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3. Idade barroca. Arcos ousados e pedras ricamente lavradas mostram o abandono do gosto
clássico. O estilo teatral agrada à multidão, que aprecia as representações das ( ■ estrelas» e
as vistosas cerimónias públicas. Um autêntico magnate local, o imperador Sétimo Severo
93-211),manda levantar, na sua cidade natal, Leptis Magna (Tunísia), este e outros edifícios. AS FRONTEIRAS DO MUNDO CLASSICO: C. 200
legado. Como manter, através de tão vasto império, um estilo sem satisfazer as suas necessidades alimentares. Roma dependeu,
de vida e de cultura, originariamente baseado numa' estreita durante muitos anos, da grande frota anual da África. Durante
linha costeira de cidades-estados, eis um dos problemas prin-
o século vi, Constantinopla recebia, anualmente, 175 200 tone-
cipais do período compreendido entre 200 e 700. ladas de cereais do Egipto.
O Mediterrâneo clássico havia sido sempre um mundo con-
A água foi, nos primeiros sistemas de transporte, o que. 4_,1
denado à indigência. É um mar cercado por altas montanhas;
foramscinhdeotraspmdeno—artéi
as. suas planícies férteis e vales fluviais são como remendos de
indispensável dos transportes pesados. Logo que um carrega-
uma sarapilheira. Muitas das maiores cidades dos tempos clás-
mento deixa as águas do Mediterrâneo ou de um grande rio,
sicos ficavam em pobres lugares alcantilados. Os seus habitantes
ao movimento rápido e seguro sucede a morosidade ruinosa.
viam-se obrigados a descer constantemente às regiões vizinhas, Fica mais barato levar um carregamento de trigo de uma extre-
em busca de alimento. Descrevendo os sintomas da falta de
midade do Mediterrâneo à outra do que transportá-lo por terra
alimentação das populações destes lugares no meado do século II, até à distância de 275 quilómetros.
o Dr. Galen observa: «Os habitantes das cidades costumavam O Império Romano foi sempre formado por dois mundos.
colher e enceleirar cereais suficientes para o ano imediato à
Até 700, as grandes cidades marítimas não estão a grandes dis-
colheita. Recolhiam todo o trigo, cevada, feijões e lentilhas, e tâncias umas das outras; em vinte dias de boa navegação, um
deixavam os restos aos camponeses.» Vista a esta luz, a história viajante vai de um canto a outro do Mediterrâneo, o centro do
do Império Romano é a história da maneira como dez por cento
mundo romano. Em terra, porém, a vida romana tende sempre
da população (que vivia nas cidades e deixou a sua marca na
a concentrar-se em pequenos oásis, semelhantes a gotas de água
civilização europeia) se alimentava da forma sumária indicada
huma planície ressequida. Eram famosas as estradas romanas
por Galen, à custa do trabalho dos restantes noventa por cento que corriam através do Império; mas atravessavam cidades cujos
que trabalhavam a terra.
habitantes obtinham tudo o que comiam, e a maior parte do que
O alimento era a riqueza mais preciosa do mundo mediter- usavam, dentro de um raio de uns 130 quilómetros.
rânico. Implicava o transporte. Poucas das grandes cidades do
12 Era no interior, nas terras que ladeavam as grandes vias,
Império Romano dispunham, nos arredores, de terras que pudes- que as enormes despesas do Império se tornavam mais pesadas. 13
O Império Romano fazia um esforço considerável para manter 7, 9. Em baixo, o sírio rico. O seu
longo nome grego e romano—Mar-
a sua unidade. Soldados, administradores, correios, auxiliares, cus Julius Maximus Aristides — é
visitavam constantemente as províncias. Visto pelos imperadores acompanhado de uma longa inscri-
ção em aramaico. O escultor em-
em 200, o mundo romano parece uma rede de caminhos, inter- prega o estilo que precede o dos
rompidos por postos, ocupados por pequenas comunidades, que retratos bizantinos. Séculos st-m.
A direita : em cima, um egípcio.
cobram os impostos em alimentos, vestuário, animais, e recrutam Túmulo copta de Scheh-Abade,
a mão-de-obra exigida pelas necessidades da corte e do exército. Egipto. Século D/; em baixo, cam-
poneses do Reno. A túnica curta,
Esta rude máquina era servida, obrigatóriamente, por muitos de lã, e o barrete das classes infe-
homens. A violência não representava uma novidade. Era tão riores do Ocidente continuam a
usar-se durante a Idade Média.
velha como a civilização, em certos lugares. Na Palestina, por Sobrevivem no hábito e no capuz
exemplo, Cristo ensinara aos seus ouvintes como deviam proceder do frade. Túmulo do século st.
