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26.03.18
MICHEL TEMER UM VAZIO HENRIQUE
O APARELHO O PRIMEIRO DIA MEIRELLES
AUDITIVO DO GABINETE SEM 18 PERGUNTAS PARA EPOCA.GLOBO.COM
Nº1 030
DO PRESIDENTE MARIELLE O MINISTRO DA FAZENDA CARGA TRIBUTARIAFEDERAL
APROXIMADA4,65%
por Plínio Fraga por Leonardo Lichote por Daniela Pinheiro EXEMPLAR DO ASSINANTE
VENDA PROIBIDA
8
dos editores
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INA EITAVEL
RIME
A definição de crime político justificou
muitas ações contrárias a regimes totali-
tários. Por muito tempo, tornou-se bandeira
É preciso deixar claro, no entanto, que a
morte de Marielle Franco não foi um crime
político, uma forma suave e desvirtuada de
de movimentos democráticos que reagiram desqualificá-la. Foi um crime comum, e isso
com força a opressões brutais. A filósofa o faz mais grave, não menos. Foi comum por-
Hannah Arendt analisou com rigor motiva- que é usual numa sociedade que se acostumou
ções que podem legitimar atos fora da lei. A à violência. Foi comum porque repete a bar-
definição de crime de origem política, entre- bárie invisível tornada costumeira na perife-
tanto, é controversa e inconclusiva. ria. Foi comum porque os suspeitos são os de
No Brasil pós-redemocratização, muitos dos sempre em muitos dos assassinatos ocorridos
valores e slogans empunhados por atores polí- nos anos recentes. Foi comum por trazer em
ticos tornaram-se anacrônicos. Foram abando- si a certeza da impunidade que seus perpetra-
nados porque tinham o passado impregnado dores acumularam ao longo do tempo.
em si. A justificativa de crime político para o O assassinato urdiu-se nas entranhas
que se chamava de "expropriações" e "justiça- do desgoverno em que se atolou o estado do
mentos", por exemplo, perdeu-se no tempo. A Rio de Janeiro. Foi planejado e executado
definição moderna de crime político está asso- por aqueles que se acham inatingíveis pelas
ciada mundialmente à questão do combate ao leis - não por estarem acima dela, mas, sim,
terrorismo e à proteção dos direitos humanos. por viverem em seus subterrâneos. Dar ares
Tal apanhado jurídico se faz necessário em de crime político a ação que apenas reflete a
razão do brutal assassinato da vereadora ca- barbárie e o desregramento do sistema poli-
rioca Marielle Franco (PSOL). Mt1itas foram as cial repressivo brasileiro seria elevá-la a uma
vozes que se levantaram para apontá-lo como discussão jurídica improcedente.
"crime político", numa acepção nova. Seria po- Espera-se agora a pronta resposta does-
lítico porque vitimizou uma parlamentar com tado a um crime nascido da inapetência de
uma agenda de defesa de minorias e excluídos. seus principais gestores. A polícia do Rio
Seria político porque se suspeita que agentes antecipa à imprensa cada passo da investi-
públicos, em especial policiais militares de- gação. Pretende assim combater as críticas
nunciados por ela, possam estar entre os exe- de inação. No entanto, movimentações rui-
cutores e mandantes do crime. dosas são contraproducentes para investi-
Marielle Franco era uma liderança polí- gações técnicas e eficientes. A solução do as-
tica emergente e talentosa. Vida exemplar ao sassinato de Marielle Franco - com a prisão
ancorar na formação escolar e política seu e condenação dos culpados - dimensiona-
crescimento pessoal e público. Defensora de rá a capacidade do estado em proteger seus
bandeiras comportamentais progressistas , líderes e a própria democracia. O fracasso
alinhada aos segmentos mais sacrificados indicará instituições débeis , à beira do co-
pela desigualdade e pela violência. Era um lapso, alvo fácil de um batalhão de assassi-
quadro cuja vida longa enobreceria o sistema nos que perpetrarão impunes novos crimes.
político brasileiro. Crimes cada vez mais comuns. ____ _
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PERSONAGEM DA SEMANA 17
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Abby vive aos cuidados de familiares de sombra. Se essa sensação de perda se repete,
Michael, mas parece incapaz de superar a o desespero de mais uma vez tentar encontrar
morte de seu melhor amigo, com quem viveu aquela pessoa e não conseguir pode fazer com
por cerca de dez anos, e de sua irmã. Simone que o cachorro fique traumatizado."
Bergamini, presidente da Associação Brasilei- Além disso, o luto pode levar a doenças
ra de Medicina Veterinária Comportamental, físicas. Após ficar um tempo sem comer, por
explica que, assim como humanos, cães po- exemplo, o cão corre o risco de desenvolver
dem ter depressão, principalmente em casos gastrite. "Em casos como esses, uma forma
pós-traumáticos. "Se st1as referências de famí- de tratamento - além da necessidade de um
lia acabam repentinamente, isso pode ser um novo vínculo - é aumentar os exercícios e
trauma, principalmente após uma certa idade." trocar sua ração, com alimentos bem palatá-
Os sintomas são os mesmos que se ma- veis. Um cachorro com essa doença também George Michael
nifestam em uma pessoa deprimida: falta de não deve dormir no quintal, mas ter um rela- (abaixo) chamava Abby,
ânimo e apetite, isolamento, apatia ou perda cionamento bem próximo, de preferência no que vive hoje aos
,, cuidados da família
generalizada do interesse pela vida. Amigos mesmo quarto. ___________ _ do cantor, de
do cantor que convivem com a labrador afir- COM GABRIELADE OLIVEIRAVARELLA "minha garota"
mam que o apetite de Abby nunca voltou ao
normal. Outros dizem que ela parece "sem
alma" desde a morte de Michael. Os especia-
listas, no entanto, alertam sobre a necessidade
de fazer um exame físico minucioso antes de
dar um veredicto final de doença psicológica.
"É preciso confirmar se os sintomas apa-
receram imediatamente após a morte, ain-
da mais no caso de Abby, uma cadela idosa.
Antes de falar em depressão, é preciso checar
uma série de outros problemas físicos, como
artrose, problemas nos rins ou ainda hormo-
nais", afirmou Bergamini. "Uma vez confir-
mada a depressão, antidepressivos, em casos
mais graves, ou terapias cognitivas podem
ajudar o animal a criar novas referências de
afeto", disse a especialista.
A história de Abby lembra o célebre caso
do cão akita Hachiko, que sempre esperava
seu dono, o professor Hidesaburo Ueno, na
estação de trem de Shibuya, bairro de Tóquio,
quando este voltava ao final do dia da Univer-
sidade de Tóquio, onde dava aulas. Quando o
professor sofreu um AVC e morreu, Hachiko
continuou a esperá-lo. Por quase dez anos foi
alimentado por pessoas nas proximidades. A
história, ocorrida em meados de 1930, ganhou
relatos em livros, estátua em homenagem ao
cachorro e longas- metragens, o mais famoso
deles de 2009, com Richard Gere.
Os cães possuem um medo instintivo de
ficar sozinhos, afirmou Alexandre Rossi, zoo-
tecnista e especialista em comportamento ani-
mal. "Depois de uma grande perda, quando
seu porto seguro morre, (o cachorro)provavel-
mente vai precisar de alguém para substituir
esse afeto, desenvolvendo um vínculo ainda
maior com outra pessoa e virando até sua
O dono da Riachuelo,
Flávio Rocha, posa
no Aeroporto de Natal,
no Rio Grande do Norte,
onde fica a sede do Grupo
Guararapes. Foi no
interior do estado que ele
implementou o programa
Pró-Sertão, inspiração
para o Brasil 200
VOTE EM MIM 21
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chetes do dia seguinte caso o avião caísse.
Depois, com os corpos ainda sacolejando,
passaram a falar de Deus.
O MBL é um grupo que, entre outras ban-
deiras, diz que o imposto é um roubo,
que os cidadãos têm direito a andar arma-
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Justus declarou-se ateu. Flávio Rocha ajei- dos, que o nu na arte é imoral e que apoiou a
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iPhone e repreendeu o amigo: "Não diga isso (PSOL-RJ), assassinada há mais de uma sema-
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~ enquanto voamos. Deixe para depois que o na, era ligada ao tráfico de drogas .
