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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE)

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (CFCH)


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (PPGH)
DISCIPLINA: HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA
DOCENTE: ANTONIO TORRES MONTENEGRO

LUIZ HENRIQUE SANTOS FERREIRA DA COSTA

WALTER BENJAMIN- MAGIA E TÉCNICA, ARTE E POLÍTICA.

Recife
2019
A imagem de Proust
No texto A imagem de Proust, Walter Benjamim, tece inúmeros elegios à obra
de Marcel Proust que deixa o leitor que nunca leu os escritos do autor francês, no
mínimo, curioso. Para Benjamin, os volumes de A la recherce du temps perdu são o
“resultado de uma síntese impossível, em que Proust, absorvendo e condensando o
místico, a arte do prosador, a verve do autor satírico e o saber erudito em uma obra
autobiográfica, a torna excepcional” p.37. A imagem de Proust, segundo Benjamim,
“é a mais alta fisionomia que a crescente discrepância entre poesia e vida poderia
assumir”. p.37.

Benjamin explica que Proust não descreveu em sua obra a vida como de fato foi,
mas sim uma vida rememorada por quem a viveu. Assim, o autor alemão analisa o texto
de Proust observando a relação das camadas da memória sobre a linguagem e como isso
se reflete na estrutura discursiva da obra. Temos acesso então a diversas reflexões
cheias de metáforas que nos deslocam do debate engessado de autores que possuem
uma escrita mais densa, para a dimensão benjaminiana que nos leva a refletir, a partir da
obra literária de Proust, sobre conceitos científicos que discutimos na academia. O autor
alemão levanta questões como os métodos de rememoração, os tipos de memória
envolvidas no ato de rememorar (voluntária e involuntária), assim como analisa os
conceitos de lembrança e esquecimento.

No trecho “Não se encontra a memória involuntária de Proust muito mais


próxima do esquecimento do que daquilo que chamamos em geral de rememoração? E
não seria esse trabalho de reminiscência espontânea, em que a rememoração é a trama
e o esquecimento a urdidura, muito antes o oposto do trabalho de Penélope, ao invés
de sua cópia?” (p. 38) , Benjamin associa a escrita de Proust à memória involuntária, e
essa memória espontânea ao esquecimento. Assim, o acontecimento vivido necessita do
esquecimento para ser rememorado. Essa trajetória o autor nomeia de continuum da
rememoração. Assim, a memória é responsável pela urdidura das lembranças e as
transforma em texto. Nessa senda, outro ponto fundamental no texto de Walter
Benjamim é que “Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera
do vivido, ao passo que o acontecimento rememorado é sem limites, pois é apenas uma
chave para tudo que veio antes ou depois” (p.38).
Adiante, Benjamim traz uma reflexão acerca da eternidade na obra de Proust.
Eternidade que não faz vislumbrar o tempo infinito, mas sim o tempo entrecruzado. O
entrecruzamento do tempo se manifesta então internamente na rememoração e
externamente no envelhecimento.

É possível percebermos uma passagem na pág 47 que dialoga com o ensaio


experiência e pobreza: “(...)É isso que nos faz envelhecer, e nada mais. As rugas e
dobras do rosto são as inscrições deixadas pelas grandes paixões, pelos vícios, pelos
conhecimentos que nos falaram – enquanto nós, os proprietários, não estávamos em
casa. ” Ou seja, não temos tempo para viver todas as experiências que eventualmente o
destino dispusesse. Aqui já podemos notar a perda da experiência está relacionada com
o advento da modernidade e a aceleração do tempo, pois em dias de tempo acelerado,
perdemos muito tempo com efemeridades e dedicamos pouco tempo às coisas que
realmente trazem algo significativo.

Experiência e pobreza

Benjamin inicia o texto falando a respeito de uma parábola para evocar a


transmissão de experiência que, segundo o autor, encontra-se em declínio, sobretudo
com o advento da modernidade. A experiência era transmitida pela autoridade da
velhice; através de provérbios; em histórias, etc. Assim, o autor questiona se ainda
existem pessoas que saibam narrar algo direito, quem então teria a capacidade de
proferir palavras duráveis ou saberia lidar com a juventude invocando a sua própria
experiência? É possível perceber nesse início de texto que o autor implica a experiência
à capacidade de exercer sabedoria.