-•
*
- -14
OS NOVOS GOVERNANTES: 240-350
O domínio absorvente da aristocracia tradicional na vida cultural 13. No mundo das fronteiras: soldados
romanos combatendo no Danúbio. Rele-
e política do Império dependia de uma paz duradoira. No Norte vo de Adatnklissi, 108-109.
e ao longo, das fronteiras orientais vizinhas das montanhas da
Arménia e do Irão, a paz era, claramente, uma pausa momen- A unidade do Império é ameaçada por impérios locais de <,emer-
tânea nas leis da Natureza. O Império Romano era, como a China, gência»: Postúmio governa a Gália, a Bretanha e a Espanha,
um dos raros grandes estados do Mundo Antigo que tentaram de 260 a 268; Zenóbia, rainha de Palmira, domina parte das
criar um oásis de pacífico governo civil entre sociedades que províncias do Oriente, de 267 a 270.
haviam sempre vivido em guerra. Com a ressurreição da Pérsia, O Império Romano desconjunta-se. Diferentes grupos e
diferentes províncias perdem a disciplina. Ao longo das fronteiras,
em 224, o. estabelecimento da confederação gótica na bacia do
Danúbio, depois de 248, e os movimentos de bandos guerreiros cidades e lugares ficam desertos. Os soldados derrubam 25 impe-
ao longo do Reno, depois de 260, o Império vê-se obrigado a radores, e, em 47 anos, só um morre no leito. No entanto, à volta
sustentar a guerra em todas as fronteiras. do Mediterrâneo, uma sociedade mais resistente não perde a
Estava mal preparado para esta tarefa. Entre 245 e 270, as esperança e procura progredir. Nas suas grandes herdades, os
fronteiras desmoronam-se. Em 251, o imperador Décio é ani- senadores romanos continuam a cultivar a filosofia grega e adop-
quilado com o seu exército nas margens do Dobruja, em luta tam, nos seus bustos, a moda barroca dos Antoninos. Em Roma,
com os Godos. Em 260, Shapur I aprisiona o imperador Valeriano, na África, no Mediterrâneo, os bispos cristãos gozam de um
com muitos dos seus soldados. No estuário do Reno e na Crimeia, sossego e liberdade de movimentos que contrastam profunda-
os barcos dos Bárbaros antecipam os feitos dos Vikings. Devas- mente com a dura vida dos seus governantes pagãos. Nas décadas
tam as costas da Bretanha e da Gália e assaltam as cidades inde- de crise, muitos dos principais dirigentes das cidades do Medi-
fesas do mar Egeu. Em 271, o imperador Aureliano vê-se terrâneo continuam a desempenhar pacientemente os deveres
rotineiros da administração, como os de Oxirinco, no Alto 25
24 mesmo na necessidade de cercar Roma de muralhas militares.
Egipto, esperançados em que a «boa divina fortuna» do imperador
recomponha em breve a situação.
O sólido assento da vida civil mantém-se firmemente, mas
a crise tem um resultado imediato: o mundo romano nunca mais
volta a ser governado por um grupo notável de homens prudentes
como no tempo de Marco Aurélio.
O Império Romano é salvo por uma revolução militar.' 2aras
vezes a sociecrádê - Chegara a `Cortar 'o podre das classes supe-
riores com tanta coragem. A aristocracia senatorial é excluída
dos comandos , militares, em 260. Os aristocratas vêem-se obri-
gados a servir como os soldados profissionais, que haviam subido 16. O (dólar» da Idade
a pouco e pouco. O exército é refundido por estes profissionais. Média : solidus de ouro
de Constantino (306 - 337).
A pesada legião é dividida em pequenos destacamentos, para Em deliberado contraste
poder opor defesa mais flexível em profundidade, nas incursões com o rude Diocleciano,
Constantino é figurado
dos Bárbaros. As guarnições fronteiriças são protegidas por uma como herói civil — com
impressionante força de choque, formada por cavalaria pesada — os olhos erguidos para o
alto e perfil clássico. Moe-
os «companheiros» do imperador, o comitatus. Estas modifica- da de Nicomedia.
ções duplicam o tamanho do exército e aumentam em mais do
dobro o seu' custo. Urna força de 600 000 homens era o exército
mais vasto reunido durante o Mundo Antigo. As necessidades levam os imperadores ao aumento da burocracia. Por alturas de
300, queixavam-se os cidadãos de que «há mais colectores do que
14, 15. A esquerda, o soldado Constâncio Cloro, pai de Constantino. Medalha de ouro do
Tesouro Beaurains, Museu de Arras. À direita, a ressurreição imperial. Constâncio Cloro pagadores», devido às reformas do imperador Diocleciano (284-
chega a Londres em 296: »Traz-nos de novo a eterna luz de Roma.» Nas províncias ociden- -305). Como veremos no próximo capítulo, o peso do aumento
4 tais, a salvação das cidades depende da chegada do imperador à frente dos seus garbosos
dos impostos molda inexoràvelmente a estrutura da sociedade
regimentos de cavalaria pesada. Cópia de um medalhão de ouro, de Tréveros.
romana dos séculos INT e v.