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avião pousar". O outro se desculpou: "Estou "São os valores morais que despertam pai-
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z<( brincando. O avião está mexendo muito". xões. Ninguém fica se matando para discutir
22 VOTE EM MIM
ainda na juventude), conversa mirando o in- de negócios para o varejo. De volta ao Bra-
terlocutor na linha do nariz. Tem o cabelo gri- sil, estabeleceu-se em São Paulo, no mesmo
salho, que mantém mais escuro com a técnica prédio onde morava o pai, Nevaldo Rocha,
do ''reflexo invertido", quando se pintam de fundador do Grupo Guararapes - que in-
negro apenas alguns fios, dando-lhes uma apa- clui, além da Riachuelo, a financeira Midway,
rência natural. Tem mania de tocar o próprio o Midway Shopping Center e a Transporta-
corpo várias vezes como se procurasse algo em dora Casa Verde. A fortuna da família foi es-
bolsos invisíveis e é fã de camisas apertadas. timada em US$ 1,3 bilhão em 2017, a 39A no
É casado com a gaúcha Anna Cláudia Klein ranking nacional da revista Forbes.
Rocha, de 47 anos, com quem tem três filhos: Há quase duas décadas, Rocha mora na
Flávio, de 26 anos, Fernando, de 25, e Fabrício, mesma casa no bairro do Jardim América,
de 22. O mais velho, Felipe, que tem 31, é fru- em São Paulo. Em geral, acorda às 6h30 e lê
to de um relacionamento anterior com Alda um trecho bíblico em companhia da mulher.
Ramalho Pereira, filha do ex-gover11ador do Foi por meio dela que ele, nascido em família
Rio Grande do Norte Radir Pereira. católica, mergulhou na religião. Desde 2003,
Ele e Anna Cláudia se conheceram em o casal frequenta a igreja neopentecostal
1989, em Brasília, num desfile da grife Zoomp. Sara Nossa Terra - que tem entre os fiéis a
Casaram-se um ano e meio depois. Ela era cantora Baby do Brasil, a ex-modelo Moni-
modelo e amiga de uma ex-namorada dele, que Evans e o ex-deputado Eduardo Cunha.
então um deputado federal neófito. Rocha en- Depois do café da manhã (que inclui um
trou para a política em 1986, quando foi eleito copo de whey protein), ele malha por cerca
deputado federal pelo Rio Grande do Norte. de uma hora na academia de casa com uma
Reeleito em 1990, ensaiou candidatura à Pre- personal trainer, apelidada de Carol Pump.
RA TODOS
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que integra a caravana. Ele é também cura- como o setor empresarial, o agronegócio e gru- Flávio Rocha começou
dor de conteúdo e media training do empre- pos religiosos. "Os evangélicos são 30% da po- a viajar pelo país numa
caravana improvisada.
sário. «Brigo com ele para que se torne candi- pulação e devem ser os bastiões dos valores da A pequenas multidões no
dato", disse. A relação dos dois é tão próxima sociedade. Com todos unidos, a esquerda não Nordeste, ele discursa,
que Santos dá palpite até nas mensagens do vai ter espaço no Brasil. Voltaremos a ser um tira fotos e prega a
valorização da família
Twitter que Rocha escreve. Naquele dia, ele país sério", disse Renan Santos na apresentação
pediu que o aliado aprovasse sua postagem de Rocha aos empresários presentes na Fogo No Rio (abaixo}, ele
antes de lançá-la à rede: "Quem mata no Bra- de Chão. A citação aos evangélicos estava di- anunciou a distribuição
de 500 mil adesivos com
sil sabe que em mais de 90% das vezes nem recionada ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella, a mensagem "Eu apoio
sequer será descoberto. No resto do mundo, liderança religiosa reconhecida. Marcelo Cri- as nossas tropas",
além de 500 mil
o crime perfeito é impossível. No Brasil, ele vella Filho representava o pai no encontro. "O
cartilhas que orientam
virou rotina". Santos aconselhou: ''Você tem número de evangélicos no país pode, sim, fazer a população fluminense
de tuitar mais, mais e mais. O Trump se uma cadeira de presidente", endossou. Crivel- sobre como apoiar
construiu no Twitter". a intervenção militar
la Filho se definiu como apoiador de Flávio
na segurança do estado
Rocha, mas diz que os líderes evangélicos pre-
Ao final do evento, parte dos empresários do Rio, o plano de Rocha para a segurança
cariocas elogiou as convicções do parceiro, tem como eixo o endurecimento de penas
alinhadas às suas, mas alguns reclamaram para todos os crimes. A tese central é que as
da ausência de "pu nch " no discurso. Que- causas do crime não são a pobreza ou a desi-
riam que fosse mais incisivo na defesa de gualdade, mas "as escolhas dos indivíduos".
seus pontos de vista. "Ficou um pouco abstra- Entre outras bandeiras de Rocha estão a re-
to e amplo", disse o presidente da EO no Rio, dução da maioridade penal, a flexibilização
Roberto Kaplan. "Quem brilhou foi o meni- da legislação para a compra de armas e o fim
no do MBL", res11miu outro participante. de indultos e de a11xílio-reclusão.
O lançamento festivo foi ao som da músi-
camiseta polo preta, da Riachuelo, e um jeans comum a fé, "o alimento do espírito", em suas
também escuro. Nos pés, tênis multicoloridos palavras. Ao final da cerimônia, ela se disse (e
da grife italiana Dolce&Gabbana. Anna Cláu- parecia) de fato "revigorada".
dia já estava lá. Sentou-se em um dos bancos
no meio do salão. Dali em diante, oraram
de olhos fechados, cantaram hinos evangé-
licos, tiraram fotos, deram-se as mãos, ajoe-
Q uestionado sobre como se deu sua con-
versão, Rocha afirmou ter sido um pro-
cesso gradual, em que não houve epifania ou
lharam-se e agradeceram ao Senhor. Em um um momento mágico. Tendo a religião como
momento, o bispo Cristiano perguntou, com norte, Rocha se prepara para enfrentar temas
entusiasmo: "Quem tem sonhos? Quem fez polêmicos na campanha eleitoral. Q11ando
planos para 2018?". Anna Cláudia levantou questionado sobre homofobia, por exemplo,
a mão, adornada no pulso por uma corrente ele se va le de um dado: a Riachuelo empre-
dourada em que se lia "Deus". ga 500 transexuais, "a maior empregadora do
Mais introspectivo que a mulher , Rocha só Brasil", e permite o uso do nome social em
se juntava ao coro de "aleluia" ou "amém" em todos os formulários e credenciais. Não ex-
voz alta quando todos os fiéis o faziam. Em um plica, no entanto, por que transexuais ainda
momento, ela me segurou pela mão e me levou não foram representadas em campanhas pu-
para o palco para ser abençoado, já que era mi- blicitárias da empresa. ''Não descartamos no
nha primeira vez no culto. Havia várias faixas futuro", disse. Recentemente, ele foi atacado
onde se lia "Jesus te ama" e "Bem-vindo à fa- por integrantes da comunidade LGBT (Lés-
mília de Deus". Todos aplaudiam. Na hora do bicas, Gays , Bissexuais e Travestis e Transe-
dízimo, ele incumbiu Anna Cláudia de passar xuais) depois que começou a enfatizar publi-
o cartão de crédito - a maquininha foi coloca- camente suas posições conservadoras, o que
da a sua frente. Ela digitou o valor de R$ 1 mil e motivou uma leva de funcionários da própria
a senha da conta. Com uma fortuna pessoal Riachuelo a defender o patrão. "Estou longe
calculada em vários milhões de reais, Rocha ex- de ser um moralista, um careta", descreveu-
plicou o valor pago à igreja: "Não é algo cal- se. "Amaria um filho gay da mesma forma
Em cli ma de pré-campanha,
culado. Costumo dar quantias maiores quando que meus filhos héteros." Flávio Rocha é fotografado
recebo os dividendos da empresa", disse. Rocha disse ter amigos gays, como Guilher- com trabalhadores de
Segundo Anna Cláudia, que também usa- me Siqueira e seu companheiro, Domenico confecção do programa
Pró -Sertão, em um distrito
va uma camiseta da grife italiana , além do Dolce , um dos estilistas da Dolce&Gabbana. próximo a Parelhas,
apreço por moda, o casal também tem em Sobre o casamento homoafetivo, ele afirmou no Rio Grande do Norte
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Flávio Rocha que defende a lei como está em vigor. "Hoje, acompanhado pelo deputado Rogério Mari-
assume publicamente o Estado legitima, o que está corretíssimo, o nho (PSDB-RN), Rocha pousou perto de uma
pela primeira vez
sua disposição contrato entre duas pessoas do mesmo sexo confecção. Ali, cumprimentou trabalhadores,
em se candidatar ou não. Pessoas que resolvem fazer um con- atendeu a pedidos de selfies e parou para dis-
à Presidência. trato para coabitar, regular uma relação. Isso cursar. Disse que criou o movimento Brasil
"Sou soldado, vou
lutar", disse aí está de bom tamanho. Sou defensor da fa- 200 após frustração com a burocracia nacional.
