marcelo Antonio Conterato
Marcia Ivana Lima e Silva
Maria Stephanou
Regina Zilberman
Tânia Denise Miskinis Salgado
Temístocles Cezar
Alex Niche Teixeira, presidente
C735 Como as coisas importam: uma abordagem material da religião - textos de Birgit
Meyer / organizadores Emerson Giumbelli, João Rickli [e] Rodrigo Toniol.
– Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2019.
334 p. ; 14x21cm
(Série Entremeios)
Inclui figuras.
Inclui referências.
1. Antropologia. 2. Antropologia social. 3. Religião. 4. Cultura. 5. Mídia. I.
Giumbelli, Emerson. II. Rickli, João. III. Toniol, Rodrigo. IV. Meyer, Birgit. V.
Série.
CDU 572:2
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.
(Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável CRB10/979)
ISBN 978-85-386-0469-3
Agradecimentos

Os textos reunidos neste livro foram escritos por uma úni-


ca pessoa. Torná-los disponíveis no Brasil, entretanto, envolveu
a colaboração de muitas pessoas e instituições. Estudantes do
curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
assumiram a tradução dos textos como parte de seus créditos
letivos, acompanhados pela professora Elizamari Becker, que
se encarregou da supervisão e da revisão inicial. As referências
bibliográficas dos seis textos originais foram reunidas a fim de
termos uma lista única por Lucas Baccetto e Giovanna Pac-
cillo, e padronizadas por Laura Tenedini, Taylor Pedroso Aguiar
e Maycon Freitas. A revisão final dos textos coube a Luciana
Balbueno com recursos providenciados pelo Programa de Pós-
-Graduação em Antropologia Social da UFRGS. A diagramação
foi feita por Rafael Tajima com apoio do Departamento de An-
tropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
da UFPR. A Editora da UFRGS abraçou o projeto desde seu
início, quando foi proposto como parte da coleção Entremeios.
Principal coordenador da coleção, Carlos Alberto Steil foi um
apoiador perseverante desta coletânea. Professores e estudantes
do Núcleo de Estudos da Religião/UFRGS acompanharam e
torceram pelo sucesso do projeto. Agradecemos imensamente a
todas essas pessoas e instituições. Birgit Meyer merece agrade-
cimentos sensacionais: por sua concordância desde o primeiro
momento em que lhe fizemos a proposta do volume, por seu
empenho na obtenção das autorizações para a publicação dos
textos em português, por sua disponibilidade para resolvermos
dúvidas que surgiram na tradução, por sua abertura aos diálogos
intelectuais que sustentam o projeto deste livro.
Sumário

Introdução 11

Percursos e conceitos de Birgit Meyer


Uma trajetória de colaborações 11

De Gana ao Brasil 19
Contribuições teóricas 22
Condições de validade do conceito de religião 36
Referências 41

De comunidades imaginadas a formações estéticas:


mediações religiosas, formas sensoriais
e estilos de vínculo 43

Comunidades imaginadas: potencialidades e limitações 46


Formações estéticas 52
Mediações religiosas e formas sensoriais 60
A religião no domínio público 72

Religião material: como as coisas importam 81

A religião e a questão da materialidade 87


Legados protestantes 96
Como coisas importam 105

“Há um espírito naquela imagem”: imagens de Jesus


produzidas em massa e outras formas de animação
protestante-pentecostal em Gana 115

Além do olhar: imagens como coisas animadas 120


Paradoxos: o protestantismo e as coisas em Gana 126
Imagens de Jesus 137
Conclusão 156

Mediação e a gênesis da presença: rumo a uma


abordagem material da religião 159

Genealogias críticas: o “legado protestante” e além 165


Além do fetiche: fabricando a crença 175
Religião como mediação: como estudar a gênesis da presença 186
Múltiplas mídias - devoção imagética 197
Para concluir 202

Imagens do invisível:
cultura visual e estudos da religião 205

Mediações materiais 208


Religião e cultura visual 212
O que as imagens mostram e como as pessoas as veem:
a cultura visual cristã no Sul de Gana 224
Perspectiva 237
Como capturar o “uau!”: a noção de encanto de
R. R. Marett e o estudo da religião 241

A abordagem de Marett sobre religião 248


Encanto além da fenomenologia da religião 260
Formas de religião e a produção de um excedente 267
Conclusão 273

Entrevista com Birgit Meyer 275

Referências 293
Introdução
Percursos e conceitos de Birgit Meyer
Emerson Giumbelli, João Rickli, Rodrigo Toniol

Este volume apresenta uma seleção de seis textos de auto-


ria de Birgit Meyer, antropóloga de origem alemã e formação
holandesa, atualmente professora titular do Departamento de
Filosofia e Estudos Religiosos da Universidade de Utrecht, na
Holanda. Os textos foram publicados originalmente entre os
anos de 2009 e 2015 como introduções de coletâneas e artigos
em periódicos. Uma entrevista concedida pela autora em 2018
completa este livro. Com ele, amplia-se consideravelmente o
acesso a suas ideias, já que, até agora, apenas um texto de Meyer
havia sido divulgado em português, graças à iniciativa da revista
Campos, da UFPR. Esta introdução não pretende ser um roteiro
de leitura para os textos reunidos a seguir. Seu objetivo – na
mesma linha já adotada pela colega Carly Machado (2015) – é
apresentar a autora e os projetos de pesquisa aos quais os textos
estão vinculados. Além disso, queremos sugerir algumas aproxi-
mações possíveis com a realidade do Brasil e com o modo como
aí se estuda religião. Finalmente, propomos uma discussão de
certos conceitos centrais no trabalho de Meyer, de uma manei-
ra que auxilie os leitores a seguirem com algumas balizas sua
proposta de uma abordagem material da religião, sintetizada no
título “como as coisas importam”.

Uma trajetória de colaborações

Há mais de uma década, o trabalho de Birgit Meyer tem


sido referência fundamental em língua inglesa nos estudos que
relacionam religião, mídia e cultura material. Isso se reflete e se
potencializa na posição que ela ocupa como coeditora da revista
Material Religion, desde sua criação. Sua atuação na antropologia
e nos religious studies inclui estadias e intercâmbios com os princi-
pais centros internacionais desse campo na Alemanha, Noruega
e Estados Unidos. Em 2015, Birgit Meyer foi uma das ganhado-
ras do prestigioso Prêmio Spinoza, concedido anualmente pela
Organização Holandesa para a Pesquisa Científica (Nederlandse
Organisatie voor Wetenschappelijk Onderzoek - NWO) a quatro
cientistas de destaque atuantes em universidades e institutos do
país. Desde 2007, ela compõe a Academia Real Holandesa de
Ciências (Koninklijke Nederlandse Akademie van Wetenschappen).
Sua área de estudos manteve-se, ao longo da carreira, ligada
à antropologia da religião e seu campo específico de pesquisa a
diferentes aspectos da religiosidade em Gana, na África Ociden-
tal. Seus primeiros trabalhos, vinculados a sua pesquisa de dou-
torado realizada na Universidade de Amsterdam sob orientação
de Johannes Fabian, analisam as missões protestantes em Gana
e as igrejas formadas a partir destas iniciativas. “Translating the
Devil: Religion and Modernity among the Ewe in Ghana” (Tradu-
zindo o Diabo: Religião e Modernidade entre os Ewe em Gana,
sem versão em português) (Meyer, 1999), o livro resultante da
tese, é uma etnografia que detalha a trajetória de algumas deno-
minações evangélicas em Gana desde a chegada dos missionários
pietistas alemães no fim do século XIX, até os desenvolvimentos
contemporâneos à pesquisa de campo da autora. Essa obra, an-
terior às produções traduzidas neste volume, trata de problemas
clássicos do chamado “encontro missionário”, tais como as dinâ-
micas inerentes às questões de tradução dos conteúdos religio-
sos e práticas devocionais, as atitudes dos missionários frente à
religião autóctone e os problemas implicados nos processos de
conversão e seu reconhecimento, temas tratados sob a perspecti-
va mais ampla dos reflexos complexos das tensões entre tradição
e modernidade na vida religiosa em contextos coloniais e pós-
-coloniais na África Ocidental. A despeito da reconhecida ênfase
da análise nas questões discursivas, inerentes à ideia de tradução

12
que orienta a narrativa do livro, já é possível perceber nele o
interesse da autora pelo tema da materialidade, que seria ex-
plorado e desenvolvido posteriormente, sobretudo na produção
reunida no presente volume. No capítulo 3 (“Há um espírito
naquela imagem”: imagens de Jesus produzidas em massa e ou-
tras formas de animação protestante-pentecostal em Gana), por
exemplo, ela retorna à parte do material sobre os missionários
em sua análise sobre a questão da formação histórica de um regi-
me protestante de relação com os objetos em Gana, que influen-
cia as atitudes pentecostais atuais perante imagem e “ídolos”.
A África, e especificamente o pentecostalismo em Gana,
permaneceu como seu campo de pesquisa privilegiado. É a aná-
lise de realidades concretas observadas nesse contexto, tais como
o uso de microfones e equipamentos de som nos cultos, as diver-
sas formas de relação das pessoas com as imagens de Cristo, os
usos dados ao corpo e aos sentidos durante os ritos ou a produ-
ção de filmes e vídeos associados a conteúdos religiosos, que per-
manece na base dos desenvolvimentos teóricos que vão explorar
as relações entre religião e mídia através da ênfase no corpo e na
materialidade. Ao longo de sua trajetória, como ficará claro à
pessoa que percorrer os diversos textos aqui traduzidos, o con-
texto africano é o ponto a partir do qual ela estabelece diálogos
com outras regiões etnográficas. São estes diálogos, ocorridos no
âmbito de vários projetos coletivos, que trazem ao centro das
preocupações teóricas da autora a questão da materialidade e
dos processos de mediação.
A atuação de Birgit Meyer como coordenadora de amplos
projetos de pesquisa realizados em cooperação entre diversas
instituições e com participação de muitas pessoas de diferentes
áreas (Antropologia, Religious Studies, Comunicação, História,
Sociologia, entre outras) e níveis de formação (doutorado, pós-
-doutorado, professores) é uma das marcas mais distintivas de
sua produção. Em primeiro lugar, porque esses projetos possibi-
litaram a colaboração interdisciplinar e a produção de reflexões

13
que transcendem os limites da antropologia, ainda que ela per-
maneça como perspectiva privilegiada de análise. Por exemplo, a
própria noção de “formas sensoriais” (ou sensacionais, em outra
tradução possível), que marca uma inflexão teórica importante
na trajetória da autora, pode ser entendida como o resultado
de uma elaboração da ideia de mídia que articula enfoques da
antropologia e da comunicação e de diálogos com estudos de
cultura visual e história da arte (ver o capítulo 5). Em segundo
lugar, porque essa forma de organizar e estruturar o trabalho de
pesquisa propicia diálogos entre contextos etnográficos distintos
que permitem elaborações teóricas de amplo alcance. As com-
parações entre formas devocionais em contextos tão diferentes
quanto, por exemplo, o candomblé na Bahia, o islamismo ni-
geriano e o pentecostalismo na Venezuela, investem essas elabo-
rações de um caráter bastante geral e encorajam sua utilização
como instrumentos de análise de fenômenos diversos. Esta é
uma das razões pelas quais, de forma talvez não tão comum em
coletâneas desse tipo, optamos por traduzir duas introduções
de volumes editados por ela, uma delas em coautoria com Dick
Houtman, sociólogo da Universidade de Leuven, precisamente
porque é nesses textos de apresentação dos principais resultados
de projetos coletivos que Birgit Meyer produziu algumas de suas
reflexões mais potentes e instigantes.
O primeiro desses projetos, iniciado em 2000, “Meios de
comunicação de massa modernos, religião e a imaginação de
comunidades: trajetórias pós-coloniais na África Ocidental, Sul
Asiático, Brasil e Caribe”, foi o ponto de partida para as princi-
pais perspectivas teóricas que, ao longo dos anos, seriam desen-
volvidas, refinadas e postas em diálogo com diferentes realidades
etnográficas vinculadas aos projetos posteriores. Talvez o ponto
de inflexão mais inovador desse empreendimento tenha sido a
abertura da noção de “mídia” ou “meio” a um questionamento
profundo a partir dos dados etnográficos, desfazendo uma com-
preensão pré-estabelecida e limitada pelos estudos que relacio-
navam religião e comunicação até então. Ao se propor a pergun-

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ta “o que é uma mídia?”, a equipe envolvida no projeto deixou
de enfatizar a distância entre as formas religiosas tradicionais e as
tecnologias envolvidas em sua presença midiática mais recentes,
que segundo alguns autores acabaria por desvirtuar a natureza
da mensagem religiosa, e passou a colocar num mesmo plano
analítico tudo aquilo que opera a mediação entre as diferentes
forças não terrenas implicadas nas práticas religiosas e as pes-
soas que delas participam (ver capítulo 1). Assim, objetos de-
vocionais, imagens, edifícios, corpos, músicas e performances
passaram a ser compreendidas como “mídia”, tanto quanto os
meios de comunicação de massa, cuja apropriação pelas religiões
constituía a indagação inicial do projeto.
Esta abertura da noção de mídia/meio a uma compreensão
não limitada pelo sentido de senso comum dos estudos de co-
municação teve alguns desdobramentos, entre os quais destaca-
mos dois que nos parecem decisivos e que abordaremos de for-
ma um pouco mais detalhada na terceira seção desta introdução.
O primeiro é o deslocamento do interesse da pesquisa em dire-
ção à materialidade, ao colocar no centro da análise a questão
dos mediadores que materializam o religioso em práticas corpo-
rais e objetos específicos. Decorre disto, ainda, o interesse pe-
los modos de realização no corpo e nos sentidos da experiência
religiosa que vai aproximar a autora da produção antropológica
influenciada pela fenomenologia, como veremos em seguida. O
segundo desdobramento é uma reflexão crítica, em diálogo com
autores como Talal Asad, que reconhece um certo caráter cristão
protestante nas abordagens dos fenômenos religiosos pelas ciên-
cias sociais, refletida na primazia dada àquilo que se considera
como o conteúdo das tradições religiosas em detrimento das for-
mas e meios através dos quais elas se atualizam e materializam.
Estes dois desdobramentos estão expressos de diferentes manei-
ras ao longo da trajetória de pesquisa da autora desde então,
sintetizada no conjunto de textos reunidos neste volume.

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Em 2008, teve início o projeto “Dinâmicas do patrimônio:
políticas de autenticação e estéticas da persuasão no Brasil, Gana,
África do Sul e Holanda”. Sob a liderança de Birgit Meyer, Mat-
tijs van de Port e Herman Roodenburg, as pesquisas a ele vin-
culadas buscaram abordar diferentes políticas e atitudes relacio-
nadas às questões do patrimônio material e imaterial, tema que,
naquele momento, ganhava cada vez mais atenção acadêmica,
política e midiática. De forma bastante inovadora, as diferentes
pesquisas que compunham o projeto buscaram compreender as
dinâmicas sociais e culturais desencadeadas pelos processos de
reconhecimento e contestação do patrimônio por meio princi-
palmente de duas inflexões teóricas. A primeira, sintetizada na
expressão “políticas de autenticação”, tem como objetivo a des-
crição e análise dos processos sociais complexos e multifacetados
implicados na ideia de autenticidade, um princípio fundamen-
tal do patrimônio. A ênfase aqui é justamente na descrição des-
ses processos, evitando um procedimento comum numa certa
literatura que, ao reconhecer o caráter socialmente produzido da
autenticidade, acaba por simplesmente “desmascará-la” e abre
mão de investigar justamente os modos pelos quais determina-
das coisas podem ser percebidas e vivenciadas como autênticas.
A segunda inflexão teórica busca compreender as relações
sociais em torno do patrimônio a partir da questão da materia-
lidade, conforme ela é incorporada no estudo da religião por
Meyer e seus colaboradores desde o projeto anterior. Trata-se,
então, de utilizar alguns dos conceitos desenvolvidos a partir
do estudo de fenômenos religiosos, tais como formas sensoriais
e formações estéticas, na busca da compreensão de contextos
organizados em torno das dinâmicas do patrimônio. São explo-
radas aí as dimensões estéticas das relações que se estabelecem
nesses universos, referindo-se à ideia de aisthesis, à apreensão
sensorial do mundo e às formas de relação das pessoas com as
coisas através do conjunto dos sentidos. Desenvolveremos de
forma mais detalhada esta ideia na terceira seção.

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É precisamente esta ênfase na dimensão estética a partir
da compreensão desenvolvida no terreno da religião que permi-
te a investigação das experiências e vivências da autenticidade,
para além do mero desmascaramento de seu caráter socialmente
produzido. As pesquisas desenvolvidas no projeto buscam apre-
ender os bens materiais e as práticas imateriais patrimonializa-
das como formas sensoriais que mediam a presença do passado
como autêntico, materializando assim as diversas narrativas e
controvérsias em torno da história. Os autores cunharam a ex-
pressão “estéticas da persuasão” para definir esta forma de abor-
dagem das dinâmicas do patrimônio através destas elaborações
advindas do terreno religioso.
Desde meados de 2016, Birgit Meyer deu início àquele
que será, possivelmente, um de seus projetos mais duradouros
“Religious matters in an entangled world”, cuja finalização está
prevista para 2024 e envolve um grande grupo de pesquisado-
res. Ao longo desses oito anos, quatro fases estão previstas, sen-
do cada uma delas articulada pelos seguintes eixos temáticos:
1. edifícios, imagens e objetos; 2. comidas; 3. corpo; 4. textos.
A própria divisão dos eixos estruturantes do projeto reflete não
somente a amplitude da pesquisa, como também o fato de que
são objetos concretos que marcam suas diferentes fases. Essa
característica parece ser um bom atalho para apresentar o em-
preendimento mais geral desse programa de pesquisa. Em seus
próprios termos, Birgit Meyer afirma que a ideia norteadora da
pesquisa é a de que a religião se torna concreta e palpável por
meio das pessoas, cujas ideias e práticas implicam uma ampla
variedade material — que inclui edifícios, imagens, objetos e
textos — e cujos corpos e sentidos são formados através de prá-
ticas e ideias. Privilegiando a análise material da religião, o pro-
pósito da pesquisa é o de observar e analisar os atos e as variadas
formas materiais a partir das quais as religiões se fazem presen-
tes, coexistem e possivelmente entram em conflito umas com
as outras em contextos particulares de diversidade religiosa. A
manifestação desses atos e formas está sujeita a políticas estatais,

17
arranjos legais e convenções socioculturais e padrões históricos,
assim como também é dependente dos modos de regulação do
religioso vigentes. É dessa maneira que a dimensão material está
articulada com a experiência da religião, mas também é dire-
tamente dependente dos arranjos políticos que tornam certas
formas de visibilidade da religião possíveis.
Essa última observação parece conter uma característica
mais geral da produção de Birgit Meyer, particularmente no-
tória, mas não exclusiva, no projeto de pesquisa em questão.
Fazemos referência ao fato de que a orientação fenomenológi-
ca da perspectiva teórica assumida por Meyer não a afasta do
debate sobre as dimensões políticas implicadas no fenômeno
religioso. É por conta dessa característica que podemos encon-
trar dois conjuntos de conceitos e atenções analíticas raramente
articulados em um único projeto: de um lado, experiência, cor-
po, sentidos e sensações; de outro, modos de regulação, arranjos
estatais, e configurações históricas e políticas. Às consequências
teóricas dessa configuração retornaremos em uma seção a seguir.
De volta ao projeto atual de Meyer, três aspectos são cen-
trais para seu entendimento. O primeiro está contido na fórmu-
la “entangled world”. O termo é de difícil tradução. “Mundo
emaranhado” e “mudo enredado” são traduções literais possíveis.
Contudo, ao contrário do que essas versões podem sugerir, o
termo em inglês permite enfatizar não apenas uma condição do
mundo (emaranhado, enredado), como também o fato e de que
essa condição é resultado de um processo, de uma ação. Sendo
assim, “entangled world” narra uma característica do mundo,
como também procura dar testemunho de um processo. A con-
dição/processo que Meyer descreve, nesse caso, é a de um mun-
do no qual a religião participa invariavelmente. A religião, po-
deríamos dizer, é parte do emaranhado que nunca se completa.
O segundo aspecto importante para o entendimento do
projeto em questão é o de que seu foco não está dirigido a uma
religião específica, mas sim, às variadas configurações do plura-

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lismo religioso. A literatura das ciências sociais da religião tem
investido no tema explorando as formas de encontro, conflito e
convivialidade entre religiões em diferentes partes do mundo.
Apropriando-se desse debate, Meyer privilegia contextos euro-
peus (especialmente na Holanda) e a africanos (principalmente
Marrocos, Gana e Quênia) para explorar essa questão a partir
de suas dimensões materiais. Como, por exemplo: analisando as
estratégias de visibilidade de edifícios religiosos nesses contextos
ou ainda, identificando variadas formas de aderir às tecnologias
e transformá-las em novos suportes e mediadores da relação com
o sagrado. O projeto inclui também uma preocupação concei-
tual, expressa na proposição da noção de “pluriformidade” para
contornar os limites e vieses da categoria pluralismo quando se
refere à coexistência de distintos grupos e vertentes religiosas.
Por fim, a terceira dimensão relevante do projeto de pes-
quisa diz respeito justamente ao seu título “Religious Matters”.
Novamente, a formulação perde sua força em traduções literais.
Aqui, matters aponta para duas direções, ambas evocadas a partir
da ambiguidade de sentido que o termo em inglês carrega. Pri-
meiro, para indicar que o tema da religião importa, não tendo
se tornado obsoleto, mas, pelo contrário, crescendo em sua rele-
vância para compreender o mundo no século XXI. E, segundo,
para fazer referência à substância material da religião, dimensão
que pode ser entendida como a porta de entrada de Meyer para
explorar seu “entangled world”.

De Gana ao Brasil

Como a autora destaca logo no início de sua entrevista


neste volume, pesquisas desenvolvidas em contextos brasilei-
ros constituem uma parte bastante significativa do material et-
nográfico com o qual ela dialogou e dialoga ao longo de sua
trajetória. Várias destas pesquisas fizeram parte dos projetos já
mencionados, algumas vinculadas diretamente a eles, outras a

19
eles associadas a partir de intercâmbios e colaborações com ins-
tituições brasileiras. Proximidade e contraponto entre o material
empírico produzido dos dois lados do Atlântico podem ser me-
lhor problematizados se apontarmos brevemente para algumas
semelhanças e diferenças entre as realidades brasileira e ganesa.
O país africano, apesar do contexto muito distinto, apresenta
em comum com o Brasil uma dinâmica de expansão pentecostal
nas últimas décadas. No caso de Gana, isso está ligado a perda de
controle estatal sobre os meios de comunicação de massa a partir
dos anos 1980, o que acentuou a importância do foco analítico
sobre o tema da relação entre religião e mídia. Nesse aspecto, a
história é diferente no Brasil, onde o período de ditadura mili-
tar conviveu com o crescimento de grandes conglomerados de
mídia. Mas isso não anula semelhanças. Em ambos os países, a
laicidade do Estado faz parte da ordem jurídica e dos debates
públicos, e tal condição é constitutiva da expansão pentecos-
tal. Mesmo que não impeça tal expansão, mesmo que seja frágil
ou ambígua em diversos aspectos, a laicidade é um elemento
significativo. Em outras palavras, a presença pública da religião
precisa responder a expectativas de que haja alguma separação
entre religião e política (Giumbelli, 2008; Meyer, 2011). Por-
tanto, em países africanos como Gana e em países americanos
como Brasil, a vitalidade religiosa não pode ser entendida sem
a consideração dos rumos e das formas que vem assumindo a
laicidade fora da Europa.
Isso deixa claro como os projetos de Birgit Meyer, ao se
dedicar a um país africano como Gana, dialogam com debates
acerca da relação entre religião e política, entre religião e esfera
pública e entre religião e secularismo. Sua intervenção nesses
debates está marcada por dois pontos. Primeiro, somando-se a
outras elaborações, trata-se de desvincular-se claramente de uma
preocupação normativa. Ou seja, a questão a ser enfrentada não
é sobre quais condições as religiões precisam cumprir para fre-
quentar a esfera pública, mas sobre as formas de constituição
mútua de religiões e de públicos que possibilitam a presença da

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religião em espaços públicos. Segundo, recusando uma aborda-
gem estritamente discursiva, o trabalho de Birgit Meyer inves-
te na necessidade de considerar as dimensões materiais de que
depende a constituição do que seja público. Por exemplo, quais
são os atributos ou competências corporais para se atuar no pú-
blico, ou quais são as linguagens e, mais amplamente, as mídias
legítimas para se ter uma voz pública. Ficam assim evidentes as
consequências de uma abordagem que, como veremos em segui-
da, questiona o legado protestante para o debate sobre a relação
entre religiões e espaços públicos.
Se retomamos o tema da expansão pentecostal, outro pon-
to em comum entre Gana e Brasil é a relação daquela expansão
com as religiões de matriz africana, relação que assume tons so-
cial e simbolicamente agressivos. Birgit Meyer desenvolve uma
leitura de longa duração sobre o encontro entre o cristianismo e
as religiões nativas na África ocidental, mostrando suas comple-
xidades e referências recíprocas (ver capítulos 3 e 5). Os cenários
incluem transformações no campo protestante, com a criação de
igrejas locais, e mudanças nas políticas estatais quanto às religi-
ões nativas, que passam da desvalorização à patrimonialização.
Apresentadas assim, são notáveis as contribuições dos projetos
de Meyer para a compreensão do que se passa no Brasil no que
tange às referências que certas igrejas e práticas pentecostais
constroem acerca das religiões de matriz africana, referências
que abrangem tanto combates quanto introjeções (Almeida,
2009). A dimensão material é novamente crucial, uma vez que
essas referências ocorrem sobretudo por meio de práticas que
envolvem corpos e mobilizam aparatos sensoriais.
Os temas e abordagens evocados anteriormente têm cone-
xões com debates em torno da noção de pós-colonialidade. O
caso de Gana permite enfrentar esses debates com foco no vetor
religioso ao encenar o encontro entre o protestantismo europeu
e as religiões nativas, complexificado com o surgimento de igre-
jas cristãs locais e a presença do islã. Já no Brasil esse quadro,
se não tem o islã como componente significativo, abrange ele-
21
mentos não menos complexos: o catolicismo implantado com
a colonização e diversificado de acordo com linhas que, entre
outras, incluem a relação entre formas oficiais e populares; o
protestantismo em suas variadas expressões, estrangeiras e locais;
as religiões vindas da África em sua longa história de perma-
nência e de transformações; as populações indígenas, em grande
parte cristianizadas, mas também geradoras de formas poten-
cialmente autônomas e de elementos incorporados a outros sis-
temas religiosos. Tanto quanto a África, e ainda que com outras
temporalidades e configurações, as Américas sempre podem ser
pensadas como situações coloniais. Os projetos de Birgit Meyer,
pela composição de seus pesquisadores, instigam a traçar cone-
xões entre essas situações, e sua abordagem lança desafios inte-
ressantes, sempre levando em consideração as formas materiais.
Seja quando incentivam análises de longa duração, seja quando
se interessam por relações de poder, obrigam a refletir sobre os
rumos de projetos civilizatórios que tinham a Europa como pa-
râmetro e referência – e as criações culturais engendradas em
novos contextos e com outros pontos de vista.

Contribuições teóricas

Os textos publicados neste livro seguem uma ordem crono-


lógica, com exceção do segundo capítulo que, assim como o pri-
meiro, é uma introdução de um volume organizado, e por esta
razão mais adequado para o início desta coletânea. Este conjunto
de textos abrange uma década da produção de Birgit Meyer. Ao
longo desse período, a autora consolidou-se como uma das prin-
cipais referências contemporâneas no campo das ciências sociais
da religião e a abordagem material da religião tornou-se difun-
dida na área. Como ficará evidente a partir da leitura dos textos
deste volume, Meyer não recusa o caráter inovador de algumas
de suas formulações. E tampouco deixa de reconhecer e explici-
tar os vínculos dessas elaborações com tradições teóricas pregres-

22
sas. Esse movimento de localização epistemológica, tão caracte-
rístico da produção de Meyer, é o que nos permite reconhecer
possíveis aproximações entre a autora e os trabalhos diretamente
associados a chamada virada material. Assim como também per-
mite articulá-la com trabalhos mais recentes de autores como
Tim Ingold, Thomas Csordas e Bruno Latour. Da pertinência
dessas aproximações e de seus limites tratará o último texto des-
te livro, uma entrevista com a autora em que abordamos o tema.
Por ora, investiremos noutra direção, sedimentando caracterís-
ticas das formulações teóricas da autora que podem ficar menos
explícitas se a chave de leitura diante de seus textos ficar restrita
às “viradas” na teoria antropológica contemporânea.
O primeiro ponto diz respeito ao modo como a autora ar-
ticula a crítica àquilo que ela reconhece como uma certa inter-
ferência ou desvio nos estudos sobre religião causado por um
viés de leitura demasiado protestante que, como mencionamos
acima, consolida-se a partir do projeto “Meios de comunicação
de massa modernos, religião e a imaginação de comunidades”.
Conforme vimos, ao longo de suas pesquisas acerca de igre-
jas cristãs (sobretudo pentecostais) em Gana, a autora move-
-se paulatinamente de um interesse pelos discursos, narrativas
e traduções postos em movimento nos encontros missionários
e coloniais, para o foco na importância das mídias e meios ma-
teriais na produção da religiosidade. É a reflexão teórica sobre
esta trajetória que possibilita a formulação de uma crítica aos
estudos da religião que tenderiam a enfatizar os conteúdos e
mensagens em detrimento das formas materiais e dos media-
dores que possibilitam a presença do sagrado. Assim, a autora
revisa os estudos da religião, sobretudo aqueles de caráter mais
sociológico, e identifica uma certa cegueira para as questões da
materialidade e dos meios (ver principalmente os capítulos 2 e
4). Este ponto cego é atribuído por Birgit Meyer ao lugar que
se dá, em boa parte da produção das ciências sociais da religião
desde Max Weber, ao protestantismo como epítome da religião
moderna, com sua ênfase na fé e na crença, ou seja, nos discur-

23
sos e significações, em detrimento da materialidade. Assim, uma
espécie de “lente protestante” acaba por se interpor entre o olhar
das pessoas que pesquisam e os fenômenos religiosos.
Aspecto fundamental desta crítica, conforme desdobrare-
mos a seguir, é o fato de que sua formulação tem uma consequ-
ência dupla. Por um lado, ela instaurou o campo dos materiais
e dos meios como um horizonte empírico central nas análises
dirigidas ao fenômeno da religião. Trata-se de reconhecer, aqui,
que a crítica à ideologia da estética protestante resultou não so-
mente em ponderações teóricas, como também foi capaz de fazer
emergir um conjunto de objetos antes secundarizados no campo
das ciências sociais da religião. Em certo sentido, o acúmulo
das proposições sobre a dimensão material da religião, debate
ao qual a produção de Birgit Meyer está diretamente associa-
da, consolidou um tipo de inflexão que, nos termos de Ludwik
Fleck (2010), epistemólogo da ciência, instituiu não apenas um
modo de análise, mas, principalmente, reorganizou aquilo que
há para ser visto. Por outro lado, essas formulações também têm
efeitos para o próprio modo de definir o que seja religião, apre-
sentando-a como uma espécie de “mediador de ausência”, como
explicitaremos na parte final desta introdução.
Se colocarmos essa discussão em diálogo com o contexto
brasileiro, à primeira vista ela poderia parecer “fora do lugar”.
Afinal, trata-se de um “país católico” no qual - sendo o catoli-
cismo uma religião mais “amigável com coisas” - se está acos-
tumado a conviver com religiosidades materiais – no sentido
de práticas que fazem extenso uso de objetos, atribuem lugar
proeminente à corporalidade, promovem festas, abundam em
cores, odores e sabores, etc. Entretanto, se enfocamos não tanto
o contexto religioso em si, mas a forma como as ciências so-
ciais brasileiras o têm analisado, temos motivos para afirmar que
até o final dos anos 1990 houve pouco espaço para perspectivas
que privilegiassem a materialidade da vida religiosa e exploras-
sem esta abundância em seus próprios termos. Predominaram

24
abordagens que estavam voltadas a compreender a lógica, a lin-
guagem e a relação com o contexto social. Para ilustrar nosso
argumento, recorremos a um artigo de Alba Zaluar Guimarães,
publicado em 1973. Na sua justa crítica a enfoques voltados até
então ao tema do catolicismo popular, esse texto merece ser des-
tacado por prenunciar perspectivas que iriam predominar nas
duas décadas seguintes, perspectivas que não colocaram em pau-
ta uma abordagem material da religião. Não fazemos com isso
uma crítica a essas opções teóricas; apenas notamos como elas
devem ser parte das razões pelas quais uma abordagem como a
proposta por Meyer pode ser acolhida como algo relativamente
inovador no contexto intelectual brasileiro.
“Neste artigo pretendo discutir algumas teorias concernen-
tes ao catolicismo popular visto enquanto uma religião prática e
‘utilitária’” (Guimarães 1973, p. 173). A autora dialoga basica-
mente com os assim chamados “estudos de comunidade” e com
pesquisas sobre “movimentos messiânicos”, parte importante da
bibliografia de ciências sociais nos anos 1950 e 1960. Alguns
anos depois, “catolicismo popular” se tornaria uma categoria
fundamental nos empreendimentos analíticos voltados para
contextos não apenas rurais, mas também urbanos (Fernandes,
1990). Guimarães insurge-se contra a perspectiva que atrela o
catolicismo predominante no Brasil a uma lógica instrumental,
perspectiva que reduz a religião a uma espécie de ferramenta
para resolver problemas práticos e sanar males físicos. Existiria,
assim, uma dicotomia entre essa espécie de religiosidade típica
do catolicismo popular e uma religiosidade voltada à salvação e
ao debate de problemas existenciais. Curiosamente, Guimarães
atribui essa dicotomia a elaborações weberianas, ao menos na-
quilo que contribuem para sustentar uma divisão estrita entre
magia e religião. Como antídoto, a autora sugere que recorra-
mos a uma perspectiva durkheimiana; na verdade, como vere-
mos, um Durkheim retrabalhado pelas contribuições do estru-
turalismo francês e do processualismo britânico.

25
Partindo de uma crítica pertinente, o artigo, contudo, che-
gará a uma solução que negligencia os aspectos materiais das
práticas religiosas e que, portanto, desenvolve-se em uma dire-
ção muito distinta de uma abordagem material da religião no
sentido que Birgit Meyer a emprega. Guimarães encontra na
bibliografia que compila um conjunto de situações em meio às
quais isola o que chama de “código católico”, algo que envolve
sempre a agência divina – mobilizando as figuras que preen-
chem, oficialmente ou não, panteões católicos – na resolução de
questões humanas. Exemplos disso são as noções de promessa,
de milagre e de castigo. A autora busca mostrar que nessas situa-
ções está em jogo um sistema organizado de ideias que controla
o acaso e que mantém relações precisas com a estrutura social.
Assim, os ex-votos que resultam do reconhecimento de um mi-
lagre expressam uma noção de dívida entre santos e devotos que
seria homóloga à dependência entre trabalhadores e patrões que
marca o Brasil rural (p. 185). Não há espaço para que se per-
gunte sobre as formas materiais dos ex-votos, a biografia desses
objetos, seus modos de circulação e mediação, sua relação com
outros objetos e suas formas de uso, etc. Portanto, no mesmo
movimento, com a ajuda de Lévi-Strauss, Evans-Pritchard, Ed-
mund Leach e Mary Douglas, salvou-se a religião de explicações
utilitárias e virou-se as costas para a possibilidade de explorações
que valorizassem dimensões materiais.
Em nossa leitura, o texto de Guimarães, longe de ser idios-
sincrático, aponta para uma ênfase intelectualista que – vale re-
petir – predominaria nas duas décadas seguintes. Essa ênfase
intelectualista caracteriza-se pelo recurso à textualização das re-
alidades sociais e culturais, seja por meio do privilégio à lingua-
gem, seja por meio de noções como símbolos e representações.
Tais procedimentos nutrem-se da influência marcante tanto da
antropologia francesa e britânica na análise de rituais quanto
da antropologia estadunidense na sua crítica à razão prática e
sua insistência nas redes de significados. Some-se a isso a pre-
ocupação com o contexto social e teremos os traços da pers-

26
pectiva dominante, não apenas nos estudos sobre catolicismo
popular, mas também em muito ou boa parte do que se fez
acerca do pentecostalismo e de religiões afro-brasileiras. No
caso do pentecostalismo, podemos citar análises que recorrem
à noção de reciprocidade para entender relações entre fieis, pas-
tores e forças divinas (Mariano, 1996). No caso das religiões
afro-brasileiras, podemos lembrar estudos de cosmologia e de
conflito social (Birman, 1997).
A entrada no século XXI marcaria uma mudança de orien-
tação e de foco no estudo da religião, em sintonia com o que
alguns chamam de “virada material” na antropologia contempo-
rânea praticada em vários países. Atenção a objetos, focalização
da corporalidade e corporeidade, teorias da linguagem preocu-
padas com conexões motivadas entre significados e significantes,
metodologias com ênfase em dimensões materiais, críticas da
noção de representação – vários caminhos foram abertos para a
materialização das religiões como perspectiva analítica. Como
mostram publicações, projetos de pesquisa, discussões em even-
tos, no Brasil – e também na América Latina – passamos a
conviver com essa perspectiva, que encontra, sem dúvida, um
campo riquíssimo de realidades para estimulá-la. Entendemos
a tradução dos textos de Birgit Meyer apresentados nesta cole-
tânea como contribuição para a consolidação de uma tendência
que articula muitas linhas e para a continuidade de diálogos en-
tre pesquisadores e projetos radicados em lugares institucionais
distintos geográfica e epistemologicamente.
Neste ponto, é importante fazermos uma distinção entre
materialismo e perspectiva material. No campo de estudos que
proliferam em torno da virada material, há divergências que po-
dem ser esclarecidas com essa distinção, embora reconheçamos
que uma tensão percorra cada uma das posições. Essa tensão
pode ser percebida nas elaborações de um mesmo autor e o tra-
balho de Birgit Meyer não está alheio a isso. O que chamamos
de materialismo expressa-se na ideia – aqui colocada em termos

27
mais categóricos – de que toda e qualquer religião precisa ter
uma expressão material, mesmo que não reconheça isso. O pro-
blema dessa ideia está não em ser verdadeira ou errada, mas em
envolver um julgamento ontológico que pode entrar em confli-
to com aquilo que é afirmado nos discursos e práticas de uma
religião específica. Já sabemos como esse conflito será resolvido:
sempre a favor da perspectiva de análise.
Por sua vez, a proposta de uma abordagem material – ou
de materialização da religião – não depende de um julgamento
ontológico, pelo menos não no mesmo plano em que se situam
os discursos e práticas de uma religião. Esses discursos e práticas
podem ser sintetizados no conceito de ideologia semiótica (Ke-
ane, 2007), se quisermos usar a linguagem de um autor que é
assimilada por Birgit Meyer. O que caracteriza uma abordagem
material que não precisa ser materialista está em suas escolhas
metodológicas. Ou seja, quando temos que decidir por onde co-
meçar a estudar uma religião, busquemos seus objetos, dimensio-
nemos seus espaços, vislumbremos sua arquitetura, observemos
os corpos que nela se movimentam. Façamos uma descrição de-
talhada dessas dimensões – as práticas e usos que as envolvem –
e perceberemos que em pouco tempo seremos obrigados a tratar
de significados, representações, discursos, enfim, planos menos
materiais do que aqueles com os quais começamos. O conjunto
desses planos é que constituirá a ideologia semiótica de uma
religião específica com suas correspondentes formas sensoriais.
Em síntese, uma abordagem material da religião não preci-
sa entrar em conflito com concepções não materialistas da reali-
dade e certamente não se opõe a um enfoque atento à linguagem
e aos significados. Quem ler os textos deste volume constatará
facilmente o quanto neles ocorrem discussões que supõem a
validade da ideia de representação. Há quem defenda que há
uma oposição inconciliável entre a ênfase na materialidade e a
ideia de representação. Não é o caso de Birgit Meyer, se formos
além de uma leitura superficial. Suas discussões sobre formas de

28
presença que dependem de mediações que são necessariamente
materiais está atrelada com análises que tratam da relação entre
referentes e suas imagens. Nessa chave ganham sentido pergun-
tas sobre como se imagina o invisível, nesse caso as forças espi-
rituais disputadas pelos pentecostais (ver o capítulo 5), e sobre
como imagens ganham vida por meio de certas tecnologias, a
exemplo dos filmes que circulam entre os mesmos pentecostais
(ver o capítulo 3). Assim, como representar Cristo (por meio de
imagens específicas) e como fazê-lo presente (moblizando senti-
dos e corpos) são questões muito próximas.
Outro aspecto importante das ponderações sobre a obra
de Birgit Meyer refere-se aos seus vínculos com a fenomeno-
logia. Ao declarar-se uma espécie de nova fenomenóloga (ver
entrevista), Meyer poderia facilmente ser associada à tradição
da chamada fenomenologia da religião. Nesse caso, seria pos-
sível cruzar sua produção com a de autores expoentes da área,
tais como Rudolf Otto e Mircea Eliade. Ou então, reconsti-
tuir suas conexões teóricas com autores menos difundidos no
Brasil, mas diretamente vinculados a esse tipo de abordagem,
tais como os holandeses Pierre Daniel Chantepie de la Saussaye,
que propriamente cunhou o termo “fenomenologia da religião”,
em seu livro Manual de História das Religiões (1887), ou ainda
Gerardus van der Leeuw, herdeiro de Husserl e talvez o princi-
pal responsável pela difusão inicial da perspectiva com sua obra
Fenomenologia da Religião (1933). Contudo, embora seja possí-
vel estabelecer conexões com essa linhagem, a reivindicação que
Meyer faz quanto à fenomenologia está menos associada a esse
conjunto de autores e mais vinculada ao que poderíamos cha-
mar de antropologia fenomenológica. Isso é, a fenomenologia
que importa é aquela mediada pela antropologia e, nesse caso,
mais esclarecedor do que remeter à fenomenologia da religião é
insistir nas consequências analíticas que a atenção à experiência,
à condição de ser-no-mundo e ao corpo podem trazer para o
interior da própria análise antropológica.

29
É isso o que parece estar em jogo, por exemplo, no concei-
to de “formações estéticas”. A referência é oportuna porque ela
nos permite tomar alguns atalhos na apresentação da proposta
teórica e analítica de Meyer, sintetizando alguns de seus pressu-
postos. Apesar de longo, vale citar um trecho do primeiro ca-
pítulo deste volume, intitulado: “De comunidades imaginadas
a formações estéticas: mediações religiosas, formas sensoriais e
estilos de vínculo”:
Meu entendimento de estética não está restrito ao atual sentido
comum que foi atribuído no fim do século XVIII (em grande
parte graças a Immanuel Kant), quando se tornou limitada à be-
leza na esfera das artes e a seu observador desinteressado. Alter-
nativamente, sugiro retornarmos às suas raízes em Aristóteles e
sua noção mais antiga e abrangente de aisthesis, que designa nos-
sa capacidade corpórea baseada em uma força da nossa psique
para perceber objetos no mundo através de nossos cinco modos
sensoriais (...), e ao mesmo tempo uma constelação específica
de sensações em seu conjunto. Entendida dessa forma, aisthesis
refere-se a nossa experiência sensorial total do mundo e nosso
conhecimento sensível dele. Essa consideração em favor de uma
concepção mais abrangente e que inclua a experiência corporal da
estética como derivada de aisthesis só agora começa a se difundir
entre estudiosos, permitindo, assim, dar conta do poder afetivo
das imagens, dos sons e dos textos sobre as pessoas que os usam.
Especialmente no estudo sobre a relação entre religião e mídia,
e mais amplamente no campo da cultura visual, estudiosos têm
procurado ir além de uma perspectiva representacional que privi-
legia o simbólico sobre outros modos de experiência e que tende
a negligenciar os efeitos de realidade das formas culturais. A pro-
posição (…) sinaliza um deslocamento do estudo das imagina-
ções com base em representações para abordagens mais viscerais
e materiais sobre as formas culturais em processos de vinculação.

Esse trecho aponta para dois aspectos chave. O primeiro


refere-se ao entendimento já brevemente mencionado ao apre-
sentarmos a ideia de “estéticas da persuasão”, de que a noção de

30
estética nos textos de Meyer não pode ser reduzida ao debate so-
bre o belo e tampouco está dirigida ao campo das artes. Aqui, es-
tética remete a um tipo de relação ou, arriscaríamos sintetizar, a
um engajamento visceral do corpo, por meio dos sentidos, com
o mundo. A formação estética diz respeito exatamente a essa dis-
posição, amplamente variada, mas não aleatória, na experiência
do mundo. O segundo aspecto chave do trecho citado está no
entendimento de que é o compartilhamento de formas específi-
cas de engajamento visceral no mundo o que constitui um gru-
po ou comunidade. Trata-se, com isso, de postular que a cone-
xão entre os sujeitos dá-se via experiência ou ainda, pela aisthesis.
Formulada nesses termos, a noção de formação estética é
valiosa por tudo aquilo que pode aportar sobre os modos de
engajamento no mundo, isso é, o compartilhamento de disposi-
ções coporeificadas que instituem comunidades estéticas. Con-
tudo, há uma outra dimensão desse mesmo princípio que não se
refere ao engajamento, mas sim às formas de engajar. Nesse caso,
o que está em jogo é menos a descrição da comunidade que se
forma a partir da aisthesis e mais as “formas sensoriais” que são
capazes de mobilizar “comunidade estéticas”. Trata-se de um
jogo complexo a partir do qual esse par de conceitos — forma-
ções estéticas e formas sensoriais — permite tratar tanto das dis-
posições corporeificadas do ser-no-mundo (formação estética)
como também da produção de “formas sensoriais” capazes de
mobilizar certas “comunidades”. É nesse sentido que há múl-
tiplas formações estéticas, assim como variadas formas senso-
riais que a elas apelam. Sem um apelo mecanicista de oposição,
as formas sensoriais produzem formações estéticas estando, ao
mesmo tempo, a elas sujeitas.
É também neste referido texto que temos uma das primeiras
formulações dessa perspectiva que torna a estética uma dimen-
são central no estudo da religião e da ideia de que toda religião
envolve práticas de mediação que se aproximam das tecnologias
de comunicação. Ambas, a perspectiva e a ideia, estão atreladas

31
à problematização da noção de comunidade, em detrimento da
qual Meyer prefere o conceito de formação (ver capítulo 1). Por
conta de tal construção textual, ocorre assim um atrelamento
entre a discussão sobre comunidade e as dimensões da estética
e da mídia. O resultado é que Meyer aplica suas elaborações
tendo como referência basicamente comunidades religiosas, que
ela aborda como formações com sensibilidades, cosmologias e
modos de vínculo específicos. Ainda que no âmbito do projeto
“Dinâmicas do Patrimônio”, como vimos, a noção de forma-
ções estéticas seja expandida para outros tipos de comunidade
- étnica ou nacional, principalmente - a perspectiva da autora
permanece atrelada sobretudo aos contextos religiosos. Há uma
marca durkheimiana nesse texto, no sentido de que ele mantém
a preocupação de refletir sobre as condições de coesão de deter-
minado grupo social.
Partindo disso, é importante para nós destacarmos que
análises que incorporam dimensões estéticas e midiáticas no
sentido elaborado por Meyer não precisam ser aplicadas para
caracterizar apenas um grupo religioso e suas formas de coesão.
Elas também podem ser aplicadas para acompanhar controvér-
sias nas quais estão envolvidos distintos grupos. Os próprios tra-
balhos de Meyer, quando tratam das relações entre evangélicos
e religiosidade nativas em Gana são um exemplo disso (ver ca-
pítulos 3 e 5). Não é possível entender o uso e as concepções de
imagem empregados pelos pentecostais sem atentar para como
os mesmos pontos são desenvolvidos pelas religiosidades nati-
vas. Seu projeto mais recente pretende abranger também os mu-
çulmanos como outro termo dessas relações, colocando o foco,
como já mencionamos, no tema da diversidade religiosa. Ou
ainda, alguns dos trabalhos vinculados ao projeto “Dinâmicas
do Patrimônio”, tais como as teses de Markus Balkenhol e Du-
ane Jethro, tratam precisamente de grandes controvérsias públi-
cas em torno das narrativas em disputa na produção material do
passado em formas sensoriais.

32
Na verdade, é ainda possível aplicar uma abordagem sobre
estética e sobre mediação a situações que envolvem a presença
de grupos religiosos em contextos seculares, ou que envolvem
agentes cujo estatuto como religioso ou secular é ele mesmo
parte de uma controvérsia. Podemos citar o trabalho de Daan
Beekers, um dos colaboradores no projeto atual de Meyer, que
se dedica a acompanhar o que ocorre com templos religiosos
que passam a ser utilizados para outras funções, algo comum
em vários países do norte da Europa. Tratam-se de situações que
mobilizam atores de distintas naturezas em torno da destinação
secular de edifícios religiosos. É curioso que às vezes são motivos
seculares – relacionados a noções de patrimônio – que garantem
a permanência de edifícios religiosos, mesmo quando desempe-
nham outras funções. Qual o papel que distintas formas senso-
riais e práticas de mediação desempenham nessas negociações?
Outro trabalho que permitiria discutir essa mesma questão
é o de Weiner (2014). Seu livro enfoca distintas configurações
históricas nos Estados Unidos nas quais grupos religiosos se tor-
naram controversos em função dos sons que os caracterizam.
No final do século XIX, o badalar dos sinos de templos cristãos
começou a ser questionado, o que também ocorreu algumas dé-
cadas depois com grupos dissidentes – como os Testemunhas
de Jeová – em suas pregações urbanas que adotavam equipa-
mentos de amplificação sonora. O caso mais recente abordado
pelo pesquisador norte-americano envolve o adhan, o chama-
do para a prece que faz parte dos rituais islâmicos, tema aliás
do trabalho de outro colaborador nos projetos mais recentes
de Meyer (Tamimi Arab, 2017). Weiner utiliza o conceito de
formas sensoriais, aderindo a uma abordagem que se aproxi-
ma da religião como práticas corporeificadas e engajamentos
materiais que mobilizam os sentidos. Mas seu objetivo não é
mostrar apenas como essas formas sensoriais caracterizam de-
terminados grupos religiosos, mas explorar os conflitos e resul-
tantes do encontro de diferentes sensibilidades sonoras. Essas
diferentes sensibilidades correspondem a distintas concepções

33
do que seja religião (na sua relação com os sentidos) e de seu
lugar (legítimo) no espaço público.
Birgit Meyer tem ela mesma demonstrado interesse em
discutir controvérsias que fazem pensar sobre as relações entre
religião e arte. Isso de certa maneira desenvolve um tema que já
constava do primeiro capítulo deste livro, o do entretenimento.
Colocadas em termos das categorias “arte” e “religião”, as rela-
ções entre elas atuam em diversos planos e em todos eles é pos-
sível perceber a importância de uma abordagem orientada por
noções de estética e de mídia. Que sensibilidades, imagéticas e
culturas visuais estão em jogo quando a acusação de blasfêmia é
levantada contra uma obra de arte? Que processos ocorrem, em
termos de formas sensoriais, quando um objeto religioso é reco-
nhecido em seu valor artístico? Quais as diferenças e semelhan-
ças entre os edifícios que abrigam atividades religiosas, conside-
rados em sua diversidade, e os edifícios que abrigam obras de
arte, algumas das quais podem ser performances ou instalações?
Enfim, como repensar as próprias definições e limites entre arte
e religião se partimos de uma abordagem material?
A partir da compreensão da estética como aesthesis, torna-
-se mais explícita a razão da atenção que Meyer dedica ao mun-
do material. Privilegiar essa dimensão em contextos específicos,
tal como uma comunidade religiosa, é um passo importante
para compreender não a natureza dos materiais em si, mas sim
os elementos constituintes da formação estética daqueles que
dele participam. Ao longo deste livro, Birgit Meyer desenvol-
ve as consequências dessa perspectiva teórica e sistematiza as-
pectos metodológicos necessários para sua aplicação. Aposta-
mos que essa perspectiva e essa metodologia constituem uma
contribuição relevante para debates que percorrem não ape-
nas as ciências sociais da religião, mas também os estudos que
enfocam a relação da religião com outras esferas sociais. Tais
desdobramentos podem ter um impacto positivo sobre as pes-
quisas que se fazem no Brasil e sobre o Brasil, potencializan-

34
do redes e diálogos intelectuais que tomam por referência uma
abordagem material da religião.
Desses desdobramentos, assinalamos brevemente um de-
les, que parece emblemático dos deslocamentos que esse tipo
de análise pode produzir. Como mencionamos anteriormente,
o atual programa de pesquisa de Meyer, “Religious Matters”,
privilegiará, em uma de suas fases, a análise de textos. Consi-
derando o tipo de perspectiva elaborada torna-se inescapável
perguntar: afinal, como elaborar uma análise fenomenológica
de textos? Deixaremos aos próprios leitores a descoberta dos
caminhos para tanto, mas desde já enfatizamos que esse inves-
timento está baseado na possibilidade de pensar o texto como
imagem e, com isso, Meyer nos permite reconhecer, primeiro,
a herança da tradição protestante nos modelos hermenêutico
e exegético de análise textual dominantes nas ciências sociais,
como já mencionamos no início desta seção e, segundo, a am-
plitude de um novo horizonte empírico que se abre ao investir-
mos noutras formas de abordá-lo.
A ênfase fenomenológica das análises de Meyer também
pode atrair críticas que têm sido usuais a autores que realizam
movimentos semelhantes, dentre as quais se destaca a acusação
de que tal perspectiva eclipsaria as tensões políticas que orde-
nam as relações sociais. Embora essas ponderações possam ser
pertinentes em alguns casos, em outros, sua formulação é pre-
cária e não resiste a uma leitura mais cuidadosa das proposições
em questão. Como vimos na seção anterior, na breve compa-
ração entre as situações de pesquisa em Gana e no Brasil, as
indagações de Meyer não ignoram os contextos políticos e eco-
nômicos que atravessam os diversos fenômenos e realidades reli-
giosos sobre os quais ela se debruça. Neste livro, Meyer tematiza
o tópico explicitamente. De modo que o capítulo 6, “Como
capturar o Uau”, poderia, inclusive, ser descrito como um es-
forço para formular um modelo de análise, em diálogo com Ro-
bert Marett, que permite tratar das emoções e do uso contínuo

35
de técnicas corporais em uma comunidade religiosa, sem cair
no abismo de uma descrição “despolitizada” e limitada à análise
de práticas individuais.

Condições de validade do conceito de religião

Concluímos esta introdução com algumas considerações


acerca do modo como Birgit Meyer se posiciona nos debates
sobre uma eventual obsolescência da religião como um concei-
to. Conforme vimos anteriormente, e conforme a autora su-
gere no capítulo 6 e na entrevista que encerra este volume, a
opção por uma abordagem vinculada à fenomenologia, ou ao
menos a uma antropologia de base fenomenológica, pode pro-
duzir certos desconfortos dentro do campo dos religious studies,
pois para estes a fenomenologia estaria ligada de alguma forma
a uma “teoria religiosa da religião”. Esta diferença de atitude
diante da fenomenologia levanta o tema do tensionamento en-
tre a postura externa e distanciada da pessoa que pesquisa um
determinado grupo ou fenômeno religioso, e as afirmações (e
experiências) dos seus adeptos sobre a presença imediata (ou
seja, não mediada) daquilo que é o extra-ordinário na religião
(ou transcendente, numinoso, inefável etc). A posição de Meyer
acerca desse tema, coerente com seu duplo vínculo disciplinar,
levanta algumas reflexões.
Na conclusão de “Mediation and Immediacy” (publica-
do em português pela revista Campos - Meyer, 2015), a auto-
ra utiliza-se de uma pequena anedota para introduzir de forma
bastante sintética sua atitude diante dessa tensão. Ela conta que
compartilhou com uma turma de estudantes de mestrado em
antropologia um texto seu ainda em elaboração, com o objetivo
de ouvir opiniões e contribuições. Na ocasião, um aluno ganês
de origem pentecostal manifestou sua discordância em relação a
uma frase na qual ela ponderava que sua abordagem dos proces-
sos de mediação na religião não afirmava que as mídias criavam,

36
para não dizer falseavam, a ação do Espírito Santo, mas sim
pretendia demonstrar como mídia e comunicação religiosa estão
inseparavelmente entrelaçadas. O estudante comentou que, aos
seus olhos, ela parecia, sim, afirmar que as mídias criavam a ação
do Espírito e sugeriu que ela fizesse mudanças. Ao narrar esta
anedota, a autora afirma:
Chegamos aqui a um paradoxo intrigante: embora durante todo
este artigo eu tenha ressaltado a importância de identificar de
dentro formas sensoriais específicas e ideologias semióticas que
sustentam a mediação e estabelecem imediatismo [imediatez],
minha análise ainda requer um ponto de vista que seja externo
às próprias formas sensoriais e ideologias semióticas que identifi-
quei como centrais a mídias que produzem engajamento. Isto faz
com que surjam questões sobre nossas próprias ideologias semi-
óticas que sustentam nosso pensamento sobre mídia enquanto
acadêmicos. (p. 159)

Esta afirmação sintetiza a posição da analista como alguém


em busca dos elementos internos que possibilitam a produção
da presença imediata do extra-ordinário, porém ancorada numa
perspectiva teórica acadêmica externa a esta produção. Em pri-
meiro lugar, este posicionamento reconhece que há um parado-
xo inerente a qualquer abordagem propriamente antropológica
da religião. Neste sentido, Meyer sugere (como se pode perceber
no último capítulo deste volume) que, mais produtivo do que
se firmar em qualquer um dos lados desta posição paradoxal,
seja da observadora externa que “desconstrói” o processo de
produção do extra-ordinário na religião, seja a do crente que
desautoriza qualquer explicação que não seja formulada em seus
próprios termos, é tirar proveito da instabilidade e desconforto
desta posição para produzir diálogos, ainda que tênues, entre
atitudes epistêmicas distintas. Em segundo lugar, decorre destes
diálogos a necessidade de que as teorias acadêmicas sobre a reli-
gião sejam constantemente submetidas a uma espécie de auto-

37
crítica que, nos termos da autora, busquem identificar “vestígios
de ideologias semióticas devedoras do Protestantismo moderno”
(p. 159). Promover esta autocrítica seria, segundo a autora, uma
das contribuições que a antropologia pode dar ao desenvolvi-
mento de teorias sobre a religião.
Assim, quando Meyer evoca o “transcendente” para concei-
tuar religião (ver os capítulos 1, 2 e 4), ela arrisca-se a subscrever
seja uma tradição intelectual protestante, seja um entendimento
comum entre pessoas que se reconhecem como religiosas. Ao
mesmo tempo, sua dinâmica analítica busca produzir um afas-
tamento em relação a essas duas possibilidades. Podemos ilustrar
essa tensão com outra formulação proposta pela autora. Segundo
ela, a religião é um conjunto de práticas cujo efeito consiste em
visibilizar o invisível (ver o capítulo 5). “Invisível” poderia sim-
plesmente corresponder ao sagrado conforme uma sensibilidade
protestante ou a um sinônimo corriqueiro de “transcendente”.
Mas Meyer, em suas análises, não se restringe a isso. Para ela,
afirmar que a religião visibiliza o invisível somente se sustenta
com a condição de que se problematize as definições de visível e
invisível. Problematizar significa submeter tais definições a uma
reelaboração que depende do estudo de situações específicas.
Meyer demonstra (ver o capítulo 3) como, em Gana, os filmes
que circulam entre os pentecostais são cruciais para que compre-
endamos certo regime de visibilidade. Nesse regime, os filmes,
longe de serem apenas ficções, têm o poder de revelar o que é
“real espiritualmente”. Portanto, não há como entender religião
sem dar conta das tecnologias que, dentro de regimes específi-
cos, produzem relações e partições entre o visível e o invisível.
Este chamado à reflexividade e ao reconhecimento dos
“vestígios” religiosos na teoria evoca, finalmente, as críticas con-
tundentes que a antropologia tem colocado à própria ideia de
religião como uma categoria analítica. Como a autora reconhece
na entrevista no final deste volume, sua abordagem é bastan-
te influenciada por autores como Talal Asad e Saba Mahmood,

38
que tematizam as raízes cristãs, sobretudo protestantes, da reli-
gião como categoria de análise nas ciências sociais, bem como
seus vínculos com o liberalismo ocidental. Como vimos em di-
ferentes momentos desde o início desta seção, Meyer alinha-se
(pelo menos parcialmente) a esta crítica e a transpõe para o do-
mínio da estética e da forma, utilizando-se da noção de ideolo-
gia semiótica, de Keane, para esta transposição. Esta operação a
coloca em uma direção diferente, ainda que não oposta, daquela
tomada pelas análises de Asad, que se interessa muito mais em
explorar os processos de produção da distinção entre o religioso
e o secular em diferentes contextos modernos e que subordina
o estudo do religioso a uma exploração de formas de subjetiva-
ção e de práticas sociais (Giumbelli, 2011). Este interesse pelos
mecanismos de circunscrição do religioso, em algumas leituras
mais extremas, acaba por descredenciar o termo “religião” como
conceito analítico e confiná-lo sempre à qualidade de catego-
ria “nativa”. Já em Meyer, cujo foco está nos modos de media-
ção, articulação e materialização da religião na esfera pública,
o conceito preserva seu rendimento, já que ele permite reunir
um conjunto de práticas de mediação e produção de imediatez,
sem que haja a necessidade de utilizá-lo como algum tipo de
definição universal. A condição para seu uso, porém, é a cons-
tante reflexividade e uma certa vigilância para que as pretensões
universalizantes atreladas a suas origens históricas, sociais e in-
telectuais não acabem por projetar sobre as realidades estudadas
as ideologias semióticas da analista.
Nesse sentido, torna-se evidente a dívida em relação à
abordagem de Asad, mas também uma diferença, uma vez que
Asad inclina-se na direção de um abandono da categoria reli-
gião como conceito antropológico, pelas razões acima expostas.
A ideia de abandono também pode se aplicar a um outro movi-
mento, quando pessoas estudadas pelas ciências sociais preferem
se referir a “religiosidade” e “espiritualidade” em contraponto
explícito à noção de “religião” (Steil e Toniol, 2013). A aborda-
gem de Meyer não chega à mesma solução de Asad e nem tem

39
como definitiva essa recusa por parte dos “nativos”. Insiste na
possibilidade de conceituar, pois seu conceito de religião exi-
ge um procedimento analítico que tanto está aberto à reflexão,
quanto pretende dar conta das categorias que mantêm relação
com “religião” (mesmo quando se trata de negá-la). Parece-nos
que essa é uma maneira adequada de acompanhar como Meyer
responde a certas críticas à própria operação de conceituar reli-
gião e, ao mesmo tempo, como convém a uma pesquisadora dos
religious studies, dá continuidade aos provavelmente interminá-
veis debates sobre como defini-la. Parafraseando a expressão já
célebre de Dipesh Chakrabarty para as ciências sociais, talvez
possamos dizer que, na posição assumida por Meyer, a religião é
um conceito ao mesmo tempo inadequado e indispensável para
a compreensão de um mundo cada vez mais enredado.
Este livro é resultado de um longo e intenso processo de
diálogo entre seus organizadores e com Birgit Meyer. Esse di-
álogo afetou as decisões que precisamos tomar em relação ao
modo de traduzir os termos que são centrais em sua abordagem.
Obrigou-nos ainda a dimensionar a validade de suas contribui-
ções no contexto brasileiro, considerando tanto as características
das relações entre religiões e sociedade, quanto as tendências dis-
poníveis no campo das perspectivas analíticas. Mais do que uma
suposta originalidade, sempre discutível, o trabalho de Birgit
Meyer impacta pela síntese com que se apresenta e pela abertura
de suas articulações. A publicação deste livro baseia-se na aposta
de que a divulgação dos seus textos em português ampliará o
acesso às elaborações de Meyer, mas — e talvez principalmente
— o que está em jogo é um convite para a produção de novas
análises e reflexões que explorem como as coisas importam.

40
Referências

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42
De comunidades imaginadas a formações
estéticas: mediações religiosas, formas
sensoriais e estilos de vínculo12

Durante a última década, uma série de estudos examinan-


do a relação entre religião e mídia surgiu na interface entre an-
tropologia, sociologia, media studies, religious studies, filosofia e
artes. Superando a visão que relaciona religião e mídia na forma
de um intrigante antagonismo, no qual duas esferas ontologi-
camente distintas – o espiritual e o tecnológico – se embatem,
desenvolvem-se agora novas abordagens em que mídias são con-
sideradas como intrínsecas à religião. Ao invés de interpretar o
uso – por vezes espetacular – de novas mídias por grupos reli-
giosos como uma enorme ruptura, formula-se perguntas sobre
como uma nova mídia interage com mídias anteriores que há
mais tempo caracterizam uma prática religiosa. Esse entendi-
mento desloca nossa investigação para além da limitada área das
oposições binárias, na qual a religião, em seu presumido desapa-
recimento, participa como o Outro da modernidade e da tecno-
logia. A mudança em direção a um novo ponto de vista pós-secu-
larista para explorar a rearticulação da religião em configurações
contemporâneas específicas (Asad, 2003; Taylor, 2007) se revela
muito mais produtiva do que os debates, a partir do paradigma
da secularização, sobre o declínio da religião ou sobre sua sub-

1
Nota dos editores. Este texto foi publicado originalmente em 2009 como intro-
dução do volume Aesthetic Formations: media , religion and the senses, pela Editora
Palgrave MacMillan. Tradução de Joana da Silveira de Souza, Liz de Bortoli Groth
Athia e Raphaela Machado Monteiro, sob a supervisão e a revisão de tradução da
Prof.ª Dr.ª Elizamari Rodrigues Becker (UFRGS).
2
Gostaria de expressar meu profundo agradecimento a Mattijs van de Port, Jeremy
Stolow e Jojada Verrips, pelos seus questionamentos críticos, comentários estimu-
lantes e sugestões construtivas nas versões iniciais deste texto, e também a Harriet
Impey, por seu trabalho perspicaz de edição.
tração da esfera pública. Isso nos permite lançar um olhar mais
arejado para o acentuado apelo e a presença pública das diversas
formas de expressão religiosa contemporânea (De Vries, 2008a).
A rearticulação da religião implica necessariamente algum
tipo de transformação, a qual acarreta mudanças na sua posição
em relação ao Estado e ao mercado, assim como no formato da
mensagem religiosa, nas estruturas de autoridade e nos modos
e disposições de vínculo e pertencimento. Em outras palavras,
uma das razões pelas quais a religião segue sendo uma força vital
e atrativa reside justamente em sua propensão à transformação
por meio da incorporação de novas mídias e por meio de novas
formas de mobilização e conexão das pessoas. É claro que essa
transformação não se sustenta sozinha, mas ocorre em meio a
processos mais amplos, como a muito discutida reconfiguração
dos Estados-nações pós-coloniais em seu esforço para vincu-
lar cidadãos na “comunidade imaginada” da nação (Anderson,
1991), a concomitante emergência de comunidades religiosas,
étnicas e de vida alternativas (Appadurai, 1996; Castells, 1996-
1998; Ginsburg; Abu-Lughod; Larkin, 2002), e o capitalismo
neoliberal em sua difusão global (Comaroff; Comaroff, 2000;
Ferguson, 2006). Esses processos causam e confrontam-se com
um sentimento difundido de agitação e fragmentação (bem cap-
turado pelo termo alemão Zerstreuung, Benjamin, 1978[1936]),
o qual implica na dissolução das certezas perenes da existência,
abrindo espaço para experiências de perda de convicções e segu-
rança, bem como para novas oportunidades (Bauman, 2001) e
para uma insistente busca por verdades e autenticidade (Hout-
man, 2008; Lindholm, 2008; Taylor, 1989; van de Port, 2004).
O propósito deste texto é mapear o espaço intelectual que
abriga as contribuições de um programa de pesquisa colaborati-
va sobre mídia, religião e formação de comunidades.3 Emprego

3
N.E.: O projeto intitulava-se “Meios de massa modernos, religião e a imaginação
de comunidades: trajetórias pós-coloniais na África Ocidental, Sul Asiático, Brasil
e Caribe" e esteve sediado na Amsterdam School for Social Science Research da

44
a noção de espaço intelectual para enfatizar o fato de que esse
programa de pesquisa não teve a intenção de desenvolver uma
teoria e uma metodologia abrangentes. Nosso interesse residiu
em construir uma nova definição conceitual a partir da qual se
possa interrogar noções teóricas relevantes para a relação reli-
gião-mídia-comunidade à luz de resultados de pesquisa, e vice-
-versa. Enquanto os capítulos compilados em Meyer (2009a),
introduzidos por este texto, abordam aspectos distintos, embora
intimamente relacionados, do papel da mídia e da religião na
produção das comunidades na atualidade, discorrerei aqui sobre
as ideias centrais que caracterizam a abordagem que desenvolvi
ao coordenar esse programa de pesquisa. Ao discutir as poten-
cialidades e limitações da noção de “comunidade imaginada” de
Anderson (Seção I), introduzindo o termo alternativo “forma-
ção estética” (Seção II) e conclamando por um entendimento da
religião como uma prática de mediação em torno de distintas
“formas sensoriais” (Seção III), saliento a importância de se ter
em conta o papel dos corpos, sentidos, mídias e coisas na pro-
dução de sujeitos e comunidades religiosas (ver também Meyer,
2008a). Embora tanto a religião quanto a mídia venham sendo
há algum tempo alocadas na esfera da imaginação e da virtua-
lidade, defendo uma abordagem alternativa que leva a sério sua
dimensão material, de modo a apreender como a religião e a
mídia se concretizam e geram formas e formações tangíveis na
vida social. Por ser mediada pelas mídias modernas - que ofere-
cem possibilidades sem precedentes para estender e articular a
religião no domínio público -, modos religiosos de vínculo e de
produção de comunidades são transformadores, e isso implica
novas oportunidades, paradoxos e tensões (Seção IV).

Universidade de Amsterdam. Foi financiado pela Fundação Holandesa para a Pes-


quisa Científica (NWO) e pela Universidade de Amsterdam. Na introdução deste
volume fornecemos algumas informações mais detalhadas sobre ele.

