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net/publication/342663307
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Esther Dweck
Federal University of Rio de Janeiro
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Política econômica no Brasil: convenções, evolução institucional e o avanço do neoliberalismo (1995-2018) View project
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GESP
Grupo de Economia
do Setor Público
Instituto de Economia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
JULHO 2020
GESP IE/UFRJ
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
*
Os autores agradecem ao apoio de Daniel Drach na compilação dos dados diários da [B]³ e aos membros do
Grupo de Economia do Setor Público Gesp-IE/UFRJ pelas discussões sobre o tema.
1
Professor do Instituto de Economia da UFRJ.
2
Professor do Instituto de Economia da UFRJ.
3
Professora do Instituto de Economia da UFRJ.
1
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
que emite. De acordo com essa visão, o default da dívida pública interna soberana só
pode ocorrer no caso de uma decisão equivocada de política econômica4.
4
Como atesta o caso do Plano Real, onde não houve um confisco total, mas ocorreu um congelamento de
ativos como parte de um fracassado plano de estabilização. Ver Bastos e Ferraz (2020).
5
No sentido de beneficiários finais, uma vez que os detentores em si podem ser fundos de investimento, fundos
de previdência, carteiras administradas etc.
2
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
Já para outros autores, o canal de operação seria o câmbio: uma elevação dos
juros, ao atrair capitais, valorizaria o câmbio, afetando todos os preços determinados
em dólares, bens importados e commodities, que são consumidos diretamente ou são
insumos para produção doméstica, além de ter um efeito sobre os preços de todos os
produtos que concorrem com as importações.
3
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
Há ainda alguns economistas que defendem que a taxa Selic seja reduzida a zero
de modo a gerar três consequências básicas: reduzir o custo do financiamento público,
reduzir o impacto concentrador de renda de um maior endividamento e permitir o
financiamento monetário dos gastos públicos. Exploraremos essas questões ao longo
das próximas seções, buscando ressaltar alguns dos limites dessa proposta, caso levada
adiante.
6
A seção sintetiza os principais argumentos expostos em Pimentel e Martins (2020).
4
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
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Artigo 164 da Constituição Federal de 1988: “Art. 164. A competência da União para emitir moeda será
exercida exclusivamente pelo Banco Central. § 1º É vedado ao Banco Central conceder, direta ou indiretamente,
empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira”.
8
Destaca-se que essa institucionalidade é diferente em outras jurisdições. Ver, por exemplo, Lavoie (2013).
9
Formada pelos recursos referentes aos recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista (principal) e as
reservas livres (residual).
10
Isso não ocorre, contudo, se o critério levado em consideração é a dívida bruta do governo geral, que não
consolida o BCB na conta.
5
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privado vai precisar decidir o que fazer com o aumento da moeda em suas mãos. Ele irá
decidir se gasta esse dinheiro ou não; ainda, caso não gaste, precisa decidir sob que
forma irá manter esses recursos. Por mais que possa haver algum vazamento devido ao
peso do setor informal na economia brasileira, grande parte desse dinheiro irá retornar
ao sistema bancário e à conta Reservas Bancárias. Parte dele tomará a forma de
recolhimentos compulsórios e parte ficará como reservas livres nas instituições
financeiras.
É nesse ponto que a ligação entre as políticas fiscal e monetária vem à tona. No
Brasil, a institucionalidade da política monetária é tal que os bancos não recebem
nenhuma remuneração pelas reservas livres que mantém no BCB. Logo, não é de
interesse dessas instituições que esses recursos não originem nenhum retorno e,
normalmente, utilizam os mesmos para comprar ativos que ofereçam algum
rendimento.
Além disso, o Tesouro, por meio de leilões primários, realiza também a venda de
títulos públicos aos agentes privados, sejam instituições financeiras ou não. Apesar de
não se caracterizarem como uma operação de política monetária stricto senso, os seus
efeitos são similares aos das operações realizadas pelo BCB13. A compra de títulos em
leilões primários pelos agentes privados é uma forma de alocação do estoque de sua
riqueza monetária e os recursos assim originados resultam, juntamente com a
arrecadação de impostos, na “reposição” do saldo da CUT. Ademais, os títulos públicos
11
No Brasil, os fundos de investimento de renda fixa também carregam um saldo relevante dessas operações,
mas, embora beneficiários finais, são obrigados a operar por meio de uma contraparte financeira.