mília em todas as suas configurações." Afirmou que, em 2009, em uma viagem à Ga-
Dentro do que chama ideologia de gêne- lícia, na Espanha, teve a inspiração de criar o
ro, critica a "erotização precoce de crianças" Pró-Sertão , projeto que previa a inauguração
sobretudo em escolas e centros culturais, de 300 fábricas para desenvolver a economia
como, segundo ele, a promovida pela expo- nordestina. "Vi ali o motivo para Deus ter me
sição QueerMuseu, no Santander Cultural, colocado nesta passagem terrena."
em Porto Alegre, no ano passado. Também Em seguida, o empresário se dirigiu ao
é contrário ao aborto, pois crê que "só Deus evento principal do dia, na Associação de
pode matar". "Vida é vida. Não há diferença Caminhoneiros de Parelhas. Lá, foi recebi-
entre matar um bebê de 1 mês e matar um do aos gritos de "Brasil pra frente, Flávio
feto de 9 meses", disse. Rocha presidente" e "Ou vai ou Rocha". De
Seria flexível, me contou, caso tivesse uma fundo, a dupla sertaneja Mateus e Cristiano
filha violentada e que houvesse engravidado. interpretava ao vivo o jingle que produziu
Afirmou que, nesse caso, respeitaria a escolha para o movimento, chamado "Que seja feita
dela. Também é a favor da criminalização das a vontade do po vo".
drogas e contrário às cotas raciais, as quais Para cerca de 4 mil pessoas, Rocha contou
define como racistas por si próprias. que enxergava na Galícia afinidades socioeco-
nômicas com o Nordeste brasileiro, pois é mais
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18 PERGUNTASPARA 33
1. Qual foi a maior besteira que o senhor já ouviu sobre a economia brasileira?
A besteira de que não existem problemas fiscais, que existe um gran-
de superávit da Previdência Socia l e que, em resumo, sobram recur-
sos e o governo pode gastar à vontade.
2• É difícil defender um governo que tem 6% de aprovação?
Não, eu acho que o importante é a realidade, e a realidade é que as
reformas estão sendo feitas, o país está sendo modernizado e, prin-
cipa lm ente, está saindo da maior recessão da história e crescendo.
Portanto, é muito fácil quando os fatos são favoráveis. E se basear
em fatos concretos e números positivos, minha experiência diz que
sempre é mais fácil e viável.
3 • Onde o senhor quer ver o presidente Michel Temer no dia 1º de janeiro de 2019?
Existem duas hipóteses. Caso eu decida ser candidato, na minha posse.
Caso eu decida não ser candidato e ele decida ser candidato, na posse dele.
4 • Onde o senhor gostaria de ver o ex-presidente Lula no dia 1º de janeiro de 2019?
(Silêncio) Quero vê-lo confraternizando com os amigos, porque nesse
caso seria de minha preferência o dia em que nós estaremos toman-
do posse e ele estaria celebrando com os amigos pelo fato de o país
continuar na democracia. E, apesar da derrota do PT, ter tido um
desempenho bom.
5 • O senhor se googla? Pesquisa o próprio nome na internet para ver o que estão
falando de sua pessoa?
Não.
6 • Qual é a maior debilidade da elite brasileira?
Eu acho que poderia haver maior engajamento nos assuntos que mais
interessam o país , mesmo que tragam prejuízos de curto prazo a
setores específicos.
7. Por exemplo?
Determinados s11bsídios que são prejudiciais e criam tetos fiscais que
prejudicam a economia e prejudicam a todos. Evidentemente, eu acho
que esses setores poderiam, por exemplo, em um cenário ideal, enten-
der que existe um grande benefício para o país e para eles próprios
caso a economia cresça. Para isso, é necessário controlar o déficit, o
que significa que não é possível dar tanto subsídio.
8 • Por que não se devem taxar grandes fortunas?
Nós estamos propondo a taxação dos fundos de investimento, que
é exatamente onde as grandes fortunas são aplicadas. Nós estamos
fazendo a taxação diretamente na aplicação dos recursos, que é a ma-
neira mais eficaz de efetuar essa tributação, segundo toda a experiên-
eia que já avaliei no mundo inteiro.
9 • O que falta ao povo brasileiro?
Eu acho que o povo brasileiro é um povo sábio, é um povo lutador.
Seria muita pretensão de qualquer um definir o que está faltando ao
povo. Evidentemente, do ponto de vista das escolh as ou da posição de
cada um. Agora , é claro que precisamos, sim, criar empregos e elimi-
Meirelles vê vantagens
e desvantagens em ser nar o desemprego. Isso, sim, falta à população: mais emprego, mais
um candidato rico renda e mais garantia de crescimento do padrão de vida de cada um.
34 18 PERGUNTASPARA
ARTIGO
epois de meia década politicamente traumática, é para ter acesso terão de liberar uma emenda para o polí-
D inegável que existe uma demanda por um Congresso
mais representativo. Infelizmente, não há nenhuma indi-
tico local ou um contrato público, uma contribuição de
campanha, um envelope de dinheiro. Recursos do .finan-
cação de que os aspirantes ao Parlamento mudaram suas ciamento público partidário também servem, obrigado.
táticas eleitorais nem o modo como se relacionam com Dessa maneira, um deputado monta sua base de apoio
eleitores. Haverá novos nomes, novos partidos, mas a po- como montamos um jogo de Lego, só que, em vez de pe-
lítica muito provavelmente continuará a mesma. ças, coleciona cabos eleitorais de luxo. Quanto mais recur-
Não temos o bom modelo de política, aquele em que sos ele tiver, mais aliados locais terá e maior será o "parti-
escolhemos representantes com propostas mais próximas do" que poderá montar. Se perder recursos, seu "partido"
do que queremos e, caso não cumpram com o prometido, poderá ser desmontado, pois antigos cabos eleitorais mi-
deixamos de votar neles. O que vemos parece ser o con- grariam para um concorrente mais abastado.
trário, com políticos defendendo seus pares suspeitos de Usando esse modelo e olhando do ponto de vista de
corrupção sem se preocupar se isso desagradaria ao eleitor. partidos em vez de deputados individuais, podemos ter
Entretanto, essa camaradagem faz sentido no plano elei- uma ideia de como serão as votações para deputado neste
toral, já que ela facilita a liberação de emendas, vagas em ano. Para isso devemos voltar dois anos, para as eleições
estatais e em ministérios e outros recursos. Por meio disso, municipais de 2016, e contar quantos candidatos a prefeito
o candidato a deputado consegue o que é mais importante os partidos lançaram - como medida do tamanho da cai-
na arena eleitoral: o apoio de políticos locais. xa de Lego de cada um-, já que, mesmo perdendo, esses
políticos locais mantêm certa influência. O MDB certamen-
Aquele vereador que você conhece te é o partido que teve mais recursos nas mãos para con-
ou o prefeito de seu município, tratar apoio e lançou cerca de 2.170 candidatos a prefeito.
são eles que fazem o verão Esse número de cabos eleitorais deve permitir a captura de
vários assentos. O PSDB não fica muito atrás: 1.600.
dos deputados. Por meio da relação Ao que tudo indica o PT sangrará bastante. O par-
que têm com eleitores, cultivada tido lançou ao redor de 930 candidatos, pouco mais da
com urna vaga na creche, um metade de candidaturas petistas em 2012, e sofreu mui-
to com trocas. Colocado forçadamente na oposição, não
emprego na prefeitura ou outros tinha muito como manter seus antigos aliados locais,
pequenos favores, políticos que agora trabalharão para a concorrência. Dito isso, o
locais criam urna rede de eleitores PT é o único partido com organização sólida de ativistas
e tem a seu favor a impopularidade de Temer, que pode
própria e cativa. se traduzir em maior apoio a siglas de esquerda. Por úl-
O político local cultiva esse bloco de eleitores não só para timo, como a atual bancada no Congresso garantiu uma
ajudá-lo a ganhar as eleições municipais, mas também bolada ao partido, petistas podem começar a arregi-
para "alugá-lo" para quem precisar de votos. Candidatos mentar no vos apoiadores. Resta saber se esses fatores
ao Legislativo têm grande interesse nesses votos, só que vão acolchoar o tombo. ____________ _
38 IN FERNO PETISTA
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) debandada de deputados, que poderia sepultar
julgar o caso do tríplex do Guarujá, afirmou a legenda, era real. Para tentar unir o partido,
que, antes de Lula ser preso, "vai ter de pren- o próprio Lula cogitou assumir a presidência.
der muita gente, mais do que isso, vai ter de Apesar de gostar de dizer que está com "ener-
matar gente". A declaração foi classificada gia de 30 e tesão de 20", Lula se deu conta, po-
como "infeliz" por Paulo Okamotto. O de- rém, de que dirigir o PT, disputar a Presidên-
putado federal Carlos Zarattini, de São Paulo, cia da República e responder a uma série de
disse que Hoffmann sofreu de "ansiedade ci- processos judiciais seria uma tarefa impossível
bernética" na tentativa de se mostrar proativa. para um homem com mais de 70 anos.
