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DECISÃO

Vistos.
Habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelo advogado Júlio
César Correia da Silva em favor de João Francisco da Costa visando ao
reconhecimento da nulidade da ação penal em curso contra o paciente e,
consequentemente, a sua imediata soltura.
Aponta como autoridade coatora o Superior Tribunal de Justiça que
denegou writ impetrado perante aquela Corte com objetivo idêntico ao perseguido
nesta ação.
Alega o impetrante que:

“O paciente vem sendo acusado da prática de crime de


homicídio, ocorrido em 05 de outubro de 1986, na cidade de Itapevi/SP.
Não foi sequer citado para responder ao processo criminal, tendo sido
pronunciado à revelia. Não tinha advogado particular constituído nos
autos.
Fora decretada sua prisão na r. sentença de pronúncia,
datada de 27/05/1991 e sua prisão ocorreu em 30/12/2004. O Estado de
São Paulo jamais citou pessoalmente o paciente.
.............................................................................................
Além disso, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, sendo
sabedor de que o art. 366 do CPP determina a citação pessoal do réu e
a suspensão do processo caso tal providência obrigatória não ocorra,
validou uma citação por edital totalmente inválida, a qual é nula, e
manteve a prisão do paciente, motivo pelo qual não resta ao impetrante
outra alternativa, senão a de indicar o Egrégio Superior Tribunal de
Justiça – STJ como Autoridade Impetrada, perante o Egrégio Supremo
Tribunal Federal – STF, o que ora se faz.
O impetrante, nos autos do ‘Habeas Corpus’ nº 45.727-SP
(2005/0114750-3), levou ao conhecimento do Superior Tribunal de
Justiça – STJ, através da petição inicial do mencionado HC, cuja cópia
segue em anexo, a seguinte tese, a qual passa a expor também a este
Egrégio S.T.F.:
Segundo preceitua a Lei nº 9.271/96, o réu deve ser
sempre citado pessoalmente, sendo que todos os meios para tal citação
pessoal devem ser praticados, sob pena de nulidade. Tal lei deve
retroagir para beneficiar o réu – somente para beneficiar. O paciente,
‘in casu’, fora citado por edital sem esgotamento de todos os meios
possíveis de citação pessoal do mesmo.

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Na hipótese em tela, o réu fora citado por edital e, na
ocasião, não tinha advogado constituído, ou seja, de sua escolha.
Assim, sequer tomou conhecimento da existência do processo, o qual
deve ser imediatamente suspenso, por este Egrégio Tribunal, sem que
o prazo prescricional também o seja.
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O novo texto do artigo 366 do Código de Processo Penal,
na parte que envolve a prescrição, não retroage, primeiro por ser matéria
de Direito Penal, alheia, assim, ao CPP e, em segundo lugar, por ser
prejudicial ao réu, por determinar a interrupção da prescrição.
Contudo, retroage a parte do artigo 366 do CPP, a qual
determina a suspensão do processo, no caso de réu citado por edital
sem ter advogado de sua escolha constituído nos autos.
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Assim sendo, o processo de Primeira Instância deve ser
considerado como suspenso, a partir do dia em o réu não compareceu,
pois não tinha advogado de sua confiança, constituído naquela ocasião.
Tal é a determinação constitucional, pois deve a lei retroagir para
beneficiar o réu.
.............................................................................................
Durante a fase de pronúncia, pelo fato de não ter sido
pessoalmente citado, o paciente ficou indefeso. Muito embora tenham
sido nomeados advogados dativos para defender o mesmo em tal fase
processual, sequer as Alegações Finais foram ofertadas.
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Assim, com base em tais fatos, fora requerido, junto ao
MM Juízo de Direito de Cotia/SP, a Liberdade Provisória e a
conseqüente Revogação da Prisão Preventiva do paciente, por não
estarem presentes os requisitos do artigo 312 do CPP em vigor.
Tal pedido se fez, uma vez que a prisão do paciente fora
decretada única e exclusivamente para que o mesmo fosse intimado do
teor da r. sentença de pronúncia, assegurando-se, assim, o julgamento
em plenário. Tendo tal procedimento sido efetuado, não há a
necessidade de o mesmo permanecer preso, aguardando eventual
julgamento no Tribunal do Júri, caso as preliminares argüidas neste
‘Habeas Corpus’ não sejam acolhidas por este Egrégio Tribunal.
A manutenção de tal prisão do paciente, após sua
intimação da r. sentença de pronúncia, pode ser considerada como uma
verdadeira antecipação da pena.
.............................................................................................
Mesmo havendo entendimento no sentido de dispensar-
se a motivação, na sentença de pronúncia, a respeito da manutenção da
prisão preventiva decretada anteriormente no curso da instrução
criminal, considerando suficiente apenas que se reporte aos motivos da
prisão que a mantém, deve-se pressupor, contudo, a validade da prisão