12
Existe um sistema de liquidação de títulos públicos federais privado mantido pela [B]³ e também um mercado
de compromissadas lastreadas em valores mobiliários privados, mas a profundidade do Selic é
substancialmente maior.
13
A venda de títulos equivale à atuação do BCB na ponta tomadora de recursos (“enxugamento de liquidez”) via
operações compromissadas.
6
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carregados nas carteiras das instituições financeiras são fundamentais para a própria
operação do mercado financeiro, nas suas operações diárias de “compra e venda de
dinheiro”. Feita essa observação sobre o mercado de títulos primário, podemos voltar a
explorar as operações que ocorrem no mercado secundário, ou as operações de política
monetária, stricto sensu.
Como se dá a atuação do BCB? No nosso exemplo, para que a taxa de juros não
se desvie da meta, a autoridade monetária atua “enxugando” os novos recursos,
vendendo títulos públicos com o compromisso de recomprá-los no futuro e atuando na
ponta doadora de recursos15. Ao realizar essas operações, o BCB gera uma mudança no
seu passivo: debita-se a conta Reservas Bancárias das instituições financeiras e credita-
se uma nova obrigação, aumentando o saldo de operações compromissadas
(compromisso de recompra).
14
A taxa Selic é a taxa média ajustada das operações compromissadas com títulos públicos federais no Selic.
Entram no cálculo as operações compromissadas correntes de um dia pactuadas com taxas pré-fixadas. As
contrapartes dessas operações devem envolver: (i) dois participantes distintos do Selic; ou (ii) um participante e
um cliente de participante, desde que os contratantes tenham liquidantes distintos no sistema. Ver Circular nº
3.671, do BCB, de 18 de outubro de 2013.
15
O BCB pode também lançar mão de operações de venda definitiva de títulos públicos, mas elas são menos
recorrentes.
7
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
Por fim, cabe mencionar que o mecanismo destrinchado nos parágrafos acima
ganharia um contorno específico caso a taxa Selic fosse zero. Neste caso, como seria
indiferente para as instituições financeiras manterem seus recursos na conta Reservas
Bancárias ou no mercado interbancário, o BCB não seria obrigado a realizar operações
compromissadas na ponta doadora, como descrito antes. Nesse caso, o resultado em
termos de endividamento iria depender do critério utilizado, mas o possível efeito
contábil do aumento da dívida bruta do governo geral tenderia a ser irrelevante17.
16
Um caso interessante para ilustrar essa situação pode ser dado pelo Canadá. De acordo com Lavoie (2013, p.
16), o Canadá tem peculiaridades na relação institucional entre Tesouro e Banco Central porque: “is unique
among the sovereigns investigated in that the Central Bank can participate at auction without restriction and
not as an add-on.” Ademais, os dealers primários são forçados a adquirir o total dos leilões da dívida a um valor
levemente inferior ao do mercado secundário. Ou seja, o Canadá é um exemplo de país mais próximo possível
de ter uma forma de financiamento direto ao tesouro. Ainda assim, se tirarmos uma média de 2009 a 2017,
observa-se a seguinte combinação: um déficit público médio relativamente reduzido para um país desenvolvido
logo após a crise de 2008, de cerca de 1,8% do PIB; uma taxa de juros básica muito baixa algo em torno de
1,01% na média mensal do período; e uma dívida pública média de 86,2% do PIB, que cresceu cerca de 10 p.p.
entre 2009 e 2017.
17
Para além da questão contábil, a fixação da taxa Selic em zero poderia desencadear outros processos no
mercado de títulos públicos, como, por exemplo, a rejeição de ativos indexados à taxa Selic, o que criaria uma
pressão para a emissão de títulos pré-fixados e reposicionamento dos indexadores. Num segundo momento,
isso poderia impactar o custo da dívida.
18
Para um estudo empírico sobre a relação de taxas de curto e longo prazo no Brasil, ver Akran e Uddin (2020).