Diante da repercussão negativa, a senadora Com o ex-presidente fora do páreo, o ex-mi-
tentou justificar a frase com a alegação de que nistro da Saúde Alexandre Padilha e o ex-depu-
se valera de uma "força de expressão". tado Márcio Macêdo, de Sergipe, apresentaram-
No dia do julgamento de Lula pelo TRF4, se como candidatos da corrente majoritária.
minutos depois de os desembargadores con- Lula sabia que nenhum dos dois teria uma tarefa
firmarem a condenação do ex-presidente, ela fácil dia11tedo senador Lindbergh Farias, do Rio
subiu num carro de som em Porto Alegre e de Janeiro, que, com o apoio das correntes de
conclamou os militantes a "radicalizar". Esse esquerda, começou a angariar votos para a pre-
tipo de declaração, por um lado, serve para sidência. Foi nesse momento que Lula tirou da
incendiar os simpatizantes petistas, mas por cartola o nome de Hoffmann. A aposta era que
outro aumenta a antipatia ao partido na par- Lindbergh abandonaria a candidatura para não
cela da população que se mantém distante da entrar em confronto com a colega, com quem
polarização política. É como se a senadora ele cultivara uma forte amizade no Senado. A
pregasse apenas para os já convertidos ao lu- escolha de Hoffmann teria também o aspec-
lismo numa eleição presidencial que caminha to simbólico de pôr uma mulher no comando
para uma disputa em dois turnos. do partido depois do impeachment de Dilma
Há 15 dias, no último dos episódios verbor- Rousseff. Hoffmann inicialmente resistiu. Não
rágicos, Hoffmann repreendeu publicamente queria se distanciar dos filhos adolescentes, que
o governador da Bahia, Rui Costa, por ele ter vivem em Brasília. Mas, como os soldados não
sugerido que o apoio a um candidato de outro podem dizer não ao general, acabou cedendo.
partido pode ser um caminho a ser trilhado Mesmo assim, Lindbergh continuou na disputa,
pelo PT caso Lula seja impedido de concorrer mas cobria a paranaense de elogios. Os militan-
na eleição deste ano. Horas depois da repri- tes entenderam o recado e elegeram a senadora
menda, Hoffmann acompanhou Lula em um para presidir o partido por dois anos.
jantar no Palácio de Ondina, a residência ofi- Para auxiliá-la, foram escalados dois dos
cial do governador que ela atacara. O constran- mais próximos aliados de Lula, que estiveram
gimento dominou o início do encontro e só foi ao lado do ex-presidente nos oito anos no Pla-
amenizado, ao final do jantar, com o impulso nalto e podem ser considerados os últimos co-
de taças de vinho. No dia seguinte, sem o efeito ronéis petistas por aquela analogia entre o par-
do vinho, os dois mostraram distanciamento tido e uma divisão militar. O ex-ministro Dulci
ao subir ao palco de um evento do Fórum So- assumiu uma vice-presidência e o ex-chefe de
cial Mundial, realizado em um estádio de fu- gabinete de Lula Gilberto Carvalho cumpre a
tebol de Salvador. Em seu discurso, Hoffmann mesma função na direção do PT.
não mencionou o governador. Costa saudou
Lula, a pré-candidata do PcdoB à Presidência,
Manuela d'Ávila, mas ignorou Hoffmann. H offma1111,ao assumir, foi logo avisando
que, com ela, não haveria revisão dos
erros do passado. ''Não somos organização
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46 CRÔNICA DA DESPEDIDA
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Enquanto Marielle ocupou o gabinete, o te- sem papéis espalhados. Ao ouvir recentemente
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lefone tocava com frequência - inclusive seu o argumento de que era difícil manter tudo em
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número pessoal, que ela costumava dar a quem ordem num ambiente compartilhado por tanta
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chegasse pedindo ajuda, desde o tempo em que gente, Marielle sugeriu aos funcionários que eles
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atuava na Comissão de Direitos Humanos da tivessem pastas individuais para guardar seus
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gabinete com solicitações como o auxílio para tempo de implantar a ideia.
redigir um currículo. Ou até com desespera- A movimentação de Marielle no gabinete
dos pedidos de socorro, nos casos de mulheres não era discreta. Distribuía galhos de arruda
sofrendo violência doméstica ou tendo de lidar à equipe quando sentia que precisava barrar
com traumas graves ("Meu filho foi assassina- energias negativas. Tinha o costume de dar
do, estou enlouquecendo"; "Minha amiga foi tapas amistosos - o que não significava que
vítima de estupro e quer se suicidar"). Não era fossem fracos, pelo contrário. Reclamava da
raro aparecer alguém simplesmente com fome. bagunça em voz alta, da mesma forma como,
Nessas ocasiões, antes de qualquer conversa, sem esbarrar no autoritarismo, cobrava desem-
abria-se a geladeira, preparava-se um prato. penho. Podia ouvir em resposta, como piada,
Ao lado da geladeira, hoje, ainda se lê o aviso: ''olha a relação opressor-oprimido". Ria.
"Amoras e amores: atenção aos restos de comi- No gabinete, a intimidade de Marielle com
da". Ela não tolerava a desorganização. Cobrava sua equipe se revelava também de forma menos
que a equipe mantivesse o gabinete arrumado, espalhafatosa. Como no ato de chamar uma in-
tegrante da equipe à sala para conversar. A pauta,
revelou-se depois , não tinha nada a ver com tra-
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balho. Ela queria apenas saber por que a funcio-
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nária estava triste e, mais do que isso, o que po-
o deria fazer na prática para ajudá-la. Era o tipo de
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liderança que assumia as responsabilidades sim-
~ bólicas e práticas do cargo, mas que também não
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tinha pudores em dividi-las. "Não sei o que fazer
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o nosso", dizia. E, depois de cada pronunciamento
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na tribuna, sempre perguntava à equipe como
havia sido sua fala, em que poderia melhorar.
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CAMARA MUNICIPAL
DE SÃO PAULO
por Luciana Xavier
em depoimento a Luiza Souto
rabalho com educação infantil há mos uma criança com limitações , a gente
14 dos meus 41 anos. Um dos nos- não consegue dar um bom atendimento. Já
sos desafios é enfrentar a falta de traba lh ei em escola onde o aluno não tinha
recursos , o sucateamento da edu- cadeira de rodas. Levávamos então no colo.
cação e a grande quantidade de A gente se vira nos 30, dá aquele jeitinho bra-
alunos dentro das salas. Às vezes, sileiro. Costumo dizer que a gente, em pri-
o professor tem de lidar com 45 estudantes meiro lugar, é médico, psicólogo, assistente
num mesmo espaço. Por isso , sempre partici- social. Se der um tempinho, a gente dá aula.
pei de manifestações e greves. Essa proposta da Previdência começou
Muitas de nossas reivindicações não são com o ex-prefeito Fernando Haddad, do PT
salariais, mas por condições de trabalho, in- (a versão inicial da reforma previdenciária em
fraestrutura , todo o aparato. Trabalho numa São Paulo, o projeto de Lei 621/2016, foi apre-
creche em São Mig11el Paulista, na Zona sentada por Haddad). Fizemos greve de 45
Leste de São Paulo. Neste ano, estou com 20 dias e acampamos em frente à prefeitura. Sur-
crianças de 2 anos n11ma sala. É muito por- tiu efeito. Desta vez, decidimos fazer greve a
que crianças nessa idade têm uma dependên- partir do dia 8 de março e programamos ma-
cia maior. Também nos manifestamos para nifestação na Câmara Municipal na quarta-
não perder direitos, como no caso dessa re- feira dia 14. Algumas pessoas acamparam no
forma da Pre vidência Social em São Paulo (o local. Levei minha barraca e cheguei às 10h30.
atual prefeito, o tucano João Daria, defende Para os professores acampados, reservaram
projeto de lei que prevê a elevação da contri- 20 senhas de entrada na Câmara. Eu peguei a
buição previdenciária dos servidorespúblicos de número 19. Mas havia outras categorias -
municipais de 11% para 14 % do salário a fim e às 11 horas já havia uma fila gigantesca.