A revolução militar do fim do século In é vista com irredu-
tível hostilidade pelos civis conservadores do tempo, e por isso
mal estudada por alguns historiadores modernos. Foi, no entanto,
um dos mais belos feitos do Estado Romano. Com o novo exér-
4 cito, Galiano vence os Bárbaros na Jugoslávia e na Itália do
4 Norte, em 258 e 268; Cláudio pacifica a fronteira do Danúbio,
em 269; Aureliano avança através das províncias do Oriente,
em 273; Galério esmaga a ameaça dos Persas, em 296.
Os soldados e oficiais das províncias do Danúbio, que haviam
parecido tão rudes aos aristocratas do Mediterrâneo durante a
época precedente, são os heróis da ressurreição imperial do fim
do século In e começo do século iv. Diz um deles: «Servi durante 27
17-20. O novo romano.
Um oficial das províncias
danubianas, do século iv.
Os seus escravos trazem-
-lhe as calças (18), o manto
com uma fíbula (19), o
cinto enfeitado com jóias
(20). Frescos de um tú-
mulo da Silístria (Bul-
gária).
27 anos; nunca fui castigado por indisciplina ou roubo. Andei poder mais alto da sociedade romana. Eram oficiais assalariados,
de um lado para o outro durante sete anos. Nunca me escondi pagos em nova moeda de ouro estabilizada — o solidus. No
atrás de outro, nunca deixei de ser o primeiro na luta. O capitão século iv, esta moeda de ouro, o «dólar da Idade Média», goza
nunca me viu hesitar.» O exército era um viveiro de talentos. do poder de compra do dólar moderno, numa sociedade ainda
Em fins do século Itt, os seus oficiais e administradores tiram à a braços com uma inflação perturbante. A sua posição no exér-
autocracia tradicional o governo do Império. O grande reformador cito e no funcionalismo deu aos servidores imperiais vastas opor-
deste período, Diocleciano, era filho de um liberto da Dalmácia; tunidades alimentares. Escrevia um contemporâneo: «Constantino
o. seu
- adjunto, Galério (305-311), guardara gado nos Cárpatos; foi o primeiro a abrir as províncias aos seus amigos; Constâncio II
um dos seus colegas, Constantino Cloro (305-306), não passava fartou-os até não poderem mais.»
de obscuro senhor rural dos arredores de Naissus (Nish). Eram Após a conversão de Constantino, em 312, os imperadores
homens cuja subida ao poder era tão espectaculosa e bem mere- e a maioria dos seus familiares são cristãos. A facilidade com que
cida como a dos marechais de Napoleão. Eles e os seus sucessores o cristianismo se impõe às altas classes do Império Romano, no
escolhem auxiliares de passado idêntico. Os filhos de um car- século iv, é devida à revolução que coloca a corte imperial no
niceiro, de um pequeno notário provinciano, de um porteiro de centro da sociedade do «homem novo», o qual acha comparati-
balneário público, tornam-se prefeitos do pretório quando a pros- vamente fácil abandonar as crenças conservadoras pela nova fé
peridade e a segurança das províncias orientais do Império depen- dos dominadores.
dem de Constantino e de Constâncio II. As novas classes superiores trazem com elas restos das suas
O reinado de Constantino, especialmente o período que vai activas origens militares. Todos os oficiais usam uniforme; mesmo
28 de 324 a 337, viu uma nova «aristocracia de serviço» alcançar o os imperadores abandonam a toga, e aparecem, nas suas estátuas, 29
vestidos de guerreiros. Estas vestes são o simples e grosseiro
uniforme da fronteira danubiana — um pequeno elmo redondo,
uma capa com uma fíbula de ombros, trabalho bárbaro, e um
pesado cinturão. O latim rústico das províncias fazia irremedià-
velmente parte do seu vocabulário oficial. Era assim que um
romano clássico denominava aureus a nova moeda de ouro; na
prática, porém, todos lhe chamavam solidus, ou seja, «coisa sólida»,
digna de crédito.