8
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rendimentos (yield curve). No Brasil, a relação entre a taxa Selic e a taxa média de juros
que expressa o custo da dívida pública é ainda mais direta graças à existência de títulos
públicos pós-fixados que tem a própria taxa Selic como indexador, as chamadas Letras
Financeiras do Tesouro (LFTs).
Uma vez estabelecidos esses parâmetros básicos sobre o debate da relação juros
de curto e seus impactos distributivos, podemos fazer algumas considerações sobre
propostas atuais de “taxa zero” que seria hipoteticamente uma forma de reduzir o
custo fiscal da dívida. Qual seria o impacto desse efeito de curto prazo?
19
Toma-se como referência a curva de rendimentos expressa pelos diferentes vértices das taxas de juros
pactuadas nos contratos de swap entre taxas DI e pré-fixada, negociados na [B]³. Essa curva não equivale
integralmente à estrutura a termo da taxa de juros da dívida pública, mas a espelha com alguma precisão. Além
disso, essa curva é construída a partir de negócios efetivamente realizados e não sobre preços indicativos.
9
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anos apresentam alguma elevação, mas muito fruto do choque inicial. Portanto, esse
aumento do diferencial de juros não pode ser interpretado como uma pressão dos
credores decorrente de uma suposta percepção de maior risco de default, dado o
aumento do endividamento público.
5,00
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1,00
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14/mai
21/mai
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02/mar
09/mar
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09/jan
16/jan
23/jan
30/jan
06/fev
13/fev
20/fev
19/jun
06/abr
14/abr
22/abr
29/abr
04/jun
12/jun
Spread 3 anos Spread 5 anos
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-1,00
-2,00
-3,00
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07/mai
14/mai
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02/mar
16/mar
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02/jan
09/jan
16/jan
23/jan
30/jan
06/fev
13/fev
20/fev
06/abr
14/abr
22/abr
29/abr
04/jun
12/jun
19/jun
Fonte: [B]³.
Mesmo que o Copom defina a taxa Selic como uma taxa real negativa, ou mesmo,
uma taxa nominal zero, é praticamente impossível que as taxas longas alcancem esses
10
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11
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diferentes moedas e emitidos por diferentes países, há uma conexão direta entre a taxa
de juros doméstica e as taxas de juros internacionais. Essa mobilidade de entrada e
saída de capitais a um custo muito baixo contrasta, por exemplo, com a situação vivida
pelo Brasil em boa parte do Século XX até o início dos anos 1990. Nesse período, a taxa
de juros básica doméstica, ou ao menos seu piso, poderia ser determinada,
basicamente, de acordo com os objetivos de política econômica estritamente
doméstica.
20
Vale lembrar que estamos tomando uma condição de estabilidade em outros fluxos de capitais de caráter
mais autônomo, como uma eventual elevação do superávit em transações correntes ou do investimento direto,
seja ele greenfield, em novos projetos produtivos, ou mesmo na compra de ativos domésticos já existentes,
como foi, por exemplo, o caso da privatização das teles no segundo semestre dos anos 1990.
21
“A investigação econométrica mostra que o ajustamento da paridade coberta no Brasil ocorre com o
movimento das taxas de câmbio à vista e futura na mesma direção - de apreciação cambial diante do aumento
do diferencial de juros e de depreciação cambial no caso do aumento do risco país -, mas com uma volatilidade
maior da taxa de câmbio à vista” (ROSSI; ARAÚJO; BARBOSA, 2020, p. 95)
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O argumento dos que defendem a redução de juros abaixo do limite dado pela
taxa de juros internacional é de que a desvalorização cambial decorrente teria um
impacto inflacionário limitado, dado estado de quase depressão econômica e elevado
desemprego. Essa análise é apenas parcialmente correta. Sem dúvida, o desemprego e
desalento em taxas praticamente inusitadas limita a capacidade de reação dos salários
nominais, aludida acima. Por um lado, é possível que um impacto inicial de custos não
se propague para o conjunto da economia, mas, por outro, os salários reais, em grande
medida, absorverão o efeito inicial do choque cambial. Em um período em que os
elementos de demanda já estão todos deprimidos, o impacto negativo sobre o
consumo certamente é um fator que contribui para redução do PIB. Além disso, essa
redução de salário real, combinada ao elevado desemprego de trabalhadores informais
e formais, certamente contribuirá para a piora de desigualdade da distribuição
funcional e provavelmente pessoal da renda.