45
Comunidades imaginadas: potencialidades e limitações

A pergunta “Quais são os laços que unem os homens uns


aos outros?”, de Émile Durkheim, não perdeu sua atualidade
desde que foi formulada há mais de 110 anos (1984[1893]).
Enquanto que os modos pelos quais as comunidades são forma-
das estão sujeitos a mudanças, a demanda mesma por elas é algo
evidente no mundo contemporâneo. O próprio termo, como
Zygmunt Bauman observa, já “nos agrada: o que quer que a
palavra ‘comunidade’ possa significar, é bom ‘ter uma comuni-
dade’” (2001, p. 1). Embora seja discutível se etimologicamente
religião refere-se a religare (religar), é evidente que a busca por
– e o questionamento sobre – comunidade ocorre ainda mais
acentuadamente no campo da religião. De fato, para Durkheim,
a coesão social dependia de representações coletivas comparti-
lhadas acerca de um “sagrado” e de seu culto ritual comunal.
Buscando compreender a produção de comunidades (reli-
giosas) no quadro do programa de pesquisa antes mencionado,
foi impossível negligenciar a proposição pioneira de Benedict
Anderson, que consiste em ver a nação como uma comunidade
imaginada, existindo nas mentes de seus membros e convocada
a se constituir através de um novo público leitor criado pela
ascensão do “capitalismo da (im)prensa”. Como muitos pesqui-
sadores perceberam, um dos atrativos dessa proposta reside no
fato de que ela se afasta de entendimentos anteriores das comu-
nidades como algo dependente da comunicação imediata, em
contraste com o princípio moderno da formação social – Gesell-
schaft – e fadadas ao desaparecimento por conta de uma crescen-
te individualização. Na perspectiva de Anderson, comunidades
erigem-se em torno de imaginações mediadas que são capazes de
substituir a distância (espacial) entre seus membros por um sen-
timento de unidade (ver também Cohen, 1985).4 Essa concep-

4
Neste livro inovador, Cohen pontua que o recurso à ficção e ao simbolismo ocor-
re quando as fronteiras geográficas e naturais se tornam incertas. A percepção de

46
ção de comunidades como algo não dado, mas imaginado e, por
conseguinte, mediado, foi uma grande fonte de inspiração para
o programa de pesquisas que coordenei (ver Meyer, 2009a). Ela
sugere que um foco na mídia e nos novos públicos – sejam eles
de leitores, ouvintes, espectadores, ou outros tipos de audiên-
cias – por ela gerados é um ponto de partida adequado para
o estudo da produção de comunidade, como também sugere
Michael Warner (2002; ver também Hofmeyr, 2006; Sumiala,
2008). Com base nesse entendimento, uma comunidade não
é uma entidade preexistente que se expressa por um conjunto
fixo de símbolos, mas uma formação que passa a existir atra-
vés da circulação e do uso de formas culturais compartilhadas e
que nunca está consumada (Latour, 2005; ver também Abreu,
2009a e Guadeloupe, 2009).
Enquanto Anderson estava interessado nas implicações da
passagem de comunidades religiosas imaginadas pré-modernas
de larga escala para o nacionalismo e o Estado-nação emergen-
tes como o módulo central da era moderna, eu aqui exploro o
surgimento e a importância de comunidades religiosas midiati-
zadas em um momento histórico em que o Estado-nação encon-
tra-se um tanto desmontado (em parte porque está enfrentando
o crescimento de comunidades religiosas que desafiam a capa-
cidade do Estado secular de manter a primazia da nação sobre
identidades religiosas). Apesar dos estudos em Meyer (2009a) se
situarem em outro momento histórico, a análise de Anderson
sobre o surgimento do Estado-nação moderno no momento de
declínio das comunidades religiosas de larga escala articuladas
por uma linguagem sagrada é um ponto de partida produtivo

uma ameaça de erosão do local, seja via a força estatal homogeneizante, seja pela
desterritorialização associada à globalização, significa que a comunidade se torna,
cada vez mais, uma ficção que existe primariamente na mente das pessoas. Nesse
ponto de vista, uma formação social se qualifica como comunidade se há uma forte
ligação emocional com um conjunto de formas e imagens compartilhadas que não
necessariamente derivam de fronteiras espaciais “naturais”.

47
para uma reflexão mais aprofundada sobre as potencialidades e
limitações da noção de comunidade imaginada moderna.
Como se sabe, Anderson atribuiu a possibilidade de ima-
ginar uma nação primeiramente à “interação fortuita, mas ex-
plosiva, entre um sistema de produção e relações produtivas
(capitalismo), uma tecnologia de comunicação (imprensa) e a
fatalidade da diversidade humana” (1991, p. 42). Essa interação
produziu um modo inteiramente novo de experienciar o mundo
e de imaginar a comunidade. A diferença decisiva entre a ima-
ginação da comunidade em tempos pré-modernos e modernos
pode ser apreendida na observação da situação transformada da
linguagem. No passado, as línguas sagradas como o latim, o ára-
be, o grego e o chinês eram “os meios de comunicação através das
quais as grandes comunidades globais do passado eram imagi-
nadas.” Todas as coisas enunciadas nessas línguas sagradas “eram
emanações da realidade, e não representações aleatoriamente fa-
bricadas”. À medida que a realidade ontológica era apreensível
somente através da “linguagem-verdadeira do latim da Igreja, do
árabe do Alcorão ou do chinês dos Exames Imperiais” (p.14),
as imaginações de comunidades que eram veiculadas por meio
dessas línguas podiam ser experienciadas como verdadeiras.
Diferentemente, as modernas comunidades imaginadas
são formadas com base no entendimento moderno de lingua-
gem, que se fundamenta na ideia da arbitrariedade do signo (p.
43). A partir dessa perspectiva, a língua é um código referen-
cial separado daquilo que representa, um código desprovido
da precedente ontologia de verdade indissociavelmente ligada
à legitimidade do divino e do poder terreno por ele conferi-
do. Anderson enfatiza que o capitalismo de (im)prensa na Eu-
ropa fundou uma nova consciência nacional moderna ao criar
novas esferas de comunicação (acima de muitas línguas verná-
culas e abaixo do latim) que permitiram o estabelecimento de
línguas mais ou menos fixas associadas aos novos centros na-
cionais de poder. Ele argumentou que esse processo foi facili-

48
tado “justamente pela arbitrariedade de qualquer sistema de
correspondência entre signos e sons” (p. 43).
É nesse ponto que introduzimos nossas críticas. Se a língua
na qual as comunidades imaginadas modernas se expressam é
basicamente arbitrária, surge a pergunta sobre a forma como
essas comunidades enfrentam o imperativo de sustentar o que,
em tese, são “representações aleatoriamente fabricadas” (que
já não estão abrigadas em uma “linguagem-verdadeira”) como
verdadeiras – e não apenas imaginadas – por seus membros.5
Em outras palavras, como são revestidos de um sentido de ver-
dade e realidade os idiomas dos quais as comunidades imagi-
nadas modernas dependem? Um foco teórico que permanece
limitado à “imaginação” parece ser insuficiente para nos ajudar
a responder essa pergunta, pois tal foco exige um exercício te-
órico de (des)construção imaginativa através da revelação dos
mecanismos de sua construção. Embora a utilidade das abor-
dagens construtivistas seja incontestável, certamente quando
se trata do desmascaramento das asserções de poder que esta-
belecem verdades essenciais, devemos dar um passo adiante a
fim de entender como a imaginação se torna real para as pesso-
as (Latour, 2005, p. 88s.; Geschiere, 2009).6 Como podemos

5
A visão de Anderson certamente corrobora as teorias modernas da linguagem e do
simbólico como sistemas ou códigos de representação. Como muitos acadêmicos
notaram, a postura moderna com relação à linguagem e ao mundo é baseada numa
fissura entre o signo ou o símbolo e sua referência no mundo. Pensadores, desde
Saussure a Lacan, tomaram como ponto de partida essa separação básica entre lin-
guagem e realidade, símbolos e experiência, representação e mundo, implicando
que a imaginação moderna flutua ao redor da percepção de uma perda da realidade
que parece nunca poder ser recapturada. Uma posição estimulante que questiona
a visão de linguagem como sendo baseada em um sistema arbitrário de signos é
apresentada por Peirce, que propôs um conjunto diferenciado de signos, entre eles
índices e ícones, que servem para tornar presentes o que eles representam, superan-
do assim a fissura entre signo e realidade que caracteriza abordagens saussurianas
(Keane, 2007).
6
Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede (Reassembling the Social
[2005], em inglês), de Latour, foi uma grande fonte de inspiração. Concordo com
o autor que “não é suficiente aos sociólogos reconhecer que um grupo é criado,

49
compreender, na atualidade, o rigor com que os membros de
comunidades imaginadas experimentam (e desejam) esses laços
imaginados como repositórios autênticos da verdade para além
de qualquer sombra de dúvida?7 O próprio Anderson afirmou
que a nação, apesar de ser uma invenção da imaginação, tem o
poder de invocar afinidades e ligações interpessoais emocional-
mente profundas, preparando seus integrantes para morrer – ou
para matar – em seu nome. A comunidade imaginada da nação,
desenvolvendo-se como normalmente faz com base em fortes
sentimentos de apego e compromisso, se esforça para comandar
a confiança de seus cidadãos na veracidade da sua ficcionalidade.
Convencer as pessoas da veracidade das ficções é um pro-
cesso que também encontramos em pesquisas sobre o poder e
o apelo de mensagens religiosas, mesmo que elas possam ser ca-
racterizadas como simulacros que veiculam com sucesso “efeitos
de realidade” (Schwartz, 1995, p. 316; ver especialmente van
de Port, 2009). De fato, para alcançarem esse efeito e serem
vivenciadas como reais, é preciso que as imaginações se tornem
tangíveis para além do domínio das ideias, com a criação de um
ambiente social que as materialize através da estruturação do
espaço, da arquitetura e da performance ritual e pela indução
de sensações corporais (ver também Meyer, 2008a). Em suma, a
fim de serem experienciadas como reais, as comunidades imagi-
nadas precisam se materializar concretamente no ambiente vivi-
do para que seus membros as sintam na própria pele. Apesar de

'reproduzido', ou 'construído' por diversos meios e utilizando-se de diversas fer-


ramentas” (p. 39). O Social não é construído através de um conjunto preexistente
de representações coletivas (como uma leitura simplista de Durkheim pode sugerir
– ibid., p. 38), mas “reagregado” num processo dinâmico de mediação contínua.
7
Essa é a questão central de um programa de pesquisa patrocinado pelo NWO e diri-
gido por Mattijs van de Port, Herman Roodenburg e por mim, intitulado “Dinâmi-
cas de Patrimônio: Estéticas de persuasão e políticas de autenticação no Brasil, em
Gana, na África do Sul e na Holanda” (Heritage Dynamics. Aesthetics of Persuasion
and Politics of Authentication in Brazil, Ghana, South Africa and the Netherlands).
Ver https://www.nwo.nl/onderzoek-en-resultaten/onderzoeksprojecten/i/86/3986.
html.

50
Anderson reconhecer a importância da ligação emocional e da
corporeidade8, essas ideias não estão completamente acomoda-
das em sua elaboração teórica sobre a imaginação moderna. In-
sistindo em afirmar o caráter essencialmente arbitrário de todo
signo, essa elaboração enfrenta limites para mostrar como as
imaginações se tornam tangíveis por sua materialização em es-
paços e objetos e por sua subjetivação corporificada. A observa-
ção de Anderson, feita en passant, de que as comunidades preci-
sam ser distinguidas “pelo estilo no qual são imaginadas” (1991,
p. 6, grifo meu), aponta para a importância da problematização
sobre como a formação de comunidades imaginadas realmente
ocorre e é efetivada em um sentido material. Mais atenção deve
ser dada ao papel desempenhado pelas coisas, pelas mídias e
pelo corpo nos processos efetivos de produção de comunidades.
Com efeito, a fim de compreender as formas particulares por
meio das quais as imaginações se materializam através de mídias
e se tornam manifestas em espaços públicos, gerando sensibi-
lidades e atitudes sensoriais que revestem essas imaginações de
uma sensação de verdade, precisamos adentrar a esfera mais am-
pla que corresponde ao que chamo de formações estéticas.9

8
N.T. Optamos por traduzir embodiment por corporeidade, acompanhando a opção
feita por tradutores de textos de Maurice Merleau-Ponty e Thomas Csordas no Brasil.
9
A estética particular pela qual o regime nazista procurou impor aos cidadãos sua vi-
são de um superpoder germânico (ver Benjamin 1978[1936]) é apenas um exemplo
extremo do uso de recursos estéticos por Estados-nação para enquadrar os cidadãos
na comunidade imaginária da nação. Pesquisadores costumam suspeitar do uso
político da estética, considerando-a uma ferramenta extremamente demagógica.
Embora concorde que devamos ser críticos em relação às formas pelas quais os
Estados, e outros regimes de poder, mobilizam e formam pessoas apelando aos seus
sentidos e configurando seu ambiente material, não há porque adiar a ocasião dos
cientistas sociais prestarem mais atenção às políticas estéticas – definidas de modo
amplo, como propõe a Seção II – para melhor entenderem como o poder opera (ver
também Rancière, 2006).

51
Formações estéticas

A noção de “formação estética” é proposta para superar as


limitações da noção de “comunidade imaginada”, mantendo a
visão de Anderson de que a produção de laços nos tempos atuais
depende da mídia e da mediação. Isso suscita a questão sobre as
vantagens de se substituir “imaginada” por “estética”, e “comu-
nidade” por “formação.”
Permitam-me começar pela primeira substituição. Meu
entendimento de estética não está restrito ao atual sentido co-
mum que foi elaborado no fim do século XVIII (em grande
parte graças a Immanuel Kant), quando se tornou limitada à
beleza na esfera das artes e de seu observador desinteressado. Al-
ternativamente, sugiro retornarmos às suas raízes em Aristóteles
e sua noção mais antiga e abrangente de aisthesis, que designa
“nossa capacidade corpórea baseada em uma força da nossa psi-
que para perceber objetos no mundo através de nossos cinco
modos sensoriais (...), e ao mesmo tempo uma constelação es-
pecífica de sensações em seu conjunto” (Meyer; Verrips, 2008,
p. 21). Entendida dessa forma, aisthesis refere-se a “nossa expe-
riência sensorial total do mundo e nosso conhecimento sensí-
vel dele” (ibid.; ver também Verrips, 2006; de Abreu, 2009a;
Hoek, 2009). Essa consideração em favor de uma concepção
mais abrangente e que inclua a experiência corporal da estética
como derivada de aisthesis só agora começa a se difundir entre
estudiosos, permitindo, assim, dar conta do poder afetivo das
imagens, dos sons e dos textos sobre as pessoas em que incidem.
Especialmente na pesquisa sobre a relação entre religião e mídia,
e mais amplamente no campo da cultura visual, os estudiosos
têm procurado ir além de uma perspectiva representacional que
privilegia o simbólico sobre outros modos de experiência e que
tende a negligenciar os efeitos de realidade das formas cultu-
rais. A proposição de novos termos, como “corpotética” (Pin-
ney, 2004), “soma-estética” (Shusterman, 2002, ver também

52
Hirschkind, 2006), ou o “sujeito sinestésico” (Sobchack, 2004;
ver também Hoek, 2009), sinaliza um deslocamento do estudo
das imaginações com base em representações para abordagens
mais viscerais e materiais sobre as formas culturais em processos
de coesão (Morgan, 1998, 2005; Meyer, 2006a).
O fato de que imaginações, principalmente na esfera da
religião, são capazes de afetar seus observadores e induzir ne-
les um senso de verdade e poder – como mostram os textos
em Meyer (2009a), especialmente van de Port (2009), Hoek
(2009), de Witte (2009) e Machado (2009) – é bem capturado
pelo deslocamento proposto para o sentido de estética. Em ou-
tras palavras, estão em jogo os modos nos quais imaginações se
materializam e são experimentadas como reais, e não como me-
ras representações intercambiáveis alocadas na mente. As ima-
ginações, embora articuladas e formadas através de mídias e por
isso “produzidas”, aparecem como situadas além da mediação
justamente porque elas podem ser, literalmente, incorporadas
e corporificadas. Sendo assim, elas podem invocar e perpetuar
experiências, emoções e afetos compartilhados que estão anco-
rados em, e são desencadeados por, uma visão de mundo presu-
mida, um mundo que é, de fato, senso comum.
Mas por que falar em formação estética, em vez de comu-
nidade estética? Certamente não descarto a noção de comu-
nidade per se, mas indico que precisamos ir além do entendi-
mento de comunidade como um grupo social fixo, delimitado.
Para termos uma melhor compreensão sobre a constituição de
comunidades como um processo, é útil invocar o termo for-
mação, mais abrangente e dinâmico. Formação refere-se tan-
to a uma entidade social (como em formação social), assim
designando uma comunidade, quanto a processos de formação
(ver também Mahmood, 2005, p. 17ss.).10 Esses processos de

10
Inspirando-se nas elaborações de Michel Foucault e Judith Butler (1999) acerca do
processo de subjetivação pelo qual os sujeitos modernos são formados, Mahmood
(2005) examina de perto o poder formativo do movimento pietista islâmico na fabri-

53
formação moldam sujeitos específicos através de imaginações
compartilhadas que se materializam, como explanei anterior-
mente, através de formas estéticas corporificadas. O termo for-
mação estética, então, ressalta a convergência entre processos de
formação dos sujeitos e de constituição de comunidades – como
formações sociais. Nesse sentido, o termo “formação estética”
captura muito bem o impacto formativo de uma estética com-
partilhada através da qual sujeitos são forjados pela modulação
de seus sentidos, pela indução de experiências, pela moldagem
de seus corpos e pela produção de sentidos; uma estética que se
materializa nas coisas (ver também de Abreu, 2009a; 2009b).
Repito, minha preocupação aqui não é exatamente a de descar-
tar o termo comunidade, mas a de lançar sobre este um entendi-
mento dinâmico – de fato, performativo – como uma formação
estética. Eis a maneira com a qual a noção de comunidade é
empregada nas contribuições reunidas em Meyer (2009a), in-
troduzidas por este texto.
Outra razão para descrédito da noção de “comunidade es-
tética” reside no fato de que a mesma é, no meu entendimento,
comumente invocada de uma forma confusa e problemática.
Muitos autores atribuem essa noção a Kant, embora a definam
a sua própria maneira, como um tipo específico de comunidade
alinhada com a cultura de consumo ocidental. Em seu livro Co-
munidade: a busca por segurança no mundo atual (2001[1990]),
Zygmunt Bauman afirma que a comunidade estética é “cons-
tituída e consumada no ‘círculo confortável’ da experiência,”
embora enfrente problemas de continuidade e esteja fadada a
desapontar devido à sua falta de “poder vinculante” (p. 65).11

cação de subjetividades religiosas femininas corporificadas. Ao fazê-lo, ela vai além de


uma compreensão dualista que opõe regimes religiosos e sujeitos individuais, e cha-
ma a atenção para a importância da formação, no duplo sentido aqui apresentado.
11
Ele afirma: “Enquanto permanecer viva (isto é, enquanto continuar sendo expe-
rienciada), a comunidade estética é atravessada por um paradoxo: uma vez que
trairia ou refutaria a liberdade de seus membros se demandasse credenciais não
negociáveis, precisa então manter escancaradas as entradas e saídas. Mas se anun-

54
Esse tipo de comunidade está, de acordo com Bauman, intima-
mente relacionado com a indústria do entretenimento, que se-
duz seu público por meio de elaborados espetáculos, exaltando
celebridades e ídolos passageiros que “invocam a ‘experiência
de comunidade’ sem que haja uma comunidade real, o prazer
do pertencimento sem o desconforto do envolvimento” (p. 69).
Ele faz uma distinção forte entre comunidades estéticas que pro-
duzem “vínculos sem consequências” e comunidades éticas que
acarretam, conforme descrito por Durkheim, “responsabilidades
éticas” e “compromissos duradouros” (p. 71ss.). De forma seme-
lhante, Veit Erlmann (1998) descreve as comunidades estéticas
como algo baseado em uma epistemologia da aparência (Erschei-
nung) em lugar da substância (Wesen), e como um “emblema de
uma visão de mundo sem síntese, de uma era de contingência e
ambiguidade,” encontradas nas “sociedades sem a segurança da
tradição, mas também sem as pretensões a verdades universais
de eras anteriores” (p. 12).
Nesses entendimentos, a comunidade estética está dedicada
ao prazer e à beleza, e amarga a superficialidade e a falta de subs-
tância pós-modernas. Embora seja discutível o quão distantes
esses autores estão da noção original de Kant sobre sensus com-
munis aestheticus12, eles ainda carregam o legado de sua redução
da estética ao belo e às artes, bem como uma distinção relativa-

ciasse a consequente falta de poder vinculante, ela deixaria de desempenhar o papel


reconfortante que é o motivo principal para dela participar” (2001, p. 65).
12
“Comunidade Estética” é a tradução – algo enganosa – da noção de sensus com-
munis aestheticus (aesthetischer Gemeinsinn, no original, em alemão), de Kant (2017,
p.190). Ele pressupôs a universalidade subjetiva da experiência estética e de jul-
gamentos de gosto estético como baseados unicamente nos sentimentos, não em
conceitos. O sensus communis aestheticus não se refere a uma comunidade real, mas
a uma capacidade universal para julgamentos de gosto estético e fruição da beleza, a
existência de tal capacidade como um pressuposto sendo o ponto principal. Não só
esse entendimento é embasado em uma limitação problemática da estética à beleza;
ele também separa conceitos de sentimentos e situa essa capacidade de fruição em
um observador desinteressado.

55
mente rudimentar entre conceitos e sentimentos, mente e corpo,
aparência e substância (Meyer; Verrips, 2008, p. 22ss.). Embora
aprecie a fluidez contida na noção de comunidade estética, na
sua sugestão de permanente construção, tenho sérias reservas so-
bre sua equação com mero prazer e cultura de consumo, e com
seu desdém, ainda que implícito, da experiência e das emoções.
A existência incontestável do tipo de comunidade instantânea
e facilmente dissolúvel que Bauman e Erlmann têm em men-
te não deve autorizar uma visão generalizada de comunidades
estéticas como algo necessariamente superficial e de curta dura-
ção, em oposição a um tipo mais genuíno de comunidade. Em
suma, se assumimos um entendimento mais amplo de estética
em termos de aisthesis – que não depende de um dualismo entre
corpo e mente e que reconhece o papel de todos os sentidos no
modo como o mundo é experienciado e apreendido –, torna-se
evidente que a noção de comunidade estética como tem sido
até então empregada é de pouca utilidade para nossos objetivos:
considerar a religião no mundo atual, apreendendo suas dinâmi-
cas da transformação e sua capacidade de produção de vínculos.
Minha noção de formação estética está em sintonia com
a proposição de Michel Maffesoli (1996) de uma nova com-
preensão de comunidade em nosso tempo, e que leva a sério a
importância da mídia (sobretudo, as imagens), o seu impacto
em termos corporais e o poder formador de um “estilo estéti-
co” compartilhado (p. 31ss.). Tomando como ponto de parti-
da um entendimento pós-estruturalista das imagens como si-
mulacros hiperreais que criam uma realidade própria ao invés
de referir-se a um mundo objetivo (ver também Baudrillard,
2001), Maffesoli propõe o que ele chama de “sociologia figura-
tiva” (a qual não deve ser confundida com a sociologia de con-
figurações instaurada por Norbert Elias), que explora o nexo
entre imagens e sociedade em nosso “mundo imaginário” con-
temporâneo. A característica central desse mundo imaginário
diz respeito ao papel das imagens compartilhadas na produção
de laços entre os indivíduos, organizando-os em comunidades.

56
Embora isso soe semelhante à noção de comunidade imagina-
da de Anderson, Maffesoli presta muito mais atenção do que
Anderson às maneiras pelas quais imagens compartilhadas mo-
bilizam e motivam sentimentos comuns, induzindo modos e
disposições de comunhão.
Escrevendo no final do século XX, Maffesoli observa um
crescente reencantamento que ocorre em torno de imagens tele-
visionadas e massificadas, que ganham o status de ícones e ído-
los em torno dos quais novas comunidades de culto são forma-
das. Não mais confinada a uma esfera separada, a religiosidade
estaria se disseminando, “contaminando, pouco a pouco, toda a
vida social” (p. 88). Seu pensamento é claramente influenciado
pela noção de consciência coletiva de Durkheim, definida pela
“ideia que [a sociedade] tem de si mesma” (p. 89). Como se
sabe, para Durkheim, essa consciência coletiva é uma causa e
um efeito de efervescência, na medida em que oferece uma sín-
tese sui generis, “dando origem a sentimentos, ideias e imagens
que ‘uma vez nascidos, obedecem às leis que lhes são próprias’”
(p. 89). Maffesoli postula que as imagens produzidas pela cultu-
ra de massa em torno das quais as pessoas se congregam atual-
mente ganharam um status quase religioso, na medida em que
geram o sentimento efervescente de que elas compartilham e
participam de um agregado social maior. Como esse sentimento
é induzido por uma estética comum, o Homo religioso e o Homo
estético convergem: “o compartilhamento das imagens, a estética
a que isso dá origem, geram relações, engendram vínculos e, em
suma, favorecem a religião” (p. 92).
Essa estética (que Maffesoli também fundamenta no am-
plo entendimento da aisthesis defendido aqui) induz um modo
sensorial compartilhado de perceber e experimentar o mundo
que produz comunidade.13 A comunidade desenvolve-se, por-

13
Percepção, deve-se ressaltar, sempre envolve algum tipo de concentração, com a
qual se filtra o que atrapalha a intensidade de uma experiência particular. De fato,
com Jojada Verrips (2006) argumenta, aisthesis sempre implica algum tipo de an-
aesthesia. Veja também Crary (2001).
57
tanto, em torno de imagens compartilhadas e de outras formas
culturais mediadas (ver também Morgan, 2007, p. 165ss). Esse
compartilhamento, é preciso enfatizar, não depende apenas da
interpretação comum dessas formas e de um acordo sobre o seu
significado (como afirmado pela antropologia interpretativa ou
simbólica), mas da capacidade dessas formas de induzir, naque-
les envolvidos com as mesmas, uma estética e um estilo comuns.
Entendido como “a característica essencial de um sentimento
coletivo”, o estilo opera como uma “’forma formativa’ que dá
origem a maneiras de ser, a comportamentos, a representações e
a várias manifestações pelas quais a vida em sociedade é expres-
sa” (p. 5). Assim, Maffesoli cunha a noção de “estilo estético”,
que ele situa na “conjunção do material e do imaterial” (p. 33)
de modo a indicar a importância dos corpos, das coisas e das
imagens na concretização de novas comunidades e até mesmo
de comunhão. Tal “estilo estético” produz uma subjetividade e
um habitus específicos.14
Como já observei, a ênfase que Maffesoli coloca na relevân-
cia da estética e na importância concomitante do estilo está em
sintonia com minha preocupação de compreender, com a devi-
da atenção à dimensão material, o surgimento de novos tipos de
comunidades religiosas que se desenvolvem em torno de imagens
mediadas em massa e de outras formas culturais (Meyer, 2009a).
Embora o trabalho de Maffesoli seja limitado às imagens, pode
ser estendido para incluir outras formas culturais que se mani-
festam através do som, do aroma ou do toque.15 Entretanto, en-
quanto Maffesoli observa um processo de reencantamento geral

14
Obviamente, há aqui uma referência ao trabalho de Bourdieu sobre habitus como
uma disposição incorporada, e sobre gosto e estilo como modos de distinção.
15
Até recentemente, o estudo da cultura visual era altamente “ocularcêntrico”. En-
tretanto, na década passada, mesmo nos estudos de mídia que são fortemente as-
sociados à visão, como pinturas, fotografias e filmes, pesquisadores passaram a se
preocupar em levar em conta a interação dos sentidos e a dimensão visceral e afetiva
da cultura visual (Sobchack, 2004; Pinney, 2004; Morgan, 1998, 2005, 2007; Mi-
tchell, 2005; Freedberg, 1989; Howes, 2003; Verrips, 2002).

58
no qual tudo o que vincula as pessoas a imagens e outras formas
culturais, através de uma estética compartilhada, já se qualifi-
ca como religião, os capítulos que seguem esta introdução em
Aesthetic Formations (Meyer, 2009a) são baseados em pesquisas
em contextos nos quais grupos propriamente religiosos afirmam
sua presença pública contra outros grupos religiosos ou não re-
ligiosos, ou onde repertórios religiosos específicos – ou “formas
sensoriais” (cf. próxima seção) – são empregados na mobiliza-
ção de pessoas. Isso implica dizer que precisamos prestar muita
atenção às maneiras específicas pelas quais religiões – e formas
e elementos religiosos – específicas figuram na constituição de
comunidades por meio de estilos estéticos distintos.
Embora possa parecer contra intuitivo quando se parte
de uma perspectiva mais convencional articular religião e es-
tilo, sugiro superarmos a ideia que associa religião primaria-
mente a conteúdo e que associa estilo primariamente a forma.
Talal Asad (1993) argumentou que essas distinções lembram
o dualismo moderno entre formas exteriores e eu interior, se-
gundo o qual a forma é inferior à substância e ao significado
(ver também Mahmood, 2001; Engelke; Tomlinson, 2006).
Ao privilegiar a crença em detrimento de objetos e práticas, e
o espírito em detrimento da matéria, as concepções modernas
de religião tornaram-se “desmaterializadas” (Chidester, 2000;
Keane, 2007). Ao atentar para a estética e o estilo, procuro
superar tais distinções improdutivas, tentando apreender a di-
mensão material dos modos religiosos de formação de sujeitos e
de comunidades (ver também Meyer, 2006a).
Como enfatizei em uma publicação anterior (Meyer,
2004a), uma ênfase no estilo liberta nós pesquisadores de um
foco exclusivo no significado – por um longo tempo, uma das
principais preocupações da antropologia da religião – e abre um
campo mais amplo de investigação que nos alerta sobre a impor-
tância da aparência e dos modos de fazer as coisas sem descartá-
-los como meras dimensões exteriores e, portanto, secundárias.
O estilo é o cerne da estética religiosa exatamente porque a ado-
59
ção de um estilo compartilhado é central para os processos de
subjetivação. Nessa perspectiva, a noção de estilo envolve téc-
nicas do self e do corpo particulares que modulam – e, efetiva-
mente, “afiam” (Hirshchkind 2006, p. 82, 101) – as pessoas em
uma formação socioreligiosa. Operando como um marcador de
distinção (como Anderson também sugeriu), o estilo é central
para a constituição de comunidades, tanto as religiosas quanto
as de outros tipos. Entendido como uma “forma formativa”, o
estilo opera assim na constituição de formações estéticas, tan-
to moldando as pessoas quanto lhes conferindo uma aparên-
cia compartilhada e reconhecível – e, portanto, uma identidade
(ver também Benjamin, 2006, p. 43).

Mediações religiosas e formas sensoriais16

Como mencionei anteriormente, ocorreu uma mudança


no estudo da religião e da mídia. Nas palavras de Jeremy Stolow
(2005), o estudo passou de “religião e mídia” para uma compre-
ensão da “religião como mídia”. A ideia da religião como media-
ção proposta convincentemente pelo filósofo holandês Hent de
Vries (2001, ver também Plate, 2003; van der Veer, 1999; Zito,
2008, p. 76-78) critica a conceituação da mídia e da religião, e
a da tecnologia e do transcendental, como pertencendo a dois
domínios ontologicamente diferentes. Em vez disso, ele pro-
põe compreender a religião como a assunção de uma distância,
que ela mesma pretende superar, entre os seres humanos e uma
força transcendental ou espiritual que não pode ser conhecida
como tal. A partir dessa perspectiva filosófica, a religião pode
ser mais bem analisada como uma prática de mediação, para
a qual as mídias, como tecnologias de representação emprega-

16
N.E.: No original, “sensational forms”. Uma tradução mais literal seria “formas
sensacionais”, mas preferimos enfatizar o significado mais importante do conceito,
que remete ao papel dos sentidos e às configurações sociais e históricas em que se
inserem.

60
das pelos seres humanos, são intrínsecas. É importante notar
que essa perspectiva amplia a noção de mídia – que abrange
dispositivos modernos como o cinema, o rádio, a fotografia, a
televisão ou os computadores, o foco usual dos pesquisadores
que estudam os meios de comunicação – a fim de incluir subs-
tâncias como incenso ou ervas, animais sacrificiais, ícones, livros
sagrados, pedras e rios sagrados, enfim, o corpo humano que se
entrega para ser possuído por um espírito. Essa visão das mí-
dias como mediadores coloca em perspectiva a adoção de mídias
tipicamente modernas pela religião, e alerta contra uma visão
determinista das mídias modernas como tecnologias que atuam
por si mesmas (ver também Verbeek, 2005). Em contrapartida,
essa abordagem também implica que o transcendental não seja
concebido como uma entidade autoreveladora, e sim como algo
sempre afetado por processos de mediação, já que as mídias e
suas práticas invocam (e até mesmo “produzem”) o transcenden-
tal de uma maneira específica.17 Em suma, definir religião como

17
Uso “transcendental”, com alguma hesitação e na falta de um termo melhor, no
sentido de um poder que é concebido como além do ordinário e é, portanto, “ou-
tro” ou “alter” (ver também Csordas, 2004). Explico com algum detalhe, em outra
publicação, que minha compreensão do transcendental não postula a existência de
um Poder Numinoso objetivo, mas está, ao contrário, baseada no aqui e agora, pois
meu interesse reside em como as religiões induzem experiências do transcendental
no “aqui e agora” (Meyer, 2006a). Também opto por usar transcendental porque
concordo com Vivian Sobchack que humanos, como corpos vivos, “têm capacidade
de transcendência: para uma exteriorização singular do ser – uma ex-stasis – que
nos coloca 'em outro lugar' e 'de outra forma', mesmo que isso esteja assentado e
amarrado ao 'aqui' e 'agora' dos nossos corpos” (2008, itálicos no original). Embora
reconheça que definir religião é profundamente problemático, já que definições
tendem a congelar fatores históricos contingentes em qualidades universais (Asad,
1993), julgo importante que sigamos podendo falar sobre religião e fazer compa-
rações. Na minha compreensão, o transcendental (no sentido de um “outro” ou
“alter” que ultrapassa o ordinário) é chave para diversas compreensões de religião,
mesmo que os pesquisadores não o enunciem explicitamente. Certamente, em um
momento no qual, contrariando as expectativas da teoria da secularização, deuses
e espíritos parecem ter tanto apelo, em vez de permanecermos presos em afirmar a
impossibilidade de definir religião, devemos explorar que tipos de religião e de reli-
giosidades emergem nessa era de globalização e midiatização (ver também Csordas,
2007, p. 261). Esta é a principal preocupação do volume aqui introduzido.

61
mediação torna possível levantar questões inteiramente diferen-
tes daquelas feitas por estudos anteriores sobre mídia e religião.
Se, conforme sugere a compreensão da religião como uma
prática de mediação, religião e mídia precisam ser entendidas
como co-constitutivas, faz pouco sentido afirmar que há uma es-
sência religiosa que existe prévia e independentemente do meio
através do qual essa essência é subsequentemente expressa (ver
também Mazzarella, 2004). Como o conteúdo não pode existir
sem a forma, uma mensagem é sempre mediada. É formada pelas
tecnologias através das quais se expressa, mas – contrariamente
a “The Medium is the Message”, de Marshall McLuhan – não
deve ser reduzida a essas tecnologias. Curiosamente, em muitos
dos cenários religiosos que encontramos em nossa pesquisa, não
há separação clara entre meio e mensagem, forma e conteúdo.
Algo que, para quem vê de fora, parece mídia, pode estar total-
mente incorporado na prática religiosa, como é o caso, para citar
apenas alguns exemplos, dos ícones no catolicismo bizantino
(James, 2004), da Torá no judaísmo (Stolow, 2007, 2010), das
fotografias em práticas espíritas (Behrend, 2003; Morris, 2000),
dos audiocassetes e outras mídias audiovisuais no novos mo-
vimentos islâmicos (Eisenlohr, 2006; Hirschkind, 2001, 2006;
Schulz, 2003, 2006a, 2006b), das fotografias e das litografias no
hinduísmo (Pinney, 2004) ou da televisão e dos computadores
nas igrejas pentecostais (de Abreu, 2009a; de Witte, 2009; Sán-
chez, 2009). As mídias que estão envolvidas na invocação e no
contato com o transcendental e na congregação e vinculação dos
fiéis são normalmente invisibilizadas através de estruturas reli-
giosas estabelecidas e autorizadas. Da mesma forma, as mídias
intrínsecas à mediação religiosa não estão incluídas na esfera da
“mera” tecnologia. Dessa maneira, mídias são legitimadas como
parte integrante e participante do transcendental que é o alvo da
– e, de uma perspectiva mais cética, invocado pela – mediação.
Em outras palavras, a mediação é ela mesma sacralizada (ver
também Chidester, 2008a) e investida de um senso de imedia-
tez por meio do qual se transcende a distância entre os fiéis e o

62
transcendental (Mazzarella, 2006; ver também Eisenlohr, 2009;
Engelke, 2007). Paradoxalmente, a imediatez depende assim da
mediação e da sua negação.
A conceituação da religião como mediação foi um pas-
so importante no nosso programa de pesquisa. Uma vez que
as mídias são entendidas como intrínsecas à religião, torna-se
central explorar as maneiras pelas quais as pessoas negociam e
eventualmente adotam novas mídias. Descobrimos que as mí-
dias em geral só se tornam um problema quando são novas e a
possibilidade de adotá-las está sendo considerada.18 Isso levan-
ta uma instigante questão empírica sobre como novas mídias
se relacionam – por exemplo, se adequam, reforçam, desafiam,
afetam, transformam – com práticas estabelecidas de mediação.
Em vez de estudar como religiosos adotam a mídia moderna e
como os meios de comunicação difundem a religião, como foi o
caso de abordagens anteriores no campo da religião e da mídia,
nosso programa se concentrou nas transformações da mediação
religiosa. Fizemos isso explorando de que forma os grupos reli-
giosos negociam a adoção de novas mídias (ou, pelo menos, de
mídias recentemente tornadas acessíveis), e os formatos, os esti-
los e as possibilidades para difusão pública, bem como os modos
de comunhão e vínculo que os acompanham.
A fim de compreender melhor os modos pelos quais as me-
diações religiosas abordam e mobilizam as pessoas e as formam
esteticamente – a principal preocupação da nossa pesquisa,
como foi exposto na seção anterior – cunhei a noção de “formas
sensoriais” (Meyer, 2006a).

18
É claro que esta abordagem não é, por si, nova. Ela corrobora um largo conjunto
de trabalhos de historiadores da mídia, que supera o determinismo tecnológico e
situa novas invenções tecnológicas do campo da comunicação (tais como a bici-
cleta, o trem, o telégrafo, o rádio, a televisão etc.) em esferas sociais específicas,
ressaltando como, em um dado momento, as novas mídias se relacionam com as
mídias “velhas”. Para uma defesa sólida em favor de tais entendimentos historica-
mente embasados sobre as mídias e a tecnologia, que também levam em conta as
dimensões da estética, do estilo e do design, ver Verbeek, 2005.

63
Trata-se de modos relativamente fixos, autorizados, de in-
vocar e organizar o acesso ao transcendental, criando e manten-
do, assim, ligações entre pessoas no contexto de estruturas reli-
giosas de poder específicas. As formas sensoriais moldam tanto
os conteúdos religiosos (crenças, doutrinas, conjuntos de símbo-
los) quanto as normas religiosas. Incluindo todas as mídias que
atuam como intermediários nas práticas de mediação religiosa,
a noção de formas sensoriais pretende explorar precisamente
como as mediações reúnem e vinculam as pessoas umas com as
outras e com o transcendental. Essas formas são transmitidas e
compartilhadas; elas envolvem os religiosos em práticas de culto
específicas e desempenham um papel central em sua modulação
como sujeitos morais religiosos. É preciso ressaltar novamente
que não concebo forma em oposição a conteúdo e a significado,
ou a normas e valores éticos, mas como uma condição necessária
sem a qual conteúdo, significado, normas e valores não podem
ser expressos. As formas sensoriais podem ser mais bem enten-
didas como uma condensação de práticas, atitudes e ideias que
estruturam experiências religiosas e que, portanto, “pedem” para
serem abordadas de uma maneira específica.19 Formas sensoriais
religiosas operam no contexto de tradições de uso específicas,
que invocam sensações ao induzir disposições e práticas parti-
culares em relação a essas formas. Em outras palavras, tais for-
mas são parte integrante de uma determinada estética religiosa,
a qual governa um engajamento sensorial dos seres humanos
entre si e com o divino, além de gerar sensibilidades específicas
que “não são algo puramente cognitivo, mas estão enraizadas

19
Minha noção de forma sensorial é tributária do trabalho seminal de David Morgan
no campo da cultura visual religiosa, que pode ser devidamente estendido ao cam-
po mais amplo das mediações religiosas. Como ele coloca, “as imagens e os modos
como as pessoas as observam são evidências para compreendermos a crença, as
quais não deveriam ser reduzidas a doutrinas ou credos de natureza proposicional.
Crença, além de ser prática cerebral, é prática incorporada. Revelação é uma cons-
telação que envolve enxergar, falar e escrever (bem como outros meios).” (2005, p.
21).

64
na experiência do corpo em sua totalidade, como um comple-
xo de modalidades sensoriais cultural e historicamente afiadas”.
(Hirschkind, 2006, p. 101).
Explorando as implicações que a disponibilidade de no-
vas mídias possui para os grupos religiosos, a questão é como
essas novas mídias impactam as formas sensoriais estabelecidas
e, portanto, os estilos estéticos que formam sujeitos e comuni-
dades. Descobrimos que a questão da adequação entre mídias
antigas e novas para mediar o transcendental pode dar origem a
desacordos veementes, como, por exemplo, no caso do candom-
blé, em Salvador, na Bahia, onde sacerdotisas, como a famosa
Mãe Stella, assumiram uma posição “iconofóbica”, insistindo
que o conhecimento-verdade secreto no coração do candomblé
não se presta a qualquer outra forma de mediação que não seja o
corpo possuído do iniciado. Em outras palavras, o conhecimento
religioso só pode ser adquirido através da experiência do “tempo
real” do longo processo de iniciação. No entanto, ao mesmo
tempo, os formatos televisivos impactam os terreiros – quando,
por exemplo, os iniciados exigem uma gravação videográfica de
sua cerimônia de iniciação, preferencialmente no estilo teleno-
vela (van de Port, 2006), ou as sacerdotisas marcam sua presença
e poder na mídia baiana, ao passo que celebridades do mundo
das artes e da política também enfatizam sua afinidade com o
candomblé. Van de Port (2009) argumenta que o candomblé
se permite uma “performance pública do segredo”, o que expõe
sua atitude profundamente ambivalente em relação às novas mí-
dias. Um caso semelhante ocorre no neotradicional Movimen-
to Afrikania, em Gana, que se esforça para resgatar a “religião
tradicional africana” dos ataques das igrejas pentecostais que se
tornaram hegemônicas na região meridional do país. Compa-
rando as práticas midiáticas da Afrikania e as da Igreja Evan-
gélica Central Internacional (IECI), Marleen de Witte (2009)
mostra que a Afrikania tem dificuldade para se acomodar à ênfa-
se na visibilidade que prevalece atualmente na esfera pública de
Gana. Enquanto a Afrikania procura impor sua própria voz nos

65
meios de comunicação de massa, paradoxalmente, os sacerdotes
tradicionais – os mesmos que a Afrikania reivindica representar
– desejam manter uma aura de sigilo, insistindo que os deuses
e suas moradas não se prestam a serem capturados pelas lentes
da câmera e a serem reproduzidos na tela (ver também Meyer,
2005a; Ginsburg, 2006; Spyer, 2001). Brian Larkin (2009) in-
vestiga como o acesso à imprensa e ao rádio, que se impuse-
ram como principais mídias da modernidade colonial, tornou-
-se central nos conflitos acerca das modalidades que deveriam
representar o Islã em público. Ele mostra que o acolhimento
dessas mídias modernas pelo Sheik Abubaker Gumi era parte da
reforma do islã, um projeto que prometia alinhá-lo a uma prá-
tica religiosa mais racional que se adequasse ao moderno Estado
secular. Observando como essa rearticulação produziu conflitos
com movimentos sufi, até então dominantes no islã ao norte da
Nigéria, mas que agora também começaram a se envolver com
o rádio, Larkin demonstra que debates e conflitos sobre mídias
e as novas formas de presença pública por elas possibilitadas são
de suma importância para a transformação religiosa.
A disponibilidade de novas mídias, portanto, pode resul-
tar em deliberações decisivas acerca de seu potencial para gerar
e sustentar experiências e formas de autoridade autênticas no
quadro de tradições religiosas existentes.20 Assim, a tecnologia
nunca “se oferece em uma forma ‘puramente’ material ou ins-

20
Isto também pode resultar na rejeição a certas mídias como sendo inadequadas para
serem incorporadas. Como argumenta Michele Rosenthal (2007), muitos estudos
sobre religião e mídia deram pouca atenção ao surgimento deliberado de críticos e
não adeptos, para os quais a rejeição de uma mídia particular se torna uma marca
distintiva. Ver também Matthew Engelke (2007) para uma análise aprofundada, a
propósito dos Apostólicos de Sexta-Feira do Zimbábue, de como a rejeição de uma
mídia (livros, por exemplo) que torna a mensagem cristã tangível é parte de uma
prática mais ampla de mediação que encara o dilema protestante de como Deus
pode, ao mesmo tempo, estar presente e não ter intermediários. Portanto, a rejeição
de certas mídias não é o mesmo que a recusa de envolvimento com o mundo, mas
necessita ser analisada como uma relação com a mídia que passa por sua negação.

66
trumental – como possibilidade tecnológica bruta a serviço da
imaginação religiosa” (Van de Port, 2006, p. 23), mas é incor-
porada a esta última por meio de um processo de negociação
muitas vezes complicado em que as estruturas de autoridade
estabelecidas podem ser desafiadas e transformadas (ver tam-
bém Eisenlohr, 2006; Kirsch, 2007; Schulz, 2003, 2006a). A
esse respeito, é de importância crucial a questão sobre como as
estéticas e os estilos implicados em novas e específicas formas
de mídia colidem ou podem se fundir com estilos estéticos re-
ligiosos já estabelecidos. Em outras palavras, como mensagem
e meio, assim como conteúdo e forma, só existem juntos, a
grande questão é como mediações anteriores se transformam ao
serem remediatizadas por novas mídias (Bolter; Grusin, 1999;
ver também Meyer, 2005b; Hughes, 2009) e se e como essas
remediatizações são autenticadas como mensageiros aceitáveis e
adequados da experiência religiosa.
Deve-se destacar ainda como novas mídias audiovisuais
estão sendo incorporadas a práticas de mediação religiosa, ge-
rando novas formas sensoriais. Maria José de Abreu mostra que,
para a Renovação Carismática Católica (RCC), a televisão é vis-
ta como uma tecnologia moderna adequada para a manifesta-
ção do Espírito Santo. Analisando as experiências fortemente
somáticas dos carismáticos, ela discerne uma reveladora homo-
logia entre o Espírito Santo e um “gerador de eletricidade” que
“infunde energias”, assim como uma associação dos grupos de
fiéis com “antenas de retransmissão”. Portanto, a televisão não é
considerada como um Fremdkörper [corpo estranho], mas como
excepcionalmente adequada para transmitir a mensagem da
RCC para as grandes massas. Uma ideia semelhante de trans-
missão direta sustenta a análise de Rafael Sánchez sobre pente-
costais em Caracas, que têm seus corpos tomados pelo Espírito
Santo e, em seguida, tomam as casas ou os bens que o Espírito
lhes ordena possuir. Sánchez analisa cultos pentecostais da Igre-
ja Monárquica em Caracas como um “contexto televisual” no
qual os participantes erguem seus braços, à semelhança de uma

67
“floresta de antenas”, ansiosos por transmitir “ao vivo” o poder
do Espírito Santo. Na Igreja Evangélica Central Internacional
(IECI) de Gana, o pastor Mensa Otabil tem a sua imagem e as
filmagens de sua preleção cuidadosamente editadas para difusão
como um ícone carismático para suas audiências nacionais e in-
ternacionais (de Witte, 2009), ávidas para tocá-las mesmo que
o poder do Espírito Santo dependa da tela da televisão. De fato,
como também mostra Carly Machado (2009), câmeras e telas
são indispensáveis para a criação de fama e carisma, como no
caso do profeta Raël, que parece como mais poderoso e presente
não por estar concretamente entre seus adeptos, mas através de
sua imagem televisiva “ao vivo”. Todos esses exemplos sugerem
afinidades eletivas notáveis entre modos religiosos de represen-
tação e novas tecnologias audiovisuais (ver também Pinney,
2004; Stolow, 2008).21 O que está em jogo é, em outras pala-
vras, uma confluência entre tecnologias de mídia, por um lado,
e o transcendental que elas afirmam tornar acessível e os modos
através dos quais elas mobilizam e moldam sujeitos por meio de
formas sensoriais, por outro. Nesse sentido, o poder espiritual
materializa-se no mediador e está autorizado a tocar as pessoas
de uma maneira imediata.
Esse imbricamento entre mídia e os deuses e espíritos em
formas sensoriais religiosas não se limita a grupos religiosos per
se, mas também ocorre em contextos mais amplos, como o do
entretenimento (por exemplo, Hoover, 2006). Minha própria
pesquisa sobre filmes “pentecostalizados” em Gana (Meyer,
2003, 2004a, 2005a, 2005b), por exemplo, explora a interseção
desses filmes com a enorme popularidade das igrejas pentecos-
tais-carismáticas. Curiosamente, o público entende que a tecno-

21
O nexo religião-tecnologia é explorado no projeto Deus in Machina, dirigido por
Jeremy Stolow (http://www.ghostlymachine.com/~stolow.html), e no projeto “Re-
ligião e Tecnologia”, lançado pela Dutch Stichting Toekomstbeeld der Techniek (van
Well, 2008). Minha própria reflexão sobre religião e tecnologia beneficiou-se muito
do meu envolvimento nesses projetos.

68
logia está a serviço da revelação de manifestações dos “poderes
das trevas”, que incluem deuses e espíritos nativos demonizados,
bem como feitiçaria e forças ocultas como sereias e espíritos au-
tóctones. Embora muitos espectadores estivessem plenamente
conscientes de que certas aparições sobrenaturais espetaculares
tinham sido produzidas por efeitos especiais projetados pelo
computador, eles não descartaram tais imagens considerando-as
falsas ou forjadas, preferindo afirmar que “a tecnologia mostra o
que existe”. Uma conclusão similar pode ser extraída a respeito
da aparição de deuses no cinema tâmil nos anos 1930. Stephen
Hughes (2009) mostra que os gêneros mitológico e devocional
estavam inscritos em processos contínuos de novas mediações
através dos quais a aparição de deuses nas telas foi enquadra-
da como uma experiência transcendental singular (ver também
Hughes, 2005; Vasudevan, 2005). Essas interseções entre reli-
gião e cinema oferecem evidências contundentes sobre a mobi-
lização das tecnologias de mídia na indução de crenças através
de – e até mesmo em – imagens cinematográficas ou televisivas.
Dessa forma, a tecnologia se torna parte de um projeto mais am-
plo de “fazer-de-conta”, no qual a crença é investida na imagem,
e não em um além invisível (de Certeau, 1984, p. 186-187).
Ou, como diz Derrida sucintamente, “não há mais necessidade
de acreditar, pode-se ver. Mas o ato de ver é sempre organizado
por uma estrutura técnica que supõe o apelo à fé” (2001, p. 63).
É importante destacar que tais mediações religiosas na esfera do
entretenimento são relevantes para a política de pertencimen-
to. Enquanto Hughes mostra que a incorporação de seres mi-
tológicos e devocionais à produção cinematográfica foi central
para a articulação de novas agendas religiosas na esfera pública,
Francio Guadelupe (2009) foca nas formas pelas quais os popu-
lares DJs de rádio da ilha caribenha de São Martinho mobilizam
repertórios cristãos invocando uma política inclusiva de perten-
cimento que reage a articulações identitárias localizadas, exclu-
sivistas e xenofóbicas. Mesmo que esses “arquitetos sonoros” e
seus ouvintes não sejam cristãos praticantes ou comprometidos,

69
eles mobilizam a linguagem cristã para criar uma comunidade e
uma identidade caribenha mais integradoras.
Ainda assim, certamente no universo do entretenimento,
a relação entre a religião e a esfera da mídia não precisa ser tão
tranquila quanto os exemplos dos vídeos ganeses e do cinema tâ-
mil sugerem. Por exemplo, em Bangladesh (Hoek, 2008, 2009),
o cinema popular e a visibilidade a que expõe as mulheres – que
são de tal forma “desveladas” a ponto de aparecerem nuas em
cenas pornográficas – são fortemente contestados. Nesse caso,
a aparição pública das mulheres, que foi desencadeada pela
sua incorporação ao mercado de trabalho industrial remunera-
do, está sujeita a um debate moral lançado por membros da
classe média, debate esse em que a visibilidade e a obscenidade
aparecem como intimamente relacionadas. Lotte Hoek (2009)
mostra como as mulheres, na indústria cinematográfica, nego-
ciam as restrições religiosas e sociais de sua presença pública,
deixando de participar das cenas em que a mulher nua descre-
ve seus corpos e fala através de suas vozes. Nessas situações, o
recurso à dublagem, a cena de uma atriz sendo protagonizada
pela voz de outra, facilita esse processo de dissociação. Hoek
entende isso como uma adaptação da prática do porda – isto
é, os modos através dos quais a mulher se torna presente em
público – à dinâmica específica da indústria cinematográfica de
Bangladesh. Enquanto em Bangladesh as atrizes envolvidas na
indústria cinematográfica negociam com os padrões morais e
religiosos de classe média de forma a continuarem a participar
de filmes obscenos, no norte da Nigéria os filmes hausa são for-
temente criticados pelas autoridades muçulmanas porque exi-
bem em demasia o corpo feminino (Larkin, 2008; ver também
Krings, 2005) – tanto que os atuais padrões de censura tornam
praticamente impossível continuar a fazer filmagens (comuni-
cação pessoal de Larkin). Essas críticas não só atingem imagens
supostamente obscenas, mas também descartam a mídia fílmi-
ca em si, e sua ligação com o espaço alegadamente imoral do
cinema. Naturalmente, os espectadores podem ter uma ideia

70
diferente sobre esse tipo de filme. Como Martijn Oosterbaan
(2003, 2009) mostra, os convertidos nas favelas do Rio de Janei-
ro não só avaliam (e possivelmente rejeitam) o entretenimento
televisivo com base em sua visão de mundo pentecostal: eles
inclusive colocam sua fé à prova, observando em que medida
assistir a imagens obscenas ainda lhes causa sensações corporais
(pois a excitação sexual é vista como um sinal de mundanidade).
Ou seja, tanto na esfera da produção quanto na do consumo de
filmes, as pessoas mobilizam uma ética religiosamente susten-
tada para o agir, o ouvir (Hirschkind, 2001, 2006) e o assistir
(ver também Bakker, 2007).
Muitos outros exemplos de estudos realizados em nosso
programa de pesquisa (e de outros pesquisadores na área) pode-
riam ser invocados, mas o argumento é claro: eles demonstram
que a acessibilidade a (novas) mídias oferece um forte potencial
para transformações religiosas, enquanto, ao mesmo tempo, as
próprias mídias estão sujeitas a práticas de mediação religiosa.
Como a incorporação de novas mídias pode implicar mudanças
significativas nas formas sensoriais estabelecidas, nas estruturas
de autoridade e na presença pública de determinada religião,
um estudo da negociação envolvendo mídias oferece profundas
percepções sobre processos de vinculação e comunhão em tem-
pos atuais. Esta é a principal preocupação que impulsiona as
várias contribuições em Meyer (2009a).

71
A religião no domínio público

As contribuições em Meyer (2009a) aqui introduzidas


mostram que as novas possibilidades de as religiões se tornarem
públicas e de afirmarem suas presenças na esfera pública envol-
vem paradoxos e tensões. Embora restritos aos círculos religio-
sos, esses processos são frequentemente objeto de preocupação
e reflexão contínuas – expressas, por exemplo, por temores de
“diluição” – e os pesquisadores precisam ser cautelosos para não
incorrerem no risco de simplesmente repetirem tais visões da
mídia e da exposição pública como fatores de erosão da religião
“real” e dos laços sociais “reais”. É por isso que, na Seção II, re-
cusei o contraste entre comunidades estéticas e éticas baseado na
oposição entre o superficial e o verdadeiro, como sugerido por
Zygmut Bauman, e defendi uma análise atenta dos modos con-
cretos e das formas sensoriais através dos quais vínculos são pro-
duzidos na prática religiosa. Pela mesma razão, critico as ideias
de Manuel Castells sobre a erosão da religião na “era da infor-
mação” (ver também Meyer; Moors, 2006b, p. 5). Em sua opi-
nião, a adoção de modernas tecnologias de mídia de massa pela
religião seria responsável, em última instância, pela destruição
da legitimidade da religião baseada na mensagem de saída do
“sistema”. Discordo da opinião de que nesse processo “as socie-
dades são finalmente e verdadeiramente desencantadas porque
todas as maravilhas estão online e podem ser combinadas em
mundos de imagem auto-construídos”. (1996-1998, p. 406).
Como foi discutido na seção anterior, as contribuições em
Meyer (2009a) mostram que a adoção e o uso de novas mídias
estão sujeitos a negociação e, eventualmente, incorporação em
mediações religiosas existentes. Embora certamente a adoção de
mídias modernas tenha consequências intencionais e não in-
tencionais, é problemático analisar esse processo em termos de
desencantamento, como se essas mídias, como um Cavalo de
Tróia, fossem erodir a religião desde seu interior. A questão per-

72
tinente não é a do desaparecimento gradual da religião, mas a da
sua transformação. Como Hent de Vries apontou sucintamente
em uma crítica a Castells, “[o] que pareceu exaurir os recursos
da religião pode ser visto como a sua continuação mais efeti-
va e criativa” (2001, p. 13). De fato, a bem-sucedida presença
pública da religião hoje depende da capacidade de seus propo-
nentes de inseri-la no mercado da cultura e de adotar os meios
de comunicação audiovisuais para afirmar sua presença pública
(ver também Moore, 1994), sem deixar de se caracterizar como
religião e, portanto, como algo não redutível ao comum. Em
vez de fundamentar nossa análise numa visão essencialista de
comunidade ou de religião como coisas sob o risco de corrupção
pelas forças da midiatização, do entretenimento e da lógica do
mercado, é mais produtivo explorar como o uso de mídias ele-
trônicas e digitais efetivamente configura a transformação – e,
dessa forma, a continuação – tanto das comunidades quanto da
religião em nosso tempo.
É importante notar que as implicações da adoção de no-
vas mídias nas tradições religiosas precisam ser avaliadas à luz
de uma ordem social mais ampla, em particular examinando as
maneiras pelas quais os Estados regulam (ou são capazes e estão
dispostos a fazê-lo) o lugar e o papel da religião na sociedade.
Como Brian Larkin (2009) mostra em sua discussão sobre o uso
do rádio pelos reformadores muçulmanos no norte da Nigéria,
pregar através do rádio implicou a adaptação do Islã à moder-
nidade colonial. A preocupação do sheik Abubakar Gumil era
fazer o Islã deixar de ser um conjunto herdado de práticas que
sustentam a vida cotidiana e afirmam o poder dos sheiks sufi e
seus rituais mágico-místicos. Alternativamente, ele insistia que
muçulmanos lessem e compreendessem sozinhos o Hadith e o
Qur’an, em vez de depender da mediação dos sheiks sufi. Isso
implicou uma racionalização do Islã bem como uma intensifica-
ção da experiência religiosa. Dessa forma, o Islã foi embebido e
rearticulado dentro de um projeto secularizante que, todavia, se
mantém desordenado e repleto de paradoxos. De forma similar,

73
Stephen Hughes (2009) aponta como, no nascente cinema tâ-
mil dos anos 1930, seres mitológicos e devocionais se tornaram
centrais para o debate sobre categorias emergentes de secular e
de religioso, cuja vinculação mostrou-se inarredável. Com isso,
Hughes confere profundidade histórica aos debates atuais sobre
as versões televisivas do Mahabharatha e do Ramayana e seu
papel na ascensão do nacionalismo religioso hindu e na reconfi-
guração da relação entre religião e política na Índia (Mankekar,
1999; Rajagopal, 2001; ver também Dwyer, 2006).
Enquanto os capítulos de Larkin e Hughes apresentam os
antecedentes históricos da complicada relação entre mídia, re-
ligião, política e entretenimento, outras contribuições se con-
centram em cenários caracterizados por uma visível articulação
pública da religião e pelo apelo a formas religiosas na cultura
pública contemporânea. Os limites entre o religioso e o secular,
e entre religião, política e entretenimento, se tornaram cada vez
mais difíceis de traçar, e isso tem um impacto nas maneiras pelas
quais mobilizam-se pessoas e formam-se vínculos. Em Gana, a
ascensão impressionante das igrejas pentecostais como uma for-
ça pública seria impensável sem o recuo do Estado no domínio
da esfera pública no início dos anos 1990, como consequência
da adoção de uma Constituição democrática. Isso significou
não apenas uma hegemonia pentecostal na cultura popular, mas
também fez com que os políticos se interessassem pelo pentecos-
talismo, de modo a atrair o eleitorado cristão (Meyer, 2004a; de
Witte, 2008, 2009). No Brasil, a RCC e as igrejas neopentecos-
tais, que estão em busca de publicidade e credibilidade, fazem
uso deliberado da mídia de massa, que já havia se comerciali-
zado no período da ditadura, mas era rejeitada pela Teologia
da Libertação sob a suspeita de estar a serviço do imperialismo
político e cultural estadunidense (Abreu, 2009a). A presença
pública desse tipo de religião carismática, que facilmente adota
a televisão e outras modalidades de estrelato – em Gana, no
Brasil, na Venezuela e onde quer que seja –, aponta para sobre-
posições nos estilos desenvolvidos pelas religiões, pela política e

74
pela esfera de entretenimento, na mobilização de pessoas e nos
processos de vinculação. Um exemplo extremo de sobreposição
é o caso dos DJs caribenhos que usam o cristianismo como uma
linguagem pública adequada para expressar e reivindicar coisas
compartilhadas (Guadeloupe, 2009), mesmo sendo a população
bastante crítica em relação à religião cristã em si. Todos esses
exemplos marcam a imensa capacidade do cristianismo, como
uma religião global por excelência, em se disseminar e deixar
sua marca na esfera pública e, desse modo, afetar todos os domí-
nios da sociedade. Um argumento similar pode ser feito, creio
eu, em relação a outras “religiões mundiais” que se espalham
em virtude do desenvolvimento de formas sensoriais portáteis,
que podem ser transpostas em escala global (ver também Csor-
das, 2007). Os processos de expansão através da incorporação
de novas mídias, e os formatos e estilos que as acompanham,
desafiam nosso entendimento da religião “como a conhecemos”
na alta modernidade. Isso envolve não só o colapso dos limites
entre o domínio público secular e a esfera privada, mas também
paradoxos no que diz respeito à formação das comunidades que
acompanham transformações religiosas.
O paradoxo central percebido nas nossas pesquisas con-
cerne à lógica da expansão na esfera pública pela incorporação
de novas mídias e modos de representação, como mencionado
anteriormente. Como apresentei na seção anterior, as novas pos-
sibilidades de exposição pública podem ser consideradas como
ameaças aos modos já consolidados de vinculação. Um exemplo
é no caso já mencionado de Mãe Stella, que firmemente se opôs
à representação pública das formas e dos elementos derivados
do candomblé, e insistiu em manter o mais importante lon-
ge da luz das câmeras. Como Van de Port (2009) apresenta, a
rejeição por Mãe Stella da migração das formas expressivas do
candomblé para o entretenimento folclorizante exemplifica uma
política de manutenção de fronteiras. Entretanto, curiosamente,
isso não impele o candomblé ao total isolamento, uma vez que
o próprio ato de fixar tais limites já é, em si, uma performance

75
midiática: a reivindicação da diferença acontece em público e
é uma parte indissociável do projeto que afirma a importância
do candomblé, não por acaso em um momento de ascensão dos
cristianismos carismático e pentecostal.
Se para o candomblé, assim como para a Afrikania, exposi-
ção pública é algo problemático, ela é central para o proselitismo
pentecostal, sem deixar de envolver formas específicas de ambi-
valência e paradoxo. Como Martjin Oosterbaan (2009) aponta,
o avanço sobre o domínio público é assombrado pelo perigo de
profanação da mensagem. Igrejas como a neopentecostal brasi-
leira Igreja Universal do Reino de Deus mantêm seus próprios
estúdios de produção audiovisual, difundindo cultos que utili-
zam alta tecnologia, programas de auditório e novelas, notícias e
política, e, como o mundo é entendido como um teatro para a
guerra entre Deus e o Diabo, elas também lançam e apoiam can-
didatos nas eleições. Essas igrejas buscam criar uma esfera pen-
tecostal que é diferente do “mundo”, mas, por uma questão de
necessidade, dependem do uso de mídias e de técnicas de repre-
sentação que também operam fora do pentecostalismo. Portan-
to, disseminar-se, paradoxalmente, não só envolve um avanço
sobre o “mundo”, mas também sua incorporação (ver também
Spyer, 2008).22 Para esses pentecostais acostumados ao universo
da mídia de massa, torna-se cada vez mais difícil traçar os limi-
tes entre estar no mundo e não ser do mundo. Quanto maior é
a comunidade dos “renascidos no espírito” que se dissemina e
ganha espaço, maior é o desafio de não se misturar pelo recurso
a limites cujo desenho é sempre desestabilizado por impulsos

22
Claro, isso é antecipado pela famosa distinção de Clifford Geertz (1973) entre mo-
delos religiosos “do mundo” e “para o mundo”, que é também baseada no impulso
de criar o mundo à luz da imagem ideal que os fiéis têm dele. Entretanto, enquanto
que para Geertz a transformação do mundo acontece seguindo um conjunto de
normas, nos casos compilados em Meyer (2009a) encontramos um forte impulso
de capturar e, de certo modo, colonizar o mundo como um espaço que é visto
como um palco para a batalha final entre Deus e o Diabo, palco que implica todos
os domínios da sociedade.

76
de expansão. De forma semelhante, como Marleen de Witte
(2009) aponta, a Igreja Evangélica Central Internacional (IECI)
encontra dificuldades em converter o amplo público a ser evan-
gelizado em audiência, e também em tocar essa audiência de tal
forma que esteja preparada a se tornar parte da comunidade re-
ligiosa, em vez de simplesmente comparecerem aos cultos como
meros clientes em busca de saúde e prosperidade. Claramente,
também aqui o projeto de expansão desafia modelos cristãos an-
teriores de organizar os fiéis, como, por exemplo, aquele baseado
em congregações. Maria José de Abreu (2009a) também ressalta
a particularidade da produção da comunidade dos carismáticos
como uma performance contínua que nunca está completa –
um corpo que respira – e, portanto, impossível de fixar e con-
trolar dentro de limites estabelecidos (o que muito incomoda a
Igreja Católica). Essa forma de produzir comunidade – verda-
deiramente, no sentido de uma formação estética – ressoa com
os estilos de vínculo mobilizados pelo Movimento Raeliano,
que também opera conclamando o corpo e os sentidos, com
um forte apelo estético (Machado, 2009). Não obstante a estrita
estrutura de liderança raeliana, as convenções do grupo geram
modos e disposições em formas que guardam muito em comum
com eventos e festivais de dança e música.
Todos esses exemplos permitem enxergar os paradoxos e
ambivalências envolvidos na produção de formações religiosas
contemporâneas. Muitas contribuições em Meyer (2009a) dis-
cernem uma ponderação contínua entre se expandir e não se
misturar, entre abraçar o mundo e permanecer distante, entre
mobilizar e conclamar o público e impor algum tipo de limite
por meio do qual os fiéis são mantidos à parte. Enquanto isso
envolve complicadas negociações dentro dos grupos religiosos,
tal ponderação não pode, entretanto, ser meramente reduzida
à erosão da religião, muito menos à secularização. Ao contrá-
rio, o próprio domínio público é afetado – ou, para retomar
o termo de Maffesoli, “poluído” – pela religião. Entendo esse
termo poluição no sentido de Mary Douglas (2002[1966]),

77
sinalizando “algo fora de lugar”, a religião não devendo estar
presente na imagem ideal da esfera pública tal como foi notoria-
mente articulada por Jürgen Habermas (1989[1962]). De fato,
as implicações teóricas e políticas da disseminação de formas e
elementos religiosos na esfera pública, a qual era há muito tem-
po tida como um domínio secular – disseminação que resulta,
obviamente, numa mistura desconcertante de religião, política
e entretenimento, questionando assim a possibilidade de traçar
limites entre religioso e secular – apenas começam a ser enfren-
tadas a partir de uma perspectiva global (e não meramente oci-
dental) e necessitam de nossa atenção (Salvatore, 2007; Schulz,
2006b; Willford; George, 2004). O fato de ser cada vez mais
difícil de dizer onde a religião termina, e começa, tem sérias im-
plicações para a nossa compreensão sobre a relação entre religião
e “o mundo” nos tempos atuais.
Nesse contexto, a enorme importância da estética e do cor-
po, que é enfatizada não só na prática religiosa, mas também nas
esferas da política, do entretenimento, e no domínio público em
geral, suscita questões cruciais. Refletindo sobre o apelo do cor-
po na política e nas religiões contemporâneas, Rafael Sánchez
(2009) situa os pentecostais venezuelanos em um desenvolvi-
mento mais amplo da ordem política em direção a uma erosão
da demarcação entre o público e o privado e o concomitante
“retorno da corporalidade, da visceralidade e dos sentidos para o
centro das atenções”. A prática da política, ele observa, se torna
mais e mais análoga ao modo de operação do Espírito Santo,
que sensorialmente recruta os fiéis em sua cruzada para dominar
o mundo. Assim como os cultos pentecostais, a esfera pública
venezuelana se tornou um lugar em que uma política de repre-
sentação, com seus próprios registros de reflexão crítica baseadas
no distanciamento, está sendo substituída por um esforço que
busca a presença imediata e “viva” do poder político, o qual, por
sua vez, está fortemente inspirado em registros vindos do entre-
tenimento televisivo (Sánchez, 2001). Percebendo mundo afora
processos similares de redução do político a uma batalha espi-

78
ritual entre Deus e o Diabo, Sánchez (2009) encerra seu texto
elucubrando se “algo de bom poderá resultar de tal inquietante
situação, tão infestada de visceralidade”.
Apesar de difícil resposta, a pergunta em si é de imediata
relevância para a proposição central feita neste texto: a necessi-
dade de um deslocamento conceitual da noção de comunidades
imaginadas para a de formações estéticas. Como pontuei na se-
ção I, em trabalhos anteriores sobre a formação de comunida-
des, a dimensão corpórea foi um tanto negligenciada. É óbvio
que tal negligência de forma alguma implica que esta dimen-
são não seja, de fato, importante na vida social: o problema é
que ela não chamava muita atenção nos estudos acadêmicos.
Entretanto, o fato de que as ciências sociais demonstrem atu-
almente forte interesse no corpo, nos sentidos, na experiência
e na estética sinaliza um reconhecimento crescente de que o sur-
gimento e a continuidade de formações sociais dependem de
estilos que formam e vinculam sujeitos, não apenas por meio
de imaginações cognitivas, mas também através do moldamento
dos sentidos e da construção de corpos. Não é de se admirar que
esse interesse aparece ao mesmo tempo em que muitas religi-
ões aproximam-se de uma forte e deliberada ênfase em espeta-
culares experiências sensoriais, o domínio público tornando-se
um palco para a autorrepresentação e exposição de identidades
(como sinalizado por Warner (1992) na sua crítica a Habermas
e sua visão – que desconsidera o corpo – sobre a esfera pública
como algo constituído por cabeças falantes), os políticos cada
vez mais frequentemente apresentando sua vida pessoal como
estratégia e sendo provocados a provar sua autenticidade. Na
Erlebnisgesellschaft (Schulze, 1993),23 o corpo e os sentidos que
são estimulados para provocar grandes sensações certamente
demandam reflexão e pesquisa.