Um elemento novo, de origem alheia à aristocracia tradi-
cional do Império, veio, desta forma, a formar a classe governa-
mental. A fluidez social que levara estes homens ao alto nem era
indiscriminada nem abraçava toda a sociedade romana. No
Oriente, por exemplo, Constantinopla é remoinho isolado de
modificações cujas correntes só gradualmente afectam as classes
21, 22. Renascimento clássico. Em cima, marfim
superiores da sociedade, nas províncias. Libânio (314-393), um alusivo à celebração do casamento de uma filha de
grego retórico, posto em 341-342 perante os soldados de língua Símaco, senador pagão do fim do século iv. Em
baixo, casamento de um aristocrata do século tv.
latina que esperam o seu discurso, procede como se «falasse por Os noivos podem ser cristãos, mas a cena é franca
mímica», pcirque não podiam compreender o seu grego clássico. e deliciosamente pagã. Pormenor da tampa da
caixa nupcial de Secunda e Projectus.
Na cidade de Nicomedia, para onde retira, encontra melhor
companhia — «homens de bom nascimento», «amantes das musas».
Estranhos ao animado mundo da corte e do exército, sobre-
vivefn os lentos movimentos tradicionalistas. Os _proprietários
ricos continuam a coleccionar grandes estátuas e o sistema clás-
sico de educação continua a ministrar aos jovens ideias conser-
vadoras. Como os arcos opostos da mesma abóbada, a «nova»
sociedade dos súbditos imperiais vem a encostar-se à segura
sociedade tradicional das educadas classes superiores. O poder
absorvente e criador destas classes é extraordinário. Em fins do
século iv, por exemplo, ricos romanos, cujos avós haviam per-
petuado as violentas inovações do Arco de Constantino, apreciam
os belos trabalhos neoclássicos de marfim e sabem mais de
literatura latina do que muitos dos seus predecessores.
-- A antiga educação clássica fornecia os elementos de ligação
entre os dois mundos. Esta cultura, àvidamente absorvida, era
um trompe l'oeuil ao . qual o homem novo podia encostar-se. Um
30 governador de província confessava: «O meu pai era um pobre
zrÁttMSfr"SrC7AiR7A41/45r;"
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camponês; o meu amor pelas letras conquistou-me a vida de
senhor.» A maior parte da cultura clássica do século tv era uma 23, 24. À esquerda, o
«cultura-sucesso»; a obra mais importante que se lhe deve é um letrado ocupa a sua ca-
deira de professor (pro-
«resumo» (breviariunz), de trinta páginas, da história de Roma, tótipo da cátedra epis-
destinado aos governantes do Império. copal), tendo em frente
urna estante repleta de
Um dos aspectos requintados e deleitosos do mundo do fim antigos rolos de clássi-
da Antiguidade é o esforço consciente da fluida classe superior, cos. Relevo romano.
À direita, o evangelista
no sentido do regresso às raízes do passado, o desejo de assentar S. Mateus. Do Evan-
firmemente as bases da coesão. Os novos senadores protegem a geliário de Carlos Mag-
no, Aix-la-Chapelle, an-
produção de objectos de luxo, de belo lavor artesanal, para for- tes de 800.
talecer a situação da classe e a sua solidariedade. Celebram os
aniversários dos casamentos mandando lavrar cofres nupciais de
que apreciam a antiga cultura tradicional são os únicos membros
prata (como o cofre esquilino do Museu Britânico); anunciam estáveis de uma máquina burocrática que absorve os talentos
essas datas aos amigos por meio de belas tabuinhas de marfim, como uma esponja. O influxo constante das necessidades dos
de puro estilo neoclássico (como o díptico Nicomachi, do Museu provinciais, cuidadosamente abafadas pela literatura clássica grega
Vitória e Alberto). Estes dípticos servem também para lembrar de Constantinopla, dá à çlasse governante de Bizâncio a ilusória
a posse do lugar de cônsul, numa complicada heráldica, que tranquilidade das águas superficiais da presa de um moinho.
representa fnais a glória e antiguidade do título do que os Nomeiam o pessoal civil permanente e os governadores das pro-
méritos do novo possuidor. Os trabalhos mais polidos que
víncias; são eles que vêm a narrar a história de Bizâncio nos mil
provêm destes homens são, porém, as suas cartas, tão minuciosas
anos seguintes. Tão uniforme é a sua cultura que o seu último
e insípidas como os cartões de visita dos mandarins da China representante continua a escrever, sob o domínio dos sultões
imperial. Durante os séculos INT e v circula uma vasta colecção otomanos, no fim do século xv, uma história do tempo à maneira
de cartas, a maior parte das quais não passa de relatos pre-
de Tucídides.