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cautelar anteriormente decretada, sob pena de contaminar a prisão de
pronúncia, mormente quando só nos motivos daquela se embasar.
Ocorre que, no presente caso, não fora decretada sequer
a prisão cautelar do paciente, sendo decretada somente a prisão de
pronúncia, a qual fora decretada com o fim de intimar-se o paciente do
teor de tal r. sentença, abrindo-lhe prazo para recurso, bem como para
assegurar o julgamento em plenário. Possui o paciente o direito de
aguardar a designação do julgamento em liberdade” (fls. 4 a 13).

Ao final requer, em caráter liminar, a expedição de Alvará de Soltura e,


no mérito, a confirmação da liminar, com o reconhecimento da ilegalidade dos atos do
processo a partir de 12/11/87.
Decido.
O paciente está sendo processado pela prática do crime previsto no
artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal (homicídio qualificado), ocorrido em 5/10/86,
em Itapevi/SP.
Denunciado em 24/4/87, foi citado por edital e pronunciado em 27/5/91.
A defesa impetrou habeas corpus (fls. 88 a 114) no Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, alegando constrangimento ilegal por parte do Juízo de Direito
da Comarca de Itapevi/SP (Proc. nº 02/05, da Primeira Vara Criminal). O Tribunal
denegou a ordem (fls. 122 a 127).
Interpôs, também, recurso em sentido estrito (fls. 145 a 163) contra a
decisão de pronúncia, alegando, em síntese, os mesmos fundamentos: vício no ato da
citação editalícia, impossibilidade de o processo prosseguir à revelia do réu em face do
artigo 366 do Código de Processo Penal, legítima defesa e, finalmente, inexistência dos
requisitos da prisão preventiva. O Tribunal indeferiu o recurso (fls. 167 a 173).
Sobreveio novo habeas corpus, desta feita ao Superior Tribunal de
Justiça (fls. 26 a 56) igualmente denegado. A ementa do acórdão está lavrada nos
seguintes termos:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. CITAÇÃO POR EDITAL. AUSÊNCIA DE NULIDADE.
FATO DELITUOSO OCORRIDO EM 1988 [rectius 1986]. REVELIA.
INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NA NOVA REDAÇÃO DO ART.

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366 DO CPP. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRISÃO. RÉU
FORAGIDO. SEGREGAÇÃO CAUTELAR JUSTIFICADA NA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL. ART. 312 DO CPP. PRECEDENTES.
LEGÍTIMA DEFESA. EXAME DE MATERIAL COGNITIVO DOS AUTOS.
INVIÁVEL NA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA.
1. A citação por edital se mostra válida, porquanto foram
esgotadas todas as possibilidades para citar o paciente via oficial de
justiça. Assim não há vício a ser sanado.
2. A nova redação do art. 366 do CPP, dada pela Lei
9.271/96, em vigor desde 18/6/1996, não é passível de retroatividade,
conforme pacífico magistério desta Corte.
3. Hipótese na qual não há falar em desconhecimento da
persecução penal, sedo evidente a intenção, sim, de impunidade,
porquanto, mesmo tendo ciência da instauração do inquérito policial, já
que fora interrogado, evadiu-se do distrito da culpa, permanecendo revel
durante toda a primeira fase da instrução processual (judicium
accusationis ), perfazendo um período de quase 15 (quinze) anos, que
culminou com a sua pronúncia e, por conseguinte, com a expedição do
mandado de prisão.
4. Constrição cautelar que se encontra devidamente
justificada, uma vez que o paciente demonstrou concretamente a
intenção de se furtar à aplicação da lei penal, o que, a teor do art.312 do
Código de Processo Penal, é motivo suficiente para decretação da
custódia.
5. Aferir se o paciente agiu ou não em legítima defesa
implica, necessariamente, o reexame da prova produzida durante a
instrução criminal, o que é inviável na estreita via do habeas corpus,
marcado por cognição sumária e rito célere.
6. Ordem denegada” (fl. 64).