de cobrir o déficitprevidenciário, que pode che- A Guarda Civil Metropolitana (GCM) es-
gar a R$ 8,4 bilhõesem 2020). É muito número. tava organizando a fila quando uma confu-
Somos números para todas as instituições. O são deflagrou. Fecharam o portão e mesmo
que vale é o financeiro. Mas , se não cuidar da quem tinha a senha não entrou. Começaram,
base, toda a estrutura fica comprometida. então, a forçar a entrada. E não tinha mais
Luciana Xavie r A creche de São Miguel Paulista fica num como negociar. Era sua vida que estava em
disse acreditar prédio antigo, que tem mais de 25 anos, e jogo. Jávínhamos de nove dias de greve. Es-
não ter sido atingida
sem que rer. "El es nunca passou por uma reforma. Não temos távamos cansados. Ninguém faz greve por-
. . ,,
miraram em mim rampa de acesso, por exemp lo . Se recebe- que quer e acha bonito. Greve não é bacana
50 VIVI PARA CONTAR
da. Podiam ter falado que eu estava exaltada, Na foto ao lado, Luciana
Xavier no momento em
agressiva. Estava exaltada mesmo. Era minha
que entrava na Câmara
vida em jogo. Que me empurrassem , então. Munic ipal de São Paulo
Eles poderiam ter me tirado dali pelo braço. ao lado de out ros
Agora, bater no rosto de uma pessoa? Não es- ma nifestantes para
protesta r contra
tava armada, nem com pedra. Como vou ofe- a reforma p revidenciá ria
recer risco a alguém? Eu tenho 1,60 metro. O proposta por Daria.
agente tinha, no mínimo, 1,80 metro. Abaixo , com o rosto
ensa nguentado,
Quando viram minha agressão, com mi- depois de se r at ingida
nha imagem no telão, a violência deflagrou po r um cassetete
de vez. Gritavam: "Tem uma professora en-
sanguentada". Perdeu-se o controle. Não sen-
ti dor na hora. Meu ouvido zumbiu. Só falei:
"Arrombaram meu rosto". Eu tinha certeza ,
para ninguém. Você fica sem trabalhar, os pela quantidade de sangue. Foi um choque
alunos sem atendimento. O professor fica para mim. Vinha de 45 dias de greve do go-
com seu lado psicológico destruído. verno anterior e não tinha passado por isso.
Os ânimos foram se acalmando, e decidi- Não estou defendendo o governo anterior.
ram então abrir para 150 pessoas entrarem. O Ele foi horroroso com a gente, mas nunca vi
combinado era transmitir, por telão, para os tamanha truculência.
demais. Como eu estava na linha de frente, gri- Jamais poderia imaginar que seria agredi-
tava: ''Tenho senha!". O guarda municipal dava da. Estava dentro de um espaço público. Eles
risada: ''O problema é seu. Vocês são culpados estavam ali para proteger o patrimônio. E o
disso tudo. Senha, agora, não vale, professora". ser humano, não?
Fomos entrando de um em um, depois de re- Meu.nariz foi fraturado, mas é melhor des-
vistados. O Choque da GCM estava lá nos re- cartar uma cirurgia porque ela seria muito
cebendo. Fiquei dentro da Câmara menos de invasiva. Tive uma boa recuperação. A narina
meia hora. Quando o relator (vereador Caio direita está mais entupida, ainda tenho dificul- o
Miranda, do PSB) começou a ler o PL, gritamos dade para respirar, mas o médico disse que vai ""
o
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(!)
palavras de ordem: «Retira o PL, é nossa vida passar. Posso ter de 5% a 10 % de comprometi- o
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(.)
que está em jogo!". Tinha um cordão da GCM mento respiratório nessa narina, mas o médi- z
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onde o relator estava. Quando observaram que co achou que não compensa a agressividade de :'!:
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estávamos muito próximos ao relator, o Cho- uma cirurgia. Ele disse que sou dura na queda. w
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que da GCM entrou por trás, já com o cassetete O secretário municipal de Educação (Ale- l-
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levantado, mas não havia confusão generaliza- xandre Schneider)ligou para meu celular para ô
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da. Como professor vai brigar com professor? saber se podia me ver e pediu desculpas. Disse: ~
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As outras categorias estavam todas de braços "Me desculpa, agradeço sua preocupação em o
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dados. A gente tentava acalmar uns aos outros. me ver, mas não tenho condições psicológicas o
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sobre minha indignação. Eu respondo que paralelos. Sempre dei aula para a educação
estou focada na recuperação. Não consigo infantil. Tenho formação para o ensino mé-
ainda fazer um diagnóstico de tudo isso, até dio e para direção , mas meu foco é no infantil
porque estou evitando pensar sobre. Sou porque é lá que os hormônios estão em ebuli-
uma professora com saúde mental ainda es- ção, a criança tem um repertório aberto, não
truturada. Daqui para a frente, não sei como está engessada pelo sistema. Não tem esse ne-
vai ficar. As pessoas têm formas diferentes de gócio de que criança é tábula rasa. Elas nas-
lidar com problemas. Agradeço o apoio de cem meio prontas, predispostas a aprender.
muitos amigos e da família. Entro na sala de aula com a mesma paixão
As pessoas costumam dizer que ser pro- de sempre. Meus pequeninos precisam disso.
fessor ou médico é uma missão. Sou traba- Se eu não estiver bem psicologicamente, eles
lhadora como qualquer outro e quero receber não estarão. Tenho de oferecer o melhor. A
por isso. Prestei concurso com 220 mil pes- criança já chega com uma estrutura social
soas e consegui uma vaga. Quero ser recom- arrebentada. Se eu for embrutecer, esse ser
pensada. Meu salário-base está entre R $ 3,5 humano também irá. Aí estará tudo perdido.
mil e R$ 4 mil. Trabalho 30 horas por semana. Ser professor acabou se tornando uma
O professor estuda a vida inteira, está cui- profissão compensatória. Os alunos estão
dando e educando pessoas de zero a 17 anos. indo para a escola não para receber forma-
Qual o problema em ganharmos bem? ção, mas com carência social e afetiva. A so-
Sou de família humilde. Meus pais são nor- ciedade está desestruturada e desemboca na
destinos, da Paraíba e de Pernambuco , mas escola. O que a criança não tem dentro de
nasci em São Paulo, na Vila Mariana (Zona casa, eu preciso compensar e, se der tempo,
Sul). Minha história é como a de muitas famí- ser professora.
lias nordestinas que vieram para São Paulo em
busca de oportunidade. Meu pai nos susten-
tava com trabalho de pedreiro e pintor. Ele só
estudou até a 4A série. Minha mãe nem fez o
A inda vale ser professora. Queria muito
que os jovens não desistissem. Só que
educar custa caro. Quem tem educação pú-
primário. Era do lar. Então eu só tinha condi- blica de qualidade vai reivindicar seus direi-
ções de estudar em escola pública. Eles tenta- tos. Educação incomoda. Acredito que a de-
vam fazer de tudo para oferecer cursos parale- manda da repressão é de acordo com a força
los, como de inglês, e manter o material intacto. do movimento. Se recebi essa cassetada é
Meu pai encapava todos os cadernos e livros. porque o movimento está forte e os profes-
Em 1996 , eu me formei no magistério. Te- sores estão incomodando. Não vamos recuar.
nho uma graduação, além de outros cursos Doria mandou bater no nariz errado. ----
OUTRO LADO:
A Secretaria de Segurança Pública
disse que a interv enção da Polícia M ilitar,
do lado de fora da Câmara Municipal,
foi necessária devido ao tumulto.
A assessoria de imprensa da presidência
da Câmara Mun icipa l de São Paulo
disse que a confusão começou
após os manifestantes avançarem
contra os vereadores e jogarem garrafas
d'água contra os parlamentares, com
o objetivo de "imp ed ir à força a leitura
do relatório sobre o PL 621 ". De acordo
com a Câmara Municipal, o inqué rit o
policial vai apurar o ocorrido e os
danos causados pelos manifestantes
ao patrimônio público. O prefeito João
Doria lamentou o incide nte e criticou
a violência dos do is lados. Afirmou que
a Guarda Civil Met ropolitana instaurou
inquérito para apurar os fatos.