tensiosos da classe governante do mundo romano, relativos às Nesta nova classe superior há duas feições que importa con-
perdas e ganhos de uma luta contínua pela conquista de privi- siderar. Em primeiro lugar, procurava criar-se um escol através
légios e influência. de uma activa carreira pública. A cultura clássica do fim da
As novas classes governamentais precisavam de mestres, e
Antiguidade assemelhava-se a uma alta pirâmide; forçava a uma
estes, por sua vez, vêm a formar o estado-maior de uma buro- «aristocratização», à formação de homens «elevados pela tradição
cracia que, em certos momentos, domina a corte. Ausónio (c. 310- habitual acima da massa comum da humanidade». Absorvendo, _
-395), poeta de Bordéus, torna-se a éminence grise do Império graças ao estudo, os modelos clássicos da literatura e moldando
do Ocidente. É possível a Agostinho, pertencente a uma pobre
o procedimento pelo dos heróis antigos, aspiravam a uma certeza
família de Tagaste (sul de Aras), na África, ocupar, aos 30
que só a participação consciente do modo de vida tradicional
anos, o lugar de professor de Retórica em Milão (384) e conquistar,
lhes poderia dar. Apenas uma meticulosa dedicação ao aperfei-
seguidamente, a consideração do governador da província e da çoamento dos Antigos poderia salvá-los, assim libertados das
nobreza local. Nas cidades helénicas do Império dá-se a fusão_ sanções tradicionais e de si mesmos. Juliano, o Apóstata (361- 33
32 dos senhores tradicionais com os novos burocratas. Os homens
4
E
C-
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27, 28. Em cima, Constantino dis-
tribui presentes. No século tv, as
ofertas do imperador e dos seus ofi-
ciais são frequentes. Pormenor do
Arco de Constantino, Roma. Em
"baixo, vend% uma corrida do circo.
Espectáculos como este, apesar de
condenados pelos bispos cristãos,
mostram que a vida das cidades do
Mediterrâneo se mantém e continua
a manter-se durante o século vt. Mo-
saico de Gafsa, Tunísia, século v. -'—
káll~11Ãàj~
29, 30. À direita: moradia
wn campestre, na África. Dife-
rente da casa horizontal de
um só andar, do passado
clássico, dotada de rés-do-
-chão e de torres, podia
servir de castelo na altura
da invasão. Os grandes pro-
prietários viram-se forçados
a dar esta protecção aos seus
rendeiros. Mosaico de Ta-
barka, Tunísia, século tv.
Em baixo: palácio cuidado-
samente protegido das vistas
do mundo exterior. Mosaico
de Sant'Apollinare Nuovo,
Ravena, século vt.
rável e está mal distribuído. O tempo e a distância são os maiores
inimigos (e inimigos vitoriosos) do Império Romano. As contri-
buições são conscienciosas, mas, numa sociedade tão vasta, nunca
LPRCIL.43, 4.
poderiam ser nem completas nem suficientes. A única maneira letRUZ¥ á 8C1::MFRIhi
RIÉnZLit
de diminuir uma carga tão pesada era iludi-la, deixando os menos
afortunados de a liquidar. Os imperadores reconhecem a situação.
De vez em quando reduzem o seu peso, mercê de procedimentos
espectaculares — privilégios, perdões, cancelamento dos débitos
difíceis de cobrar : Mas isto era como uma válvula de segurança,
deixando escapar o vapor acumulado. Podia impressionar, mas
não distribuía a carga. Nas províncias do Ocidente, a fortuna
do imperador passava clandestinamente para as mãos dos grandes
proprietários, enquanto os pequenos se arruinavam devido aos
:38 constantes pedidos dos cobradores das contribuições; por alguma
razão, no hino cristão Dies Irae, se apresenta a vinda do Juízo outro caminho. Só o calor constante da atenção pessoal e a leal-
Final em termos parecidos com a do aparecimento do cobrador dade para com cada indivíduo podem vencer as vastas distâncias
oficial romano. do Império. Os grandes homens tornam-se alvo de fervoroso
Uma sociedade sobrecarregada não é, necessariamente, uma apreço. Em Roma, por exemplo, os residentes locais conquistam
sociedade humilhada ou rígida. Como vimos, a sociedade do a influência que haviam perdido desde a República. São eles
começo do século iv mostra-se acessível às correntes vindas de agora, e não o imperador, que cuidam da cidade. Durante o
baixo (relativamente aos homens, à habilidade profissional, às Baixo Império, nas pinturas dos aristocratas que dão jogos ao
ideias), que o mundo mais estável de 200 repudiara como «infe- público, como governadores, mesmo à custa da sua fortuna pes-
riores», «bárbaras» ou «provincianas». soal, começa a aparecer a multidão, admirável e densa.