23
N.E.: Sociedade das sensações e das aventuras é uma tradução possível do título
do livro de Schulze.

79
A atenção conferida pelos estudiosos ao corpo e aos senti-
dos, no entanto, não deveria se traduzir em uma mera celebra-
ção da corporeidade, nem uma adoção acrítica do corpo como o
terreno real da experiência. Esse ponto é levantado, perceptivel-
mente, por Lotte Hoek (2009), que explicitamente observa não
só como a visceralidade da corporeidade seduz, mas também
como ela pode ser evitada. De acordo com a autora, é exata-
mente por saberem do poder visceral das imagens cinematográ-
ficas que as atrizes buscam se esquivar de serem devoradas pelo
desejo masculino. Elas buscam fazer isso adotando a prática da
porda, que rompe a ligação entre suas próprias vozes e corpos
e a imagem cinematográfica. Longe de tomar o corpo como a
fonte definitiva, como se fosse natural, da verdade, os textos em
Meyer (2009a) aqui introduzidos buscam enfatizar que o corpo
em si não é um dado, mas é inscrito via formas religiosas ou ou-
tras formas sensoriais, e ainda via estruturas de repetição. Como
estudiosos, é fundamental que compreendamos como e porque
o corpo se tornou tal poderoso repositório de verdade e autenti-
cidade nos dias atuais (ver também Shusterman, 1997), a ponto
de ser, quando carregado de poder espiritual, mobilizado con-
tra experiências de perda e insegurança. Dessa forma, tentamos
apreender, de um lado, o apelo da corporalidade e da viscerali-
dade quando aparecem como mensageiros da verdade, indepen-
dentes dos discursos; e, de outro lado, a efetiva mobilização do
corpo em projetos e formações sociais que visam a produção de
vínculo e comunidade. Em suma, em Meyer (2009a) o que está
em jogo é compreender como o corpo é sujeito a processos de
formação e, ao mesmo tempo, é investido de uma aura de pleni-
tude que nega o processo de formação – do mesmo modo como
a imediatez também depende da mediação e da sua negação.

80
Religião material: como as coisas importam1
em co-autoria com Dick Houtman

Este estudo aborda a relação entre a religião e as coisas.2


Essa relação é concebida em termos antagônicos há muito tem-
po, como se as coisas não pudessem importar para a religião de
nenhuma maneira fundamental. Esse antagonismo está alinhado
com todo um conjunto de oposições que privilegiam o espírito à
matéria, a crença ao ritual, o conteúdo à forma, a mente ao cor-
po, e a contemplação interior à “mera” ação externa, produzindo
uma compreensão da religião basicamente em termos de uma
experiência espiritual interna. De fato, não era a oposição entre
espiritualidade e materialidade uma característica definidora da
religião, entendida como direcionada para um “além” transcen-
dental que era “imaterial” por definição? Fundada na ascensão
da religião como uma categoria moderna, com o protestantismo
como seu principal expoente, essa conceituação implica a des-
valorização da cultura material religiosa – e da materialidade em
geral – como carecendo de interesse teórico e empírico sério.
Essa postura tem norteado o estudo da religião por muito
tempo, tendo as crenças e as questões de significado como domí-
nios privilegiados de investigação. Embora tenha sido desafiada
nas últimas décadas, tal conceituação ainda persiste na discus-
1
Nota dos editores. Este texto, escrito em coautoria com Dick Houtman, foi publi-
cado originalmente como introdução do volume Things: Religion and the Question
of Materiality, organizado por Houtman e Meyer e lançado em 2012 pela Fordahm
University Press. Tradução de Bruna da Silva Rosa, Louise de Vasconcelos e Rafael
Augusto Silva dos Santos, sob a supervisão e a revisão de tradução da Prof.ª Dr.ª
Elizamari Rodrigues Becker (UFRGS).
2
Gostaríamos de agradecer a Petra Gehring, Galit Hasan-Rokem, Niklaus Largier,
David Morgan, Mattijs van de Port, Irene Stengs, Terje Stordalen e a Jojada Verrips
pelas sugestões úteis e pelo encorajamento ao escrever este volume. Birgit Meyer
trabalhou neste texto durante sua filiação ao Instituto de Estudos Avançados, Ber-
lim (2010-2011).
são diária sobre a religião nas sociedades ocidentais. Religiosos e
seus opositores (ateus) falam do espírito e da matéria como sen-
do mutuamente exclusivos. Eles consideram que a religiosida-
de verdadeira e sincera é “antimaterialista” e, da mesma forma,
“interior” e “espiritual”. O fascínio atual pela espiritualidade e
pela Nova Era expressa uma busca por esse tipo de religiosidade,
enquanto as religiões mais ritualísticas e orientadas para o ex-
terior são marcadas como inferiores, superficiais ou até mesmo
insinceras3. Por sua vez, críticos ateus mobilizam o materialis-
mo – referindo-se, por exemplo, à biologia evolutiva – em suas
cruzadas contra a religião, argumentando que a matéria é tudo
que existe4. Ambas as posições representam dois lados da mesma
moeda: o presumido antagonismo entre religião e materialidade.
Reverberando debates pós-iluministas do norte da Europa
sobre a religião em relação à matéria e ao materialismo, o anta-
gonismo entre a religião e as coisas e entre a espiritualidade e a
materialidade é um legado do “passado religioso” que exige nos-
sa atenção cuidadosa. Esse antagonismo é sustentado por uma
definição, amplamente aceita, de religião como um sistema de
“crença em seres espirituais”, nas palavras de E. B. Tylor (1924)5.

3
Ver: Aupers; Houtman, 2010; Aupers; Houtman, 2006; van der Veer, 2008; 2010;
Heelas, 1996; Heelas; Woodhed et al, 2005.
4
Tais debates ecoam o que se tornou conhecido como a Materialismusstreit na Ale-
manha do século XIX. O debate polêmico entre o zoólogo Carl Vogt, que defendia
uma cosmovisão materialista que dependia estritamente das ciências naturais, e o
fisiologista Rudolf Wagner, que insistia que as ciências naturais não tinham nada a
dizer sobre a existência de Deus, moldaram discussões públicas sobre as consequ-
ências do aumento do conhecimento científico a partir da década de 1840. A opo-
sição bastante simplista entre matéria e ideias foi transcendida pelo materialismo
dialético. No entanto, essa oposição continuou a moldar a opinião pública até os
nossos dias como mostram, por exemplo, as polêmicas antirreligiosas de Richard
Dawkins e as campanhas pró-ateístas. Pesquisas recentes sobre o cérebro, por exem-
plo, a questão de um “gene religioso”, também são frequentemente mobilizadas
nesse contexto.
5
Ver: Tylor; Edward B., 1924. Ver a famosa crítica de Talal Asad sobre a definição
geertziana da religião em termos de “crença” (Asad. 1973; 1993); ver também (Ne-
edham, 1972).

82
Ao longo dos últimos vinte anos, desenvolveu-se uma contínua
crítica da “crença” como conceito orientador no estudo da reli-
gião, com base no fato de que isso privilegia uma preocupação
com a interioridade, o significado e a consciência – com a men-
te, codificada como “imaterial” – em detrimento de questões
de poder, prática e materialidade, tornando-nos cegos quanto
à forma como a religião aparece e se torna tangível no mundo.
Muitos estudiosos agora concordam que a “crença” é parte inte-
grante de uma religiosidade tipicamente protestante e, portanto,
historicamente situada (ver Peter Pels, 2008; Matthew Engelke,
2012a), mas eles são herdeiros de uma disciplina que universa-
lizou a “crença” no âmago da noção das “religiões do mundo”,
fundando e possibilitando o estudo comparado da religião no
século XIX6. No entanto, como Donald Lopez diz sucintamen-
te: “a crença aparece como uma categoria universal por causa
das reivindicações universalistas da tradição na qual ela era mais
central, o Cristianismo” (1998)7. Ao invés de ser uma disposi-
ção universal que, naturalmente, constitui a característica defi-
nidora da religião, a “crença” tem sido universalizada” por meio
de práticas políticas, religiosas e científicas, tais como esquemas
evolutivos, missões cristãs e governança colonial.
Longe de operar como um conceito politicamente neutro,
a “crença” está demonstradamente alinhada a uma ideia mais
ampla e secularista de religião como sendo interiorizada e pri-
vada, segundo a qual a religião localiza-se idealmente fora da
esfera pública8. Nos últimos anos, na Europa e fora dela, a tré-
gua secularista que manteve a religião (cristã) mais ou menos
fora da esfera pública foi rompida. Em parte por causa da mi-

6
Embora, dentro do discurso cristão, os termos crença e fé sejam usados de forma
intercambiável, a fé está mais íntima e exclusivamente ligada à religiosidade pro-
testante do que a crença, que também é usada em sentido geral, como mostram as
definições de religião de Tylor a Clifford Geertz. Sobre a distinção entre fé e crença,
ver: Smith, 1979; Morgan, 2010b.
7
Ver Masuzawa, 2005 e Lopez Junior, 1998.
8
Ver Lopez Jr, 1998.

83
gração transnacional, as sociedades ocidentais tornaram-se mais
cultural e religiosamente diversas. O surgimento do “islamismo
político”, em particular, provocou um acalorado debate entre
estudiosos e na sociedade em geral sobre o lugar e o papel da
religião na nossa era “pós-secular”9. Curiosamente, esses debates
frequentemente são sobre a (perturbadora) presença pública de
“coisas” – tais como véus ou mesquitas – que são responsabili-
zadas pela corrosão da suposta neutralidade da esfera pública,
como Annelies Moors (2012) argumenta no volume introduzi-
do por este texto. Como Michiel Leezenberg (2012) mostra em
seu ensaio, uma esfera pública desse tipo geralmente é atribuída
exclusivamente ao Ocidente, ignorando assim o surgimento de
espaços públicos seculares para discussões literárias e políticas,
tais como o café otomano no início da era moderna. De fato, os
debates sobre a forma da esfera pública normalmente assumem
como uma exigência normativa que o interior privado da sub-
jetividade individual seja o local adequado para a religiosidade
moderna, revelando que a “crença” é uma noção crucial do se-
cularismo. Exatamente por isso, ela é problemática como um
conceito acadêmico. Por outro lado, a preocupação com “coisas”
religiosas que são percebidas como perturbadoras revela a lacuna
entre as compreensões normativas da crença como interior e a
real presença material e tangibilidade da religião.
Em suma, a crítica e a rejeição da “crença” ou, mais ampla-
mente, de uma religiosidade interior espiritualizada como um
conceito acadêmico norteador levantam grandes questões para
o estudo da religião em geral, que apenas começamos a explorar.
Como podemos nos aproximar da religião, estudá-la e falar so-
bre ela de maneiras novas e críticas e a partir de uma posição que
ultrapasse conceitos desgastados como o de “crença”?
Ir além da “crença” como conceito norteador não significa
abandonar qualquer interesse na religiosidade interior e espiri-

9
Ver, por exemplo, Jose Casanova, 1994; 2004; 2008. Sobre a religião moderna
como essencialmente religião privada, ver Luckmann, 1967.

84
tualizada – como a fé protestante, a espiritualidade da Nova Era
ou a contemplação budista – como objeto de estudo. Pelo con-
trário, como diz David Morgan (2010b), o ponto é examinar “as
condições que moldam os sentimentos, os sentidos, os espaços
e as manifestações da crença, isto é, as coordenadas materiais ou
as formas da prática religiosa”10. Dado que a conceituação em
si é historicamente situada e política, moldando e sendo mol-
dada por debates e políticas relativas à religião11, devemos estar
atentos às políticas de uso de conceitos religiosos e conceitos de
religião no passado e no presente. Embora concordemos com
a necessidade de questionar a possibilidade de uma definição
universal da religião, consideramos necessário resistir a uma pos-
sível consequência desse empreendimento: a dissolução e a re-
jeição do termo religião. Como um legado do passado, a religião
está conosco como um termo de “segunda ordem”, que aparece
nos debates acadêmicos e públicos e que precisa ser abordado,
ao invés de simplesmente abandonado. Como indica a expres-
são “o futuro do passado religioso”, título do programa de pes-
quisa que foi a base para o volume que organizamos (Houtman;
Meyer, 2012) e que é aqui apresentado, abordamos a religião
como sendo historicamente constituída – a religião “como a co-
nhecemos” – e, ao mesmo tempo, como apontando para algo
que ainda precisamos descobrir.
No volume inaugural da série de livros The Future of the
Religious Past (2008)12, Hent de Vries apela para uma atitude
“profundamente pragmática” que, pelo menos por enquanto,
suspenderia a conceitualização da religião em um nível geral:
“Falar sobre ‘Religião: além de um conceito’ poderia simples-
mente significar que um conceito ou um conjunto de conceitos
ainda não está disponível para o seu fenômeno, para o(s) seu(s)

10
Ver: De Vries; Sullivan, 2007; Taylor, 2007; Habermas, 2005; Achterberg, Hout-
man, 2009.
11
Ver Morgan, 2010b; Orsi, 2011.
12
Ver: Smith, 1982; Asad, 2003; Salemink, 2011.

85
conjunto(s) de fenômenos e, portanto, precisa ser inventado ou
reinventado, criado ou revivido, cunhado ou rearticulado” (De
Vries, 2008, p. 5)13 Como os termos para o estudo da religião
“necessitam ser constantemente redescritos e repensados” (De
Vries, 2008, p. 6) o emprego de De Vries do “ainda não”, a
nosso ver, não trai um esforço por um conceito final e universal
de religião, mas antes expressa uma tensão produtiva entre a
conceitualização e o estudo empírico que existe ad infinitum.
Nesse contexto, a “religião” é uma categoria negativa, não defi-
nível como algo que já conhecemos, mas que permanece elusi-
va, resistindo à conceitualização, presente como uma espécie de
“extra” no mundo ordinário e tangível. Em vez de partir de um
ou de outro conceito, De Vries apela a uma abordagem “de bai-
xo para cima”, que adotaria “o singular” ou “o particular” como
ponto de entrada metodológico para o estudo da religião:
Palavras, coisas, gestos e poderes – como sons, silêncios,
cheiros, toques, formas, cores, afetos e efeitos – podem ser vis-
tos como ocorrências do “cotidiano”, da “extraordinariedade do
ordinário”, da “ordinariedade do extraordinário”, do “comum”,
do “baixo”. Eles são o visível e o tangível, as condições vivas e
capacitadoras do “religioso”, ao mesmo tempo que tipificam sua
suposta contraparte, “o secular”, incluindo todas as variedades
da experiência moderna no meio (De Vries, 2008, p. 66).
A religião, nesse entendimento, mobiliza o sentido de um
“além” que é impossível de se capturar completamente através
de qualquer conceito ou definição – uma esfera de possibilida-
des, ao invés de um objeto fixo ou, para evocar a feliz frase de
Mattijs Van de Port (2010), “o-resto-do-que-é”14. Se evocando

13
Portanto, De Vries argumenta: “somente se quisermos ir além do conceito como
nós (achamos que) conhecemos, poderemos nos abrir a um fenômeno ou conjunto
de fenômenos cuja densidade (‘espessura’) e imprecisão (‘finura’) pertençam ao ‘co-
ração’ de sua ‘matéria’ e constituam suas referências em sua ‘essência’, ou seja, sua
lógica e gramática”. (2008, p. 5).
14
Em sua recente palestra inaugural, Mattijs Van de Port introduziu a noção de
“o-resto-do-que-é” para indicar as deficiências da linguagem e de outros registros

86
esse “além” estamos em dívida com a teologia protestante e sua
noção de Deus como alteridade absoluta, e portanto, contra-
bandeando uma compreensão tipicamente cristã para nossas in-
vestigações15, isso é uma questão aberta a mais debates. A ideia
básica de De Vries, de que só podemos “conhecer”, ainda que
não completamente, a religião através de suas manifestações
passadas e presentes, abre um diálogo potencialmente frutífero
entre as ciências sociais, as humanidades, os religious studies e a
teologia. Seu chamado para explorar as formas e os elementos
particulares, através dos quais a “religião” é instanciada – ou,
como diríamos, materializada – no mundo, como parte de uma
abordagem pragmática da religião, que a entende como ainda
não conhecida, situa-nos muito além das posições metafísicas
ou empiristas, bem como dos dualismos relacionados, tais como
idealismo versus materialismo.

A religião e a questão da materialidade

Coisas são uma das “singularidades” – juntamente com


poderes, gestos e palavras – usados como articulações para cris-
talizar nosso programa de pesquisa16. Esse interesse pelas “coi-
sas” ecoa a preocupação atual com a materialidade no estudo da

simbólicos para capturar a experiência religiosa. “O-resto-do-que-é” está além da


significação, ainda que presente de forma negativa e indireta. Ver: Van de Port,
2010; 2011. Essa perspectiva ressoa com a abordagem de Meyer sobre a religião
como implicando “formas sensoriais” autorizadas que induzem um senso de limite
a partir do qual surgem as experiências do sublime. Ver Meyer, 2008c. Como De
Vries e Van de Port, considero a “religião” como um dos lugares que se abrem
para um “além” que é registrado como indeterminável. Resistindo à completa - e
exaustiva - significação, um sentido desse “além” é gerado através de formas com-
partilhadas e repetitivas.
15
Ver: Hirschkind, 2011 e a resposta de Engelke, 2011.
16
A série inclui: De Vries 2008a; Borg; Van Henten, 2010; e futuros volumes inti-
tulados Words, ed. Ernst Van den Heme, Asja Sjafraniec (2016), and Gestures, ed.
Anne-Marie Korte and Martin van Bruinessen.

87
religião que, por sua vez, tem sido estimulada por debates mais
amplos no rastro da “virada material”.
Materialidade tornou-se um termo quase mágico nos es-
tudos atuais das ciências sociais e humanidades. Em alemão,
o termo materialidade pode ser desdobrado ainda mais como
Stofflichkeit (“substancialidade”), Dinglichkeit (“coisidade”),
Körperlichkeit (“corporeidade”), e Wesentlichkeit (referindo-se
ao que é essencial, substancial, importante). De um jeito ou de
outro, a defesa da materialidade indica a necessidade de prestar
atenção urgente a um mundo de objetos real e material e a uma
textura de experiência vivida e corporificada. Na língua em que
este artigo foi originalmente escrito, a inglesa, sua importância
pode ser invocada tanto como substantivo (como em “the mat-
ter of belief ” (Morgan, 2010)) quanto como verbo (como na
versão original de nosso subtítulo, “How things matter”). E, no
entanto, existe uma lacuna entre a promessa de concretude que
faz com que a virada em direção às “coisas” e à noção de “mate-
rialidade” pareçam tão atraentes, por um lado, e a nossa com-
preensão ainda insuficiente e a falta de concordância sobre o que
queremos dizer por “matéria” e “materialidade”, por outro17.
Essa falta de clareza decorre do fato de que “matéria” em
si, embora insinuando a existência de um “algo” pré-discursivo
e material que, no entanto, não existe em uma forma fixa, é
um conceito historicamente situado. Como conceito, matéria
é parte de diferentes dualismos conceituais, de um polo oposto
à “forma”, como na filosofia grega clássica, ao “transcendental”,
como na filosofia idealista alemã; de um polo oposto a “Deus”,
como na teologia cristã, ao “Espírito” e “espíritos”, na teosofia e
no espiritualismo moderno. Em outras palavras, matéria e mate-
rialidade são termos que têm, como Peter Pels (2008) explica em

17
Uma genealogia das discussões acadêmicas sobre materialidade e abordagens ma-
terialistas e os dualismos bastante diferentes nelas implicadas - materialista vs. ide-
alista, material vs. espiritual, objeto vs. sujeito, matéria vs. espírito, natureza vs.
cultura, concreto vs. abstrato - ainda precisa ser escrita.

88
seu ensaio, um “caráter relacional”, implicando que seus signifi-
cados mudam “dependendo de como a relação é conceituada”.
Portanto, ao invés de oferecerem um atalho para o tangível e o
concreto, os termos matéria e materialidade evocam questões
conceituais complexas que percorrem toda a história da filosofia.
Se a matéria e a materialidade são – e só fazem sentido
como – termos relacionais que prosperam no contraste, que
contrastes com a matéria e a materialidade são evocados no âm-
bito da “virada material” que tem se manifestado nas ciências
humanas e sociais desde meados da década de 1980? Contra
o quê se deu a “virada material”? A “virada material” afeta um
campo diverso. Suas diferentes vertentes incluem: a reavaliação
da cultura material na antropologia a partir de uma perspec-
tiva do materialismo dialético marxista, como proposto por
Daniel Miller (1987; 2005)18 a análise crítica da microfísica do
poder a partir de uma perspectiva foucaultiana; explorações fe-
ministas sobre “matérias corporais” inspiradas por Judith Bu-
tler (1993); a preocupação com imagens e outras obras de arte
como “corpos” ou “coisas” que exercem influência sobre os es-
pectadores, como foi desenvolvido por Hans Belting (2011),
David Freedberg (1989), Alfred Gell (1998) e W. J. T. Michell
(1994; 2005); a teoria do ator-rede de Bruno Latour (2005);
ou trabalhos recentes das neurociências que nos levam a encarar
como material o que há muito se tinha por imaterial – a mente
(Dennett, 1981). Debates importantes surgem dentre e entre
essas diferentes vertentes, particularmente no que se refere às
implicações do argumento, feito pelos neurocientistas, de que a
mente é matéria (Dahlbom, 1993).
A atenção à matéria e materialidade nas ciências humanas
e sociais surgiu por meio de uma insistente insatisfação com
abordagens que tomam ideias, conceitos, ideologias ou valores
como abstrações imateriais consideradas como impulsionadoras
da história. Privilegiar o abstrato sobre o concreto reduz a cultu-

18
Ver Myers, 2005.

89
ra material (bem como palavras e gestos) a expressões de um sig-
nificado subjacente ou ao status de “meros” signos. A insatisfa-
ção atual e persistente com o construtivismo é particularmente
importante na demanda por colocar a materialidade no centro
da pesquisa acadêmica. Embora a ênfase na construção tenha
sido importante para desmascarar ideologias essencializantes e
a naturalização de categorias como gênero e outras identidades,
ela implica em um sentido enganoso de ficcionalidade (isto é, a
construção é entendida como sendo a “inventada” e, portanto,
intercambiável com outras ficções) e até arbitrariedade. Dessa
forma, a natureza concreta e tangível da construção pode ser
ignorada com demasiada facilidade.19 Como Bruno Latour
aponta, a construção precisa ser entendida como um empreen-
dimento mais sólido do que uma operação conceitual que cria
“meras” ficções sem existência material.20 A materialidade, como
argumenta Judith Butler (1993), não é uma essência primor-
dial, mas um efeito de poder que molda os corpos e o mundo
material. Uma vez que a materialidade é organizada através da
forma, deve-se focar em como os processos de formação social
e política criam um mundo tangível e material.21 Portanto, as
construções socioculturais devem ser entendidas como práticas
de produção de mundo que investem o que construíram de um
poder e uma realidade intrínsecos. O mundo não está “lá fora”
ou não é um ponto de referência que é representado através da
significação (como nas abordagens saussureanas); em vez disso,
a operação mesma de significação alcança seus próprios efeitos
de realidade tangíveis e concretos.

19
Ver Meyer (2009, p. 5-11).
20
A tangibilidade da construção é retratada vividamente na imagem de um canteiro
de obras inserida na capa do livro de Latour, Reassembling the Social.
21
Butler recorre à concepção clássica de hyle (“madeira”; Butler, 1993, p. 31-32). Para
Aristóteles, a matéria é um potencial que deve ser moldado pela forma. A forma
organiza a matéria de uma maneira particular. Esse é um ponto de partida muito
proveitoso para pensar sobre o nexo da matéria e do social.

90
No estudo da religião, a atenção à matéria e à materialidade
levanta questões fundamentais. Pois a religião é imaginada há
muito tempo em oposição à matéria e à materialidade, enquan-
to algo orientado para o imaterial. Surgindo ao lado das ciências
naturais, na Europa, a partir do século XVII, num processo pelo
qual a teologia perdeu sua posição privilegiada na explicação do
mundo, o “materialismo” circunscreveu uma postura polêmica
e não estritamente filosófica. Usado inicialmente como uma ex-
pressão desdenhosa para a atitude daqueles que tolamente nega-
vam a existência de Deus em favor da pura matéria, no século
XIX o materialismo veio a expressar uma posição claramente
antirreligiosa (como, por exemplo, com Feuerbach). Excluindo
a possibilidade da crença em Deus e na alma, o materialismo foi
mobilizado contra a religião enquanto, por sua vez, as cosmovi-
sões religiosas e a teologia cristã se opunham ao materialismo.22
Embora essa compreensão “vulgar” do materialismo ainda seja
evocada em debates sobre a suposta irracionalidade da crença
religiosa, na filosofia ela foi superada pela dialética hegeliana e
pelo materialismo dialético marxista.
Em 2000, David Chidester sinalizou “um horizonte emer-
gente para o estudo da religião que poderia ser chamado de um
novo materialismo”. Embora não tenha declarado qual “velho”
materialismo ele tinha em mente, consideramos que ele se re-
feria aos ataques do século XIX à filosofia idealista e à teologia.
Em contraste, o “novo” materialismo não é uma crítica da reli-
gião em nome da pura matéria, mas sim uma crítica interna ao
estudo da religião que defende um acordo com a materialidade
como parte (do estudo) da religião. Não se trata de simplesmen-
te desmascarar entidades como Deus, deuses e espíritos como
sendo ficções, mas de compreender como práticas de media-

22
O termo Materialismus foi usado como um insulto para se referir a uma postura
equivocada baseada em um erro problemático. Somente no curso da Materialis-
musstreit o materialismo foi invocado como uma autodescrição positiva. O proble-
ma com as mobilizações atuais da postura materialista é que elas dependem de uma
visão desatualizada da matéria. Ver: Bunge, 2010.

91
ção religiosa concretizam a presença dessas entidades no mundo
através de sensações corporais, textos, edifícios, imagens, objetos
e outras formas materiais que envolvem corpos e coisas. Quando
Chidester (2000) lançou o termo, ele descobriu que esse “novo
materialismo” ainda estava em grande medida implícito na pro-
dução acadêmica que explorava como a religião é implementada
em domínios materiais e concretos, como o corpo e os sentidos,
objetos e relações de troca, ou coisas e espaços. Mas um pouco de-
pois, materialidade e cultura material tornaram-se palavras-chave
no estudo da religião23, gerando novas questões empíricas sobre
como as religiões moldam o mundo de uma maneira concreta.
Esses termos são agora proeminentes em uma série de pu-
blicações24, incluindo a revista interdisciplinar Material Religion
(da qual Meyer é uma co-editora), lançada em 2005. O trabalho
nesse novo campo mostra que, para recorrer a uma expressão
muito usada, “levar a materialidade a sério” não só produz estu-
dos empiricamente ricos de fenômenos até então marginaliza-
dos, mas sobretudo oferece um ponto de partida produtivo para
novas abordagens da relação complexa entre religião e coisas
no passado, no presente e, possivelmente, no futuro. Como os
editores de Material Religion declararam recentemente: “Mate-
rializar o estudo da religião significa perguntar como a religião
acontece materialmente, o que não deve ser confundido com
a pergunta bem menos útil de como a religião é expressa na
forma material. Um estudo material da religião começa com
a suposição de que as coisas, o seu uso, a sua valorização e o

23
Importante notar que acadêmicos tendem a usar mais os termos “materialidade" e
"cultura material”, que “materialismo". Isso pode ser um eco dos séculos XVIII e
XIX, quando o termo materialismo poderia ser um insulto? Isso seria um sinal de
algum distanciamento entre a dialética marxista e o materialismo histórico?
24
Ver: Bynum, 2011; Engelke, 2012b; Keane, 2007; Frances King, 2010; Kohl,
2003; McDannell, 1995; Morgan, 2005; 2008;2010b; Orsi, 2006; Stolow, 2010;
Williamson,2011; Carp, 2006; Molendijk, 2003.

92
seu apelo não são algo que se acrescenta a uma religião, mas
sim algo dela indissociável.25
À luz do tradicional antagonismo entre religião e coisas,
considerar que as coisas são “indissociáveis” da religião nos leva
a um paradoxo intrigante. De fato, uma vez despertada a sen-
sibilidade para a importância da materialidade, pode-se ape-
nas concordar que “a ideia da religião propriamente dita é em
grande parte ininteligível fora de sua encarnação em expressões
materiais”, como Elisabeth Arweck e William Keenan (2006)
disseram em uma das primeiras obras explicitamente dedicadas
a explorar a materialidade da religião. A união de espírito e ma-
téria, “encarnação” (tanto entendido como “a palavra tornada
carne”, “transubstanciação” ou, em um sentido mais amplo,
como o “ícone” ou “possessão por espírito”) descreve o processo
pelo qual o “além” a que se refere a religião (seja ele chamado de
transcendental, espiritual ou invisível) torna-se tangível e torna-
-se presente no mundo. E, no entanto, se as coisas materiais são
indispensáveis – se, como diz Webb Keane, “as ideias devem
assumir forma material em algum estágio” (2008b, p. 230) – só
podemos nos perguntar por que é tão difícil reconhecer isso, de
modo que precisamos de tantos esforços – como a organização
da revista Material Religion ou a montagem de um volume inti-
tulado Coisas – para (re)materializar o estudo da religião.
De fato, apesar de serem indissociáveis da religião, as “coi-
sas” podem ser fortemente contestadas. O uso de “ícones” e de
outros meios materiais ao se dirigir a Deus foi um dos principais
pontos de discórdia entre católicos e protestantes (especialmente
calvinistas) após a Reforma. A rejeição protestante de objetos sa-
grados como “ídolos” ou “fetiches” teve relação com intenso in-
vestimento emocional - Bruno Latour (2002) cunhou o termo
“iconoclash” para abarcar essa ambiguidade – e se espalhou por
todo o mundo no decorrer dos esforços missionários. Em uma
situação similar, o papel dos objetos materiais na realização da

25
Ver Meyer; Morgan; Paine; Plate; 2010.

93
fé “verdadeira” tem sido minimizado. Em nossa época, em uma
busca cada vez mais determinada pela imediação e imateriali-
dade, os movimentos da Nova Era, como Stef Aupers (2012)
mostra em seu ensaio, reivindicam mover-se “além da crença”
– entendida como uma crítica aos ensinamentos cristãos auto-
rizados - em direção ao que eles consideram como uma experi-
ência espiritual pura. Em outras palavras, “material” e “imate-
rial” não são categorias dadas que ecoam uma definição de senso
comum de matéria e coisas. Em vez disso, o que se caracteriza
como material ou imaterial depende de discursos socialmente
compartilhados, autorizados ou, citando a expressão feliz de
Keane, de “ideologias semióticas”.
Portanto, afirmar que religião, incluindo até a versão mais
supostamente “imaterial” e até mesmo “antimaterialista” da es-
piritualidade da Nova Era, envolve necessariamente algum grau
de materialidade pode ser apenas o começo de nossas investiga-
ções. Há mais questões em jogo do que simplesmente reconciliar
religião e materialidade direcionando a atenção para a cultura
material religiosa. É preciso explorar como, apesar da indispen-
sabilidade dos meios materiais – coisas, mas também imagens,
corpos e palavras – para que a religião seja tangível e presente,
a religião se desmaterializa tanto na prática religiosa quanto em
sua conceituação teórica pelos estudiosos. Apesar dos casos das
acusações de idolatria e de iconoclastia (ver os ensaios de W. T.
T. Mitchell, 2012; Birgit Meyer, 2010a [Capítulo 3 deste li-
vro] e 2010b; e Maria José A. de Abreu, 2012), do ataque dos
movimentos de reforma islâmica ao uso de contas de oração
(ver o ensaio de Jose van Santen, 2012), ou da celebração da
espiritualidade Nova Era (ver os ensaios de Stef Aupers, 2012;
Dorien Zandbergen, 2012) serem sobre a rejeição radical das
coisas, claramente essa rejeição não descreve um processo real de
eliminação da materialidade. Acima de tudo, a “desmaterializa-
ção” refere-se a uma operação semiótica que minimiza ou ignora
(geralmente a própria) materialidade, colocando-a em oposição
à espiritualidade e estabelecendo o antagonismo entre a religião

94
e as coisas. Por sua vez, rematerializar o estudo da religião signi-
fica que os estudiosos resistem a tomar como certas as categorias
e ideologias “êmicas” internas e reproduzi-las de forma acrítica
como conceitos acadêmicos.
Para os estudiosos, ir além do antagonismo entre religião e
materialidade exige uma revisão crítica de como esse antagonis-
mo moldou o estudo moderno da religião. Embora para fazê-lo
seja importante explorar como as abordagens acadêmicas sobre
religião se desmaterializaram, precisamos evitar reinscrever em
nossos esforços intelectuais a oposição entre espírito (ou imate-
rialidade) e matéria que sustenta conceitualizações desmateriali-
zadas da religião, ao adotar de forma simplista a materialidade.
Isso nos deixaria presos na oposição entre religião e materialidade
e até mesmo reviveria versões “velhas” e “vulgares” do materia-
lismo que há muito se tornaram obsoletas. Em outras palavras,
passar da desmaterialização para a rematerialização não é sim-
plesmente uma questão de trazer as “coisas” de volta, mas requer
um esforço reflexivo e crítico que reescreva o próprio significado
da materialidade com base em pesquisas etnográficas e históricas
detalhadas – certamente, por meio do que de Vries (2008, p. 11)
chama de abordagem “profundamente pragmática”.
Portanto, a preocupação principal do volume que
introduzimos aqui (Houtman; Meyer, 2012) é colocar o estudo
da cultura material religiosa dentro de uma reflexão mais ampla
sobre as condições sob as quais a materialidade foi marginalizada
conceitualmente, tanto entre estudiosos quanto no âmbito das
tradições religiosas, bem como para apontar as possibilidades
e questões empíricas e conceituais que se abrem à medida
que a materialidade retorna ao estudo da religião. Alguns dos
colaboradores daquele trabalho (Houtman; Meyer, 2012)
refletem explicitamente sobre como conferir atenção empírica
às “coisas” abre novas perspectivas, por exemplo, no que diz
respeito à oração islâmica (Jose van Santen, 2012), ao festival
judaico de Sukkoth (Galit Hasan-Rokem, 2012) ou sinais
metonímicos, como o “sangue de Jesus”, que tem qualidades
95
similares às de coisa na imaginação pentecostal (Miranda Klaver,
2012). Na mesma linha, Donald Lopez (2012) mostra como um
entendimento moderno e desmaterializado de religião produziu
uma descrição dos estrangeiros sobre o budismo notavelmente
diferente daquelas anteriores ao século XVIII. Ele indica uma
mudança de testemunhos escritos sobre o budismo em que “o
foco não estava no homem ou em seus ensinamentos, mas na
coisa, na escultura e... nos cabelos”, em direção a uma visão cada
vez mais textualizada na qual as coisas eram marginalizadas,
alimentando as atuais interpretações ocidentais do budismo
como “imaterial” e “espiritual”. As limitações de tal visão
do budismo tornam-se aparentes no ensaio de Irene Stengs
(2012), no qual ela explora o poder atribuído aos retratos do rei
Chulalongkorn no cenário de um culto popular enraizado no
budismo theravada.

Legados protestantes

O protestantismo é normalmente considerado como o pro-


tótipo da religião moderna, fundamentado na iconoclastia da
Reforma e, portanto, considerado distinto das tradições religio-
sas mais afeitas às coisas, como o catolicismo. Como Max Weber
(1920) celebremente argumentou, o protestantismo, com sua
ênfase na “fé” ou na “crença”, um “modo de vida metódico” que
exige autoavaliação constante e “ascese intramundana”, deu ori-
gem ao capitalismo moderno. Observe-se o paradoxo intrigante
que existe entre a prática protestante de negligenciar de forma
mais ou menos deliberada a importância da materialidade, tanto
em relação à experiência religiosa quanto ao consumo, e o pa-
pel crucial da perspectiva resultante na ascensão do capitalismo
consumista, que valoriza a materialidade de uma maneira his-
toricamente sem precedentes. De acordo com Weber, uma vez
instalado, o capitalismo pôde prescindir da “ética protestante”
que inicialmente o sustentava. Ele considerou que os modernos

96
estão trancados em uma “gaiola de ferro” secular e materialista,
ansiando por uma nova espiritualidade, embora se vejam irre-
mediavelmente mergulhados em um mundo “desencantado”.
No cenário de Weber, com a evaporação do “espírito do capi-
talismo”, desapareceu a possibilidade de qualquer outro espí-
rito tomar seu lugar. Ao tornar possível o desencantamento, o
protestantismo em si, como a religião moderna por excelência,
é extensivamente racionalizado. Isso implica não só o fim da re-
ligião, mas, como Stef Aupers (2012) destaca em seu ensaio, em
última análise o fim da possibilidade de criar significado: “Em
um mundo totalmente desencantado, os processos do mundo
simplesmente são... e acontecem, mas já não significam nada”,
argumenta Weber (1978). Contestando a teoria de Weber sobre
o fim da religião, Aupers argumenta que o limbo niilista no qual
os modernos se encontram gera a Nova Era, com sua espiri-
tualidade autocentrada, ênfase na experiência pessoal, fascínio
pela Wicca, meditação budista, figuras imaginárias, um mundo
cibernético técnico-espiritual, e coisas similares.
Como argumentei26 recentemente (Meyer, 2010a [capí-
tulo 3 deste livro]), a análise de Max Weber do protestantis-
mo como uma religião de salvação que superou a dependência
de formas materiais concretas tem servido como uma lente de
distorção, mesmo no estudo do protestantismo. Em seu ensaio
“Rejeições religiosas do mundo e suas direções”, Weber (1970)
esboça um esquema evolutivo de acordo com o qual as religiões
de salvação – das quais o protestantismo é o epítome – estão no
nível mais alto. Mencionando as dimensões essenciais da reli-
gião – artefatos, música, dança, templos – Weber ressalta que
a religião foi o berço da arte. No entanto, ele contrasta a sínte-
se de arte e religião, que foi dominante durante a maior parte
da história da religião e continua caracterizando o catolicismo,
com uma religiosidade superior, alternativa, que é separada da
arte: a “ética religiosa de fraternidade” característica das religi-

26
Para uma análise semelhante ver Muller, 2004.

97
ões de salvação. Ao valorizar mais os laços religiosos com outros
companheiros crentes do que os laços de sangue, e a fé mais
que os prazeres mundanos, essa ética endossa uma atitude de
distância em relação ao “mundo”. Portanto, Weber (1970, p.
341) argumenta: “todas as religiões sublimadas da salvação se
concentraram somente no significado, não na forma das coisas e
ações relevantes para a salvação. As religiões de salvação desvalo-
rizaram a forma como contingente, mera ferramenta, que desvia
a atenção do significado.”27
A posição depreciativa de Weber em relação à cultura ma-
terial religiosa, em contraste com o enfoque no significado,
também é evidente no seu ensaio sobre a sociologia da religião
(1978, p. 608-609), no qual ele sugere um paralelo entre a des-
valorização religiosa da arte e a desvalorização dos elementos
mágicos, orgiásticos, extáticos e rituais da religiosidade em favor
dos elementos ascéticos e espirituais ou místicos. Quanto mais a
religião se desenvolve, menos ela depende das formas materiais.
Obviamente, essa visão reverbera as críticas tipicamente protes-
tantes ao catolicismo e, naqueles termos, ao “paganismo” como
“adoração de ídolos”, como submersos em uma atitude mágica
que atribui falsamente um espírito à matéria inanimada.
O esquema evolutivo de Weber difere do esquema propos-
to por E. B. Tylor (1924). Na abordagem intelectualista deste
último, a “crença” está no centro da religião. A tendência hu-
mana para imaginar a matéria como “animada” pelos espíritos
declina com a evolução das ideias, e assim, finalmente, a religião
é substituída pelo pensamento racional e pela ciência. Como
Peter Pels (2008) destaca, a visão de Tylor do “fetiche” como
animado (e, portanto, como referência a um espírito, ao invés
de ser considerado como puramente coisa) “pode ser entendida
como se estivesse marcando uma certa transcendência do socio-

27
Martin (2006, p. 141) pontua que o pentecostalismo incorpora múltiplos para-
doxos que não se adequam ao modelo weberiano, mas que, pelo contrário, impõe
desafios ao próprio modelo.

98
cultural sobre o material”. Enquanto Weber observa uma cen-
tralidade decrescente de formas materiais em favor de uma reli-
giosidade centrada no sentido,28 Tylor postula que, mesmo nas
primeiras expressões, a religião já era uma questão de ideias, à
qual os objetos materiais eram secundários. A ênfase de Tylor no
animismo, argumenta Pels, implica uma compreensão redutiva
da matéria como insumo para o propósito maior da significação
humana. Menosprezando a materialidade em si, Tylor represen-
ta uma abordagem desmaterializadora não só para a religião,
mas também para a sociedade. Estuda-se a religião e a sociedade
a fim de ir além da matéria para níveis mais altos de abstração e
significação. Essa postura, como observa Pels, prefigura a divisão
saussuriana do século XX entre significantes arbitrários e signifi-
cados abstratos que foram questionados pela “virada material”.29
Não obstante as diferenças que existem entre os modelos
evolutivos de Tylor e Weber, ambos reproduzem uma inclinação
tipicamente protestante, que se desenvolveu a partir do século
XVIII, a considerar a matéria como secundária e a significação
como primária. Como Webb Keane destaca, a partir de uma
perspectiva protestante, o valor do ser humano reside na “sua
distinção do mundo material e sua superioridade em relação a
ele” (2002, p. 71). Quer essa superioridade esteja presente desde
o início (como para Tylor) ou gerada pela ascensão das religiões
de salvação racionais (como para Weber), ambos os estudiosos
trabalham dentro de uma abordagem de desmaterialização da
religião. Seus modos de análise sobrecarregam o estudo da reli-

28
Weber afirmou que, na prática, a relação entre arte e religião pode ser restaurada.
A síntese renovada ocorre quando as religiões aspiram se difundir: "quanto mais
elas desejam ser religiões de massa universalistas e, portanto, dirigidas à propaganda
emocional e aos apelos de massa, mais sistemáticas são suas alianças com a arte"
(Weber, 1970; ver Meyer, 2010b).
29
Aqui reside outra diferença entre Tylor e Weber. Enquanto o primeiro, como ar-
gumenta Peter Pels, prefigura abordagens semióticas do social, o segundo, como
argumenta Stef Aupers, prefigura pensadores pós-modernos como Jean-François
Lyotard, Fredric Jameson e Jean Baudrillard. É por isso que o trabalho de Weber
continua sendo tão estimulante (Gane, 2002; Houtman, 2008).

99
gião com uma atitude pejorativa em relação às coisas e à prática
ritualizada, que tem como contrapartida uma forte ênfase na
produção de sentido30. Embora mais pesquisas históricas sejam
necessárias para compreender a genealogia dos embates com a
materialidade no cristianismo desde a Idade Média31, conferin-
do atenção às transformações com o protestantismo, existem
boas razões para afirmar que, com a ascensão da religião como
uma categoria moderna, os estudiosos atenderam a ignorar - ou
talvez perpassar - as formas materiais da religião. Como aquele
trabalho procura destacar (Houtman; Meyer, 2012) e perpassar
tais formas – por exemplo, reduzindo-as a portadoras de signi-
ficado – é completamente problemático, tanto para o próprio
protestantismo quanto para outras tradições religiosas.
O problema com a lente “protestante” weberiana é que ela
nos impede de obter uma imagem mais realista de como as coisas
possuem importância na prática protestante. Esse quadro surge
mais claramente nas “zonas fronteiriças”, nas quais os missio-
nários protestantes ocidentais exportaram o velho “iconoclash”
com imagens católicas no curso da expansão colonial ociden-
tal32. Em tais cenários, como Keane mostra em seu formidável
estudo dos missionários calvinistas holandeses entre os habitan-
tes de Sumba (Indonésia), os potenciais convertidos locais não
estavam prontos a aceitar a renúncia da materialidade que está
no centro das pregações protestantes. Densa de mal-entendidos
e contestações, tal cenário de fronteira estabelece “ideologias
semióticas” concorrentes. Baseada na teoria de Peirce sobre a
distinção entre tipos de sinais que implicam diferentes relações

30
Para uma crítica, ver Engelke; Tomlinson, 2006.
31
Um ponto de partida inspirador poderia ser o trabalho de Niklaus Largier no
misticismo medieval, com sua ênfase na materialidade da experiência e sensação na
prática espiritual (ver Lagier, 2008; 2009). Nesse artigo, Largier aborda a profunda
transformação das práticas místicas medievais após o século XVI, no rescaldo da
distinção de Lutero entre o reino secular e o espiritual, retirando o misticismo e a
espiritualidade do domínio da prática cotidiana (ver Lagier, 2008; Pranger, 2008).
32
Ver Keane, 2007; Engelke, 2007; Meyer, 1999; Robbins, 2004b.

100
com a realidade (tais como ícone, index e símbolo), a noção de
“ideologia semiótica” se refere a um metanível de proposições
sobre o status e valor atribuído às palavras, coisas ou imagens, da
perspectiva de uma tradição religiosa particular, historicamen-
te situada33. O que eram marapu (espíritos invisíveis, porém
materialmente presentes) para os habitantes de Sumba, foram
qualificados como “fetiches” ou “ídolos” pelos missionários,
que achavam que as pessoas em Sumba erroneamente atribuiam
agência à matéria inanimada. A invocação de noções como “fe-
tiche” e “ídolo” pelos missionários protestantes não só distorceu
e descartou práticas religiosas locais como sendo baseadas numa
confusão da distinção adequada (para um protestante) entre coi-
sas e espíritos. Paradoxalmente, esse descarte também sustentou
uma lógica de animação que reinvocava “fetiches” e “ídolos”
como elementos poderosos de um “paganismo” que estava, por
assim dizer, vivo e em boa forma34.
A análise de Matthew Engelke (2007; 2012a) sobre os
Apostólicos de Sexta-Feira de Masowe é outro estudo notável de
uma “zona fronteiriça” – a negociação local do protestantismo
no Zimbábue – no qual a questão da religião e da materialidade
é colocada no centro do palco. Engelke mostra como os Apos-
tólicos de Sexta-Feira negociam entre uma ideologia semiótica
ultraiconoclasta que considera as coisas como problemáticas por
causa de suas “coisidade”, por um lado, e a necessidade de que
Deus de alguma forma esteja presente no mundo, por outro.
Apontando para o caráter duplo de Deus como material e ima-
terial, Engelke analisa o esforço dos apostólicos em termos de
um “problema de presença” mais amplo, o qual ele identifica
como sendo característico do protestantismo em geral: como
pode um Deus que se supõe estar além da compreensão e da
imaginação humana estar presente para os crentes? Em seu en-
saio, Engelke invoca o intrigante exemplo do “mel pegajoso”,

33
Ver Keane, 2007; Meyer, 2010a [Capítulo 3 deste livro].
34
Ver Meyer, 1999, p. 83-111; p. 213-216.

101
que os apostólicos codificam como uma substância imaterial.
Em virtude dessa operação semiótica, o mel pertence a uma ca-
tegoria diferente, por exemplo, da Bíblia, que é descartada como
um objeto perigoso através do qual as pessoas são levadas para
longe de Deus. No entanto, mesmo o “mel”, se não for usado de
forma adequada, pode se transformar em um “objeto perigoso”.
Em vez de tomar as afirmações dos religiosos sobre a imateria-
lidade como evidências, Engelke argumenta que tanto a mate-
rialidade como a imaterialidade não são dadas, mas produzidas.
Da mesma forma, inspirada pela pesquisa de Keane e Engelke,
Miranda Klaver mostra como pentecostais holandeses, não obs-
tante suas fortes reivindicações de imediatez e imaterialidade da
experiência espiritual, apreciam o “sangue de Cristo como uma
substância”. Ela aponta que esses pentecostais mobilizam uma
“ideologia semiótica” na qual palavras e modos de falar têm efei-
tos materiais e tangíveis.35
Uma das lições mais importantes que podem ser extraídas
de estudos de missões protestantes em “zonas fronteiriças” do sé-
culo XIX e do início do século XX é que é necessário distinguir
entre autorepresentações e as práticas religiosas reais. Ao invés de
tomar como real uma versão não-histórica e ideal do protestan-
tismo, como antagônico ou oposto à materialidade, é necessário
conduzir pesquisas sobre as práticas protestantes reais36. Um ân-
gulo inovador e teoricamente importante, que é altamente sen-
sível à cultura material, diz respeito ao lugar e ao papel das ima-
gens na religião protestante como é vivida pelas pessoas. David
Morgan (1993; 1998; 2001) foi um dos primeiros estudiosos a
corrigir visões superficiais acerca do protestantismo que usam
de forma irrefletida as próprias lentes protestantes, em estudos
como sua pesquisa pioneira sobre o uso de imagens de Jesus nos

35
Ver Klaver, 2011.
36
Essa é a preocupação fundamental da emergente “antropologia do cristianismo”,
que se concentra no protestantismo e no pentecostalismo. Ver Cannell, 2006;
Robins, 2003; Bielecki, 2008.

102
Estados Unidos. Longe de serem rejeitadas, de acordo com a
suposta iconofobia protestante, as imagens de Jesus constituem,
apesar de não serem idolatradas como tal, um ponto focal ma-
terial de orações e devoções privadas dos protestantes por meio
do qual os fiéis experienciam a presença de Deus. Explorando
as contestações que surgem sobre imagens de Jesus em Gana, o
ensaio de Birgit Meyer [capítulo 3 deste livro] mostra que esses
retratos não são somente adotados e empregados na devoção
cristã popular, mas também rejeitados e vistos como perigosos
por pentecostais convictos. Em virtude da sua materialidade,
até mesmo representações de Jesus são consideradas propensas a
serem “sequestradas” pelo demônio, que enfeitiça quem olha a
imagem através de um encontro visual cruzado. Através de tais
contestações, retratos de Jesus são codificados como “ídolos” -
um típico caso de iconoclastia, no qual a imagem ganha poder
em virtude da oposição feita a ela.
Mesmo no nível mais elevado da teologia, como Ernst van
den Hemel (2012) pontua no seu ensaio, é preciso evitar sim-
plificar a não-materialidade presumida do protestantismo. Ex-
plorando os textos de Calvino sobre a eucaristia, van den Hemel
corrige a noção de que o protestantismo tem uma postura me-
ramente simbolista em relação à questão da transubstanciação,
ou seja, a questão da encarnação da presença divina na hóstia.
Postulando que nos textos de Calvino “surge uma problemática
que liga uma noção incipiente de interação moderna com a ma-
terialidade, com a presença divina do divino no ritual da ceia”,
Van den Hemel mostra que esses textos “oferecem uma teoria
original, mas subestimada, na qual a presença material e a ver-
dade divina são combinadas”. Um sintoma da desmaterializa-
ção da religião nos tempos modernos, essa “subestimação” é um
ponto de partida fértil para prever como poderia ser um “futuro
do passado religioso” que leva a materialidade a sério.
Em suma, em uma investigação mais detalhada, até mes-
mo o protestantismo, que é geralmente visto como uma religião

103
iconofóbica e antimaterial, demonstra atribuir uma importân-
cia considerável para coisas materiais, simplesmente porque al-
gum nível de materialidade é indispensável para a religião estar
presente no mundo. Além disso, é importante entender que o
protestantismo engloba uma variedade de vertentes, incluindo
o luteranismo, que conceitua e usa coisas materiais de diver-
sas maneiras, o que precisa ser detalhado em pesquisas futuras.
Questionando os entendimentos simplistas do protestantismo,
que são consagrados no que nós chamamos de “legado protes-
tante” no estudo da religião, a preocupação final do volume que
introduzimos neste texto é criticar as limitações das abordagens
simbolistas e centradas nos significados que perpassam e contor-
nam as “coisas”. A fim de desfazer abordagens desmaterializantes
nos estudos de religião em geral, de modo a alcançar entendi-
mentos e perspectivas alternativas, uma discussão crítica do “le-
gado protestante” é de suma importância. Necessitamos de um
novo olhar na história dos entendimentos e dos empregos da
materialidade em todas as variedades do protestantismo, mas
também em outras tradições religiosas e em outras distribuições
da dicotomia espírito – matéria (como pelos cristãos sobre os
judeus na antiguidade tardia, por exemplo). Um caso em ques-
tão é, naturalmente, o judaísmo, que como Galit Hasan-Rokem
(2012) mostra, abrange um código profundamente incorporado
e materializado de devoção religiosa. Sua análise do sucá – uma
cabana temporária erguida durante o festival de uma semana
do Sucot – como uma construção temporária que envolve seus
habitantes em uma topografia do espaço divino, mostra podero-
samente a centralidade de práticas relacionadas a coisas. Outro
caso intrigante é o catolicismo. Embora seria simples demais
defender uma “recatolicização” do estudo do cristianismo, mui-
to pode ser aprendido sobre religião e da materialidade se pres-
tarmos atenção aos repertórios católicos de formas de lidar com
imagens, artefatos e fluídos corporais, como um bom número
de ensaios apresentados no livro Things: Religion and the Ques-
tion of Materiality também demonstram. Que tais repertórios

104
podem também ser mobilizados fora da esfera da religião em
um sentido mais estrito é mostrado de maneira contundente
na análise de Elizabeth Castelli (2012) sobre o uso do sangue
em um ato político de protesto por ativistas católicos contra o
ataque dos Estados Unidos no Iraque em 2003.

Como coisas importam

Em seu ensaio, David Morgan (2012a) analisa a transfor-


mação do entendimento do Sagrado Coração de Jesus para a
devoção católica de meados do século XVII até o século XX:
de um órgão vivo (não muito diferente de um “fetiche”) para
a presença pictórica (um “ícone” de Jesus), para um “símbo-
lo” que representa significado teológico. Ligada a mudanças
nas práticas devocionais – da exigência de um forte e visceral
envolvimento com o coração ferido a uma leitura simbólica –
essa transformação pode ser vista como um sucessivo processo
de desmaterialização num cenário católico. De maneira similar,
Maria José A. de Abreu (2012) explora, em seu ensaio sobre a
renovação carismática católica no Brasil, como “as mídias ele-
trônicas estão afetando o status de ícones tradicionais dentro do
seu meio”. Embora os ícones sejam pontos de articulação em
encontros espirituais complexos no quadro de uma teologia ca-
racterizada pela autora como “pneumática”, Abreu observa entre
os carismáticos uma constante preocupação sobre o perigo de
congelá-los como simples objetos. Ela aponta como a renovação
carismática, na sua luta para permanecer dentro do catolicis-
mo, busca “reformular o status tradicional da imagem como um
item de mediações – em favor de uma experiência mais direta e
sem mediação com o divino”. Nesse processo, as mídias eletrô-
nicas são empregadas como substitutos das estátuas, produzindo
um novo tipo de “ícone vivo”, por exemplo, na performance te-
levisiva do popular padre carismático Marcelo Rossi. Ambos os
exemplos mostram que, dentro de uma tradição religiosa como

105
o catolicismo, o modo como as coisas importam está sujeito à
transformação, implicando uma constante redefinição da rela-
ção entre pessoas, objetos e o divino.
Não obstante a desmaterialização, o estudo da religião nos
fornece um repertório de longa data de categorias do que W. J. T.
Mitchell (2005, p. 188) incisivamente chama de “objetificação
equivocada”. Termos como totem, ídolo e fetiche não se referem
apenas a tipos distintos de objetos materiais, mas sim a determi-
nadas atitudes humanas em relação às “coisas” e aos modos de
usá-las. Longe de simplesmente denotar um uso religioso neutro
de objetos por outros, esses termos implicam pressuposições rí-
gidas e julgamentos de valor por aqueles que os enunciam. To-
dos os três termos sinalizam uma relação com objetos que parece
problemática a partir de uma perspectiva moderna, que insiste
em uma relação hierárquica e em uma clara separação entre coi-
sas e pessoas. Na prática, totem é o menos ofensivo. No início
de As Formas Elementares da Vida Religiosa, de Durkheim, “to-
tens” são analisados como símbolos que representam as normas
abstratas e os valores consagrados em representações coletivas.
Codificados como símbolos através dos quais um grupo define e
cultua a si próprio através de uma lógica de distinção em relação
a outros grupos, totens são destituídos de materialidade. Eles
são, antes de tudo, “bons para pensar”, para invocar o famoso
ditado de Claude Lévi-Strauss.
Por contraste, ídolo e fetiche apontam para uma materiali-
dade escandalosa. Antigamente, esses termos eram usados em
uma maneira pejorativa para identificar um modo de culto que
é falso a partir de uma perspectiva cristã – particularmente de
uma perspectiva protestante. Esses termos são construtos ideo-
lógicos que constituem os objetos de uma maneira particular,
desdenhosa. Como Mitchell (2012) discute em seu artigo, a
preocupação com a “idolatria” e “iconoclastia” foi central para o
judaísmo e o cristianismo desde o princípio. O Segundo Man-
damento não apenas rejeita a criação e adoração de “ídolos”,

106
mas também apresenta Deus como ciumento, punindo aqueles
que adoram ídolos através de um ato de iconoclastia completo,
violento. A tensão entre a interdição da produção de imagens e
a sua clara indispensabilidade percorre toda a história do cristia-
nismo, continuamente gerando tanto práticas devocionais em
torno de ícones e relíquias quanto sua destituição frequente-
mente violenta como “ídolos”, ou como de Abreu (2012) evoca-
tivamente demonstra, uma luta para manter vivo o ícone como
um meio do espírito, em vez de permitir que ele se congele e se
torne um objeto estático. A acusação de “idolatria” confronta-
-se com as práticas religiosas daqueles que são rotulados como
“adoradores de ídolos”, para quem a representação de uma for-
ça divina através de uma imagem é uma parte normal da sua
devoção. Cristalizando a tensão entre o amor pelas imagens e
a sua rejeição, a questão da idolatria também cria um dilema
central na história da arte.37 Longe de ser a relíquia de um pas-
sado distante, a preocupação com a idolatria persistiu e ganhou
força nos tempos modernos, como, por exemplo, na obra de
Nietzsche, William Blake e Marx. Refletindo sobre as obras de
Poussin, A Adoração do Bezerro de Ouro (1633-1636) e A Praga
de Ashdod (1630-1631), Mitchell explica que a idolatria e a ico-
noclastia são “gêmeos do mal” porque, longe de apagar o ídolo,
atos de iconoclastia o carregam com poder através de afeição
negativa. Essa lógica ainda sustenta a política de representações
visuais no nosso tempo, como indicam atos como os ataques
terroristas às torres gêmeas e a subsequente “guerra ao terror”, a
destruição das figuras de Buda em Bamiyan, a comoção ao re-
dor das caricaturas de Maomé, ou o complicado gerenciamento
das imagens de Osama Bin Laden depois do seu assassinato por
tropas de elite americanas. O fato de que a luta contra “ídolos”
tende a aumentar o seu poder e eficácia ao invés de diminuí-los

37
Para pintores cristãos, a questão era como enquadrar o ato de pintar de uma manei-
ra que não fosse contraditória com o Segundo Mandamento. Ver a excelente inves-
tigação de Christiane Kruse (2003) sobre como as origens da arte são apresentadas
em pinturas e seus discursos sobre arte no período entre 1100 e 1650.

107
mostra que a noção de ídolo envolve em sua lógica até mesmo
aqueles que a mobilizam contra outros.
Ao contrário das noções de ídolo e idolatria, que há muito
tempo são intrínsecas ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamis-
mo, o termo “fetiche” surgiu por volta de 1470 no contexto da
presença portuguesa na África Ocidental.38 Derivado do termo
pidgin fetisso, a noção do “fetiche” nasceu dos encontros e trocas
entre africanos e europeus.39 Desde o princípio, como Bruno
Latour aponta, “a etimologia da palavra se nega, como os negros
[quando questionados sobre seus objetos sagrados pelos portu-
gueses], a escolher entre o que é moldado pelo trabalho e o arti-
fício fabricado; essa recusa, essa hesitação, conduziu à fascinação
e induziu aos sortilégios.” (2011, p. 44) Como foi bem docu-
mentado, o termo fetiche e o discurso sobre “fetichismo” foram
adotados pelas linguagens europeias e mobilizados para marcar a
diferença entre aqueles que falsamente confundem uma simples
coisa como sendo imbuída de poder e agência e aqueles que são
capazes de distinguir entre pessoas e objetos (e de usar os últi-
mos adequadamente). Como Hartmut Böhme (2006) salienta,
o termo fetiche era inicialmente usado de maneira intercambi-
ável com ídolo, e os protestantes o empregavam para mostrar
a convergência entre o paganismo e a devoção católica a san-
tos e ícones, que eles codificavam como “adoração a ídolos” ou
“fetichismo”.40 Desse modo, fetiche passou a se referir a um uso

38
Ver Pietz, 1985; 1987; 1988; Spyer, 1988; Masuzawa, 2000.
39
Böhne relaciona etimologicamente fetiche e factitious (latim), “o que é feito”, em
contraste a terrigemus “o que cresce naturalmente” (ver Böhne, 2006; Kohl, 2003;
Weder, 2007).
40
Böhme concorda com a visão de Pietz de que a noção de “fetiche” surgiu em um
contexto de encontros interculturais, mas ele critica o mesmo autor quando este
toma o “fetiche” como um desafio ao racionalismo europeu. Em vez disso, Böhme
mostra que a noção de “fetiche” e as acusações de “fetichismo” foram inicialmente
mobilizadas em um quadro religioso de “superstição”. Além disso, protestantes ado-
taram a noção do fetiche para criticar o que eles consideravam como adoração de
ídolos pelos católicos. Nesse sentido, o discurso teológico sobre idolatria contribuiu
para a noção de fetiche. De acordo com Böhme, somente no século XVIII surgiu a

108
ilícito de coisas em um contexto religioso – outro importante
indicador da inclinação à desmaterialização do protestantismo.
Os discursos do fetiche e do ídolo, parcialmente sobrepostos,
são um sintoma do medo da matéria, destacado por Peter Pels,
que há muito tempo persegue o estudo da religião.
Até hoje a noção de fetiche tem sido invocada para iden-
tificar uma atitude irracional em relação a uma “coisa”, seja da
pessoa neurótica, a ser curada através de psicanálise, seja dos
trabalhadores, que devem transcender sua “falsa consciência” e
perceber que as mercadorias são os produtos do seu próprio tra-
balho. Descrevendo a mercadoria como “na verdade, uma coisa
muito estranha, abundante em sutilezas metafísicas e minúcias
teológicas”, Marx (1968; 2008; 2013) tomou fetiche como o ter-
mo adequado para descrever como as mercadorias enganam as
pessoas levando-as a atribuir espírito e vontade a coisas inanima-
das: “forças além da criação humana” (Aupers, 2012 apud Slater,
2011, p. 111-112). Nesse sentido, o capitalismo produz suas
próprias mistificações e modos de encantamento. Walter Benja-
min, sugere de maneira célebre em “Capitalismo como religião”
que a cultura de consumo do capitalismo se desenvolveu em um
novo tipo de culto não-dogmático, adorando o “Deus secreto
da dívida” (Benjamin, 2005, p. 259)41. Invocado nesse quadro,
o termo fetiche não descreve mais a falsa atitude em relação às
coisas por parte de algum outro primitivo, mas está situado no
meio da modernidade, apontando para a atração sedutora das
coisas sob cujo feitiço nos encontramos.42 Mercadorias moldam

compreensão de que o fetiche desafiava uma perspectiva racional que insiste em ver
as coisas como inanimadas (Böhme, 2006).
41
Benjamin escreve: “pode-se ver no capitalismo uma religião, isto é, o capitalismo
serve essencialmente para satisfazer as mesmas preocupações, angústias, inquieta-
ções antes respondidas pelo que chamava de religião. A prova da estrutura religiosa
do capitalismo – não apenas como uma construção religiosamente condicionada,
como pensava Weber, mas um fenômeno essencialmente religioso – ainda hoje nos
desorienta em uma polêmica universal e infinita” (2005, p.259).
42
Böhme defende que colocar o fetiche no centro da modernidade demanda uma
teoria alternativa de modernidade: “Modernidade significa que o autoencantamen-

109
o desejo dentro da lógica do encantamento, através da qual con-
sumidores geram autenticidade pessoal ao consumir coisas.43
Explorando a economia espiritual dos produtos da Nova Era
que prometem transmitir experiências pessoais “autênticas”, Stef
Aupers observa uma notável “espiritualização das mercadorias”,
que indica a inexauribilidade do “fetichismo da mercadoria” –
agora em um “novo estilo” de atribuição de espírito à matéria.
Portanto, afirma Aupers, está na hora de os estudiosos voltarem
suas atenções “para essa espiritualização das mercadorias, em vez
de debater incessantemente a mercantilização da espiritualidade
como evidência da secularização”. Se o capitalismo produz seus
próprios encantamentos, a noção do fetiche – lida a contrape-
lo do modo desmistificador como a noção normalmente tem
sido invocada – é um ponto de partida promissor para entender
como funciona o encantamento.
Enquanto trabalhamos na coletânea Things (Houtman;
Meyer, 2012) aqui introduzida, nos tornamos cada vez mais
conscientes de quanto o estudo da própria religião herdou o
projeto iluminista da evolução da religião para a interioridade, a
transcendência, a razão, de fato para a evaporação da religião.44
Em contraste com a tremenda atenção dada aos conceitos de
“objetificação equivocada”, no estudo da religião (ao menos até
o recente interesse em “religião material”) há comparativamente
pouco trabalho em categorias mais “positivas” de “coisas” reli-
giosas. Por essa razão, estudiosos de religião ainda parecem pou-
co equipados para entender como as coisas importam de forma
a reconhecer a valoração, a animação e a função das “coisas”
dentro de uma dada configuração religiosa. Com este estudo
(Houtman; Meyer, 2012), buscamos iniciar novas linhas de in-
vestigação para explorar como as coisas importam na religião. O

to e o esclarecimento estão interligados, assim como a fetichização e a crítica da


fetichização” (Böhme, 2006, p. 75). Ver também Bennett (2001, p.111-130).
43
Ver Campbell, 1987.
44
Ver Nancy, 2008a; 2008b; Alexandrova; Devisch; Ten Kate; Van Rooden, 2011.

110
objetivo não é apenas desconstruir criticamente a genealogia e
a política de termos como totem, ídolo ou fetiche, mas também
traçar ideologias semióticas alternativas de acordo com as quais
as “coisas” e as estruturas de animação nas quais elas operam,
podem aparecer sob outra luz.45
Escolhemos o termo coisas, porque sinaliza indeterminação
– algo que não pode ser claramente delimitado e que cria um
certo grau de nervosismo e ansiedade, como no verso de Hamlet
de Shakespeare “Aquela coisa apareceu de novo essa noite?” A
“coisa” referida aqui, como Freddie Rokem (2012) aponta em
seu ensaio, não é apenas a aparição do fantasma do recém enter-
rado rei da Dinamarca, mas também a própria performance tea-
tral, encarando a tarefa de fazer o sobrenatural aparecer em uma
forma materialmente concreta. Mais do que o termo objeto, que
é normalmente usado no formato da relação sujeito-objeto, na
qual o primeiro supostamente exerce controle sobre o segundo,
coisa sugere uma dimensão extra que expande o reino da racio-
nalidade e da utilidade. Aqui nós seguimos a sugestão de Bill
Brown (2001) de que nós imaginamos coisas “como o que é ex-
cessivo em objetos, o que excede sua mera materialização como
objetos na sua mera utilização como objetos – sua força como
uma presença sensória, a mágica pela qual objetos se tornam
valores, fetiches, ídolos e totens” (Brown, 2001, p. 1-22)46.
O estudo que apresentamos aqui mostra que chamar a
atenção para as “coisas” (mais do que apenas “objetos”) no cam-
po da religião abre um amplo campo de investigação. Em vez
45
Ver o ensaio sobre a dádiva de Marcel Mauss, no qual ele explica a lógica da troca
de presentes sem recorrer a distinções entre esferas religiosas e socioeconômicas
(1970). De maneira célebre, ele mostra que artigos valiosos (taonga) na troca de
presentes em Maori são identificados com o “espírito da dádiva” (hau), tornando
impossível uma rigorosa distinção entre presente, doador e receptor. Superando um
enquadramento religioso de “objetificação equivocada”, a noção de dádiva é um
ponto de início promissor para uma abordagem alternativa das “coisas” no estudo
da religião. Ver também Derks, 2012; Jansen, 2012; Erks, 2012; Notermans, 2012;
Brown, 2001; Meyer, 2010a [Capítulo 3 deste livro]; Morgan, 2011.
46
Ver também o ensaio de Morgan, 2011; Meyer, 2010a [Capítulo 3 deste livro].

111
de tomar como evidente o modo pelo qual certos objetos são
empregados (ou desprezados) em práticas religiosas, tomar as
“coisas” como o ponto de partida requer estudar o processo pelo
qual o espírito e a matéria – animação em ação – estão unidas
em formas religiosas. Ao contrário das categorias de fetiches,
ídolos e fetiches mencionadas por Brown, que se referem a um
entendimento e uso ilícito das coisas (da perspectiva de alguém
estranho a eles), existem avaliações mais positivas das “coisas”
que as imbuem de um poder e presença espiritual. Isso pode
ser visto no extra calvinisticum que mantém algum grau de ma-
terialidade da eucaristia (ver Ernst van den Hemel, 2012), em
retratos do rei tailandês Chulalongkorn que o tornam espiritu-
almente presente (ver Irene Stengs, 2012), no ícone do Sagrado
Coração de Jesus (ver ensaio de David Morgan, 2012), nas mi-
niaturas e pedras que “servem como mediadores tangíveis” na
economia espiritual que liga peregrinos bolivianos com Maria
(ver Sanne Derks, 2012; Willy Jansen, 2012; Catrien Noter-
mans, 2012), na sacralização de fluídos corporais como sangue
e leite (ver Willy Jansen e Grietje Presen, 2012; e o de Miranda
Klaver, 2012), no “derramar do próprio sangue” como ato de
protesto (ver o ensaio de Elizabeth Castelli), na teologia cató-
lica do pneuma e o ícone vivo que engloba novas tecnologias
digitais (ver o ensaio de Maria José A. de Abreu, 2012), ou na
aquisição de tecnologias digitais com poderes espirituais no con-
texto da Nova Era (ver o ensaio de Stef Aupers, 2012; Dorien
Zandbergen, 2012 e Ineke Noomen, 2012; e o de Stef Aupers
e Dick Houtman, 2012). Obviamente, esses usos de “coisas”
são propensos a invocar contrarreações, seja na lógica da ico-
noclastia e outras rejeições de coisidade (ver as contribuições
de W. J. T. Mitchell, Matthew Engelke e Birgit Meyer, 2010a
[Capítulo 3 deste livro]), seja em nome de uma esfera pública
neutra, limpa de objetos perturbadores como véus muçulma-
nos (ver no ensaio de Annelies Moors, 2012).
Nós empregamos “coisas” em um sentido amplo, abran-
gendo imagens, artefatos, corpos e fluídos corporais, bem como

112
espaços e tecnologias. Um foco nessas “coisas” religiosas – e ati-
tudes em relação a elas – é um ponto de partida fascinante e
promissor no estudo da religião, porque ele nos convida a levar
a sério a dimensão material muitas vezes minimizada da religião,
que é indispensável para a criação de crenças, identidades e co-
munidades religiosas. Ocupando-se dessa questão mais ou me-
nos explicitamente, os ensaios reunidos em Houtman e Meyer
(2012) compartilham uma abordagem pragmática na qual as
seguintes perguntas são levantadas: Como coisas importam (ou
não) em discursos e práticas religiosas? Como é a valorização ou
desvalorização, a apreciação ou a contestação, das coisas inclu-
ídas em determinadas perspectivas religiosas? Como a preocu-
pação atual com “coisas” e “religião material” transformam as
abordagens e os entendimentos acadêmicos da religião?