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"Eles estão nos matando. Não ao silêncio", protestaram poucos manifestantes na Cidade do México, no ano passado, em reação a morte de jornalista
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FANTASMAS HISPÂNICOS 57
• • • prpires@edglobo.com.br
esde 1972, quando aos 28 anos firmou o inapelável Buscava a margem da margem, testando sempre os
D "Pra mim chega" no bilhete de despedida, Torquato
Neto ronda a cultura brasileira da mesma forma errática
limites da dissidência. Quando, por exemplo, se debatia
o Cinema Novo quase como um consenso, ele apontava
com que viveu. De lá para cá, já foi tratado como mal- para o udigrúdi e, mais além ainda, exaltava o super-8,
dito, mártir , gênio. Ficou esquecido, virou moda. Suas formato em que forjou sua imagem mais marcante - não
músicas foram regravadas, ele ganhou parcerias pós- a de crítico eventual (de paixão godardiana) ou de dire-
tumas. Foi, enfim, vítima de reiteradas "redescobertas", tor frustrado, mas encarnando, como ator improvisado, o
como se a "tropical melancolia" que nomeou e encarnou protagonista de Nosferatu no Brasil, de Ivan Cardoso.
não estivesse sempre lá, face sombria e indissociável da As sequências de Torquato-Nosferatu percorrem todo o
estridência tropicalista. Quando se comemoram os 50 filme como uma assombração. Não são poucas as suges-
anos de Tropicália, disco que é resumo e pedra funda- tões, nos depoimentos, de que ali, na figura sinistra emula-
mental do movimento, Torquato volta uma vez mais, da de um filme B, ele projetava os demônios que levariam
agora como tema de Torquato Neto - Todas as horas do a seu suicídio. E, a sua revelia, claro, a uma ostensiva mi-
fim, documentário que mergulha sem hesitação em seu tificação. Tese de certa forma encampada pelos diretores
complexo universo estético sem precisar perder tempo ao desentranhar o título do documentário de um verso de
justificando sua óbvia e decisiva importância. "Cogito", talvez seu poema mais conhecido: eu sou como eu
O filme de Eduardo Ades e Marcus Fernando não é sou/vidente/e vivo tranquilamente/todas as horas dofim.
para principiantes. Abre mão do didatismo, que facilitaria Discordo, no entanto, da interpretação, muito di-
a introdução de seu personagem a novas gerações, mas não fundida, de que em retrospecto a vida - e sobretudo a
da cronologia, fundamental para entendê-lo. A inquieta- obra - de um artista suicida seja uma coleção de sinais
ção que levou o adolescente de Teresina para Salvador, de do fim voluntário.
lá para o Rio de Janeiro e do Rio para o mundo deixa como
rastros tudo o que foi criado nesse trânsito permanente: Pelo menos no caso de Torquato,
letras lapidares como a de "Pra dizer adeus", poemas expe- a autodestruição parecia
rimentais, diários angustiados, cartas amorosas, a colabo-
ração com Hélio Oiticica, temporadas em sanatórios. ser resultado dos impasses
Em off, amigos notórios e anônimos ajudam a contar dessa obsessão pelo movimento,
essa história, pontuada por textos do próprio Torquato pelos rompimentos.
lidos pelo ator Jesuíta Barbosa. Na tela, imagens de época,
imagens que reverberam em sua obra e muitas outras, iné- Isolado dos tropicalistas, autoexilado 11aEuropa ou inter-
ditas ou raras, do poeta. Ouve-se ai11da uma entrevista, nado por vontade própria, ele jamais separou a vocação de
só descoberta em 2014, que é o único registro sonoro que arquiteto, comum a todo criador, do impulso demolidor, vi-
se tem dele. E, é claro, trechos de discretas obras-primas vendo no arco tensionado por essas duas forças poderosas.
como "Geleia geral", "Nenhuma dor" , e "Marginália 11". A mão delicada que escreveu ser mãe/é desdobrarfibra
Essa imersão segue um caminho apontado pelo pró- por fibra/os coraçõesdos filhos é a mesma que, parodian-
prio personagem: "Estar bem vivo no meio das coisas é do Carlos Drummond de Andrade, traçou aquele que
passar e, de preferência, continuar passando". Foi assim, é ainda hoje seu retrato mais bem-acabado, o do poe-
abrindo caminhos, em constante movimento, que ele ta visitado por um anjo muito louco, torto que anuncia
experimentou as diversas formas de expressão artística, seu destino: eis que esse anjo me disse/apertando minha
os vários parceiros (Gil, o mais constante, Caetano, Edu mão/com um sorriso entre dentes/vai bicho desafinar/o
Lobo), as cidades, os estados de consciência. coro dos contentes ______________ _
60 ALÔ, ALÔ, MARC IANO
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físico Ivair Gontijo tira de dentro da mochila uma camisa polo preta,
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62 ALÔ, ALÔ, MARCIANO
A QUIXOTESCALUTACONTRA ALIMENTOS
PROCESSADOSRENDEUAO PESQUISADOR
BRASILEIROCARLOS MONTEIRO O RESPEITO
DOS COLEGASCIENTISTASE O ÓDIO
DOS GIGANTESDO SETORALIMENTÍCIO
hotel Sheraton, em Buenos Aires, ocupa nal. Monteiro mostrou, ao estudar os hábitos
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ô carnes. "Não são alimentos de verdade", disse s amigos usam mais de um adjetivo para
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o
~ Monteiro. "São artigos feitos a partir de alguns descrever Carlos Monteiro. Há quem o
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componentes dos alimentos. Coisas de que seu chame de apaixonado (pelo trabalho que faz).
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Q corpo não precisa." Fazem parte desse grupo Quem o diga rigoroso. No trato pessoal, cha-
§u. salgadinhos empacotados, hambúrgueres con- mam-no atencioso. Ninguém diz que se irrita
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cr, gelados, macarrão instantâneo, refrigerantes e facilmente. Mas a crítica daquele slide na Ar-
o
(/)
2
w biscoitos recheados, entre outros. Comida sa- gentina é algo que , meses passados, ainda lhe
(!)
~ borosa, de paladar viciante por ser saturada de agita os modos. "Na verdade, a gente já espe-
z
o
2 sal, gordura e açúcar - uma trapaça nutricio- rava algo do gênero", disse Monteiro com um
66
. . . ,
meio sorriso, enquanto rememorava o episo-
dio numa quinta-feira recente, véspera de Car-
naval. Eram 9 horas da manhã e o professor
era a única pessoa no Departamento de Nutri-
ção - um conjunto de salas num dos cantos
da Faculdade de Saúde Pública da usP.
A frase contra a Nova era conhecida de
Monteiro. Aparecera pela primeira vez num
texto da American Journalof Clinica[Nutrition
(AJCN),revista científica de renome, em agosto.
Em oito páginas, desancava o trabalho dos bra-
sileiros para concluir que não havia evidência
de relação entre o consumo de ultraprocessa-
dos e obesidade. "Mas era um texto estranho",
disse Monteiro. Havia erros de bibliografia
- os dados citados não correspondiam às re-
ferências apresentadas. O conceito de ultra-
processado estava errado. "Não sei como um
texto com aquela qualidade passou pelo crivo O pesquisador
dos revisores" , afirmou Monteiro. Havia ainda evolução curiosa: a cada edição, as famílias Carlos Monteiro
.
cnou uma nova
um detalhe: o autor principal, Mike Gibney, brasileiras compravam menos açúcar refina- classificação de
era professor da Universidade de Dublin e con- do , menos óleo e menos sal, itens que os nutri- comidas, em que
sultor da Nestlé - a maior produtora de ultra- cionistas recomendam consumir com parci- aponta os
ultra processados
processados do mundo. O conflito de interesses mônia, por causa da relação com a obesidade .
como os piores
era relatado ao final do texto, como de praxe. Os e doenças crônicas, como hipertensão. Mes- alimentos da dieta
outros dois autores não informavam sua ocu- mo assim, na composição nutricional daquilo cotidiana
pação, mas colegas de Monteiro descobriram que ia para a mesa, aumentava a quantidade
que um trabalhara para a Nestlé menos de cinco de sal, de açúcar e de gorduras. O fenômeno
anos antes e o outro prestara consultoria a uma era mais notável nas casas de famílias mais
empresa de relações públicas que assessora o abastadas - onde o arroz com feijão cedia lu-
McDonald's. Monteiro e seus colegas, ao que gar, paulatinamente, a refeições e sobremesas
tudo indicava, haviam irritado gente grande. prontas para consumo. "O Carlos teve a ideia
de a gente passar a dar atenção à frequência
transformá-los em nutrientes para avaliar a flavonoides. Os flavonoides são agentes anti- ::;
w
(!)
disse Monteiro. "Alguns processos industriais no mesmo período. Havia mais: entre os 20%
quebram essa conexão e, portanto, eliminam dos brasileiros que mais consumiam ultrapro-
esses benefícios." Come-se o tomate, mas não cessados, 20% das calorias vinham do açúcar.