22
Pela chamada lei do preço único um bem que seja produzido domesticamente é potencialmente importado
poderá incorporar, ou repassar ao preço final, integralmente tal aumento devido a elevação do preço na
moeda local do bem concorrente importado. A questão do repasse, então, se concentraria mais no setor de não
comercializáveis. Entretanto, como o aumento atinge a todos os produtores a elevação do custo de um
produtor individual não implica em perda potencial de mercado.
13
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
Quanto à inflação corrente, alguns desses fatos discutidos acima podem ser
observados claramente. O índice acumulado negativo até maio, ou deflação, no ano de
0,16% esconde diferenças brutais de preços, refletindo exatamente as diferentes
estruturas de preços, mas claramente compreensíveis à luz dos argumentos anteriores.
Inicialmente, para uma deflação de 0,16% os preços dos alimentos subiram 3,7%, sendo
que a alimentação no domicílio subiu 4,28% e a fora do domicílio 2,36%, ou seja,
aparentemente o setor de serviços absorveu parte da elevação de custos com
alimentos23. O efeito de custo foi muito forte para explicar a redução de combustíveis e
energia. Combustíveis tiveram uma queda de 14,89% o que por sua vez impacta
diretamente transportes que caíram cerca de 5,28%24.
23
Um detalhe curioso e que pode estar relacionado com o próprio processo de distanciamento social e receio
da população em frequentar lugares fechados. Enquanto os lanches aumentaram de 6,38% as refeições
aumentaram só 0,82%.
24
Um exemplo interessante nesse item diz respeito às passagens aéreas que tiveram uma deflação de mais de
30%. Certamente aí se combinam uma redução de custos com promoções para atrair consumidores em um
setor praticamente devastado pela pandemia..
14
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
além desses efeitos é de se esperar que, uma vez reestabelecida alguma “normalidade”
de funcionamento da vida econômica, as estruturas setoriais se reestabeleçam e haverá
algum repasse de elevação de custos.
No curto prazo, seria uma hipótese razoável supor que o efeito de choque de
custo pudesse ser absorvido pela queda da margem do setor não comercializáveis, mas
sua validade será melhor avaliada posteriormente, inclusive, quando as pesquisas do
IBGE puderem retratar setores de serviços operando com algum grau de
“normalidade”.
Em resumo, manter a taxa zero ou abaixo da taxa básica internacional por algum
tempo pode ter um efeito distributivo via inflação maior que o favorável via redução
dos pagamentos de juros e pode aumentar a nossa vulnerabilidade externa.
Considerações finais
Uma política de taxa de juros zero, ou abaixo do que seria o piso para economia
brasileira, teria um possível impacto inflacionário o qual não estaria refletido de forma
sistemática nas cestas de consumo das populações com algum grau de isolamento
social. Como argumentamos, é pouco provável que este evento, inteiramente
passageiro, seja incorporado nas taxas mais longas de juros. Entretanto, o aumento da
venda de títulos pré-fixados a taxas relativamente baixas, em uma comparação
histórica, sinaliza que os agentes privados entendem como uma nova realidade as
baixas taxas de juros fixadas pelo BCB, mas certamente não no nível atual, muito menos
a uma taxa zero. Esse movimento é reforçado pelo anúncio do Fed, no dia 10 de junho,
de manter os juros no país no patamar entre 0% e 0,25% ao ano, e indicou que essas
taxas devem seguir inalteradas até 2022.
25
Para um análise recente do tema, ver Serrano (2020).
15
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política monetária como mecanismo estabilizador e para reverter crises já tem sido
abandonada em diversos países do mundo (HARDING; GREELEY; ARNOLD, 2020).