113
“Há um espírito naquela imagem”: imagens de
Jesus produzidas em massa e outras formas de
animação protestante-pentecostal em Gana12

No Sul de Gana, onde conduzo há quase vinte anos


uma pesquisa sobre a gênese do cristianismo popular, as ima-
gens cristãs estão por todo lugar. O estado ganês readotou a
constituição democrática em 1992, ao que se seguiu uma li-
beração e comercialização da mídia de massa, o que por sua
vez facilitou a propagação do pentecostalismo na esfera pú-
blica (De Witte, 2008; Gifford, 2004; Meyer, 2004a). Nesse
processo, imagens cristãs tornaram-se onipresentes. As igre-
jas pentecostais carismáticas garantiram seu poder e presen-
ça pública via televisão, rádio, cartazes e adesivos, e também
emergiu uma nova corrente cultural com as imagens cristãs.
Essa expansão visual e auditiva do cristianismo e de sua es-
tética particular desafia seriamente a chamada religião afri-
cana tradicional, e confronta iniciativas desenvolvidas pelo
Estado e por intelectuais para proteger o patrimônio nacional.
A propagação de imagens religiosas pela mídia de massa
atesta um alinhamento notável entre religião e tecnologias de

1
Nota dos editores. Este artigo foi publicado originalmente em 2010, na revista
Comparative Studies in Society and History. Tradução de Tiago Paraná de Lara
e Caroline Nunes da Silveira Corrêa, sob a supervisão e a revisão de tradução da
Prof.ª Dr.ª Elizamari Rodrigues Becker (UFRGS).
2
Versões anteriores deste artigo foram apresentadas no Seminário Red Lion, organiza-
do pela Universidade Northwestern, a Universidade de Chicago, o Instituto Crítico
Internacional da Universidade de Emory, o Departamento de Antropologia da Uni-
versidade de Bruxelas, e pelo Seminário de Antropologia da Faculdade de Econo-
mia e Ciência Política de Londres. Essas discussões foram férteis para desenvolver
ainda mais o meu argumento. Agradecimentos especiais para: Martien Brinkman,
Marleen de Witte, Matthew Engelke, Miranda Klaver, Harrie Leyten, Roger Sanci
Roca, Regien Smit, Bonno Thoden van Velzen, Mattijs van de Port, Jojada Verrips,
e para os três revisores anônimos pelos comentários estimulantes.
reprodução em massa. No entanto, seria um erro compreen-
der este alinhamento em termos de uma perda de substância,
como se na “era da informação” a religião estivesse fadada a
ruir (Castells, 1996-1998, p. 406). Ao contrário, a bem-suce-
dida presença pública da religião atualmente depende da ha-
bilidade de seus proponentes de se colocarem no mercado da
cultura e incorporar as mídias de massa audiovisuais para as-
segurar sua presença pública (De Vries, 2001; Meyer 2009a).
Situadas no interior de um ambiente de midiatização de mas-
sa bem sucedido (imagens produzidas em massa são um intri-
gante caso em questão), essas imagens, longe de caracterizarem
meras reproduções sem nenhuma aura e observadas com dis-
tância a partir de um olhar objetificador (como sugeriria um
entendimento admitidamente simplório de Benjamin [1978],
cf. Dasgupta, 2006), podem ser presenças perturbadoras que
colocam seus espectadores sob encantamento.
Isso vale não somente para imagens do mal, que podem
facilmente se transformar em imagens malignas e tornar presen-
tes as perigosas forças que elas representam, mas também para
imagens de Jesus. Apesar das imagens de Jesus estarem esmaga-
doramente presentes em espaços públicos e privados na forma
de cartazes, adesivos, pinturas e calendários, muitos pentecostais
convictos as criticam como representações ilícitas que podem
ser tomadas por Satã e desviar as pessoas do bom caminho.
À primeira vista, a rejeição das imagens de Jesus como po-
tencialmente satânicas parece se opor ao dualismo entre Deus
e o Diabo, que é o pilar da atitude pentecostal em relação ao
mundo e que está plenamente caracterizado na necessidade de
fazer as imagens cristãs se materializarem na esfera pública. Mas
a atitude iconoclasta sobre essas imagens produzidas em massa
é parte de uma cruzada pentecostal mais ampla no Sul de Gana
contra um tipo particular de cultura material associada a santu-
ários e artefatos de tradições religiosas locais, e também contra
itens como máscaras para turistas e outras coisas associadas ao

116
patrimônio cultural ganense. “Aceitar Jesus como seu salvador
pessoal” é o princípio básico da convicção pentecostal e acredi-
ta-se ser uma maneira viável de proteger alguém contra espíri-
tos malignos. Fiéis convertidos louvam a Jesus e mesmo assim
tendem a considerar imagens dele perigosas, pois estas têm um
potencial notável de se tornarem presenças demoníacas. Não é
apenas uma questão da representação imagética se tornar a real
presença do que é retratado (conforme a lógica do ícone); antes
disso, é uma inversão radical através da qual o que se parece
com Jesus se torna o Diabo. Nem todos os pentecostais endos-
sam essa visão e alguns dizem que imagens de Jesus são sinais
da expansão vitoriosa do cristianismo, porém a sugestão de um
possível deslize demonstra de modo exemplar uma profunda
ambivalência das pessoas em relação à propagação e ao poder
das imagens. Estas servem para indexar a presença pentecostal
na esfera pública; todavia, elas podem parecer excessivas e in-
controláveis e desencadear exatamente as forças contra as quais
os pentecostais lutam em sua “guerra espiritual”. Como dar sen-
tido a esse deslize é a preocupação central deste texto.
Esse foco demanda atenção para três questões relaciona-
das. Uma delas diz respeito ao que vou chamar de “materia-
lidade das imagens.” Inspirada por debates recentes nos cam-
pos da cultura visual e material, eu argumento, na primeira
seção, que as imagens não devem ser compreendidas simples-
mente como representações submissas à visão do observador,
mas, em vez disso, devem ser levadas a sério como algo que
pode fugir do controle humano. Não se trata apenas de inver-
ter reivindicações ontológicas correntes sobre a superioridade
e o controle dos sujeitos sobre os objetos e dos observadores
sobre as imagens. Ao invés disso, eu destaco a importância de
se verificar como imagens são englobadas por práticas sociais
particulares de ação e observação. Somente dessa forma pode-
mos compreender totalmente o papel e o lugar das imagens
religiosas do modo como elas se desenvolveram à medida que
os africanos encontraram o cristianismo protestante.

117
Em segundo lugar, analisarei, sob uma perspectiva histó-
rica, como as concepções e as atitudes protestantes em relação
a coisas e imagens foram veiculadas para os Ewe onde hoje é
o sudeste de Gana. Mostrarei que, apesar da atitude agressiva
em relação a coisas religiosas (incluindo imagens) e sua rejei-
ção como “fetiches” e “ídolos”, no encontro entre missionários
e populações locais no século XIX, essas coisas não foram in-
teiramente despidas de seu poder. Analiso os conflitos entre o
protestantismo missionário e as atitudes locais sobre o lugar e
o papel das coisas na religião e concluo com um breve esbo-
ço das visões sobre as coisas religiosas sustentadas por igrejas
missionárias históricas, igrejas africanas independentes e igrejas
pentecostais-carismáticas, respectivamente, enfatizando as se-
melhanças e diferenças das atitudes e perspectivas autóctones.
Em terceiro lugar, examinarei o pentecostalismo contem-
porâneo para tratar das atitudes e dos debates relativos à pro-
dução em massa de imagens de Jesus, e explorarei as tensões
nas quais as estratégias audiovisuais pentecostais fervilham no
saturado ambiente midiático contemporâneo de Gana. Esse é
o meu ponto principal – a complicada relação entre protestan-
tes, e, especialmente, o cristianismo pentecostal e as tradições
religiosas autóctones africanas.3 Enquanto o primeiro acusa po-
lemicamente o último de idolatria e adoração ao Diabo, essa

3
"Tradições religiosas autóctones africanas" é uma expressão estranha. No entanto,
eu a considero preferível à noção de "Religião tradicional africana" que é frequente-
mente utilizada de forma essencialista. O fato de tanto os defensores quanto os crí-
ticos empregarem o termo "Religião tradicional africana" demonstra a medida que
os discursos sobre "religião tradicional" são fundamentados em encontros históri-
cos coloniais em que o cristianismo serviu como ponto de referência. Reconhecer
que "religião tradicional" geralmente é enquadrada como a outra do cristianismo
sugere que, ao invés de procurar um termo neutro mais apropriado, é necessário
investigar a política de uso de termos que envolvem "tradição" (Meyer, 2005a, veja
também De Witte, 2005a, 2005b). Embora eu saiba que "religião tradicional afri-
cana" ou "religião tradicional" são realmente usadas no discurso local (e, portanto,
uso citações para indicar isso), minha opção por "tradições religiosas autóctones
africanas" indica uma compreensão dinâmica da tradição como algo que não é fixo,
mas sujeito à transformação.

118
relação é mais bem compreendida não como uma oposição, mas
como um enredamento inevitável e, como tal, simbiótico. Isso
significa que a natureza epistêmica das imagens é instável, daí o
potencial de as imagens de Jesus caracterizadas como signos, ou
índices da expansão cristã, se tornarem ícones que presentificam
não o que está representado, mas uma força obscura que por
trás delas se esconde. O entendimento desse potencial de desvir-
tuamento é a chave para compreender como as imagens cristãs
estão situadas na atual esfera pública de Gana.
Minha preocupação geral principal é esboçar o papel fun-
damental, embora paradoxal, do cristianismo protestante no
que W.J.T. Mitchell chama de a “construção visual do campo
social” (2005, p. 345), contexto em que as imagens podem se
tornar artefatos poderosos. Vou mostrar que os receios pentecos-
tais atuais em relação às imagens de Jesus como potencialmente
demoníacas estão enraizados em visões de longa data, inerente-
mente paradoxais, sobre as coisas religiosas, visões que afetam
a nova esfera pública que emergiu em Gana após o marco da
democratização. Ainda que este estudo tenha seu foco sobre
uma realidade local, comparando em uma perspectiva histórica
diferentes atitudes em relação aos artefatos religiosos no espec-
tro do cristianismo e das tradições religiosas autóctones africa-
nas, ele também se inspira e dialoga com debates mais amplos
sobre a reconfiguração das religiões diante dos novos meios de
comunicação e tecnologias de reprodução e circulação de massa
(por exemplo, Chidester, 2008a; Eisenlohr, 2006; Hirschkind,
2006; Morgan, 2005; Pinney, 2004; Spyer, 2008; veja também
De Vries, 2001; Meyer, 2009a). Procuro não só lançar luz sobre
a cultura audiovisual religiosa em Gana, mas também contribuir
para o desenvolvimento de um melhor quadro conceitual que
explore comparativamente a intersecção de religiões expansio-
nistas, incluindo o pentecostalismo, e essas novas tecnologias
que permitem a circulação de imagens religiosas. Compreender
essa interseção é uma condição sine qua non para entender o
feitiço das imagens em nosso tempo.

119
Além do olhar: imagens como coisas animadas

O potencial de um desvirtuamento de imagens de Jesus


em presenças demoníacas está em sintonia com as recentes su-
gestões feitas pelos estudiosos no campo emergente da cultura
visual e material de que as imagens precisam ser entendidas não
apenas como representações, mas também como “coisas” que
podem se imprimir sobre seus espectadores, incutindo sensações
que vão desde um assombro exultante até a pura ansiedade. A
antropologia tem demonstrado interesse em ​​ concepções alter-
nativas da relação entre as pessoas e as coisas, incluindo ima-
gens (por exemplo, Appadurai, 1988; Gell, 1998; Miller, 2005;
Verrips, 1994). Também além da antropologia, pesquisadores
questionam cada vez mais a adequação da distinção moderna
objeto-sujeito e estão desenvolvendo entendimentos alternati-
vos sobre “o que as coisas fazem” (Verbeek, 2005). Para explicar
o poder e a agência dos objetos, Bill Brown sugeriu que imagi-
nemos coisas “como aquilo que é excessivo em objetos, como
o que excede a sua simples materialização como objetos na sua
simples utilização como objetos - sua força como uma presença
sedutora e sensória, a magia pela qual as coisas se tornam valo-
res, fetiches, ídolos e totens” (2001, p. 4; ver também Latour,
2002). Esta é uma sugestão estimulante, certamente por invocar
a noção de fetiche que tem sido empregada há muito tempo
para sustentar uma distância entre as pessoas ocidentais e as não-
-ocidentais. Se “ser sensível é sofrer, no sentido de ser objeto de
uma ação” (como Patricia Spyer parafraseia Marx e Pietz [2006,
p. 126]), então reconhecer a “presença sedutora e sensória” das
coisas desafia os modelos modernos de agência que consideram
a relação entre as pessoas e o mundo em termos de sujeitos que
exercem o poder sobre os objetos, e observadores que fixam as
imagens através do olhar.
Trabalhos antropológicos que seguiram os de Marcel
Mauss (1970; Strathern, 1988) destacam que as concepções da

120
relação entre pessoas e coisas estão baseadas em contextos histó-
ricos e culturais específicos. Dessa perspectiva, o que precisamos
não é simplesmente de uma ontologia mais adequada (baseada,
por exemplo, em uma visão das coisas como excessivas, como
sugerido por Brown). Em vez disso, precisamos de compreen-
sões detalhadas sobre os diferentes modos através dos quais as
relações entre pessoas e coisas são moldadas e transmitidas em
configurações particulares.4 Ao mesmo tempo, a consciência de
ontologias alternativas que exigem nossa atenção etnográfica
minuciosa (como sugerem muitos antropólogos) não deve nos
cegar ao fato de que contestações acerca da natureza das rela-
ções entre humanos e artefatos têm sido fundamentais para a
expansão colonial ocidental. Portanto, é importante reconhecer
que os modelos ocidentais dessas relações – embora evidente-
mente problemáticos em seus conceitos – não são apenas fic-
ções equivocadas desprovidas de qualquer senso de realidade.
Eles foram convocados repetidamente para marcar a diferença
entre pessoas “modernas” e “primitivas”. Por exemplo, como
parte indissociável do protestantismo missionário, ideias sobre
relações adequadas e impróprias entre “coisas” e “pessoas” e a
atribuição adequada de agência e controle viajaram por todo
o mundo e foram enxertadas em configurações em que tais re-
lações tinham, até o momento, sido pensadas e organizadas de
maneiras bastante diferentes. Enquanto os ocidentais (ou pelo
menos os protestantes modernos) foram considerados capazes
de preservar o limite que separa os sujeitos dos objetos, “os “pri-

4
Conforme sugerido por Amiria Henare, Martin Holbraad e Sari Wastel em sua
instigante introdução ao volume Thinking Through Things (2007), um projeto
deste tipo se move para além da pura reivindicação da diversidade cultural em rela-
ções sujeito-objeto. Em vez disso, o próprio dualismo que chamamos de "relações
sujeito-objeto" pode ser subvertido por ontologias alternativas, modos de concep-
ção do mundo em que as coisas e o que elas significam estão inextricavelmente
entrelaçadas (ibid, p, 12ss). Como Mauss mostrou notoriamente, este é o caso da
troca de dádivas maori, onde artigos valiosos (taonga) são identificados ao "espírito
do dom" (hau), tornando impossível uma distinção rigorosa entre dádiva, doador e
receptor (1970, p. 8ss).

121
mitivos” foram acusados de confundi-lo, submetendo-se, assim,
a um “fetiche” (Keane, 2007).
Tomoko Masuzawa (2000) apontou que a própria ideia
de “fetiche” (ou seja, confundir um “mero” objeto com um ser
animado) pressupõe uma oposição entre espírito e de matéria e
entre sujeito e objeto, a qual o “fetiche” escandalosamente obs-
curece, sem deixar de sustentar. O obscurecimento e, ao mesmo
tempo, o restabelecimento desta oposição, sugere Masuzawa,
está no cerne dos “problemas com a materialidade” da moder-
nidade, de acordo com a qual a matéria era entendida como
morta, inativa e desencantada, ao mesmo tempo em que as pes-
soas cada vez mais caíam no feitiço das mercadorias na crescente
economia capitalista. Esse é o limbo no qual se situa a noção
de “fetiche”, nascida no encontro entre africanos e ocidentais
(Pietz, 1985-1988). As tentativas de exercer poder sobre as coi-
sas mediante um processo de “purificação” – que postula uma
distinção estrita entre sujeito e objeto e nega a agência a este
último (Latour, 1993) – são tão importantes para o projeto de
modernidade, assim como foram para as missões protestantes
do século XIX, como são as noções de “fetiche” e “ídolo” que
indicam a animação ilícita, mas persuasiva e parcialmente ines-
capável, dos objetos. A própria designação de um objeto como
um “fetiche” sugere um chamado para desmascarar essa mistifi-
cação, enquanto, ao mesmo tempo, reconhece o poder misterio-
so das coisas de colocar as pessoas sob seus feitiços.
Portanto, a afirmação de Brown de que as coisas, devido
ao seu potencial excessivo que resiste à objetificação total, são
capazes de aparecer como “fetiches, ídolos e totens” (2001, p. 4;
veja também Mitchell, 2005, p. 145s), só pode ser um ponto de
partida para um questionamento sério sobre o poder e a agên-
cia das coisas.5 Precisamos prestar atenção ao mesmo tempo às

5
Este momento de suposto autoreconhecimento dos ocidentais na imagem orienta-
lista do Outro primitivo não deve, em minha opinião, resultar em um sentimento
(celebrativo, embora levemente fatalista) de que a resiliência teimosa do "fetiche"

122
conceituações autóctones da natureza das coisas e ao impacto
das visões ocidentais modernas das relações sujeito-objeto sobre
essas conceituações. Em muitos casos, como os que eu saliento
aqui, estas incluem as visões protestantes.
As imagens são tipos particulares de coisas que se situam
em regimes visuais (e, às vezes, audiovisuais) específicos que es-
tipulam a natureza e o status das imagens e organizam práticas
de observação (Morgan, 1998). Reconhecer a materialidade das
imagens requer uma crítica não apenas aos modelos modernos
de agência, mas também aos modelos do olhar como a rela-
ção principal entre elas e os espectadores. De acordo com as
ideologias ocularcêntricas modernistas, a visão, no sentido de
um olhar distante e distanciador, alcançou o status de sentido
mestre através do qual os espectadores exercem controle sobre o
mundo, mas também experimentam uma separação irrecuperá-
vel dele (Jay, 1994). Trabalhos recentes nos campos da cultura
visual, dos estudos cinematográficos e da antropologia da mídia
superaram uma consideração literal do ocularcentrismo moder-
no. Combinando os campos até então separados da cultura visu-
al e material (Spyer, 2006) e adotando uma abordagem sensorial
(por exemplo, Edwards; Gosden; Philipps, 2007), a materialida-
de das imagens – sua capacidade de envolver os sentidos e tocar
o espectador – foi reconhecida.
Embora devamos levar em conta as diferenças entre formas
pictóricas materiais, como ícones e estátuas, retratos pintados,
fotografias ou imagens produzidas em massa, é importante per-
ceber que entender essas formas como materiais – como coisas –

expressa um tipo de primitivismo universal. Em vez disso, precisamos perguntar


por que a noção de "fetiche" e a prontidão para se colocar sob o feitiço de uma coisa
são tão atraentes, pelo menos para os ocidentais instruídos. Esta é uma maneira de
relativizar a agência moderna e redescobrir a nossa selvageria reprimida por tanto
tempo? O meu argumento não é advogar uma perspectiva racional e moderna,
mas sim advertir contra uma inversão excessivamente simplista e colocar a bus-
ca do primitivismo em um quadro mais amplo. Veja também van de Port, 2011.

123
contorna distinções radicais entre essas formas e questiona a sua
categorização em diferentes esferas e modos distintos de análise,
como cultura material, arte, cultura visual, etc. Ao abordar essas
diferentes formas como “imagens”, sigo a compreensão de Mi-
tchell delas como concretizações materiais de images.6 Enquan-
to as images são mais abstratas – “o que pode ser destacado da
imagem” – “a imagem é a image mais o suporte, é a aparição da
image imaterial em um meio material” (Mitchell, 2005, p. 85).
A adoção desta abordagem nos permite transcender oposições
enganosas, como espiritual e material, e situar nossas questões
diretamente no centro da confluência do estudo das culturas
visual e material. Uma preocupação fundamental deste artigo é
mostrar que as atitudes desenvolvidas em relação aos chamados
“fetiches” (e “ídolos” – na configuração em que estudei, ambos
os termos foram utilizados de forma intercambiável) se estendem
a atitudes em relação a imagens produzidas em massa, e mesmo
a filmes. O objetivo é investigar como essas diferentes formas
materiais assumem uma presença sedutora e sensória para seus
espectadores através de regimes ideológicos - no nosso caso, reli-
giosos - específicos que organizam as maneiras pelas quais as pes-
soas se relacionam com imagens através dos seus sentidos (Chi-
dester, 2008a; De Witte, 2008; Meyer, 2006a; Verrips, 2008).
Vários autores chamaram a atenção para uma ampla gama
de relações visuais que ultrapassam em muito o olhar que domi-
na os modelos ocularcêntricos (Belting, 2005; Freedberg, 1989;
Howes, 2003; Morgan, 2005; 2007; Marks, 2000; Pentcheva,
2006; Sobchack, 2004; Verrips, 2002; 2006). As abordagens
que apreciam o impacto multi-sensorial das imagens na consti-
tuição de um senso de ser-no-mundo são particularmente rele-
vantes em relação a imagens religiosas e a atitudes para com ima-
gens desde uma perspectiva religiosa. Na minha compreensão,

6
N.E. Optamos por traduzir “picture” como imagem e por deixar “image” na sua
grafia inglesa. Outras soluções para expressar a distinção explicada a seguir pela
autora nos pareceram insatisfatórias.

124
as imagens não têm um poder intrínseco, mas aparecem como
poderosas no contexto de configurações sociais específicas que
mobilizam concepções particulares sobre a natureza das imagens
e das coisas. Em outras palavras, as pessoas são ensinadas a abor-
dar, valorizar, tratar e olhar as imagens de maneiras específicas, e
isso resulta de um processo de animação através do qual as ima-
gens podem (ou não) se tornar agentes que se imprimem sobre
seus espectadores (ver também Van de Port, 2011).
As religiões, proponho, autorizam tradições particulares de
olhar, sobre as quais o relacionamento sensorial entre pessoas e
imagens é fundamentado, e através das quais as imagens podem
(ou são deliberadamente impedidas de) assumir uma presença
sedutora e sensorial particular e mediar o que permanece invi-
sível aos olhos (Morgan, 1998, ver também Meyer, 2008a; Pin-
ney, 2004; Roberts; Nooter Roberts, 2003; Van de Port, 2006).
Desta forma, os espíritos e o espiritual são levados a se mate-
rializar em uma imagem e, portanto, tornam-se acessíveis. Au-
torizada a conduzir a um domínio além, até mesmo uma ima-
gem produzida em massa é considerada mais do que ela mesma
mostra, uma vez que aponta para algo transcendental. Diferen-
tes concepções das relações humanos-coisas e da natureza das
imagens religiosas oferecem pontos de entrada para compara-
ção, mas também abrem um campo minado de contestações
e paradoxos de imagens que surgem na interface de diferentes
tradições religiosas, como o protestantismo missionário, as reli-
giões africanas locais e o pentecostalismo.
As imagens de Jesus em um ambiente protestante-pente-
costal, como o de Gana, são um foco de pesquisa particularmen-
te interessante porque, ao mesmo tempo que expressam a busca
da presença e do poder de Deus através de imagens de Jesus,
também são, paradoxalmente, assombradas pelo temor de que
o Diabo possa se apoderar das mesmas, até mesmo quando se
destinam a aproximar as pessoas de Deus.

125
Paradoxos: o protestantismo e as coisas em Gana

Nesta seção vou esboçar os paradoxos das atitudes protes-


tantes em relação às coisas, que informam as atitudes passadas
e atuais em Gana sobre as imagens e, mais especificamente, que
são mobilizadas em incertezas acerca das imagens de Jesus. A
seção seguinte se concentrará nas imagens contemporâneas de
Jesus e nos discursos e regimes em que são colocadas.
Muito tem sido escrito sobre a atitude iconoclasta do pro-
testantismo em relação a imagens de Deus. Como Max Weber
apontou (1920), essa atitude instigou um novo desencantamento
com objetos religiosos e foi vital para a gênese da modernidade.
As atitudes protestantes em relação às coisas e imagens religiosas
foram e são muito mais diversas do que os estereótipos comuns
sugerem (ver Van den Hemel, 2012; Van der Kooi, 2007). No
entanto, é verdade que as críticas protestantes às imagens reli-
giosas como representações inadequadas da divindade tenderam
a ser mobilizadas em confrontos com outras religiões mais “ami-
gáveis com coisas”, como o catolicismo e as tradições religiosas
autóctones. As sociedades missionárias protestantes do século
XIX atacaram ferozmente a religião “pagã” pela sua obsessão por
“fetiches” e “ídolos” e sua materialidade deplorável em todo o
mundo. Em contextos como o de Gana contemporâneo, esta
atitude é mantida viva, em particular por igrejas e movimentos
no espectro pentecostal-carismático. Isso gera debates constantes
sobre o alegado perigo alojado em todos os tipos de objetos as-
sociados com a religião autóctone mais antiga, tambores e más-
caras feitos para turistas e, mais claramente, imagens de Jesus.
O protestantismo é uma das configurações em que as ati-
tudes sobre coisas e imagens – incluindo as que pertencem a
crenças religiosas e práticas que devem ser “deixadas para trás”
– são geradas e endossadas. Gerar e endossar tais atitudes fun-
damenta-se em uma “ideologia semiótica” particular, ou seja, a
maneira como as distinções entre palavras, coisas, pessoas e es-

126
píritos são configuradas e suas relações são organizadas material-
mente (Keane, 2007, 17ss, veja também 2008a).7 Em seu exame
perspicaz dos encontros entre missionários protestantes holan-
deses e seus convertidos na Ilha de Sumba, na Indonésia, Webb
Keane mostrou como a ideologia semiótica do protestantismo
é constantemente frustrada e precisa de reafirmação. Destratar
os habitantes de Sumba, que atribuiam agência às coisas, como
“fetichistas” não garantiria a distinção estável entre sujeitos e
objetos que os missionários tinham em mente. Em vez disso, o
estudo de Keane sobre o encontro revela a impossibilidade final
de tais distinções categóricas e do projeto geral de purificação
moderna de que fazem parte. Ainda que Keane preste muita
atenção à linguagem, sua noção de uma ideologia semiótica que
estipula relações adequadas entre pessoas, espíritos, palavras e
coisas também é útil para examinar imagens de Jesus produzidas
em massa em Gana, e as atitudes e práticas em torno dessas ima-
gens. O ponto que desejo estabelecer nesta seção é de que essas
atitudes e práticas estão baseadas nos primeiros contatos entre
missionários protestantes e habitantes locais. Um breve olhar
sobre o encontro revela diferenças interessantes, bem como –
em um nível mais oculto – semelhanças entre suas respectivas
ideologias semióticas.

7
Keane desenvolveu a noção de "ideologia semiótica" com base no conceito de "ide-
ologia da linguagem", isto é, "o que se acredita sobre o idioma" (2007, p. 16). Ou,
nas palavras de Michael Silverstein, "conjuntos de crenças sobre a linguagem arti-
culada pelos usuários como uma racionalização ou justificação da estrutura e uso
percebidos da linguagem" (ibid.). A ideologia é usada aqui não no sentido de uma
consciência falsa, mas para enfatizar "os efeitos produtivos da consciência reflexiva"
(ibid, p. 17), sendo importante marcar que tais ideologias não se limitam ao nível
de representação imaterial, mas sempre exigem objetivação no mundo material. As
ideologias linguísticas, entendidas neste sentido, compõem configurações de mate-
riais concretos que são habitadas e incorporadas por pessoas. Invocando ideologia
"semiótica" e não "linguística", Keane procura abranger outros domínios semió-
ticos além da linguagem em si. O cerne da questão é que as ideologias semióticas
distinguem categorias significativas e definem suas relações em formas particulares
que organizam o mundo material.

127
Apesar de algumas diferenças regionais, as atividades mis-
sionárias protestantes entre os Ewe, Ga, Krobo e Asante, em
meados do século XIX e início do século XX, têm muito em
comum. Isso se deve em parte ao papel central da Basler Mission
e sua parceira Norddeutsche Missiongesellschaft (NMG), na di-
vulgação do pietismo na Costa do Ouro. Ambas as sociedades,
cujos missionários foram todos treinados na mesma escola de
missões da Basileia, adotaram uma estratégia semelhante, na
medida em que procuraram traduzir a Bíblia para as distintas
línguas nativas e assumiram uma posição severa contra deuses
e espíritos locais. Essa posição pode ser resumida como “diabo-
lização”, um processo pelo qual essas entidades são declaradas
como demoníacas, mas sobretudo como poderes verdadeira-
mente existentes dos quais os devotos cristãos deveriam se disso-
ciar (Meyer, 1999). De particular interesse aqui são as atitudes
missionárias em relação às coisas religiosas, que foram despreza-
das como “fetiches” ou “ídolos” que certamente ligariam as pes-
soas a Satanás. No ataque diabolizante das tradições religiosas
Ewe, Ga, Krobo e Asante locais, o tema organizador parece ter
sido a cruzada dos missionários contra as coisas religiosas asso-
ciadas aos “pagãos”. No material histórico que conheço melhor,
que diz respeito às atividades do NMG entre os Ewe, as popu-
lações locais e os cristãos frequentemente entraram em conflito
sobre “fetiches” e “ídolos”.
Antes de se voltar para as ideias missionárias sobre essas
coisas, é importante notar que as ideias Ewe sobre elas não esta-
vam fundamentadas em uma atitude “fetichista”, mas sim numa
ontologia alternativa que enfatizava que as forças invisíveis e os
espíritos se tornam tangíveis através das coisas que habitam.8

8
Na mesma linha, as coisas conteriam características daqueles que as usam (de forma
não muito distinta da noção maussiana do hau da dádiva, através da qual uma coisa
incorpora seu doador). Assim, quando as pessoas eram suspeitas de ter acumulado
riqueza através da feitiçaria, após a morte delas seus pertences seriam descartados.
Suas coisas não eram consideradas adequadas para uso por outros e, portanto, eram
abandonadas. Veja também Thoden van Velzen e van Wetering, 2004.

128
O eminente etnógrafo missionário Jacob Spieth (Meyer, 1999,
p. 60ss), que ofereceu a primeira descrição substancial da reli-
gião Ewe, apresentou os trõwo como espíritos invisíveis, que no
entanto têm mãos e pés e podem ouvir e ver; eles habitam o céu,
mas também têm moradias na terra, “que são preparadas para
eles com mãos humanas. Essas [moradias], no entanto, são ape-
nas sinais que têm como objetivo lembrar os seres humanos do
trõ. Quando o sacerdote chama o trõ, o último se aproxima da
terra, de modo a ouvir as questões dos seres humanos e transmi-
tir sua voz a Deus. É somente através da sua mediação que Deus
escuta a voz dos seres humanos, e recebe os dons de sacrifício
dos seres humanos através das suas mãos” (Spieth, 1911, p. 39).
De especial importância aqui é o papel dos seres hu-
manos na criação de moradas particulares para hospedar e
até fixar um espírito por algum tempo na terra.9 A interpre-
tação por parte de Spieth dos espíritos como mediadores en-
tre seres humanos e Deus também é fascinante. É difícil ava-
liar quão importante era a noção do distante Deus Maior na
cosmologia Ewe, ou se a sua importância foi exagerada pelos
missionários protestantes ocidentais, que introduziram uma
maneira alternativa e cristã de alcançar Deus sem depender
de espíritos que precisariam de moradas e adoração, e sem
empregar sacrifício. O que é evidente é o emaranhamento
específico de espírito e matéria na prática religiosa Ewe.
Em seu estudo sobre o culto Gorovodu dos Ewe, Judy
Rosenthal explica que os conceitos de poder da África Ocidental
implicam “forças e domínios que são inventados pelos seres hu-
manos tão certamente quanto os seres humanos são moldados por
eles” e, assim, “as pessoas estão conscientes do fato de que têm uma
mão na criação das divindades e do sagrado” (1998, p. 45).10 Esse

9
Note-se que isso não é diferente da compreensão de Mitchell sobre a imagem como
a materialização de uma image, está dependendo daquela para ser expressa.
10
Judy Rosenthal cita a fascinante reflexão do sacerdote Gorovodu Fo Idi: "Nós,
Ewe, não somos como os cristãos que são criados por seu deus. Nós criamos nossos

129
entendimento Ewe é bastante afastado das concepções ociden-
tais de espírito e matéria, de Deus e de seres humanos, que
enfatizam a distinção dessas duas dimensões. Não se trata de
confundir uma coisa com um espírito, como implica o termo
“fetiche”, mas sim reconhecer a dimensão material e a interven-
ção humana como necessárias para a articulação de espíritos e
poderes invisíveis na Terra.
As atitudes missionárias em relação às coisas religiosas – isto
é, objetos, substâncias, imagens e lugares naturais considerados
como moradas de espíritos ou de poderes espirituais pelas popu-
lações locais – eram complexas, mas quero distinguir três delas. A
primeira, a de missionários comprometidos com o que chamarei
de desencantamento de substâncias naturais. Ao construir novos
locais de missão, por exemplo, os missionários repetidamente se
depararam com restrições no uso de certos materiais e o acesso
aos recursos naturais.11 No geral, os missionários adotaram uma
atitude de desencantamento em relação às substâncias naturais,
que muitas vezes enfrentavam sérios protestos de populações lo-
cais que consideraram esta atitude em termos de profanação ou
mesmo de poluição (ver também Comaroff; Comaroff, 1992).
Da mesma forma, os missionários pregavam contra a obediên-
cia a certos tabus, por exemplo, interdições contra a busca de
água do rio em determinados dias, usando recipientes modernos
ou permitindo que as mulheres menstruadas tocassem a água.
No geral, os missionários procuraram introduzir uma atitude

deuses, e criamos apenas os deuses que queremos que nos possuam, nenhum ou-
tro"(1998, p. 45). Veja também a análise de Preston Blier dos processos pelos quais
os escultores Ewe e Fon criam as figuras chamadas bocio como amedrontadoras e
temíveis, processos que envolvem práticas de escultura e de ativação e empodera-
mento graduais dessas figuras com palavras, saliva, calor, amarrações e oferendas
(1995, p. 74).
11
Ao construir um novo posto missionário em Amedzofe, por exemplo, os traba-
lhadores não locais contratados pela missão trouxeram uma grande pedra da mata.
Aconteceu que essa pedra era a morada de uma deidade local, e as pessoas pediram
que a pedra fosse levada de volta à mata e seu espírito apaziguado. (Para uma análise
mais detalhada, ver Meyer, 1997, p. 319).

130
bastante utilitária em relação à matéria que, para invocar Brown
novamente, reduziria as coisas a meros objetos com certo uso e
propósito. Embora isso implicasse uma crítica da cosmologia
local, com seus lugares sagrados e tabus, é importante perceber
que, em última instância, os missionários consideravam seu pró-
prio trabalho sobre a natureza – o cultivo da mata, a construção
de aldeias cristãs, em síntese, a transformação da natureza selva-
gem em civilização – como uma atividade religiosa que revelaria
a presença e o poder do Deus cristão.
A segunda atitude dos missionários era iconoclasta. Essa
atitude dizia respeito a coisas que os Ewe consideravam sagra-
das e que não poderiam ser reduzidas a um propósito utilitário,
porque não tinham valor de uso que pudesse ser recuperado,
despojando-as de sua dimensão espiritual. Certas coisas, como
os objetos armazenados no interior de santuários, lugares de es-
píritos, amuletos, trajes poderosos e outros dispositivos mágicos
(dzo) que poderiam proteger ou causar dano, simplesmente im-
pediam o culto apropriado a Deus como concebido pelos mis-
sionários. As críticas protestantes do catolicismo e do “paganis-
mo” correspondem em formas interessantes que culminam na
rejeição do uso das coisas para acessar o divino. Os registros
das missões reportam numerosos atos de violência em relação a
santuários e objetos usados ​​na adoração a deuses. Se eles concor-
dassem em se converter, os sacerdotes locais eram convidados a
queimar seus santuários e toda a sua parafernália.12 Isso produziu
performances espetaculares que não só afirmaram a superiorida-
de do cristianismo protestante (como uma religião que poderia

12
A importância da destruição pelo fogo é notável, uma vez que evoca não apenas
o fogo do inferno, mas também ressoa com as práticas locais de queima de bruxos
(após a morte do suposto feiticeiro). O termo Ewe dzo, geralmente traduzido como
"magia" ou "juju" (feitiço) também significa, literalmente, "fogo", associando, por-
tanto, fogo ao poder espiritual. No pentecostalismo atual, há muita ênfase no fogo
do Espírito Santo, que, supostamente, deve atacar o mal. Isso é retratado na cena
final do filme ganês-nigeriano Time, de 2000, dirigido por Emmanuel Dugbartey
Nanor.

131
ser feita sem “ídolos”), mas ao mesmo tempo, confirmou o pró-
prio poder desses objetos que não poderiam ser simplesmente
abandonados ou esquecidos.13 Da mesma forma, os missioná-
rios encorajavam atos públicos de descarte de objetos mágicos
pessoais (dzo).14 Em suma e relembrando a análise de Latour
do “iconoclash” protestante (2002), as atitudes frequentemente
violentas dos missionários contra as coisas religiosas mantiveram
vivo e até enfatizaram o poder dos artefatos de maneira direta.
A terceira atitude, juntamente com esses ataques explícitos
que, em última instância, afirmam o poder do que foi destruído
(e, portanto, encaixam-se perfeitamente na lógica da diaboliza-
ção), era aquela em que os missionários também se dedicaram a
desmascarar o suposto poder dos fetiches e seus sacerdotes. Há
uma abundância de histórias sobre valentes evangelistas que ou-
savam desafiar os sacerdotes detestáveis ​​e os expunham como
meros mentirosos e falsários, indignos do temor e apreciação
que lhes eram concedidos. Eles os acusavam de empregar dis-
positivos fraudulentos – efeitos especiais, por assim dizer – que
produziam sons e visões aludindo ao domínio espiritual. Mas
então, o próprio Satanás, a cuja falange esses sacerdotes e seus
espíritos eram acusados de pertencer, era considerado o mestre
do engano. Dessa forma, os “fetiches” e seus sacerdotes não esta-
vam simplesmente esperando para serem desmascarados como
irreais ou “falsos”, mas, acima de tudo, eram condenados como
perigosos e errados. Na pregação do Evangelho, os missionários
deslocaram-se facilmente entre uma visão de “fetiches” e “ído-

13
Durante meu trabalho de campo em Peki na década de 1990, eu ainda me deparei
com relatos de santuários que foram abandonados ou desmantelados em vez de
terem sido destruídos pelo fogo até que sobrassem apenas as cinzas. O sacerdote
do deus da guerra, Dzebum, contou-me como um membro cristão da família já
havia jogado a parafernália de Dzebum no banheiro para se livrar dela. Como era
esperado, a vingança de Dzebum resultou em enfermidade na família, e sua saúde
só foi restaurada depois que Dzebum foi apaziguado por um conjunto de rituais
de purificação.
14
Alguns itens de dzo não foram destruídos, mas enviados ao museu em Bremen,
onde foram classificados como objetos mágicos.

132
los” como “falsos” no sentido de forjados ou irreais e “falsos” no
sentido de “errado”, mas, portanto, reais, ainda que devotados
aos poderes satânicos. Assim, mesmo os projetos de desmas-
caramento não necessariamente reduziam uma coisa excessiva
carregada de poder a um mero objeto. Pelo contrário, o ato de
desmascarar fazia parte de uma dialética de revelação e ocultação
(Taussig, 2003) que, ao final, não engendrou uma atitude prosai-
ca em relação às coisas religiosas como meros objetos de origem
humana.15 De fato, de uma maneira indireta, os missionários
carregaram objetos e matéria com o próprio potencial excessivo
que, de acordo com Brown, distingue objetos de coisas e faz com
que estas últimas assumam uma presença sedutora e sensorial.
Se na sua abordagem da natureza e das substâncias naturais
os missionários procuraram revelar a presença de Deus no mun-
do, em seus ataques contra “fetiches” eles finalmente encontra-
ram o poder de Satanás em ação. Em ambos os casos – a atitude
de desencantamento (ou, em outro nível, ressacralização) em
relação à natureza e o desmascaramento diante de “fetiches” –
encontramos uma atitude subjacente que reconhece a presença
de Deus ou do Diabo nas e através das coisas. A ideologia semi-
ótica dos missionários, não muito diferente da dos missionários
protestantes holandeses entre os habitantes de Sumba analisados​​
por Keane, abundou em contradições: por um lado, eles propa-
garam uma perspectiva prosaica sobre as coisas, como objetos
a serem controlados e utilizados pelos humanos, e por outro,
consideravam o mundo e, portanto, a relação entre pessoas e
coisas como sujeitos a uma força espiritual invisível: Deus ou o

15
Em Peki, por exemplo, ouvi muitas histórias sobre o sacerdote Keteku Kwami
do culto Tigare, que foi muito poderoso no início do século XX. Meu anfitrião e
interlocutor-chave, o mais tarde reverendo E.Y. Tawia, gostava de me contar sobre
como o sacerdote de Tigare havia sido desmascarado por um evangelista, que des-
cobriu que era o próprio sacerdote quem simulava as vozes dos espíritos, tocando
secretamente um tambor particular, mostrando, assim, que não havia poder espiri-
tual presente na caverna de Tigare. Ao mesmo tempo, Tawia era inflexível ao acusar
tais cerimônias de culto ao Diabo.

133
Diabo em ação através da matéria. Este último entendimento
não estava tão distante da visão dos Ewe de que a matéria e os
espíritos estavam totalmente enredados.
Apesar de sua posição feroz contra a adoração “de ídolos,
os objetos e artefatos desempenharam um papel importante na
prática dos missionários. Nas igrejas missionárias emergiu uma
cultura material protestante que colocou grande ênfase nos mo-
dos cristãos de vestimenta e arquitetura, que se tornaram sinais
externos da identidade cristã (Meyer, 1997). Certos artefatos,
como a Bíblia, os livros de histórias e as imagens devotas de Je-
sus, desempenharam um papel central no culto cristão, mas não
foram reconhecidos em sua materialidade. Além disso, muitos
convertidos procuraram inventar atos mais práticos do que a ora-
ção para contatar Deus e fazê-lo afetar a vida e o bem-estar das
pessoas. Isso foi contrário à ideologia semiótica dominante do
protestantismo missionário que descartava o valor das coisas na
adoração de Deus, mas que, em última instância, não se realiza-
va na prática. Qualquer contato com forças espirituais invisíveis,
incluindo o Deus cristão, baseava-se em práticas de mediação
através das quais essas forças são tornadas acessíveis, tangíveis
e sensíveis, em primeiro lugar. Os africanos convertidos, que
haviam sido socializados em ideologias semióticas alternativas e
autóctones que reconheciam a importância das mediações mate-
riais nos contatos com espíritos, perceberam isso de forma mais
clara do que os missionários. No entanto, os missionários reivin-
dicaram uma distinção rigorosa entre o protestantismo imaterial
e a materialidade fetichista dos cultos indígenas, que foi o fun-
damento da suposta superioridade do protestantismo.
Especialmente em tempos de crise, no entanto, os conver-
tidos sentiram o desejo de “retornar” a repertórios “pagãos” que
oferecessem soluções mais tangíveis na luta contra a doença e
a insegurança (Meyer, 1999). Dentro dos limites deste texto,
não posso apresentar a história do desenvolvimento do cristia-
nismo protestante em relação à questão da materialidade. Ainda

134
assim, gostaria de propor que os numerosos conflitos entre o
cristianismo missionário e as igrejas independentes africanas –
ou “igrejas espirituais”, como também são chamadas em Gana
– que ocorreram como parte constitutiva de processos de afri-
canização e “inculturação” (ibid.), podem pelo menos em parte
ser atribuídos a tensões que envolvem a valorização das coisas e a
ação ritual concreta. Distintamente das igrejas missionárias pro-
testantes, como a igreja presbiteriana evangélica, as “igrejas es-
pirituais” que surgiram na década de 1930 e se espalharam após
a independência no final da década de 1950 caracterizaram-se
pelo uso de uma elaborada parafernália, incluindo cruzes bran-
cas na mata, vestidos brancos, incenso e água de colônia e por
suas práticas religiosas mais ritualísticas. Objetos e substâncias
foram empregados para invocar o poder de Deus para efetuar a
cura e a proteção. Essas igrejas redispuseram a ideologia semióti-
ca missionária de tal forma que elas poderiam ser cristãs, e ainda
assim permitir o uso de coisas materiais eficazes. De outra for-
ma, seria impossível, conforme acreditavam, se opor à “religião
tradicional” enquadrada, ainda em consonância com a pregação
missionária, como o domínio de Satanás.16
Resumindo uma longa história, as igrejas pentecostais e ca-
rismáticas que se tornaram fenomenalmente populares em Gana
durante a década de 1980 e ganharam forte presença após a
democratização no início da década de 1990, inicialmente se
distanciaram tanto do cristianismo missionário, com sua forte
dependência da Bíblia e a leitura à custa do poder do Espírito
Santo, quanto das “igrejas espirituais”, com sua ênfase em obje-
tos, pelos quais se dizia que se permitiam a “adoração de ídolos”.
A autoapresentação das igrejas pentecostais e carismáticas como
anti-idolatria instigou até mesmo uma série de “igrejas espiritu-
ais” a acabar com o uso de objetos religiosos na adoração e se refor-

16
Isso é marcadamente diferente da Igreja Apostólicos de Sexta-Feira Masowe, ana-
lisada por Engelke (2007), que se opõe fortemente à "coisidade" do cristianismo e,
por isso mesmo, rejeita o uso da Bíblia.

135
mular como pentecostais (Meyer, 1999, p.116). O que se seguiu
foi uma ênfase no corpo humano como o indicador do poder
de Deus: o Espírito Santo trabalharia através do toque da mão.
Parece que os pentecostais estão agora reconsiderando essa
rejeição do uso de objetos religiosos. Algumas das igrejas caris-
máticas fundadas mais recentemente estão se afastando de uma
dependência exclusiva do poder incorporado do Espírito Santo.
Durante a minha última visita a Gana, em janeiro de 2008, no-
tei uma mudança sutil em relação ao uso, por exemplo, de azeite
de oliva italiano, sobre o qual se ora e é então aplicado para un-
gir fiéis recém convertidos (ver Asamoah-Gyadu, 2008, p. 99ss).
Quando perguntei aos pastores e fiéis pentecostais sobre isso,
eles me disseram, para minha surpresa, que coisas como o azeite,
água benta e até pedras pretas eram “símbolos” que poderiam
transmitir e transportar o poder de Deus. Ainda que esses “sím-
bolos” sejam efetivos e positivos, eles disseram que era preciso fi-
car longe do “culto a ídolos”, como praticado na “religião tradi-
cional”, nas “igrejas espirituais” e no catolicismo. Essa distinção
fundamental entre “símbolos” e “ídolos” destaca uma ideologia
semiótica pentecostal que parece lutar contra – mas também
acomodar – certas formas materiais e incorpora semelhanças
significativas com “igrejas espirituais”, “religião tradicional” e,
até certo ponto, mesmo o catolicismo.17 Vou agora examinar
essa ideologia semiótica para elucidar o potencial de desvirtua-
mento alojado nas imagens de Jesus produzidas em massa.

17
Coloco esses termos entre aspas para sublinhar sua fundamentação no discurso
pentecostal. O uso do termo "símbolo" aproxima-se da noção de Peirce de "índice"
(entendido como um sinal que cria uma ligação com o referente, como um traço);
o uso protestante-pentecostal da palavra "ídolo" traz à mente a noção do "ícone"
(entendido como um sinal que se assemelha ao referente).

136
Imagens de Jesus

Apesar do Segundo Mandamento, o protestantismo po-


pular criou uma cultura audiovisual própria em que há uma
abundância de imagens de Jesus produzidas em massa. Embora
essas imagens sejam raramente expostas nas igrejas, elas estão
presentes nos livros de oração e nas casas de protestantes, nu-
trindo uma estética protestante popular distinta, na qual as ima-
gens possuem um papel central em gerar o que David Morgan
chama de “devoção visual” (1998). Essa é uma didática do olhar
distintamente protestante, nas quais as representações de Jesus
são abordadas de uma maneira específica. Baseando-se em um
rico material etnográfico e histórico, Morgan argumenta que no
protestantismo popular dos Estados Unidos, imagens de Jesus
são locais pessoais de veneração. Ele também afirma que preci-
samos prestar atenção na forma específica com que as imagens
de Jesus são legitimadas como adequadas para induzir sensações
de encontro divino, corrigindo visões estereotipadas de que o
protestantismo é radicalmente iconoclasta. Logo, a questão não
é a presença de imagens per se, mas sim o valor atribuído a elas e
a forma como são usadas. Um argumento de Morgan particular-
mente interessante para o meu objetivo com este texto é que as
imagens de Jesus não são vistas como um objeto divino de culto,
como “ídolos”, mas sim como imagens que permitem acesso a
ele ao induzirem contemplação ao produzirem “devoção visual”.
As imagens de Jesus, em resumo, são parte constituinte de uma
estética protestante popular com suas próprias “formas senso-
riais” (Meyer, 2006a), fazendo com que seja possível experimen-
tar o divino através delas.
Note-se que o papel da visão no contexto dessa estética
protestante popular desafia associações simplistas da cultura vi-
sual massificada moderna com o olho e com uma forma parti-
cular de olhar distanciado e objetificador. A noção de Morgan
da visualização como uma forma específica de prática religiosa,

137
que precisa ser aprendida e que envolve disciplinar e estender o
senso de visão, consequentemente nos leva além de ideias pré-
-concebidas sobre o papel da visão na cultura de massa moderna
(ver também Meyer, 2006b; Pinney, 2004). Muitas das imagens
que Morgan discute, como, por exemplo, a famosa obra de Sall-
man A Cabeça de Cristo (Morgan 1998, p. 2), podem também
ser encontradas em Gana, vendidas em livrarias cristãs e barra-
cas de beira de estrada. Entretanto, podemos também encontrar
imagens de Jesus de tradição católica, como o Sagrado Coração
de Jesus, especialmente em calendários, pinturas, carros, canoas
e até mesmo em relógios (ver figuras 1 e 2).18
Nesses materiais populares de produção em massa, nun-
ca encontrei a imagem de um Jesus negro, somente repetições
infinitas da aparência usual de Jesus, um homem de cabelos
compridos, geralmente loiros, e de pele branca19. Estou rece-
osa, todavia, de reduzir isso a um complexo de inferioridade
racial nutrido pelo cristianismo. Devemos estar cientes de que
Jesus pode muito bem ser enquadrado como análogo à figura
do espírito viajante branco que deve seus poderes a uma origem
distante e estrangeira (Dente, Tigare, e muitos outros espíritos
“brancos” eram considerados poderosos por provirem de povos
vizinhos). Branco também é a cor associada à paz e à sereni-
dade. A cor branca, então, coloca Jesus numa posição à parte,
sugerindo uma analogia com os espíritos “brancos” e um poder
extraordinário.20 Meu argumento aqui não é apagar a questão

18
Enquanto os relógios são importados da China, os calendários e cartazes são de
produção local, um exemplo da infinita reciclagem e remediatização da cultura
cristã popular global. Embora já existissem essas imagens quando comecei a minha
pesquisa, em 1988, em Gana, a presença e a circulação delas aumentaram a partir
da última década, junto com a expansão da presença audiovisual pública das igrejas
pentecostais carismáticas.
19
Umas das únicas ocorrências de um Jesus negro, em uma Última Ceia negra, foi
fotografada por Rhoda Woets, no Museu Nacional de Gana. Infelizmente, o nome
do artista é desconhecido.
20
Conversando com algumas pessoas sobre a branquitude de Jesus, descobri que,
apesar desta ser problematizada por teólogos críticos, muitos crentes não a veem

138
racial, mas sugerir que, historicamente, há uma convergência
de espíritos “brancos” e do “branco” como uma categoria racial
dominante, e que a representação de Jesus enquanto “homem
branco” não pode ser reduzida a nenhum desses discursos.

Figura 1 – Cartazes de Jesus, Accra 2008. Foto de Birgit Meyer.

Como essas imagens populares de Jesus são vistas e usadas


no cenário ganense? De forma bastante alinhada à análise de
Morgan sobre os Estados Unidos, também em Gana as ima-
gens de Jesus adornam salas e quartos das pessoas, geralmen-
te em forma de calendários. Encontrei essas imagens em casas
tanto de famílias católicas quanto de protestantes. Conforme
uma pessoa amiga me disse: “ter imagens de Jesus em sua casa
é uma forma de mostrar seu cristianismo.” Embora não tenha
conduzido uma pesquisa detalhada de como as pessoas con-

como uma expressão de superioridade racial branca. Imagens de Jesus raramen-


te são analisadas pelas lentes da raça, e o cristianismo é amplamente reconhecido
como uma religião africana.

139
verteram estas imagens de mercadoria de produção em massa
em objetos pessoais, por meio de conversas casuais pude per-
ceber que, seguramente nas casas católicas, as imagens de Je-
sus eram locais de culto, um lugar para orar. Muitos protes-
tantes também possuem essas imagens em casa, o que indica
que eles são menos iconofóbicos do que um posicionamento
mais estritamente protestante pode nos fazer pensar. Também
constatei que uma formação e pertença protestantes não con-
duzem as pessoas a escolherem uma imagem mais protestante,
como as derivadas da obra de Sallman; eles podem muito bem
comprar um calendário com o Sagrado Coração de Jesus que
foi adotado pelos jesuítas e propagado como parte do catolicis-
mo popular (Morgan, 2012a).21 Além disso, alguns conhecidos
meus de inclinação pentecostal tinham imagens de Jesus, porém
frisavam que não eram “ídolos a serem adorados”, mas “símbo-
los.” Uma imagem de Jesus como um “símbolo” implica que
as pessoas não oram para ela, mas a usam como um lembrete
para fazer o bem. Um amigo eletricista, frequentador de uma
igreja pentecostal, disse-me que tinha um calendário de Jesus no
seu quarto, e explicou-me: “podemos ter algo ruim em mente,
mas olhar a imagem nos lembra que isso não é bom”.

21
Isso sugere a existência de uma cultura popular cristã mais ampla que mobiliza os re-
pertórios católicos e protestantes e parece transcender, porém apenas parcialmente, a
clivagem habitual entre esses dois cristianismos. Ainda tenho que analisar o desenvolvi-
mento dessa cultura popular na perspectiva histórica, prestando atenção principalmente
à atração dos protestantes por imagens tipicamente católicas. Não encontrei nenhuma
referência à cultura material cristã na literatura relevante do cristianismo em Gana. A
meu ver, isso ocorre devido à inclinação conceitual que tem há tempos regido nossas
pesquisas e que somente agora vem sendo ultrapassada pela atual “virada material” no
estudo da religião. Por meio de conversas pessoais com o meu ex-professor de estudos de
museus, o antropólogo e ex-padre católico Harrie Leyten, entendi que os missionários
católicos (muitos deles holandeses) que trabalharam em Gana eram no geral fortemente
inseridos em formas populares de devoção católicas, as quais também trouxeram para
Gana. Isso significa que as imagens de Jesus e Maria desempenharam um papel central
na devoção católica, como ainda ocorre. Durante a minha mais recente visita a Gana,
em agosto de 2009, pude conversar com o padre George (Winneba), que afirmou que
achou hipócrita a crítica protestante-pentecostal à adoração de ídolos do catolicismo, já
que eles mesmos sabem que não é possível evocar e falar sobre Deus sem nenhum tipo
de mediação. De acordo com a sua visão, imagens de Jesus e Maria não são, é claro,
adoradas per se, mas servem como pontos de orientação para devoção pessoal e coletiva.

140
Figura 2 – Pintura de Jesus numa canoa, Winneba 2009. Foto de Birgit Meyer.

Disseram-me que as pessoas rezam na frente de imagens de


Jesus, mas nunca presenciei momentos assim, já que ocorrem
na privacidade e intimidade do quarto. Por esse motivo, com
o intuito de fornecer um breve quadro dessa prática, recorrerei
a uma cena de um filme ganense22 no qual uma pessoa ora em

22
Em meados dos anos 1980, uma indústria privada de filmes surgiu em Gana e na
Nigéria. Aproveitando-se da disponibilidade de tecnologias de vídeo relativamente
baratas, produtores sem treinamento começaram a realizar filmes locais. Esse de-
senvolvimento iniciou não só uma mudança tecnológica de celuloide para vídeo
(primeiro fitas, depois VCDs – versões baratas do DVD que utilizavam discos com-
pactos), mas também uma mudança ideológica de uma indústria estatal voltada à
educação para uma indústria comercial voltada ao entretenimento. Já que a última
depende totalmente do suporte do público, os filmes espelham ideias populares.
Uma característica importante é a visualização de forças ocultas numa estrutura
cristã-pentecostal. Por divergir da primeira indústria, essa nova indústria foi am-
plamente criticada por intelectuais e representantes estatais. Veja Meyer, 2004a,
2005b, 2006b.

141
frente a uma imagem de Jesus. Ela corresponde bem ao que eu
ouvi as pessoas dizerem sobre essas imagens. Se não se pode to-
mar os filmes como uma imagem idêntica das práticas religiosas
populares (eles dramatizam, condensam e oferecem uma pers-
pectiva específica), não acho que devam ser considerados infe-
riores às assim chamadas informações em primeira mão geradas
por observação participante e entrevistas. Conforme argumentei
em outros trabalhos (2004a; 2005a), muitos desses filmes locais
expressam uma perspectiva cristã, geralmente pentecostal. Em-
bora esses filmes, ao visualizarem uma perspectiva cristã sobre as
práticas autóctones, “distorçam” tais religiões e seus praticantes,
eles mantêm uma proximidade interessante com o cristianismo,
não só refletindo, mas também instigando práticas religiosas.
Por exemplo, em Women in love (1996), há uma cena na
qual uma mulher desesperada, chamada Sabina, acabara de ter
um pesadelo que anunciava um desastre que estava por vir; en-
tão ela olha para uma imagem de Jesus sobre sua cama e começa
a orar. Ela se entrega totalmente a Jesus como seu salvador, em
sua oração, e implora que ele a proteja contra o mal (ver tam-
bém Meyer, 2005b). O diretor torna transcendente a imagem
de Jesus por meio do ângulo da câmera e da música que acom-
panha a cena, atribuindo-lhe o poder da revelação de um sonho,
o que remete às práticas de devoção visual traçadas por Morgan.
A imagem de Jesus não é venerada per se, como se fosse um “ído-
lo”, nem é apresentada como uma mera representação separada
do que ela retrata. A imagem de Jesus insinua um sentimento
de temor e respeito exatamente porque ele é entendido como
alguém que não pode ser contido pela moldura, sem a qual a
imagem não poderia existir, ainda que excedendo seus limites, e
porque Jesus tem o poder de interferir na vida cotidiana das pes-
soas que creem. No filme, Sabina parece estar tomada por sua
experiência espiritual, e a câmera é preparada para invocar essa
experiência também nos espectadores, reativando memórias de
seu envolvimento em tais práticas. Já que os filmes não oferecem
representações artísticas individuais, mas estão profundamente

142
enredados em experiências diárias, refletindo e instigando-as,
essa cena pode ser considerada como representação de uma prá-
tica comum, embora aqui enquadrada e dramatizada, e mostra
a eficácia de orar na frente de uma imagem de Jesus.
Centrada na imaginação popular, essa dramatização revela
como as imagens de Jesus podem induzir experiências espiritu-
ais. Quando conversei sobre o uso de imagens de Jesus como
uma orientação para orações, algumas pessoas, crentes converti-
dos e alguns pastores pentecostais, continuamente enfatizaram
que tais imagens “são apenas símbolos, o mais importante é não
adorá-las”. Essa insistência, é claro, indica a necessidade depre-
endida de se render a um discurso anti-idolátrico tipicamen-
te protestante, segundo o qual a religião tradicional fomenta a
adoração a objetos feitos pelo homem enquanto o cristianismo
protestante deixa isso para trás ao trocar o “ídolo” pelo “símbo-
lo”. A questão é orar não para, mas em frente a uma imagem. Ao
distinguir esses tipos de signos, o mesmo objeto, uma imagem
de Jesus, recebe valores e significados muito diferentes, o que
implica um conjunto distinto de atitudes e práticas. Isso exem-
plifica como os significados de coisas religiosas podem ser cons-
truídos de diferentes formas e sustentados por diferentes ideolo-
gias semióticas. Ao mesmo tempo, a categoria um tanto difusa
do “símbolo”, referindo-se a um objeto que não tem poder per
se, mas faz com que o espectador se lembre de fazer o bem e
expressar a sua identidade cristã aos visitantes, parece ter uma
tendência a se transformar num “ídolo”. Se não fosse assim, por
que o discurso anti-idolátrico seria tão fortemente mobilizado
para enfatizar o caráter distinto do “símbolo”?
Com efeito, o fato de as imagens de Jesus serem classifi-
cadas como “simbólicas” é fortemente contestado em círculos
pentecostais menos inclinados a concessões23. Por exemplo, em

23
Em Gana, e na África como um todo, igrejas pentecostais-carismáticas são muito
populares. Pode-se distinguir diferentes tipos de igrejas no espectro pentecostal:
Igrejas Apostólicas Pré-independência que eram próximas às Igrejas Africanas In-

143
uma conversa com um vendedor de livros na livraria da Action
Faith Chapel, em Accra, fui levada a entender que os pentecos-
tais carismáticos não gostam de imagens de Jesus pois as pesso-
as podem “facilmente começar a adorá-las”. Ele disse, também,
“nem sabemos qual era a aparência de Jesus, já que não existiam
câmeras para fotografá-lo”, então “por que inventar a sua apa-
rência?” Além disso, explicou, espíritos maus podem sequestrar
a imagem, e dessa forma, ela pode ser tomada por presenças
demoníacas, tornando-se perigosa. Deparei-me com essa postu-
ra diversas vezes, até mesmo de pessoas entrevistadas por mim
que vendiam relógios decorados com imagens de Jesus. Essas
representações – algo que me foi repetidamente frisado – não
eram fiéis à verdadeira aparência de Jesus, e, além disso, elas po-
dem induzir as pessoas a se desviarem do bom caminho. Não se
deveria fazer imagens de Jesus, mas aceitá-lo como seu salvador
pessoal, orar para ele sem uma mediação material, e invocar seu
nome em momentos de necessidade.
Apresento essas perspectivas menos inclinadas a concessões,
que rejeitam até mesmo as imagens de Jesus como “símbolos”,
pois quero enfatizar que há posições diferentes em relação a tais
imagens. Com o tempo, e provavelmente pressionada por an-
siedades particulares, a mesma pessoa pode adotar uma postura
com menos concessões. A questão é que todas essas diferentes
posições estão disponíveis, realçando os valores problemáticos
das imagens tanto como indícios da presença divina, quanto
como instâncias da idolatria.

dependentes, Igrejas Pentecostais Americanas como as Assembleias de Deus que


declararam ser contra as Igrejas Africanas Independentes, e as Igrejas Carismáticas
fundadas na África que enfatizam a teologia da prosperidade e a expansão global
(Meyer, 2004b). No entanto, é importante reconhecer que esses tipos de igrejas
não são fixos. Certamente dentro da nova esfera pública de Gana, na qual mídias
de massa são empregadas para transmitir mensagens ao mundo, igrejas pentecostais
carismáticas obrigam umas às outras, bem como igrejas no espectro majoritário, a
mudarem. Isso engendra o amplo campo do pentecostalismo popular aqui em foco.

144
Os problemas que podem resultar do envolvimento com
imagens de Jesus ficam claros no filme The Beast Within (1993;
ver Meyer, 1999; 2004a). Uma série de cenas retrata uma dona
de casa cristã desesperada orando defronte a, ou talvez até mes-
mo para, uma imagem de Jesus em sua sala de estar, alheia ao
fato de que um juju (um objeto que possui poderes mágicos)
estava escondido atrás da imagem. Esse juju é o verdadeiro po-
der na casa. Fica claro que apenas um feiticeiro juju do vilarejo
é capaz de controlar esse poder; as orações a Jesus não ajudam a
solucionar o problema e possivelmente o aumentam, deixando
o objeto atrás do quadro mais poderoso. No clímax do filme, o
feiticeiro, vestido em estilo tradicional, insiste que a imagem de
Jesus seja retirada. Enquanto a mulher está gritando em frente à
imagem “Não toque em meu Jesus com suas mãos demoníacas”,
seu marido a empurra para o lado e levanta o quadro. Um pe-
queno objeto é revelado, ao qual reage outra pessoa na sala com
um grito: “Jesus Cristo!” (vide as figuras 3A, B, C).

145
Figura 3 – Cenas de The Beast Within.

Conforme expliquei em outro texto (Meyer, 2004a), esse


filme, apesar de ser bem produzido, não fez muito sucesso de-
146
vido exatamente a essas cenas. Os jovens pentecostais que o as-
sistiram comigo (em 1996) não gostaram nem um pouco da
sugestão de que as orações para Jesus foram menos efetivas do
que as ações do sacerdote local. Isso claramente voltou-se contra
a ideia comum, endossada por muitos filmes, de que o cristia-
nismo era muito mais poderoso que as tradições religiosas locais,
descartadas como diabólicas. Curiosamente, essa crítica ainda
considera as imagens de Jesus como um ponto adequado de ve-
neração — um local de devoção visual. Encena-se no filme um
conflito entre cristianismo e “religião tradicional”, representa-
dos por duas formas materiais, uma imagem e um juju, sendo a
primeira considerada superior.
Enquanto o filme falha em afirmar essa superioridade —
por isso as críticas — ele reproduz o entendimento habitual de
que a “religião tradicional” não é tão visível quanto o cristianis-
mo, mas prospera em suas sombras. Nesse sentido, cristianismo
e tradições religiosas autóctones africanas não existem simples-
mente como coisas separadas e adjacentes, mas estão conectadas
de uma maneira mais complexa. Nada poderia expressar isso
melhor do que a localização do juju escondido atrás da imagem
de Jesus, um esconderijo perfeito. O poder dos espíritos tradi-
cionais opera, então, por trás e através de uma imagem cristã.
Isso está em sintonia com as atitudes missionárias a respei-
to de coisas religiosas que esquematizei anteriormente. Missio-
nários introduziram uma ideologia semiótica específica a qual
declara que enquanto Deus pode se revelar através da matéria
no mundo, não devemos fazê-lo presente por meio de coisas.
Mas também declara que as coisas podem incorporar ou até
mesmo se tornar o que representam, especialmente no caso de
objetos religiosos autóctones. Isso corrobora uma perspectiva
complexa na qual artigos religiosos autóctones parecem estar
investidos de poder, e que levanta questões sobre como o po-
der cristão se expressa, já que coisas não são algo apropriado
para acomodar o poder de Deus. O temor de coisas poderosas,

147
escondidas em espaços privados e afetando pessoas insuspeitas,
é uma característica que acompanha praticamente todo o cris-
tianismo popular em Gana. Os cristãos, aparentemente, nunca
se sentiram completa e seguramente fora do alcance do poder
espiritual perturbador de coisas religiosas autóctones, que fica-
ram ainda mais potentes quando retiradas de vista. Portanto,
elas tinham de ser desmascaradas. Bem mais que o protestan-
tismo convencional, as igrejas pentecostais-carismáticas conec-
taram-se com esses temores, e ao afirmá-los, confirmavam a
existência dos poderes que os geraram.
O motivo pelo qual as imagens de Jesus são consideradas
problemáticas em círculos pentecostais ficou claro para mim
após uma conversa que tive com uma atriz chamada Roberta, no
set de filmagem do filme Turning Point, em outubro de 2002.24
Roberta pertencia a Winner’s Church, uma igreja pentecostal-
-carismática popular originada na Nigéria, e me contou que por
sugestão de sua irmã convertida, livrou-se de uma imagem de
Jesus em sua sala. Sua irmã disse-lhe: “Há um espírito naquela
imagem, não um espírito de Deus, mas uma coisa demonía-
ca. O problema é que os espíritos podem te observar através
de imagens, máscaras, e coisas do tipo. Eles usam os olhos”.
Eu não estava entendendo muito bem, então ela imediatamen-
te trouxe uma imagem e, apontando para os olhos, disse: “Em
qualquer lugar que você esteja na sala, a imagem vai olhar para
você, então você é vista”. Esse apagamento da distinção entre
uma imagem submetida ao olhar de uma pessoa e a imagem
olhar de volta é atribuído ao poder do Diabo, o qual, acredita-
-se, pode até mesmo apropriar-se dos olhos de Jesus em uma
imagem para poder observar e confundir um cristão. Por isso é
perigoso ter imagens religiosas em casa – especialmente aquelas

24
A conversa aconteceu enquanto estávamos esperando a cena ser filmada, no cemi-
tério de Osu, próximas a um túmulo aberto. O ambiente sombrio afetou a equipe,
tornando difícil distinguir entre o roteiro que exigia a encenação de forças ocultas
e o clima assombrado do local. Uma das atrizes acabou caindo no túmulo e ficou
horrorizada.

148
em que os seres retratados possam olhar de volta – até mesmo,
e especialmente, imagens de Jesus25.
Inicialmente, Roberta colocou uma imagem de Jesus em
seu quarto não como uma decoração, mas como um ponto fo-
cal de sua prática de devoção visual, tal como Sabina usava sua
imagem de Jesus como uma orientação para sua oração. No en-
tanto, após sua irmã avisá-la de que o espírito do Diabo poderia
possuir a imagem, ela começou a sentir uma força misteriosa
agindo por trás da face familiar e querida de Jesus, até mes-
mo apropriando-se dos seus olhos. Ela ficou aliviada depois que
removeu a imagem. Sua narrativa fez-me lembrar de histórias
de convertidos ao cristianismo, no passado e no presente, que
sentiram uma urgente necessidade de se livrarem de certos ob-
jetos poderosos, apesar de não acreditarem mais neles ou terem
qualquer intenção de usá-los como foco de veneração. Porém, o
caso de Roberta difere notavelmente por tornar misteriosa e pe-
rigosa a familiar e supostamente protetora imagem de Jesus, que
poderia ser ocupada por um espírito demoníaco. Seja abordada
como um centro de veneração ou temida como um esconderijo
de Satã, a imagem de Jesus não é simplesmente um objeto do
olhar do observador; no processo de olhar um objeto, ele se tor-
na uma presença espiritual que se apresenta ao observador como
uma sensação que corrompe a relação hierárquica entre o obser-
vador e o objeto de seu olhar. Em ambos os casos, encontramos
ocorrências do que Laura Marks (2000) chama de “visualidade
háptica”, uma sensação de ser tocada ao olhar uma imagem (ver
também Sobchack, 2004; Verrips, 2002).
Marks diferencia modos de olhar dentro de contextos de
visualidade “háptica” e “óptica”. A visualidade óptica detecta um
objeto distante através do olhar, e gera um modo moderno de

25
Com esse entendimento, pode-se até mesmo argumentar que o filme The Beast
Within seja menos escandaloso, pois ele aponta com exatidão o perigo incutido
em fotos religiosas, podendo ser interpretado como um alerta contra seus usos.