Os novos aristocratas eram, frequentemente, famílias com As correntes de influência da derradeira sociedade romana
fortes raízes locais. Durante o século iv, a maior parte dos «sena- modificam-se de alto a baixo. O novo escol é extraordinariamente
dores» não conhece Roma. São, no entanto, os dirigentes da livre. A esplêndida arte do tempo, por exemplo, é obra de artistas
sua sociedade. As carreiras oficiais não os desenraízam. Esco- e mecenas que se sentem completamente libertados dos precon-
lhem-nos para governar as províncias onde são importantes pro- ceitos das gerações anteriores. A produção da típica arte clássica
prietários. As cidades que visitam e as moradias que ocupam (em sarcófagos, ilustrações de livros, cerâmica) havia sofrido uma
são as mesmas da vida de simples particulares. Este sistema pausa no fim do século In. Os homens, agora, desenham o que
poderia ter produzido homens de horizontes mais limitados (ape- têm à mão. Os artistas locais sentem-se livres para levar às casas
sar de antecipado, havia muito, na história social do Império), dos grandes as novas e estranhas tradições outrora correntes nas
mas permitiu que a influência do governo alcançasse a verdadeira suas províncias. O vigor expressivo dos mosaicos e estátuas do
base da sociedade provincial. Os impostos eram pagos e os recru- século iv mostra o que a última cultura romana deve à salutar
tas não faltavam no exército, porque os rendeiros dos grandes deslocação e consequente robustecimento das raízes locais.
proprietários faziam o que eles lhes ordenavam. Eram eles que A sociedade do século rv apresenta um movimento duplo.
representavam o homem médio nos tribunais. Os grandes senho- No topo, devido à riqueza, a altura da pirâmide social aumenta,
res da localidade sentavam-se quase livremente ao lado dos juízes, o que torna mais claramente visível a diferença entre o romano
tratando dos negócios da comunidade. Só eles estavam entre as inferior e a sociedade clássica — diferente qualidade de vida nas
classes inferiores e os temidos cobradores. As petições impor- cidades. O miraculoso vigor da vida urbana, durante o século
tantes dos camponeses directamente apresentadas ao tribunal reflecte um preciso — e transitório — estádio de desenvolvimento
imperial, nos séculos ir e In, desaparecem; no fim do Império, da classe superior da sociedade. Nesta altura, um grupo de
todos os pedidos de protecção e queixas de agravos passam homens ricos, mais ou menos de igual condição, bem conhecidos
através de um homem importante — o patronus, o boss (le patron, uns dos outros, rivalizam em prestígio, gastando com as suas
em francês)—, que goza de influência na corte. A ideia medieval cidades de origem somas importantes em construções, estátuas,
do «santo patrono», o protector dos seus servos junto da corte e num dispendioso e colossal bricabraque. Por alturas do século iv
celestial, é uma projecção para o alto deste factor fundamental trocam o fórum e as praças públicas pelos subúrbios e vizinhanças
da vida romana. campestres, onde as suas habitações — palácios e villas — se
Os laços verticais não eram invariavelmente opressivos. Pou- enchem de magníficas tapeçarias orientais e pavimentos de mosai-
40 cos homens desta época pensam que a sociedade pode seguir cos. Os palácios de Óstia, por exemplo, são maravilhosos. Arcadas 41
31, 32. Nesta página: che-
gada do imperador, a cavalo,
precedido de uma vitória dan-
çante e protegido pelo XP
cristão. Esta salva estilizada,
de prata, presente imperial,
figurando Constâncio II, mos-
tra que o imperador está sem-
pre disposto a socorrer os seus
súbditos. Na página ao lado:
na corte do Baixo Império
Romano, as imagens figuram
no cortinado que está atrás do
governador, e a multidão saú-
da-as quando apresenta as
suas reclamações. Julgamento
de Cristo do Evangeliário Ros-
sano, século
protegidas por cortinados, paredes revestidas de mármores colo- o recuo do celta na Gália e na Espanha não deve coisa alguma
ridos, mosaicos vistosos, criam uma atmosfera de opulenta inti- ao Império Romano clássico; espalhou-se devido à influência
midade. Empregam-se canalizações, exigidas pelo novo luxo das contínua do latim falado pelos proprietários, os cobradores e os
casas de banho particulares. É um mundo mais íntimo, menos bispos dos séculos iv e v.