se obtêm seus benefícios para a saúde. Já entre aqueles 20% que menos consumiam
Isso não significa que todo processamento alimentos desse tipo, o açúcar era responsável
de alimentos seja nocivo. Pelo contrário. "O por somente 10% das calorias diárias. "A meta-
processamento dos alimentos foi benéfico pela de", disse Monteiro, satisfeito com a constata-
maior parte da história", afirmou Monteiro. ''É ção. Ele mostrou que a sociedade brasileira mu-
graças a essas tecnologias que temos leite pas- dara a forma de produzir e consumir comida
o
a,
teurizado ou carnes preservadas em sal para - e essa nova dieta era pior que as anteriores.
o
...J
(!) durar mais." A maioria dos artigos que come- "Foi uma daquelas intuições de gênio que o Car-
o
..:
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mos passou por algum processo industrial - e los costuma ter", disse Moreira Claro, da UFMG .
zw
(!) não há problema nisso. Essas práticas só se tor-
!:!:
nam deletérias quando a reengenharia do ali-
A influência da Nova cresceu rápido. Ain-
(J)
~
z
~ mento passa a ser tamanha a ponto de o produ- da em 2010, um artigo de Monteiro
z
o
(J) to final não guardar qualquer semelhança com chamando a atenção para o papel do pro-
...J
ow
o original e conter uma série de aditivos indus- cessamento de alimentos na saúde foi rece-
triais sem valor nutricional - que aumentam a bido por acadêmicos americanos como "de
durabilidade, melhoram a aparência ou o gosto extrema importância". As relações encon-
e estimulam a pessoa a comer mais. É isso que tradas pelos brasileiros na dieta nacional
Monteiro chama de "ultraprocessamento". aos poucos mostraram-se verdadeiras tam-
Monteiro suspeitava que eram esses ultra- bém nas dietas de outros países. Pesquisa-
processados os responsáveis pelo aumento no dores do mundo todo passaram a estudar
consumo de açúcar, sal e gorduras que a POF o impacto dos ultraprocessados na saúde.
indicava. As pesquisas que seu grupo faria a Segundo o indexador PubMed, um serviço
seguir comprovariam o palpite. Convertidos os do governo americano que reúne pesquisas
dados, descobriu-se que, em 1996, 44% das ca- sobre saúde em todo o mundo, mais de 100
lorias consumidas pelos brasileiros, em média, trabalhos já fizeram menção à Nova.
vinham de alimentos in natura. Em 2009, esse Há quem se oponha às ideias de Monteiro
percentual caíra para 39%. O vácuo foi preen- com sensatez. As principais críticas partem de
chido pelos alimentos ultraprocessados - cuja engenheiros de alimentos - para os quais a
participação na dieta subiu . de 18,7% para 30% ideia de processar comida está ligada a aumentar
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sua longevidade e qualidade. "Não nego que ro. Até ali, Monteiro e seus colegas ignoravam
há muito sal e açúcar em alguns desses ali- as críticas disparatadas e respondiam às sérias
mentos. Mas é um problema cultural", disse em artigos científicos - e as respostas eram
Marcelo Cristianini, professor da Universida- publicadas nas mesmas revistas, como manda
de de Campinas. "A indústria não altera essas o padrão da área. Mas, no caso de Gibney, a
concentrações porque o paladar do consumi- revista se recusou a publicar a réplica dos bra-
dor exige essa quantidade de açúcar ou de sal. sileiros. Monteiro e seus colegas publicaram
É importante reeducar a população - e não uma resposta em outra revista. A essa altura, o
demonizar o alimento." professor tinha por certo que os financiadores
E há as críticas vindas da indústria , que se de Gibney tinham interferido no teor do texto.
tornaram especialmente ferrenhas durante o Em nota enviada a ÉPOCA, a N estlé dis-
processo de elaboração do Guia alimentarpara se que "não foi envolvida, em nenhum mo-
a população brasileira,em 2014. O documen- mento, no planejamento, projeto ou execu-
to, coordenado pelo Ministério da Saúde e fei- ção deste estudo e não financiou atividades
to sob orientação de Monteiro, traz sugestões que leva ram à conclusão deste trabalho".
de alimentos. "Foi um processo de discussão Gibney nega interferência. ''Nenhuma em-
extremamente intenso", disse Arthur Chioro, presa com bom senso interferiria no traba-
então ministro da Saúde. Na ocasião, a Asso- lho de um cientista de projeção global. A re-
ciação Brasileira das Indústrias de Alimentos putação dessa empresa seria afetada", disse
(Abia) pediu diversas audiências com o minis- a ÉPOCA. Gibney afirma que seus problemas
tro. "A classificação não se sustenta do ponto com Monteiro são acadêmicos: "A Nova
de vista da ciência e da tecnologia de alimen- contraria as metodologias que usamos para (f)
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tos", disse a Abia por meio de nota enviada a orientar a população. Consensos são bem- ::;
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ÉPOCA. "É inadequado utilizar a classificação vindos no Vaticano ou no Kremlin. Mas é a ~
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Nova para estabelecer uma relação direta entre discordância que oxigena a ciência." â
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o consumo de alimentos processados e a inci- ~
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revista de primeiro escalão", disse Moreira Cla- no. A associação parecia coisa certa até três
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U m diplomata em férias descobre um pu-
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fundo de um baú, no porão de uma casa em
Paris. Escritas por uma mulher, descrevem
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Simone aceita se submeter de jovem mulher" de Charles, a quem começa
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> aos caprichos sadomasoquistas a chamar de "Lotte", apelido de "Charlotte", o
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ô feminino de Charles - e também o nome da
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de Charles. Depois, no entanto, namoradinha de Werther, o sofrido jovem do
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assume o papel masculino Romantismo alemão. Apesar da inversão dos
i_, e passa a tratá-lo como uma sexos, é Charles-Lotte quem parece continuar
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no controle da aventura.
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o amante jovem e passiva
A paixão de Mademoiselle S. foi publicado
na França em 2015 pela prestigiosa edi-
sobre seu próprio desempenho. As cartas cos- tora Gallimard. Além de selecionar as cartas,
tumam terminar com uma nota melancólica: Berthault optou por manter em sigilo a verda-
Simone teme não conseguir mais satisfazer as deira identidade da senhorita S. Escolheu cha-
perversões de Charles, que ele se canse dela e a má-la de Simone porque esse era um nome
abandone. "Querido amado, você me ama ta11- popular nos anos 1920. "Ainda que ela tenha
to quanto eu, apesar dos dias que passam? Seu morrido há muito tempo, claramente não es-
desejo de meu corpo continua tão ardente? Ah, creveu essas cartas com o intuito de publicá-
tenho tanto medo de te perder que gostaria de las", disse Berthault, cuja avó também se cha-
ser o próprio vício para te ligar a mim defini- mava Simone. ''Os editores também gostaram,
tivamente", escreve Simone. "É claro que ela o porque sabiam que o livro seria um sucesso
amava muito mais do que ele a amava", disse em vários países e 'Simone' é um nome que
Berthault. "Ela sempre inventava alguma coisa funciona em várias línguas." Berthault disse
para deixá-lo interessado, pois pensava que ele que descobriu o verdadeiro nome de Charles,
a deixaria. Isso me comoveu muito, essa capa- mas afirma não saber mais nada dele.
cidade dela de despertar o interesse dele." Em várias ocasiões, Berthault se viu pres-
À medida que o tempo passa e a aventura sionado a responder sobre quanto controle
de Simone e Charles se torna mais intensa, os exerceu sobre a relação de Simone e Charles.