149
produção de conhecimento direcionado à representação simbó-
lica, apta a manter uma distinção estável entre o sujeito observa-
dor e o objeto observado. Por outro lado, a visualidade háptica
implica uma sensação de estar sendo agarrada pela imagem. Isso
produz uma experiência afetiva, visceral e emocional instigada
pelo olhar, mas que abrange o corpo como um todo e confunde
a distinção entre observador/imagem ou pessoa/coisa que exa-
minei anteriormente neste texto (Marks, 2000, p. 162ss). Den-
tro da ideologia semiótica analisada aqui, o olhar para Jesus é
construído como uma sensação háptica, através da qual o obser-
vador espera sentir a presença imperscrutável de Deus, e teme a
presença perturbadora de Satã tomando o lugar dele.
Há nisso uma semelhança com modos de olhar estátuas e
figuras em religiões autóctones. Em sua análise de figuras bocio
entre os Ewe e seus vizinhos Fon, Susan Preston Blier explica
que a intenção dessas figuras é “dirigir-se a toda a extensão dos
sentidos humanos – visual, auditivo, olfativo, tátil e gustativo”
(1995, p. 76). Os espectadores são posicionados de tal maneira
que eles se sentem interpelados “no nível sensorial mais cru”.
Desse modo, essas figuras “envolvem uma arte cuja estética em
sua totalidade pode ser entendida não apenas pelo olhar, mas
também pelo tocar, cheirar, e se lembrarmos de sua dedicação
original como oferenda, pelo ouvir e cheirar” (ibidem). É uma
estética que conecta os observadores induzindo fortes sentimen-
tos de admiração ou medo no processo de olhar. Apesar do fato
de Jesus ser apresentado como oposto ao Diabo, imagens de Jesus
operam de uma maneira similar a essas outras figuras, pois todas
possuem um forte potencial afetivo para pôr as pessoas sob seus
encantos através de uma densa experiência sinestésica. Em ou-
tras palavras, as figuras africanas parecem sustentar, e até mesmo
reforçar, o medo das imagens de Jesus26. Isso revela um processo
26
Além disso, a ambivalência moral dos deuses locais que se acredita fazerem tanto
o bem quanto o mal informa o medo da perigosa imagem de Jesus. A ambivalência
ocorre junto com a distinção entre material e imaterial, sendo a figura por trás da ima-
gem do “querido Jesus” e sua manifestação material sendo potencialmente maligna.

150
de assimilação, no qual a diferença entre a produção e procedên-
cia do sagrado autóctone e a dos objetos produzidos em massa
é transcendida. Embora os objetos de culto nativos sejam feitos
e animados por humanos, enquanto as imagens de Jesus produ-
zidas em massa são impressas por máquinas e disponibilizadas
como mercadorias, a ansiedade sobre estas surge de um processo
similar de animação. Isso deve nos precaver contra a exagerada
atribuição de poder às tecnologias de produção em massa, como
se fossem capazes por si só de mudar a visão das pessoas. No
presente caso, imagens produzidas em massa são enquadradas
e consideradas a partir de uma estética protestante-pentecostal.
No contexto dessa estética religiosa, a experiência hápti-
ca é acentuada por reflexões consistentes sobre as razões pelas
quais uma imagem que parece Jesus, mas que na verdade en-
carna Satã, está olhando de volta (ver Elkins, 2002; Pentcheva,
2006). Frequentemente ouvi que tanto Deus quanto Satã ob-
servam os seres humanos com câmeras que podem perscrutar
os mais profundos e obscuros segredos das pessoas, produzindo
filmes de suas vidas. Conforme Roberta afirma: “O Diabo e seus
demônios são muito espertos, eles possuem imagens de todos
nós e nos observam por elas, porque eles ainda têm o poder de
quando eram anjos. Eles podem ver, eles sempre tentarão pegar
aqueles que são convertidos, mas não muito fortes, operando
neles, não em cristãos nominais” (isto é, pessoas que não fizeram
uma escolha pessoal por Deus – “nascidos” cristãos, não “renas-
cidos” pela conversão), “pois estes já pertencem a eles”.
Porque, como Deus, Satã tem o poder de ver tudo, os cren-
tes são exortados a criarem zonas de isolamento. Uma forma
de se esconder de seu olhar é se recusar a mirar nos olhos de
um “ídolo” erroneamente tomado por um “símbolo” de Jesus.
Apesar de tais medidas, Satã é um mestre da enganação, con-
forme ilustra perfeitamente a sua apropriação parasítica das
imagens de Jesus. Por esse motivo, imagens são enganadoras:
“nunca confie nas aparências!” Em contraste, ser observado por

151
Deus é visto como desejável, já que ele fica de olho e prote-
ge seus seguidores em momentos de necessidade (embora ele
também seja testemunha de situações em que seus seguido-
res se desvirtuam, podendo puni-los).
De acordo com esse entendimento, a relação entre quem
olha as imagens e quem nelas está presente, retratado ou es-
condido, reverte a direção do ato de olhar que permanece cen-
tral na visualidade ótica. Enquanto quem olha se sente (no caso
do Diabo, teme ser) tocado pela imagem por meio de todos os
sentidos, tanto Deus quanto Satã precisam olhar os seres huma-
nos para observá-los e controlá-los. Em certo sentido, ao passo
que na ideologia semiótica protestante-pentecostal popular as
pessoas participam de um tipo de visualidade háptica que lhes
permite pouco controle sobre um objeto claro de visão que pode
ser olhado e examinado, as mesmas pessoas são objetos da visua-
lidade óptica de Deus e Satã. Os seres humanos aparecem como
imagens em movimento sujeitas ao olhar de um poder espiritu-
al. Imagens religiosas, em vez de serem apenas objetos a serem
olhados, possuem uma capacidade de olhar, evidenciada de uma
maneira evocativa em cartazes populares ousados já há bastante
tempo para divulgar filmes ganenses e nigerianos (ver figura 4).
Dois raios fluem dos olhos da imagem, mirando espectadores
inocentes. Assim como os filmes, os cartazes pretendem dar vi-
sibilidade a tais atos de olhar, atos que do contrário permane-
ceriam invisíveis a olho nu. Essas linhas similares a fluxos ema-
nando dos olhos também são usadas em cartazes para ilustrar o
poder fluindo das mãos de seres espirituais (ver figura 5), reitera
a noção da visualidade háptica como algo que envolve contato.
Curiosamente, em oposição à análise de Morgan na qual
as imagens de Jesus funcionam no contexto de certas práticas
religiosamente autorizadas de olhar, a desconfiança pentecostal
em relação às imagens sugere um entendimento de que estas
têm uma forte tendência a se descontrolarem. Imagens, segundo
essa visão, não podem ser totalmente contidas, e facilmente con-

152
seguem expressar o seu potencial excessivo (ver também Pinney,
2004). Isso nos leva, outra vez, à atitude paradoxal do protes-
tantismo missionário acerca das imagens, que podem facilmente
deixar de ser meras ilustrações ou símbolos de divindade, para se
transformarem em materializações idolátricas de poder satânico.
O potencial excessivo atribuído às imagens de Jesus está relacio-
nado simultaneamente com a rejeição e o encapsulamento das
tradições religiosas locais como poderoso domínio de Satã.

Figura 4 – Cartaz de Filme 1 (coleção de Mandy Elsas).

153
Figura 5 – Cartaz de Filme 2 (coleção de Mandy Elsas).

A frequente alusão de que Deus e o Diabo observam as pes-


soas através de tecnologias de filmagem levanta questões sobre o
papel do filme na ideologia semiótica pentecostal contemporâ-
nea. A resistência (ou no mínimo o questionamento) pentecos-
tal ao aparecimento de imagens religiosas estáticas fundamenta-
-se numa forte ênfase em práticas de olhar, e na relação entre
imagem e observadores levantada por essas práticas. A partir
desse ponto de vista, o filme como mídia está englobado pela
perspectiva pentecostal da visão como uma prática religiosa. A
154
capacidade de olhar para o domínio invisível à visão ordinária
é comparada ao filme, enquanto o filme, pelo mesmo motivo,
é considerado um meio de revelação. Logo, o filme é invocado
como forma de descrever como Deus e o Diabo olham para
as pessoas, meticulosamente gravando suas atividades secretas.
Ao mesmo tempo, conforme discuti em detalhes em outros
textos (2004a; 2006b), filmes se apresentam, e geralmente são
vistos como pondo a nu o que acontece no domínio do invisí-
vel. A tecnologia audiovisual, por conseguinte, age em supor-
te à revelação religiosa: efeitos especiais não só indicam como
também transcendem a distinção entre o visível e o invisível.
Em muitos filmes, a câmera oferece aos espectadores a pers-
pectiva do onisciente olho de Deus.
Assim, enquanto as imagens de Jesus são tidas como po-
tencialmente perigosas, o filme é considerado um dispositivo de
mediação adequado pois proporciona uma visão. Ao contrário
das imagens de Jesus produzidas em massa, os filmes não são
vistos como ídolos potenciais, mas sim como mecanismos visio-
nários que oferecem percepções e perspectivas inatingíveis – e
por isso mais desejadas – na vida cotidiana27. Em contraste com
imagens de Jesus, que capturam e fixam o olho, subvertendo
a relação de poder entre o espectador e a imagem, filmes cris-
tãos alegam oferecer principalmente uma perspectiva superior,
uma visão reveladora. Enquadrados como revelações divinas que
desmascaram, e por isso mesmo afirmam as maquinações do
Diabo, esse tipo de filme alega oferecer a possibilidade de experi-
mentar a divina visão em ação. Esses filmes, portanto, invocam e
estão fundamentados em práticas religiosas de olhar que fazem

27
Isso se refere ao produto final: o CD-Rom. No processo cinematográfico, encontrei
fortes preocupações sobre o potencial excessivo das coisas. Por exemplo, criar um
santuário artificial para o propósito de uma filmagem seria considerado potencial-
mente perigoso, pois espíritos poderiam tomar conta do falso sítio, tornando-o algo
real. Da mesma forma, acreditava-se que forças espirituais tinham tendência a im-
pactar o trabalho de dispositivos tecnológicos. Muitas pessoas acham que Satã tenta
perturbar o funcionamento das câmeras, já que ele não gosta de ser exposto em filmes.

155
parte de uma estética protestante-pentecostal popular da qual
eles advêm e que ratificam. Eles resumem e, ao mesmo tempo,
desafiam ideias tradicionais sobre coisas religiosas.

Conclusão

Ao examinar o importante papel do cristianismo pente-


costal-protestante em gerar um conjunto de imagens e filmes
produzidos em massa que povoa a esfera pública de Gana, uti-
lizei como ponto de partida o caráter social das relações entre
pessoas-coisas, e observador-imagem, e investiguei como essas
relações são enquadradas e transmitidas na esfera da religião.
Na análise de Bill Brown, a excessiva dimensão das coisas deve
fazer parte de seu entendimento e, de certa maneira, lhes é
inerente. Mostrei, porém, que as religiões desempenham um
papel central em criar essa possibilidade de excesso, através
do envolvimento de pessoas e coisas, observadores e imagens,
em uma estrutura de animação (mútua).
Com foco nas diferenças e nas similaridades, à primeira vis-
ta ocultas, entre ideologias semióticas do protestantismo missio-
nário, da religião tradicional, e de igrejas pentecostais-carismá-
ticas contemporâneas, investiguei o notável desvirtuamento por
meio do qual as imagens de Jesus deixam de ser “símbolos” que
representam a presença e a identidade cristãs para se tornarem
perigosos “ídolos” que tornam os observadores sujeitos ao olhar,
e portanto ao poder, do Diabo. No caso do protestantismo mis-
sionário, e, posteriormente, do pentecostalismo, esse desvirtua-
mento cria uma situação complexa na qual o potencial excessivo
das imagens floresce na avaliação simultânea de espíritos locais
como falsos, tanto no sentido de forjados, quanto no sentido de
errados. Isso produz um entrelaçamento do cristianismo com as
tradições autóctones, no qual estas se escondem e prosperam por
trás daquele que por sua vez enfatiza sua superioridade. A oposi-
ção entre eles, rigorosamente mantida no discurso dominante, é

156
constantemente anulada, como fica perfeitamente destacado no
medo de que as imagens de Jesus, considerado o principal guer-
reiro contra Satã e seu vencedor, sejam ocupadas pelo Diabo.
Abordar imagens como coisas e analisá-las como se fossem
incorporadas a ideologias semióticas religiosas favorece nosso en-
tendimento sobre a relação entre religião e tecnologias de mídia.
Ao invés de perceber a adoção de novas tecnologias de mídia em
práticas religiosas em termos de perda de substância – como se a
reprodutibilidade de massa fosse, por si só, colidir com os inte-
resses religiosos –, proponho a análise detalhada de como ima-
gens estáticas e em movimento são religiosamente enquadradas.
Apesar de as cópias impressas permitirem uma reciclagem e uma
propagação infinita das imagens de Jesus originárias do repertó-
rio do cristianismo popular, para muitas pessoas essas imagens
ainda servem como pontos de oração e contemplação, como
recordações éticas, ou expressões da identidade cristã. Enquanto
se sentem ilesos ao Segundo Mandamento, insistem que as ima-
gens de Jesus não deveriam servir de nenhuma maneira como
“ídolos”. Isso aponta para uma estrutura opositiva, na qual uma
coisa quando considerada como um “símbolo” está no lado do
cristianismo, enquanto o “ídolo” pertence ao domínio do “pa-
ganismo” e até mesmo aos “poderes das trevas”. Nessa rígida
postura anti-imagens adotada por alguns pentecostais, imagens
de Jesus não são consideradas “símbolos”, mas “ídolos” perigo-
sos por definição. O fato de que estes “ídolos” possuem olhos
fixados em seus observadores inocentes, envolvendo-os em um
olhar háptico, visceral, enfatiza a necessidade de analisar imagens
como coisas. Ao mesmo tempo, a ênfase no ato de olhar e ser
olhado também indica a importância de modalidades de visão
induzidas religiosamente. Essas modalidades não são só atribuí-
das às imagens de Jesus, mas são igualmente evocadas em relação
aos filmes de orientação cristã, que também funcionam dentro
de uma lógica de desmascaramento e revelação, remanescentes
das atitudes missionárias em relação às tradições religiosas locais.

157
Essas considerações estão relacionadas com questões mais
amplas sobre protestantismo e materialidade. O problema não é
apenas que coisas religiosas e imagens são desprezadas como for-
mas ilícitas de “adoração de ídolos”, mas ainda assim são consi-
deradas portadoras, e deste modo carregadas, de um poder mis-
terioso de se descontrolar e agir sobre as pessoas. A questão mais
importante é que a ideia de uma religião imaterial é uma ficção;
até mesmo uma ideologia semiótica que denuncia coisas e ima-
gens religiosas não consegue atuar sem formas materiais. Com
respeito a isso, ideias locais sobre a interdependência de espíri-
tos e matéria destacam a necessidade de transcender o enganoso
contraste entre matéria e espírito que informou as ideologias
semióticas do protestantismo missionário que se espalhou ao
redor do mundo e que engendrou concepções muito problemá-
ticas sobre as tradições religiosas locais como “fetichistas” e “ma-
teriais”. Certamente em uma época em que as religiões aderiram
às tecnologias modernas de mídia e em que as imagens religiosas
se tornaram motivos de disputa em embates sobre a definição
do que seja blasfêmia (Verrips, 2008), precisamos rematerializar
nossas visões tanto sobre religião quanto sobre mídia.

158
Mediação e a gênesis da presença: rumo a uma
abordagem material da religião1

Em 2011, fui nomeada coordenadora de religious studies do


Departamento de Estudos Religiosos e Teologia da Faculdade
de Humanidades.2 Como logo percebi, minha nomeação se deu
em meio a grandes transições no âmbito da institucionalização
do estudo da religião na Universidade de Utrecht, parte de uma
tendência mais ampla de renegociar o espaço entre a “teologia”
e os “religious studies”.3 Essa tendência é resultado de um pro-
cesso mais amplo de “desigrejização”:4 à medida que o núme-
1
Tradução de Amanda Echeveste, Fernanda Pazinatto e Nathalia Glasenapp, sob a su-
pervisão e a revisão de tradução da Prof.ª Dr.ª Elizamari Rodrigues Becker (UFRGS).
2
Este texto é uma versão levemente abreviada de minha aula inaugural na Cátedra de
Estudos Religiosos na Universidade de Utrecht, ocorrida em 19/10/2012. As ideias
aqui apresentadas estão baseadas em um duradouro ambiente de pesquisa fértil no
qual pesquisadores novos e já estabelecidos no campo da antropologia (e de outros
campos) estabelecem uma comunicação intensa sobre o papel das mídias, da reli-
gião e do corpo em diversas formações político-estéticas. O texto em si foi escrito
em vários locais durante o verão de 2012. Minhas reflexões têm grandes dívidas
com conversas familiares na casa da minha mãe em Emden e com amigos e colegas
em Berlim. Meus sinceros agradecimentos vão para Christoph Baumgartner, Terje
Stordalen, Mattijs van de Port e Jojada Verrips por terem elaborado comentários
estimulantes e críticos às primeiras versões deste trabalho. Também sou muito grata
à Harriet Impey e Shawn Kendrick por seu excelente trabalho de edição. Eventuais
falhas e incorreções são todas minhas.
3
Essa tendência, que acontece em toda a Europa, materializa-se de acordo com as
formas específicas nas quais a relação entre o Estado e a religião (cristã) foi nacional-
mente configurada em termos institucionais, legais e culturais. Peculiar à situação
da Holanda é a redução do número de cursos de teologia em universidades públicas
e a sua substituição por departamentos de estudos religiosos. Contudo, é impor-
tante perceber que as pesquisas nos cursos de teologia das universidades públicas da
Holanda têm sido muito mais próximas do que atualmente se considera “religious
studies” do que a ideia de “substituição” sugere (ver Bos, 2012).
4
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N.E.: o termo em inglès é “unchurching”, que se refere à perda de fiéis ou à desafe-
tação de templos religiosos. Em sentido figurado, aproxima-se da ideia de seculari-
zação.
ro de estudantes de teologia diminuiu em todo o país, novas
e inesperadas facetas religiosas tornaram-se uma tendência em
alta e um fenômeno sociocultural e político intrigante. Como
parte do processo de adaptação ao meu novo cargo, defrontei-
-me com essas intrincadas transformações institucionais. Eu as
vejo como um sintoma que, quando analisado cuidadosamente,
pode revelar muito sobre o estado e os desafios atuais do estudo
da religião na Holanda, e sobre o papel e a posição mutantes da
religião na sociedade holandesa como um todo. Argumento que
interroguemos criticamente as genealogias do estudo da religião
que atualmente informam o trabalho acadêmico, num cenário
de complexidade multidisciplinar que envolve não apenas teólo-
gos e pesquisadores de religious studies, mas também antropólo-
gos e sociólogos da religião. No entanto, devemos fazer mais do
que olhar para trás. Também precisamos olhar ao redor e para
a frente, de modo a desenvolver uma visão programática para o
estudo futuro da religião.5
Obviamente, seria um erro ver o processo de “desigrejiza-
ção” como prova do declínio e do eventual desaparecimento da
religião, como é alegado pela tese da secularização que integra
as grandes narrativas da modernização. Em vez de evaporar com
o aumento do “progresso” e do “desenvolvimento”, a religião se
transformou.6 Em todo o mundo, os processos de democratiza-
ção abriram espaço para uma presença contundente da religião
no domínio público, como registrei em minha pesquisa no Sul de
Gana, onde o pentecostalismo é onipresente. Na Europa, tam-
bém a religião parece ter novamente – e de fato, após um exame

5
Iniciativas importantes incluem o projeto, O Futuro do Passado Religioso (2001-2011)
da NWO (The Netherlands Organisation for Scientific Research); a rede de pesqui-
sa interacadêmica PluRel (Religião nas Sociedades Pluralistas), da Universidade de
Oslo; o programa interacadêmico Religião no século XXI, da Universidade de Cope-
nhague; e o blog The Immanent Frame, do SSRC (Social Science Research Council).
6
Uma excelente visão geral da relevância das obras de autores como José Casanova,
Jürgen Habermas, Hent De Vries e outros para uma crítica da secularização como
estrutura analítica orientadora é encontrada em van de Donk; Plum (2006).

160
mais aprofundado, ainda – uma presença marcante no domínio
público.7 Esses fatos desafiam a noção de diferenciação sistêmi-
ca que tem sido considerada como característica das sociedades
modernas, nas quais a religião ocupa um domínio separado e é
relegada à esfera privada das crenças pessoais. Na Holanda, em
paralelo aos processos de desigrejização nas igrejas do protestan-
tismo liberal e na Igreja Católica, a religião floresce em diversas
novas formas, em contextos culturais e religiosos de considerável
pluralidade em que movimentos islâmicos, cristianismo evan-
gélico e toda uma gama de afiliados a crenças espirituais e New
Age coexistem. Filmes, peças de teatro, literatura, propagandas
e outros campos da cultura secular exploram repertórios religio-
sos já consagrados, especialmente o “banco de símbolos” cristão
(van de Port, 2005, p. 10; ver também Goud, 2010). Interagin-
do com essa paisagem religiosa cada vez mais variada e plural,
especialmente no Norte da Europa, uma energia considerável é
também destinada a projetos de ateísmo que, na luta contra a re-
ligião, tendem a ressuscitar as polêmicas do século XIX relacio-
nadas à razão e à fé. Ao mesmo tempo, a herança judaico-cristã
europeia é enfatizada como parte de uma cidadania culturaliza-
da que exclui o islã.8 Esses desdobramentos complexos requerem
pesquisas empíricas inovadoras e reflexão crítica.
Para mim, vivemos tempos emocionantes que exigem nada
menos do que o reposicionamento e a revisão do estudo da re-
ligião (ver também Bergunder, 2011; von Stuckrad, 2013). Isto
requer uma reformulação profunda e crítica das posições inte-
lectuais e das afiliações institucionais, e mais ainda das aborda-
gens, dos conceitos e dos métodos que modelam nossas práticas
de pesquisa. Neste texto programático, gostaria de descrever
como planejo contribuir para tal projeto. Não se deve esperar
7
Ainda porque, diante da diversidade religiosa, há uma nova consciência de uma até
então naturalizada herança cristã na Europa.
8
Consulte o programa de pesquisa, De culturalisering en emotionalisering van
burgerschap da NWO, presidido por Jan-Willem Duyvendak, Peter Geschiere e
Evelien Tonkens

161
que essa nova visibilidade da religião sirva para expressar algo
inteiramente novo, e sim para potencialmente revelar aspectos
da religião antes mascarados e subestimados. Visibilidade, afinal
de contas, depende da perspectiva do observador. Opto por uma
perspectiva pós-secularista, que não mais considera a seculariza-
ção como o padrão intrínseco à modernidade, estando alerta,
em vez disso, às formas específicas nas quais o conceito, o papel
e o lugar da religião – e de seu estudo – tenham sido redefi-
nidos com a ascensão da secularidade (ver Asad, 2003).9 Uma
das vantagens de tal perspectiva é que ela questiona as noções
modernistas já assimiladas de que a religião é, em princípio, um
fenômeno “íntimo”, “privado” e até mesmo “invisível”.
Diante dos debates atuais sobre a presença pública da re-
ligião e da crescente conscientização dos estudiosos a respeito
da transformação da própria religião que ocorre em paralelo às
mudanças relacionadas ao lugar e papel da mesma na sociedade,
tais noções modernistas tidas por obviedades têm sido alvo de
críticas substanciais. Focando em conjuntos de práticas, cultu-
ras materiais e redes de experiências vividas e incorporadas, os
estudiosos passaram a analisar de que forma as pessoas fazem a
religião “acontecer” no mundo e em que medida a religião, por
sua vez, também exerce influência na construção de mundo das
pessoas. Isso implicou uma reformulação da relação entre reli-

9
Refiro-me a uma perspectiva pós-secularista, no sentido de um novo ponto de vis-
ta intelectual externo à teoria da secularização para explorar o papel da religião
nas esferas públicas contemporâneas. Desde que Jürgen Habermas lançou o termo
“pós-secular” em 2001, ele tem sido alvo de muito debate. Penso que esse termo
seja um tanto confuso e reluto em tomar a nova visibilidade da religião nas socieda-
des ocidentais como uma indicação da pós-secularidade (compreendida como algo
além da secularidade). As implicações da transformação da religião, anteriormente
referidas, levantam numerosas e complicadas questões. Eu reflito sobre elas fazendo
parte de um grupo de trabalho interinstitucional sobre “Públicos Pós-seculares”
(organizado pelo Instituto Jackman Humanities, da Universidade de Toronto, e pelo
Centre of Humanities, da Universidade de Utrecht).

162
gião e materialidade.10 Desencadeado e apoiado pelas minhas
pesquisas históricas e etnográficas sobre a ascensão e o desenvol-
vimento do cristianismo e a forma como ele está integrado à cul-
tura popular de Gana, meu trabalho ao longo dos últimos anos
fez parte dessas iniciativas críticas. Com base nesse trabalho,
gostaria de destacar o que considero os aspectos centrais de uma
abordagem material da religião que gira em torno da mediação e
da gênesis da presença, como está indicado no título deste texto.
O que eu quero dizer com abordagem material será de-
senvolvido ao longo de minha exposição. É importante deixar
claro que minha intenção não é fazer uma crítica da religião em
nome da matéria bruta – uma Religionskritik padrão –, mas uma
crítica ao estudo da religião desde dentro, que defende a afeição
à materialidade como parte (do estudo) da religião (ver também
Capítulo 2 deste livro). A ideia não é desmascarar a religião e
entidades como Deus, deuses e espíritos como ilusões fictícias,
mas lançar dúvidas sobre a verdadeira diferença entre ficção e
fato – ou ilusão e realidade – na qual tal desmascaramento se
baseia e, em vez disso, focar a manifestação material da religião
– a sua gestalt – no mundo. Para tanto, proponho seguir no-
vas trilhas, permitindo-me estudar a religião por meio do vetor
das práticas, ou seja, dos atos concretos que envolvem pesso-
as, seus corpos, objetos, imagens, textos e outros meios atra-
vés dos quais a religião se torna tangivelmente presente. Uma
abordagem material tem como ponto de partida a compreensão
de que a religião se torna concreta e palpável por meio das pes-
soas, de suas práticas e do uso de objetos, e é um componente
essencial das estruturas de poder.
Em contraste com essa noção, de acordo com o entendi-
mento europeu comum, a religião trata – ou deveria tratar – da
crença em um Deus transcendental, da interioridade e dos valo-

10
Ver Meyer; Houtman, 2012, p. 4-9 [Capítulo 2 deste livro], para uma breve visão
geral da literatura relevante. Também é importante mencionar aqui a revista Mate-
rial Religion, da qual sou uma das editoras. Ver também Vásquez (2011).

163
res “imateriais”, das visões de mundo e da produção de significa-
dos, diante das quais as manifestações exteriores são considera-
das secundárias.11 Como será descrito na Parte I deste texto, essa
visão é consequência de um entendimento específico de religião
historicamente situado na Europa pós-Iluminista. Gostaria de
desafiar esse entendimento bastante limitado e limitador, ado-
tando uma perspectiva desfamiliarizadora, como convém a uma
estudiosa do campo da antropologia – a disciplina que visa “tor-
nar o estranho familiar, e o familiar estranho”. Tal perspectiva
se desenvolve diante de “áreas fronteiriças”: arenas cultural e re-
ligiosamente diversas, nas quais ocorrem embates e confrontos
sobre religião. Os modos e as formas específicos por meio dos
quais a religião se materializa no mundo são frequentemente
questões centrais desses embates. A Parte II deste texto nos le-
vará à costa oeste africana, onde a influência ocidental gerou
tensões, controvérsias e processos complicados de conversão.
Focando na noção do fetiche, irei demonstrar o potencial das
zonas de fronteira para provocar reflexões substanciais sobre as
genealogias e políticas de uso de nossos conceitos acadêmicos –
em especial a desvalorização das práticas e dos materiais como
um aspecto-chave da religião. Na Parte III, explico do que trata
uma abordagem material e de que forma um foco na media-
ção abre novas possibilidades para o estudo da religião. A Parte
IV apresenta, utilizando o exemplo da cultura visual religiosa, a
ampliação de horizontes vinculada a uma abordagem material
que leva em conta mídias diversas.

11
Meu sobrinho, Julian Meyer, confirmado recentemente na Evangelische Kirche
(Hamburgo), capturou essa ideia muito bem em sua declaração (crítica): Religionen
sind die Ausreden für den Sinn des Lebens [“As religiões são pretextos para o signifi-
cado da vida”] (comunicação pessoal, julho de 2012).

164
Genealogias críticas: o “legado protestante” e além

Como foi que passamos a entender e a analisar a religião de


maneiras que privilegiam o “interior” - conceitos, ideias, cren-
ças, visões de mundo – em detrimento do “exterior” – rituais,
objetos, imagens, etc? Por que os meus apelos e os de outros estu-
diosos por uma abordagem material da religião geram surpresa,
como se a religião deve ser primariamente entendida como uma
questão “imaterial”, localizada a uma certa distância do profano
domínio material do mundo? Por que os termos “material” e
“materialidade”, quando usados em relação à religião, deveriam
ter - certamente para ouvidos calvinistas - conotações tão estra-
nhas, ou até negativas, ao ponto de “religião material” parecer
um oxímoro? Postulando essas questões reconhecidamente sim-
plistas, busco chamar a atenção para a resiliência inflexível do
que denomino “abordagem mentalista” da religião, que ainda
influencia grande parte das pesquisas e reflexões sobre a religião.
Muitos pesquisadores que estudaram a genealogia da noção
de religião concordam que, apesar de sua etimologia latina, a
forma como utilizamos esse conceito originou-se nos desdobra-
mentos do Iluminismo.12 Críticos da religião, incluindo Feuer-
bach, Marx, Nietzsche e Freud, abordaram a religião a partir de

A sua ascensão e propagação situa-se nas grandes transformações ocorridas na


12

Europa depois de 1500, incluindo a Reforma, a descoberta do Novo Mundo e


os contatos com os impérios asiáticos, bem como o crescente interesse, desde o
Renascimento, pela antiguidade como berço da civilização. A noção de religião
evoluiu como parte integrante dos confrontos, imersos em estruturas de poder,
que envolveram o reconhecimento da diferença em termos religiosos no Ocidente
(protestantismo versus catolicismo), bem como entre o Ocidente e outras partes
do mundo. Como noção genérica, a religião permitiu a comparação entre diversas
variedades (religiões no plural, como nas "religiões mundiais") e sua hierarquização
em modelos evolutivos. Obviamente, a apreensão geral da religião na Europa atual
e a compreensão mais ou menos explícita da religião como objeto de estudo na área
de religião comparada estão inter-relacionadas, ambas tendo sua origem no discur-
so do pós-iluminismo. Ver Bergunder (2011) para uma discussão iluminadora que
ultrapassa a questão da definição e da definibilidade de religião per se.

165
uma perspectiva mentalista, enxergando-a como uma ilusão fic-
tícia a obstaculizar uma perspectiva racional, ou uma ideologia
que sustentava uma “falsa consciência” e que, consequentemen-
te, protegia a ordem socioeconômica. Dentro da teologia aca-
dêmica também prevaleceu uma atitude mentalista, de acordo
com a qual a religião foi enquadrada essencialmente como um
domínio interior de ideias, pensamentos e convicções religio-
sas.13 Em congruência com as ideias do Romantismo, a essên-
cia da religião foi localizada “dentro” das pessoas, enquanto as
manifestações “externas” – isto é, os rituais, as crenças, as insti-
tuições religiosas – foram consideradas secundárias. Essa noção
mentalista, é claro, acompanha a primazia atribuída à mente
autoconsciente pela filosofia idealista e é baseada nos dualismos
fundamentais do espírito versus matéria e mente versus corpo.
A abordagem mentalista da religião também alavancou o
surgimento de uma nova disciplina, a religião comparada.14 O
colonialismo e o projeto espetacular de expansão do cristianis-
mo, na segunda metade do século XIX, facilitaram a produ-
ção e a circulação de uma grande quantidade de dados sobre
outras religiões – as chamadas “religiões mundiais” e “religiões
primitivas” – que formaram a base para a comparação sistemá-
tica e para abordagens evolucionistas. Hierarquizações do reli-
gioso, do “fetichismo” e “animismo” ao “monoteísmo”, com-
partilham uma noção de religiosidade voltada para o interior
como definidora do nível mais alto da religião; esse nível está
posicionado como intelectual e moralmente à frente e acima

13
Apesar de importantes diferenças, abordagens religiosas como as intelectualistas
(como a de E.B. Tylor) e as empíricas (como a de F. Schleiermacher e W. James)
compartilham de uma preocupação com o interior e uma negação ou mesmo rejei-
ção de formas "externas".
14
Vide o esclarecedor estudo de Arie Molendijk (1999) sobre Cornelis Tiele (1830-
1902), acadêmica internacionalmente aclamada e fundadora do estudo da religião
(dentro da teologia) na Holanda. O discurso de Tiele ilustra o viés protestante
mentalista e liberal que tem sido central também para o estudo da religião do ponto
de vista não teológico. Vide também Molendijk; Pels (1998).

166
ao de religiões que ainda se baseiam em formas “exteriores”. O
pivô desses modelos evolutivos é a ideia de que a mente humana
pode se sair incrivelmente melhor sem a bagagem das formas
“exteriores”. A institucionalização da religião comparada (que
reivindicava uma abordagem “científica) e da antropologia (para
a qual a religião era um tópico central) como disciplinas aca-
dêmicas distintas marcou um afastamento da teologia, à qual
se atribuía o estudo desde dentro das tradições cristãs católi-
cas, ortodoxas e protestantes.
Os debates recentes sobre o estudo futuro da religião mui-
tas vezes mobilizam essa distinção, trazendo a religião compara-
da (os termos alemão e holandês, respectivamente, Religionswis-
senschaft e godsdienst- ou religiewetenschap, claramente marcam
a fundamentação científica) como o “contraponto secular” à te-
ologia cristã. Entretanto, do meu ponto de vista, não podemos
dar muita ênfase à essa distinção, muito menos tomá-la como
uma antecipação que prevê simplesmente “substituir” a últi-
ma pela primeira.15 Na verdade, os departamentos de religião
comparada há muito fazem parte das faculdades de teologia em
muitas universidades europeias, e certas subdisciplinas teológi-
cas – especialmente os estudos bíblicos – dividem uma funda-
mentação comum com as abordagens filológicas desenvolvidas
em relação tanto às “religiões mundiais” quanto aos conceitos
antropológicos. Além disso, ambas as disciplinas compartilham
certas características básicas em suas abordagens sobre religião,
incluindo um viés mentalista e um foco textual.

Em vez de considerar essas categorias como definitivas, sugiro uma exploração


15

crítica de como elas são usadas para marcar distinções em situações de conflito e
colaborações entre estudiosos nas diferentes disciplinas que estudam religião. Uma
vez que as especificidades nacionais sejam levadas em consideração, o cenário se
torna mais complicado do que as categorias sugerem. Como os religious studies
nunca foram fortemente desenvolvidos como uma disciplina separada na Holanda,
estamos diante de uma excelente oportunidade para reconfigurar o estudo da reli-
gião de uma maneira orientada para o futuro que pode se livrar do dualismo entre
uma teologia antiquada e os religious studies, algo que ainda parece prevalecer, por
exemplo, na Alemanha e nos Estados Unidos.

167
Faz-se, portanto, necessário um empreendimento crítico
voltado ao entrecruzamento de genealogias de conceitos-chave e
abordagens assumidos por disciplinas tais como a religião com-
parada, a antropologia, a sociologia, os estudos islâmicos e a te-
ologia (em especial os estudos bíblicos, os estudos ecumênicos,
a história da igreja e a filosofia da religião) – um projeto de pro-
porções gigantescas que apenas começou. Já faz algum tempo
que estudiosos de diversas origens disciplinares vêm debatendo
a validade dos conceitos universais, incluindo o de “religião”, e
interrogando suas origens e políticas de uso. Seu objetivo não é
uma mera desconstrução e rejeição desses conceitos, mas uma
avaliação de seus papéis formativos no estudo da religião. Es-
ses papéis podem ser bem explorados por meio do exame dos
processos de “canonização” disciplinar (Stordalen, 2012a) que
modelam como os estudiosos refletem sobre a religião e como
tratam seus materiais de uma forma mais ou menos presumida,
ainda que de maneira “disciplinada”. O objetivo é compreender
as dinâmicas específicas de poder que constituem e “normali-
zam” o estudo acadêmico da religião dentro de formações his-
tóricas e sociais específicas, mostrando como as formas de estu-
dar a religião refletem as formas de percepção do mundo mais
amplamente. Precisamos destacar os vieses, os pontos cegos e
as inadequações dessas formas estabelecidas e, talvez, muito fa-
miliares, permitindo-nos imaginar direções novas e alternativas
para nosso trabalho.
De interesse crucial para mim, como já observado, é a as-
censão de uma noção mentalista da religião, de acordo com a
qual as religiões que priorizam expressões e formas “externas”
se encontram intelectual e moralmente abaixo daquelas que va-
lorizam, acima de tudo, o conteúdo, os significados e os sen-
timentos interiores.16 Obviamente, como autores nas áreas de
16
A ênfase no conteúdo e no significado também é central para as abordagens se-
mânticas que têm sido dominantes nas humanidades, mas também duramente cri-
ticadas com o advento de uma série de "viradas" – linguísticas, corporais, icônicas
e, certamente, materiais. O que todas essas "viradas" compartilham é uma crítica

168
antropologia e de religious studies observaram, essa visão mo-
derna da religiosidade ecoa o protestantismo liberal, que foi
identificado como provedor de um modelo normativo e teó-
rico para o modo como a religião é entendida, estudada e va-
lorizada. Resumindo, o estudo da religião é assombrado por
um legado e um viés protestante que precisa ser desconstruído
(Asad, 1993; veja também Pels, 2008).
Para tanto, em meu próprio trabalho, dialoguei criti-
camente com a sociologia da religião de Max Weber (Meyer,
2010b, p. 743-750) e com a psicologia da religião de William
James (Meyer, 2006a, p. 8-13). Ambos os autores são conside-
rados pensadores “clássicos”, que são, em minha opinião, ex-
poentes profundamente influentes do notório “viés protestan-
te” em abordagens socioculturais da religião. Weber expressou
uma ideia – teologicamente liberal e, mais ainda, romântico-
-protestante – do significado como sendo a substância nuclear
da religião, com a forma se tornando supérflua à medida que
uma religião se desenvolve.17 Um dos grandes trunfos da so-

ao entendimento do significado como abstrato e desencarnado, ressaltando, em


vez disso, que linguagem, corpos, imagens e objetos não são meros veículos para
a expressão de abstrações, mas que são concretamente importantes. Gostaria de
salientar que a forte ênfase colocada no corpo e nas sensações para criticar as abor-
dagens semânticas com foco textual também vem acompanhada de seus próprios
problemas. Muitas vezes, o corpo e os sentidos são entendidos como mais concretos
e reais do que a linguagem e outros sistemas de símbolos. Eu não compartilho desse
ponto de vista, pois considero que o corpo e os sentidos estão sujeitos a manipula-
ção e inscrição social (ver Parte III).
17
A compreensão de Weber sobre o protestantismo, exposta na Ética Protestante, foi
identificada como ahistórica (van Rooden, 1996) e indubitavelmente mais vincu-
lada ao protestantismo liberal de Schleiermacher do século XIX do que ao calvi-
nismo histórico dos séculos XVI e XVII. Sua representação do protestantismo em
termos de foco na crença à custa do ritual expõe uma compreensão ideal-típica que
é problemática tanto em relação à história quanto em relação à prática protestante
atual. Em seu ensaio "Rejeições religiosas do mundo e suas direções", Weber (1970)
esboçou um esquema de desenvolvimento segundo o qual as religiões de salvação –
sintetizadas pelo protestantismo – estão no mais alto nível. Ao passo que as formas
estéticas – artefatos, música, dança, edificações – foram importantes em estágios
anteriores, as religiões de salvação defendem uma atitude de distanciamento em

169
ciologia de Weber (em contraponto às abordagens marxistas da
religião como “ópio” para o e do povo) é o argumento de que
as visões de mundo religiosas precisam ser levadas a sério como
variáveis sociais porque moldam a conduta real; por isso a ne-
cessidade de os cientistas sociais tomarem as ideias dos crentes
como ponto de partida. Entretanto, o interesse weberiano em
ideias religiosas enfatiza demais o nível do significado, em de-
trimento das formas por meio das quais esses significados são
expressos.18 Aqui nos deparamos com uma das linhas formativas
que modelam os atuais entendimentos da religião mentalistas e
focados no significado - bem como as abordagens semânticas,
em geral - nas ciências sociais. Outra linha percorre o traba-
lho de William James. Embora a atenção destinada ao nível da
experiência religiosa seja importante, é também problemática.
James considera a experiência como fundamentalmente privada,
enquanto instituições e modos de organização são tidos como
secundários, superficiais e até mesmo perturbadores. Em con-
traste, insisto que a experiência religiosa não ocorre de uma ma-
neira imediata e, por assim dizer, bruta, mas como um produ-
to do enquadramento religioso e das formas mediadas (Meyer,
2006a). As religiões, conforme irei abordar na Parte III deste
texto, oferecem formas autorizadas para se ter determinadas
experiências religiosas, repetidamente.
Por considerar que o entendimento de significado e de ex-
periência como meros fenômenos internos é um grave impedi-
mento ao estudo da religião, defendi, em um artigo recente, a

relação ao "mundo". Em consonância com outros autores de seu tempo, Weber


argumentou que "todas as sublimadas religiões de salvação se concentraram apenas
no significado, e não na forma, das coisas e ações relevantes para a salvação. As reli-
giões de salvação desvalorizaram a forma como contingente, como algo mundano e
divergente do significado” (ibid., 341). Isso pode ser verdade do ponto de vista in-
terno ou da perspectiva êmica dos seguidores das chamadas "religiões de salvação",
mas, é claro, não deve deixar de passar pelo escrutínio dos estudiosos.
18
Como Campbell (1987) aponta, Weber negligenciou não apenas a importância
do consumo para o surgimento do capitalismo, mas também as raízes religiosas
românticas do consumismo moderno. Ver também Aupers (2012).

170
reabilitação da “forma” no estudo da religião (Meyer, 2010b).
Precisamos reconhecer a indispensabilidade da forma, compre-
endida não como um veículo, mas como um gerador de signi-
ficado e experiência, em toda prática religiosa, independente-
mente de isto ser completamente reconhecido ou negligenciado
pelos próprios religiosos. Isso não significa uma simples rever-
são, uma substituição do mentalismo pelo materialismo. Em vez
disso, estou buscando uma abordagem integrada que inclua a
dimensão mental dentro de uma abordagem material, mas sem
priorizar a primeira (ver também Vásquez, 2011, p. 321).
Ainda que a crítica ao viés protestante tenha sido impor-
tante na abordagem de genealogias do estudo da religião, pre-
cisamos resistir a tomar esse viés como definitivo. A clivagem
entre representações ideal-típicas do protestantismo e a prática
religiosa protestante real se tornou uma questão central de pes-
quisa na “antropologia do cristianismo”. A ascensão desse sub-
campo sinaliza que o estudo do cristianismo – há tempos consi-
derado por muitos antropólogos como muito ocidental para ser
digno de atenção – se tornou totalmente salonfähig (aceitável)
como um “projeto comparativo autoconsciente” em paralelo à
antropologia do islã, do budismo, do hinduísmo e de outras tra-
dições religiosas (Robbins, 2003, p. 191; ver também Cannell,
2006; Hann, 2007; Robbins, 2004a).19 Estudos históricos e et-
nográficos da religiosidade protestante no cotidiano mostraram
percepções intrigantes que questionam o privilégio da crença
“interior” sobre as práticas rituais “exteriores”, o conteúdo sobre
a forma, os textos sobre os objetos (Engelke, 2007; Engelke;

19
Apesar da minha experiência e do meu foco de pesquisa, estou hesitante em relação
ao enquadramento da "antropologia do cristianismo". Em vez de me concentrar em
uma única tradição religiosa, prefiro trabalhar com a noção mais ampla de um cam-
po religioso em que vários grupos religiosos coexistem. Nos próximos cinco anos,
desenvolverei um projeto de pesquisa em colaboração com o Zentrum Moderner
Orient (Berlim), intitulado Habitats e Habitus. Política e Estética de Construção do
Mundo Religioso, em que movimentos islâmicos e cristãos na África serão colocados
em um único quadro.

171
Tomlinson, 2006; Keane, 2007; Kirsch, 2008; Klassen, 2011;
Luhrmann, 2012).20 Boa parte do meu próprio trabalho, moti-
vada por perplexidade e estranhamento experimentados diante
de formas alternativas de ser cristão na área fronteiriça da África
Ocidental, conforme será discutido mais adiante, também foi
dedicada a criticar o legado protestante. De fato, as áreas fron-
teiriças que surgiram por meio da influência ocidental sobre o
mundo não ocidental se provaram locais de pesquisa particu-
larmente importantes para o questionamento das abordagens
mentalistas da religião que dão os contornos e, de fato, desma-
terializam a análise acadêmica.
Do ponto de vista da academia ocidental convencional, tais
áreas fronteiriças podem ser consideradas longínquas – espacial-
mente distantes, culturalmente estrangeiras – e marginais. En-
tretanto, a própria ideia de tal distância entre “nós, aqui” e “eles,
lá” é um sintoma de relações hierárquicas de poder. O “mundo
ocidental” e o “resto do mundo” se relacionam um com o outro
em uma configuração específica, na qual o primeiro, falando
grosseiramente, é colocado no centro e representa a norma, en-
quanto o segundo se apresenta como outro ou exótico (ver a crí-
tica de Fabian, 1983). Essa configuração eurocêntrica influencia
o nexo poder/saber que está no cerne da investigação acadêmica
da religião, ainda que os estudiosos possam não estar cientes
disso. É importante salientar como alegações aparentemente
universalistas camuflam sensibilidades e conhecimentos tipica-
mente ocidentais, como é o caso do viés protestante. Ao mesmo
tempo, de forma a evitar uma afirmação paradoxal das estrutu-
ras de poder que a análise crítica busca revelar, a imposição das
noções ocidentais sobre o mundo não ocidental precisa ser posta

20
É importante notar que grande parte dos excelentes estudos na antropologia do
cristianismo inspirou-se no trabalho de Charles Hirschkind e Saba Mahmood sobre
grupos islâmicos no Egito. Apontando a importância do corpo e do ritual para a
formação da devoção, seus trabalhos funcionam como uma janela que possibilita
que a pesquisa sobre a formação da devoção cristã seja realizada de uma maneira
nova, mais concreta e materializada.

172
em perspectiva. Como lugares de contatos reais, as áreas fron-
teiriças coloniais oferecem uma riqueza de materiais que convi-
dam a descentralizar o estudo da religião indo além da Europa
ou, ainda melhor, “provincializando a Europa” (Chakrabarty,
2001). É precisamente por essa razão que elas são focos tão rele-
vantes ao projeto de reposicionar e revisar o estudo da religião.
Nos últimos 30 anos, nos estudos antropológicos e pós-
-coloniais, o nexo poder-saber foi muito discutido. Mais recen-
temente, essa questão também começou a aparecer de forma
proeminente no centro das discussões sobre o estudo da religião
amplamente entendido. Em seu discurso presidencial proferi-
do no encontro de 2011 da American Academy of Religion, a
teóloga Kwok Pui-Lan argumentou que “a origem e o desen-
volvimento do estudo da religião foram moldados pelas forças
sociais e políticas do império na Europa e nos Estados Unidos”
(2012, p. 1). Para ilustrar seu ponto de vista, Pui-Lan cita a
desjudaização e o concomitante “branqueamento” do cristianis-
mo e da figura de Jesus que ocorreram na teologia em resposta
às visões evolucionistas da religião, desenvolvidas na segunda
metade do século XIX na religião comparada. O cristianismo foi
enquadrado como ocidental: suas raízes no Oriente Médio fo-
ram minimizadas e o judaísmo foi orientalizado.21 Pui-lan incita
os estudiosos do campo a adotar uma perspectiva pós-colonial
para avaliar como “o imaginário cultural do império” continua a
inserir epistemologias de núcleo aparentemente neutro no estu-
do da religião. Esse olhar retroativo é um passo necessário para
ir além do persistente enquadramento discursivo colonial que
separa o “mundo ocidental” e o “resto do mundo”.
Consideradas como berços para a formação de teorias, as
áreas fronteiriças, que eram antes consideradas como marginais,
agora se tornaram centrais para um engajamento crítico com as

21
Isso alimentou um antissemitismo persistente, com todos os desastres que se se-
guiram. Diante disso, não devemos esquecer a amarga ironia dos apelos atuais à
herança judaico-cristã da Europa.

173
genealogias de conceitos-chave na formação do estudo da reli-
gião (Chidester, 1996; 2014; van der Veer, 2001).22 Essa linha
de indagação sobre práticas reais de produção de conhecimen-
to é necessária para des- e recentralizar o estudo da religião de
maneiras apropriadas para a produção e transmissão de conhe-
cimento sobre religião em nosso globalizado – e cada vez mais
enredado e interdependente – mundo. Minha experiência como
antropóloga africanista me predispõe a fazer parte dessa diligên-
cia. Em minha atual posição como professora de religious studies,
continuarei a enfatizar a importância de tais lugares como um
horizonte crítico para a avaliação de genealogias de conceitos-
-chave e a detecção de possíveis alternativas.23
Antes de prosseguir, resumo os passos dados até agora no
trajeto rumo a uma abordagem material da religião. Uma abor-
dagem intuitiva, mais ou menos implicitamente mentalista, da
religião demanda revisão crítica, ao invés de ser tomada como
padrão. Essa abordagem é baseada em um viés protestante que
se infiltrou nos entendimentos sobre religião no período do pós-
-Iluminismo. Ela formou a espinha dorsal dos esquemas evo-
lucionistas e sustenta a desvalorização das práticas, materiais e
formas como meramente “externas”. Entretanto, ela é irreme-
diavelmente inadequada em face das religiosidades reais do co-
tidiano no passado e no presente (incluindo o protestantismo),
22
David Chidester (2014) percorre as estruturas de poder que governaram a forma-
ção de conceitos centrais no estudo da religião, tais como animismo, fetichismo,
totemismo, crença, fé, etc. Seguindo os níveis de mediação do conhecimento que
articulavam os africanos, via os missionários, aos estudiosos, ele mostra que o co-
nhecimento acadêmico - tal como difundido por autores como Max Müller, E.B.
Tylor, James Frazer, Andrew Lang, A.C. Haddon, W.E.B. Dubois, entre outros -
dependia de relatórios missionários que, por sua vez, dependiam do conhecimento
fornecido por interlocutores locais (que realmente estavam longe dos "primitivos"
que foram levados a representar em publicações acadêmicas).
23
Esta é também a principal preocupação do Forum for Transregional Studies; na qua-
lidade de presidente do conselho consultivo internacional, considero esta iniciativa
com base em Berlim como inovadora para as ciências humanas e sociais, pois leva
a sério certos enredamentos globais como ponto de partida para uma nova visão da
produção do conhecimento. Vide <http://www.forum-transregionale-studien.de/>.

174
nas quais os níveis “interno” e “externo” vêm a ser mutuamente
constitutivos. Em seguida, introduzi uma abordagem que con-
sidera as áreas fronteiriças da expansão ocidental como locais
que são centrais para um estudo da religião re-centralizado que
transcenda o desatualizado binário ocidente/resto-do-mundo.
Perturbando as zonas de conforto estabelecidas no pensamento
e na pesquisa acadêmica, essas áreas não são interessantes ape-
nas empiricamente. Para desenvolver uma abordagem material
do estudo da religião, elas são acima de tudo importantes em
um sentido metodológico. Focar nessas e em outras áreas fron-
teiriças é produtivo porque, em virtude dos conflitos, tensões,
mal-entendidos e disputas de que são palco, elas provocam a
sensação de confusão e os insights revigorados de que dependem
os empreendimentos teóricos inovadores.

Além do fetiche: fabricando a crença

Áreas fronteiriças de expansão ocidental eram, e ainda são,


repletas de lutas e tensões sobre como ser e como se comportar
como um cristão. Estudá-las pode ajudar a “quebrar” o que é
tido como certo nas perspectivas “êmicas” – ou, como diz Webb
Keane (2007), as “ideologias semióticas” que suportam as atri-
buições de valor – dos ocidentais e das populações desses locais.24
Por que, para dizer sem rodeios, se provou ser tão difícil para os
ocidentais – comerciantes, viajantes, missionários, administra-
dores e estudiosos – entender as religiões não ocidentais em seus
próprios termos? O que tornou e torna tão desafiador apreciar
o “material” como uma dimensão valiosa da religião, em vez de
tomá-lo como um sinal de uma orientação, de certa forma, re-
trógrada e mundana? Poderia a visão da “religião material” como
um oxímoro ser transcendida por meio do redirecionamento do

24
A noção de ideologia semiótica é útil para atingirmos uma compreensão mais clara
do status atribuído a palavras, objetos ou imagens, na perspectiva de uma tradição
religiosa particular, historicamente situada. Ver também Meyer (2011a, p. 30).

175
olhar para áreas fronteiriças, considerando essa virada como um
“desvio histórico em direção à reflexão crítica dos processos de
conhecimento etnográfico” (Fabian, 2000, p.10)?
Conforme observado, os trabalhos antropológicos sobre
apropriações locais do cristianismo no decurso da colonização
revelaram a inadequação da noção de crença, tomada no sentido
estreito do viés protestante, para apreender a religiosidade dos
convertidos. Um caminho similar – ainda mais empolgante e,
para meus propósitos, mais produtivo – para questionar per-
cepções correntes se dá por meio da noção do fetiche (Keane,
2007). Desconstruir o uso desse termo abre o dossiê da religião
e da materialidade – ou, de forma ainda mais concreta: “dos
materiais” (Ingold, 2007) – amplamente, como mostrarei nesta
seção. O “fetiche” é um fenômeno híbrido ou fronteiriço que
surgiu nos encontros mercantis entre portugueses e africanos no
final do século XV (Pietz, 1985-1988; Spyer, 1998). Etimologi-
camente, “fetiche” pode ser rastreado até o termo latino factitius
(“o que é feito”, H. Böhme, 2006, p.179). O termo se refere a
objetos que, embora feitos por mãos humanas, são atribuídos
com vida própria (ver também Latour, 2010, p. 3). Surgindo
em trocas comerciais e culturais entre africanos e ocidentais, e
indicando uma escandalosa mistura de “coisa manipulada” e
“espírito”, o “fetiche” é um ponto de partida perfeito para o
meu projeto de esboçar uma abordagem material da religião. Na
verdade, da minha perspectiva como antropóloga, considero o
“fetiche” como uma pedra angular para desafiar e transcender a
ideia de “religião material” como um oximoro.
Considero o “fetiche” - que Mitchell (2005, p. 188) coloca
em primeiro lugar na escala de formas de “objetificação equi-
vocada” - como o epítome da “religião material”. É um termo
altamente carregado que se refere a uma atitude humana ilíci-
ta e errada sobre um objeto: como regra, “fetiches” são cultu-
ados por outros. A noção de fetiche é um produto típico das
relações de poder que estruturaram os encontros entre africa-

176
nos e ocidentais. Esses últimos empregaram o termo “fetiche”
em seus escritos para marcar uma distância superior em rela-
ção aos primeiros. Como Hartmut Böhme (2006) apontou, a
noção do fetiche e o consequente discurso sobre o fetichismo
nos séculos XVI e XVII se desenrolaram nos confrontos entre o
cristianismo e o “paganismo”.
Qualificando os usos africanos dos “fetiches” como “ado-
ração de ídolos”, os missionários portugueses católicos procu-
raram substituí-los por imagens de santos cristãos, relíquias e
coisas semelhantes, e lançaram cruzadas iconoclastas. O que eles
não perceberam foi que os africanos compreendiam os objetos
sagrados do catolicismo da mesma forma que eles viam os “fe-
tiches” que eram relegados como “ídolos” (e, portanto, como
superstições diabólicas) nos ensinamentos católicos. Importante
mencionar que, inicialmente, a noção do fetiche, desse modo,
sinalizava não só um choque, mas também um tipo de terreno
comum, entre as religiosidades católicas e africanas. Relegar os
objetos de culto africanos ao status de “ídolos” não implicava
que uma atitude sacralizadora em relação aos objetos religio-
sos, comum na prática católica, fosse errada como tal. Isso seria
muito diferente, é claro, se visto de uma perspectiva protestante,
segundo a qual os “fetiches” dos nativos e os objetos sagrados e
relíquias dos católicos estavam todos no mesmo nível de idola-
tria. Claramente, os discursos europeus sobre idolatria, incluin-
do os posicionamentos conflitantes de protestantes e católicos,
foram transpostos para o novo contexto da expansão europeia e
aplicados aos – e acabando por ser também adotados por – afri-
canos (H. Böhme, 2006, p. 183).
Com a ascensão da crítica à religião em nome do raciona-
lismo durante o Iluminismo, o discurso do fetichismo se trans-
formou. Apontado como representante da religião em sua forma
mais crua e primitiva – “por assim dizer, o catolicismo africano
e o despotismo em uma só coisa” (ibid., 185, tradução minha) –
o fetichismo deveria ser destruído como um pré-requisito para

177
a razão e o progresso. Seu probema era sustentar uma atitude
irracional que, por sua vez, sustentava estruturas de poder pro-
fundamente problemáticas e duradouras (a exemplo do Ancien
Régime).25 Eis aí as raízes do discurso do fetichismo como uma
atribuição irracional de vida, agência e vontade a um “mero”
objeto. Esse discurso inspirou Marx a desenvolver sua noção de
fetichismo de mercadorias e é a base da ideia freudiana de feti-
chismo sexual. Seja o “fetiche” considerado um sintoma de alie-
nação ou de neurose, ele sinaliza um problema do pensamento
que não consegue funcionar bem. Esquemas evolucionistas mais
neutros identificaram o fetichismo como um estágio inferior –
ou até mesmo o mais baixo – no desenvolvimento da religião.
Invocada para se referir a “primitivos”, a trabalhadores com uma
“falsa consciência” ou a “neuróticos”, nos três casos a noção de
fetichismo foi usada por alguém que se considera em uma posi-
ção superior de maior conhecimento e que se recusa a estar sob
o feitiço de um mero objeto.
Surgido na área fronteiriça e utilizado para alegar diferen-
ças entre africanos e europeus, o discurso do fetichismo também
foi mobilizado como um roteiro nos projetos de evangelização
das missões protestantes do século XIX e do início do século
XX. Ilustrarei esse processo por meio da discussão da minha
própria pesquisa a respeito dos encontros entre missionários do
Norddeutsche Missionsgesellschaft (Sociedade Missionária do
Norte da Alemanha) e os Ewe no século XIX e início do século
XX, no que é hoje o sul do Togo e o sudeste de Gana (Meyer,
1999). Os encontros confirmaram as hipóteses pré-concebidas:
os Ewe eram vistos como “pagãos” deploráveis, necessitando de
salvação e expoentes de uma religião primitiva carente de de-
senvolvimento – ou, como era chamado então, de “civilização”.

25
Em contraste, se abordado em termos do sagrado, como proposto por Émile
Durkheim, para representar os valores fundamentais de um determinado grupo so-
cial, o papel socialmente construtivo do "fetiche" se tornaria evidente. Os "fetiches"
desprezados eram, na verdade, fundamentais para a formação de conexões sociais ao
nível da família, da linhagem, da aldeia e do Estado nativo.

178
Obviamente, os discursos missionários sobre o “paganismo” e
os discursos acadêmicos emergentes sobre a evolução da reli-
gião se sobrepuseram parcialmente, oferecendo relatos bastante
distorcidos da cultura e da religião Ewe. Em questões religiosas,
os Ewe mantinham seus pés no chão. Demonstrando de fato
posicionamentos mais racionais do que os dos próprios missio-
nários, muitos Ewe alegaram que só estariam preparados para
acreditar no Deus cristão se os missionários pudessem produzir
evidências convincentes – de preferência, visuais – de sua po-
derosa presença. De acordo com a cosmologia Ewe, em princí-
pio todos os deuses – trõwo ou vodu – necessariamente exigem
algum recipiente material para estarem presentes e mostrarem
seus poderes, e os humanos podem acessar, e usufruir, esse poder
por meio de determinados atos religiosos. Esses atos têm início
na escultura ou moldagem de uma figura, sua subsequente ani-
mação por meio de cuspidas de álcool e saliva, sua manuten-
ção regular por meio de sacrifícios e alimentação, sua adoração
por meio de repetidos encantamentos, movimentos corporais,
etc (ver, por exemplo, Meyer 2010a, p. 122 [Capítulo 3 deste
livro]; Preston Blier, 1995, p. 76). Nesse caso, a ação huma-
na era indispensável para que os deuses se fizessem presentes
e atuassem sobre as pessoas.
Para os missionários, essa complexa textura do engajamen-
to humano com o domínio espiritual em uma relação de depen-
dência mútua era claramente uma evidência de “fetichismo” – e,
portanto, um sinal dramático de superstição. Como as pessoas
podem ser tão iludidas a ponto de adorar uma escultura hu-
mana, ou um mero pedaço de pedra ou ferro? Como protes-
tantes pietistas, os missionários ofenderam-se profundamente
com o ato humano de fazer imagens esculpidas de seus deuses
– proibidos pelo Segundo Mandamento (no entendimento da
tradição Reformada) – bem como todos os rituais para torná-
-los presentes e assisti-los com oferendas de comida, libações
e batuques. Isso era satânico. Eles ficaram escandalizados pelo
fato de que os sacerdotes e sacerdotisas fetichistas dos orixás Ewé

179
incorporavam seus deuses em situações de transe que envolviam
dança, incluindo gestos qualificados como obscenos. De manei-
ras que evocavam a propaganda anticatólica estereotipante, os
missionários viram os sacerdotes “fetichistas” como especialistas
em politicagens malignas que mantinham o povo ignorante e
temeroso sob sua influência. Partidários de uma compreensão
amplamente difundida de fetichismo como uma prática idolá-
trica e irracional, os missionários foram cativados pela lógica
distanciadora do discurso do fetichismo. De acordo com essa
lógica, havia uma enorme diferença entre os seguidores Ewé,
com sua atitude materialista em relação à religião e ao mundo
em geral, por um lado, e, por outro, o ideal missionário de uma
religiosidade interiorizada, antiritualista e de modéstia e humil-
dade em relação às questões mundanas.
No entanto, como cativos do roteiro por meio do qual
representavam os outros, os missionários ignoravam aspectos
importantes de seu próprio trabalho. Se alguém lê nas entreli-
nhas, as fontes históricas revelam que muitos Ewé (convertidos
e expoentes do que se chamou de “religião tradicional”)26 fica-
ram surpresos pela falta de uma perspectiva mundana por parte
dos missionários – pelo menos no nível de autorepresentação.
Afinal, a empreitada colonial dentro da qual a missão operava
trouxe mudanças maciças em relação à política, ao mercado e à
educação. Para muitos Ewé, parecia, portanto, bastante hipó-
crita que os missionários minimizassem todas essas manifesta-
ções concretas da civilização cristã como sendo secundárias à
vida espiritual. Tomando como suspeitas a ênfase missionária
em um Deus invisível e irrepresentável que rejeitava os rituais,

26
Substituindo o termo depreciativo "religião primitiva", "religião tradicional" tam-
bém tem suas próprias falhas. Mais importante ainda, ao invocar uma oposição ao
"moderno", o "tradicional" sugere uma atemporalidade estática que não registra a
criatividade real e a historicidade da religiosidade nativa. Contudo, tais problemas
não são resolvem com a terminologia: o ponto é que a análise crítica precisa des-
construir as estruturas de poder mais profundas que sustentam os discursos sobre a
"religião na África".

180
os recém-convertidos rapidamente constatavam que a prática
religiosa protestante, com atenção à oração diária e à leitura da
Bíblia, o uso de imagens e ilustrações como a litografia dos Dois
Caminhos, as canções poderosas, os serviços dominicais e, ob-
viamente, o acesso restrito à Sagrada Comunhão, tinham uma
dimensão prática e material (Meyer, 1997). De vez em quando,
os missionários até pareciam se envolver em algum tipo de “ma-
gia” – por exemplo, ao fazer uso da “lanterna mágica” ou exibir
a capacidade de transmitir informações silenciosamente, usan-
do caneta e papel. Embora muitos Ewé lamentassem a relativa
escassez de rituais dentro do protestantismo missionário – sin-
tetizado pela proibição de batuques – eles ainda identificavam
sua dimensão prática como subo subo (adoração) e, portanto,
até certo ponto análoga à “religião tradicional”. Mesmo que a
destituição de deuses locais como “fetiches” e “ídolos” tenha se
tornado uma característica duradoura do discurso cristão dos
Ewé, a atitude prática diante da religião foi mantida.
O discurso do fetichismo, empregado para sinalizar uma
mistificação que precisava ser exposta, funcionou como uma es-
pécie de cortina de fumaça que, ao reivindicar uma distância
fundamental entre a religiosidade protestante e os Ewé, misti-
ficou a centralidade das atividades missionárias mundanas que
eram fundamentais para construir o novo mundo cristão. Os
postos da missão, localizados no centro das aldeias cristãs recém-
-construídas, contaram sua própria história sobre a importância
dos bens materiais como precursores e sinais de progresso. Essa
mistificação é um efeito da forte ênfase mentalista na crença e na
interioridade como a essência da religião e da minimização de
uma preocupação com a saúde e a riqueza como mundanas. Os
Ewé não estavam preparados para aceitar plenamente essa misti-
ficação porque a religião era para eles mais prática – e, portanto,
na minha opinião, algo que fazia com os pés no chão. Ponderan-
do a divisão entre a forma como a religião – tanto cristã como
a tradicional – realmente “acontece”, por um lado, e por outro,
os modernos entendimentos mentalistas da religião, propostos

181
por missionários e autoridades coloniais (bem como – em um
nível teórico - por estudiosos da religião), fiquei impressionada
com a posição proclamadamente antimaterial e moralizadora
dos missionários. Esta posição me pareceu cada vez mais estra-
nha e, portanto, pedia uma explicação. Tal constatação me fez
repensar e revisar o que inicial e intuitivamente eu considerava
estar no centro (do estudo) da religião.27 Eu me desloquei de
uma orientação mais mentalista que se concentrava na lingua-
gem (o que as pessoas dizem e o que isso significa?) para um foco
mais inclusivo nas práticas (o que as pessoas fazem?), no corpo
(quais os sentidos são invocados?) e nas coisas e edifícios (quais
materiais são usados?). Afastar-se de uma orientação mentalista,
gostaria de enfatizar, não implica um desprezo ao nível mental.
Devemos reconhecer que “existe um elemento mental em toda
realidade (social)” (Godelier, 1986, p. 151). Eis aí as raízes do
meu apelo apaixonado por uma abordagem material da religião;
isso provoca melhores questões de pesquisa que, em última ins-
tância, questionam as limitações dos conceitos acadêmicos por
meio dos quais tentamos entender a religião.
Compreendi que uma atitude tão prática em relação à reli-
gião, amplamente difundida entre os convertidos na região, mo-
tivou as chamadas “recaídas”, bem como o surgimento das igre-
jas independentes africanas e, desde a década de 1990, as igrejas
pentecostais e carismáticas. Essas igrejas fundadas na África de-
vem grande parte do seu apelo ao fato de que eles oferecem às
pessoas formas e padrões religiosos concretos para atuar e acessar
o poder do Espírito Santo. Atualmente, a exuberante orienta-
ção “intramundana” das igrejas pentecostais-carismáticas, com
seus performáticos pastores, templos espetaculares e pregações
da teologia da prosperidade, atrai muitas críticas por “diluirem”
o que seus acusadores consideram a essência do cristianismo. Ao

27
Retrospectivamente, percebo que estava cativa da minha formação calvinista, em
sua versão sóbria e hiper-racional que prevalece em Ostfriesland, minha região natal
do norte da Alemanha.