ávido de publicidade. Em certos palácios cultiva-se a amizade, Muitas províncias colaboram inteiramente com o Império
aprecia-se a ciência, e o desenvolvimento do talento e dos senti- Romano, pela primeira vez, depois do século HL As províncias
mentos religiosos entre as mulheres importa mais do que as do Danúbio, que fornecem soldados e imperadores durante a
actividades caseiras da época anterior. época da restauração, participam com gosto na vida romana,
Por outro lado, a intensidade da vida local faz com que certos e dão fanáticos tradicionalistas, administradores astutos, bispos
aspectos da civilização romana se espalhem mais largamente do ousados e corajosos.
que até então sucedera. De Bordéus a Antioquia, as aristocracias Mesmo o mundo bárbaro é afectado pelo desenvolvimento.
participam igualmente no governo do Império. Os mosaicos de Desaparece o glacis económico e cultural entre o mundo medi-
Rochester e Dorset mostram um estilo de vida compartilhado terrânico e o da fronteira militar do Império. Ao longo do Reno
pelos senhores rurais de Antioquia e da Palestina. Mais,em baixo, e do Danúbio ricas vilas e residências imperiais cosmopolitas
os humildes provincianos também se consideram verdadeiros tentam os países menos desenvolvidos da Europa Central. Em
42 «romanos». O desenvolvimento do latim «vulgar» e, portanto, alguns lugares, as fronteiras do Império Romano são estabilizadas 43
graças ao desaparecimento deste glacis. O romano médio sente período da Antiguidade. Os provinciais das regiões orientais do
mais fortemente do que antes que está s6 e unido contra um Império são «romanos» entusiastas. Chamam-se a si mesmos
mundo externo ameaçador. Dentro do Império, todo o homem Rhomaioi, durante os seguintes mil anos; para o Levante medieval
se pode considerar romanus, e o próprio Império se chama agora bizantino, o Império continua sempre a ser conhecido por Rum,
Romania. Junto do Reno médio, o alastramento da civilização «Roma», e os cristãos por «Romanos», Rumi. Os provinciais mani-
provincial na direcção da fronteira dá origem a uma perigosa festam esta lealdade, não através do frágil protocolo das institui-
simbiose romano-bárbara. Os Alamanos, que ameaçam a Gália ções senatoriais ou cívicas, mas directamente — caindo de joelhos
do lado da Floresta Negra, são já, de certa maneira, uma sociedade ante as estátuas dos imperadores, representados nas suas poses
sub-romana; os seus guerreiros vivem em villas de estilo romano majestáticas e de olhos prescrutadores, como os únicos homens cujo
e usam os mesmos pesados cinturões e complicados broches dos «cuidado constante» se estendia a todos os habitantes da Romania.
oficiais romanos que os vigiam, de Colónia, Mainz e Estrasburgo. Uma diferença vital entre o Império Oriental c o Império
A civilização romana do século iv torna-se mais liberal do Ocidental encontra-se na lealdade. No Oriente há mais colabora-
que antes. No Oriente, as províncias que haviam continuado dores do Império, e colaboradores mais prósperos, do que no
silenciosas desde -o começo do período helenístico revelam-se, Ocidente. Devido a isto, o entusiasmo pelo imperador ancora-se
repentinamente, viveiros de talentos. A Capadócia, proverbialmente mais profundamente no Império do Oriente e este torna-se mais
atrasada, produz numerosos bispos altamente inteligentes — os popular. -
mais célebres são os padres capadócios, Basílio de Cesareia Mesmo depois das conquistas da República Romana, grandes
(c. 330-379); Gregório de Nissa (c. 331-396) e Gregório de áreas do Ocidente continuam essencialmente agrícolas e pouco
Nazianzo (329-389), que enchem as escolas clássicas de Antioquia desenvolvidas. Uma economia tão primitiva não podia deixar de
de dedicados jovens. O Egipto, que fora deliberadamente des- ter repercussões complexas, num século fiscal sem precedentes.
conhecido pelo Império Romano, desperta rapidamente; de uma Por alturas do século v, a riqueza do Ocidente cai nas mãos de
só vez, e ao mesmo tempo, os camponeses do Alto Egipto criam algumas grandes famílias; uma oligarquia de senadores impõe-se
uma nova cultura monástica completa, e as suas cidades exportam
uma sucessão de poetas de língua grega.
33. Antioquia no século tv, uma cidade romana tardia. Pormenor de um mosaico.
A característica mais saliente deste alastramento da influência
romana é o facto de o próprio Império vir a significar uma coisa
diferente para os novos romani. O velho coração da lealdade
havia sempre sido considerado ou demasiadamente abstracto
ou distante de mais. A não ser para um restrito e conhecido
círculo, a nostalgia do Senado pouco significava; fora do mundo
latino não havia veneração pela cidade de Roma. Os imperadores
latinos, como Diocleciano e os seus colegas, mostram que é
perfeitamente possível ser-se romanas fanático e, no entanto, visi-
tar Roma apenas uma vez na vida. Para o oriente helénico, o
Império é o imperador. L'état c'est moi, é a ideia que está atrás
44 da espontânea elevação da pessoa do imperador, durante o último
34, 35. A nova expressão artís-
tica. Os artistas locais e os seus
protectores abandonam os câno-
nes clássicos. Nesta página : apro-
ximação abstracta da figura hu-
mana; mosaico de um túmulo
de Tabarka, Tunísia, século tv.
