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Educação para a paz: um trabalho coletivo

Palestra proferida em Passo Fundo, outubro/2006, no Fórum Permanente de


Educação para a Paz.

Quando a gente lê este título – Educação para paz: um trabalho coletivo – nos
parece uma redundância, porque um dos principais caminhos para paz é a educação, e,
ao mesmo tempo, não há como fazer educação sem paz. Então educação e paz são
valores intrinsecamente relacionados, daí a importância de se refletir sobre estes
aspectos. Principalmente hoje em dia, em que se constata ou se alarde uma escalada de
violência nos mais diversos contextos. É necessário termos momentos conjuntos de
parada para refletirmos sobre qual o nosso papel neste sentido.

Somos vítimas, reféns da violência e temos de criar defesas para nos proteger?

Somos cúmplices, através de nossa atitude de espectadores passivos e


queixosos?

Somos também geradores e fomentadores de violência, no nosso cotidiano


escolar?

Ou somos agentes pacificadores, que construímos estratégias e possibilidades


para evitar a violência em nossas escolas, possibilitando que a Paz transcenda os muros
escolares?

Convido vocês a analisarem comigo as causas mais comuns dos


comportamentos violentos que são trazidos para a escola através de alguns alunos.
Podemos enquadrá-las em duas perspectivas básicas: uma de origem
“psicologizante” e a outra de cunho “sociologizante”.(Ferreira Goulart, 2000)
Ora quando os alunos são considerados agressivos, envolvendo-se em freqüentes
discussões, brigas, desacatos às autoridades escolares, muitas vezes depredando o
patrimônio escolar, outras vezes, consumindo ou traficando drogas, alegamos que estes
comportamentos têm sua origem em comportamentos “psicologizantes”, ou são de
natureza “sociologizantes”.
A perspectiva psicologizante enfoca os aspectos pessoais do aluno. Explica os
comportamentos violentos diagnosticando distúrbios de personalidade ou problemas de
ordem familiar. A expressão de fortes impulsos agressivos é sintoma de diversos
quadros psicológicos sendo necessário examinar caso a caso e vinculá-la aos possíveis
fatores que a desencadearam. Assim temos alunos com condutas anti-sociais, com
distúrbios de caráter; alunos com baixíssima tolerância à frustração e que se revoltam
facilmente; estudantes depressivos que lançam mão de atos agressivos como forma de
esconder sua tristeza e também alunos com traços paranóides que a qualquer momento
podem se sentir perseguidos e reagir de forma violenta a este suposto entendimento de
ameaça.
Por outro lado, famílias com dificuldades para estabelecerem vínculos afetivos
estáveis contribuem ou são causadoras destes distúrbios psicológicos. Em situações
críticas como o negligenciamento do cuidado com os filhos; abuso e maus tratos;
abandono; violência doméstica e modelos parentais desajustados e perversos ,o
desenvolvimento psicológico fica seriamente comprometimento, originando os
comportamentos violentos apresentados na escola.

Já, sob a ótica sociologizante, a violência seria conseqüência das condições


macroestruturais da sociedade, como a política de exclusão social, pobreza,
desemprego, questões econômicas e culturais.
Não raro estas duas vertentes se encontram no mesmo aluno, ocasionando um
problema de difícil prognóstico para a escola, pois sua ingerência na solução destes
aspectos é bastante limitada visto que as causas são exógenas ao contexto escolar. A
escola sente-se impotente frente a estes problemas criados fora de seu entorno, restando-
lhe buscar soluções também externas como o encaminhamento destes alunos a
especialistas como psicólogos, neurologistas, assistentes sociais ou buscando soluções
junto aos conselhos tutelares e demais órgãos governamentais voltados à infância e à
juventude.
Dentro do âmbito escolar as estratégias para enfrentar a violência restringem-se
aos aconselhamentos aos alunos infratores e seus familiares (geralmente de pouco
resultado efetivo) e a atitudes de repressão, como castigos, suspensões e em caso
extremo, exclusão do convívio escolar. Assim a escola se encontra como refém da
violência, sofre fortemente suas conseqüências mas tem pouca possibilidade de ação. Os
professores sentem-se de “mãos atadas”, impotentes, pois as fontes dos problemas
encontram-se em aspectos extra-escolares.
Esta situação gera uma paralisia alienante no corpo docente onde o negativismo
e o ceticismo solapam qualquer iniciativa de busca de alternativas para o enfrentamento
das dificuldades.
As questões recebem respostas generalizantes, preconceituosas e fechadas que
impedem a visualização de possibilidades de solução. Facilmente percebe-se o discurso
derrotista com um entendimento de naturalização da violência nas colocações de alguns
professores, tais como:

- Isso (a violência) é assim em todas as escolas;


- Eu trabalho nesta escola há anos e sempre foi assim;
- Essa conversa não é prá gente, quem deveria ouvir, nem veio;
- Enquanto não mudar a situação social, fica muito difícil de se fazer alguma
coisa;
- Sempre foi assim, sai ano, entra ano e nada muda;
- Esse psicólogo vem com essa conversa toda, quero ver dentro da sala de
aula, não adianta nada.

Os professores, ao assumirem, frente à violência, uma posição de cúmplices


passivos, queixosos e negativistas, não conseguem perceber que a escola não é apenas
influenciada pela sociedade, mas que também a influencia. Ao se entender e lidar com
as dificuldades como se elas não estivessem acontecendo num sistema dialético, de
trocas de influências mútuas, promove-se a cristalização da dinâmica escolar em um
estado estereotipado e onde as forças e possibilidades existentes na própria vida escolar,
capazes de fazer frente a estes problemas, são desvalorizadas tornando as adversidades
insuperáveis.

É necessário entender que a violência não vem apenas de fora da escola mas
também é gerada em seu interior.
O jovem que se tornou violento, ou por causas psicologizantes, ou por fatores
sociologizantes (senão por ambos), ao ingressar na escola assume a identidade de aluno,
e portanto sujeito às questões institucionais.
A importância e a força das características institucionais de cada
estabelecimento de ensino não podem ser negligenciadas, nem minimizadas. Prova
disso são os diversos exemplos de escolas de rede pública, situadas em bairros com
altos índices de criminalidade e freqüentadas por alunos de semelhante classe sócio-
econômica, mas com diferentes e significativos níveis de violência interna à escola.
“Ambientes sociais violentos nem sempre produzem práticas escolares caracterizadas
pela violência” (Sposito, 1998).
Além disso, muitos alunos preferem permanecer na escola a voltar para casa,
sem que tenham compromisso de freqüentar aulas. E nesse grupo de estudantes é
comum se encontrar os que são considerados “problemas”. A escola nestes momentos
não representa uma instituição de ensino, nem apenas um lugar de lazer. A escola
representa um lugar de estabilidade, de certezas, onde a criança pode ver e sentir um
modelo diferente daquele que tem em casa. (Böck, 1996).
Mas infelizmente nem sempre é assim. A violência escolar consiste em um
entrelaçamento de influências exógenas potencializadas por fatores negativos da própria
instituição. Portanto a instituição escolar também pode ser co-autora de lamentáveis
episódios.
A escola gera violência quando os professores são autoritários, debochados e
injustos com os alunos ou quando as aulas não têm significado para os estudantes
porque foram planejadas para outras realidades sociais e/ou são repetidas, sem
atualização, por muitos anos. Um professor que ridiculariza seus alunos ou que os
submete a aulas enfadonhas, sem sentido, gera frustração, desmotivação e raiva nos
estudantes. Estes sentimentos repetidos diariamente transformam-se em violência
originando depredações do patrimônio escolar, agressões verbais ou até mesmo físicas
aos professores, desrespeito e enfrentamento aos diretores que necessitam chegar ao
extremo de convocar a força policial para conter a agressividade destes jovens e
restabelecer a ordem escolar. Além disso, estes comportamentos não ficam delimitados
ao âmbito escolar, mas transbordam para fora de seus muros , sendo que os alunos
extravasam suas insatisfações com a escola na sociedade e o caminho da violência
torna-se inverso e potencializado.
De outra forma, a violência escolar também surge nas relações intergrupais dos
alunos, na formação de gangs e no fenômeno do bullying.
Esta violência pode ser subliminarmente reforçada pelo desnorteamento e a
omissão dos professores e direções no que se refere à disciplina escolar e à colocação
de valores morais e éticos claros no cotidiano escolar.
Por outro lado, os próprios docentes são vítimas de um tipo de violência
silenciosa originada da dinâmica institucional e que lhes causa grandes prejuízos
pessoais : a Síndrome de Burnout ou do esgotamento profissional.
Assim constata-se que, dependendo das características institucionais de cada
escola, ela pode neutralizar e reverter comportamentos violentos e educar efetivamente
para a paz ou, pelo contrário, gerar intensas frustrações de modo a suscitar ou
incrementar atitudes agressivas.