182
mesmo tempo, essas igrejas desafiam os estudiosos, inclusive eu,
a aceitar a ênfase explícita nas sensações corporais e os benefícios
materiais que caracterizam a prática religiosa pentecostal-caris-
mática (Meyer, 2007, 2010b). Na verdade, foram as críticas dos
convertidos iniciais do projeto missionário e a presença tangí-
vel de igrejas carismáticas pentecostais no domínio público que
me alertaram sobre a importância de colocar a materialidade no
centro da minha pesquisa. Em vez de permitir que o descarte
moral das formas exteriores e do mundanismo materialista se in-
filtre para a análise acadêmica e, ao invés de priorizar abordagens
semânticas que atravessam as manifestações concretas para che-
gar aos significados abstratos, é fundamental abordar a religião
como um assunto mundano, prático e material – algo que está
presente no mundo e faz parte da construção dele.
Empreender isso exige que mantenhamos a religião “so-
bre seus pés”. A exploração crítica do uso da noção de fetiche
é muito bem vinda. O discurso sobre o fetichismo oferece uma
imagem de espelho distorcida – um Zerrspiegel – das posições e
preocupações europeias (H. Böhme, 2006, p. 185). Um olhar
mais atento sobre esse espelho revela uma ideologia de antifeti-
chismo feroz. Ao longo da última década ou mais, na sequência
da crítica pós-moderna do tema, essa postura foi questionada,
levantando questões fundamentais sobre relações homem-obje-
to. No âmbito da denominada virada material, os estudiosos
enfatizaram o poder gerador e até mesmo a “agência” das coisas,
e criativamente recuperaram noções antigamente empregadas
para definições de outridade, como o fetichismo. No entanto,
uma simples reconsideração do “fetichismo” como algo univer-
sal não basta. O que está em jogo é uma crítica mais profunda
que questione a noção de fetiche em si.
Bruno Latour, um dos pensadores pioneiros nesse campo,
coloca o “fetiche” no centro de sua crítica à modernidade. Ele
conclama a uma “antropologia simétrica” que supere o sentido
antigo e distanciador do “fetiche” como um divisor que sepa-

183
ra os ocidentais modernos dos africanos e de outras supostas
civilizações “primitivas” que está em sintonia com o uso meto-
dológico que proponho da área da fronteira da África Ociden-
tal para repensar a religião. O “fetiche” era tão problemático
para os ocidentais modernos porque violava distinções entre
fabricação humana e Deus, entre sujeitos e objetos, entre espí-
rito e matéria, entre construção e realidade. O antifetichismo,
explica Latour, é “a proibição de entender como alguém passa
de uma ação humana que fabrica às entidades autônomas que
são invocadas por essa ação e reveladas através dela. Por outro
lado, podemos definir a ‘antropologia simétrica’ como aquela
que levanta a proibição e dá ao feitiche um significado positivo”
(2010, p. 35). O significado positivo do “feitiche” (uma mistura
de “fato”, “feito” e “fetiche”), argumenta Latour, é reconhecer
que “em todas as nossas atividades, o que fabricamos vai além
de nós” (2010, p. 22-23). Fazer ou fabricar algo não é simples-
mente um ato instrumental em que o criador não é afetado e
está no controle; é um processo gerador, no qual os sujeitos e os
objetos são mutuamente constituídos, tornando-se conectados e
indistinguíveis uns dos outros, e que também produz excedentes
ou excessos. Os seres humanos moldam o mundo material e são
por ele moldados em tais dinâmicas.
A afirmação intrigante de Latour de que “ajudamos a fa-
bricar os seres em que acreditamos” (2010, p. 39) poderia ser
entendida como um eco da visão da religião como uma pro-
jeção humana que deve ser desmascarada. No entanto, isso se-
ria um equívoco. Enquanto a ideia de desmascarar pressupõe
uma realidade objetiva que existe por trás do mundo ilusório
da religião, a afirmação de Latour aplica-se a todas as esferas da
vida, da ciência à religião. Nesta perspectiva, a religião é uma
esfera – bastante instrutiva, aliás – entre outras envolvida na
fabricação de um mundo, não menos real por ser construído.
Tomar a “fabricação” como ponto de partida no estudo da re-
ligião envolve uma exploração de modos religiosos de “fazer
crença” – em vez de simplesmente “acreditar” – como um obje-

184
to de pesquisa importante (Morgan, 2010a). Isso permite uma
restauração do equilíbrio entre a crença interior e as formas ex-
teriores, que foi perdido com a dominância do viés protestante
e abordagens semânticas em geral.
Minha proposta é trazer para o centro das investigações
acadêmicas os modos concretos pelos quais os seres humanos
“fabricam” – mobilizando textos, sons, imagens ou objetos,
envolvendo-se em práticas de fala, canto, possessão, etc – um
sentido da presença de algo “além”. Colocar a fabricação em
primeiro plano suscita questões empíricas muito concretas sobre
as práticas, materiais e formas específicas empregadas para gerar
um senso de algo divino, espiritual, sublime ou transcendente.
Quais materiais são usados e como eles são reconhecidos como
adequados? Por quais atos uma escultura, um edifício ou qual-
quer outro objeto se tornam um mensageiro do poder espiritual?
Quais etapas estão envolvidas nos procedimentos de sacraliza-
ção? Como o corpo humano é envolvido e invocado? Quais re-
gistros sensoriais são invocados? Como esses procedimentos são
autorizados e controlados e quais tipos de relações implicam?
Como, por fim, uma fabricação religiosa inspira a crença? Tomar
a fabricação como referência para tais questões nos permite es-
tudar a gênesis de uma sensação de presença extraordinária – no
sentido de estar anwesend (presente) no aqui e agora – que surge
através de uma inter-relação complexa de agir e sentir humanos,
conjuntos de práticas e vários materiais.28 Compreendo “gênesis”
no sentido da formação, como um processo criativo de fabrica-
ção, produção ou realização, processo que podemos efetivamen-
te observar e descrever, desde que olhemos perto o suficiente.
Concluo esta seção afirmando que, diante de abordagens
acadêmicas da religião espessas, foquei no uso do fetiche para
liquifazê-las. Espero que tenha sido capaz de expressar que o
“fetiche” é um ponto de partida elucidativo para uma aborda-

28
Engelke (2007) aborda o "problema da presença" desde a perspectiva antimaterial
da Igreja Apostólicos de Sexta-Feira Masowe em Zimbábue.

185
gem material que explora as práticas de fabricação como a cha-
ve para a gênesis de um senso de presença espiritual. Gostaria
de enfatizar uma vez mais que o meu objetivo ao propor uma
abordagem material não é reduzir a religião à matéria bruta. Isso
simplesmente acabaria na adoção de um materialismo do século
XIX que rejeita a religião como uma mera ilusão fictícia e que,
em minha opinião, foi há muito superada pela dialética hegelia-
na e pelo materialismo dialético marxista. Para o estudo acadê-
mico da religião, essa posição seria tão inútil quanto um ponto
de vista teísta. Meu argumento é que práticas e materiais, que
são indispensáveis para a existência da religião no mundo como
fenômeno social, cultural e político, precisam da maior atenção
teórica e empírica. Assim, longe de constituir um oximoro, a
expressão “religião material” traz à tona uma relação irredutível.
Imaginado como um grito provocativo para sinalizar a necessi-
dade de uma nova abordagem, “religião material” é, na verdade,
um pleonasmo que se tornará obsoleto assim que o estudo da
religião tenha se materializado.

Religião como mediação: como estudar a gênesis da


presença

Desconstruir a noção de religião que acompanhou a con-


solidação do crescimento do estudo da religião não significa que
o próprio termo deva ser abandonado. Um compromisso crítico
com suas genealogias e deficiências, bem como com as dimen-
sões sociais, políticas e legais de seu uso real, é o cerne do estudo
da religião. Isso, porém, não é tudo. Mesmo que seja impossível
oferecer uma definição universalmente válida, como estudiosos
neste campo precisamos, pelo menos, de um acordo mínimo so-
bre a que se refere o termo religião. Para propiciar comparações
e diálogos acadêmicos, precisamos de um vocabulário mais am-
plo, mesmo que provisório, que exceda as especificidades que es-
tão no centro de nossas investigações etnográficas, sociológicas,

186
históricas, filosóficas ou filológicas. Então, como parte da minha
tentativa de criticar abordagens mentalistas da religião anteriores
e destacar os contornos de uma nova abordagem material que
inclui mas não se reduz a dimensão mental no estudo da religião
de maneira ampla, coloco minhas cartas na mesa. Considero que
“religião” se refere a conjuntos específicos, autorizados e trans-
mitidos de práticas e ideias que visam “ir além do ordinário”,
“superar” ou “transcender” um limite, ou acenar, como Mattijs
van de Port (2010) coloca com pungência, “o resto-de-que-é”.
Apresso-me em enfatizar que, assim como me oponho à redução
do fetiche ou de outros elementos religiosos a meros artefatos
humanos a fim de expor a religião como uma ilusão fictícia, não
tomo o que é apontado como “além do ordinário” enquanto
autoevidente – como é reivindicado em várias versões da feno-
menologia da religião e também na teologia protestante, sempre
que Deus é referido como o Totalmente Outro, como sugerido
por Rudolf Otto e Karl Barth. Tomo um caminho que desliza
entre essas grandes posições, entendendo o cotidiano como a lu-
gar onde uma sensação de estar além do ordinário é gerada. Isso
ocorre através de práticas reais, empiricamente observáveis. Vol-
tadas a transcender o limite que separa o que está “além”, essas
práticas, contudo, são facilmente acessíveis aos pesquisadores.
Nesta seção, gostaria de investigar o processo de fabricação
religiosa, através do qual uma sensação de presença extraordiná-
ria é gerada por e nas pessoas. Para tal, emprego o quadro concei-
tual da mediação. Conforme explicado em minhas publicações,
considero útil pensar na religião como uma prática de mediação
através da qual a distância entre o imanente e o que está além
dele é suposta e, embora temporariamente, abreviada. Desse ân-
gulo, a religião pode ser analisada como uma técnica pela qual se
atinge e, ao mesmo tempo, se gera uma sensação de um “outro
mundo” através de vários tipos de mídia.29 Como Robert Orsi

29
Como os estudiosos de mídia agora começam a reconhecer, a religião é, de fato, um
terreno fértil para uma multiplicidade de práticas de mediação (Schüttpelz, 2014;

187
colocou de forma evocativa: “A religião é a prática de vislumbrar
o invisível, de concretizar a ordem do universo, a natureza da
vida humana e seu destino e as diversas possibilidades da própria
interioridade humana, como são compreendidas em várias cul-
turas em diferentes momentos, para torná-las visíveis e tangíveis,
presentes aos sentidos nas circunstâncias da vida cotidiana. Uma
vez tornado material, o invisível pode ser negociado e barganha-
do, ser tocado e beijado, ser carregado de raiva e desapontamento
[...] Mas a questão permanece: como isso acontece?” Oferecen-
do “múltiplos meios para materializar o sagrado”, como o pró-
prio Orsi responde (2012, p. 147). Mídia, aqui, não é entendida
no sentido estrito e familiar dos meios de comunicação de massa
modernos, mas no sentido amplo de transmissores que cruzam
hiatos e limites (ver também de Vries, 2001; Kramer, 2008).30
É significativo que Orsi, que estudou a religiosidade ca-
tólica cotidiana, parece destacar com grande facilidade o papel
das mídias na prática católica. Enquanto a teologia católica está
preparada para reconhecer atos e artefatos como encarnações
que tornam o “invisível” materializado, as teologias de outras
tradições religiosas – por exemplo, o protestantismo calvinista –
são mais relutantes, ou mesmo se recusam ferozmente a fazê-lo
e insistem em uma conexão “imediata” com Deus. Considero
essas teologias da imediatez como objetos intrigantes em mi-
nha pesquisa. No entanto, no nível de análise, não considero a

Stolow, 2012). Isso inverte a direção sugerida pelo recente surto de pesquisa sobre
religião e mídia, em que a religião é vista como uma esfera intocada que só agora,
para a surpresa dos estudiosos, começa a incorporar a mídia.
30
Em sua atraente teoria da mídia, Krämer (2008) a considera como um "terceiro
elemento" – um mensageiro no sentido literal (Bote) – que está envolvida em atos
de "transmissão". O que as pessoas compartilham – o "social", a sua "cultura" – é
produzido por meio de práticas de transmissão em que às mídias cabe abreviar, e
pelo mesmo motivo afirmar, a distância e a diferença entre os envolvidos na co-
municação. Como a comunicação não pode ocorrer internamente ou apenas em
espírito, mas depende necessariamente de mídias externas - a linguagem sendo o
meio primordial com base na qual todos os outros são modulados –, precisamos
analisar a comunicação como um processo concreto e material.

188
imediatez não como prévia, mas como um efeito da mediação
(Eisenlohr, 2009b; Meyer, 2011a). O objetivo de tomar a me-
diação como foco de pesquisa é explorar o processo concreto de
gerar uma sensação de uma presença extraordinária e imediata.31
Exemplos abundam de elementos no mundo material que
são configurados como mídias religiosas. Além das esculturas
acima mencionadas que se tornaram moradias dos trõwo para os
Ewé, podemos considerar relíquias e ícones que - derivados de
restos humanos ou feitos por seres humanos, mas com inspira-
ção divina – tornam-se fundamentais para as práticas devocio-
nais. Um exemplo empolgante é Nossa Senhora da Aparecida,
padroeira do Brasil, cuja estatueta produzida em larga escala se
encontra em muitos altares domésticos em todo o Brasil. Como
João Rickli (2016) mostra em sua pesquisa no contexto do nos-
so projeto HERA (2010-2013) sobre a circulação de imagens
cristãs,32 peregrinos compram tais estatuetas na loja oficial ou
em barracas no santuário nacional de Aparecida, comparecem
à missa para preenchê-las com poder divino, e depois levá-las
para casa. A capacidade dessas estatuetas para funcionar como
transmissores do poder divino, que protege seus donos, é de-
monstrada plasticamente no museu no subsolo do santuário.
Ao lado de oferendas votivas, fotografias de acidentes de carro e
restos de panelas de pressão explodidas são expostos como evi-
dência do poder da virgem para proteger aqueles devotados a
ela, permitindo que sobrevivam a desastres. Contudo, não são
apenas imagens e objetos que podem se tornar mídias religiosas.
O corpo humano, também, pode ser configurado como um me-
diador religioso, não apenas no caso da possessão espiritual, mas
também em ambientes pentecostais onde as pessoas se esforçam
para ser “preenchidas com o Espírito Santo”.
Além disso, certas expressões, textos sagrados e músi-

31
Esta foi a principal preocupação do programa de pesquisa Pionier sobre religião e
mídia dirigido por mim entre 2000 e 2006; veja Meyer (2009a).
32
Ver <http://www.qub.ac.uk/sites/CreativityandInnovationinaWorldofMovement/>

189
ca podem funcionar como mídias religiosas, gerando uma
sensação de presença extraordinária.
Ao invocar esses exemplos diversos, quero enfatizar que,
em princípio, qualquer coisa, desde a linguagem até o corpo,
do livro ao computador, da escultura ao ícone, pode se tornar
um mediador religioso. Evidentemente, o uso religioso de algo
como um mediador é sujeito a processos de autorização e au-
tenticação que frequentemente estão imersos em longevas tradi-
ções religiosas. Os grupos religiosos podem ser distinguidos – e
distinguirem-se de outros – pelas mídias específicas utilizadas
na mediação do acesso ao que está além do ordinário. Uma vez
que as mídias implicam suas próprias qualidades ou “potencia-
lidades”, eles induzem diferentes tipos de engajamento, envol-
vendo vários sentidos e sensibilidades. Uma religiosidade pri-
mordialmente centrada em textos difere, por exemplo, de uma
religiosidade focada na devoção pictórica – uma das grandes
celeumas da Reforma (calvinista).
Para compreender melhor a forma como a mediação re-
ligiosa funciona, cunhei a noção de “forma sensorial” (Meyer,
2006a). Esse conceito refere-se a uma configuração de mídias
religiosas, atos, imaginações e sensações corporais no contexto
de uma tradição ou grupo religioso. Autorizadas e autenticadas
como mensageiros do que está além, as formas sensoriais têm o
duplo aspecto de delinear ou moldar a mediação religiosa e de
alcançar certos efeitos ao serem realizadas. Assim, as formas sen-
soriais são “configurações”, na medida em que direcionam aque-
les que participam delas sobre como proceder, além de serem
“performances”, na medida em que efetuam ou fazem presente o
que elas mediam. Tomemos, por exemplo, a forma sensorial da
liturgia de um culto: estipula as etapas apropriadas e, no decurso
da realização, induz nos participantes uma experiência de pre-
sença divina (Rappaport, 2002, p. 450-451). A noção de forma
sensorial pretende ser heurística. Enfatizando um entendimen-
to material da mediação, é uma ferramenta metodológica que
possibilita aos pesquisadores discernirem, através da observação
190
participante, as micropráticas por meio das quais o “além” se
torna presente e uma identidade pessoal e coletiva específica,
com um ethos e estilo distintos, emerge e se relaciona com a so-
ciedade mais ampla. Ao orientar os pesquisadores para analisar
a religião sem simplesmente se concentrar na natureza ilusória
ou não ilusória do “além”, mas sim explorando o processo que
permite atingi-lo, a noção de forma sensorial auxilia a operacio-
nalizar a abordagem material que proponho.
Usando e participando das formas sensoriais que são ca-
racterísticas de um determinado grupo religioso ou tradição re-
ligiosa, o conjunto dos sentidos de um fiel é ajustado por meio
de distintas técnicas corporais, dirigidas a um gênero ou outro.
Essas técnicas podem ser mais ou menos acentuadas, induzindo
sentimentos mais ou menos intensos, mas são sempre funda-
mentais para a gênesis da presença. Os seres humanos são se-
res sencientes que se relacionam com o mundo e consigo mes-
mos por meio da percepção (por exemplo, Braungart, 2012;
Rancière, 2006). A percepção não é um mero processo neuro-
cognitivo; também está sempre sujeita ao enquadramento cultu-
ral. Em face da infinita gama de possíveis estímulos sensoriais, as
pessoas aprendem a direcionar sua atenção, desativando certos
estímulos e enfatizando e desenvolvendo uma sensibilidade para
com os outros, gerando certas emoções nesse processo. Quero
me distanciar de um discurso para o qual cultura e biologia/cog-
nição se opõem. Sou contra uma visão redutora que reduz tudo
para o nível do cérebro como este aparece em uma ressonância
magnética. Ao mesmo tempo, acho incongruente a atitude de
muitos estudiosos das ciências humanas e sociais que enfatizam
a importância da corporificação e da sensação, mas se recusam
a levar em consideração o fato de que o corpo fisiológico, in-
cluindo o cérebro, é o canal através do qual ocorrem a organi-
zação cultural da percepção e da sensação e o desencadeamento
das emoções (Taves, 2011; Verrips, 2010). Explorar isso ainda
requer esforços substanciais de pesquisa colaborativa que reú-
na, em pé de igualdade, investigações em biologia, neurologia,

191
ciências cognitivas e religious studies.33 Um aprofundamento no
estudo comparativo de diferentes grupos religiosos é necessá-
rio, particularmente, no que diz respeito à relação entre perfis
sensoriais específicos e a invocação de experiências e emoções
religiosas mais ou menos intensas e cativantes. Obviamente,
existem grandes diferenças entre, por exemplo, o perfil mais in-
telectualista do protestantismo tradicional, com música tocada
ao órgão, que agita os sentimentos, mas com sobriedade; o apelo
acalorado a plena participação corporal e sensorial no pentecos-
talismo africano; o desencadeamento de registros olfativos em
visitantes de templos hindus; e a imersão na paisagem sonora
rítmica da recitação coletiva do Alcorão (Hirschkind, 2006).
Concentrando-se nas formas sensoriais, alcançamos a esfe-
ra da estética, entendida no sentido básico aristotélico de aist-
hesis como o engajamento sensorial com o mundo.34 Oferecen-
do fortes e dirigidos estímulos para a percepção, mobilizando
e treinando sentidos específicos para invocar emoções mais ou
menos intensas, proporcionando um imaginário que reúne vá-
rias impressões sensoriais em algum tipo de totalidade, e crian-
do “atmosferas” particulares (G. Böhme, 1995) que conjuram
disposições particulares, a religião é um domínio da estética por
excelência.35 Um exemplo poderoso é os Exercícios Espirituais
de Inácio de Loyola, que deixou aos seus seguidores um manu-
al concreto que orienta como envolver os sentidos na ativação

33
Este é um dos objetivos do programa de pesquisa Templeton/SSRC Novas Direções
no Estudo da Oração, no qual participo como presidente do grupo de trabalho
e membro do comitê do programa. Ver <http://www.ssrc.org/programs/new-
directions-in-the-study-of-prayer/>
34
Este é um campo enorme. Ver Meyer e Verrips (2008); ver também G. Böhme
(1995).
35
Especialmente importante no desenvolvimento deste campo é o trabalho dos
estudiosos alemães de religião Anne Koch, Alexandra Grieser, Jens Kugele, Jür-
gen Mohn, Hubert Mohr e Inken Prohl. Ver o site do Arbeitskreis Religionsäs-
thetik: <http://www.religionsaesthetik.de>. Ver também a seção 'Em conversa-
ção' em Material Religion, apresentando os estudos alemães de estética religiosa,
reunida por Prohl (2010).

192
da imaginação visando “fazer presente” o sofrimento de Cris-
to, assim “preenchendo a lacuna temporal que separa o indiví-
duo moderno do evento bíblico “(Smith, 2002, p. 36). Outros
exemplos incluem: as técnicas corporais dos místicos medievais
(Largier, 2009); práticas de oração muçulmana; interiores de
igrejas barrocas que invocam, com o trompe d’œil, uma sensa-
ção do divino; novas práticas de meditação híbridas que têm
um apelo especial num contexto da Nova Era, possivelmente
como uma estratégia compensatória impulsionada pelo estreito
espectro do engajamento sensorial no cristianismo do Norte da
Europa; e, embora menos espetaculares e, portanto, mais difícil
de reconhecer, as práticas protestantes de leitura da Bíblia, de
canto de salmos, de pregação religiosa e técnicas de oração con-
templativa. O que todos esses exemplos têm em comum é que,
de uma forma ou de outra, implicam a moldagem do conjunto
dos sentidos de um fiel e a gênesis de sensibilidades e emoções
por meio de práticas estéticas distintivas e autorizadas, as quais
podem ser descritas e analisadas em detalhes.36 Essas práticas
estéticas são a base material para a produção do sentido. A pro-
dução do significado não é algo desencarnado e abstrato, mas
profundamente sensorial e material, contrariamente ao que o
viés protestante sugere.
Fundamentalmente, concentrar-se nas formas sensoriais
chama a atenção para o papel triplo do corpo como produtor,
transmissor e receptor do transcendente. As formas sensoriais in-
duzem nas pessoas, de maneira repetida e repetível, sensações de
ter algo ao alcance que elas experimentam como reais. Portanto,
o corpo (fisiocultural) é a chave para entendermos como as fa-
bricações que alcançam o que é postulado como “além” acabam
conjurando um ser (ou seres) que controlam a crença: em suma,

36
Anne Koch compartilhou generosamente comigo o "Religionsästhetisches Proto-
koll", projetado por ela para que seus alunos observassem sistematicamente eventos
religiosos. Este protocolo é, de fato, uma lista de verificação que chama a atenção
para a inter-relação entre os sistemas sensoriais, a percepção, os movimentos do
corpo, emoções, materiais, mídia e assim por diante, em ambientes religiosos.

193
isso explica como a gênesis da presença extraordinária ocorre.
Realizando por meio de sensações corporais o que elas guiam as
pessoas para alcançar, as formas sensoriais operam como um ge-
rador que “faz crer”. Para os fieis, a sensação é o que, em última
instância, autêntica a mediação religiosa – com todo o trabalho
de fabricação que a envolve – como real. Em última análise, é ao
gerar sensações corporais imediatas, uma após a outra, dentro de
estruturas de repetição que os mundos religiosos, e os mundos
em geral, são efetuados e investidos de verdade e realidade.37
A participação do corpo pode envolver prazer ou dor. O
primeiro é verdade para a transformação da religiosidade em
nossa atual Erlebnisgesellschaft ocidental, onde a experiência
pessoal, imediata e feliz de Deus está em alta demanda. Par-
ticularmente, as igrejas pentecostais oferecem possibilidades
bastante espetaculares para a “metakinesis”, através da qual os
cristãos convertidos “aprendem a identificar estados corporais
e emocionais como sinais da presença de Deus em suas vidas”
(Luhrmann, 2004, p. 519, ver também Luhrmann, 2012). Em
contraste com esses encontros prazerosos, outros exemplos in-
cluem disciplina e até mesmo incentivo à dor. Os modos de
religiosidade que envolvem técnicas corporais que vão além do
mero prazer parecem difíceis de entender na “cultura de sentir-
-se-bem” que prevalece atualmente, na qual a dor é uma exceção
a ser superada.38 As reações na Alemanha, em 2012, à circun-
cisão masculina tal como praticada por judeus e muçulmanos
são um exemplo. Os críticos seculares consideram a circuncisão
como uma lesão corporal que supostamente provoca uma ex-
periência traumática na primeira infância. Por ocasião de sua
recente visita à Alemanha, o maior rabino de Israel, Yona Metz-

37
O programa de pesquisa Heritage Dynamics, dirigido por Mattijs van de Port, Her-
man Roodenburg e por mim mesma, concentra-se exatamente sobre este assunto:
como formas artificiais e historicamente produzidas são experienciadas como ver-
dadeiras e reais: <http://heritage-dynamics.com/>.
38
É claro que, dentro do contexto maior da tradição cristã, sempre houve espaço para
ascetismo e disciplina corporal.

194
ger, descreveu a circuncisão, que ocorre no oitavo dia, como “a
raiz da alma judaica, um selo no corpo de um judeu, um pacto
com Deus” (Süddeutsche Zeitung, 22/08/2012). Tal afirmação
capta muito bem o que eu gostaria de expressar por meio da
noção de forma sensorial, tomada como uma configuração a ser
seguida e uma performance para efetuar uma realidade especí-
fica. Técnicas corporais e atitudes, transmitidas e autorizadas,
são o fundamento existencial de uma identidade e subjetividade
religiosa incorporada. Tensões e confrontos a propósito de téc-
nicas do corpo entre religiões, ou entre identidades seculares e
religiosas, podem ser produtivamente analisados como clivagens
entre formas sensoriais e, portanto, entre estéticas religiosas e
modos mais amplos de produção do mundo, que precisam ser
analisados em nossas pesquisas.
Refiro-me a “mundo” aqui em um sentido fenomenológi-
co, como um domínio culturalmente constituído, estruturado
por meio de relações sociais e práticas de transmissão, através de
eixos verticais e horizontais – um domínio que é construído e
real ao mesmo tempo. Ao compartilharem mídias e práticas de
mediação, as pessoas são vinculadas a formações estético-religio-
sas (Meyer, 2009a; ver também Kapferer; Hobart, 2005) que
moldam ideias, emoções, disposições, valores e práticas comuns,
e um “senso comum” compartilhado por meio de modos habi-
tuais de percepção, técnicas corporais e um ambiente ou habitat
material. Essas formações não se limitam a conectar as pessoas
com um “além”, mas também envolvem modos de conduta e
uma ética de ação no mundo (como observado por Weber). A
participação compartilhada na mediação religiosa sustenta iden-
tidades coletivas (como postula Durkheim) dentro de um am-
biente material específico nos planos do domicílio, do espaço
religioso, do bairro, da cidade ou mesmo de um contexto muito
maior. Em nossas pesquisas, portanto, o nexo sensação-poder
precisa ser levado a sério.
Certamente nos tempos atuais, em que mundos – religio-
sos e seculares – diferentes entram em fricção e interferem uns
195
com os outros em arenas de diversidade e pluralismo, é de extre-
ma importância nos concentrarmos no micronível da produção
de mundo religiosa. As tensões geralmente evoluem em torno de
manifestações materiais da religião, desde a crítica acima men-
cionada à circuncisão infantil masculina na Alemanha aos deba-
tes sobre o abate ritual na Holanda, o uso de véus ou a constru-
ção de mesquitas,39 e assim por diante. Por sua vez, os religiosos
podem se sentir ofendidos pelo que percebem como uma vio-
lação de suas prezadas mídias religiosas por meio de atos “blas-
femos”, como ilustram o tumulto em torno das caricaturas de
Maomé publicadas na Dinamarca e na França, a reação causada
por um desenho retratando Jesus em um museu na Alemanha,40
a provocativa performance política da banda punk Pussy Riot
na Catedral de Cristo Salvador em Moscou, os violentos protes-
tos contra o filme estadunidense Inocência dos Muçulmanos. Tais
eventos exigem pesquisas que nos ajudem a entender como os
sentimentos de ser ofendido por ataques a mídias religiosas tidas
como valiosas estão fundamentados em subjetividades religiosas
incorporadas (Verrips, 2008), e também o potencial político de
alvejar tais sentimentos como um ato emancipatório deliberado,
ou simplesmente divertido. Trata-se de entendermos o que gera
as altas sensibilidades e fortes emoções que sustentam as tensões
sobre o que é percebido como blasfêmia no domínio público
(Baumgartner, 2007; Plate, 2006), em vez de apenas fazermos
julgamentos sobre sua (i)legitimidade.
Em muitos aspectos, nossos atuais ambientes religiosamen-
te plurais e culturalmente diversos são extensões do cenário das
áreas fronteiriças históricas da expansão ocidental. No contexto
contemporâneo, também aposto em tomar clivagens e tensões
entre membros de diferentes religiões, ou entre posições reli-

39
Vide o Blog Closer, de Martijn de Koning, para debates sobre esses assuntos e
outros a ele relacionados: http://religionresearch.org/closer/
40
O desenho retratava Jesus na cruz com uma voz que dizia 'Eh Du, ich habe deine
Mutter gefickt’ (“Ei, você, eu comi sua mãe”).

196
giosas e seculares, como ocasiões de aprendizagem. Resistindo a
uma preguiçosa imposição de epistemologias dominantes, deve-
mos usar essas áreas como algo instrutivo para o questionamen-
to de conceitos naturalizados. Embora eu certamente não deseje
encorajar algum tipo de relativismo extremo, estou convencida
de que o entendimento do que importa no nosso mundo con-
temporâneo exige um encontro sério e crítico com a diferença.41

Múltiplas mídias - devoção imagética

A mediação demonstra ser um conceito articulador – de


fato, literalmente, mediador – que permeia várias disciplinas
dentro e para além do estudo da religião. A essa altura, deve estar
claro que emprego esse conceito não em proveito de uma explo-
ração filosófica, mas sim para o propósito prático de formular
novas perspectivas e metodologias para a pesquisa transdisci-
plinar sobre religião. Pensar sobre mídias religiosas e práticas
de mediação é empolgante e promissor por várias razões. So-
bretudo, isso abre espaço para indagações sobre a infinidade de
mídias religiosas encompassadas por formas sensoriais. A vasta
gama de mídias disponíveis e utilizadas nas tradições religiosas
deve nos fazer refletir sobre o privilégio ao texto como o prin-
cipal mediador da religião (se é que realmente é reconhecido
como tal pelos seus usuários) e repensar o predomínio da análise
centrada no texto com base hermenêutica e semântica. É im-
portante estarmos abertos aos outros tipos de mídias, levando-as
a sério em seus próprios termos, como imagens, coisas, sons,
aromas, entre outros. Isso requer diálogo com campos acadêmi-
cos tais como cultura material, cultura visual, música e estudos
de mídia. Abrir-se para múltiplas mídias e para o quadro mais
amplo onde ocorre a mediação também levanta questões bási-
cas sobre como abordar e descrever as tradições religiosas ou as

41
Como também é discutido por Frederiks (2008).

197
religiões mundiais que estão no centro do estudo da religião. O
que significa identificar o judaísmo, o cristianismo e o islamis-
mo como “religiões do livro”? O que “religião do livro” implica
na prática (Kirsch, 2008; Stolow, 2010)? Não existem outras
mídias – coisas, imagens, música – envolvidas? Retrospectiva-
mente, pode ser que a noção de “religiões do livro” é, na verda-
de, produto de um processo específico de canonização dentro
dessas próprias tradições religiosas. Esse processo, como propõe
por Terje Stordalen (2012b) em relação ao cristianismo, refle-
te estruturas de poder internas que privilegiam o texto como
o meio fundamental de transmissão, certamente ao longo do
tempo, à custa de outras mídias, como estátuas, música e corpo,
além das práticas que as envolvem.42
Na verdade, elevar nossa sensibilidade como acadêmicos à
infinidade de mídias religiosas utilizadas, mesmo dentro de uma
tradição religiosa ao nível do cotidiano, levanta questões fun-
damentais sobre como definir os principais objetos de pesquisa
e as metodologias apropriadas no estudo da religião. Quais são
os materiais que são importantes para pesquisas sobre religião?
Quais tipos de “arquivos” alternativos, além dos que armazenam
textos, podem ser liberados? Tradicionalmente, tanto a religião
comparada quanto a teologia (bem como os estudos islâmicos
e o estudo de outras religiões mundiais) têm sido fortemente
centradas no texto, valorizando a importância da especializa-
ção filológica e da hermenêutica. Esse é, certamente, um dos
pontos fortes do campo. Contudo, à luz do uso de múltiplas
mídias nas práticas de mediação religiosa, seria apropriado re-
fletir sobre o privilégio do livro e do estudo textual e também

42
Obviamente, estar atento tanto ao uso de múltiplas mídias dentro de uma tradição
religiosa como aos processos de poder através dos quais o texto se tornou o meio
privilegiado de transmissão ao longo do tempo é um esforço complicado que exige
colaboração multidisciplinar (por exemplo, estudos bíblicos, arqueologia, antropo-
logia e história). Daí minha motivação para participar do projeto Local Dynamics
of Globalization (dirigido por Terje Stordalen) em 2014/15: http://www.stordalen.
info/LDG/Home.html

198
se abrir para materiais alternativos e, talvez, modos alternati-
vos de apresentação acadêmica.43 Na minha visão, esse é o po-
tencial produtivo oferecido pela perspectiva das mídias mate-
riais proposta neste texto para reformar e reformular o estudo
da religião de maneira ampla.
Ressalto o potencial e as implicações de tal abertura ao re-
tomar, novamente, o meu próprio trabalho como antropóloga
africanista. Ao longo dos últimos anos, a preponderância de
imagens e o uso de metáforas visuais na prática pentecostal e,
mais amplamente, nas práticas cristãs populares em Gana.44 O
meu interesse em imagens surgiu, por assim dizer, como resulta-
do de minha “conversão” para uma abordagem material, confor-
me descrito anteriormente. No projeto HERA, juntamente com
Rhoda Woets, explorei imagens de Jesus, em especial a temática
do Sagrado Coração de Jesus. Há infindáveis versões recicladas
da famosa pintura de Pompeo Batoni, O Sagrado Coração de Je-
sus (1767), cujo original pode ser visto em uma igreja em Roma
(Morgan, 2012b, p. 111-136), sendo muitas delas produzidas
em larga escala na China. Embora o Sagrado Coração tenha cir-
culado, inicialmente, a nível global acompanhando os esforços
missionários jesuítas, em Gana, ele já está há muito tempo inte-
grado na prática popular cristã não denominacional. A figura é
encontrada em adesivos de carros, canoas, cartazes e murais. Ape-
sar dos debates constantes sobre a proibição do culto a ídolos e
fetiches, para muitos cristãos essas imagens oferecem referências
pessoais de prece e contemplação (Meyer, 2010a [Capítulo 3
deste livro]; Woets, 2016). Embora praticamente todos insistam

43
Veja o projeto sobre estética pentecostal dirigido por Annalisa Butticci, que é vin-
culada ao Departamento de Estudos Religiosos de Utrecht. Butticci colaborou com
o fotógrafo e cineasta Andrew Esiebo para fazer um documentário, Enlarging the
Kingdom: African Pentecostals in Italy. Ver http://www.pentecostalaesthetics.net/
44
Desde 1996, tenho conduzido pesquisas sobre o desenvolvimento de vídeo-filmes
em Gana. Intrigantemente, tais filmes são apresentados como uma espécie de "re-
velação" do "domínio espiritual" que se acredita estar atrás da superfície das coisas.
Ver Meyer (2015a).

199
em dizer que a imagem, como tal, não é objeto de veneração, en-
tende-se que, de alguma forma, ela re-presenta o poder de Jesus.
Por meio de práticas estéticas de uso estabelecidas, acredita-se
que a imagem se torna um transmissor da supervisão divina que
defenderá e protegerá o observador. A imagem é considerada
um mediador que gera a presença espiritual de Jesus por meio
de um ato mútuo de ver e ser visto. Em outras palavras, é por
meio de atos específicos de olhar (Morgan, 1998; Pinney, 2004)
que as pessoas se envolvem com a imagem e, eventualmente,
consideram-na como uma presença poderosa.45
Observar a circulação do Sagrado Coração de Jesus me fez
perceber que a propagação da cultura visual cristã é um campo
de pesquisa muito instigante que oferece novos conhecimentos
sobre a política e a estética das práticas cristãs em escala global.
Até agora, no entanto, o estudo da propagação do cristianismo
concentrou-se, principalmente, no plano dos textos e signifi-
cados, perguntando como o cristianismo tem interagido com
as culturas nativas ao nível da imaginação. O fato de que, na
prática cristã, as imagens têm sido há muito tempo importantes
e têm desempenhado um papel fundamental na evangelização
reclama um sério envolvimento com a cultura visual religiosa
ocidental, passada e atual (Bynum, 2011; McDannell, 1995;
Morgan, 1998, 2005, 2012b; Morgan; Promey, 2001). Na mi-
nha opinião, esta linha de pesquisa precisa ser mais desenvolvi-
da, passando a estar no centro do campo maior da cultura visual
(ou, em alemão, Bildwissenschaft) e incluindo um foco no mun-
do não ocidental (por exemplo, Meyer, 2011b; Spyer, 2008).
Desafiando uma abordagem semântica centrada no texto de
acordo com a qual as imagens são tomadas como meras repre-
sentações de outra coisa, os estudiosos da cultura visual consi-

45
No domínio do cristianismo popular, há uma forte preferência por um Jesus bran-
co. Dado que o cristianismo do século XIX foi introduzido e percebido como uma
religião distintamente ocidental, pode não ser surpreendente que, para muitos cris-
tãos locais, a brancura de Jesus seja atraente. Eles percebem o cristianismo como
uma religião que está vinculada ao Ocidente.

200
deram as imagens como mídias materiais que tornam presente
o que eles retratam. A pergunta provocativa posta por W.J.T
Mitchell – O que as imagens desejam? (2005) – joga com a figura
do fetiche. Parece que os estudiosos da cultura visual, no início
do século XXI, estão finalmente preparados para reconhecer o
mundo ocidental no espelho distorcido usado, por tanto tempo,
para refletir os outros.
A atual reapreciação do animismo (por exemplo, Alvers;
Franke, 2012), do fetichismo, da magia e do encantamento no
estudo da cultura visual (e em outros campos) sinaliza uma re-
tomada de temas que têm raízes longevas no estudo da religião,
mesmo que isso possa não ser reconhecido por estudiosos de
ambos os campos. Como uma pesquisadora que estuda religião,
percebo dois grandes benefícios na aproximação com a cultu-
ra visual. Um diz respeito ao alargamento acima mencionado
do horizonte do estudo a religião quando se leva as mídias vi-
suais a sério como devidas formas sensoriais religiosas. O ou-
tro benefício diz respeito à mudança ao cerne dos debates em
torno da cultura visual e material nas humanidades. Eis uma
tarefa para os estudiosos da religião que se dedicam ao nosso
“passado religioso”: discernir e explicar as raízes religiosas de ati-
tudes duradouras e resilientes em relação a imagens, objetos e
outras formas materiais (Castelli, 2012; Korte, 2011). Como o
Bildwissenschaftler Hans Belting coloca em sua intrigante dis-
cussão sobre pinturas de Jesus, “as imagens sempre presumiram
a crença e ainda presumem a crença necessária como parte do
nosso olhar” (2006, p. 176, tradução minha). A verdade dessa
afirmação é, mesmo indiretamente, confirmada pela reviravolta
em 2012 por conta da restauração bem-intencionada mas de-
sastrosa do afresco Ecce Homo em Borja (norte da Espanha),
por Cecilia Yiemenez, de 81 anos. Deparado com descrença, o
trabalho foi rapidamente renomeado como Ecco Mono (Olhe o
Macaco) e tomado como exemplo cômico e involuntariamente
blasfemo de arte pop. No que diz respeito a iconografias visuais
contemporâneas e a nossas posturas em relação às imagens, po-

201
de-se afirmar que, no início do século XXI, tornou-se cada vez
mais difícil não apenas delinear onde começa e onde termina
a religião, bem como os próprios limites do estudo da religião.

Para concluir

Olhando em retrospectiva, este texto assumiu a forma de


um diabolô, ou diaballo, o brinquedo trazido da China por mis-
sionários europeus no final do século XIII. Começando, na par-
te I, com uma crítica das genealogias que colocam em primeiro
plano uma compreensão mentalista e desmaterializada da reli-
gião, ilustrada pelo viés protestante, apresentei a área fronteiriça
da expansão da fronteira ocidental como um local de vislumbres
e ideias novas. Na parte II, concentrei-me no nível micro da
noção de fetiche tal como apareceu em minha pesquisa histó-
rica e etnográfica. Em vez de tomar o fetiche como um mero
sinal mal concebido da religião primitiva, propus uma inversão
dessa noção – assim como alguém que faz malabarismos com
um diabolô usando seu ponto central. Ao buscar fazer o fetiche
falar de outra maneira, inspirada em Latour, propus focarmos
na dinâmica da fabricação de seres que ordenam a crença. A
parte III, então, esticou-se novamente para delinear o que que-
ro dizer com uma abordagem material e isso teve sequência na
parte IV, na qual evidenciei o potencial da pesquisa imagéti-
ca. Se a parte I teve a intenção de desconstruir a abordagem
mentalista consagrada em genealogias dominantes, a intuito das
partes III e IV foi construir uma abordagem material para o
futuro. Estender nosso horizonte para incluir o uso de múlti-
plas mídias na mediação religiosa, reitero, possibilita descrições
e análises mais adequadas e também uma reflexão compreen-
siva da inserção social e do impacto político-estético das mí-
dias que têm sido privilegiadas em nosso trabalho acadêmico,
por meio da canonização tanto dentro das tradições religiosas,
quanto no estudo disciplinar da religião.

202
Como sugere a aproximação com o diabolô, a abordagem
que proponho tem uma dimensão espirituosa que reflete o meu
próprio prazer na realização de pesquisas. O malabarismo as-
sociado ao diabolô é propício, ao meu ver, para uma postura
crítica e criativa em relação a teorias, métodos e epistemologias.
Apresentando porque e como imagino uma abordagem mate-
rial para a religião – e, ao fazê-lo, talvez assumindo o papel do
advogado do diabo para discutir quais materiais e formatos de
pesquisa aceitar como materiais básicos para a nossa análise –
minha intenção com este texto programático é provocar uma
conversação transdisciplinar com pesquisadores de estudos da
religião e de outros campos.

203
Imagens do invisível:
cultura visual e estudos da religião1

O título deste artigo, “Imagens do invisível”, pode inicial-


mente parecer paradoxal, afinal, o invisível não permanece, ne-
cessariamente, fora de vista enquanto o visível se apresenta como
objeto do olhar? Escolhi este título para sinalizar um entendi-
mento abrangente das imagens, como algo que envolve tanto vi-
sibilidade quanto invisibilidade. Como Dubuisson (2003, p.2)
declarou na chamada de trabalhos que me motivou a escrever
este artigo, “muitas vezes, o visual não é apenas aquilo que está
sendo exibido ou aquilo que atinge o olhar, mas é também o que
representa ou retrata algo mais (...) evocando-o, prescrevendo-o
ou instituindo-o de uma forma quase performativa”.2 Com essa
afirmação, ele faz alusão à capacidade específica que uma ima-
gem tem de representar – e, de alguma forma, tornar presente
– o que está invisível e ausente, por meio de um ato performa-
tivo. Se as imagens, em geral, têm a capacidade de representar
algo a mais, isso ocorre de maneira ainda mais explícita em um
ambiente religioso. Em convergência com isso, Robert Orsi cir-
cunscreveu a religião como “a prática de tornar visível o invisí-
vel, de concretizar a ordem do universo, a natureza da vida hu-

1
Nota dos editores. Este artigo foi publicado originalmente em 2015 na revista
Method and Theory in the Study of Religion. Tradução de Amanda Echeveste de
Andrade e Fernanda Baissvenger Pazinatto, sob a orientação e revisão de tradução
da Prof.ª Dr.ª Elizamari Becker (IL/UFRGS).
2
Gostaria de agradecer à historiadora da arte Christiane Kruse por apresentar-me ao
campo dos estudos visuais alemães. Nossas conversas foram a fonte de inspiração
para a redação deste trabalho, que está situado no âmbito do meu envolvimento no
projeto Iconic Religion, financiado pela rede de financiamento HERA, e na minha
palestra apresentada no dia 22 de maio de 2014 na conferência da Associação Eu-
ropeia para o Estudo das Religiões, em Groningen. Sou grata a Lotte Knote pelo
suporte, a Daan Beekers, Daniel Dubuisson e a Christiane Kruse pelos comentários
na versão preliminar e, também, a Mitch Cohen pelas correções.
mana, o seu destino e as diversas possibilidades de interioridade
humana, conforme os entendimentos que variam culturalmente
e também no tempo” (Orsi, 2012, p.147; ver também Meyer,
2012, p. 24 [Capítulo 4 deste livro]). Nesse sentido, a religião
pode muito bem ser analisada como um “mediador da ausência”
(Weibel, 2011, p. 33) através do qual a sensação de presença
espiritual é efetuada para – e pelos – seus praticantes. A partir
dessa perspectiva, estudar religião envolve estudar múltiplas mí-
dias – não apenas textos – que geram a presença no quadro de
uma ordem cosmológica autorizada com suas concepções pró-
prias de visibilidade e invisibilidade e prescrições concomitantes
de representação imagética.
Especialmente no contexto do cristianismo, as mídias ima-
géticas tem sido tema de recorrentes debates e contestações. Elas
estão no centro das formas mais ou menos autorizadas de devo-
ção, assim como são alvos de violentos ataques, como no caso
da controvérsia iconoclasta dos séculos VIII e IX no Império
Bizantino, no iconoclash calvinista na pós Reforma ou ainda nas
áreas fronteiriças da expansão colonial ocidental, onde os mis-
sionários do século XIX rejeitaram cultos nativos alegando que
praticavam adoração a ídolos e fetichismo. As repercussões dessa
rejeição, feitas em nome do Segundo Mandamento e alimenta-
das pela noção de que o fetiche é uma atribuição escandalosa de
vida e de desejo a um objeto inanimado, são ainda sentidas no
Sul de Gana, onde eu realizei pesquisas nos últimos 25 anos. Não
obstante a presença de notáveis discursos de fetichismo e idola-
tria, há também uma infinidade de imagens com representações
espetaculares que se referem a temáticas normalmente conside-
radas invisíveis. A produção em massa de pôsteres de Jesus e
de outras imagens devocionais, assim como representações de
espíritos malignos – fantasmas, sereias, bruxas e outros “seres
das trevas” – são parte proeminente de uma cultura visual mui-
to ativa que é profundamente tributária do cristianismo, mas
também remetem aos cultos nativos. Inicialmente, compreendi
essas imagens que retratam o invisível como meras ilustrações

206
de ideias e significados subjacentes, mas gradualmente percebi
a importância dessas imagens, e da cultura visual em geral, na
condensação do mundo da experiência vivida.
Para uma estudiosa da religião e antropóloga, essas imagens
e as ideias e práticas nelas implicadas são fascinantes objetos de
pesquisa. As imagens operam em um contexto de práticas cor-
poreificadas e convencionadas de olhar, exibir e figurar – um
regime visual. Nesse processo, há um papel central desempe-
nhado pela religião, envolvendo noções de céu e inferno; bom
e mau; o além e o aqui e agora; o “espiritual” e o “físico”, assim
como um panteão de seres espirituais e práticas de revelação e
ocultação, de modo a constituir regimes visuais. Na tentativa de
considerar seriamente as imagens como – literalmente – mídias
religiosas impressionantes e construtivas, notei os limites con-
ceituais e metodológicos que resultam da prevalência de foco
em textos nos estudos de religião. O “olhar textual” (Stordalen,
2012b, p. 521) privilegiou uma análise centrados no singnifi-
cados e um viés mentalista preocupado com ideias imateriais
– imaginadas como se “pairassem acima das páginas e da tinta”
(Morgan, 2013, p. 248). Como consequência, o papel das coi-
sas, das imagens, dos sons, dos corpos e de outras formas mate-
riais nos modos religiosos de criar o mundo foi negligenciado.
Este texto está dividido em quatro partes. Na primeira, des-
taco o potencial teórico e metodológico do quadro conceitual da
mediação para o estudo da religião. Em seguida, dirijo meu foco
para as implicações da “virada imagética”, argumentando que é
necessária uma abordagem mais sintética que trate os religious
studies e os estudos visuais em conjunto. Então, na terceira parte,
o potencial desta abordagem será exemplificado a partir de mi-
nha pesquisa sobre filmes e representações do “espiritual” no Sul
de Gana, destacando as dinâmicas específicas envolvidas na pro-
dução de imagens do invisível. Por fim, em um breve panorama,
apontarei as possibilidades para investigações futuras sobre reli-
gião como um fenômeno multi-mídias, dando atenção especial
à circulação de imagens religiosas através do tempo e do espaço.
207
Mediações materiais

A perspectiva que orienta as reflexões deste texto é que o


entendimento que concebe a religião enquanto prática de me-
diação, para qual as mídias são intrínsecas, tem grande potencial
para o desenvolvimento de novos conceitos e métodos para um
estudo da religião (auto)crítico. Antes de explicar esse ponto,
faço uma breve observação sobre como emprego o termo re-
ligião neste texto. Certamente, estou consciente dos problemas
envolvendo a definição dessa categoria. De fato, “religião não
é um fenômeno simples e óbvio, sobre o qual basta dizer que
é uma característica sui generis e fundamental da humanidade”
(Dubuisson, 2003, p. 189). No seu uso atual e dominante, o
conceito remonta a uma construção acadêmica do século XIX
que objetifica a religião a partir de uma perspectiva externa. O
estudo moderno sobre religião baseia-se em um legado pós-ilu-
minista que constrói a religião em termos mentalistas e “protes-
tantes” (Asad, 1993, p. 8-14), a partir dos quais priorizam-se
a crença e o significado, considerados presentes no eu interior.
Essa concepção de religião não apenas informa há muito tem-
po a pesquisa acadêmica; esse entendimento também tem sido
projetado para outras populações no curso da expansão colonial
ocidental, sendo ainda mobilizada como um enquadramento
normativo nos debates políticos sobre a manifestação pública da
religião, especialmente do islã, nas sociedades europeias.
O fato de que qualquer definição de religião é necessaria-
mente situada em termos históricos paradoxalmente compro-
mete sua utilidade para um estudo comparativo dos fenômenos
religiosos em diferentes culturas, empreendimento que, de saí-
da, depende de uma demarcação conceitual. Igualmente proble-
mático é argumentar que o termo religião é uma abstração que
não possui referência no mundo – perspectiva que se torna ain-
da mais contraproducente quando apresentada por estudiosos
da religião. Em minha perspectiva, estudiosos do campo da reli-

208
gião poderiam assumir uma atitude pragmática e explicar a que
se referem os termos religião e religioso – estando conscientes de
que não pode haver uma definição definitiva, o que os acadêmi-
cos podem fazer é tratar da religião de maneira autoreflexiva, a
partir de um ponto de vista e com objetivos de conhecimento
historicamente situados. Em suma, aqui defendo a posição de
que a tensão entre a conceitualização e o estudo empírico é o
motor que leva o conhecimento para mais longe.
Isso nos conduz não para uma definição fechada que pos-
sa simplesmente ser aplicada à religião como um fenômeno do
mundo, mas sim para uma atitude de abertura. Tal como Hent
de Vries (2008a, p. 5) também defende: “somente se quisermos
ir além do conceito como nós (achamos que) conhecemos, po-
deremos nos abrir a um fenômeno ou conjunto de fenômenos
cuja densidade (‘espessura’) e imprecisão (‘finura’) pertençam ao
‘coração’ de sua ‘matéria’ e constituam suas referências em sua
‘essência’, ou seja, sua lógica e gramática”. A partir desse ponto
de vista, falar sobre religião é duplamente complicado na medi-
da em que envolve um conceito negativo que busca acessar um
fenômeno que é elusivo por natureza, que envolve alguma coi-
sa “outra” ou “alter” sobreposta à dimensão ordinária (Csordas,
2004, p. 164) ou, noutras palavras, que faz alusão a “o-resto-do-
-que-é” (van de Port, 2010). É por isso que optei por conceber
religião como mediador da ausência, que opera conectando a
lacuna entre entre o aqui e o agora e aquilo que está “além”.
É nesse sentido que a religião, ao “tornar visível o invisível”,
envolve “múltiplas mídias” que realizam a “materialização do sa-
grado” (Orsi, 2012, p. 147). Aqui, as mídias são entendidas no
sentido amplo de transmissores materiais cuja função, atraves-
sar lacunas, é central para as práticas de mediação, referindo-se,
portanto, tanto às modernas mídias de massa quanto às antigas
mídias. Uma das vantagens da compreensão da religião como
prática de mediação é a de que ela não mais toma as práticas, os
objetos e outras formas através das quais se manifesta no mundo
como secundárias às crenças, aos significados e aos valores, mas

209
como formas necessárias por meio das quais o “além” torna-se
acessível ou o “invisível” torna-se “aparente”. Enquanto que, a
partir de uma perspectiva mentalista, formas exteriores são me-
ras expressões de um conteúdo internalizado já existente. Ao
focar na mediação optamos por uma compreensão desses pólos
como mutuamente constituídos e constitutivos.
É necessário salientar que a mediação não é, necessaria-
mente, um conceito êmico. Alguns religiosos, certamente nos
círculos calvinistas, podem não estar dispostos a reconhecer a
centralidade do papel que as mídias, construídas e “operadas”
por humanos, ocupam na efetivação da sensação de presença
divina, afirmando, pelo contrário, seu acesso imediato a essa
dimensão. De fato, uma gênese efetiva de tal presença ocorre
porque a mídia por meio da qual ela ocorre torna-se parcialmen-
te invisível (Eisenlohr, 2009a, p. 274-277). Essa é a razão pela
qual uma relação imediata com essa presença deve ser entendida
não como sendo anterior, mas sim como produto da própria
mediação (Meyer, 2011a, p. 27-29). Para mim, o valor da me-
diação como conceito reside na sua capacidade para destacar as-
pectos da prática religiosa que, de outra forma, seriam relegados
e também porque é um conceito que permite empreendimentos
comparativos. Entender a religião como prática de mediação
que implica múltiplas mídias - e, assim, também aproximar a
história das religiões da história das mídias culturais (Uehlinger,
2005, p.50) - reúne campos que até agora estavam separados
nos estudos da religião e de mídia. Isso levanta questões intri-
gantes que desafiam o predominante “dualismo do meio mate-
rial e das ideias espirituais” (Morgan, 2013, p. 348). Quais são
as mídias empregadas nas práticas de mediação religiosa e como
elas são autorizadas? Como elas se diferem e se relacionam umas
com as outras? Que tipo de comunicação, ao longo de eixos
verticais e horizontais, elas tornam (im)possíveis? Como a dis-
ponibilidade de novas mídias com suas particularidades afetam
modos de mediação religiosa de longa duração, seja com relação
a transformações históricas como também para o surgimento

210
de convergências entre tradições religiosas até então bastante
diferentes? Perguntar sobre as múltiplas mídias utilizadas nas e
a partir das tradições religiosas (Lundby, 2013; Meyer, 2009a)
funciona como um abridor de olhos por meio do qual as limi-
tações nos estudos da religião, como o predomínio da ênfase
na dimensão textual e do viés mentalista, tornam-se mais evi-
dentes e, com isso, novas direções para estudos (comparativos)
passam a poder ser idealizadas.
Nos últimos anos, na tentativa de avançar em um estudo
detalhado da mediação religiosa, eu passei a defender a neces-
sidade de reabilitação da forma3. Forjando aquilo que está in-
determinado e que ainda não se tornou diferenciado em uma
gestalt, a forma é uma condição necessária para a articulação e,
de fato, para a configuração do conteúdo, do significado e de
sua repetição. Ao pensar na forma como dimensão produtiva
da constituição do mundo da experiência vivida, eu cunhei o
conceito de forma sensorial em minha abordagem material da
religião. Mensageiras autorizadas em contextos religiosos parti-
culares daquilo que está “além”, as formas sensoriais têm o duplo
aspecto de delinear ou moldar a mediação religiosa e de alcan-
çar certos efeitos ao serem realizadas; isso é o que eu chamo
de gênesis de um excedente sagrado. Assim, formas sensoriais
são “configurações”, que orientam “como proceder” e induzem
“performances”, na medida em que tornam presente aquilo que
está mediado. Desempenhando um papel fundamental na im-
plementação de uma determinada estética religiosa através de
um processo de socialização religiosa que acontece ao longo
do tempo, formas sensoriais incluem técnicas corporais, bem
como sensibilidades e emoções que se tornam disposições incor-
poradas no habitus. Como expliquei noutras ocasiões, entendo
estética no sentido de aisthesis (Meyer, 2009a, p.6-11; Meyer;
Verrips, 2008; ver também Mohn, 2012; Prohl, 2010; 2013),

3
As formulações neste parágrafo permanecem próximas ao modo como apresentei o
conceito de forma sensorial em Meyer (2010b, p. 751 e 2012, p. 26).

211
como um engajamento sensorial com um mundo que afina os
sentidos, induz sentimentos e estrutura a percepção de uma ma-
neira seletiva e específica4. Imagens e, em geral, itens da cultura
visual são meios materiais que, de maneira profícua, podem ser
analisados como formas sensoriais.

Religião e cultura visual

Ao longo dos últimos 25 anos, o estudo da cultura visual


vem se desenvolvendo a partir (e através) de diferentes núcle-
os e perspectivas no mundo das línguas anglófona, francófona
e germânica. Na sequência da virada “pictórica” ou “icônica”,
a ênfase mudou do foco na estética das obras para as práticas
imagéticas em todas as esferas da vida. A cultura visual engloba
um conjunto de artefatos visuais (incluindo edifícios, pinturas,
cartazes, fotografias, filmes e vídeos), seus produtores e especta-
dores; práticas de figuração e imaginação; modos e estágios de
envolvimento sensorial (incluindo, mas não limitado ao olhar)
e regimes visuais que governam práticas de exposição, revelação
e ocultação. Situar tais artefatos no campo mais amplo da cultu-
ra visual é perguntar como eles estão incorporados em práticas
compartilhadas e muitas vezes duradouras de figuração e uso e
como as atitudes relacionadas a eles estão incorporadas através
de modos específicos de visualização, aprendidos e transmitidos,
que caracterizam regimes (audio)visuais.
Até agora, ainda há pouca sinergia entre o campo mais am-
plo dos estudos de cultura visual e história da arte em particular,
de um lado, e ,de outro, as pesquisas emergentes sobre a di-
mensão visual nos religious studies. Isso pode ser em parte devido
às diferentes trajetórias disciplinares e focos da história da arte

4
Na Alemanha, acadêmicos de religious studies desenvolveram há muito tempo aborda-
gens estéticas da religião. Para mais informações sobre ideias básicas e literatura, aces-
se o site da Arbeitskreis für Religionsästhetik: <http://www.religionsaesthetik.de/>

212
e dos religious studies: obras de arte e textos religiosos parecem
fazer parte de mundos diferentes. À luz da história de ambas as
disciplinas, essa separação tem sua própria ironia. A história da
arte surgiu como um guardião moderno de imagens “antes da era
da arte” (Belting, 1994), reenquadrando-as como exemplos de
arte erudita que tinham apelos de beleza estética. Em contrapar-
tida, o estudo moderno da religião foi fundado a partir da pes-
quisa filológica, fazendo poucas considerações às imagens cristãs
do passado. Com isso, as imagens religiosas migraram da esfera
da religião para a esfera da arte. Reenquadrá-las como obras de
arte implicava que elas fossem abstraídas dos mundos anteriores
de experiências vividas nos quais elas foram forjadas e estetiza-
das.5 A crítica à indiscutível primazia da categoria arte como um
marco para a análise de imagens foi uma das forças motrizes da
virada “pictórica” na história da arte. O crescimento dos estudos
visuais (ou Bildwissenschaft) propiciou uma extensão do escopo
de imagens: não mais apenas arte erudita, mas também mate-
riais visuais populares. Perguntando-se sobre o “poder”, a “vida”
e a “agência” (ex. Belting, 2011; Bredekamp, 2015; Freedberg,
1989; Gell, 1998; Kruse, 2003; Mitchell, 2005), acadêmicos do
campo dos estudos visuais têm refletido sobre a evidente capaci-
dade das imagens de parecerem animadas e encantadas.
Termos que denotam “objetificações equivocadas”
(Mitchell, 2005, p.188), como “totem”, ídolo e “fetiche”, que
vinham sendo usados como referência para refletir sobre as pro-
blemáticas relações imagem-humano ou humano-objeto conce-
bendo-as como parte de uma mentalidade primitiva ou neuró-
tica, são agora recuperadas para analisar como os seres humanos
rendem-se ao encanto das imagens. Perguntando-se sobre os

5
Seria importante realizar um estudo detalhado da relação transformadora entre as
esferas da arte e da religião a partir de uma perspectiva histórica, desde a ascensão
da história da arte moderna até o presente em contextos nacionais/regionais espe-
cíficos. De interesse especial aqui é a preocupação romântica com o chamado Kun-
streligion, por exemplo, a compreensão da arte como uma substituta para a religião,
envolvendo um o culto do artista como gênio.

213
“desejos” de imagens de uma maneira geral e não em relação aos
supostos primitivos ou neuróticos, W. J. T. Mitchell desafiou a
ideia de que na modernidade, por meio do processo de raciona-
lização que desencadeou, tenhamos nos emancipado da devoção
a imagens, relíquias e objetos poderosos. Rompendo com a lógi-
ca da distinção, segundo a qual os sujeitos modernos são imunes
à atração desestabilizadora de imagens e objetos, ele abriu uma
abordagem geral e intercultural da cultura visual. A restaura-
ção de formas de “objetificações equivocadas” lançadas por essa
abordagem sinaliza a prontidão para finalmente reconhecer o
mundo ocidental no espelho distorcido usado por tanto tempo
para projetar o Outro primitivo imaginado (ver também Latour,
2010, p.35; Meyer, 2012 [Capítulo 4 deste livro]).6
Em minha perspectiva, a forma atual do campo da cul-
tura visual global convida a uma profunda colaboração entre
estudiosos com formação em história da arte ou estudos visuais,
por um lado, e religious studies e antropologia, por outro. O que
está em jogo é repensar o nexo da religião e das imagens como
uma questão de interesse para todas as disciplinas envolvidas.
Claramente, não faz sentido manter uma teleologia moderna,
secularista segundo a qual a religião está fadada a desaparecer.
6
O fato de que pensadores como Mitchell desenvolveram uma perspectiva global
que desafia uma teleologia moderna de longa data é um sintoma de uma abertura
mais ampla das humanidades para o estudo da cultura como práxis. Isso implica
uma nova posição para a antropologia, que não pode ser reduzida ao estudo das
sociedades não-ocidentais, sobre as quais outras disciplinas — como a literatura
comparada, a história da arte e a filosofia — não precisam se preocupar. No entan-
to, hesito em seguir Mitchell na manutenção das noções de fetiche, totem e ídolo
como parte de nosso vocabulário de análise sobre o poder e a vida das imagens.
Essas noções projetam mal-entendidos fundamentais, que precisam ser desfeitos,
sobre as relações humano-objeto e humano-imagem fora do Ocidente (ver Meyer,
2012 [Capítulo 4 deste livro]). Em relação à noção de fetiche, por exemplo, con-
cordo com Bruno Latour (2010) de que ela provém do não-reconhecimento do
envolvimento humano na fabricação de entidades — feitiches e não fetiches — em
que elas acreditam. É claro que, como categoria problemática de objetificação equi-
vocada, o uso da noção de fetiche exige uma exploração mais aprofundada, mas seu
uso como conceito na investigação de um aspecto particular das relações humano-
-objeto é limitado.

214
Assim como a notável resiliência das tradições iconográficas e
dos gêneros pictóricos do passado religioso europeu (Kruse,
2014), e também das antigas categorias de objetificação enrai-
zadas nos discursos religiosos em relação às imagens, há uma
série de novas imagens religiosas que, relativas a vários regimes
visuais, ainda, e novamente, moldam as atitudes das pessoas em
relação a elas. No restante desta seção, apresentarei alguns prole-
gômenos para uma abordagem conjunta, pós-secularista da reli-
gião e/como cultura visual, inspirada nos desenvolvimentos dos
estudos visuais alemães.

Religião visível

Começo chamando a atenção para uma iniciativa excep-


cional que avaliou a relevância da abordagem iconológica desen-
volvida por Erwin Panofsky (que, por sua vez, foi inspirado por
Aby Warburg, veja abaixo) para o estudo da religião: a série – in-
felizmente de curta duração – Religião Visível: Anual de Iconogra-
fia Religiosa7 (7 volumes entre 1982-1990), concebida e editada
por Hans Kippenberg (veja Uehlinger, 2006 para uma avalia-
ção). Embora escritas há mais de vinte anos, as contribuições
para os volumes ainda parecem contemporâneas e oportunas,
ressoando fortemente nos trabalhos atuais do emergente campo
(anglófono) de estudos da cultura visual religiosa. Central para
o projeto da Religião Visível é a suposição de que, longe de se-
rem meras representações de conceitos e ideias subjacentes, as
imagens desempenham um papel fundamental na formação da
religião e na comunicação do significado religioso. Isso deu cen-
tralidade às práticas histórica e culturalmente situadas através
das quais os seres humanos interagem com imagens em um am-
biente religioso. Especial atenção foi dada aos gêneros pictóricos
(perguntando-se sobre o status e o valor atribuídos às imagens
e distinguindo entre gêneros devocionais, culturais e históricos

7
N.T.: Visible Religion. Annual for Religious Iconography.

215
– Barasch, 1990) e modos de olhar culturalmente transmitidos
e autorizados, por meio dos quais podemos compreender as di-
nâmicas particulares devido às quais as formas visuais alcançam
uma aura e, na experiência de seus espectadores, tornam-se vivas
ou extraordinárias.8 Para compreender os efeitos estéticos espe-
cíficos das imagens (em comparação com as palavras e com os
textos), Kippenberg (1990, p. XI) invocou a noção geertziana
da “aura de factualidade”, que remete à propensão das represen-
tações visuais serem vivenciadas como reais. Assim como textos
e palavras, mas operando de maneiras diferentes, as imagens são
compreendidas, nessa perspectiva, como sendo parte de “tradi-
ções visuais” específicas (Assmann, 1990, p.4), que moldam o
visual – e, portanto, o que é visível e invisível – no mundo da
experiência vivida. Esses autores estavam interessados em desen-
volver ferramentas conceituais que permitissem aos estudiosos
superar sua própria visão tendenciosa e entender como as ima-
gens são vistas em outros cenários. Como Kippenberg declarou
em sua introdução ao volume dedicado à iconologia: “Diferen-
tes culturas desenvolveram esquemas diferentes para objetos
idênticos e esquemas idênticos para objetos diferentes. Acredita-
-se no reconhecimento da semelhança, mas na verdade só se re-
conhece estereótipos bem conhecidos em nossa própria cultura.
(...) como descrever a forma como as outras pessoas veem suas
imagens? Onde está a fronteira entre um jogo arbitrário de as-
sociação e uma percepção mais objetiva? Se a iconologia quiser
levar a sério a parte que cabe ao espectador, ela deve resolver esse
problema” (1986, p. VIII).
Infelizmente, nos anos 1980 o estudo da religião em ge-
ral ainda não estava pronto para abraçar esta iniciativa de ma-
neira séria e sustentada. Como Christoph Uehlinger (2006,
p.171-174) aponta, uma das principais razões para a desconti-

8
Curiosamente, Jan Assman propôs nada menos que desenvolver uma teoria do "ato
de imagem" (Bildakt, ver Assmann, 1990), vinte anos antes da Teoria des Bildakts
de Horst Bredekamp (2015).

216
nuação da Religião Visível foi a própria ambição de seus prota-
gonistas que, como um dos autores adequadamente comenta,
almejava “compensar na teoria e na prática a parcialidade resul-
tante da preferência científica por fontes escritas” (Witte apud
Uehlinger, 2006, p.171).9 Tomar as mídias visuais seriamente
constitui um desafio aos fundamentos conceituais do estudo da
religião, com o seu forte enfoque nos textos, que concebe o uso
de materiais visuais como meras ilustrações, e não como artefa-
tos em seus próprios termos, cuja análise requer competências
teóricas e metodologias particulares, derivadas da iconologia.
Esse era um passo muito largo para um momento em que mui-
tos acadêmicos dos religious studies ainda estavam trabalhando
em um quadro filológico ou estavam preocupados com as abor-
dagens das ciências sociais que, colocando em primeiro plano
ideias e normas abstratas, detinham-se no papel da religião nas
sociedades modernas. Ao mesmo tempo, a Religião Visível teve
uma existência demasiadamente curta e experimental para de-
senvolver um fundamento teórico sistemático e que aportasse
um novo lugar para cultura visual no estudo da religião.
Enquanto isso, o papel da cultura visual em ambientes reli-
giosos ganhou muito mais atenção especialmente entre os estu-
diosos anglófonos (e, infelizmente, mais ou menos independen-
te da iniciativa Religião Visível). Para mencionar quatro autores
proeminentes e revolucionários que apontaram novas diretrizes
para o estudo da devoção visual: o trabalho de David Morgan
(1998) sobre os “atos de olhar” através dos quais os protestan-
tes americanos se envolveram com imagens de Jesus produzidas

9
O último volume foi dedicado aos gêneros em representações visuais e envolveu-se,
entre outras coisas, com a noção de aura de Benjamin, entendida como decorrente
da experiência de observadores de obras de arte que "estão dando vida a objetos
mortos". (Kippenberg, 1990, p. XI). Em geral, a Religião Visível pode servir como
um exemplo convincente para ilustrar um ponto mais geral: a importância de uma
arqueologia da produção do conhecimento no estudo da religião, de modo a discer-
nir possibilidades que, em última instância, não se realizaram na época, para serem
reconhecidos e reequilibrados como recursos para desenvolver novos caminhos para
o futuro. (ver Brunotte, 2013, p. 87)

217
em massa; o trabalho de Allen Roberts e Polly Nooter Roberts
(2003) sobre as bênçãos transmitidas por uma imagem infinita-
mente reproduzida do Mouride Sheikh Amadou Bamba no Se-
negal; e o trabalho de Chris Pinney (2004) sobre litografias pro-
duzidas em massa que se apresentam como “fotos dos deuses” e
que estão articuladas com o modo devocional visual do darshan
na Índia. Atualmente, muitos trabalhos estão sendo feitos na
interface entre religious studies, história da arte, estudos america-
nos (do Norte) e antropologia. A recente iniciativa norte-ameri-
cana para o Estudo de Culturas Materiais e Visuais de Religiões
(MAVCOR) (http://mavcor.yale.edu) oferece uma plataforma
para novas pesquisas, direcionando a atenção “para aqueles luga-
res onde a sensação e a materialidade se envolvem e onde ambos
se relacionam com a religião”, apresentando um arquivo e uma
galeria de exibição de objetos religiosos. Há ressonâncias fortes,
embora ainda não tão bem reconhecidas, com os estudos reali-
zados anteriormente no contexto da Religião Visível; estes mere-
cem ser explicitados e perseguidos no desenvolvimento de uma
sinergia mais forte, conceitualmente baseada, entre os campos
da cultura visual e do estudo da religião. Na sequência, esboço
a importância do trabalho de Aby Warburg, Ernst Cassirer e
Hans Belting para uma abordagem da cultura visual no quadro
conceitual da mediação religiosa.

Formas simbólicas

Na busca por uma base teórica comum para o estudo da


religião e da cultura visual, a obra do pesquisador em história da
arte e estudos culturais Aby Warburg (1866-1929) é um ponto
de partida produtivo (ver também Uehlinger, 2006, p. 174-177).
Incomodado com a história da arte de seu tempo, que ele classi-
fica como estetizante (Gombrich, 1970, p. 118) e como inade-
quada para captar a força das imagens, Warburg mostra um forte
interesse na operação de símbolos (sinais astrológicos, a cobra)
que ele considerava como parte da memória cultural. Ou me-
218
lhor, ele entende a cultura como um espaço de armazenamen-
to externo para símbolos e imagens de longa duração que ele
procurou documentar em seu projeto Mnemosyne Atlas. Nesse
projeto ele estava particularmente interessado em documentar
a “vida após a morte” (Nachleben) na cultura da antiguidade
clássica europeia. Sua noção de “fórmulas pathos” (Pathosformel)
– representações visuais emocionalmente carregadas, que têm
um forte efeito sobre o espectador – surgiu de seu interesse em
uma psicologia histórica da expressão humana. A ressonância
entre essa noção e os atuais debates acadêmicos sobre “o poder
das imagens” e o “desejo das imagens” é óbvia (Brunotte, 2013,
p.119-123). Recorrendo ao pensamento evolucionista, ainda
em voga na época, Warburg pressupôs haver semelhanças entre
a antiguidade clássica e a cultura nativa americana do final do
século XIX. Em sua descrição detalhada do ritual da serpente
entre os Pueblo10, ele expôs sua perspectiva sobre os símbolos
como fundamentada na vontade de capturar e influenciar pro-
cessos naturais através de registros afetivos e mágicos (como a
dança da máscara). A religião, para ele, implica uma “conjunção
entre seres humanos e alguma coisa Outra” (Warburg, 1995,
p.52, tradução minha)11 com efeitos simbólicos muito reais. No
curso da evolução cultural, esta conjunção tornou-se cada vez
mais conceitual, culminando na compreensão do “Outro ser”
como um símbolo mental, invisível. Em suma, ele nota uma
transição de um simbolismo corporificado para um simbolis-
mo mental, do espaço devocional (Andachtsraum) ao espaço
conceitual (Denkraum) (1995, p. 56). Entretanto, no enten-
dimento de Warburg, os símbolos mentais e os espaços con-
ceituais ainda mantinham algum grau de sua base em formas

10
Warburg desenvolveu este relato durante seu tratamento em um hospital psiqui-
átrico em Bad Kreuzlingen, onde apresentou suas ideias na forma de uma palestra
(em 21 de abril de 1923), para provar a seus médicos que ele havia recuperado os
sentidos e estava pronto para ser liberado. Uma versão em inglês da palestra foi
publicada no Instituto de Warburg em 1938.
11
Do original “Verknüpfung zwischen Mensch und fremder Wesenheit.”.