Na página ao lado: elementos
fantasiosos (Orfeu e animais)
misturados aos temas da mito-
logia clássica; pavimento da
Palestina, século v.
entre o homem médio e o governo imperial, em cada província. lago da Galileia e do Negev um jardim de moradias decoradas
No Oriente, a importância do comércio e a proliferação de peque- com pavimentos de mosaicos; os camponeses do Egipto vêem
nas mas prósperas cidades através da zona interior do Mediterrâ- uma manifestação de independência e liberdade nos acampa-
neo dão origem a uma sociedade mais equilibrada e igualitária. mentos monásticos da Tebaida. A diferença de vida entre a
Os proprietários locais de uma cidade grega podem ser muito Europa Ocidental e o Oriente mediterrânico, que é o legado ime-
ricos e conservadores, mas, enquanto a Gália e a Itália são absor- diatamente mais importante do Mundo Antigo, tem por fundo
vidas por meia dúzia de grandes clãs, dez famílias, pelo menos, estes contrastes humildes e concretos.
rivalizam de influência só à volta de Antioquia. Os lucros de Duas cidades dos séculos tv e v foram recentemente esca-
um magnate citadino grego limitam-se à sua localidade, e a própria vadas — Óstia (junto de Roma) e Éfeso (Efes, Turquia). Ambas
cidade continua a ser o objecto das suas energias. O conceito surpreenderam os arqueólogos devido aos vestígios arquitectó-
helénico de euergeia, de rivalidade de grandes casas no bem, em nicos do velho mundo, às lembranças da sua vida cívica. Os
prol das respectivas comunidades, era extraordinàriamente notá- mosaicos de Óstia apontam o caminho da arte medieval, embora
vel. Em meados do século v, um bispo, quando acusado de fortemente ligados, quanto à cor, às tradições do século t de
heresia, defende-se instintivamente em termos desta tradição : Pompeia e Herculano. Como muitos fenómenos do final do Impé-
«Que poderão assacar-lhe os notáveis locais? Não embelezou rio Romano, só a falta de perspectiva mostra a sua carência de
ele a cidade de aquedutos e pórticos públicos?» A classe média, relação com o mundo clássico. Os estudiosos da Antiguidade
próspera a equilibrada, nunca era humilhada nem oprimida pelos concentraram-se de tal maneira no estudo do século t do Império
proprietários poderosos; formava um forte reservatório de cons- Romano que quase esqueceram a longa e calma transformação
cientes e correctos funcionários civis, postos ao dispor da admi- da arte clássica e as formas da vida pública durante os dois séculos
nistração, em Constantinopla; é ela que, através do último período que se estendem de Trajano a Constantino.
romano, enriquece as suas cidades com estátuas, inscrições e São de notar duas características até então desconhecidas.
igrejas, cuja riqueza só agora começa a ser descoberta pelos Belas estátuas encontradas em ambas as cidades revelam, nos
arqueólogos na Turquia. rostos concentrados e olhos fundos, novas preocupações interiores,
Posteriormente, os camponeses da Ásia Menor, Síria e Egipto de ordem sobrenatural. Ambas possuem belas basílicas cristãs.
tornam-se 'muito diferentes dos desprezados servos das províncias Estas duas características sugerem que, embora os homens do
do Ocidente. Podiam obter bons preços pelos seus cereais, nas século tv, a idade da restauração, se hajam adaptado a uma
cidades, e liquidar as suas rendas e impostos. Podiam, nestas nova ordem social e politica, importantes modificações religiosas
condições, satisfazer os pedidos do governo, sem serem arrastados e culturais os separam do mundo clássico de 200. Para compreen-
a servir nas herdades dos grandes senhores rurais. Em meados dermos estas modificações temos de retroceder ao tempo de
do século v, a diferença de atmosfera entre as duas partes do Impé- Marco Aurélio; importa ter em vista diferentes aspectos e expe-
rio é, em grande parte, devida à diferente situação dos humildes. riências; devemos, mesmo, considerar diversas áreas da sociedade
Enquanto a Gália é devassada pelas revoltas dos camponeses romana, estudar as transformações dos dirigentes intelectuais e
provocadas pelos impostos e rendas excessivas, os camponeses religiosos dos séculos tt tu e tv, as esperanças e preocupações
,
da Síria do Norte podem construir casas de pedra nas aldeias, da população média das grandes cidades mediterrânicas.
que agora poucos nómadas abrigam; os proprietários da Palestina
48 mantêm um sistema hidráulico que torna as proximidades do