Agentes pacificadores
“A escola real é intrinsecamente dinâmica, está em movimento constante de
progressões e regressões próprias, portanto, não há um estado ideal como ponto final de
um progresso linear, mas há possibilidades de se construir relações que fluam de forma
contínua, flexível e aberta em um sistema de redes.” (Souto, 2000). Assim, um alto grau
de dinamicidade permite que as dificuldades sejam detectadas e enfrentadas utilizando-
se das próprias potencialidades do sistema de relações que formam a comunidade
escolar.
Alternativas isoladas dificilmente serão capazes de fazer frente às diferentes
formas de manifestação da violência escolar. (Ferreira Goulart, 2000). Um professor
bem intencionado acaba investindo uma energia muito grande para obter resultados
pontuais sendo que facilmente desiste de novas tentativas pelo sentimento de
impotência. Quando em grupo esta energia é potencializada e melhor direcionada. Por
isso é importante que, para cada situação de violência, seja constituído um grupo de
agentes pacificadores, profissionais dispostos a analisara conflitiva levando em conta
as seguintes premissas:
- de não pré-determinarem que o caso em questão tenha significado de
irreversibilidade imodificável, até porque esta “imodificabilidade” pode ser
originária da falta de conhecimento de toda a situação ou da inabilidade da forma
como foi abordada e não tanto pelas idiossincrasias do caso;
- o clima de violência ou frustração latentes com aspectos institucionais pode ser
personificada em um aluno, ou mais comumente em um grupo de alunos, ou seja, as
atitudes violentas destes alunos podem ser o resultado de insatisfações institucionais
veladas.

A violência na escola não pode ser vislumbrada abstratamente como um ente


etéreo que exista por si mesma. Ela ocorre em uma situação concreta, sendo
conveniente enquadrá-la em coordenadas reais. O jovem (ou jovens) em questão é
estudante de determinada escola, aluno de determinados professores, filho de uma
família específica, integrante de uma classe social, e portanto alguns desses aspectos
podem concorrer como fomentadores da violência e outros como recursos para sua
solução. Além do que, é necessário se questionar porque o caso foi deflagrado neste
momento, neste lugar e com estas pessoas envolvidas, enfocando não apenas os alunos
mas também professores, funcionários e direção.

Fernández (2001) adverte para o fato que um sem número de situações


reconhecidas como adversas são frutos da ignorância não reconhecida do caso, que
converte certas características pontuais em dificuldades insuperáveis.

Após a análise e o entendimento das variáveis geradoras da violência no caso


específico, o grupo de agentes pacificadores deve propor as sanções cabíveis,
respeitando os estatutos e as normas escolares. Mas mais do que isso, partindo da
análise realizada, o grupo deve montar estratégias para evitar novos conflitos e
constituir uma rede de apoios para viabilizar e sustentar estas metas. É necessária a
organização de uma ação coletiva integrada buscando recursos conjugados na família,
na própria escola (formando grupos operativos com os colegas dos alunos envolvidos na
violência; debatendo em conselho de classe a análise do caso para o envolvimento dos
demais professores) e buscando recursos na comunidade local como atividades em
extra-turno vinculadas a ONGs ou setores governamentais; Conselho Tutelar e se
necessário, junto aos órgãos de segurança pública .
É importante tecer a rede para:
- que alunos violentos sejam contidos em seus impulsos e acolhidos em suas
demandas;
- que a boa vontade um professor possa encontrar ressonância em seus pares e seja
retroalimentado em suas intenções;
- que a família sinta-se amparada e orientada em suas atitudes;
- que a comunidade seja mobilizada em sua responsabilidade e possa efetivamente
participar;
- que a escola cumpra com sua missão de transformar a sociedade

Obrigada

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