Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
No período, que ficou conhecido como o “longo século 19”, houve uma notável ampliação do
público leitor e mudanças tecnológicas, como a ampliação da rede ferroviária europeia e o
desenvolvimento dos navios a vapor, que facilitaram a divulgação e a circulação dos impressos
pelas diferentes partes do globo.
Nessa época, quando os países começaram a se definir como nações que queriam se separar uma
das outras, ao mesmo tempo em que o processo de integração ganhava força, livros brasileiros
foram traduzidos para o francês e publicados na forma de folhetim em jornais em Paris e obras
de autores franceses também fizeram o percurso inverso.
“A tradução de livros na forma de folhetim fazia com que pessoas, em diferentes lugares do
mundo, ficassem conectadas, porque liam mais ou menos ao mesmo tempo a mesma história
nos jornais”, disse Marcia Azevedo de Abreu, professora do Instituto de Estudos da Linguagem
(IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do projeto, à Agência
FAPESP.
“Um capítulo de um livro recém-publicado na França era mandado por navio e traduzido no
Brasil. Às vezes, o autor adoecia, por exemplo, e a tradução não podia sair aqui”, contou a
pesquisadora.
Neste período também foram lançados livros e manifestos por intelectuais brasileiros, que
estudaram em universidades de Portugal e da França e se tornaram membros de importantes
instituições acadêmicas estrangeiras, como o Instituto Histórico de Paris.
Na revista, que circulou primeiramente em Paris e que para ser lida no Brasil era preciso
importá-la, foi publicado pelo poeta brasileiro Gonçalves de Magalhães (1811-1882) o primeiro
Manifesto Romântico Brasileiro.
Já a primeira tradução para o francês de O Guarani, de José de Alencar (1829-1877), foi
publicada também em folhetim no século 19, sob o título Les filles du Soleil (As filhas do Sol),
em um jornal lançado na França por um grupo de brasileiros para divulgar o Brasil no país
europeu.
“Além disso, era mais chique para os leitores brasileiros comprar um livro impresso na França, e
as próprias editoras exploravam isso na publicidade, destacando que a obra havia acabado de
chegar de Paris ou escrevendo na primeira página da obra que ela foi impressa na França”,
destacou a pesquisadora.
Por outro lado, de acordo com Abreu, assim que terminou a proibição de se imprimir
publicações no Brasil, que vigorou até 1808, alguns livreiros, como o francês Paul Martin,
começaram a publicar livros no Brasil e exportá-los para Portugal - onde a família de livreiros
franceses Martin também possuía uma livraria -, que desempenhou um importante papel no
processo de integração literária entre os países por meio das traduções.
Como a grande referência no século 19, a França traduzia na época obras de todo o planeta para
o francês, que era a língua que o mundo inteiro lia e partir da qual os países faziam as traduções
para seus idiomas oficiais.
Ao perceber que uma determinada obra lançada na França fez sucesso, os portugueses logo
tratavam de traduzi-la para a língua portuguesa e a enviavam para o Brasil, possibilitando que
não só as elites, que liam francês, pudessem ter acesso à obra.
“O Brasil era a filial de muitos livreiros de Portugal, que eram muito ativos e traduziam muito
rapidamente livros e impressos e enviavam para cá”, disse Abreu.
“Mas não eram só os brasileiros que esperavam o que os estrangeiros mandavam para cá. Os
estrangeiros também esperavam o que o Brasil mandava para o exterior”, ressaltou a
pesquisadora.
“A gente aprende que a França influencia culturalmente Portugal, que por sua vez influencia o
Brasil, e que a influência cultural se esgota aqui. Mas temos observado que também há livros e
impressos que saíram do Brasil e foram para estes países e que as trocas entre eles eram
desiguais, mas recíprocas”, disse Abreu.
A primeira história da literatura brasileira, por exemplo, foi escrita pelo francês Ferdinand
Denis (1798-1890), que publicou em 1826 um livro na França intitulado O resumo da história
literária do Brasil.
“Nós vimos que essas conexões entre o Brasil e outros países já existiam muito antes e que não
havia a ideia de atraso, de dependência e de influência cultural, que não estão bem colocadas”,
disse Abreu.
“Não que o Brasil fosse o centro do universo no século 19. Mas não era tão ruim como estamos
acostumados a pensar, e o país estava sincronizado com outros no tempo, do ponto de vista da
leitura”, afirmou a pesquisadora.
De acordo com Abreu, um dos fatores que contribuem para essa falsa percepção do atraso
cultural do Brasil em relação ao mundo é que se costuma pensar que economia e cultura são
indissociáveis.
Como o país não era economicamente desenvolvido no século 19, se pressupunha que sua
cultura também era atrasada e fortemente dependente e influenciada por outros países.
“Uma das conclusões preliminares importantes deste projeto de pesquisa é que a economia e a
cultura não são tão casadas assim. No mesmo país em que havia escravos e era economicamente
dependente, circulavam livros que eram lidos ao mesmo tempo aqui e em Paris”, disse Abreu.
Continuidade da pesquisa
A pesquisa está sendo realizada em bibliotecas, além de em arquivos dos editores, comerciais e
de polícia do Brasil e dos três outros países participantes do projeto, em que é possível analisar,
por exemplo, os contratos comerciais de livreiros realizados com brasileiros e quais editores se
instalaram no país.
De acordo com Abreu, o projeto deve ganhar maior impulso agora, após a realização da Escola
São Paulo de Estudos Avançados sobre a Globalização da Cultura no século 19, que
ocorreu no final de agosto no IEL e Universidade de São Paulo (USP), com apoio da FAPESP.