Um ponto importante do texto trata da volta dos soldados que lutaram nas
trincheiras da primeira guerra mundial: “que os combatentes tinham voltado silenciosos
do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos”. O
mutismo dos soldados pertencentes a uma geração que fora a escola em carroças
puxadas por cavalos pode estar ligado às vivências que tiveram das forças bélicas em
um avanço técnico em que nunca tinham sequer imaginado, além dos traumas e horrores
vivenciados em que a sua linguagem não dava conta de expressar todo o sofrimento e
transformá-lo em experiência. A guerra acabou com a ideia de que existia um acumulo
de experiência que poderia ser transmitida para gerações seguintes. Essas experiências
se materializavam em pequenos ensinamentos, recomendações provérbios que serviam
para as pessoas pensarem o seu lugar no mundo.

Para Benjamin, a renovação da astrologia, da ioga, da Christian Science, da


quiromancia, do vegetarianismo, da gnose, da escolástica e do espiritismo é uma
galvanização, ou seja, algo que é encoberto superficialmente, pois não se tratam das
experiências transmissíveis que exercem sabedoria.

Em seguida, Benjamin fala a respeito de um conceito novo e positivo para a


barbárie, pois a pobreza de experiência para o bárbaro o impeliria a partir para a frente,
começar de novo, contentar-se com pouco e construir com pouco. Para o autor,
professar a pobreza de experiência é a possibilidade de sua ultrapassagem, pois
constituiria uma outra perspectiva para o presente a partir da tomada de consciência de
suas limitações.

Adiante, o autor fala que o camundongo Mickey é um dos sonhos do homem


contemporâneo pois consegue unir a Natureza e a técnica em uma oficina do fantástico.
Tudo sai de seus bolsos, em cada dificuldade, a criatura é autossuficiente, não precisa de
experiências pois a técnica já o capacitou para lidar com todas situações que se
apresentem.

O Narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov

O autor parte do trabalho do escritor Nikolai Leskov para defender a tese de que
a arte de narrar histórias está em extinção.   Benjamin observa na guerra o processo
manifesto de que a transmissão de experiência encontra-se em baixa ao constatar que os
soldados voltavam mudos do campo de batalha, mais pobres em experiência
comunicável. O autor afirma que as melhores narrativas escritas são “as que menos se
distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”. (p.
214). Os narradores que o autor se refere podem ser encontrados em dois grupos: o
narrador que vem de longe presente na figura do marinheiro comerciante e o narrador
que vive sem sair de seu país e conhece bem a tradição, o qual Benjamin define como a
figura do camponês sedentário.

Benjamin tece uma narrativa em que analisa as obras de Leskov e fala a respeito
da arte de narrar. Para ele, existe um senso prático nos bons narradores como Leskov: a
capacidade de saber dar conselhos que pode consistir em ensinamentos morais, num
provérbio ou norma de vida. Benjamin deixa mais claro: “Aconselhar é menos
responder a uma pergunta do que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma
história que está se desenrolando”

Adiante, o autor trata a respeito de fenômenos que contribuíram para o declínio


das faculdades narrativas: o romance e a informação. A difusão do romance está ligado
à invenção da imprensa. O autor diferencia a tradição oral ligada à poesia épica, outras
formas de prosa como os contos de fada, lendas e novela do romance, o qual não
procede da tradição oral nem a alimenta, pois, a origem do romance é o indivíduo
isolado. Para Benjamin, a informação é mais ameaçadora do que o romance pois
provoca uma crise no próprio romance, porque diferentemente da narrativa, cujo saber
vinha de longe, a informação pede uma verificação imediata. Só tem valor no momento
em que é nova. O autor argumenta que recebemos notícias de todo o mundo o tempo
todo e mesmo assim somos pobres de experiências surpreendentes.

O autor alemão relaciona a narrativa e o trabalho manual. Para ele, a narrativa é


ela própria uma forma artesanal de comunicação, onde o narrador “deixa sua marca” na
narrativa contada. A narrativa não está interessada em transmitir o puro em si da coisa
narrada como um relatório. O autor explica que ela mergulha a coisa na vida do
narrador para em seguida retirá-la dele.

Em seguida, Benjamin fala a respeito da percepção da morte no século XIX,


quando a burguesia produziu, “com as instituições higiênicas e sociais, privadas e
públicas, um efeito colateral que inconscientemente talvez tivesse sido seu objetivo
principal: permitir aos homens evitarem o espetáculo da morte.” (p. 223). Essa
alteração também vai interferir na extinção da narrativa, uma vez que a autoridade
daquele que vai morrer e se recorda da vida, está na origem da narrativa.

Por fim, o autor trata novamente sobre a importância da figura do narrador: “o


narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns
casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio. Pois pode recorrer ao
acervo de toda uma vida. (...) Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-
la interia. O narrador é o homem que poderia deixar luz tênue de sua narração
consumir completamente a mecha de sua vida.” (P.240)

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