219
materiais concretas e em experiências sensoriais (ao invés de se-
rem, em princípio, arbitrários, como postula um entendimento
saussuriano dos signos).
As ideias e o vocabulário de Warburg (ele também cunhou
a noção de iconologia) inspiraram muitos de seus contem-
porâneos, incluindo Walter Benjamin, Erwin Panofsky e
Ernst Cassirer. Este último desenvolveu a noção de “forma sim-
bólica”, entendida como “aquela energia da mente através da
qual um significado está ligado a um signo sensorial concreto
e se torna parte intrínseca dele”12 (Cassirer, 1923, p.15, tradu-
ção minha). E assim: “Um mundo de imagens autocriadas en-
frenta o que chamamos de realidade material objetiva e se afir-
ma em relação a essa realidade em plenitude autônoma e força
primitiva”13 (Cassirer, 1923, p. 15, tradução minha). Em outras
palavras, formas simbólicas, incluindo imagens, constituem um
amortecedor entre o mundo objetivo e os seres humanos que
atinge uma realidade própria. Para Cassirer, as formas simbó-
licas – que englobam o ritual, as imagens e a linguagem – são
artefatos materiais e sensoriais, além de práticas que constituem
um mundo fenomenológico. O apelo desta abordagem “antro-
pológica” (no sentido amplo) para estudos visuais atuais é ób-
vio. Considerando o tipo de relação entre humanos e objetos
visuais, estes últimos não podem ser concebidos como agentes
com desejos próprios e independentes, tampouco podem ser re-
duzidos a meras representações, frutos apenas do olhar de seus
espectadores. Em vez disso, eles são conceituados como signos
materiais e sensoriais que constituem — com vigor e força —
um mundo que está implicado e, ao mesmo tempo, além dos
seres humanos. São sinais que estão presentes em virtude de suas

12
Do original: (...) “jene Energie des Geistes (...), durch welche ein geistiges Be-
deutungsgehalt an ein konkretes sinnliches Zeichen geknüpft und diesem Zeichen
innerlich zugeeignet wird.”
13
Do original: “Eine Welt selbstgeschaffener Bilder tritt dem, was wir die objektive
Wirklichkeit der Dinge nennen, gegenüber und behauptet sich gegen sie in selbs-
tändiger Fülle und ursprünglicher Kraft.”

220
características e apontam para um significado ausente. Particu-
larmente promissor nessa perspectiva, como já foi destacado, é a
compreensão das formas simbólicas como não meramente refe-
renciais, como também substanciais e produtivas. Obviamente,
esse entendimento de formas simbólicas como - em minhas pa-
lavras - mediadores da construção do mundo e da religião como
uma prática de conjunção reverbera com a minha noção de
forma sensorial. Isso também está em consonância com minha
proposta de analisar a religião como uma prática de mediação na
qual os artefatos visuais são intrínsecos e constituem a realidade.
Apesar dessa convergência, gostaria de pontuar que considero
meu relativo desconhecimento dessa literatura quando elaborei
minha proposta não somente como uma limitação pessoal, mas
como um sintoma das clivagens entre a literatura acadêmica de
língua alemã e a anglófona, bem como entre a história da arte,
os religious studies e a antropologia da religião. Este ensaio pode
ser lido como uma tentativa de explorar e ajudar a desenvolver
essas articulações.

Antropologia da imagem

Pensando mais a fundo na questão sobre como os artefa-


tos visuais são feitos para funcionar em um contexto religioso e
mediar o invisível através de formas simbólicas visíveis, é pro-
dutivo recorrer à “antropologia da imagem” desenvolvida por
Hans Belting (2011), que é fortemente alinhada com as mi-
nhas ideias sobre mediação e formas sensoriais. A abordagem
de Belting é proveitosa para uma análise etnográfica detalhada,
pois, como a próxima parte mostrará, ele chama a atenção para
várias facetas da relação complexa entre imagens e modos de
olhar. Ao distinguir entre imagens mentais na imaginação inter-
na e imagens físicas externas, Belting argumenta: “[A] imagem
é a image com um meio”. (2011, p.10; ver também Mitchell,

221
2005, p.85).14 Em outras palavras, a externalização de images
como imagens requer o uso de um meio através do qual es-
sas images atinjam uma gestalt física. Embora as images se ori-
ginem e se alimentem da imaginação pessoal, elas podem ser
percebidas apenas através de mídias que transfiguram images em
imagens e vice-versa. A distinção entre image e meio “está enrai-
zada na própria experiência do nosso corpo. As images da me-
mória e a imaginação são produzidas no próprio corpo; o corpo
é o meio vivo através do qual elas são experienciadas (Belting,
2011, p. 11, tradução minha). Como portadores materiais, os
meios dão um corpo (Belting usa o termo Verkörperung) às im-
ages que, por sua vez, são incorporadas por e, ao mesmo tempo,
formam seus observadores e moldam seus habitus. Nesse sen-
tido, a incorporação de images mediadas fixas na imaginação
pessoal faz parte do processo que chamo de “formação estética”
(Meyer, 2009b) [capítulo 1 deste livro].
As mídias, nesse sentido amplo, referem-se a todos os ins-
trumentos histórica e culturalmente situados - como pinturas,
esculturas, fotografias, filmes ou websites - que tornam uma im-
age visível e tangível sob as condições de suas potencialidades e
propriedades tecnológicas particulares. Images requerem mídias
para que assumam uma presença física como imagens. Além
disso, essa também é a condição sob a qual elas podem ser com-
partilhadas. Em jogo aqui está a compreensão de imagens como
interfaces entre o mental e o material, assim como entre o pes-
soal e o social. Nesse sentido, as imagens originam e otimizam
a maneira como e o que as pessoas imaginam em um mundo
específico de experiência vivida. Gostaria de enfatizar que essa é
uma questão de poder. Imagens autorizadas que são examinadas
e abordadas no contexto de práticas políticas e estéticas estabele-
cidas são centrais para a criação e manutenção de imaginações e

14
N.E. Optamos por traduzir “picture” como imagem e por manter “image” em sua
grafia inglesa. Outras soluções para expressar a distinção explicada pela autora nos
pareceram insatisfatórias.

222
imaginários compartilhados. Por outro lado, novas imagens têm
o potencial de perturbar essas imaginações e imaginários com-
partilhados e de se tornarem precursoras de novas perspectivas,
regimes visuais e modos de ser.
Belting ressalta que as imagens são caracterizadas por uma
ambiguidade fundamental que revolve em torno de uma lacuna
entre o que elas representam e os códigos audiovisuais mobi-
lizados por conta da representação, entre ausência e presença.
Em outras palavras, a imagem é um mediador que, em virtude
de suas potencialidades tecnológicos, torna presente uma image.
Preencher essa lacuna – que está no centro da mediação – é um
processo intricado, pois:
[A] presença da image [como percebida por observadores] (...)
implica um engano, pois a image não está presente da mesma
forma que o seu meio de representação está presente. É preciso o
ato da animação pelo qual a nossa imaginação extrai a presença
da imagem de seu meio. No processo, o meio opaco torna-se o
canal transparente para a sua image. Assim, a ambiguidade da
presença e da ausência estende-se até ao meio em que a image
nasceu, pois, na realidade, não é o meio, mas o espectador que
gera a image dentro de si mesmo. (Belting, 2011, p. 20, tradução
minha, ênfase acrescentada).

Notável na citação de Belting é que a image “necessita


de um ato de animação” para que sua presença seja percebi-
da, fazendo com que os espectadores olhem – ou até mesmo
negligenciem – o meio. Ver não é simplesmente olhar o que
vai de encontro aos olhos, mas sim um ato participativo incor-
porado em que o observador, através de um ato de animação,
participa para tornar algo visível e presente. Tomar a animação
como um aspecto básico da percepção de imagens, contudo, é
apenas um primeiro passo. A percepção não pode ser reduzi-
da a uma mera faculdade biológica individual através da qual
a image invisível é extraída da imagem visível. Ela é organiza-
da por meios ou mídias cultural e historicamente situados. Na

223
versão alemã de seu livro, Belting circunscreve adequadamen-
te as mídias como Wahrnehmungsformen, um termo difícil de
traduzir (e, por essa razão, pode não ter chegado ao texto em
inglês) e que poderia ser definido como “formas de percepção”
ou, na verdade, como “formas sensoriais”.
Formas sensoriais autorizadas, incluindo os meios ima-
géticos, afinam e organizam a percepção de uma determinada
forma, de acordo com as sensibilidades prevalecentes e com as
modalidades político-estéticas de sensação. Os meios ou mídias
imagéticos arrojam e sustentam modos religiosos de figuração e
as práticas corporificadas de ver, o que torna o invisível visível
de uma forma ou outra. Eles moldam o que e como as pessoas
veem, envolvendo-as em atos de animação sem os quais nada se-
ria visto. Dessa forma, o estudo de imagens (estáticas e em mo-
vimento) pode, por sua vez, servir como um ponto de entrada
para modos religiosos de elaborar imagens e visões do invisível
e, mais amplamente, para a dinâmica da construção do mundo.

O que as imagens mostram e como as pessoas as veem: a


cultura visual cristã no Sul de Gana

As imagens são como nós nos mundos da experiência vivida


e de seus regimes audiovisuais específicos que organizam e oti-
mizam, bem como ressoam com a imaginação pessoal e os ima-
ginários coletivos. Negligenciar os meios imagéticos no estudo
da religião implica abrir mão de seus insights potenciais. No en-
tanto, o que as imagens mostram (e ocultam) é frequentemente
tomado como algo óbvio por quem está inserido naquele con-
texto e não-óbvio para quem está fora dele. Então, para repetir a
pergunta de Kippenberg: “Como descrever a forma como outras
pessoas veem suas imagens?” Dirigindo minha pesquisa para o
cristianismo e a mídia audiovisual no Sul de Gana, a seguir ex-
plicito como tratei dessa questão. Meu objetivo principal não é
apresentar uma extensa etnografia per se (para isso, ver Meyer,

224
2004a; 2010a; 2015a), mas sim destacar os aspectos teóricos e
metodológicos de minha pesquisa, que considero importantes
para o estudo da cultura visual de um modo mais geral.
Começo sublinhando que levou algum tempo para eu per-
ceber a importância dos meios imagéticos, dos regimes visuais e
da visão. Ao estudar o cristianismo em Gana em uma perspec-
tiva de longo prazo – desde os primeiros encontros entre popu-
lações locais e missionários protestantes, em meados do século
XIX, que resultaram no estabelecimento de missões locais entre
o povo Ewe, até a atual popularidade das igrejas carismático-
-pentecostais (Meyer, 1999) – explorei a formação de modos
africanos de interpretar e interagir com o cristianismo (no senti-
do do que chamei de “africanização desde baixo”). Ao privilegiar
o estudo de textos e os processos de tradução e vernaculariza-
ção, dei inicialmente pouca atenção às formas como a conversão
ao cristianismo implicava em novos modos de ver e impactar
o conjunto dos sentidos. É claro que eu notei que os próprios
protestantes missionários eram desdenhosos em relação a es-
culturas e a figuras utilizadas pelo povo Ewe no encontro com
seus deuses — pensando bem, hoje eu os percebo como mídias
imagéticas poderosas que efetuam a presença de espíritos entre
os seres humanos. Tipicamente, essas mídias eram desprezadas
como “fetiches” e “ídolos”. Na mesma linha, a representação de
santos católicos e de relíquias eram também rejeitadas como ar-
tefatos que distraíam e eram potencialmente perigosos. Ao mes-
mo tempo, alguns desses objetos foram introduzidos na esfera
dos museus (etnológicos), onde eles passaram a representar a
religião primitiva. A atitude em relação a elementos como esses,
o que obviamente se enquadra na categoria “objetificação equi-
vocada”, pode ser adequadamente caracterizada nos termos da
noção de Latour (2002) sobre o “iconoclash”: combatidos e des-
prezados, eles foram investidos de poder em vez de serem neu-
tralizados e tornados irrelevantes. Além disso, continuaram a
desempenhar um papel negativo no imaginário cristão. Foi gra-
ças a minha pesquisa sobre o pentecostalismo, com suas formas

225
expressivas de culto, que que eu passei a perceber a importância
do conjunto dos sentidos, de modo geral, e da visão, em parti-
cular. Antes de tudo, isso me instigou a cunhar o conceito de
forma sensorial. Nos cultos pentecostais, havia uma referência
constante à superioridade da visão cristã, compreendida como
a capacidade de olhar para o que não pode ser visto a olho nu,
diretamente no reino espiritual que é o local de batalha entre
os demoníacos “poderes das trevas” e o Deus cristão. Então eu
percebi a importância que os seguidores atribuíam a uma visão
superior, isto é, a um olhar extraordinário circunscrito como
o Espírito do Discernimento que era associado às experiências
de ver em sonhos e em situações de semiconsciência durante o
dia. Além disso, a habilidade de identificar e descrever, de forma
altamente figurativa, as maquinações de espíritos demoníacos
em testemunhos e sermões era tomada como evidência do poder
espiritual de uma pessoa. Muito do que importa no mundo, fui
levada a compreender, estava oculto e precisava ser revelado, daí
a necessidade de uma visão superior para enxergar em profundi-
dade e para estar alerta o tempo todo.

Abridores de olhos

Para transmitir uma noção do regime visual cristão encon-


trado no Sul de Gana, introduzirei três artefatos imagéticos que
para mim atuaram como abridores de olhos. Permitindo uma
espécie de comentário meta-reflexivo sobre um regime visual
comumente entendido de uma única forma e pouco discutido,
meu encontro com esses artefatos teve uma função reveladora
para a pesquisa. Isso se deve mais ao acaso do que à metodolo-
gia. É apenas retrospectivamente que percebo o potencial das
mídias imagéticas para se apresentar como mensageiros inespe-
rados de insights sobre como as pessoas veem.

226
Primeiramente, chamo atenção para uma escultura parcial-
mente danificada feita de argamassa (Figura 1)15 pintada na cor
damasco e com oito olhos mais ou menos grandes, contendo
uma inscrição que se distribui por todo o objeto: “Os olhos so-
brenaturais de Deus-Pai /Veem todas as coisas /Então devemos
ser extremamente cuidadosos/Quando você for para o fundo do
mar, os grandes olhos terão visto você/Tenho medo dos olhos de
Deus/Se você se esconder sob uma escultura de pedra, Deus terá
visto você/Deus viu você, tenha cuidado”. A peça foi feita pelo
pintor Kwame Akoto, cujo pseudônimo é “Todo-Poderoso”
(nome que ele escolheu para expressar sua conexão com Deus
após ter se convertido). Ele é dono de uma oficina que fica na
beira de uma estrada em Juame Junction, Kumasi, onde a peça
foi comprada em maio de 2010. O objeto intrigou-me por ofe-
recer uma perspectiva criativa e pessoal sobre a compreensão
amplamente compartilhada da onisciência do olho de Deus, de
cujo olhar penetrante nada e ninguém pode escapar. Daí a ne-
cessidade de termos cuidado com os lugares aonde vamos.

Ver também meu ensaio na seção de narrativas de objetos do MAVCOR: http://


15

mavcor.yale.edu/conversations/object-narratives/kwame-almighty-akoto-superna-
tural-eyes-god [Acesso em: 09/03/2015].

227
Figura 1 – Artista Kwame Akoto, vulgo Todo-Poderoso, e os Olhos Sobrenaturais de
Deus (fotografia por Birgit Meyer).

Isso é aterrorizante, mas também reconfortante, visto que


o olhar divino pode também proteger um cristão convicto de
agressões espirituais. Já havia ouvido muitas pessoas falarem so-
bre o olhar divino dessa maneira. Então, reconheci imediata-
mente o tema quando vi a escultura. Nessa peça, Todo-Poderoso
enfatiza a impossibilidade de esconder. Mesmo uma estrutura
de argamassa com suas paredes espessas não é um refúgio. De
acordo com cristãos, uma pessoa não apenas é objeto do olhar
divino, como também pode participar ativamente disso. Havia
uma preocupação constante com a necessidade de “ser vigilan-
te” e de ser capaz de “olhar profundamente” para estar atento a
atos potencialmente destrutivos e secretamente planejados pe-
los inimigos. No entendimento popular cristão, Deus oferece
àqueles que o seguem o Espírito de Discernimento, que envolve
uma capacidade particular de olhar para a dimensão espiritual

228
do mundo material, o “físico”. O “físico e o espiritual” exis-
tem para ficarem conectados, mas o quanto se pode saber so-
bre como o último afeta o primeiro depende da capacidade que
tem uma pessoa de ver.
Esse desejo de ver, além da promessa cristã de tornar pos-
sível a revelação do que escapa à visão comum, é central para a
dinâmica religiosa atual. Eu coloquei na parede do escritório de
minha casa este artefato, que é um poderoso lembrete sobre o
nexo entre visão, poder e controle no Sul de Gana.

Figura 2 – Mami Water, Just Farkira Art (fotografia por Birgit Meyer).

O segundo artefato é a imagem de uma sereia ou da figura


de Mami Water (fig. 2). Não me deparei com isso por acaso,
mas a encomendei de um artista de beira de estrada – Just Fa-
rkira – em Teshe (um subúrbio de Accra), a quem solicitei que
fizesse uma pintura de Mami Water na forma como ele a imagi-
nava, no decorrer da pesquisa em 1996. Certamente inspirado
pelo filme hollywoodiano Splash, a sereia é uma mulher bran-
ca sem camisa com uma cauda vermelha que está relaxando na
praia. O uso desse motivo para pintar Mami Water, um espírito
muito falado e que se acredita que viva no fundo do oceano,
testemunha a abertura da imaginação popular para a incorpo-

229
ração e apropriação de materiais visuais estrangeiros, já que eles
circulam através de filmes hollywoodianos e bollywoodianos.
Na época em que a pintura foi feita, nos círculos cristãos havia
uma intensa ansiedade sobre as atividades demoníacas dos espí-
ritos de Mami Water. Considerados os demônios mais atraentes
de Satã, esses espíritos existiam para seduzir as pessoas em seus
sonhos, atraindo-as para um império subaquático de luxúria e
erotismo. Colocada em minha sala de estar, a pintura deu ori-
gem a dúvidas em alguns visitantes, que gritaram com horror
quando a viram pela primeira vez. Como jovens cristãos recém
convertidos, eles ouviam o tempo todo sobre os atos perigosos
dos espíritos de Mami Water em sua igreja por meio de prega-
dores no rádio, filmes populares e rumores. Eles achavam que tal
pintura era inteiramente inadequada para ser exibida. Na visão
deles, a pintura representava Mami Water, figura que eles te-
miam que pudesse facilmente ganhar vida e prejudicar a mim e
à minha família. Além disso, para eles, ela não era um inocente
objeto de arte popular, mas sim algo potencialmente demoní-
aco. Esse evento menor alertou-me para uma maneira local de
ver essa imagem de forma completamente diferente da que faço:
o que eu tomava como um agradável – e, graças à Hollywood,
bastante comum – exemplar de arte urbana, meus interlocuto-
res consideravam um objeto sinistro hospedeiro de um espírito
capaz de sair do quadro.
Vê-se claramente, aceitando a distinção de Belting entre
imagem e image, que meus interlocutores e eu “animamos” a
imagem externa de maneiras bem diferentes: enquanto a im-
age que eu fiz da pintura era uma representação da sereia de
Splash, eles viram um demônio em potencial. Isso mostra que o
processo de animação que ocorre entre a visão de uma imagem
física e a sua reprodução em forma de image mental é moldado
por modos culturalmente específicos de ver. No caso de meus
interlocutores, ocorreu uma animação de segundo nível, através
da qual a imagem foi percebida como demoníaca – e, portanto,
como uma representação de um espírito normalmente invisível

230
e real que, no entanto, poderia tornar-se presente em virtude de
ser retratado. O melhor a se fazer era fechar os olhos e orar, de
modo a evitar que tal imagem pudesse entrar na imaginação e se
tornar uma fonte de aflição interna.
Isso aconteceu comigo muitas vezes. Até mesmo as imagens
de Jesus não foram tratadas sem suspeitas, pois considerava-se
que elas poderiam facilmente funcionar como uma espécie de
máscara por trás da qual um espírito perigoso trabalharia secre-
tamente, muitas vezes fazendo uso dos olhos do ser retratado
(Meyer, 2010a [Capítulo 3 deste livro]). E também no set de
filmagem de filmes populares, onde os atores frequentemen-
te ficavam preocupados com o potencial perigo decorrente da
criação de falsos santuários e do uso de figurinos de demônio
e monstros para uma filmagem. Como solução para anular os
potenciais efeitos destrutivos, eles oravam intensamente. É claro
que essa postura é uma reminiscência da atitude de combate
- mas, ao mesmo tempo, de encantamento - em relação a arte-
fatos concebidos como “ídolos” e “fetiches”. Aqui, uma pintura
ou objeto funciona como um meio perigoso e demoníaco que
torna presente em virtude de sua representação uma força espi-
ritual normalmente invisível. Retratar e exibir um ser normal-
mente invisível – seja um espírito maligno, seja uma efígie de
Jesus – é algo potencialmente arriscado, um exemplo de uma
imagem que olha e reage. Ponderar sobre isso me fez perceber o
poder atribuído às imagens que retratavam espíritos invisíveis;
exatamente porque tais imagens eram consideradas capazes de
materializarem o que representam, diante delas era necessária
uma atitude cuidadosa, que tanto podia ser desviar o olhar como
também recusar exibi-la, invocando por meio orações uma pro-
teção que pudesse neutralizar a ação de uma imagem sobre seus
observadores. Ver certas imagens poderia ser perigoso.
O terceiro artefato (Figura 3) é um pôster que faz parte da
coleção de pôsteres pintados à mão de filmes de Hollywood,
Nigeria (Nollywood) e de filmes ganeses do colecionador holan-

231
dês Mandy Elsas, que comprou uma grande quantidade deles.
Exibindo cenas espetaculares – muitas vezes envolvendo efeitos
especiais – os pôsteres são desenhados para persuadir as pessoas
a assistirem os filmes. Ao fazê-lo, eles oferecem pistas sobre as
expectativas do público. Considere, por exemplo, o pôster usado
para anunciar o filme Babina (parte 2, produção Aak-Kan, 2003).

Figura 3 – Pôster do filme Babina (coleção de Mandy Elsas).

232
Pintado em um saco de farinha de trigo, o pôster (feito por
“Mr Brow Art”) destaca as características centrais do filme, cujo
enredo enfoca uma mulher malvada que aterrorizou seu marido
e seu entorno com seu olhar terrível, provocando transtorno,
doença e morte. O pôster foi para mim a via para um profundo
insight sobre o perigo do olhar. Há uma sacerdotisa nativa com
um segundo par de olhos vermelhos mostrando sua capacidade
de olhar para o reino espiritual e fazer o mal. O vermelho indica
o perigo e os fluxos vermelhos que saem de seus olhos também
representam o poder visual malvado de Babina. Além disso, no
centro do pôster há um pastor segurando uma bíblia em sua
mão direita e uma cruz na mão esquerda, de onde emanam as
ondas de poder que atacam Babina. O uso de fluxos coloridos
que emanam de olhos e o uso de objetos poderosos é funda-
mental para a linguagem visual empregada na representação do
poder espiritual em pôsters de filmes, assim como nos efeitos es-
peciais dos filmes. O olhar é um potente mensageiro do mal que
deve ser combatido com artefatos – como a Bíblia ou a cruz –
que representam e se espera que presentifiquem o poder divino.
Em conjunto, esses artefatos capturam os principais aspec-
tos do regime visual cristão em operação. Ponderando o que
eles revelam sobre como as pessoas veem, é possível identificar
três cadeias interligadas, cada uma com uma estrutura dualista:
o desejo de uma visão superior para ver o domínio espiritual e
a consciência de ser visto (por Deus e por espíritos indígenas,
recodificados pelos cristãos como demoníacos); a distinção entre
um olhar positivo e protetor e um olhar negativo e destrutivo;
a urgência de olhar profundamente aquilo que permanece invi-
sível e proibido a olho nu e o medo de que as imagens de seres
espirituais se tornem animadas e atuem sobre seus fiéis.

233
Os filmes e o “olho espiritual”

A busca pela visão também sustentou a popularidade do


sucesso de filmes de Gana. Dirigida por empresários culturais
independentes e sem formação em cinema, a indústria cinema-
tográfica começou a prosperar desde a democratização e a neoli-
beralização no início dos anos 1990 graças à desregulamentação
de meios de comunicação que até então eram controladas pelo
Estado. Dependentes da aceitação do público pagante, os pro-
dutores de filmes seguiram e audiovisualizaram os imaginários
compartilhados que ressoavam o apelo do cristianismo popular,
com seu dualismo entre Deus e Satanás, assim como na sua bus-
ca por um modo de vida moderno. Fui incitada a estudar essa
indústria de vídeo-cinema porque fiquei impressionada com as
semelhanças entre narrativas orais sobre a operação de Satanás e
dos demônios que circulavam como testemunhos, sermões e ru-
mores, e os enredos de filmes com sua exuberante pictorialização
do oculto. Inicialmente, minha abordagem dos filmes era textu-
al, concentrando-me principalmente nas narrativas transmitidas.
Gradualmente percebi que o aspecto dos filmes de maior apelo
não eram as histórias em si, mas o fato de oferecerem um ponto
de vista que estava em ressonância com aquilo que era oferecido
pelos pregadores cristãos. Conhecer esse ponto de vista foi fun-
damental para entender como “as pessoas veem suas imagens”.
Quais imagens que mostram o invisível – aquelas usadas
para a devoção pessoal e para invocar a presença transcendente
de Deus ou aquelas que descrevem demônios terríveis e aterrori-
zantes – são boas e como elas devem ser apreendidas e emprega-
das? Eis questões de um debate intenso no Sul de Gana (Meyer,
2010a [Capítulo 3 deste livro]), alimentado pelos filmes. Incor-
porados na cultura visual predominante, esses filmes parecem
para uma outsider como eu, como se fossem telas de projeção da
operação da imaginação popular, que está fortemente marcada
pelo cristianismo. Por conta da minha pesquisa, durante a qual
assisti inúmeros filmes com público em vários locais (incluindo

234
cinemas, salas de vídeo e aparelhos de televisão nas casas das
pessoas), fui alertada sobre as formas específicas pelas quais as
pessoas se envolveram com o que testemunharam na tela: um
empreendimento lúdico, visceral e interativo. Os filmes ofere-
cem narrativas sobre a luta das pessoas para classificar o com-
portamento moral em um mundo de tentações e seduções que
elas imaginam que poderia desviá-las. Espera-se que um bom
filme atue como um dispositivo pedagógico, adequado para que
o público “tire algo disso”. Não quero propor uma análise de
conteúdo do que as pessoas gostam de assistir, mas concentrar-
-me em como elas assistem e o que o cinema oferece a elas em
termos de visão.
Enquanto imagens de forças invisíveis são propensas a ge-
rar suspeitas, o filme é comparado a um modo superior do olhar
que pode revelar o que acontece no reino espiritual (ver também
Behrend, 2013, p. 238). Muitas vezes me disseram que Deus e
Satanás fazem um “filme” sobre a vida de uma pessoa, registrando
tudo o que ele ou ela fez. Importante destacar que a visão cristã
está em uma oposição dualista aos cultos nativos, mas também
está ligada às práticas tradicionais de adivinhação. Por exemplo,
considera-se que os sacerdotes com seu conhecido “segundo par
de olhos” ou “terceiro olho” veem o que de outra forma é invi-
sível na superfície da água em uma cabaça. As representações da
cabaça como uma espécie de espelho ou câmera (semelhante-
mente a uma bola de cristal) podem ser encontradas em várias
mídias, incluindo narrativas, cartazes e, claro, filmes. Muitas ve-
zes, os enredos dos filmes são estruturados como uma luta entre
dois tipos de poder de visão, em que a visão divina é análoga à
visão tradicional, mas, ao final, mostra-se superior. Essa supe-
rioridade envolve dois passos: trazer o que permanece escondido
no reino espiritual à luz da visão cristã, fazendo aparecer o invi-
sível e, em seguida, derrotá-lo em uma batalha espiritual.
Como mostro amplamente no meu trabalho etnográfico,
muitos filmes são estruturados como revelações que oferecem

235
um vislumbre voyeurista das maquinações espirituais dos pode-
res demoníacos, incluindo bruxas, espíritos Mami Water, deuses
locais e a magia empregada pelos sacerdotes nativos. Percebi que
um filme é considerado atraente se ele persuasivamente oferece
um tipo superior de visão que permite que o público veja com
mais clareza. Através de técnicas de montagem que sugerem uma
ponte entre o “físico” e o “espiritual”, o público é convidado a
olhar embaixo do que está superficial, indo profundamente na
mente das pessoas e em suas interações secretas com os espíritos.
Em momentos cruciais, a câmera convida o público a participar
de forma mimética do “olho de Deus” que vê tudo, para quem
nada está escondido (veja também Pype, 2012, p.118). Confor-
me observado, a possibilidade de participar dessa visão divina
envolve tanto tornar-se objeto de supervisão e controle divinos
quanto receber o dom do “olho espiritual”. Na verdade, ouvi
muitas vezes que um bom filme não só ofereceria uma mensa-
gem moral viável, mas também representaria o que se imaginava
que acontecia atrás da aparência – no domínio espiritual e na
mente das pessoas – de maneira realista: os filmes revelam o que
é real “espiritualmente”.
Os filmes são dispositivos audiovisuais modernos que fo-
ram incorporados de forma notável em um regime visual cristão
anterior, que ainda está simbioticamente enredado com o que,
do ponto de vista cristão, são demônios “pagãos” investidos de
poder visual satânico, mas que também prevê superá-lo: uma
questão de analogia e diferença. Levou algum tempo até que se
percebesse que os próprios filmes podem ser analisados como
uma espécie de “atores” que projetam a imaginação normalmen-
te interna em uma tela grande. Externalizando images mentais
na imaginação popular pessoal e compartilhada, os filmes repro-
duzem como imagens visíveis o que se imagina que aconteça no
domínio espiritual. Oferecendo imagens em movimento do in-
visível, os filmes mediam – e assim expressam e moldam – a ima-
ginação religiosa. Embora à primeira vista possa se pensar que os
filmes dependem de uma tecnologia audiovisual estrangeira que

236
seria um mundo além das formas de visão cristãs (e também tra-
dicionais) já estabelecidas, minha pesquisa deixou claro que essa
tecnologia poderia ser facilmente apropriada. Longe de aderir
a uma lógica própria, essa tecnologia poderia ser usada efetiva-
mente na produção de imagens de um domínio espiritual sobre
o qual havia muito debate, mas que não podia ser visualizado
como tal. Nesse sentido, filmes que usam o formato de revelação
foram realizados para provar a realidade do invisível.

Perspectiva

Uma compreensão da religião como uma prática de me-


diação que envolve múltiplas mídias abre uma infinidade de
acervos, incluindo-se textos, coisas, sons e imagens que exigem
consulta e escrutínio em nossas pesquisas. Não advogo pela res-
trição do estudo da religião às mídias imagéticas, e muito menos
por um foco único na visão e no olhar em detrimento dos de-
mais sentidos. O ponto é que a mudança para a cultura visual é
instrutiva tanto empírica quanto teoricamente, porque a ambi-
guidade da presença e da ausência que Hans Belting encontrou
consagrada na relação imagem-image simboliza uma dimensão
fundamental da religião como um mediador de ausência que
efetua algum tipo de presença espiritual. Tornando o invisível
visível e tangível, de maneira que pode ser experimentado como
reconfortante ou assustador por seus espectadores, as imagens
religiosas não representam apenas um significado ausente, mas
também operam como formas simbólicas que mediam o signi-
ficado e, assim, constituem a realidade. Portanto, um foco de-
talhado sobre as práticas político-estéticas através das quais as
imagens são elaboradas, usadas e experimentadas como sendo
mais do que simples representações suscita questões conceitu-
ais intrigantes sobre a fabricação de uma sensação de exceden-
te sagrado, de algo material e ainda assim inapreensível. Essa
gênese de presença é o que me fascina no estudo da religião

237
(Meyer, 2012 [Capítulo 4 deste livro]) e o estudo da cultu-
ra visual é um foco produtivo para mostrar como essa gêne-
se ocorre passo a passo.
Como procurei mostrar com o exemplo da minha pesquisa
sobre os nexos do cristianismo com a cultura visual no sul de
Gana, as imagens apelam aos espectadores de maneira diferente,
mais direta e visceral do que os textos fazem com seus leitores.
As imagens operam no contexto de regimes visuais (muitas ve-
zes divergentes, mas parcialmente sobrepostos) que organizam
como e o que as pessoas veem, sentem e o valor que atribuem a
elas. Analisar uma imagem leva além da sua fisicalidade bruta,
envolvendo a sua dimensão invisível. Isso diz respeito à image
mental e ao imaginário mais ou menos compartilhado em que
ela media, mas também ao regime visual autorizado e formas
particulares de ver e não ver. Na medida em que as imagens
mediam e condensam um mundo de experiências vividas, é de
fundamental importância desenvolver abordagens e métodos na
interface da cultura visual e dos religious studies que nos ajudem
a entender como outros tratam e veem suas imagens e o que suas
imagens “fazem” para eles. Ao mesmo tempo, como foi aponta-
do, é importante estar atento a abridores de olhos inesperados
que dão um vislumbre de ideias sobre a visão que normalmente
são naturalizadas e sobre o status das imagens que podem ser
desdobradas em pesquisas futuras.
Com imagens que circulam em escala global, envolvendo
dinâmicas de remediatização e reciclagem, e grupos religiosos
incorporando cada vez mais todo o tipo de formas audiovisuais
em suas práticas de mediação, a cultura visual se apresenta como
um foco urgente para a pesquisa. Este é um campo próspero.
Enquanto a velocidade com que as imagens são reproduzidas é
deslumbrante, seria um equívoco ver esse processo como total-
mente novo. Por um lado, é intrigante notar a fácil apropriação
das novas tecnologias de mídia em práticas estabelecidas de me-
diação religiosa, como no exemplo de Gana com os filmes de

238
vídeo no formato revelação. Isso nos adverte contra um mero
entendimento tecnofílico de que novas mídias audiovisuais im-
plicariam uma perda da aura. Mais interessante é a questão de
como as novas mídias envolvidas nos processos de remediati-
zação e reciclagem instituem um excedente sagrado.Por outro
lado, é importante notar que muitas das imagens reproduzidas
através de novas tecnologias podem ser rastreadas em acervos
religiosos mais antigos. Por exemplo, o Sagrado Coração de Jesus,
de Pompeo Batoni (Morgan, 2012b, p.111-136; Napolitano,
2007; Woets), a Última Ceia, de Da Vinci, a Transfiguração de
Cristo, de Rafael (Butticci, 2013) e a litografia dos Dois Camin-
hos (Meyer, 1999, p. 31-35) alcançaram status de “ícones glo-
bais” que sinalizam uma “vida após a morte” (no sentido de
Warburg) da arte cristã do Renascimento e Barroco em nosso
tempo (Haustein, 2008). Da mesma forma, as imagens medie-
vais do oculto – incluindo bruxas e demônios – são recicladas
sem parar em vários formatos. Ao mesmo tempo, os termos
que se referem a relações específicas entre objetos-humanos e
imagens-humanos, como “fetiche” ou a noção mais positiva do
“ícone”, ainda informam atitudes acadêmicas e de senso comum
em relação às imagens. Em face da multiplicidade de motivos
imagéticos, reciclados através de mídias sempre novas, e de ati-
tudes resilientes em relação às imagens, os pesquisadores dos
estudos da religião e da cultura visual estão diante da enorme
tarefa de traçar os processos de circulação e de remediatização de
materiais. Por exemplo, desde banco de símbolos cristão e das
contestações surgidas das categorizações de objetificação “equi-
vocada” e “válida”, para vários contextos locais onde são nego-
ciados e postos para significar de maneiras específicas. Espero
que este texto contribua com o estabelecimento de uma base
comum para esse empreendimento.

239
Como capturar o “uau!”: a noção de encanto de
R. R. Marett e o estudo da religião1

Nesse início do século XXI, a religião parece ser muito mais


proeminente e resiliente do que imaginavam os teóricos que en-
tendiam a modernidade em termos de uma crescente racionali-
zação e secularização. Presentemente, temos como ponto pacífi-
co que a religião não tende a desaparecer, mas a se transformar
constantemente de formas variadas e complexas. Uma tendência
que tem chamado minha atenção nos últimos anos – sem dúvi-
da desencadeada pela minha pesquisa sobre os pentecostais em
Gana com sua marcada expressividade religiosa (por exemplo,
Meyer 2006a; 2010b) – é a grande ênfase dada à religião como
uma experiência extraordinária, que mobiliza o corpo, aguça os
sentidos e gera emoções. Obviamente, essa preocupação com
sensações e emoções como indicativas de autenticidade e de
desejo por experiências profundas e especiais aparece mais am-
plamente nas sociedades ocidentais contemporâneas – mas não
apenas. Nas esferas da religião, da política, da cultura popular e
da propaganda, o corpo é percebido/definido como um terreno
sólido de existência e um potencial prenúncio do sublime, pro-

1
Nota dos editores. Este artigo foi publicado originalmente em 2016 no Journal
of the Royal Anthropological Institute, com o título How to capture the 'Wow':
R. R. Marett's Notion of Awe and the Study of Religion. “Encanto” foi o termo que
escolhemos para corresponder a “awe”. Trata-se de palavra de difícil tradução para o
português, pois possui uma rica polissemia e pode mesmo condensar sentidos que
são opostos: reverência, respeito, temor, espanto, admiração, enlevo. Uma com-
posição com algumas dessas palavras não nos pareceu a melhor alternativa, dada
a quantidade de ocorrências de “awe” no texto. Optamos por “encanto” pois esse
termo capta a principal característica do uso do termo original neste escrito, ou seja,
o envolvimento e o impacto da experiência sobre uma pessoa. Resolvemos ainda,
no caso de “wow”, adotar o que seria a interjeição correspondente em português,
“uau!”. Tradução de Mathew Grechi e Maiara de Carli, sob a supervisão e a revisão
de tradução da Prof.ª Dr.ª Elizamari Rodrigues Becker (UFRGS).
penso a experimentar efeitos como o “uau!” e uma sensação de
admiração e encanto. Termos como “encanto”, “encantamento”
e “sublime” [“awe”, “awesome”, and “sublime”] – uma vez in-
troduzidos no jogo de palavras dos estudos religiosos e filosófi-
cos – tornaram-se expressões corriqueiras que identificam uma
incrível associação entre banalização e sacralização na conjura-
ção de um “excedente sagrado” (Chidester 2008b, p. 94; 2012,
p. 43-5; veja também Taussig 1999, p. 3). Como, na condição
de antropólogos da religião, devemos abordar tais fenômenos?
Em outras palavras, como desenvolver uma abordagem que nos
permita “capturar o ‘uau!’”, sem tomar como certa a existência
da deidade ou do “sobrenatural” a quem a sensação de “uau!” se
refere ou sem descartá-la como uma ilusão irracional? Essa é a
questão central deste texto2.
Nas últimas duas décadas, estudiosos da antropologia da
religião e do estudo de religião em geral vêm discutindo critica-
mente as genealogias dos termos e conceitos que geraram inda-
gações em suas disciplinas, expondo um viés da ideologia pro-
testante, problemático e ideal-típico. Uma maior sensibilidade
às distorções provocadas por conceitos acadêmicos contribuiu
para a tendência atual da antropologia da religião em estudar as
tradições religiosas em seus próprios termos e “desde dentro”.

2
Agradeço aos meus anfitriões no Exeter College pelo convite para apresentar a Con-
ferênca Marett e por sua esplêndida hospitalidade. Preparar a palestra e o artigo me
proporcionou a grata oportunidade de revisitar o trabalho de Marett no contexto
de debates mais amplos, tanto do passado quanto do presente, sobre a evocação de
emoções e experiências religiosas. Uma versão anterior foi discutida no animado
colóquio do Departamento de Estudos de Religião na Universidade de Utrecht.
Pelo estímulo e substanciais comentários em versões anteriores deste texto e encora-
jamento geral, eu agradeço a Christoph Baumgartner, Markus Balkenhol, Matthew
Engelke, Johannes Fabian, Peter Geschiere, Brian Goldstone, Mattijs van de Port,
Bruno Reinhardt, Terje Stordalen, Bonno Thoden van Velzen e – pelo seu suporte
ao longo de todo o projeto de escrita – Jojada Verrips, bem como a Matei Candea e
a dois revisores anônimos do JRAI (Nota de Tradução: Journal of the Royal Anthro-
pological Institute, onde este artigo foi originalmente publicado). A pesquisa na qual
este artigo foi baseado aconteceu no contexto dos projetos do HERA “Criatividade
e Inovação em um Mundo em Movimento” e “Religião Icônica”.

242
Guardadas as devidas diferenças, a preocupação em se “levar a
religião a sério” é compartilhada entre os estudos identificados
com as antropologias do Islã (estimuladas pelo trabalho de Talal
Asad – por exemplo, 1993; 2009) e do cristianismo (como o tra-
balho de Joel Robbins [por exemplo, 2003; 2014]) com foco em
tradições éticas e sistemas de valores, assim também com as pes-
quisas que se associam com a virada ontológica e privilegiam os
modos de estar no mundo. Reconheço o potencial crítico desses
empreendimentos assumidamente diversos na avaliação das po-
sições eurocêntricas e secularistas em relação à religião com foco
nos fiéis mais envolvidos, em uma visão do Islã e do cristianismo
como tradições vivas, ou preocupadas com modos de estar no
mundo. Contudo, o “levar a religião a sério” tem suas próprias
limitações, como a perda de um ponto de vista “desde fora”, que
é, a meu ver, ainda indispensável para a análise acadêmica crítica
(como argumentei em Meyer, 2015a: cap. 5). As implicações de
tal perda são significativas, sobretudo no tocante à “antropolo-
gia da ontologia” (Scott, 2013),3 que não só produz trabalhos
instigantes na antropologia da religião (por exemplo, Espirito
Santo; Tassi, 2013; Goslinga, 2012; veja também Meyer, 2015a,
p. 193-195), mas também parece reformular a antropologia em
termos religiosos. Penso que a tendência atual de refúgio em um
estudo fortemente orientado pela dimensão ontológica para a
compreensão dos modos específicos de relação com espíritos,
deuses e entidades sobrenaturais é, em última instância, impro-
dutiva. O ponto de partida deste artigo é que é chegada a hora
de darmos um passo adiante em direção a uma abordagem da
religião que seja capaz de explorar uma tradição religiosa ou
modo de estar no mundo, mas que também ofereça um ponto
de vista para dizer algo sobre isso.

3
Como Michael Scott argumenta em uma recente visão panorâmica, as várias abor-
dagens que surgiram no bojo da assim chamada “virada ontológica” mostram um
número de “afinidades muitas vezes não reconhecidas” que garantem a sua circuns-
crição como “antropologia da ontologia” (2013, p. 859).

243
Existe a necessidade de uma reconfiguração crítica do es-
tudo da religião e de seu modo de produzir conhecimento em
geral a partir de vários ângulos disciplinares, incluindo-se o da
antropologia (Meyer, 2012 [Capítulo 4 deste livro]). Ao fazê-lo,
é necessário avançar um pouco mais além do que o fez a crítica
das genealogias convencionais, que tem moldado as indagações
disciplinares por tanto tempo. A ideia orientadora apresentada
neste artigo é que precisamos de uma arqueologia mais abran-
gente da produção de conhecimento no campo da religião (ver
Brunotte, 2013), que preste a devida atenção aos pensadores e
conceitos que foram deixados de lado e mais ou menos esqueci-
dos, mas que ainda podem ter algo importante para oferecer em
termos de resposta às indagações atuais.
Robert Ranulph Marett (1866-1943) é um desses estudio-
sos e, como argumentarei neste artigo, seu conceito de “encan-
to” é um ponto de partida produtivo para qualquer tentativa
acadêmica de “capturar o ‘Uau!’”. Para meu próprio trabalho,
Marett tem sido uma fonte de inspiração; a noção de “forma
sensorial”, desenvolvida por mim como um conceito heurísti-
co para explorar como os regimes religiosos oferecem modos
e meios autorizados para experimentar o divino e desenvolver
uma sensação de presença extraordinária, é devedora de sua no-
ção de encanto (Meyer, 2006a, p. 9-10).
No entanto, minha visão sobre Marett havia permanecido
bastante implícita até agora. O convite para proferir a Confe-
rência Marett de 2014, sobre a qual este texto se baseia, ofe-
receu-me uma oportunidade para me envolver, de forma mais
explícita, com seu trabalho. Mesmo que haja uma palestra anual
em seu nome, organizada pelo Exeter College, Oxford, onde
atuou como reitor por longo tempo, a pessoa e o trabalho de
Marett parecem ser mal conhecidos pelos estudiosos contempo-
râneos da antropologia. Essa negligência é um sintoma de um
regime particular de conhecimento que marginalizou sua figura
e seus trabalhos sobre religião e sociedade.

244
Caracterizando Marett como “certamente uma das figuras
mais subestimadas da história da antropologia britânica moder-
na” (Stocking, 1984, p. 109), George Stocking Jr. destacou seu
papel como um “mediador” entre as tradições acadêmicas fran-
cesa e inglesa, tendo apresentado na Grã-Bretanha o trabalho de
Durkheim para antropólogos e estudiosos da religião, incluin-
do Jane Harrison (ver também Brunotte, 2013, p. 86-87). No
início do século XX, Marett foi um estudioso muito comenta-
do; mas o interesse em seu trabalho diminuiu após a Primeira
Guerra Mundial. Já na década de 1950, sua obra era cada vez
mais vista como antiquada; pelo menos no campo da antropo-
logia, poucos foram os estudiosos que mostraram um real inte-
resse em seus escritos. Ele é considerado uma figura marginal, o
sucessor de E.B. Tylor e o antecessor de A. R. Radcliffe-Brown,
com quem a antropologia realmente decolou em Oxford. Em
uma citação famosa, E. E. Evans-Pritchard o indicou como um
“filósofo clássico e genial” que disse coisas “divertidas” e que
tinham “um quê de verdade”; ele viu Marett como um típico
estudioso para quem “a compreensão da mentalidade primiti-
va dispensava o investigador de ir viver entre os selvagens, sen-
do suficiente a experiência em um gabinete de Oxford” (1965,
p. 35). Em um tom mais solidário, Raymond Firth afirmou que
Marett, cujas “contribuições parecem um pouco subvaloriza-
das hoje em dia” (1973, p. 159), tinha uma “mente científica e
engenhosa, embora um pouco desfocada e inclinada ao uso de
imagens” (1973, p. 35)4. Obviamente, para esses distintos estu-
diosos que estavam escrevendo a história da disciplina, Marett
não incorporou o que era considerado característico acerca da

4
E Firth acrescenta entre parênteses: “’Surfar em metáforas’ tem sido minha própria
imagem para alguns dos seus argumentos” (1973, p. 35). Firth considera as metá-
foras como algo ruim para argumentos, ou até mesmo para encobrir a falta deles.
O estilo de escrita e raciocínio de Marett pode, entretanto, ser menos pessoal e
idiossincrático do que as observações de Firth podem sugerir; esse estilo me parece
bastante típico do Romantismo alemão (ver também Cassirer sobre o uso da metá-
fora em Goethe, 1923, p. 15).

245
antropologia social britânica. Ele ainda era um acadêmico de
gabinete no momento em que seus colegas e alunos já faziam
trabalho de campo de verdade; seu estilo de escrita era excessi-
vamente rebuscado, em vez de nítido e conciso; e ele enfatiza-
va a relevância da psicologia (social), enquanto muitos dos seus
sucessores rejeitavam as abordagens psicológicas dos fenômenos
sociais, que consideravam reducionistas.
As ideias de Marett tornaram-se marginalizadas com a ca-
nonização da antropologia social como uma disciplina em que
o paradigma estrutural funcionalista ganhou proeminência. No
estudo da religião, no entanto, suas ideias tiveram uma influ-
ência mais duradoura, especialmente na escola fenomenológica
que evoluiu em torno de Rudolf Otto (1869-1937) e Gerar-
dus van der Leeuw (1890-1950). Na minha opinião, qualificar
Marett como ultrapassado não é simplesmente uma declaração
sobre o seu trabalho, mas sobretudo um sintoma de uma dada
produção de conhecimento sobre religião com suas dinâmicas
específicas de inclusão e exclusão, de lembrança e esquecimento.
Chegamos agora a um momento em que os estudos acadêmi-
cos nas ciências sociais e humanidades em geral, e o estudo da
religião em particular, estão empenhados em recuperar para a
teoria social a importância eminente do corpo, das sensações
e das emoções na construção de mundos (Reckwitz, 2012). O
corpo e a estética (por exemplo, Rancière, 2006), por um lado, e
todos os tipos de artefatos e materiais, por outro lado, tornaram-
-se objetos importantes de pesquisa acadêmica (por exemplo,
Hodder, 2012; Latour, 2005) e terreno fértil para o desenvol-
vimento dos novos estudos e conceitos dedicados à materiali-
dade (Meyer, 2012 [Capítulo 4 deste livro]; Morgan, 2010a;
Vásquez, 2011). No contexto dos debates atuais, a abordagem
de Marett sobre a religião como um “complexo orgânico de pen-
samento, emoção e comportamento” (1929, p. x) e seu conceito
de encanto ganham renovada atenção, como tentarei mostrar
neste artigo.

246
Minha própria trajetória profissional pode ajudar a explicar
o interesse em explorar o entendimento de Marett sobre reli-
gião. Formada como antropóloga e trabalhando com religião
na África, recentemente assumi uma vaga no Departamento de
Estudos Religiosos na Universidade de Utrecht. Vinculando-me
à antropologia e aos religious studies (Meyer, 2014 [Capítulo 4
deste livro]), sinto uma afinidade remota com uma figura como
Marett. Como pesquisador de direito, filosofia e estudos clássi-
cos, e envolvido com arqueologia e folclore (sobretudo quando
se tratava de sua terra natal, Jersey), Marett operou em um cam-
po difuso no qual nem a antropologia nem os religious stud-
ies haviam se cristalizado nas disciplinas que conhecemos hoje.
Posicionado no meio de grandes debates sobre a natureza da
sociedade moderna e testemunhando o nascimento das ciências
sociais modernas, Marett é um pensador muito mais interes-
sante do que sua posição marginal no cânone disciplinar atual
da antropologia pode sugerir. Ele é uma figura intrigante que
nos convida simultaneamente a explorar as trajetórias discipli-
nares da antropologia e dos estudos da religião, nas suas formas
específicas de produção do conhecimento através das quais ele
foi marginalizado, e a nos engajar com as ideias e conceitos que
caracterizam sua abordagem à luz das preocupações atuais. Com
base em uma leitura de assumida simpatia, gostaria de destacar
as ideias importantes contidas em seu trabalho. Colocadas no
contexto das críticas atuais levantadas sobre os caminhos domi-
nantes do pensamento erudito que, por sua vez, superaram o
trabalho de Marett, essas ideias são elementos convincentes da
necessidade de arqueologia da produção do conhecimento que
deve ser explorada, ao invés de ser esquecida.
Em suma, com este artigo, eu gostaria de relembrar as
ideias de Marett sobre religião, dando especial atenção à no-
ção de encanto e à sua recepção por estudiosos da religião. Meu
objetivo não é dialogar com Marett como um clássico atempo-
ral cujo trabalho pode ser transposto diretamente para o aqui
e agora. Dialogar com suas ideias e argumentos ajudará a per-

247
ceber a importância de debates atuais e indicará virtualidades
em seu trabalho que poderiam ter sido desenvolvidas, mas não
foram – e se tivessem sido, nossos debates atuais poderiam estar
acontecendo de forma diferente. Pensarei com, sobre, contra, e
além de Marett, partindo de questões e indagações atuais, como
esboçado anteriormente. Ao fazê-lo, minha principal preocu-
pação é a de desenvolver uma melhor compreensão conceitual
e metodológica do excedente – podemos chamá-lo de encanto
ou o efeito “uau!” – que é gerado na interação entre o mundo
material e as sensações corporais e explorar seu papel na política
e estética da construção religiosa do mundo.

A abordagem de Marett sobre religião

O impacto de Marett no campo dos estudos da religião tem


sido diferente do que no da antropologia, embora não seja mui-
to mencionado nem mesmo nesse primeiro campo. Em seu ver-
bete sobre Marett no volume Klassiker der Religionswissenschaft
(Michaels, 1997), Martin Riesebrodt o descreveu como um
marco importante na “transição entre o evolucionismo e o fun-
cionalismo” (1997, p. 171), cujo trabalho não desempenha ne-
nhum papel nos debates atuais porque é “irremediavelmente
desatualizado e inaceitável “(1997, p. 183), mesmo se certos
elementos das ideias de Marett – em particular aqueles em re-
lação à noção de “uau!” – possam ser sintetizados com a noção
weberiana de carisma (1997, p. 184). Enquanto Riesebrodt di-
minui Marett como um “clássico de transição” (“Klassiker des
Ubergangs”, 1997, p. 184), Hans Kippenberg, em seu trabalho
seminal Die Entdeckung der Religionsgeschichte (1997, traduzi-
do para o inglês, 2002), reconhece Marett como alguém que
provocou uma grande mudança no estudo da religião. Ele ar-
gumenta que Marett articulou um conceito novo e moderno
de religião entendido como “uma experiência amorfa de poder”
(1997, p. 181; ver também Bengtson 1979, para uma avalia-

248
ção). Como bem se sabe, a ascensão de Marett à fama começou
com sua palestra, escrita apressada e corajosamente, proferida na
reunião anual da British Anthropological Society de 1899, na
qual apresentou sua audaz tese sobre o pré-animismo. Navegan-
do entre as posições predominantes em debates sobre religião,
Marett propôs uma terceira posição:
Assim, para expor o assunto o mais amplamente possível, quer
se adote uma posição extrema de que existe um instinto religioso
específico, ou se prefira ficar com o outro extremo, de que as
religiões humanas são um subproduto de seu desenvolvimento
intelectual, devemos, em todo o caso, admitir o fato de que, em
resposta às – ou, pelo menos, em conexão com as – emoções de
encanto, maravilhamento ou coisa parecida, em que o sentimen-
to parece ter ultrapassado o poder do ‘natural’ – isto é, das ex-
plicações razoáveis –, surge na área do pensamento humano um
poderoso impulso para objetificar, e mesmo personificar, o mis-
terioso ou o ‘sobrenatural’ sentido; e, na área da vontade, surge
um impulso correspondente para torná-los inócuos, ou melhor
ainda propícios, devido à restrição, comunhão ou conciliação.
(1929, p. 10-11)

À primeira vista, pode parecer que o ponto central da crí-


tica de Marett ao esquema evolutivo de Tylor era reivindicar
a existência de um estágio anterior ao animismo, desse modo,
ainda permanecendo dentro dos limites do pensamento evolu-
cionista5. No entanto, como Kippenberg salienta, a principal
preocupação de Marett foi encontrar – de forma bastante seme-
lhante a de Durkheim, cujo trabalho ainda não conhecia quan-

5
Um pouco para a surpresa de Marett (1929, p. viii), Wundt lê suas ideias sobre
pré-animismo ou animatismo como uma introdução para outro estágio evolucio-
nário anterior ao animismo. Vendo a antropologia como “um rebento de Darwin”,
Marett certamente procurou por universais. Isso, no entanto, não implicou uma
valoração positiva da evolução em termos de progresso. Como outros acadêmicos
do início do século XX, ele descobriu que a evolução per se não poderia oferecer
uma orientação ética e filosófica consagrada na história (ver também Kippenberg,
1997, p. 184-187).

249
do escreveu sua palestra (ver Marett, 1941, p. 161) – um núcleo
humano comum em relação à religião: “Nossa natureza humana
comum, eu acredito, propicia uma possibilidade permanente de
religião” (Marett, 1929, p. xxv), ainda que implantada de formas
variadas. De certa forma, Marett ficou preso entre duas perspec-
tivas sobre religião: uma evolucionista decadente e outra uni-
versalista nascente. Embora ele tenha respondido a Tylor com
base no modelo evolucionista, sua própria preocupação não era
especular sobre as origens da religião (1929, p. xxiv-xxvii). Seu
interesse, em vez disso, era desenvolver uma abordagem prática
– uma “fórmula” que poderia servir como uma “técnica mnemô-
nica” (Marett, 1929, p. xxviii) – para analisar, a partir de uma
perspectiva comparativa, a diversidade das religiões, nas socieda-
des ditas “selvagens” e “modernas”. Ele foi cauteloso para não se
aventurar em uma definição simplista de religião e na formula-
ção de um aparato conceitual restritivo. Como, em sua opinião,
o estudo da religião ainda tinha o status de ciência em sua infân-
cia6, ele “‘a manteve solta’, como os artistas são aconselhados a
fazer quando dão a primeira pincelada em uma pintura” (1929,
p. xxx)7. Desafiando a ideia de sobrevivências como vestígios de
uma religião ultrapassada e superada pela compreensão racional,
ele insistiu que a religião estava enraizada em uma atitude ele-
mentar que se desenvolveu em torno da noção de encanto8. Isso
é o que torna seu trabalho ainda hoje instigante.
Ele desenvolveu sua teoria moderna da religião, como
Kippenberg esboça vividamente, em meio a uma crise intelec-
tual geral na virada do século XIX, na qual aumentaram as dú-
vidas sobre a capacidade do historicismo e do evolucionismo

6
De acordo com Marett, religião era “de todas as palavras, a mais complicada para
definir” (1929, p. 4).
7
E ele prosseguiu: “para mudar a metáfora, panos e roupas apertados, embora sejam
muito adequados para uma múmia, não podem senão se mostrar perniciosos para
uma ciência na infância, cheia de energia (1929, p. xxx).
8
Assim, Marett se recusou a fundamentar a religião em um mal-entendido intelectu-
al, como fez Tylor (ver também Bengston, 1979, p. 646).

250
para revelar uma trajetória de progresso com base em um padrão
definido de regras naturais que sustentariam o comportamento
moral correto e que confeririam um sentido de propósito e con-
tinuidade. O estudo da cultura – e o da religião em particular
– foi cada vez mais compreendido como um campo promissor
para a sistematização de possíveis modos de produção de sentido
em um mundo moderno no qual o significado já não era algo
dado9. Especialmente na Alemanha, o berço do idealismo, do
romantismo e do profundo fascínio pela Antiguidade Clássica, a
questão de compreender – e de ser compreendido – na socieda-
de moderna era de visível importância. Como Kippenberg res-
salta, o conceito de religião de Marett era instigante tanto para
os estudiosos quanto para o grande público porque oferecia uma
compreensão da história da religião segundo a qual o estudo do
passado não consistiria simplesmente em produzir visões sobre
estágios de desenvolvimento há muito tempo superados, mas
também em desvendar um núcleo comum que ainda era válido
no presente (embora percebido como ameaçado pelo advento
da modernidade) (Kippenberg, 1997, p. 193). Ao identificar
esse núcleo comum – no tempo e no espaço – de fenômenos
religiosos, Marett e aqueles inspirados por seu trabalho prepara-
ram o terreno para o moderno estudo sistemático e comparativo
da religião (com suas dificuldades e limitações próprias)10.
É claro que não realizo uma avaliação acrítica de Marett.
Seu trabalho não é isento de críticas profundas que se endere-

9
A natureza da sociedade moderna como ausente de significado intrínseco é expressa
claramente no final de Ética protestante de Weber (1920); essa ideia também susten-
ta a noção de religião de Geertz (1973), que considera a questão da construção do
sentido através de símbolos e de um ethos como sendo o núcleo da religião.
10
Ver Brunotte, que sugere que um foco no “modernteheoretische Reflexionspotenz” do
conceito de animatismo de Marett certamente pode contribuir para um “Archäolo-
gie einer alternativen Moderne” (2013, p. 87). No geral, sua contextualização da vida
da classicista Jane E. Harrison (que foi parcialmente inspirada por Marett), a quem
ela vê como precursora de teorias atuais sobre emoções, imagens e performance, é
paralela à minha abordagem sobre Marett.

251
çam ao estudo moderno da religião como teórica e normativa-
mente influenciado por epistemologias ocidentais e, portanto,
necessitando ser descentrado por uma perspectiva pós-colonial
(Asad, 1993; Masuzawa, 2005; 2001). Como David Chidester
salienta em seu recente livro Empire of Religion (2014), que evi-
dencia como os estudos comparados de religião estão enraizados
nas estruturas de poder coloniais, Marett foi um expoente típico
da produção do conhecimento sob a égide da teoria imperial.
Ainda assim, ele estava mais consciente das complexidades da
tradução entre culturas e religiões do que muitos de seus pares
e rejeitou o uso de noções ocidentais tendenciosas, como a de
“fetiche”. Em seu comentário perceptivo sobre o livro Religião e
Arte em Ashanti, de R. S. Rattray (1927), Marett apontou as im-
plicações negativas do uso de termos como “fetiche” e “magia”:
“A menos que tenhamos muito cuidado, a ciência antropológica
pode se encontrar tacitamente comprometida com uma teoria
da religião que, desde o início, a marca como um fenômeno
patológico” (Marett 1927, p. 392). Buscando elaborar a noção
de encanto, que se desenvolveu a partir de sua visão da religião
como algo que instiga um senso de maravilhamento (ver abai-
xo), ele escolheu as noções polinésias de mana e tabu (segundo
os relatos do missionário Robert H. Codrington) para expressar
sua “fórmula” geral para descrever a experiência religiosa (1929,
p. xxviii)11. Marett reconheceu que, ao elevar os termos mana e
tabu a categorias universais, seu significado original era distor-
cido: “Quando o estudo comparado da religião emprega uma
expressão nativa, como mana ou tabu, como uma categoria ge-
ral, é obrigada a desconsiderar, até certo ponto, o seu significado
original ou local” (1929, p. 99, ver também Chidester, 2014, p.
52). Sua apropriação de mana e tabu para o estudo comparado
da religião não resolveu o problema que ele sinalizou com a ado-

11
Ver Tomlinson, que traduz mana como “eficácia” ou “poder para efetuar” (2007,
p. 58).

252
ção da noção de “fetiche”; o uso desses termos também envolveu
uma generalização que estava muito distante dos seus contextos
de uso e, provavelmente, associou-se mais com as preocupações
modernas do que com as de seus usuários originais. Conforme
assinalado por Chidester, o uso de um vocabulário tão genera-
lizado expõe uma típica insensibilidade aos “níveis tripartidos
de mediação” (2014, p. 5-11) através dos quais os termos e as
noções viajaram, de interlocutores nativos para missionários e
destes para cientistas, tornando-se cada vez mais alienados dos
seus significados e modos de uso originais e cada vez mais em-
pregados como conceitos neutros.
Apesar disso, seria problemático concluir, a partir dessa crí-
tica, que o estudo da religião estaria melhor sem conceitos e, por
conseguinte, que Marett não teria nada a oferecer para a pes-
quisa atual. Na seção introdutória, apontei minha inquietação
sobre a tendência atual da antropologia para estudar a religião
em seus próprios termos.
Um problema relevante nesta tendência geral, que abran-
ge um conjunto de abordagens bastante distintas, pode ser
destacado por uma breve discussão sobre a “antropologia da
ontologia”(Scott, 2013), com sua característica inclinação para
privilegiar os modos de existência em detrimento das modalida-
des de produção de sentido e para atribuir primazia ao ser em
detrimento da representação. Dentro dessa perspectiva, a exis-
tência e o ser estão alinhados com a própria vida – em toda a sua
plenitude e propensão para instilar um sentimento de maravi-
lhamento e espanto – enquanto a produção do conhecimento
através dos conceitos é descartada como incapaz de correspon-
der a essa plenitude. Tim Ingold pode ser invocado como um
representante proeminente dessa posição: “O modo de se co-
nhecer o mundo, dizem eles [estudiosos que não compartilham
da “maneira animista de pensar”], não é se abrindo para ele,
mas sim “cercando-o” com uma grade de conceitos e catego-
rias” (2011, p. 74-75; também citado em Scott, 2013, p. 863).

253
Com todo o respeito pelas concepções inovadoras de Ingold,
não concordo com o peso negativo atribuído a conceitos e ca-
tegorias, como se estivessem fadados a produzir conhecimento
inerte e a alienar a investigação científica da realidade autêntica.
Essa posição está fundamentada no privilégio problemático à
ontologia em detrimento da epistemologia e, na minha opinião,
em uma pouco crítica celebração romântica do vitalismo12. Os
riscos de tal posição tornam-se especialmente evidentes quando
ela é aplicada ao estudo da religião, em que, sob o lema de levar
a religião a sério, se endossa crenças e declarações metafísicas e
se instaura uma propensão para pensar com – em vez de (tam-
bém) sobre – as mesmas. Por extensão, como apontou Michael
Scott, “algo possivelmente religioso percorre grande parte des-
sa antropologia da ontologia. Esse tipo de antropologia não é
apenas um aspecto da antropologia da religião, muitas vezes é
também a antropologia da religião como religião – um novo tipo
de estudo religioso da religião” (2013, p. 860). Não compartilho
de sua visão aparentemente positiva desse desenvolvimento, em
que a religião, como “o termo que mantém o maravilhamento
possível” (2013, p. 860), é introduzida como um ângulo a partir
do qual se pode criticar a produção de conhecimento cartesiana.
O contraste bastante grosseiro desenhado por Scott entre uma
antropologia da ontologia que sustenta a maravilhamento e o
cartesianismo como o que combate isso (2013, p. 862) me pa-
rece problemático. O mesmo ocorre com seu mapeamento do
campo em termos dessas duas opções – como se houvesse uma
escolha a ser feita entre ser um “ontologista” ou um cartesiano
dualista (e eu não me enquadro em nenhuma das duas). Além
disso, a ênfase na experiência de um senso de maravilhamento
no nível da produção de conhecimento pode não levar à ne-

12
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Ver também Laidlaw e Heywood (2013), que desafiam o projeto ontológico acu-
sando-o de não considerar o duplo significado de ontologia – como ser; e como ser
mais as teorias sobre isso –, e por falhar em reconhecer sua própria epistemologia
metaontológica.

254
cessária abordagem dos processos e técnicas através dos quais
uma sensação de “encanto, maravilhamento ou coisa parecida”
é produzida na experiência vivida, o que é minha principal pre-
ocupação. Exatamente nisso reside um dos méritos do conceito
de encanto proposto por Marett, como será apontado adiante.
Na minha compreensão da produção do conhecimento,
um conceito científico não é totalmente congruente com o
fenômeno a que se refere, e nem totalmente independente dele.
Em vez disso, é parte de uma metodologia ou abordagem des-
tinada a obter um discernimento do fenômeno. Um conceito
é distinto das coisas no mundo, mas também um mediador
indispensável para elas, tanto para os estudiosos quanto para
seus interlocutores. O que precisamos é uma análise completa
sobre “as condições de possibilidade de produção de conheci-
mento” (Fabian, 2014, p. 201), no nível da pesquisa acadêmica
e no contexto da vida levada pelas pessoas com as quais con-
duzimos nossas pesquisas. Para mim, o valor de um conceito
científico depende da sua capacidade de sensibilização: isto é, o
quanto nos permite desbloquear e lançar luz sobre aspectos não
tão óbvios de um mundo de experiências concretas – olhando
verticalmente – e o quanto nos permite comparar – olhando
horizontalmente. Uso o termo “conceito” no sentido alemão
de Begriff – de begreifen – através do qual os fenômenos com-
plexos podem literalmente ser “apreendidos” ou “capturados”.
Eis o propósito do conhecimento, na minha compreensão (e
a razão pela qual eu não compartilho da ressonância negativa
desses termos como foram invocados por Ingold). Então “como
capturar o ‘uau!’” depende, antes de tudo, de uma indagação
sobre os conceitos e os métodos adequados que ofereçam meios
para uma compreensão profunda e novos insights etnográficos
em um mundo de experiências vividas e que também permitam
expressar as complexidades envolvidas na tradução transcultural
e na comunicação entre estudiosos.

255
Antes de aprofundar essa questão, gostaria de destacar
quatro aspectos cruciais da abordagem de Marett que susten-
tam seu conceito de encanto e merecem atenção adicional por
causa de sua ressonância intrigante com questões atuais no es-
tudo da religião. Primeiro, o interesse nas emoções. Algo cru-
cial para Marett é a ideia de que uma “excitação” emocional
sutil é o cerne da religião – na sua forma mais “primitiva”,
bem como em formas mais desenvolvidas. Assim, ele arriscou
uma teoria psicológica de religião:
Quanto à teoria, eu apoiaria meu estudo no argumento psico-
lógico de que, se houver algum motivo, como eu penso que há,
para se afirmar que o senso religioso do homem é uma carac-
terística intrínseca constante e universal de sua vida mental, a
essência e a verdadeira natureza dessa característica devem ser
buscadas, não tanto na variedade de suas construções ideais, mas
sobretudo na base inabalável de emoções específicas pelas quais o
homem é capaz de sentir o sobrenatural precisamente no ponto
em que seu pensamento se rende (1929, p. 28).