Seguiu-se embargos de declaração em que se pleiteava o


reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, rejeitados (fls. 80 a 84).
No presente habeas corpus o paciente sustenta, em resumo, que:
1) não poderia ter sido citado por edital porque não esgotadas as
tentativas de fazê-lo pessoalmente;
2) em se admitindo válida essa espécie de citação, deveria ter sido
suspenso o processo (não a prescrição), pela aplicação retroativa do artigo 366 do
Código de Processo Penal, na parte que lhe é mais benéfica;

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3) como não foi pessoalmente citado na fase da pronúncia, ficou
indefeso, pois, muito embora tenham sido nomeados defensores dativos, sequer foram
oferecidas alegações finais;
4) não pode persistir o seu recolhimento preventivo, seja porque a
sentença de pronúncia não está devidamente fundamentada no artigo 312 do Código
de Processo Penal, seja porque não concorrem, de qualquer sorte, os requisitos ali
indicados.
O writ, em princípio e segundo um juízo de cognição sumária, não colhe
êxito por nenhum dos fundamentos suscitados.
No que diz respeito à validade da citação por edital, verifico que o
pressuposto fático previsto nos artigos 361 e 362 – “se o réu não for encontrado” – está
devidamente confirmado nos autos.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do HC
impetrado perante aquela corte afirmou, com efeito, que:

“Quando ouvido na polícia, o paciente forneceu o


endereço no qual não foi encontrado pelo Oficial de Justiça, sendo
que sua genitora alegou não saber informar o seu novo endereço,
mas prontificou-se em cientificar seu filho da designação da
primeira audiência marcada para 14 de outubro de 1987. No
entanto, diante do seu não comparecimento, acabou sendo citado
por edital.
Ressalte-se que, diversamente do que aduz o impetrante,
as possibilidades para citar o paciente via Oficial de Justiça foram
esgotadas. Ademais, inexiste obrigatoriedade de que as diligências para
a localização do denunciado sejam feitas indeterminadamente até ser
encontrado, ainda mais quando este, visível e propositadamente, se
furta para não ser citado.
Por outro lado, não há como alegar que o paciente não
tinha ciência de que seria processado, pois foi interrogado
extrajudicialmente, ocasião em que admitiu a autoria do homicídio. Tanto
sabia que foi residir em outra Comarca sem fornecer seu novo endereço
à polícia, tendo sido preso depois de mais de dez anos de sua
pronúncia” (fls. 124/125).

O mesmo Tribunal, no julgamento do recurso em sentido estrito afirmou


que “No caso ‘sub examine’, consoante se depreende a fls. 30 e 40, procurado o

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acusado no endereço que forneceu ao ser ouvido na Polícia (fls. 12), não foi localizado,
tendo a respectiva genitora informado que ele se mudara para cidade interiorana que
ela mesma não sabia qual seria. Nova tentativa de citação pessoal foi em vão realizada
(fls. 40). Assim, existiu a regular citação por edital (34 e 46) e, não tendo havido
comparecimento, foi correta a conseqüente e necessária decretação da revelia” (fl.
169).
A pretensão do impetrante de reconhecer a nulidade da referida
citação só pode estar vinculada, portanto, ao reexame de matéria fático-
probatória, o que não se admite na via estreita do habeas corpus.
Em relação à aplicação partida do artigo 366 do Código de Processo
Penal, na redação dada pela Lei nº 9.271/96, destaco que, muito embora o
dispositivo tenha também um conteúdo processual, sobressai a sua feição de
direito penal material, não se autorizando, por isso a sua aplicação fracionada.
Além disso, por se tratar de dispositivo que, em geral, agrava a situação dos réus, não
pode ser aplicado retroativamente à edição da lei nova.
Nesse sentido o entendimento firme da jurisprudência:

“(...) II. Citação por edital e revelia: L. 9.271/96: aplicação


no tempo. Firme, na jurisprudência do Tribunal, que a suspensão do
processo e a suspensão do curso da prescrição são incindíveis no
contexto do novo art. 366 CPP (cf. L. 9.271/96), de tal modo que a
impossibilidade de aplicar-se retroativamente a relativa à
prescrição, por seu caráter penal, impede a aplicação imediata da
outra, malgrado o seu caráter processual, aos feitos em curso quando
do advento da lei nova. Precedente” (HC nº 83.864/DF, Primeira Turma,
Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 21/5/04).

“HABEAS-CORPUS. ROUBO QUALIFICADO.


ALEGAÇÃO DE NULIDADES PROCESSUAIS: APLICAÇÃO DO ART.
366 DO CÓDIGO PENAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº
9.271/96, E NÃO INTIMAÇÃO DO PACIENTE PARA O INÍCIO DA
INSTRUÇÃO CRIMINAL. 1. Dispõe o art. 366 do CPP, com a redação
dada pela Lei nº 9.271/96, que não encontrando o réu para ser citado e
este não constituindo advogado, o processo ficará suspenso e, assim, a
prescrição. Esta nova norma só pode ser aplicada aos processos

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pendentes, antes da prolação da sentença, porque trouxe disposições
incindíveis de direito material (prescrição) e de direito processual
(suspensão do processo), devendo prevalecer a norma de direito
material para o fim de se determinar que não pode retroagir, porque a
suspensão da prescrição não beneficia o réu” (HC nº 75.679/SP,
Segunda Turma, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 20/4/01).

No que diz respeito à alegada deficiência na defesa produzida pelos


advogados dativos nomeados ao tempo da sentença de pronúncia, verifico, em
primeiro lugar, que a decisão atacada não se manifestou sobre o tema. Além disso, não
constam dos autos elementos que permitam analisar a qualidade da defesa
apresentada pelos referidos advogados. Tampouco há elementos para avaliar a
influência que essa defesa teria produzido no juiz prolator da referida sentença já que
nem mesmo esse documento foi colacionado. O exame da pretensão formulada, nessa
medida, mostra-se francamente inviabilizado.
Anote-se, em relação à alegada ausência dos requisitos para se decretar
a prisão preventiva, que a segregação do paciente, segundo informa o impetrante na
petição inicial, decorre da própria sentença de pronúncia - “Ocorre que no presente
caso, não fora decretada sequer a prisão cautelar do paciente, sendo decretada
somente a prisão de pronúncia” (fl. 13). A referida sentença, conforme alertado, não foi
trazida aos autos. Não é possível assim, verificar diretamente os seus fundamentos.
Cumpre destacar, no entanto, que o acórdão que julgou o recurso em sentido estrito,
reproduzindo o parecer do Ministério Público, afirmou:

“Como se vê da sentença de pronúncia de fls. 68/73, a


custódia cautelar do paciente foi decretada ‘a fim de se assegurar o
julgamento em plenário e, estando presentes os pressupostos do artigo
312, do Código de Processo Penal, por força dessa decisão de
pronúncia decreto a prisão do réu pronunciado’” (fl. 125).

A alusão feita pelo magistrado à necessidade de se assegurar o


julgamento em plenário está vinculada à fuga do paciente do distrito da culpa, fato
comprovado nos autos. Tem-se, assim, clara alusão ao requisito previsto pelo artigo
312 do Código Penal como segurança de aplicação da lei penal.

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Por todo o exposto, não concorrem, ao meu sentir, os requisitos
necessários à concessão da liminar que, por isso, indefiro.
Intime-se.
Dê-se vista ao Ministério Público.

Brasília, 28 de setembro de 2007.

Ministro MENEZES DIREITO


Relator

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