papéis vão se confundindo. Ela não é mais a Nas várias entrevistas que concedeu para di-
mulher submissa, sempre pronta a suportar as vulgar o livro, a história das cartas eróticas
perversões de seu amante adorado. Assume as escondidas numa bolsa de couro em um baú
rédeas da relação e passa a interpretar o papel num porão foi intensamente questionada. O
dominador antes reservado a Charles. Simone agente de Berthault afirmou que "as cartas
recorre a uma imagem bíblica para ilustrar a foram autenticadas pelos mais respeitados pe-
mudança ocorrida na relação deles: "Seu ví- ritos da França". "Eu não teria tanta imagina-
cio não é meu vício? Sua paixão não se tornou ção para escrever essas cartas", disse Berthault,
minha paixão? Você me criou a sua imagem que afirmou nunca ter se interessado por lite-
e te arrastei comigo para as carícias sádicas ratura erótica. "Não tenho sequer os livros de
e voluptuosas que meu espírito inventou para Anai:s Nin (escritoraeróticafrancesa do século
te manter". No relato do Gênesis, Deus cria xx)." Nem mesmo a proximidade quase inde-
o homem a sua imagem e semelhança; em A cente com as cartas de Simone despertou seus
paixão de Mademoiselle S., Charles, o "peque- sentidos para o erotismo literário. ''As cartas
no deus", faz de Simone seu duplo. me interessaram mais como documento histó-
Si1none assume o papel masculino - des- rico. Eu sei que as cartas têm qualidade literá-
creve a si mesma como um homem e fala de ria, mas não me transformaram 11umviciado
seu desejo no masculino. Passa a tratar Char- em literatura erótica (risos)", disse. Como é
les como uma amante jovem e passiva. "Veja, comum entre diplomatas, Berthault afirmou
querido, como nossos desejos se confundem. se interessar mais pelos clássicos da literatu-
Você sonhava com um macho vigoroso vio- ra, pela Antiguidade greco-romana e pela his-
lando sua carne. Eu sonhava com uma amante tória das religiões do Oriente Médio. Ele está
carinhosa e lasciva. Nosso amor insensato rea- escrevendo um livro sobre o grupo terrorista
lizou esse milagre. Sucessivamente , sob a in- islâmico Taleban, inspirado em sua experiên-
fluência de nossas paixões, trocaremos de sexo cia como embaixador francês em Cabul, capi-
e teremos assim um duplo prazer, um duplo tal do Afeganistão, entre 1998 e 2001. "É desse
gozo", escreveu Simone. Ela diz amar a "carne tipo de coisa que eu entendo~'-------
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HORA DO CHÁ 77
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isso teve de se curvar a poetas reconhecidamente medíocres, como i_,
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Filinto de Almeida. Em 1940, Bandeira tratava o obscuro Filinto como >
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"poeta tão da minha admiração e estima". o
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Esses documentos ajudam a compreender como a falta de traquejo (J)
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principais escritores da época, entre eles Machado de Assis e Olavo • • • 'i
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Bilac, tornou-se a instituição cultural mais importante do Brasil. Na ... '
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da Semana de Arte de 1922. Um dos organizadores do evento, o aca-
dêmico Graça Aranha, voltou-se contra a instituição por seu apego a
Bandeira (acima)
um tipo de literatura arcaica e afrancesada, que prejudica va o flores- escreveu bilhete (no alto)
cimento de um gênero genuinamente nacional. Importantes nomes a Filinto de Almeida, que
da segunda geração do Modernismo brasileiro se recusaram a candi- classificou como
de sua "admiração
datar-se, como Carlos Drummond de Andrade e Graciliano Ramos. e estima". Em 1917,
Lima Barreto (à dir.)
enviou uma carta a Rui
12.<-...
-
O utro modernista a tentar uma vaga foi Emiliano Di Cavalcanti, pin-
tor com veleidades literárias, autor de dois livros de memória, de crô-
nicas de jornal e que também se arriscou na poesia. Foi candidato duas
vezes, em 1964 e 1967. Na primeira, retirou sua candidatura antes da vo-
•
tação e, na segunda, perdeu para o hoje obscuro Fernando de Azevedo,
/kv:l., ~
I
sociólogo e educador mineiro. Di Cavalcanti foi colunista de jornal de
relativo sucesso, mas sua produção poética deixa a desejar. É autor dos
versos: Sou poeta (asneira)!Dojeito de Manuel Bandeira... /Sou um meni-
)!~~ /~ 4:u, no perdido/Deolhossujos alcoolizados/Aprocurarnos vendavais/Vinicius
de Moraes!.Não foram, no entanto, as rimas pueris que impediram seu
ingresso na Academia, mas a falta de traquejo na campanha. O pintor
não visitou os acadêmicos, segundo alegou, por causa de problemas de
saúde. Outro pecado foi escrever uma carta-padrão, datilografada, aos
imortais, na qual expunha seus feitos artísticos. Não se esforçou minima-
mente em, segundo suas palavras, "exibir uma falsa modéstia que, por ser
falsa, muito difícil me seria assimilar". A altivez da carta irritou os sensí-
veis e também imodestos acadêmicos. Dizia um trecho: "Por muitos sou
considerado uma espécie de patriarca das artes nacionais; e meu nome,
permita que o diga, pertence à história das mesmas artes, como animador
principal que fui da famosa Semana de Arte Moderna de 1922, conforme
' podem testemunhar vários acadêmicos que dela participaram. Não pre-
ciso encarecer, pois decerto não a ignorais, a importância capital que teve
tal movimento na evolução da nossa literatura e nas nossas artes em geral,
no presente século". No dia da eleição, obteve apenas sete votos.
Um dos mais celebrados poetas brasileiros, Jorge de Li1na fez uma
campanha muito mais diligente que a de Di Cavalcanti. É possível que
o exagero no agrado aos acadêmicos tenha provocado efeito inverso ao
desejado e contribuído para seu fracasso. ''O caso de Jorge de Lima é
um mistério. Era um grande escritor, um grande poeta e tinha creden-
ciais para se tornar acadêmico", disse Alberto Venancio Filho. Em me-
nos de uma década, o poeta candidatou-se cinco vezes e perdeu todas.
. Na primeira eleição, em 1936, obteve apenas quatro votos. Na segunda,
• I um ano depois, perdeu para Cassiano Ricardo pelo arrasador placar de
• 18 a 5. Em 1944, candidatando-se duas vezes, perdeu sucessivamente
1
para Peregrino Júnior e Vianna Moog. Autor de livros fundamentais
da poesia brasileira, como Invenção de Orfeu e Anunciação e encontro
80 HORA DO CHÁ Meu eminente a.migo e presado confrade Filinto de hlm&ida,
(J)
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poeta Otávio de Faria. Tinha 74 anos de idade, uma vasta e delicada
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produção poética e o histórico de nunca ter se batido por qualquer
ô glória literária. O convite insuflou-lhe o desejo da imortalidade, mas,
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:::, Em sua primeira
o campanha, Maria Ouintana logo que aceitou se candidatar, Quintana sentiu o peso da disputa. Na
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(abaixo) não aguentou a
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o - . mesma ocasião, Eduardo Portella, ministro da Educação do governo
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w internado numa clínica militar de João Baptista Figueiredo, demonstrou interesse em con-
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psiquiátrica. Foi der rotado correr à mesma vaga e deu início a uma violenta campanha eleitoral.
(!) por Eduardo Portella, Atirado ao centro de uma batalha político-literária, Quintana não
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~ ministro da Educação do
:::,
o governo militar de João aguentou a pressão e teve de ser internado numa clínica psiquiátrica em
~ Baptista Figueiredo Porto Alegre. Dizia uma reportagem de jornal: "Pressões, jogo político,
telefonemas de alguns acadêmicos para que Mario Quintana retirasse
sua candidatura, o assédio da imprensa, noites sem dormir, sem comer
desestabilizaram emocionalmente o poeta". Na época, o deputado gaú-
cho Carlos Chiarelli fez um discurso na Câmara defendendo Quintana, e
foram colhidas mais de 1.200 assinaturas a favor de seu ingresso na casa.
O resultado da eleição, realizada em março de 1981, foi um golpe
em sua autoestima: perdeu por 31 votos a 6 para o ministro da Edu-
cação. Eduardo Portella ficou 36 anos na Academia, até sua morte,
em 2 de maio do ano passado. Na sexta-feira 16 de março, o poeta,
filósofo e compositor Antonio Cicero assumiu a cadeira 27, cuja dis-
puta trouxe tantos dissabores a Quintana.
Apesar dessa primeira derrota , instado novamente por amigos aca-
dêmicos, o poeta gaúcho decidiu meses depois se candidatar para a vaga
que surgiu com a morte do escritor e diplomata Osvaldo Orico. Perdeu
outra vez, agora para Orígenes Lessa, que já havia sido preterido no ano
anterior para a entrada do então senador e futuro presidente da Repú-
blica José Sarney e que estava, portanto, havia mais tempo na fila.
A última candidatura de Quintana foi em 1982, numa campanha
aparentemente vitoriosa, mas que acabou por perder o rumo. O poeta
passou uma temporada no Rio de Janeiro em busca de votos, escreveu
aos acadêmicos e era franco favorito. Em carta dirigida a Otto Lara
Resende, dizia que estava novamente candidato, "satisfazendo assim
as esperanças de minha gente e de minha terra e antes de tudo o meu
próprio e antigo sonho de poder contar-me um dia entre os membros
da casa". Acabou derrotado pelo jornalista Carlos Castello Branco.
Seu cabo eleitoral na Academia, o gaúcho Vianna Moog, considerou
"prejudicial, inverídica e forjada" uma entrevista concedida pelo poeta
justo na semana da eleição, em que ele declarava que "só se elegem
para a Academia os amigos do presidente da República". Pode ter sido
o tiro de misericórdia em seu projeto.
• • • chubner@edglobo.com.br