Mesmo sustentando que “o lado emocional da religião


constitui seu aspecto mais real, mais característico”, ele admitiu
que as pessoas só conseguiam explicar suas experiências religio-
sas através de ideias colocadas em palavras. Essa dependência
da linguagem, no entanto, não era motivo para negligenciar a
dimensão emocional, como era o caso das escolas intelectualis-
tas de Tylor e Lang, contra as quais ele se posicionou. Na mi-
nha leitura, encontramos aqui outro exemplo de Marett fazen-
do uma réplica, assim estrategicamente destacando a emoção.
Contudo, ao circunscrever a religião como “um certo estado
mental composto ou concreto em que várias emoções e ideias
estão juntas provocando diretamente a ação (1929, p. 5, ênfa-
se minha), Marett apresentou uma visão integrada da religião
de acordo com a qual sentimento, pensamento e (como ficará
claro em breve) práticas foram interconectados. Ao fazê-lo, sua
percepção sobre religião parece superar o problemático dualis-

256
mo entre sentido / significado, por um lado, e o do sentidos /
sensações, por outro, em que repousa a lamentável divisão entre
as abordagens de orientação intelectualista e as de orientação
emocional – ou do vivido – que por muito tempo têm estrutu-
rado o estudo da religião e da teoria social em geral. É proble-
mático porque prejudica o entendimento de como a produção
de sentido é fundamentada na sensação, ao invés de se opor a
ela. A abordagem de Marett oferece um incentivo pioneiro para
se pensar além dessa divisão e avançar para uma compreensão
integrada do que a filósofa alemã Sybille Kramer (1998) chama
de “o sentido dos sentidos” (‘Sinn der Sinne’).
Em segundo lugar está a sua perspectiva sobre a relação
entre psicologia e sociologia. Marett criticou a psicologia por
achar “conveniente fazer abstração da dimensão social” (1929,
p. 133), concentrando-se excessiva e propositalmente sobre o
indivíduo e negligenciando a influência da sociedade. Ele estava
convencido de que, “principal e diretamente, o sujeito, o dono
por assim dizer, da experiência religiosa é a sociedade religiosa,
e não o indivíduo” (1929, p. 137). Obviamente, isso o atraiu
para Durkheim e seus colegas, que consideravam o social como
uma entidade sui generis13. No entanto, para Marett, eles foram
longe demais nessa direção, já que “parecem considerar os fe-
nômenos sociais (...) como objetivos simplesmente no sentido
de independentes do controle individual” (1929, p. 129). Se a
psicologia se abstraía da sociedade, a sociologia durkheimiana

Na sua autobiografia ele se referiu ao trabalho de Durkheim e colegas na França,


13

afirmando: “Emile Durkheim fundou a Année Sociologique já em 1895, mas eu não


tive acesso à revista. No v. vii H. Hubert e M. Mauss publicaram seu importante
Esquisse d’une Theorie générale de la Magie, no qual eles postulavam mana como
básico para a magia; muito parecido com o que eu fiz para a religião, ou melhor,
para todas as transações com o sobrenatural concebido ou percebido como um
poder indutor de maravilhamento. Agora eu duvido que se eles nunca tenham tido
notícia de mim, assim como eu nunca tinha ouvido falar deles, quando se vê que
chegamos basicamente à mesma conclusão. Mas eu tive a quase injusta vantagem da
prioridade. Ambos, sem dúvida, abatemos o mesmo pássaro, e deles foi o tiro mais
pesado. Mas eu atirei primeiro (1941, p. 161).

257
se abstraía do indivíduo. Marett propôs uma visão integrada,
com a psicologia social funcionando como “um tipo de pon-
te entre os elementos objetivo e subjetivo da nossa experiên-
cia “(1929, p. 132). Em outras palavras, o papel da psicologia
social era “equilibrar (e não excluir) os métodos de psicologia
individual e morfologia social” (Bengtson, 1979, p. 650). Para
mim, essa visão equilibrada faz muito mais sentido porque não
opõe indivíduo e sociedade, mas postula que eles estão enreda-
dos (como também pensam Elias e Bourdieu). As emoções não
estão reduzidas ao plano do individual e, portanto, apartadas
do âmbito da antropologia social. De fato, as ideias de Marett
refletem surpreendentemente bem as abordagens atuais sobre
a formação de emoções coletivas como um processo social que
envolve “regimes emocionais” compartilhados com seus “estilos
emocionais” específicos (Riis; Woodhead, 2010, p. 10-12; veja
também Knoblauch; Herbrik, 2014, p. 358-359).
Em terceiro lugar estão as implicações conceituais da filo-
sofia de conhecimento de Marett, o que o aproxima do que hoje
chamamos de construtivismo. Na sua opinião, qualquer uma
das disciplinas envolvidas no estudo da religião produz suas pró-
prias abstrações e ficções. Com seu espírito típico e sua eloqu-
ência, ele observou que é “notório que na ciência uma pessoa é
capaz de abraçar sua abstração de estimação com tanta devoção
que seu falso paraíso acaba no final por ser confundido com o
mundo real” (1929, p. 139). Embora as questões sobre “existên-
cia real sejam melhores reservadas para a metafísica” (1929, p.
139), ele favoreceu a combinação entre sociologia e psicologia
porque elas podiam, por assim dizer, desconstruir as ficções uma
da outra, e proporcionar assim uma imagem multiperspectiva
da interseção entre indivíduos e sociedade, pensamento e sen-
timento, ideias e práticas. À luz da crítica de Bruno Latour a
Durkheim e à sociologia fundamentada em seu trabalho por
abstrair “o social” dos atores e das práticas reais no mundo ma-
terial (Latour, 2005, p. 13-17), Marett aparece mais ponderado

258
e menos propenso a reificar o social e a lhe atribuir um primado
ontológico do que Durkheim.14
Em quarto lugar está a ênfase de Marett nos atos religiosos.
Obviamente, isso se liga a uma discussão de longa data sobre o
primado de ritos ou mitos. A famosa frase de Marett de que “a
religião selvagem é menos pensada do que dançada” (1929, p.
xxix) foi dita como oposição à visão intelectualista da religião
que, em sua opinião, indevidamente privilegiou os sistemas dou-
trinários e ideacionais. O fato de que Marett, novamente, tendia
a “retrucar” ou “replicar” quando enfatizava o primado dos sen-
timentos e movimentos sobre as ideias não deveria, penso eu,
apagar o fato de que o impulso de sua perspectiva sobre religião
era a integração de emoções, ideias e práticas em um todo “or-
gânico”. Concordo com o filósofo D. Z. Phillips, que em 1983
explicou, em sua conferência Marett, que Marett pretendia dizer
que “uma espécie de dança é a condição do pensamento, de que
o que é essencial é a resposta ativa em vez da reflexão” (Phillips
1986, p. 174)15. Phillips vê uma semelhança entre as ideias de
Marett e a ideia de Wittgenstein de que “a linguagem não surge
do raciocínio” (citado em Phillips 1986, p. 174), mas é uma res-
posta ou reação humana ao mundo externo. Já que, como apon-
tei, o ponto crucial da análise de Marett foi fazer uma teoria
universal sobre a religião, eu leio essa frase como um argumento
provocativo que apresenta a “dança” – no sentido amplo do cor-

14
Uma análise adicional das diferenças entre as concepções de Marett e Durkheim
sobre sociedade seria válida também à luz da controvérsia entre Tarde e Durkheim,
que foi recuperada e analisada por Latour (2005, p. 13-17; veja também http://
www.bruno-latour.fr/node/354). Tanto Tarde quanto Marett foram marginalizados,
quase esquecidos, no decurso da formação da sociologia durkheimiana. Semelhante
a Latour, eu também argumento que um retorno a um estudioso marginalizado
pode fornecer insights sobre possibilidades alternativas que foram descartadas no
passado, mas que podem alcançar uma nova centralidade em um momento em que
paradigmas dominantes são oferecidos à crítica.
15
Penso, junto com Philips, que Marett tinha em mente mais do que o sentido literal
e estrito de dançar, como sugeriu Drid Williams em seu livro Antropology and dance
(1991, p. 48-50). Essa é uma das frases mais citadas e mal interpretadas de Marett.

259
po em movimento e, por implicação, também os esforços para
manter o corpo inerte – como uma característica geral da reli-
gião. Embora eu não pretenda exagerar a relevância de Marett,
ainda penso que ele propôs nada menos do que aquilo que hoje
conhecemos como perspectiva performativa – que atribui papel
importante às práticas e atos corporais na moldagem de ideias e
na efetivação de emoções, suscitando o que chamo de formações
estéticas (Meyer, 2009b, p. 6-11 [Capítulo 1 deste livro]).
Em suma, meu objetivo não é celebrar Marett como um
clássico atemporal, infelizmente pouco lembrado. Em vez disso,
o objetivo desta seção é situar seu trabalho na arqueologia do sa-
ber sobre a religião, de modo a proporcionar uma visão mais tri-
dimensional para os debates contemporâneos. Ler Marett dessa
maneira ressalta os aspectos de seu trabalho que reverberam for-
temente os atuais esforços da teoria social em geral, e do estudo
da religião em particular, para superar a abordagem do social
como uma abstração dissociada do mundo material da experi-
ência vivida e para recuperar as emoções na análise social. Sua
abordagem integrada da religião, abrangendo ideias, emoções e
práticas, oferece uma importante correção e alternativa à com-
preensão intelectualista da religião que se tornou uma vertente
dominante não só na antropologia (por exemplo, Radin, 1927)
e, embora em menor grau, nos religious studies, mas também nas
principais abordagens da modernidade em termos de desencan-
tamento, racionalização e secularização. Com este pano de fun-
do, sua noção de encanto apresenta grande potencial analítico,
como ficará claro na próxima seção.

Encanto além da fenomenologia da religião

O trabalho de Marett em geral, e sua noção de encanto em


particular, ainda eram bem-vindos ​​entre estudiosos da religião,
especialmente na Alemanha e na Holanda, quando a antropolo-
gia social britânica já os havia abandonado há bastante tempo.

260
Em seu famoso livro Das Heilige (publicado originalmente em
1917 e reimpresso muitas vezes), o teólogo protestante e pesqui-
sador de religious studies Rudolf Otto postulou uma compreen-
são do numinoso como mysterium tremendum et fascinans: o sa-
grado como uma força misteriosa que era tanto terrível quanto
atrativa, evocando sensações de medo e admiração. Discordan-
do das abordagens desenvolvidas com o advento da sociologia
e da história das religiões, que consideravam a religião como
objeto de estudo e ofereciam uma análise contextual de sua fun-
ção e aspectos socioeconômicos, Otto se esforçou para escrever
sobre a religião de uma perspectiva (que ele acreditava ser) desde
dentro. A fenomenologia da religião, para cujo desenvolvimento
ele contribuiu, permaneceu um paradigma orientador dos reli-
gious studies, especialmente na Alemanha, bem como na Holan-
da e nos Estados Unidos (em torno de Mircea Eliade e Ninian
Smart), até ser criticada e desqualificada nas décadas de 1970 e
1980 (ver Vásquez. 2011, p. 87-110). Seria um equívoco, no
meu entender, descartar Marett na esteira dessa crítica.
Antes de me voltar para as diferenças na definição do con-
ceito de encanto entre Otto e Marett, é importante notar que a
fenomenologia da religião, e o trabalho de Otto em particular,
tende a evocar respostas muito ferozes (como a capa vermelha
agitada na frente de um touro) no campo atual dos religious
studies. Em configurações acadêmicas em que os pesquisadores
dos estudos de religião precisam enfatizar sua distinção dos te-
ólogos, os primeiros parecem considerar esse tipo de resposta
crucial para sua identidade a fim de refutar qualquer suspeita de
estarem trabalhando da perspectiva de um religioso e, portanto,
rejeitam Otto fortemente. Essas respostas me fizeram perceber
que certas vertentes dos estudos de religião produzem conheci-
mento com premissas bastante diferentes daquelas com as quais
eu me familiarizei no campo da antropologia da religião. Sem
pretender ser sofisticada, vejo assim: embora a antropologia atu-
al possa conviver mais ou menos bem com as perspectivas dos
religiosos (a ponto de adotarem a virada ontológica), os pesqui-

261
sadores dos estudos de religião parecem estar mais inclinados a
se distanciarem das ideias e práticas religiosas que estudam e a
valorizarem fortemente o uso de conceitos para produção de co-
nhecimento sistemática. Isso produz diferentes epistemologias,
modos de análise e estilos de escrita. Tendo me deslocado para
os estudos de religião como antropóloga, enfrento o desafio de
encontrar um equilíbrio para o meu próprio trabalho. Meu in-
teresse em Marett faz parte desse esforço.
Ao invocar a noção inglesa de encanto, Otto afirmou
que “Marett chega muito perto do âmago da questão” (2004,
[1931], p. 17)16. A única coisa que lamentou na elaboração de
Marett foi a falta de uma clara diferenciação entre sentimentos
religiosos e outros. No entanto, como muitos estudiosos ob-
servaram, Otto distorceu as ideias de Marett sobre o encanto.
Enquanto para Otto o sagrado era um poder sui generis que
se fazia sentir pela indução de sentimentos de encanto nos se-
res humanos (expressos pelos famosos arrepios), a abordagem
de Marett não pressupõe uma força transcendental que opera
como um gerador de tais emoções. Para o estudo da religião,
o problema da abordagem de Otto é fundamentar a ideia de
transcendência completa em uma suposição metafísica que não
só frustra a pesquisa acadêmica, mas também nega o papel das
práticas humanas em acessar o numinoso (veja também James,
1958, p. 165). O cerne do problema do método adotado por
Otto, pelo menos de uma perspectiva sociocultural, foi que ele
falhou na tentativa de trazer à tona a centralidade das ações hu-
manas no desenvolvimento dos meios de acesso (e igualmente
dos de imaginação) a uma força percebida como transcendental.
No entanto, descartar a fenomenologia da religião por ser
próxima demais das crenças protestantes, e por ser confessio-
nal, portanto, não significa que devamos rejeitar o trabalho de

16
Na primeira edição da sua obra magna (1917), Otto ainda não citava Marett. Nota
dos editores: no caso de Otto, “reverência” ou “temor reverente” seriam traduções
mais adequadas para “awe”.

262
Marett. Ao contrário de Otto, que baseou a sua teoria religiosa
na existência de uma força transcendental, Marett tomou como
ponto de partida o ser humano que busca e alcança tal força a
partir de sua posição no que é imanente, o aqui e o agora. Para
um estudo da religião, isso representa uma diferença crucial.
Conforme se percebe, para Marett a religião se baseia em uma
excitação emocional que se manifesta em momentos de crise,
em situações em que “o pensamento sucumbe”17. Ele especulou
que tais momentos de crise podem ser a própria origem da reli-
gião, e essa noção ecoa em sua ideia filosófica de que a “religião é
o enfrentamento do desconhecido”. Embora essa ideia me pare-
ça tipicamente cristã (ou até protestante), para mim, a validade
de sua perspectiva residia em estudar a religião a partir da outra
ponta, como algo já institucionalizado e em ação. Em virtude de
serem objetificadas e personificadas, as experiências de excitação
emocional em relação ao “misterioso ou ‘sobrenatural’ sentido”
foram transmitidas e replicáveis. Marett insistia, portanto, que
[...] deveríamos avançar, entretanto, para considerar a religião
sociologicamente. Uma religião é o esforço para enfrentar uma
crise, desde que esse esforço seja organizado pela sociedade em
algum modo específico […] essa sociedade padronizou um méto-
do. Envolve uma rotina, um ritual. Envolve ainda algum tipo de
doutrina convencional, que é, por assim dizer, o aspecto interior
do ritual – o seu revestimento (1929, p. 212, ênfase adicionada).

O que acho importante nessa afirmação é a noção de que a


religião, uma vez que esteja estabelecida, oferece um “método”
padronizado que permite experiências repetidas de encanto (que
podem, é claro, ser especiais e únicas para os indivíduos, mas
não deixam de ser, ao mesmo tempo, algo estruturado e pa-
dronizado). Os fenômenos naturais e os artefatos humanos em

Para ele não existiam sentimentos religiosos sui generis; em vez disso, a capacidade
17

humana de sentir poderia se desenvolver em ambientes religiosos e não religiosos.


Além disso, esses sentimentos deveriam ser gerados por objetos e práticas e não
surgiam por si mesmos.

263
torno dos quais tais métodos se desenvolveram foram colocados
à parte (tabu) e conferidos de poder (mana)18. Como Risebrodt
(1997, p. 183), concordo que a perspectiva de Marett implica
a possibilidade de uma invocação “artificial” – no sentido de
que depende de forças humanas – de encanto através de certos
“métodos” ou procedimentos autorizados que se prestam à re-
petição. Um exemplo disso é o misterioso som dos zunidores
bullroarers, utilizados pelos aborígenes australianos, que “pro-
porciona à cerimônia uma atmosfera de encanto” (1929, p. 226;
veja também, Risebrodt, 1997, p. 183). Curiosamente, Marett
analisou o ritual de iniciação em que o bullroarer era utilizado
apontando para as repercussões políticas do seu poderoso som.
Ele descreveu os jovens deitados no chão, absortos em ouvir as
vibrações provocadas pelo instrumento, através das quais, segun-
do ele imaginava, “assomava suas mentes a imagem do supremo
criador das leis; sua voz não natural, portanto, torna-se para eles
a voz da lei” (1929, p. 26)19. O ponto a destacar é que Marett
descreveu o bullroarer como um objeto produtor de maravilha-
mento (mais do que algo necessariamente animado, como Tylor
o tomaria) que causa em quem o ouve um senso de presença de
um poder que é, ao mesmo tempo, “sobrenatural” e político.
Aqui nos deparamos com o que acredito ser o aspecto mais
convincente do trabalho de Marett: a visão de encanto como
sendo efetuada por um procedimento autorizado que envolve
certos objetos, espaços e sensações, bem como corpos sensíveis
no contexto de estruturas de poder específicas. O encanto é en-
tendido como uma forte emoção produzida e reproduzida por

18
Enquanto, para Marett, a noção de tabu ofereceu uma experiência religiosa com
seu “limite externo”, mana era “o que se postula ser algo que transcende o mun-
do comum, algo maravilhoso e horrível. Assim, sua função principal é fornecer à
experiência seu conteúdo interno” (1929, p. xxix), algum tipo de “teoplasma ou
coisa-divina” (1941, p. 161).
19
E ele seguia: “Assim é o costume exaltado, e sua força coercitiva amplificada, pela
sugestão de um poder - nesse caso um poder definitivamente pessoal, que ‘faz justi-
ça’ e, embora benéfico, é cheio de terror para os infratores” (1929, p. 226).

264
métodos específicos e autorizados. Ao serviço do poder político,
o encanto é invocado para impressionar e maravilhar, mantendo
aquele poder com uma aura que o eleva além do comum e o tor-
na perceptível como sublime. Remetendo à noção de Durkheim
de efervescência (o sentimento sublime que surge quando se
participa de uma performance ritual, provocando um senso
de sociedade como um poder transcendental pré-existente), a
noção de Marett de encanto permite uma operacionalização
mais refinada, pois nos ajuda a apreender o processo do que
está sendo produzido. Já que o impulso do trabalho de Marett é
performativo, ele permite uma microanálise de como surge um
“excedente sagrado” (mais sobre isso na próxima seção).
Por fim, Marett não atribuiu o encanto a uma força trans-
cendental, fosse ela numinosa (como para Otto) ou um sublime
social abstrato (como para Durkheim), e tampouco a reduziu
a uma pura ilusão que não tem existência real e que, portanto,
precisa ser desmascarada pela pesquisa crítica (como o fazem os
positivistas lógicos). Dessa forma, ele articulou um enfoque do
encanto que ainda se sustenta depois que a fenomenologia da
religião foi criticada por conferir existência primordial ao numi-
noso. Ao analisar a evocação do encanto a partir da perspectiva
de seres humanos pertencentes a um grupo religioso ou tradicio-
nal, Marett desenvolveu uma abordagem realmente sociológica
(veja também Comstock, 1981, p. 628). O elo entre encanto
e poder político exige que tomemos em conta a dimensão po-
lítica da religião e como a política explora técnicas de evoca-
ção do encanto que, num primeiro momento, podem parecer
apenas religiosas. Assim, o encanto pode ser produtivamente
analisado como uma técnica de organização – e, portanto, de
vinculação e de governo – de pessoas em diversos domínios,
atrelando-as em um mecanismo de produção de maravilhamen-
to. Aqui reside uma grande diferença com relação à posição de
Scott quanto ao maravilhamento no contexto da “antropologia
da ontologia”, a qual ele contrasta com um pensamento cientí-
fico de base cartesiana dominante que reduz o maravilhamen-

265
to ao explicá-lo. Na minha visão, esse embaralhamento da re-
flexão científica sobre religião com a própria religião evoca a
antiga fenomenologia de religião associada com Otto e Eliade,
que já foi descartada por bons motivos, como apresentei ante-
riormente, e que não auxilia o estudo da invocação do encanto
como um fenômeno sociopolítico.
As ideias de Marett sobre a produção do encanto adequam-
-se bem com meu entendimento da religião como uma prática
de mediação entre humanos e um professado “além” invisível.
Como apontei em outro texto (Meyer, 2012, p. 23 [Capítulo 4
deste livro]), para mim, o termo “religião” refere-se a “conjun-
tos específicos, autorizados e transmitidos de ideias e práticas
voltadas a ‘ir além do comum’, ‘transpondo’ e ‘transcendendo’
um limite, ou acenando para o ‘resto-do-que-é’, como sinalizou
pungentemente Mattijs van de Port (2010)”. A religião é o do-
mínio, por excelência, que oferece procedimentos padronizados
para gerar nos praticantes, continuamente, um senso de ma-
ravilhamento e fascínio: a produção de um excedente sagrado.
Penso essa produção em termos de uma “fabricação”, no sentido
proposto por Latour. Ao cunhar a noção de feitiche – artefato
humano e, ainda assim, coisa sublime – como um substituto
para a noção problemática de fetiche, ele busca mostrar que “em
todas as nossas atividades, o que fabricamos vai além de nós”
(2010, p. 22-23). Leio isso e a sua afirmação correlata de que
“ajudamos a fabricar os seres em que acreditamos” como uma
provocação persuasiva para encarar a religião como um compó-
sito de pessoas, objetos e práticas que gera um senso de crença,
e possivelmente encanto, em seu processo de operação. Está em
jogo aqui uma noção de religião que não depende da existência
de um deus ou força transcendental, e nem demanda um des-
mascaramento de ilusões, mas ao invés disso, empreende um
estudo profundo dos métodos padronizados que levam à fabri-
cação de algum tipo de excedente. Esse é o tema da terceira e
última parte deste texto.

266
Formas de religião e a produção de um excedente

Comecei a dialogar com o trabalho de Marett em 2006,


quando buscava desenvolver uma perspectiva para as sensações
religiosas como algo constituído socialmente e também como
experiências pessoais que englobam pensamento e sentimento.
Meu forte interesse nesse tópico surgiu quando estudei os pente-
costais de Gana, onde encontrei uma poderosa orquestração de
sensações compartilhadas, produzindo um denso perfil emocio-
nal. No início, tive muitas dificuldades para encontrar conceitos
adequados para analisar o que estava acontecendo nesses contex-
tos, especialmente para dar conta da evocação de emoções exci-
tantes e do uso extenso de técnicas corporais sem cair nas ciladas
de uma abordagem individualizante e despolitizante. Cheguei
à conclusão de que o trabalho no âmbito da fenomenologia da
religião clássica era inadequado, por tomar como ponto de par-
tida a existência do transcendental. Abordagens da experiência
religiosa, como aquelas inspiradas por William James, eram de
uso limitado, pois tendiam a associar sentimentos individuais
com expressões autênticas geradas internamente e a subestimar
estruturas institucionais que garantiam repetibilidade e ritmos
rotineiros, tomando-as como secundárias. Eu buscava, em con-
traposição, analisar a gênese das sensações e os sentimentos e
ideias nelas envolvidos, no quadro de formações estético-reli-
giosas particulares (Meyer, 2009b [Capítulo 1 deste volume]).
Como já mencionei, as ideias de Marett quanto ao encanto
como produto de um método religioso padronizado se torna-
ram uma importante fonte de inspiração para que eu pudesse
desenvolver o conceito de forma sensorial. (2006a, p.10-13).
No estudo da religião, a forma é normalmente entendida
como algo secundário ao significado, que seria o conteúdo da
forma. Vejo isso como um sintoma de uma visão moderna (e,

267
talvez mesmo protestante)20 do significado que distingue entre
transportadores ou veículos em princípio arbitrários que ope-
ram como meras formas externas, de um lado, e de outro, a
substância por eles veiculada. Em esquemas evolutivos de reli-
gião, da “primitiva” até a “moderna”, a forma é tomada como
algo proeminente nos estágios mais baixos, enquanto nos mais
altos é dispensável, e o conteúdo reina supremo. Max Weber é
conhecido pela afirmação de que “as religiões de salvação desva-
lorizaram a forma como algo contingente, como algo humano e
que distrai do significado” (1970, p. 341, ver Meyer, 2010b, p.
743-750). Marett também partilhava da visão comum da cul-
tura primitiva como algo ainda propenso à forma e entendia a
civilização moderna como capaz de dispensá-la, ao menos até
certo grau. Quando Marett afirmou que, de todas as atividades
humanas, a religião era “a mais subserviente à forma, o ritual
consistindo na segunda natureza da religião” (1929, p. 141),
ele deixou um certo espaço para a forma na religião moderna.
Apesar disso, a noção de forma não é elaborada em seu trabalho.
Em meus trabalhos mais recentes [ver capítulos anteriores],
tenho defendido a reabilitação da forma no estudo da religião.
A forma pode ser mais ou menos marcada na experiência dos
religiosos, mas é sempre indispensável, em qualquer situação,
para o surgimento de sensações compartilhadas. Para evitar mal-
-entendidos, friso que não utilizo forma em oposição a conteú-
do. Moldando o que é indeterminado e ainda não diferenciado
em uma Gestalt, a forma é uma condição necessária para a arti-
culação e formação do conteúdo e do significado. Meu enten-

20
Ver a famosa disputa entre Lutero e Zwinglio, em 1529, em Marburg, sobre a
questão da transubstanciação do pão e vinho na Santa Comunhão. Eram o pão e
vinho realmente o corpo e sangue de Cristo (como Lutero ainda insistia), ou eles
eram meros símbolos na memória da Última Ceia (como Zwinglio argumentava)?
O Abendmahlstreit evidencia a ascensão de uma visão moderna da representação
que vê os símbolos como distantes e distintos do que eles significam (ver Kamper,
1981, p. 141-160). Nós encontramos esse modelo na linguística saussureana. Para
uma postura diferente, baseada na mediação, veja a seguir.

268
dimento de forma vai ao encontro da noção de Ernst Cassirer
de “forma simbólica” (1923, p. 15; ver também Meyer, 2015b
[Capítulo 5 deste livro]), que se refere a um irredutível enreda-
mento entre um signo e o seu significado. Note-se que Cassirer
não usou o termo “símbolo” da maneira usual, na qual ele é
apenas um veículo do significado. As formas simbólicas se colo-
cam “entre nós e as coisas (‘die Gegenstände’); mas ao fazer isso,
elas não apenas descrevem, negativamente, a distância entre nós
e as coisas; também proporcionam a única mediação possível
e adequada e o meio através do qual qualquer ser mental (ir-
gendwelches geistige Sein) se torna compreensível e inteligível”
(1923, p. 16, ênfase original).
Em um mundo material objetivo que não pode ser acessa-
do como tal, as “formas simbólicas” operam como seus media-
dores indispensáveis, trazendo à existência mundos de experiên-
cias vividas. Assim, Cassirer propõe uma teoria da mediação na
qual as formas simbólicas tomam parte constitutiva em práticas
de construção de mundos. Observe-se que isso estabelece um
contraste marcado em relação a definições de signos que enfati-
zam a sua dimensão alienante, como em teorias que pressupõem
a natureza primária e imediata da experiência, da sensação e do
afeto, em relação às quais o signo é algo secundário, ou na noção
lacaniana do simbólico. Também difere da atenção aos modos
de ser, como descritos pela antropologia da ontologia, que atri-
bui primazia ao ser, em vez de buscar como esse ser é constituído
por formas (incluindo conceitos).
Essa afirmação da forma como um mediador construtivo
é o pano de fundo de meu conceito de forma sensorial. Desen-
volvi esse conceito como um instrumento de pesquisa heurísti-
co e sensibilizante para apreender a gênese e o funcionamento
das sensações religiosas. Fazendo referência a uma configuração
de mídias, atos, imaginações e sensações religiosas no contexto
de uma tradição ou grupo religioso, uma forma sensorial pro-
porciona um procedimento autorizado para a experiência, de

269
maneira estruturada, num movimento direcionado a um limite
que evoca um senso de que há algo a mais: um “além”. Formas
sensoriais são a base para a criação de laços experienciados, de
maior ou menor intensidade, entre as pessoas e o divino, o so-
brenatural, o transcendente, e das pessoas umas com as outras.
Como pontuo na minha aula inaugural mais recente:
Autorizadas e autenticadas como mensageiros do que está
além, as formas sensoriais têm o duplo aspecto de delinear ou
moldar a mediação religiosa e de alcançar certos efeitos ao serem
realizadas. Assim, as formas sensoriais são “configurações”, na
medida em que direcionam aqueles que participam delas so-
bre como proceder, além de serem “performances”, na medida
em que efetuam ou fazem presente o que elas mediam (Meyer,
2014: 26 [Capítulo 4 deste livro]).
Em suma, as formas sensoriais são capazes de causar um
excedente sagrado, de maneira mais ou menos poderosa e persu-
asiva, para aqueles que estão envolvidos.
As formas sensoriais incluem técnicas corporais que se in-
corporam no habitus; elas têm um papel chave na implemen-
tação de uma estética religiosa particular (no sentido de aisthe-
sis, entendida como um engajamento sensorial com o mundo
que sintetiza sensações e produção de sentidos) que calibra as
sensações e estrutura a percepção de uma maneira específica e
seletiva, direcionando a atenção de uma maneira particular e
induzindo a propensão para uma experiência extraordinária e
impactante.21 Exemplos do que tenho em mente englobam os
exercícios espirituais de Loyola (Smith 2002, p. 36); as “éticas de
escuta” dos sermões islâmicos, que demandam um “ouvido de-
voto” (Hirschkind, 2006, p. 67-104); as formas de “devoção vi-
sual” (Morgan, 1998; Pinney, 2004, p. 193); as práticas de glos-
solalia e outras formas de enunciação sagrada (Verrips, 2013); e
o consumo de alimentos sagrados (Behrend, 2011, p. 41-51).

21
Isso também é um ponto chave na estética alemã da religião; ver o site do Ar-
beitskreis für Religionsästhetik (http://religionsaesthetik.de).

270
O que permeia todos esses exemplos diferentes é o enqua-
dramento e o modelamento do corpo e dos sentidos como
mensageiros e indícios do divino.
Volto-me brevemente para a minha pesquisa em Gana a
fim de destacar como a noção de forma sensorial pode ser van-
tajosamente usada para explorar detalhadamente a produção do
excedente e a indução de um senso de maravilhamento. Junto
com Rhoda Woets (Meyer, 2011b, p. 1040-1050; Woets, 2016),
examinei como a imagem do Sagrado Coração de Jesus é ado-
tada e entendida pelas pessoas para tornar tangível o reino do
“espiritual” que está sempre presente no “físico”, mas que ainda
é inacessível para as percepções sensoriais comuns. Como uma
forma sensorial que media o poder de Jesus, a imagem é vista
por muitos como um objeto produtor de maravilhamento dota-
do de um olhar poderoso, capaz de agir em benefício de quem
a contempla em situações de perigo. Reminiscente da lógica de
objetos de poder tradicionais, essa imagem ainda sinaliza a su-
perioridade do cristianismo sobre o “paganismo”. Representa a
emergência de um mundo cristão que parcialmente encompassa,
mas também hostiliza ferozmente, a adoração a espíritos nativos.
Muitos dos filmes que estiveram no centro da minha pes-
quisa expõem como essa imagem é concebida para operar es-
piritualmente: ou seja, para ser efetiva em formas que excluem
o olho nu. Talhados nas expectativas e hábitos de visão de um
público predominantemente cristão, esses filmes contêm vários
efeitos visuais que são produzidos habilmente para desencadear
sensações de “encanto, maravilhamento e coisa parecida” sobre
o poder do Espírito Santo em libertar as pessoas dos conheci-
dos poderes das trevas. Os filmes são feitos para impressionar a
plateia e mantê-la atenta. Analisei tais filmes como formas sen-
soriais que, por sua vez, incluem formas sensoriais anteriores
do cristianismo popular e pentecostal, bem como da religião
tradicional (Meyer, 2015a). Examinei em detalhes como esses
filmes tornam visíveis e audíveis o que permanece inacessível

271
para os sentidos ordinários, apresentando-se assim como um
certo dispositivo técnico-espiritual, que faz a mediação entre
o “físico” e o “espiritual”. A análise minuciosa dos compósitos
de corpos e objetos (incluindo-se imagens) em diversas formas
sensoriais permitiu-me compreender o potencial de constru-
ção de mundo contido na religião, e a gênese do encanto e de
fascínio, no contexto tanto da religiosidade pentecostal quanto
da cultura popular em geral.
Para finalizar esta seção, observo que, inspirada por e am-
pliando as ideias de Marett sobre encanto, criei a noção de for-
ma sensorial como um conceito que aponta na direção de vários
procedimentos ou “métodos” através dos quais as sensações de
“encanto” e “uau!” surgem. Uma das vantagens desse conceito
é que ele demanda uma atenção focada nas micropráticas de
fabricação religiosa e, portanto, na produção de um excedente,
cuja emergência não precisa ser atribuída a uma força transcen-
dental sui generis, nem desconstruída como uma mera ilusão. Ao
invés disso, ela foca no que vejo como as notáveis capacidades
dos seres humanos de se dedicarem à coprodução de efeitos de
encantamento específicos que eles não reduzem a suas próprias
ações per se, mas as experimentam como maravilhosas. Esse tipo
de fabricação extraordinária, ou a fabricação da extraordinarie-
dade, pode ser mais bem entendido a partir de uma abordagem
teórica que reconhece a capacidade das formas de fazer (e de
destruir e refazer) o mundo, ao invés de meramente referir-se a
ele. Mais importante, tal fabricação não é algo apolítico e ino-
cente. Como o exemplo de Marett do bullroarer nos lembra, a
evocação do encanto e emoções correlatas ao “uau!” envolvem
frequentemente a confluência entre poder político e sobrenatu-
ral. Dessa maneira, o conceito de forma sensorial foi planejado
para propiciar uma investigação detalhada não apenas da gênese
de tais emoções, mas também dos seus efeitos na persuasão de
pessoas quanto à verdade e à realidade dos mundos constituídos
e sustentados por formas sensoriais.

272
Conclusão

Debatendo a transformação – em vez do desaparecimento


– da religião, o próprio estudo da religião também está preci-
sando de uma transformação que envolva olhar para o passado
a fim de desenvolver uma visão para o futuro. Inspirada pelo
trabalho de Hans Kippenberg, procurei discordar da perspectiva
aparentemente óbvia que considera Marett como desatualiza-
do, para posicioná-lo no centro dos debates sobre os dilemas da
modernidade e o problema do significado (Sinn) no começo do
século XX, buscando imaginar conceituações alternativas. Espe-
ro que minha leitura alternativa de Marett tenha sido capaz de
transmitir porque sua abordagem moderna da religião e sua no-
ção de encanto podem – ainda ou novamente – ser um recurso
valioso para as pesquisas atuais e futuras. No centro dessa noção,
referida a uma emoção poderosa gerada através de um método
padronizado, está o reconhecimento da capacidade do ser hu-
mano de impressionar e de ser impressionado mutuamente. Isso
é fundamental para dar forma e sustentar as relações de poder.
A visão de Marett sobre o encanto como algo produzido por um
conjunto de práticas que são em princípio observáveis e pesqui-
sáveis me estimulou a lançar a noção de forma sensorial, que
eu entendo como um conceito científico para explorar formas
de produzir um senso de excedente. Esse conceito nos permite
compreender desde dentro a formação da experiência religiosa –
e como o divino se torna real para os adeptos – mas ao mesmo
tempo oferece um ponto de vista desde fora.
No nosso mundo contemporâneo, o desejo por experiên-
cias intensas que envolvem algum tipo de “uau!” – e, claro, o
desejo de viver a “vida” – gerou um verdadeiro mercado para a
criação de dispositivos produtores de maravilhamento, técnicas
corporais e performances espetaculares que são feitas para im-
pressionar através de sensações e sentimentos fortes. É óbvio que
esse mercado não está confinado à esfera da religião, no sentido

273
comum e institucional, mas também pertence aos domínios da
propaganda, das artes e da política, com a entrada em cena de
líderes carismáticos e populistas. Em todo lugar parece haver
uma demanda constante por excitação emocional. Surgem to-
dos os tipos de formas sensoriais que prometem algum tipo de
estímulo. Se Walter Benjamin ainda pensasse que o crescimento
de tecnologias de reprodução de massa implicaria na perda de
aura, e que consequentemente formas culturais iriam perder a
capacidade de instilar um senso de encanto nos seus usuários,
ficou já bastante evidente que a aura é ressuscitada em novas
formas com suas próprias dinâmicas e procedimentos de evo-
car encanto (Bolter; MacIntyre; Gandy; Schweitzer, 2006, p.
32). Isso ficou estranhamente claro para Benjamin, que teste-
munhou a estetização da política do modo como ocorreram nas
performances do Nacional-Socialismo que foram concebidas
para instilar um senso de encanto. Também nos dias de hoje, o
encanto é frequentemente utilizado na estética da persuasão po-
lítica – por vezes até mesmo explicitamente, como na doutrina
militar dos Estados Unidos do “choque e impacto” (shock and
awe). É de extrema importância que estudiosos empreendam
uma análise fria de tais processos que sejam capazes de capturar
a produção do “uau!”, ao invés de apenas desconstruí-lo como
se não fosse nada além de uma ilusão baseada em algum tipo
de truque. Analisar o encanto não é uma tarefa metafísica, mas
uma maneira de entender a microfísica do poder. A teoria social,
em geral, e o estudo da religião em particular, estão precavidos
para desenvolver novos conceitos sintetizantes e sensibilizantes,
que transcendam dualismos ultrapassados – intelecto e emoção,
pensamento e sentimento, significado e sentidos, social e indivi-
dual –, de modo a ser capaz de entender a política e a estética da
construção de mundo (religiosa) em nosso tempo.

274
Entrevista com Birgit Meyer
Emerson Giumbelli, João Rickli, Rodrigo Toniol

Os textos reunidos neste livro foram publicados ao longo


dos últimos 10 anos, sendo o primeiro deles o texto de in-
trodução do Aesthetic Formations e o último o artigo “How
to capture the ‘wow’’. Quais são as principais mudanças que
você identifica em sua própria produção nesse período?

Permitam-me começar dizendo que estou muito animada


e contente com esse projeto de compilar e traduzir um conjunto
de textos meus. Isso é um grande estímulo para mim. Fico mui-
to agradecida por todo o esforço colocado no projeto! Embora
eu nunca tenha feito pesquisas no Brasil, estive no Rio de Ja-
neiro e em Salvador algumas vezes e cultivo bons contatos com
colegas trabalhando sobre e/ou desde o Brasil - Andre Bakker,
Patricia Birman, Fernanda Heberle, Carly Machado, Martijn
Oosterbaan, Mattijs van de Port, Bruno Reinhardt, Marjo de
Theije, além, claro, dos três organizadores deste volume. Percebi
muitas similaridades e ressonâncias entre meu trabalho, que está
fortemente ancorado em pesquisas em Gana, e fenômenos rela-
cionados a religião e sociedade no Brasil – especialmente quanto
aos elementos africanos do candomblé, o crescimento das igrejas
pentecostais e seus embates com o candomblé.
Com respeito à questão que vocês levantam, ao reler os
textos aqui compilados percebo tanto continuidades quanto
mudanças. Penso que meu trabalho é bastante marcado por sua
ancoragem na pesquisa colaborativa. A Introdução de Aesthetic
Formations (cap. 1) origina-se em um projeto (realizado entre
2000 e 2006) intitulado Modern Mass Media, Religion and the
Imagination of Communities que envolveu oito pesquisadores
(doutorandos e pós-doutorandos) e alguns professores visitantes.
Foi o primeiro grande projeto que eu coordenei. Como escrevi
naquele texto, meu objetivo era criar um “espaço intelectual” a
fim de desenvolvermos conceitos proveitosos e um vocabulário
compartilhado que nos permitisse percorrer diferentes contex-
tos. Depois desse projeto, que foi financiado pela Fundação Ho-
landesa para a Pesquisa Científica (NWO), tive a oportunidade
de liderar alguns outros projetos colaborativos, de diferentes
escalas, sobre a formação do patrimônio cultural, criatividade
e inovação, religião icônica, espíritos transatlânticos, relações
entre muçulmanos e cristãos na África e, mais recentemente, o
grande programa de pesquisa Religious Matters in an Entangled
World. Mesmo admitindo que esses projetos tomam bastante
tempo, pois incluem a organização de publicações e a elabora-
ção de introduções (caps. 1 e 2) e muitas outras coisas, muito
me alegra a energia empregada neles. Pois a dedicação à pesqui-
sa é uma atividade coletiva, ainda que como antropólogos por
vezes façamos muitas vezes trabalho de campo solitariamente.
É muito produtivo conectar-se com pesquisadores com várias
perspectivas disciplinares e de diferentes regiões, o que permite
tomar distância em relação à própria pesquisa e refletir sobre ela
a partir de uma perspectiva mais ampla.
Ao longo do período em que escrevi os textos aqui com-
pilados, desloquei-me institucionalmente da antropologia (na
Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Livre de Ams-
terdam) para os religious studies (na Faculdade de Humanida-
des da Universidade de Utrecht). Embora o estudo da religião
sempre tenha se mantido como meu interesse principal (espe-
cialmente cristianismo missionário e pentecostalismo), a defi-
nição disciplinar tem importância. Quando assumi a docência
na Universidade de Utrecht, o estudo da teologia estava sendo
encerrado e os religious studies vieram para substituí-la. Minha
aula inaugural (cap. 4) representou uma ocasião bem-vinda para
que eu refletisse sobre o futuro do estudo da religião em um
contexto, na Holanda, de esvaziamento de igrejas cristãs e de

276
crescimento de novas tradições religiosas, especialmente o Islã.
Meu objetivo era contribuir para a reconfiguração do estudo da
religião com uma perspectiva que eu chamei de pós-secularista
e pós-colonial, levantando questões sobre dimensões até então
bastante desconsideradas, como o papel das coisas e do corpo e
também os enredamentos transregionais de longa duração entre
a Europa e suas esferas de influência colonial. Fazendo isso, tive
que me reinventar como uma antropóloga em um novo contex-
to. Percebi que pontos tidos como muito tranquilos na antropo-
logia – dois exemplos: a relativa facilidade com que se apresenta
as perspectivas de seus interlocutores sobre a existência de Deus,
deuses e espíritos; a atenção voltada fortemente para um lugar
específico de pesquisa que é intensivamente estudado – não são
comuns, ou são mesmo desprezados, nos religious studies. Resul-
tado de uma longa elaboração que os constituiu como o outro
secular da teologia, os religious studies exigem que se sublinhe
explicitamente a diferença entre perspectivas êmicas e éticas (en-
tre pesquisadores e crentes) sobre o não visível, evitando-se as-
sim a acusação de confessionalismo. E a orientação geral é mais
comparativa (em escalas temporais mais longas que as utilizadas
comumente na antropologia). Até agora, considero produtiva e
estimulante a situação de estar entre esses dois campos. Busco
dar minha contribuição na reavaliação do papel e do lugar da
religião para além do paradigma da secularização. Dominante
durante muito tempo, esse paradigma previu erroneamente o
declínio da religião com a modernização e o desenvolvimento.
Atualmente, como pesquisadores nós procuramos dar conta da
(re)produção da religião em condições de secularidade e da plu-
riformidade das configurações religiosas modernas.
Retrospectivamente, distingo três trajetórias que se desdo-
bram em meu trabalho que foi bastante impulsionado depois
de minha transferência para Utrecht. Primeiro, a importância
da recuperação da estética – entendida em sentido amplo – para
o estudo da religião em sua relação com a sociedade. Depois de
cunhar a noção de formações estéticas (cap. 1), busquei desen-

277
volver essa abordagem, por exemplo, dialogando com os traba-
lhos de Jacques Rancière – especialmente sua noção de “par-
tilha do sensível” –, do sociólogo da cultura alemão Andreas
Reckwitz e de outros. Parto da necessidade de repensarmos a
exclusão da estética na constituição das ciências sociais do início
do século XX (com honrosas exceções) e de recuperarmos esse
campo, que inclui o corpo e os sentidos, como algo central para
a análise sociológica. Se admitimos que uma das questões chave
dos estudos sociais e culturais é o entendimento das dinâmicas
de vínculo e associação, dos processos de inclusão e exclusão, da
constituição social de realidades, não podemos nos dar o luxo de
negligenciar os modos nos quais a sensação e a experiência são
social, cultural, política e economicamente mobilizadas. Obvia-
mente, não há como sobrestimar a importância da estética tam-
bém no estudo da religião. Isso é evidenciado em meu esforço
em rememorar R.R. Marett como um pesquisador ainda valioso
que elaborou ideias estimulantes para entendermos como as pes-
soas são “agarradas” por experiências extraordinárias (o “uau!”)
engendradas por meio do que eu denomino formas sensoriais.
No livro Sensational Movies. Video, Vision and Christianity in
Ghana (2015, ver também caps. 3 e 5), eu busco mostrar como
o pentecostalismo articula e transmite um regime estético espe-
cífico que se expressa em filmes populares, informando a con-
formação de mundo pentecostal e moldando atitudes cívicas em
desacordo com noções convencionais de patrimônio nacional e
de política. Gradualmente, confiro mais atenção à coexistência
de pessoas vinculadas a diferentes formações estéticas em uma
mesma sociedade. Atualmente, tento atingir um entendimento
mais aprofundado do que chamo de ética e estética da diversida-
de, algo central para as modalidades de coexistência em cenários
pluralistas, tanto na Holanda quanto em Gana – e também no
Brasil, como mostram os trabalhos de Emerson Giumbelli e Ro-
drigo Toniol de que tenho conhecimento.
Segundo, no meu esforço de contribuir para reconfigurar
o estudo da religião, eu poderia continuar a explorar minhas

278
ideias sobre a religião como uma prática de mediação às quais os
meios (mídia) são intrínsecos. Há uma ligação forte entre isso e
meu grande interesse em uma abordagem material da religião.
Como é discutido na Introdução à coletânea Things (cap. 2), o
estudo da religião foi longamente moldado por um viés menta-
lista ou “protestante”, que considera a materialidade como algo
subordinado à mente e às ideias. É claro que, como me fazem
ver os diálogos com teólogos e historiadores dedicados ao cris-
tianismo, esse viés “protestante” não necessariamente caracteriza
as igrejas do universo protestante, no qual abundam formas ma-
teriais – edifícios, imagens – e práticas corporais. Ele caracteriza
uma perspectiva que se tornou dominante no campo intelectu-
al e que agora está sendo desconstruída. Mesmo assim, ainda
deixa suas marcas, por exemplo, em debates públicos sobre a
expressão adequada e correta da religião na sociedade europeia
(geralmente provocada pelo ingresso de fieis de novas tradições
religiosas, sobretudo muçulmanos). Enfatizando a tangibilidade
das mediações, ao longo dos últimos anos tenho buscado contri-
buir para a elaboração de uma abordagem material da religião.
De um lado, essa abordagem responde criticamente a esquemas
evolucionistas forjados em encontros coloniais entre populações
nativas, missionários e intelectuais, esquemas que consideram a
atenção a formas materiais e a rituais menos importante do que
a atenção ao significado (ver também o livro de David Chides-
ter, Empire of Religion). De outro lado, a abordagem material re-
conhece que as tradições religiosas empregam múltiplas mídias.
Como os textos compilados neste volume mostram, ao longo
dos últimos anos venho desenvolvendo um forte interesse con-
ceitual e etnográfico em imagens como mídias poderosas na re-
ligião, abrangendo tanto seu uso devocional quanto sua rejeição
como “idolatria” e “fetichismo” (podendo chegar até a destrui-
ção iconoclasta). Proponho que as religiões, de alguma maneira,
se relacionam com algo declarado como não visível, que pode
ser imaginado, referido em palavras ou aludido em imagens físi-
cas. Nesse sentido, as imagens podem ser entendidas como for-

279
mas sensoriais que são autorizadas como mídias adequadas para
mediar esse não visível e, ao fazê-lo, tornando visível o que não
se mostra imediatamente ao olhar. Como argumento na quarta
seção de minha aula inaugural (cap. 4) e no texto “Imaginando
o invisível” (cap. 5), as imagens ainda não receberam a atenção
conceitual e empírica que elas merecem no estudo da religião,
por conta daquele viés textual longamente estabelecido. Junto
com o trabalho pioneiro de David Morgan e Sally Promey, tem
sido inspiradora a vertente alemã de história da arte chamada
de Bildwissenschaft. Penso que essa interlocução interdisciplinar
com pesquisadores tais como Hans Belting e Christiane Kruse
seguramente aperfeiçoou minha compreensão do uso e poder
das imagens como mídias religiosas e formas sensoriais.
Agora o terceiro ponto. Após haver concluído o livro Sen-
sational Movies (a pesquisa começara em 1996 e continuou a
ocorrer durante um período de mais de 10 anos), a falta de tem-
po me impediu de iniciar um novo projeto de pesquisa antro-
pológica intensiva em Gana ou em outro lugar na África. Mas
recentemente foi possível inaugurar um projeto colaborativo
com pesquisadores seniores e juniores da Universidade de Gana
e do Trinity College – o projeto Madina1, como informalmente
o chamamos. Juntos, acompanhamos os processos de coexistên-
cia em Madina, um bairro em Accra, onde moram pessoas com
uma diversidade de pertencimentos religiosos e étnicos. Essa co-
laboração facilita o investimento no estudo da coexistência entre
todos os tipos de diferenças, situação que tenho considerado
como a regra, em vez de uma exceção. Faz tempo que penso que,
como antropólogos e estudiosos da religião, somos pessoas que
temos uma responsabilidade em dialogar com nossos colegas
acadêmicos nos países onde conduzimos pesquisas. A produção
do conhecimento tem sido – e ainda é – baseada em regimes
epistêmicos ocidentais. Ela precisa ser descolonizada, levando
em consideração distintas posicionalidades. Ter a possibilidade

1
(https://www.religiousmatters.nl/buildings-images-and-objects/madina/)

280
de colaborar com colegas ganeses no âmbito do projeto Reli-
gious Matters é algo fantástico.

Em breve a revista Material Religion completará 15 anos. É


inegável o papel que ela tem desempenhado na difusão de
trabalhos e divulgação da perspectiva que articula religião
e materialidade. Poderia comentar um pouco sobre as mu-
danças que você observa no perfil das pesquisas dedicadas ao
tema quando vocês começaram o projeto e atualmente?

Sou uma das editoras de Material Religion desde 2006, o


segundo ano de existência da revista. No início, ela serviu como
um fórum para reunir e apresentar pesquisadores dedicados
às relações entre religião e cultura material. Na época, isso era
ainda incomum, uma vez que o pressuposto de que religião e
materialidade não se relacionam era amplamente compartilha-
do. Atualmente, a ideia de religião material não é mais tomada
como um oximoro, e sim como algo (quase) normal. Desde o
começo, os editores enfatizavam que Material Religion não se
dedica simplesmente a culturas materiais religiosas, mas busca
desafiar as teorias e abordagens desmaterializadas comumente
aplicadas à religião (ver também cap. 2). O primeiro número
de 2014 trouxe um breve levantamento da primeira década,2
mostrando que a maioria dos artigos até então publicados fo-
ram escritos por pesquisadores das áreas de antropologia e reli-
gious studies e enfocam em grande parte a Europa e os Estados
Unidos, com a África vindo em seguida. Desde então, o escopo
de disciplinas e regiões tem se alargado, com mais artigos, por
exemplo, sobre a América do Sul. Talvez a notícia estimule os
leitores brasileiros a enviarem trabalhos? Posso também observar
que nos últimos anos há um diálogo explícito com abordagens
mais amplas voltadas à materialidade, tais como a Teoria do Ator

2
(https://www-tandfonline-com.proxy.library.uu.nl/doi/pdf/10.2752/175183414X
13909887177628?needAccess=true)

281
Rede, de Bruno Latour, e ontologias com foco nos objetos. De
modo geral, penso que a força da revista reside em sua atenção
empírica em coisas religiosas, em várias escalas. Em minha opi-
nião, deveríamos estimular mais elaborações conceituais explíci-
tas sobre materialidade em suas várias dimensões, por exemplo
na discussão do novo materialismo. Mas deixamos isso à escolha
dos colaboradores, é claro. Da minha parte, tomei a decisão,
após ter trabalhado como editora por 12 anos, de deixar o posto
a fim de poder me dedicar mais ao projeto Religious Matters.

Observando especificamente alguns movimentos disciplina-


res da antropologia, notamos uma tendência cada vez maior
de especialização: antropologia da religião, antropologia do
cristianismo, antropologia do secularismo etc. Você teme
que “material religion” se transforme em uma nova subárea
do debate?

Para mim a virada para a materialidade e a corporalidade


da religião é um movimento estratégico, com a intenção de cri-
ticar uma insuficiência e de transformar um regime epistêmico.
Fico contente em constatar que a adoção de uma abordagem
material tem se tornado mais e mais aceita e quase normal. Com
sorte chegará um momento em que falar de religião material não
será mais nem necessário. Em minha opinião, “viradas” – temos
vários exemplos: sensorial, icônica, material – são importantes
na medida em que juntam pessoas e reúnem energia conceitual
para se propor novos focos empíricos e abordagens que desafiam
o status quo e oferecem novas orientações para várias disciplinas.
Não sou nada favorável a termos mais subcampos nos religious
studies ou na antropologia, pois isso levaria a uma fragmentação
ainda maior. Entendo que a questão da materialidade – similar-
mente a gênero e diversidade – é transversal a todas as ciências
da sociedade e da cultura e que se deveria assumi-la para conec-

282
tar disciplinas e com o objetivo de acrescentar algo à grande área
das humanidades.

Em uma entrevista que você deu a Nadia Seremetakis algum


tempo atrás, você mencionou que sua escolha de se tornar
antropóloga estava relacionada à sua experiência no Togo,
quando você ainda era estudante de estudos pedagógicos e
religiosos em Bremen. Poderia, por favor, elaborar um pou-
co mais sobre a importância do seu trabalho de campo de
longo prazo na África, especialmente Gana, para o desenvol-
vimento de suas posições e argumentos teóricos?

Minha pesquisa em Gana tem sido o viveiro para todos


os meus insights e ideias. Fui orientada por Johannes Fabian e
aprendi com ele que a antropologia depende de encontros, con-
versas, trocas entre antropólogos e seus interlocutores. Trata-se
de um empreendimento crítico no qual o trabalho empírico faz
aparecer os limites de pressupostos teóricos e conceitos. O desafio
está em desenvolver abordagens por meio das quais os materiais
que reunimos – na verdade, que co-produzimos com nossos in-
terlocutores – desdobram seu potencial crítico. Desde o início, o
que me interessava eram situações de contato de longa duração
entre africanos e ocidentais baseadas no colonialismo, mais do
que a busca de ideias e práticas africanas supostamente tradicio-
nais. Daí meu foco em uma sociedade missionária alemã da pas-
sagem entre os séculos XIX e XX e seu trabalho entre os Ewe e
nos modos pelos quais a pregação cristã foi assimilada, transfor-
mada e desafiada – em um mundo cada vez mais tumultuado.
Em certo sentido, vejo meus vários locais de pesquisa em
Gana como minhas “zonas de fronteira” (ver o cap. 4), nas quais
eu me esforço para desenvolver um entendimento das questões
em jogo fazendo uma reflexão constante, por um lado, sobre
os conceitos e teorias que informam minha percepção e pensa-
mento e, por outro, sobre os insights surgidos graças a minhas

283
experiências e achados etnográficos. Retrospectivamente, diria
que me comprometi com três amplos projetos que estão relacio-
nados: missões coloniais e o surgimento de interpretações afri-
canas do cristianismo (pela vernacularização da mensagem cristã
e a diabolização de deuses e rituais nativos); pentecostalismo e
capitalismo neoliberal; e cultura popular, vídeo e pentecostalis-
mo. Partindo do primeiro projeto, percebi rapidamente que o
diabo era uma figura chave nos imaginários dos cristãos Ewe,
os quais, em sintonia com a pregação missionária, reinterpreta-
ram deuses e espíritos autóctones como demônios. Minha ideia
inicial era investigar possíveis tensões entre o oral e o escrito no
contexto da conversão ao cristianismo, mas o trabalho de campo
em várias igrejas em Peki (meu principal local de pesquisa) me
mostrou claramente que o diabo era a figura chave para acessar
as repercussões das pregações missionárias do século XIX desde
as igrejas de missão, passando pelas igrejas fundadas localmen-
te, até as igrejas pentecostais que ascenderam nos anos 1980.
Curiosamente, no momento em que eu começava esse trabalho,
no final dos anos 1980, muito da pesquisa sobre cristianismo
africano tinha como foco as ideias sobre Deus. Argumentei que
a figura do diabo era muito mais importante do que os estudio-
sos (incluindo missiologistas) estavam preparados para admitir e
que os empreendimentos missionários mereciam uma pesquisa
antropológica detalhada (algo incomum quando eu comecei).
Além disso, meu trabalho sobre conflitos e tensões entre os mis-
sionários e os Ewe me fez perceber certas limitações em minhas
ideias sobre religião, apontando para a relevância de objetos, do
corpo (por exemplo, as possessões) e dos rituais. Tendo como
inspiração o trabalho de Talal Asad e sua problematização das
abordagens universalizantes da religião, percebi o quanto eu ha-
via partido de um entendimento específico de religião que ecoa-
va minha própria educação protestante e produzia pontos cegos
sobre a religião Ewe ou, pela mesma razão, sobre o catolicismo.
Em meu primeiro livro, Translating the Devil (1999), eu foquei
bastante sobre a linguagem. Mais tarde, propus considerar o fe-

284
tiche, um pomo da discórdia consistente, como um ponto de
partida provocativo para uma abordagem material da religião
(cap. 4). Para realizar isso, planejo revisitar o arquivo da socie-
dade missionária que trabalhava entre os Ewe para dar muito
mais atenção à religião material. Além disso, durante o período
de meu trabalho de campo, o pentecostalismo se tornou signi-
ficativamente forte, e assim busquei entender sua atratividade
e seus efeitos com uma pesquisa detalhada, tanto no interior
quanto na capital de Gana. O pentecostalismo teve um papel
chave ao mediar modernidade e globalização. O uso habilidoso
de novas mídias pelo pentecostalismo no momento em que o
Estado ganês se abriu para o capitalismo neoliberal e implemen-
tou a desregulamentação dos meios de comunicação de massa
impeliu-me a estudar a relação entre o acesso de grupos religio-
sos a esses meios e a transformação da esfera pública. Tentando
dar conta de como os pentecostais moldavam e afinavam seus
sentidos com o objetivo de sentir a presença do Espírito Santo,
elaborei a noção de “forma sensorial”. A ascensão da indústria
de vídeo-filmes, beneficiada pela disponibilidade de tecnologias
de vídeo e pela derrocada do sistema estatal de cinema, ofereceu
uma oportunidade para o estudo da pentecostalização dos ima-
ginários populares e outras questões. Então eu diria que todos
os temas que desenvolvi nos últimos 20 anos foram provocados
por alguma perplexidade surgida de minha pesquisa em Gana,
gerando algum tipo de teoria crítica enraizada. Nesse momento,
trabalho em um texto intitulado “Estudando religião na e desde
a África”, no qual eu tentarei esmiuçar como e por que fazer pes-
quisa desde a África – em sintonia com a tendência de elaborar
“teoria desde o Sul” – marca uma diferença.

285
Sua pesquisa e de seus colaboradores estão focadas não ape-
nas na África, mas também no Oriente Médio, Ásia e Brasil.
Existem aproximações possíveis entre suas elaborações e as
discussões pós-coloniais que são bastante relevantes nos am-
bientes acadêmicos de todas estas regiões? Como elas pode-
riam ser descritas?

Como eu apontei acima, é preciso repensar o legado e as


direções futuras da antropologia e dos religious studies a partir de
um ângulo pós-colonial e pós-secularista. Ao longo do tempo,
eu tenho colaborado com acadêmicos que trabalham no Oriente
Médio e no mundo muçulmano (também graças à minha afilia-
ção como pesquisadora visitante no Leibniz Zentrum Moderner
Orient, em Berlim), Sul da Ásia, Brasil e Europa. Em todos estes
contextos, questões semelhantes e pertinentes emergem com re-
lação aos modos como os Estados regulam e “gestionam” a reli-
gião e organizam a coexistência por entre as diferenças em várias
configurações de maioria-minoria. É claro, sendo eu uma antro-
póloga, eu presto bastante atenção às especificidades de cada lo-
cal particular, mas ao mesmo tempo eu noto que nosso mundo
está cada vez mais enredado pelo capitalismo e por instituições
globais. Eu vejo como uma das principais tarefas identificar as
genealogias destes enredamentos através do trabalho histórico
comparativo e da reflexão crítica sobre os limites das epistemes
eurocêntricas dominantes até o momento. No estudo da reli-
gião, tal trabalho ocorre, por exemplo, ao se rastrear a difusão do
termo religião, sua tradução em novos contextos institucionais,
o modo como ele é investido de novos significados. No geral, eu
considero o rastreamento das traduções - e a política de usos dos
termos traduzidos - como uma das tarefas chave de uma crítica
acadêmica transversal que objetive retraçar as políticas de pro-
dução do conhecimento.
Meus locais preferidos de pesquisa são antigas e novas zo-
nas de fronteira, nas quais as diferenças são negociadas em hie-
rarquias de poder. Nós encontramos tais zonas não apenas na

286
esfera das regiões alcançadas pelo imperialismo europeu ou pelo
Império Otomano, mas também, por exemplo, nas metrópoles
contemporâneas. Eu tenho me interessado cada vez mais por
explorar as dinâmicas de coexistência em paisagens urbanas al-
tamente pluralistas e pluriformes como Amsterdam e Berlim,
nas quais conflitos e tensões em relação à expressão pública de
religiões relativamente novas como o Islã, ocorrem ao mesmo
tempo que o esvaziamento das igrejas cristãs e a transformação
do cristianismo em patrimônio. Cada vez mais eu tenho me in-
teressado pelos interstícios entre pessoas, nos quais diferentes
identidades religiosas, mas não apenas religiosas, friccionam-se,
mesclam-se ou chocam-se umas nas outras em certas constela-
ções de poder. Eu acho que a antropologia está bastante disposta
a compreender multiplicidade e pluralidade nas práticas cotidia-
nas, a partir da posição epistemológica da zona de fronteira. Isto
implica que eu tenha algumas reservas em relação à abordagem
orientada ontologicamente em antropologia, que é sobretudo
interessada na alteridade radical. Em contraste, eu estou interes-
sada em enredamentos e multiplicidade.

Especificamente sobre suas perspectivas teóricas, você uma


vez comentou que poderia se reconhecer como uma espé-
cie de nova fenomenologia. Você poderia elaborar um pouco
mais esta “associação”?

A fenomenologia da religião convencional, conforme foi


desenvolvida por Rudolf Otto e Gerardus van der Leeuw, tem
sido criticada por sua posição confessional e por ser cega às re-
lações de poder. Acadêmicos em religious studies se distanciaram
desta abordagem na década de 1970. Entretanto, posta contra
o pano de fundo de meu interesse no corpo e nas sensações, a
fenomenologia para mim é ainda importante. É claro, eu não
fui socializada no campo dos religious studies, onde se nota uma
espécie de alergia à fenomenologia. Na minha produção antro-

287
pológica sobre religião, eu tenho encontrado muita inspiração
nas obras de autores que trabalham a partir de uma perspectiva
fenomenológica (baseada em Merleau-Ponty), tais como Tho-
mas Csordas e Michael Jackson. Como eu mencionei acima, eu
considero importante apreender o papel do corpo e dos senti-
dos - estética no sentido de aisthesis - como fundamental para
a conformação religiosa do mundo. A fenomenologia é por ex-
celência o ramo da filosofia que reflete sobre as estruturas do
ser-no-mundo e da experiência e que desenvolveu métodos para
estudá-las. Buscando compreender a mobilização dos sentidos e
a afinação do conjunto dos sentidos como processos através dos
quais as pessoas se encaixam em formações estéticas particulares,
eu fico satisfeita em me descrever como uma nova (ou neo) feno-
menologia. Eu dou ênfase, entretanto, à dimensão do poder e da
disciplina mais do que normalmente se dá nesta corrente, inspi-
rando-me aqui no trabalho de Talal Asad, Charles Hirschkind e
Saba Mahmood. No quadro geral, eu preferiria não me identi-
ficar exclusivamente com uma ou outra corrente teórica. Como
eu tentei explicar, meu interesse em teorias e conceitos é bastante
conduzido pelos desafios que emergem do trabalho etnográfico.

A “religião material” como perspectiva poderia ser associada


à “virada material” - que está relacionada, pelo menos no
campo da antropologia, às contribuições de autores como
Latour e Ingold. Você reconhece associações entre seu traba-
lho e a perspectiva destes autores?

Mais com Latour do que com Ingold, na verdade. Em mi-


nha aula inaugural (cap. 4), eu discuto a noção de feitiche ela-
borada por Latour, que é baseada em sua crítica às purificações
modernas e o decorrente senso de superioridade dos modernos
sobre os outros “primitivos”. Se “nós jamais fomos modernos”,
“nós”, ocidentais, também temos nossos fetiches e, portanto, as
diferenças reivindicadas entre “nós” e “eles” perdem terreno. Eu

288
considero este aspecto do trabalho de Latour muito importan-
te e produtivo para o projeto de uma crítica pós-colonial da
produção de conhecimento no âmbito dos religious studies e da
antropologia, como descrito acima. E como eu aponto na aula
inaugural e no artigo sobre Marett (cap. 6), a compreensão de
Latour da crença como fabricação ressoa com o cerne da noção
de forma sensorial como um dispositivo para gerar a sensação
de presença extraordinária. Com a Teoria do Ator-Rede, como
desenvolvida por Latour em Reassembling the Social (2005), por
exemplo, eu aprendi a pensar sobre humanos e coisas como en-
redados de uma maneira fluida e relacional que torna impossível
manter limites rigorosos entre pessoas e coisas como categorias
separadas. Isso encontra ressonâncias numa abordagem material
da religião. Por vezes eu acho a escrita de Latour um tanto her-
mética. Relendo sua introdução ao volume maravilhoso Icono-
clash3, eu encontrei-me em discordância com o modo como ele
se refere ao Segundo Mandamento (Ex. 20, 4-6) como deman-
dando “uma sociedade totalmente a-icônica”. Ao contrário dele,
eu não considero que este mandamento (e certamente não em
sua interpretação radical que mesmo os calvinistas mais firmes
não compartilhariam) representa a diretriz central (ainda que
impossível de observar) para governar as relações dos huma-
nos com as imagens. Existe um acervo de relações humanos-
-imagens muito mais complexo fora do calvinismo - pensemos
sobre as complexas teologias da imagem em torno de ícones,
relíquias e figuras nas tradições ortodoxa e católica - que é parte
da genealogia da modernidade. Então, certamente se nós con-
cordamos que “jamais fomos modernos”, é importante levar es-
tas múltiplas genealogias em consideração. Uma boa tarefa para
acadêmicos dos religious studies! Eu acabei de escrever um ensaio
intitulado “Idolatria além do Segundo Mandamento” seguindo
estas linhas, que é parte de um volume que eu e o estudioso
do Velho Testamento Terje Stordalen organizamos sobre Figura-

3
http://www.bruno-latour.fr/node/64

289
tions and Sensations of the Unseen in Judaism, Christianity and
Islam. Contested Desires (no prelo).
Sobre Tim Ingold, eu tenho acompanhado seu trabalho
com admiração e interesse há bastante tempo, desde que ele or-
ganizou os debates de Manchester sobre antropologia. Eu gosto
muito de sua insistência em focar nos materiais em vez de falar
sobre materialidade num sentido altamente abstrato, conceitual.
Mas eu também noto diferenças entre seu pensamento e o meu.
Para mim, conceitos são necessários à produção de conhecimen-
to (ver cap. 4), e então eu não estou convencida do seu chamado
radical à imersão, sua orientação vitalística, e tudo isso. Com
todo o respeito, eu acho especialmente seus escritos mais re-
centes de alguma forma apolíticos e romantizadores. Eles estão
bastante distantes daquilo que eu considero importante como
antropóloga e acadêmica dos religious studies. A revista Social
Anthropology (v. 23, n. 3, 2015) produziu uma seção especial,
intitulada Forum Rethinking Euro-Anthropology (Repensando a
Euro-Antropologia), na qual a contribuição de Ingold e a minha
aparecem perto uma da outra, mas em relação ao conteúdo elas
apontam para direções bastante diferentes.

Na introdução nós já comentamos sobre seu novo projeto


“Religous matters in an entangled world”, que está ainda em
seus estágios iniciais, mas que a manterá ocupada nos pró-
ximos anos. Você poderia dizer quais são suas expectativas
com este projeto de pesquisa?

Eu pude desenvolver esse projeto graças ao Prêmio Spinoza


da Fundação Holandesa para a Pesquisa Científica (NWO) e do
Academy Professor Award da Academia Real Holandesa de Artes
e Ciências. Isto aconteceu de forma inesperada, e me colocou na
posição excepcional de poder organizar a pesquisa que eu con-
sidero importante e empolgante num momento em que finan-
ciamentos são escassos na nossa área. Eu decidi enfocar religious

290
matters4 num sentido duplo de artefatos e corpos que oferecem
a base material e corporal da religião, e das questões importantes
que emergem da coexistência na diversidade religiosa. A partir
de uma abordagem material da religião, nós olhamos para os
atos e formas materiais através das quais as religiões estão pre-
sentes, coexistem e possivelmente entram em conflito em con-
textos plurais particulares na Europa e na África. A manifestação
destes atos e formas é submetida a políticas estatais, arranjos le-
gais e convenções socioculturais acomodados em padrões histó-
ricos e modos de regular a religião marcados pelas suas histórias
passadas. Nós estudamos as configurações complexas de coexis-
tência religiosa através do foco em religious matters, tomando
coisas (especialmente edifícios e imagens), comidas, corpos e
textos como pontos de partida. Ao fazê-lo, nós buscamos tam-
bém avançar no desenvolvimento de conceitos e métodos para o
estudo da religião a partir de um ângulo material.
O projeto é concebido como uma trajetória em quatro fa-
ses, movendo-se do foco em imagens, objetos e edifícios, para
comida, corpos e finalmente textos. Em cada fase serão aber-
tas discussões com acadêmicos de outras disciplinas relevantes
para cada foco particular. Há algumas posições para pós-docs e
doutorandos e alguns jovens professores buscaram se afiliar ao
projeto com seus próprios recursos. Nós temos um ambiente de
pesquisa de muita convivialidade. Cada fase tem por objetivo
avançar no desenvolvimento de uma abordagem material para a
religião empiricamente, metodologicamente e teoricamente. A
maior parte da pesquisa trata da Europa e da África, sendo os
dois contextos compreendidos como conformados por relações
e vínculos transregionais de longa duração. Nós estamos prestes
a finalizar a primeira fase, que produziu empolgantes projetos

4
A palavra matter, em inglês, pode ser traduzida como o substantivo “coisa" ou como
o verbo “importar” (no sentido de “ser importante”). Decidimos aqui manter o ter-
mo religious matters sem tradução, pois neste trecho a autora enfatiza precisamente
seu duplo sentido, impossível de ser preservado em português. (Nota dos traduto-
res).

291
de pesquisa individuais (sobre a transformação de igrejas em es-
paços seculares e a transformação de itens outrora devocionais
em coisas religiosas fora de lugar, entre outros), o lançamento
do projeto Madina mencionado acima, bem como muitas con-
ferências e publicação de livros e artigos. Para mim o projeto
é uma espécie de ponto de convergência - ou cozinha - para
aprofundar nossa compreensão da pluriformidade da religião
em tempos seculares, com todas as decorrentes tensões e con-
flitos. Eu estou convencida de que uma abordagem material e
corporal é um ponto de vista fértil para o estudo de modalidades
de coexistência em nosso tempo, e tenho altas expectativas sobre
os resultados desta pesquisa, ao mesmo tempo que tenho prazer
em estar neste processo.

Birgit Meyer, Amsterdam, julho de 2018.

292
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