É cada vez mais claro que será necessária a forte ampliação da atuação direta do
Estado no pós-pandemia, tanto para garantir renda para população quanto para
estimular diretamente a economia por meio de investimentos públicos e da expansão
de serviços públicos. Nesse sentido, serão necessárias a revisão das regras fiscais26 e a
ampliação do endividamento público. Portanto, quando a economia estiver trilhando
alguma trajetória de recuperação, graças ao gasto público, possivelmente, como
argumentamos anteriormente, não haverá a possibilidade de manter a taxa de juros em
zero por um longo período de tempo. Cabe perguntar, então, se os economistas que
defendem uma ampliação dos gastos associada à taxa de juros zero ou muito baixas,
irão defender um ajuste fiscal quando não for possível sustentar essa taxa.
No entanto, a melhor forma de lidar com essa questão não passa por manter de
forma permanente a taxa de juros abaixo daquela permitida para um país periférico
com a conta de capital aberta. O que já era imprescindível no Brasil, anteriormente à
pandemia, mas que se tornou inadiável, é uma reforma tributária progressiva como
proposto no documento da Reforma Tributária Solidária (ANFIP, 2018), onerando
diretamente a renda de patrimônio e capital e revertendo parcialmente o efeito
distributivo concentrador do aumento do endividamento. Para aqueles que se
preocupam também com o nível da dívida, a reforma tributária poderia cumprir o papel
adicional de permitir que a expansão dos gastos tenha seu impacto sobre a dívida
pública minorado.
A única decisão de política econômica que deve ser evitada, sob o risco de
permanecermos com uma economia deprimida e estagnada e com desigualdade
crescente, é a retomada da austeridade no período pós-pandemia. A história recente da
economia brasileira e mundial deve servir de lição, tanto em relação à recuperação
muito lenta pós crise de 2008, nos países desenvolvidos, quanto à crise no Brasil de
2015 e 2016 e o quadro de quase estagnação da renda per capita que se seguiu. As
medidas de precoce de consolidação fiscal nos países desenvolvidos e continuados
26
Para um análise recente do tema, ver Dweck (2020).
16
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
A lição histórica não pode ser desperdiçada, mesmo porque o país passa por uma
situação extremamente crítica: um retrocesso econômico sem precedentes. Em 2019,
nossa renda per capita tinha regredido quase uma década, para o valor observado em
2010. Se esse ano for confirmado um cenário intermediário de queda do produto de
6%, teremos regredido 15 anos. Assim, caso não queiram criar no Brasil um fenômeno
de forte regressão econômica e social, os gestores de política econômica devem utilizar
de forma não ideológica os instrumentos que tem à sua disposição para estimular a
retomada do crescimento.
Referências bibliográficas
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15, 2017.
BASTOS, C.P.; AIDAR, G. Brazil´s Economy: Recent Trends and Perspectives. Texto para
Discussão IE/UFRJ, nº 15, 2019.
27
Lawrence Summers tem sido um dos economistas que mais tem explorado a hipótese de estagnação secular,
as limitações da política monetária e necessidade de maior ativismo fiscal. Ver Summers (2013), (2014) e
Summers e Stansbury (2019). Para uma avaliação crítica das hipóteses mainstream/novo keynesianas por trás
dos argumentos de Summers e outros autores o leitor pode consultar o site do Institute for New Economic
Thinking. Para uma revisão teórica, ver: Serrano, Summa e Moreira (2020)
28
Para uma revisão do período pós 2015/2016 na economia brasileira, ver Bastos e Aidar (2017; 2019). Para um
revisão de políticas recentes de ajuste fiscal “auto destrutíveis”, ver Dweck e Teixeira (2018) e Dweck e Rossi
(2018).
17
GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
BASTOS, C.P.; AIDAR, G. Crescimento do gasto público, tributação e dívida pública. Blog
do Excedente, 2020. Disponível em:
https://www.excedente.org/blog/crescimento-do-gasto-publico-tributacao-e-
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DWECK, E. Regras fiscais para os 99% da população. Jornal dos Economistas, Rio de
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HARDING, R.; GREELEY, B.; ARNOLD, M. Coronavirus: why central bankers say it is time
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GESP IE/UFRJ Grupo de Economia do Setor Público
SERRANO, F.; SUMMA, R.; MOREIRA, V.G. Stagnation and unnaturally low interest rates:
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SUMMERS, L.H. U.S. Economic Prospects: Secular Stagnation, Hysteresis, and the Zero
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19